Revista Segurança Publica & Cidadania VOL.4 N. 1

186

description

Jan - Jun/2011

Transcript of Revista Segurança Publica & Cidadania VOL.4 N. 1

  • egurana pblica

    idadania

  • vvvvv

    Revista Brasileira de Segurana Pblica & CidadaniaRevista da Academia Nacional de Polcia (ANP)

    Braslia, v. 4, n. 1, p. 1 - 185, jan./jun. 2011.ISSN 1983-1927

    Copyright 2008 - ANP

    Editor rEsponsvEl

    Guilherme Henrique Braga de Miranda

    Comisso Editorial

    Guilherme Henrique Braga de Miranda, Clio Jacinto dos Santos, Eliomar da Silva Pereira,

    Emerson Silva Barbosa, Gilson Matilde Diana,

    Manuela Vieira de Freitas, Andr de Almeida Oliveira.

    ConsElho Editorial

    Adriano Mendes Barbosa (ANP), Carlos Roberto Bacila (UFPR, PCPR), Cludio Arajo Reis (UnB), Fbio Scliar

    (DPF), Fernando de Jesus Souza (Perito Criminal), Guilherme Cunha Werner (DPF), Guilherme Henrique Braga

    de Miranda (ANP), Helvio Pereira Peixoto (DPF), Jander Maurcio Brum (Juiz - TJMG), Jos Pedro Zaccariot-

    to (UNIP, PCSP), Jos Roberto Sagrado da Hora (DPF), Manuel Monteiro Guedes Valente (PSP - Portugal),

    Marcello Diniz Cordeiro (DPF), Mirnjela Maria Batista Leite (DPF), Nelson Gonalves de Sousa (PMDF), Rodrigo

    Carneiro Gomes (DPF), Wagner Eduardo Vasconcelos (MPES).

    Ministrio da Justia

    Ministro: Jos Eduardo Cardozo

    Departamento de Polcia Federal

    Diretor-Geral: Leandro Daiello Coimbra

    Diretoria de Gesto de Pessoal

    Diretor: Joaquim Cludio Figueiredo Mesquita

    Academia Nacional de Polcia

    Diretor: Disney Rosseti

    Clio Jacinto dos Santos

    Coordenador da CAESP

    vvvvv

  • egurana pblica

    idadania

    Segurana Pblica & Cidadania, v. 4, n. 1, jan/jun 2011.

    ISSN 1983-1927

  • vvvvv

    Revista Brasileira de Segurana Pblica & CidadaniaRevista da Academia Nacional de Polcia (ANP)

    Braslia, v. 4, n. 1, p. 1 - 185, jan./jun. 2011.ISSN 1983-1927

    Os conceitos e idias emitidos em artigos assinados so de inteira responsabilidade dos autores, no representando, neces-

    sariamente, a opinio da revista ou da Academia Nacional de Polcia.

    Todos os direitos reservados

    Nos termos da Lei que resguarda os direitos autorais (de acordo com a Lei n 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 - Lei dos

    Direitos Autorais), ser permitida a reproduo parcial dos artigos da revista, sempre que for citada a fonte.

    Correspondncia Editorial

    Revista Segurana Pblica & Cidadania

    Rodovia DF 001 - Estrada Parque do Contorno, Km 2

    Setor Habitacional Taquari, Lago Norte-DF

    CEP - 71559-900 - Braslia-DF

    E-mail: [email protected]

    Publicao Semestral

    Tiragem: 1000 exemplares

    Projeto Grfico e Capa: Gilson Matilde Diana e Gleydiston Rocha

    Editorao: Manuela Vieira de Freitas e Guilherme Henrique Braga de Miranda

    vvvvvDados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Biblioteca da Academia Nacional de Polcia

    Segurana Pblica & Cidadania - Revista Brasileira de Segurana Pblica e Cidadania/Acade-

    mia Nacional de Polcia. - v. 1, n. 1, 2008 - . Braslia: Academia Nacional de Polcia,

    v. 4, n. 1, jan./jun. 2011.

    185p.

    ISSN 1983-1927

    Semestral

    1. Segurana Pblica - Peridico. 2. Cidadania. I. Brasil. Ministrio da Justia. Departamento de

    Polcia Federal. Academia Nacional de Polcia.

    351.759.6

    R 454

    Copyright 2008- ANP

  • SUMRIOARTIGOSO Servio Social na Polcia Federal: articulando direitos e cidadania ...........................................................................15

    Ana Glucia Martins Torres

    Capacitao e Afastamento de Servidores Pblicos da Unio: distino e aplicao combinada dos institutos jurdicos existentes .............................................................................................................................................................. 35

    Luiz Carlos Nbrega Nelson

    Problemtica Ambiental na Amaznia relativa s Terras Indgenas: alguns aspectos fticos e jurdicos ..................................................................................................................................................................................................................................73

    Idoriel Gomes de Abreu Junior

    Automatizao do Inqurito Policial sob a tica da Gesto Documental ...............................................................91

    Sandra Buth Zanon

    O Terrorismo e suas Implicaes no Ordenamento Jurdico Brasileiro. ...................................................................99

    Ronaldo de Figueiredo Menezes

    Cooperao Jurdica Internacional em Matria Penal: das cartas rogatrias s equipes de investi-gao conjuntas. ...........................................................................................................................................................................................................115

    Douglas Morgan Fullin Saldanha

    A Inconstitucionalidade da Investigao Criminal realizada pelo Ministrio Pblico. ...................................139

    Fbio Motta Lopes

  • CONTENTSARTICLESSocial Service on Federal Police: articulating rights and citizenship .............................................................................15

    Ana Glucia Martins Torres

    Training and Leave of Absence of the Federal Civil Servants: combined distinction and applica-tion of existing legal institutions .................................................................................................................................................................... 35

    Luiz Carlos Nbrega Nelson

    Environmental Problems in Amazonia on Indian Lands: some factual and legal aspects ..........................73

    Idoriel Gomes de Abreu Junior

    Automation of the Police Investigation from the Perspective of the Document Management ........91

    Sandra Buth Zanon

    The Terrorism and its Implications in the Brazilian Legal System. .................................................................................99

    Ronaldo de Figueiredo Menezes

    International Legal Cooperation in Criminal Matters: from the letters rogatory to the joint investi-gation teams. .....................................................................................................................................................................................................................115

    Douglas Morgan Fullin Saldanha

    The Unconstitutionality of the Criminal Investigation by Prosecutors ...................................................................139

    Fbio Motta Lopes

  • 9Braslia, v. 4, n. 1, jan./jun. 2011.

    Editorial

    com grande satisfao e orgulho que a Escola Superior de Po-lcia da Academia Nacional de Polcia apresenta comunidade policial e cientfica o primeiro nmero do quarto volume da Revista Brasileira de Segurana Pblica e Cidadania, mantendo o propsito de fomen-tar reflexes e pesquisas voltadas para o conhecimento multidisciplinar sobre segurana pblica, e oferecendo exemplos ilustrativos de meto-dologias e ferramentas adequadas para o desenvolvimento de polticas pblicas nessa temtica to importante para a sociedade humana.

    A revista vem um pouco mais encorpada que os ltimos nmeros, trazendo sete artigos sobre assuntos variados a fim de atender interesses diversos sobre o tema enfocado. Certamente, o relato e a exposio dos autores trar contribuio significativa para a busca de solues aos pro-blemas enfrentados por policiais e gestores da rea de segurana pblica, alm de estimular a discusso de questes complexas e controversas.

    Dessa maneira, apresentamos brevemente a seguir, os assun-tos tratados na presente edio da RSPC.

    O primeiro artigo publicado intitulado Servio Social no DPF, de autoria de Ana Glucia Martins Torres, que discorre sobre o importante papel do assistente social nas transformaes das relaes sociais nos dife-rentes componentes da sociedade capitalista (trabalho, famlia, instituies, sade, etc.). Ana Glucia discute a inter-relao entre violncia e segurana pblica, a postura tica e outras questes a cerca das polticas pblicas da rea de segurana pblica, destacando a contribuio do profissional de servio social para a consolidao de um novo modelo de polcia cidad.

    O artigo seguinte, de Luiz Carlos Nbrega Nelson, cujo ttu-lo Capacitao e Afastamento de Servidores Pblicos da Unio: distino e aplicao combinada dos institutos jurdicos existentes, trata do Princpio da Eficincia, ou seja, a obrigao do Estado de modernizar a mquina

  • 10Braslia, v. 3, n. 1, jan/jun 2010.

    pblica, capacitando e aprimorando seus servidores. O texto apre-senta extensivamente a legislao vigente, elucidando a finalidade de cada modalidade de capacitao existente no Poder Executivo Fede-ral, bem como analisando a atuao das escolas de governo na prepa-rao e aplicao dos seus programas de capacitao, respeitando os institutos jurdicos existentes.

    Como diz seu prprio ttulo, o terceiro artigo publicado, Pro-blemtica Ambiental na Amaznia relativa s Terras Indgenas: alguns aspectos fticos e jurdicos, de autoria de Idoriel Gomes de Abreu Junior, apre-senta os principais problemas relacionados questo indgena, como consequncia da aculturao dos silvcolas. So levantados aspectos ambientais, legais e jurdicos, bem como discutidas os principais ato-res e ferramentas associados proteo das terras indgenas e seus legtimos ocupantes. Em sua concluso, o autor destaca o dever pbli-co do Estado de promover a preservao e defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, apontando a necessidade de conscienti-zao dos indgenas em relao ao valor e importncia de suas terras e de fiscalizao intensa das irregularidades presentes.

    O quarto artigo Automatizao do Inqurito Policial sob a tica da Ges-to Documental, produzido por Sandra Buth Zanon, expe uma anlise da problemtica resultante da automatizao do inqurito policial na Polcia Federal, aproveitando a oportunidade para realizar um questionamen-to da importncia histrica da investigao criminal para a instituio, destacando a necessidade de preservao dessa histria e questionando o modo como isso tem sido feito, ainda mais num cenrio de avanos tecnolgicos acelerados na gesto da informao e na busca de maior celeridade e eficincia ao inqurito policial. Por fim, a autora ressalta a importncia do respeito aos requisitos de validade jurdica documental, seguindo as premissas de garantia da autenticidade, integridade, confiabi-lidade, tempestividade e acessibilidade.

    O Terrorismo e sua Implicaes no Ordenamento Jurdico Brasileiro, de Ronaldo de Figueiredo Menezes, o quinto artigo desta revista, trazendo

  • 11Braslia, v. 4, n. 1, jan./jun. 2011.

    uma anlise legal de algumas da principais questes relacionadas essa consequncia nefasta do fenmeno da globalizao que tem dispersado por todo o planeta, a sensao de insegurana, medo e vulnerabilidade violncia. Ronaldo em sua busca por respostas e explicaes que pro-duzam compreenso e controle sobre essa preocupao mundial, que assume importncia ainda maior com a aproximao dos grande eventos esportivos que sero sediados pelo Brasil nos prximos anos.

    No sexto artigo, Cooperao Jurdica Internacional em Matria Penal: das cartas rogatrias s equipes de investigao conjuntas, Douglas Morgan Fullin Saldanha reto-ma o estudo da globalizao de prticas criminosas transnacionais, buscando solues para os empecilhos jurdicos internacionais, por meio da evoluo da cooperao jurdica em matria penal, que permite o estreitamento da relao entre os Estados no combate aos delitos transnacionais e internacionais.

    O stimo e ltimo artigo A Inconstitucionalidade da Investigao Criminal realizada pelo Ministrio Pblico, produzido por Fbio Motta Lopes, traz uma reviso bibliogrfica minuciosa e uma anlise criteriosa da atribuio exclu-siva de investigao criminal da polcia judiciria no Brasil, questionando a legitimidade do parquet no desempenho desta funo, a fim de garantir a "igualdade de armas" entre defesa e acusao no processo judicial. Assim, a despeito da inquestionvel titularidade da ao penal e do exerccio do controle externo da atividade policial, o autor opina pela inconstitucionali-dade do Ministrio Pblico na conduo direta da investigao e sugere o resguardo da exclusividade da investigao criminal policial.

    Com uma leitura agradvel e ao mesmo tempo profunda, espera-se que a Revista Brasileira de Segurana Pblica e Cidadania, em seu quarto ano de produo, continue proporcionando combustvel para o debate acadmico srio e apropriado das questes de destaque relacio-nadas segurana pblica e atividade policial.

    GUILHERME HENRIQUE BRAGA DE MIRANDA

    Editor

  • ARTIGOSARTIGOS

    ARTICLESARTICLES

  • ARTIGOSARTIGOS

    ARTICLESARTICLES

    O Servio Social na Polcia Federal: articulando direitos e cidadania ...............15

    Capacitao e Afastamento de Servidores Pblicos da Unio: distino e aplicao combinada dos institutos jurdicos existentes ..........................................35

    Problemtica Ambiental na Amaznia relativa s Terras Indgenas: alguns aspectos fticos e jurdicos ...................................................................................................................73

    Automatizao do Inqurito Policial sob a tica da Gesto Documental ...91

    O Terrorismo e suas Implicaes no Ordenamento Jurdico Brasileiro. ....... 99

    Cooperao Jurdica Internacional em Matria Penal: das cartas rogatrias s equipes de investigao conjuntas......................................................................................... 115

    A Inconstitucionalidade da Investigao Criminal realizada pelo Ministrio Pblico. .......................................................................................................................................................................139

    Social Service on Federal Police: articulating rights and citizenship .................15

    Training and Leave of Absence of the Federal Civil Servants: combined distinction and application of existing legal institutions ..............................................35

    Environmental Problems in Amazonia on Indian Lands: some factual and legal aspects ...........................................................................................................................................................73

    Automation of the Police Investigation from the Perspective of the Docu-ment Management ..............................................................................................................................................91

    The Terrorism and its Implications in the Brazilian Legal System. ..................... 99

    International Legal Cooperation in Legal Matters: from the letters rogatory to the joint investigation teams. ....................................................................................................... 115

    The Unconstitutionality of the Criminal Investigation by Prosecu-tors...............................................................................................................................................................................139

  • 15ISSN 1983-1927Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    Recebido em 19 de dezembro de 2009.Aceito em 1 de outubro de 2010.

    o SErvio Social na Polcia FEdEral: articulando dirEitoS E cidadania

    Ana Glucia Martins Torres

    D

    RESUMO

    Este artigo enfoca a atuao do profissional do Servio Social no mbito da Polcia Federal, partin-do da compreenso de que esta profisso se inscreve nos marcos das transformaes das relaes sociais na sociedade capitalista. Compreende-se tambm que tais profissionais trabalham com os rebatimentos da questo social, da as mltiplas formas que estes atores sociais enfrentam essa questo nos diversos campos, ou seja: no trabalho, na famlia, na sade, nas instituies, dentre outros. no cotidiano do fazer profissional que se processa a prtica do Assistente Social, mo-mento em que se apresentam limites e possibilidades para prtica, no sentido de avanar num projeto societrio que alie tica e cidadania. O ponto de partida desse artigo focou-se no eixo que discute a inter-relao entre violncia e segurana pblica, no sentido de desmistificar as vrias manifestaes do fenmeno da violncia, contribuindo para romper os ciclos que naturalizam sua re(produo) nas aes cotidianas do cenrio histrico-social. Portando, se analisa aqui, de que forma os profissionais do Servio Social, pautando-se nos valores defendidos no seu Cdigo de tica profissional, podem contribuir para a construo de um novo redesenho institucional por que passa a Polcia Federal no atual momento, no somente colaborando com as discusses acerca das polticas pblicas da rea da Segurana Pblica, mas trabalhando na busca da consolidao de um novo modelo de polcia cidad.

    Palavras-chave: Violncia. Segurana Pblica. Projeto tico-Poltico. Servio Social.

    introduo

    No primeiro momento deste trabalho, composto de trs sees, buscou-se discutir temas que so convergentes, como a Violncia e a Se-gurana Pblica. Tal estudo apoia-se no referencial terico de Monjardet (2003), Silva e Silva (2005), Rolim (2006) e Sales (2007), dentre outros.

  • 16Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    O Servio Social na Polcia Federal: articulando direitos e cidadania

    Posteriormente, aborda-se o redimensionamento das polcias nas sociedades atuais, trazendo para a reflexo a anlise da Polcia Federal do Brasil, observando seus aspectos histricos e sua pers-pectiva de futuro, fundamentada atravs do seu Plano Estratgico para 2022.

    Ainda neste contexto, na Seo II buscou-se ressaltar sobre o direcionamento da atual Poltica de Recursos Humanos do Departa-mento de Polcia Federal, sinalizada atravs do documento supracita-do, e quais as diretrizes institucionais para os profissionais do Servio Social na instituio.

    A Seo III versa sobre a insero do Assistente Social na Po-lcia Federal, destacando a importncia do Projeto tico-Poltico do Servio Social, enquanto parmetro que norteia a prtica profissional da categoria, elegendo valores que devem estar presentes no cotidia-no da atuao profissional, quais sejam: liberdade, democracia, igual-dade, justia e solidariedade. Valores indicados sempre em oposio ao autoritarismo, violncia, desrespeito aos direitos socais e polticos, entre outros (BONETTI et al., 2009).

    Por ltimo, relata-se a atuao do Servio Social na Polcia Federal, traando um cenrio de limites e possibilidades para prtica profissional no mbito da Segurana Pblica, e os desafios para a materializao dos valores do Cdigo de tica, no exerccio profis-sional cotidiano.

    Nas consideraes finais sero feitas anlises, que colocam os desafios para o Servio Social, no sentido perceber qual o caminho que a categoria ir traar, para fazer frente transio por que passa a Po-lcia Federal e, de posse de todo um arcabouo terico-metodolgico, possa desenvolver um trabalho que faa a interlocuo vivel entre o Direito e a Justia Social.

  • 17Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    Ana Glucia Martins Torres

    1. conSidEraES GEraiS acErca da violncia E da SEGurana Pblica

    1.1 Desmistificando o fenmeno da violncia

    A Segurana Pblica tornou-se prioridade nos debates atuais na proporo em que cresce o avano da violncia e criminalidade em parte significativa dos espaos urbanos. As polticas pblicas destinadas a este setor assumem um papel expressivo, porm no do conta da demanda que cotidianamente aumenta, associada a problemas estruturais carac-terstica da sociedade capitalista globalizada.

    A anlise da violncia como uma das faces da questo social, requer a busca da compreenso deste fenmeno, pautando-se em alguns aportes terico-histricos que deem conta da totalidade dos fenmenos sociais, representados a partir das relaes sociais cotidia-nas, considerando que:

    [...] a violncia assume, em suas diversas manifestaes, um duplo carter, simblico e prtico, os quais funcionam como elementos-chaves para sua (re)produo nos diversos campos sociais. Com isso, possvel desnaturalizar a realidade da violncia na ordem social existente, dissimulada sob diversas formas: o machismo o adultocentrismo; o racismo; a disciplinarizao nas instituies totais, a desigualdade social, o sociocentrismo etc. (CHAU, 2005 apud SILVA; SILVA, 2005, p. 16).

    O problema da violncia, que se mostra cada vez mais real por ser demarcado pela gnese histrica da desigualdade social, encontra-se inserido no contexto das lutas e dilemas pela construo da cidadania e democracia no Brasil. Assim sendo, h que se fazer um breve resgate histrico, nos reportando poca da Colnia, e s caractersticas de uma sociedade baseada na dependncia econmica externa, no latifndio, na monocultura e na apartao social expressa atravs da escravido. De acordo com a anlise de Sales (2007, p. 51):

  • 18Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    O Servio Social na Polcia Federal: articulando direitos e cidadania

    [...] nesta grande fratura social residem, pois, as razes de uma sociabilidade auto-ritria, cujas principais caractersticas eram: segregao racial, desprezo pela massa despossuda, naturalizao da grande distncia social em termos de condies de vida e de trabalho entre os brasileiros, desvalorizao cultural do mundo do trabalho, banalizao da violncia ou recurso violncia privada contra os escravos at os trabalhadores, dentre outros. Valores e prticas que constituem traos indelveis no inconsciente coletivo cultural e jurdico-institucional brasileiro [...].

    Detendo-se com mais afinco aos perodos histricos que vo da Colnia ao Imprio, adentrando pela Repblica, pode-se perceber que a mquina estatal esteve sempre nas mos das elites econmicas e polticas, sendo que tais grupos encaravam as questes sociais de forma a conceder-lhes menor valorao, o que acabou por delinear a formao social e poltica do pas, quase sempre priorizando os inte-resses privados em detrimento do pblico. Conforme salienta Sales (2007, p. 56), torna-se importante destacar as consequncias estrutu-rais desta composio poltica, em que [...] a construo dos vnculos civilizatrios, tem sido marcado por discriminaes sociais, tnicas, represso, corrupo e autoritarismo, em razo estes ltimos, da forte penetrao do Estado pelos interesses das classes dominantes.

    Na Repblica Velha quando j superada a questo da escra-vido ganha forma um novo tipo hegemnico de poder poltico. O coronelismo representava a oligarquia agro-exportadora e garan-tia s elites da poca o acesso e o controle das riquezas produzidas no pas. necessrio perceber que a cultura poltica no Brasil, foi sempre pautada na ambgua e contraditria ideologia de conciliao entre as classes, e na disseminao de valores que iam ora incenti-vando a vida pacfica, ora legitimando-se valores e saberes baseados no autoritarismo e aes discriminatrias.

    Na era Vargas, o Estado assume um carter desenvolvimentista, lanando mo de estratgias para a construo de um novo pacto social para o redirecionamento da economia. Neste perodo, torna-se relevan-te enfatizar que o prprio Estado produz e (re)produz uma violncia

  • 19Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    Ana Glucia Martins Torres

    simblica e real, atravs das mais variadas formas ideolgicas, caracteri-zadas pelo populismo, mandonismo e paternalismo (SALES, 2007).

    No Brasil, a constituio de uma cultura poltica, desde o perodo da Colnia at os tempos atuais, diz respeito a uma forte resistncia, por parte da sociedade como um todo, em assegurar direitos. Trazendo tais questes para a contemporaneidade, torna-se ainda mais complexa, nos marcos do contexto neoliberal, a construo coletiva de um outro tipo de sociabilidade, uma vez que tal ideologia poltica traz como consequncia a fragmentao e fragilizao dos laos sociais.

    Dessa maneira, compreende-se que tal recorte histrico um instrumento importante para o entendimento do cenrio urbano que se apresenta, no sentido de que esta anlise serve como pano de fundo para a compreenso crtica dos momentos de tenso vivenciados pelos os indivduos na espacialidade que engendra toda a teia de relaes so-ciais, numa sociedade que traduz cada vez mais um cenrio desola-dor, como aponta Sales (2007, p. 59): E entre os dramas modernos que desafiam a institucionalidade democrtica e o Estado de Direito, sinnimo da ordem legal, sobressaem a corrupo, a violncia e o crime organizado.

    Assim sendo, a violncia tratada aqui, numa perspectiva dial-tica, cuja leitura passa pelo vis da desmistificao deste fenmeno, vis-to de mltiplas maneiras, como uma linha quase invisvel que atravessa todo o tecido social. Alm disso, presente na teia do poder e expres-so da forma como se organizam as relaes sociais no capitalismo, a violncia pode muitas vezes estar sutilmente reproduzida nos diversos campos sociais, e legitimada por valores e aes que nem sempre se traduzem e ganham visibilidade.

    Portanto, busca-se aqui compreender a questo da Segurana Pblica e a necessidade do trabalho das polcias dentro do contexto de uma cultura da violncia, ou seja, como produto de uma sociabilidade

  • 20Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    O Servio Social na Polcia Federal: articulando direitos e cidadania

    que alia o processo histrico e atual da resoluo dos seus conflitos por intermdio do uso de prticas violentas, muitas vezes transformadas em fetichismos e alienaes.

    1.2 Na trilha de Alice: construindo novos paradigmas para a Se-gurana Pblica

    Na obra intitulada: A Sndrome da Rainha Vermelha, o estu-dioso Marcos Rolim (2006) pega carona na metfora trazida por Lewis Caroll, para falar dos emblemas na Segurana Pblica, fazendo um re-corte pela passagem do personagem da encantadora Alice, quando esta convidada pela Rainha Vermelha a correr exaustivamente, e o susto que ela leva ao se dar conta que, quanto mais corria, menos saa do lugar. Rolim (2006) faz uma reflexo acerca das dificuldades e contradies das polticas pblicas de segurana implementadas at o momento.

    O antroplogo Luis Eduardo Soares (2006, p. 11), prefaciando a obra supracitada prope [...] quebrar os espelhos, rasgando precon-ceitos e lugares-comuns, exorcizando simplificaes e reducionismos, driblando dogmas e desinformao [...]. Esta justamente a proposta apresentada e reiterada diversas vezes por estudiosos da questo: chamar ateno para superao de anlises acrticas, unindo esforos no sentido de romper com os obscurantismos, buscando tratar a questo da segu-rana com maior rigor cientfico e racionalidade, investindo em pesquisas e estudos consistentes, unindo saberes acadmicos e experincias positi-vas nacionais e internacionais, dentre outras aes.

    E no cintilar da trilha de Alice que o autor abre espao para a discusso sobre a crise de paradigmas por que passam as polcias, uma vez que o modelo reativo j no responde mais s demandas apresenta-das quanto o enfrentamento do crime, por gerar aes fragmentadas e controles inadequados.

    Neste cenrio de busca de novos horizontes, o Estado tenta se re-organizar e estruturar o aparato policial, como forma de se contrapor s

  • 21Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    Ana Glucia Martins Torres

    organizaes criminosas que so cada vez mais sofisticadas. Diante deste fato, h que se pensar sobre uma possvel sociologia da polcia, como sugere Monjardet (2003) sinalizando as dimenses essenciais da polcia: institucional, organizacional e profissional, e aqui se poderia acrescentar tambm a dimenso tica, por entender que tal atividade social dever ser ontologicamente permeada por valores ticos, pautando-se na defesa incansvel dos Direitos Humanos e na Justia Social. Descrevendo os processos de trabalho da polcia, este mesmo autor destaca:

    [...] no h organizao formal sem organizao informal e, portanto, sem opa-cidade e inrcia. Do mesmo modo, todo grupo profissional, uma vez definido por ser detentor de competncias exclusivas (seja em atribuies ou saberes), desenvolve interesses e cultura profissional prprios, que constituem outros tantos princpios e capacidades de resistncia instrumentalizao por terceiros: no h profisso sem um quantum de autonomia. (MONJARDET, 2003, p. 23).

    Considerando o fato de que ainda no h uma vasta literatura especfica sobre Segurana Pblica, buscou-se dialogar com as questes que so os eixos transversais da temtica, ou seja, as questes correlatas ao entendimento e elucidao da problemtica, como o caso da vio-lncia, do crime e da prpria fase de redimensionamento das polcias na contemporaneidade.

    2. Polcia FEdEral: hiStrico E PErSPEctivaS Para o Futuro

    Neste caso especfico, a Polcia Federal do Brasil ser analisada como rgo de Segurana Pblica, traando um breve histrico so-bre a instituio e, posteriormente trazendo para discusso, as novas perspectivas institucionais a partir do seu Plano Estratgico para 2022 (BRASIL, 2008) considerando o que este traz de inovador ao apon-tar para a construo de um redesenho institucional que d conta das atuais demandas sociais, e aponte uma nova viso de gerenciamento, pautada nos princpios da gesto moderna.

    Segundo documentos oficiais do prprio Departamento de Po-lcia Federal, a vinda de D. Joo VI ao Brasil, datada de 10 de maio de

  • 22Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    O Servio Social na Polcia Federal: articulando direitos e cidadania

    1808, possibilitou a criao da Intendncia-Geral de Polcia da Corte e do Estado do Brasil. Mas, apenas em 28 de maro de 1944, atravs do decreto-lei n 6.378, no governo de Getlio Vargas, a Polcia Civil do Distrito Federal foi transformada em Departamento Federal de Seguran-a Pblica (DFSP), ligada ao Ministro da Justia e Negcios Interiores. Da que, a data de 28 de maro de 1944, considerada oficialmente como data originria da Polcia Federal.

    A reorganizao do DFSP foi realizada somente em 1964, quando a Lei n 4.483/64 conferiu ao rgo atuao em todo territrio nacional. Porm, com a reforma administrativa a partir da Constituio de 1967, em seu artigo 210, foi institudo o Departamento de Polcia Federal (BRASIL, 2004).

    Mas no contexto de luta pela redemocratizao do pas, na d-cada de 1980, que ocorreu um forte clamor social no sentido de pleitear uma remodelao das polcias, trazendo prticas policiais que resguardas-sem os direitos dos cidados. Toda essa conjuntura culminou com a pro-mulgao da Constituio de 1988, a qual denomina a segurana como um dever do Estado e responsabilidade de todos. na Constituio de 1988 que a Polcia Federal denominada como rgo de Segurana P-blica, tendo suas atribuies previstas no artigo 144 da Carta:

    1 A polcia federal, instituda por lei como rgo permanente, organizado e mantido pela Unio e estruturado em carreira, destina-se a:

    I apurar infraes penais contra a ordem poltica e social ou em detrimento de bens, servios e interesses da Unio ou de suas entidades autrquicas e empresas pblicas, assim como outras infraes cuja prtica tenha repercusso interestadual ou internacional e exija represso uniforme, segundo se dispuser em lei;

    II prevenir e reprimir o trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins, o con-trabando e o descaminho, sem prejuzo da ao fazendria e de outros rgos pblicos nas respectivas reas de competncia;

    * III exercer as funes de polcia martima, aeroporturia e de fronteiras;

    * Nova redao dada pelo art. 19 da Emenda Constitucional n 19, de 4.6.1998.

    IV exercer, com exclusividade, as funes de polcia judiciria da Unio.

  • 23Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    Ana Glucia Martins Torres

    Assim, passados mais de 60 anos aps sua criao, conforme cro-nologia do documento oficial mencionado anteriormente, a Polcia Fe-deral contemporiza uma imagem positiva e de alta credibilidade perante a sociedade brasileira produto de sua trajetria histrica, seus erros e acertos durante este percurso, mas, sobretudo, pelo compromisso coleti-vo dos homens e mulheres que a compe.

    Partindo da anlise do Plano Estratgico da Polcia Federal para os prximos 20 anos, chama ateno o que apontam as Polticas Corpora-tivas para o rgo, no sentido de direcionar a gesto administrativa para uma poltica de recursos humanos pautada em novos paradigmas, conjec-turados com as mudanas estruturais e as novas temticas em discusso na atualidade produto de uma conjuntura histrica e das mudanas sociais em curso no seio da sociedade globalizada. Neste sentido, dentre os itens prioritrios descritos no quadro das Polticas Corporativas do DPF est expresso que a filosofia institucional ser orientada para tais princpios: Respeito aos direitos humanos, tica e cidadania, dentre outros.

    interessante considerar ainda que, dentre os Objetivos, Estra-tgias e Metas do Plano Estratgico da Polcia Federal, constam como prioridade a promoo da assistncia social e a sade do servidor, con-forme descreveremos abaixo:

    Aprimoramento da assistncia sade dos servidores e de seus dependentes, quan-to descrio deste item, tem como objetivo central realizar estudos objetivando aprimorar os procedimentos administrativos legais, no sentido de melhorar o rela-cionamento com o pblico interno. Abordar no estudo, dentre outros elementos:

    os mtodos e processos bsicos, existentes no DPF, quanto ao servio social, visando facilitar a recuperao do paciente e promover sua reintegrao ao meio social e familiar e de trabalho;

    a adoo de tcnica do servio social de casos, para possibilitar o desenvolvimento das capacidades dos pacientes e conduzir o seu ajustamento ao meio social;

    como prestada a assistncia ao paciente com problemas referentes adaptao profissional ou social, com diminuio da capacidade de trabalho proveniente de molstia ou acidente;

  • 24Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    O Servio Social na Polcia Federal: articulando direitos e cidadania

    mapear os trabalhos de interesses da Assistncia Social no DPF, com a finali-dade de se levantar as reais necessidades do pblico interno;

    melhorar a forma de relacionamento com o pblico interno no que se tratar de Assistncia Social. (BRASIL, 2008).

    Conforme exposto no Plano Estratgico, percebe-se que a institui-o aponta para a importante questo de adotar uma poltica de recursos humanos, concatenada com as reais necessidades dos servidores, no sentido de reconhec-los como sujeitos portadores de direitos sociais e humanos.

    Uma vez que o Plano Estratgico da Polcia Federal (BRASIL, 2008) atribui importncia significativa ao profissional do Servio Social, seria preciso estabelecer uma relao entre a atuao e prticas destes profissionais na instituio com as construes terico-metodolgicas que vem se construindo no mbito da formao e ao do Assistente So-cial em outros espaos sociais, como o caso da universidade e instncias organizativas da categoria.

    Em nvel nacional vem se construindo o conceito de que cabe a este profissional trabalhar na mediao das relaes sociais, produzin-do saberes e nutrindo-se da produo intelectual da modernidade. Nesta perspectiva que, o profissional do Servio Social deve buscar articular as vrias dimenses da prtica profissional, ou seja: a dimenso terico-metodolgica, a tcnico-operativa e a pedaggica. Essa questo tam-bm reforada por Abreu (2004, p. 60) ao dizer que:

    [...] a dimenso pedaggica do Servio Social remete sua funo primeira, essen-cial na sociedade, isto , diz respeito aos efeitos da ao profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos envolvidos nesses processos, contribuindo para a forma-o de subjetividades e padres de condutas individuais e coletivas [...].

    Na perspectiva de Bravo (2006), os Assistentes Sociais trabalham com as mais variadas expresses da questo social, ou seja, como os su-jeitos sociais as experimentam e as enfrentam na famlia, no trabalho, na sade, na assistncia social e nos demais campos socioinstitucionais que configuram o campo das polticas sociais pblicas e privadas.

  • 25Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    Ana Glucia Martins Torres

    Ademais, o Assistente Social, nos marcos dos limites imediatos em que se concretizam suas aes cotidianas, tem o dever de cultivar uma postura tica e poltica, uma vez que esse profissional dispe de um Cdigo de tica Profissional, que atribui sua prtica o compromisso tico-poltico de contribuir para ampliao da democracia e da cidadania, nos diversos espaos de sua atuao profissional, atravs de respostas tcnicas qualitativas e criativas.

    3. o SErvio Social E Sua inSEro na Polcia FEdEral

    3.1 Observaes sobre o Projeto tico-Poltico do Servio Social

    A profisso do Assistente Social possui como norte no exerccio pro-fissional um projeto tico-poltico materializado no Cdigo de tica da Pro-fisso (1986 1993), na lei de regulamentao da profisso (Lei n 8.662/90) e nas diretrizes curriculares (1982/1996) que trouxeram para a profisso gran-des avanos. De acordo com Mendes, Nogueira e Couto (2004, p. 73):

    [...] por meio do Cdigo de tica constituiu-se, democraticamente, direitos e deve-res dos assistentes sociais, segundo princpios e valores humanistas, guias para o exerccio profissional cotidiano. Destacam-se no campo tico-poltico o reconheci-mento da liberdade como valor tico central, com o reconhecimento da autonomia, da emancipao e da plena expanso dos indivduos sociais e de seus direitos; a defesa intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de arbtrio e autorita-rismos; o aprofundamento e a consolidao da cidadania e da democracia [...].

    Assim, compreende-se que tais questes esto inscritas no con-texto dos processos societrios contemporneos, contudo, a profisso vem legitimando sua prtica e construindo os saberes que a identificam, adequando-se cada vez mais a seu tempo histrico e aos embates que se apresentam em cada realidade.

    Sem dvida, ao passo em que isso se constitui um grande desafio para a profisso, tambm abre possibilidade para construo de novos espaos pro-fissionais e novos dilemas ticos, tensionados na dinmica do trabalho cotidia-no, lugar primordial onde se d o fazer profissional do Assistente Social.

  • 26Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    O Servio Social na Polcia Federal: articulando direitos e cidadania

    Desta forma, torna-se importante construir espaos de discus-so coletiva, que tragam como questo central a importncia do projeto tico-poltico profissional, como norteador do exerccio profissional na Polcia Federal. Paiva e Sales (1998, p. 174) explicam que [...] o eixo do projeto poltico-profissional tem sido a defesa das polticas pblicas e da qualidade dos servios prestados populao, na perspectiva de garantia da efetivao dos direitos sociais [...].

    Diante do exposto, o desafio que se impe aos Assistentes Sociais na Polcia Federal, o da materializao dos princpios do seu cdigo de tica ao cotidiano profissional.

    Assim, percebe-se concretamente, que a polcia passa por um re-ordenamento institucional, de maneira que, traar os caminhos percor-ridos e os desafios enfrentados pelos profissionais do Servio Social na Polcia Federal, ser fazer parte de um devir histrico, que no se embota na engrenagem burocrtica, que ainda engessa o avano das mudanas de-sejadas nas instituies pblicas no Brasil, mas abrem-se microespaos, que apontam para a possibilidade de dialogar com novos atores e novos sabe-res, que podero ajudar a criar elos de participao e solidariedade social.

    3.2 A atuao do Assistente Social na Polcia Federal: cenrios de limites e possibilidades

    Nos ltimos dez anos, a Polcia Federal passou por mudanas sig-nificativas, abrindo espao para novos profissionais, notadamente, para Assistentes Sociais, at ento inexistentes na instituio.

    Em 2005 foi realizado o I Encontro dos Assistentes Sociais da Polcia Federal, em Braslia. O objetivo central deste encontro foi conhecer o trabalho desenvolvido pelos Assistentes Sociais nas Supe-rintendncias Regionais, bem como suas dificuldades e perspectivas.

    No primeiro momento, a ao dos Assistentes Sociais foi apreen-der o universo institucional, sua organizao, cultura, valores, relaes de

  • 27Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    Ana Glucia Martins Torres

    poder e contrapoder, relaes de trabalho, dinmica interna, ambincia, pessoal (cargos, funes), situao familiar, entre outras questes, visan-do conhecer as demandas a serem trabalhadas.

    Esse encontro produziu alguns questionamentos, tanto com re-lao s atividades desenvolvidas pelos Assistentes Sociais, como pela expectativa da instituio quanto aos trabalhos destes profissionais. No encontro foram levantadas as seguintes inquietaes:

    a ausncia de um plano de trabalho e falta de padronizao nos ins-trumentais tcnicos, dificultavam a visibilidade do Servio Social no espao institucional;

    a no identificao do objeto de trabalho na instituio gerava a des-valorizao dos servios desenvolvidos pelos Assistentes Sociais;

    falta de estrutura fsica para desenvolver um trabalho eficiente (faltam equipamentos e materiais), alm de no haver um local adequado para atendimento trazendo prejuzos quanto preservao da privacida-de dos envolvidos;

    necessidade de um trabalho integrado com a rea da sade e com o setor de pessoal, possibilitando um atendimento mais amplo e cont-nuo para os servidores.

    Dentro desta perspectiva de anlise da realidade institucional, algumas observaes crticas foram postas em debate. Assim sendo, observa-se que tanto o profissional do Servio Social, como os servi-dores do Departamento de Polcia Federal, experimentam situaes que se refletem na produo e reproduo da violncia. Por outro lado, ao mesmo tempo em que tais atores sociais se defrontam com o individualismo, com a corrupo, com o crime e com a dinmica inerente ao cotidiano de uma instituio policial, a conjuntura abre espao para discusso de tendncias ticas, de valores que norteiam o profissional para um enfrentamento consciente das diversas manifes-taes da questo social, conceituado a partir da definio dada por Wanderley, Yazbek e Bgus (2008, p. 62):

  • 28Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    O Servio Social na Polcia Federal: articulando direitos e cidadania

    [...] a questo social fundante, que permanece vigindo sob formas varireis nesses 500 anos de descobrimento a nossos dias, centra-se nas extremas desigualdades e injustias que reinam na estrutura social dos pases latino-americanos, resultantes do modo de produo social, nos novos modos de desenvolvimento que se formaram em cada sociedade nacional e na regio em seu complexo. Ela se funda nos contedos e formas assimtricas assumidos pelas relaes sociais, em suas mltiplas dimenses econmicas, polticas, culturais, religiosas,com acento na concentrao de poder e de riqueza de classes e setores sociais dominantes e na pobreza generalizada e de outras classes e setores sociais que constituem as maiorias populacionais [...].

    A partir deste embasamento terico, lanando mo de uma com-petncia estratgica, como diria Iamamoto (2009), capaz de articular tc-nicas e contedos necessrios para desempenhar seu papel, os Assistentes Sociais passaram a lutar por um espao efetivo no campo institucional, atravs da implantao de alguns projetos de interesse dos servidores da instituio, os quais deram credibilidade ao trabalho destes profissionais, at ento considerado um paliativo.

    Em novembro de 2008, foi realizado em Salvador-BA, o Curso de Percia Social para os Assistentes Sociais do Departamento de Polcia Federal, com o objetivo de instrumentaliz-los para o desen-volvimento da percia social, enquanto especialidade do Servio Social, bem como garantir a tica no exerccio profissional e a consolidao do projeto tico-poltico da profisso.

    A prtica dos Assistentes Sociais na Polcia Federal foi a tnica do encontro, ou seja, as discusses aconteceram a partir das seguintes questes, tendo como referencial o projeto tico-poltico da profis-so: Qual o objeto da prtica profissional? Qual o mtodo de trabalho adotado e quais os objetivos propostos? Estas e outras questes foram discutidas e trabalhadas de forma coletiva, dando oportunidade a todos de mani-festarem suas opinies.

    Sem dvida, tais encontros se consubstanciaram como uma con-quista para os Assistentes Sociais, fortalecendo a categoria e legitimando sua prtica. No entanto, pelo fato de que sua atuao se d no mbito da

  • 29Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    Ana Glucia Martins Torres

    segurana pblica, com suas complexidades e contradies, alguns desa-fios devem ser enfrentados por esses profissionais, tais como:

    a estrutura organizacional adotada pela instituio, hierarquizada, fragmentada, formalismo acentuado e burocracia excessiva, dificulta uma compreenso institucional na sua totalidade;

    a viso conservadora e assistencialista que alguns dirigentes fazem e reproduzem do Servio Social concorre para a desvalorizao destes profissionais;

    a necessidade de implantar mecanismos tcnicos e prticos para efeti-vao de um plano de trabalho pautado no atual projeto tico-poltico do Servio Social.

    Considerando que das 27 Superintendncias Regionais, 24 pos-suem profissionais de Servio Social, verificou-se a inviabilidade de um modelo nico de trabalho, face heterogeneidade das regionais.

    Tal realidade abriu espao para introduo de alguns projetos e servios de acordo com as demandas especficas, apresentadas pelas Superintendncias Regionais. Vale destacar alguns projetos inovadores implantados neste perodo, que de certa forma ajudaram a superar aquela viso distorcida do Servio Social, dando oportu-nidade para efetivao de alguns trabalhos relevantes direcionados para os servidores, tais como:

    atendimento (individual) voltado para servidores em situao de li-cena sade, problemas familiares, conflitos no trabalho, dependncia qumica, absentesmo, entre outros;

    atividade de treinamento e desenvolvimento, introduzindo estudos e pesquisas no sentido de viabilizar um trabalho mais consistente e de impacto face misso institucional;

    introduo de campanhas educativas voltadas para melhorar as condi-es ambientais e os indicadores de sade, tornando o servidor mais saudvel e motivado para o trabalho;

  • 30Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    O Servio Social na Polcia Federal: articulando direitos e cidadania

    aes socioculturais e eventos, visando a ampliao da sociabilidade dos servidores;

    estudos sociais (laudos) nos casos que exigem avaliao social in loco, para emitir parecer social que subsidiem nas decises, geralmente mdicas, mas que tambm contribuem nas situaes de pedidos de remoo, licena, entre outros.

    Neste momento, tambm foi possvel identificar algumas situa-es profissionais inadequadas, como: acmulo de tarefas no inerentes profisso, ausncia de normatizao do Servio Social, no identificao do objeto do Servio Social na instituio.

    Os resultados desse encontro em Salvador foram significati-vos na medida em que os Assistentes Sociais da Polcia Federal ace-naram para a possibilidade de ser implementado um trabalho com base no projeto tico-poltico profissional, buscando desenvolver iniciativas que se aproximem das necessidades reais dos servidores e fazer concretizar, dentro de sua ao profissional, os princpios norteadores do seu Cdigo de tica.

    Certamente, a prtica profissional do Assistente Social pode, numa articulao com um projeto societrio mais amplo, contribuir para a criao de condies de viabilizao da participao social, visando ga-rantir a efetivao dos direitos sociais conquistados.

    Sabe-se tambm que isso requer um esforo conjunto dos As-sistentes Sociais da Polcia Federal o que implica organizao, enten-dimento e maturidade profissional.

    concluSo

    A discusso desta temtica no se esgota aqui. Ainda fazem-se necessrias mltiplas anlises, da a importncia de que se tragam para o ambiente institucional, reflexes crticas, dentro de uma perspectiva

  • 31Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    Ana Glucia Martins Torres

    terica, compreendo-se a manifestao do crime e da violncia, conside-rando seus aspectos histricos e as caractersticas econmicas, polticas e hegemnicas em cada modelo societrio.

    Ressalta-se aqui, as questes abordadas, a respeito da forma pela qual o profissional do Servio Social pode, atravs da sua prxis profissional, possa contribuir para efetivao dos direitos sociais, dos sujeitos que vivenciam os rebatimentos da questo social no seu cotidiano, conceituada a partir das pistas tericas colocadas no percurso deste artigo. Para tanto, sinalizamos para o entendimento de que, para responder tais questes, no se tem uma frmula m-gica, haja vista a prpria dinamicidade e multiplicidade do objeto de interveno Servio Social.

    Portanto, viabilizar o trabalho profissional calcado nos princpios tico-polticos do projeto profissional um desafio que se coloca no cotidiano do Assistente Social, no mbito da Polcia Federal, visto que as dificuldades so resultantes das prprias contradies do sistema socioe-conmico vigente em determinada sociedade.

    fundamental torn-lo visvel no cotidiano de trabalho, em que a defesa dos Direitos Humanos e Sociais importante componente bsico na atuao profissional. De acordo com Iamamoto (2009, p. 75):

    [...] o desafio re-descobrir alternativas e possibilidades no cenrio atual; traar horizontes que faam frente questo social e que sejam solidrias com o modo de vida daqueles que a vivenciam, no s como vtimas, mas como sujeitos que lutam pela preservao e conquista da sua vida, da sua humanidade.

    Vale ressaltar, que as demandas colocadas ao Servio Social na Polcia Federal so amplas e se referem a um conjunto de situaes que envolvem necessidades pessoais, familiares, institucionais, entre outras. Por ltimo, reconhece-se que a tica fundamental em todo e qualquer processo de sociabilidade, dando destaque aos Direitos Humanos e Cidadania, como prticas a serem conquistadas e consolidadas.

  • 32Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    O Servio Social na Polcia Federal: articulando direitos e cidadania

    ANA GLUCIA MARTINS TORRES

    Agente de Polcia Federal, Assistente Social, Gestora do Telecentro da Superintendncia Regional de Polcia Federal no Estado do Cear, Membro da Equipe de Treinamento e

    Desenvolvimento da SR/CE.

    E-mail: [email protected]

    ABSTRACT

    This essay focuses on the professional of Social Services participation in the Brazilian Fed-eral Police, starting by the fact that this profession is inserted in the main aspect of the social relations changes in a capitalist society. I t is understood that these professionals have to face the reflections of the social question and as a social worker they need to deal with this in different social spaces such as at work, home, institutions, etc. It is during the daily routine that the practice as Social Service is processed, when limits and possibilities are imposed so this professional can proceed in a project which combines Ethic and Citizenship. This essay is focused on the inter-relation between violence and public security in a way to demystify the many manifestations of the phenomenon of violence, contributing to end the cycles that naturalize the reproduction of violence in a history and social scenery, as a be-gin. Then, it is analyzed how Social Service, based on the rules learned in their professional Ethic Code, can contribute to build an institutional redesign through which passes Federal Police, not only collaborating to the discussion on the public politics in public security, but on the search for the consolidation of a citizen polices new model.

    Keywords: Violence. Public Security. Ethical-Political Work. Social Service.

    rEFErnciaS

    ABREU, Marina Maciel. A Dimenso Pedaggica do Servio Social: bases histrico-conceituais e expresses particulares na sociedade brasileira. Revista Quadrimestral de Servio Social, So Paulo: Cortez, ano 24, n. 79, set. 2004.

    BONETTI, Dilsea A. (Org.). Servio Social e tica: convite a uma nova prxis. So Paulo: Cortez, 2009.

    BRASIL. Departamento de Polcia Federal. 60 anos a Servio do Brasil. Braslia, 2004.

    ______. Departamento de Polcia Federal. Plano Estratgico da Polcia Federal para 2022. Braslia, 2008.

    IAMAMOTO, Marilda Vilela; CARVALHO, Raul de. Relaes Sociais e Servio Social no

  • 33Braslia, v. 4, n. 1, p. 15-33, jan/jun 2011.

    Ana Glucia Martins Torres

    Brasil: esboo de uma interpretao histrico-metodolgico. 10. ed. So Paulo: Cortez/CELATS, 1995.

    ______. O Servio Social na Contemporaneidade: trabalho e formao profissional. 16. ed. So Paulo: Cortez, 2009.

    MENDES, Jussara Maria Rosa; NOGUEIRA, Vera; COUTO, Berenice Rojas. Formao do Assistente Social no Brasil e a Consolidao do Projeto tico-poltico. Revista Quadrimestral de Servio Social, So Paulo: Cortez, ano 24, n. 79, set. 2004.

    MONJARDET, D. O Que Faz a Polcia: sociologia da fora pblica. Traduo Meire Amazonas Leite de Barros. So Paulo: EdUSP, 2003.

    PAIVA, B. A.; SALES, M. A. A Nova tica Profissional: prxis e princpios. In: BONETTI, D. et al. (Org.). Servio social e tica: convite a uma nova prxis. 2. ed. So Paulo: Cortez, 1998.

    ROLIM, Marcos. A Sndrome da Rainha Vermelha: policiamento e segurana no sculo XXI. Rio de Janeiro: Jorge Zahar/ Orford, Inglaterra: University of Orford/ Centre for Brasilian Studies, 2006.

    SALES, Mione Apolinrio. (In)visibilidade Perversa: adolescentes infratores como metforas da violncia. So Paulo: Cortez, 2007.

    SERVIO Social & Sociedade. Servio Social: formao e projeto poltico, So Paulo: Cortez, ano 25, n. 79, Especial 2004, set. 2009. Quadrimestral.

    SILVA, Jailson de Souza; SILVA, Helena Oliveira da. Anlise da Violncia contra Crianas e Adolescentes segundo o Ciclo de Vida no Brasil. So Paulo: Global/ Braslia: Unicef, 2005.

    WANDERLEY, Mariangela Belfiore; BGUS, Lcia; YAZBEK, Maria Carmelita (Orgs.). Desigualdade e a Questo Social. 3. ed. rev. e ampl. So Paulo: EDUC, 2008.

  • 35ISSN 1983-1927Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011.

    Recebido em 1 de fevereiro de 2010.Aceito em 30 de junho de 2011.

    caPacitao E aFaStamEnto dE SErvidorES PblicoS da unio: diStino E aPlicao combinada doS inStitutoS jurdicoS ExiStEntES

    Luiz Carlos Nbrega Nelson

    D

    RESUMO

    O papel do Estado em modernizar a mquina pblica corolrio do princpio da eficincia. A capacitao apresenta-se como uma das melhores ferramentas de aprimoramento dos servidores. As escolas de governo so importantes veculos de desenvolvimento de programas de capacita-o. H uma grande confuso e no uniformidade na aplicao dos institutos jurdicos relativos capacitao de servidores. O objetivo deste trabalho distinguir cada modalidade de capacitao existente na esfera do poder executivo federal.

    Palavras-chave: Eficincia. Poder Executivo. Capacitao. Afastamento. Escolas de Governo.

    introduo

    A moderna doutrina de gesto de pessoas aponta de forma uns-sona para a capacitao como sendo uma das molas mestras para a con-secuo dos objetivos da instituio, seja esta pblica ou privada.

    A preocupao com a capacitao surge inicialmente na iniciati-va privada face a busca por uma maior e melhor produtividade, e num segundo momento pela constatao de que numa corporao na qual a capacitao valorizada, h uma melhoria nas relaes humanas e no ambiente organizacional.

    O texto constitucional original j elencava o fomento capacita-o nas reas de cincia e tecnologia tanto por parte do Estado brasileiro quanto na iniciativa privada.

  • 36Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011.

    Capacitao e Afastamento de Servidores Pblicos da Unio

    Art. 218. O Estado promover e incentivar o desenvolvimento cientfico, a pesquisa e a capacitao tecnolgicas.

    3 - O Estado apoiar a formao de recursos humanos nas reas de cincia, pesquisa e tecnologia, e conceder aos que delas se ocupem meios e condies especiais de trabalho.

    4 - A lei apoiar e estimular as empresas que invistam em pesquisa, criao de tecnologia adequada ao Pas, formao e aperfeioamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remunerao que asse-gurem ao empregado, desvinculada do salrio, participao nos ganhos econmicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

    No setor pblico, a idia de capacitao de pessoas oriunda da constatao da inrcia e por vezes inoperncia da mquina pblica, que culminou na consolidao do princpio da eficincia no artigo 37 da Constituio Federal, com a redao dada pela emenda constitucional de n 19, de 4 de junho de 1998.

    Se no bastasse tal dispositivo constitucional categrico que de-termina ao Estado a busca da eficincia mediante a avaliao e reformu-lao de seus processos e capacitao de pessoas, ainda h outras pas-sagens no texto maior que apontam para a necessidade de capacitar as pessoas integrantes das instituies.

    1. doS diSPoSitivoS conStitucionaiS dEcorrEntES do PrincPio da EFicincia rElacionadoS caPacitao dE PESSoaS

    Como dito, juntamente com o princpio da eficincia, a reforma do Estado encartada no bojo da emenda constitucional de n 19/98 trouxe no tocante operacionalizao da capacitao o artigo 39 2 da Carta Magna, o qual determina que sejam mantidas escolas de governo para a formao e aperfeioamento dos servidores pblicos, constituindo a participao em cursos como um dos requisitos para promoo na carreira.

    Art. 39. A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios instituiro, no mbito de sua competncia, regime jurdico nico e planos de carreira para os servidores da administrao pblica direta, das autarquias e das fundaes

  • 37Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011

    Luiz Carlos Nbrega Nelson

    pblicas. (Vide ADIN n 2.135-4)

    2 A Unio, os Estados e o Distrito Federal mantero escolas de go-verno para a formao e o aperfeioamento dos servidores pblicos, constituindo-se a participao nos cursos um dos requisitos para a promoo na carreira, facultada, para isso, a celebrao de convnios ou contratos entre os entes federados. (Redao dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998)

    Veja-se que tal dispositivo no somente determina a instituio e manuteno das escolas de governo, mas condiciona a carreira dos servi-dores pblicos a um processo contnuo de capacitao, e dota as escolas de governo de ferramentas de gesto a fim de atingir suas metas, com a possibilidade de celebrao de convnios ou contratos entre os entes federados, quais sejam: Unio, Estados e Distrito Federal.

    Nesse prisma, conforme o mandamento constitucional, dever do poder pblico formar e aperfeioar os servidores pblicos para fins de atingir as finalidades do Estado, e noutra linha, tal norma tambm consigna o nus para o servidor que no buscar os meios de capacitar-se, na medida em que no poder obter promoes em sua carreira. Assim se posicio-nando a doutrina ptria no magistrio de Jos Afonso da Silva:

    justa a previso de que a participao nos cursos da escola de governo constitua um dos requisitos para a promoo na carreira. (SILVA, 2008, p. 354).

    E no tocante justeza da exigncia dos cursos de capacitao para promoo nas carreiras, esta mostra-se bastante razovel face de um lado termos para o Estado a melhora na eficincia e noutro para o servidor o avano na carreira.

    Apenas como crtica ao necessrio e salutar dispositivo consti-tucional, pode ser mencionada a omisso referente aos municpios no tocante possibilidade de criao de escolas de governo, razo pela qual a norma constitucional poderia ter avanado neste ponto.

    O 2 determina Unio, Estados e Distrito Federal (no aos Municpios) a manuteno de escolas de governo, por si s ou mediante convnio ou contrato entre si. (SILVA, 2008, p. 354).

  • 38Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011.

    Capacitao e Afastamento de Servidores Pblicos da Unio

    Todavia, cabe mencionar que inobstante a inexistncia de expressa previso constitucional das escolas de governo municipais, nada impede que as leis orgnicas dos municpios ou at mesmo leis esparsas municipais possam criar escolas de governo voltadas para a modernizao da gesto pblica municipal, pois se no fosse este o entendimento estar-se-ia ferin-do a principiologia inerente ao pacto federativo que concede autonomia a todos os entes federados, incluindo os municpios, e se no bastasse tal argumento, teremos que ceder ao argumento de que no se faz necessria que toda a estrutura da administrao pblica esteja elencada na Constitui-o Federal, devendo esta se reservar a narrar unicamente os pontos que o legislador constituinte entendeu por bem de dar o status constitucional.

    Indo um pouco mais alm, temos na redao do 7 do art. 39, dada pela mesma emenda constitucional 19/98 que todos os entes fe-derados disciplinaro a aplicao de recursos oramentrios para o de-senvolvimento de programas de qualidade, produtividade, treinamento e modernizao da gesto pblica. Seno vejamos:

    7 Lei da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios disciplina-r a aplicao de recursos oramentrios provenientes da economia com despesas correntes em cada rgo, autarquia e fundao, para aplicao no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, mo-dernizao, reaparelhamento e racionalizao do servio pblico, inclusive sob a forma de adicional ou prmio de produtividade. (Redao dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998)

    Veja-se que apesar da ausncia expressa de previso constitucional das escolas de governo no mbito dos municpios, de modo compensatrio a Lei Maior sabiamente previu a reserva de recursos para capacitao de todos os servidores pblicos de quaisquer entes federados, incluindo os municpios.

    Continuando a exposio, temos que a emenda constitucio-nal de n 45, de 30 de dezembro de 2004, reiterou a necessidade de capacitao esboada pela emenda 19/98, estabelecendo para o Po-der Judicirio uma srie de dispositivos voltados para a capacitao de pessoal, donde pode-se destacar.

  • 39Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011

    Luiz Carlos Nbrega Nelson

    Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, dispor sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princpios:

    II - promoo de entrncia para entrncia, alternadamente, por antigidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:

    c) aferio do merecimento conforme o desempenho e pelos critrios objetivos de pro-dutividade e presteza no exerccio da jurisdio e pela freqncia e aproveita-mento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeioamento; (Redao dada pela Emenda Constitucional n 45, de 2004)

    de se notar que mais adiante no pargrafo nico do artigo 105, tambm foi disciplinada a criao da escola de governo do Poder Judici-rio voltada para a capacitao de magistrados.

    Art. 105. Pargrafo nico. Funcionaro junto ao Superior Tribunal de Justia: (Redao dada pela Emenda Constitucional n 45, de 2004)

    I - a Escola Nacional de Formao e Aperfeioamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funes, regulamentar os cursos oficiais para o in-gresso e promoo na carreira; (Includo pela Emenda Constitucional n 45, de 2004)

    Desse modo, todo o caminhar constitucional desde o texto ori-ginrio at os dias atuais vem no sentido de criar condies para que os servidores pblicos dos poderes da Unio, Estados e Municpios sejam capacitados, com o objetivo de atingir de modo mais econmico, racional e eficiente os fins do Estado nessa rea, quais sejam: a boa prestao do servio pblico aos cidados e o alcance das metas de gesto elencados pelas polticas de governo.

    E nessa linha, foram criados instrumentos infra-constitucionais de modo a regulamentar e viabilizar a capacitao dos servidores pbli-cos, sendo este o prximo ponto desta anlise.

    Desse modo, iremos enfocar a capacitao dos servidores pbli-cos no mbito da Unio.

  • 40Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011.

    Capacitao e Afastamento de Servidores Pblicos da Unio

    2. da caPacitao doS SErvidorES no PodEr ExEcutivo FEdEral

    A Lei n 8.112, de 11 de dezembro de 1990, divide as aes de capacitao que contemplam os servidores pblicos federais, sendo algu-mas mediante uma poltica de iniciativa do rgo e outras por parte do servidor.

    O que deve ser observado na anlise destas aes de capacitao que se tratam de afastamentos legais considerados como de efetivo exerccio.

    de bom alvitre inicialmente fazer um divisor de guas entre as modalidades de capacitao que ora se apresentam com outras licenas ou afastamentos legais nas quais no so consideradas de efetivo exerc-cio, tais como, por exemplo a licena para tratar de assuntos particulares, na qual o servidor pode requerer inclusive tal licena com o intuito de se capacitar, entretanto esta no considerada de efetivo exerccio nos termos da lei, razo pela qual no conta como tempo de contribuio e suspende a fruio de demais direitos estatutrios.

    O artigo 102 da Lei n 8.112/90 considera as modalidades de capacitao: 1) participao em programa de treinamento ou programa de ps-graduao no pas, 2) misso ou estudo no exterior e 3) licena capacitao como sendo todas de efetivo exerccio, razo pela qual passa-remos a abord-las uma a uma.

    Art. 102 (...) so considerados como de efetivo exerccio os afastamentos em virtude de:

    (PRIMEIRA HIPTESE)

    IV - participao em programa de treinamento regularmente institudo ou em programa de ps-graduao stricto sensu no pas, conforme dispuser o regulamento;

    Deve-se observar na hiptese acima, que o programa de treina-mento deve ser o programa institucional custeado pelo rgo, no inte-

  • 41Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011

    Luiz Carlos Nbrega Nelson

    resse deste, e voltado para a consecuo das metas e do planejamento estratgico do ente.

    (SEGUNDA HIPTESE)

    VII - misso ou estudo no exterior, quando autorizado o afastamento, conforme dispuser o regulamento; (Redao dada pela Lei n 9.527, de 10.12.97)

    Na segunda hiptese, elencada acima, temos a figura do afasta-mento do servidor, com as finalidades de misso ou para estudo, o qual deve ser combinado com o artigo 95 da Lei n 8.112/90, o qual disciplina o instituto jurdico do afastamento.

    Art. 95. O servidor no poder ausentar-se do Pas para estudo ou misso oficial, sem autorizao do Presidente da Repblica, Presidente dos rgos do Poder Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal Federal.

    4 As hipteses, condies e formas para a autorizao de que trata este artigo, inclusive no que se refere remunerao do servidor, sero disciplinadas em regulamento.

    Nesta possibilidade de capacitao inserta no inciso VII do art. 102, combinada com o artigo 95 que trata do afastamento, temos que a mens legis volta-se para o cumprimento de uma misso no exterior ou a li-berao para estudo no exterior; e somente por via indireta a consecuo da capacitao do servidor.

    (TERCEIRA HIPTESE)

    VIII - licena: (...)

    e) para capacitao, conforme dispuser o regulamento;

    Na terceira hiptese de capacitao prevista no inciso VIII do art. 105 da Lei n 8112/90, combinado com o artigo 87 da mesma lei, temos o instituto da licena capacitao, antiga licena prmio, a qual foi alterada pela Lei n 9.525, de 10 de dezembro de 1997.

    Art. 87. Aps cada qinqnio de efetivo exerccio, o servidor poder, no interesse da Administrao, afastar-se do exerccio do cargo efetivo, com a respectiva remune-rao, por at trs meses, para participar de curso de capacitao profissional.

  • 42Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011.

    Capacitao e Afastamento de Servidores Pblicos da Unio

    A terceira possibilidade de capacitao reside na fruio do per-odo de 3 meses, aps 5 anos de efetivo exerccio, custeado a priori pelo servidor, mas condicionado ao interesse da Administrao.

    2.1. Da Participao em Programa de Treinamento Regularmente Institudo ou em Programa de Ps-Graduao no Pas

    2.1.1. Da Natureza do Programa de Capacitao

    Como dito anteriormente, a capacitao constitui-se numa obri-gao compartilhada entre a Administrao e o servidor pblico. To-davia, a maior parcela deste munus publico pertence ao poder pblico, na medida em que o servidor a parte mais frgil desta relao, e to-mando como premissa que o custeio da mquina pblica oriundo do pagamento de tributos de todos os cidados, incluem-se neste rol os prprios servidores pblicos.

    A participao em programa de treinamento regularmente insti-tudo deveria ser a regra da capacitao dos servidores, pois a Adminis-trao detm os meios financeiros e operacionais de executar tal tarefa.

    Todavia, em nossa mquina pblica o que se nota uma gama de servidores desmotivados e no capacitados, e noutro fronte um pequeno nmero de servidores pblicos tentando se capacitar e encontrando pela frente uma srie de entraves burocrticos, passando a se capacitar por conta e risco prprio sem haver um incentivo da administrao.

    A regra deveria ser o Poder Pblico inicialmente mapear as competncias necessrias para um determinado cargo ou funo p-blica. Num segundo momento capacitar os servidores para o exerccio destas funes e encargos, mediante o oferecimento de um plano de capacitao com cursos e eventos que pudesse atender primeiramente as reas consideradas prioritrias para a gesto, e posteriormente todo o universo de servidores da instituio.

  • 43Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011

    Luiz Carlos Nbrega Nelson

    Aes desfocadas e desconexas tm se mostrado meras tentativas infrutferas de resolver os problemas da administrao pblica. Ademais, no obedecem ao princpio da impessoalidade, e to pouco a moralidade administrativa, pois alguns so atingidos pela aes de capacitao, e ou-tros ficam desqualificados no exerccio de sua funo, na qual ter como resultante um prejuzo que ser sentido pelo pblico-alvo do produto final ofertado pela instituio.

    Se no bastassem tais argumentos, temos que a ineficaz aplicao do dinheiro pblico, constitui no mnimo uma malversao, quando no uma improbidade administrativa.

    E por ltimo, para a necessria obteno dos resultados po-sitivos da capacitao, fundamental que se mude o paradigma em torno da cultura relativa capacitao dos servidores. Ou seja, o processo de capacitao no um favor da administrao pblica para com o servidor, mas sim um dever imposto a esta pelos coman-dos constitucional e legal.

    A capacitao uma das principais ferramentas e polticas de meio para o obteno dos fins do estado-administrao, quais sejam, a boa prestao dos servios pblicos e a obteno das metas traadas pelo governo gestor.

    2.1.2 Da Poltica Nacional de Capacitao aplicvel aos Progra-mas de Treinamento e Cursos de Ps-graduao no Pas

    Com a regulamentao do artigo 102, inciso IV da Lei n 8.112/90 pelo recente Decreto n 5.707/06 cria-se a expectativa da formulao de uma poltica de capacitao organizada que atenda os interesses da ad-ministrao, sirva de meio propagador de conhecimento e instalao das competncias necessrias ao servidor, e por fim, reflexamente contribua para a motivao na administrao pblica.

  • 44Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011.

    Capacitao e Afastamento de Servidores Pblicos da Unio

    No artigo 102, inciso IV, temos a poltica nacional de capacita-o de servidores pblicos, custeada pela Unio e de iniciativa desta. Tal poltica regulamentada no arts. 1 e 9 do Decreto n 5.707/2006.

    importante frisar, que nas duas outras hipteses os cursos no so custeados pela Unio e a iniciativa do servidor, quais sejam: afastamento do pas para estudo que necessita de autorizao do Presidente, delegado aos Ministros de Estado, que por sua vez sub-delegaram aos chefes de rgo, e a licena capacitao autorizada tambm pelos chefes dos rgos.

    O caso do inciso IV do art. 102 se refere especificamente parti-cipao de servidor pblico em ao de capacitao profissional imple-mentada pelos os rgos e entidades da Administrao Pblica Fe-deral direta, autrquica e fundacional e, nesse caso, est condicionada com a identificao dos objetivos da Poltica Nacional de Capaci-tao, objeto do Decreto n 2.794, de 1/10/98, e atualmente disciplina-do no arts. 1 e 9 do Decreto n 5.707/2006.

    Para isto, vejamos a regulamentao no Decreto n 5.707/2006 para a poltica nacional de capacitao:

    Art. 1o Fica instituda a Poltica Nacional de Desenvolvimento de Pessoal, a ser implementada pelos rgos e entidades da administrao pblica federal direta, autrquica e fundacional, com as seguintes finalidades:

    I - melhoria da eficincia, eficcia e qualidade dos servios pblicos prestados ao cidado;

    II - desenvolvimento permanente do servidor pblico;

    III - adequao das competncias requeridas dos servidores aos objetivos das ins-tituies, tendo como referncia o plano plurianual;

    IV - divulgao e gerenciamento das aes de capacitao; e

    V - racionalizao e efetividade dos gastos com capacitao.

    Portanto, temos que a poltica nacional de desenvolvimento de pessoal, na qual possui no seu alicerce as aes de capacitao, visa inicialmente atender aos postulados da eficincia, eficcia e qualidade dos servios prestados.

  • 45Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011

    Luiz Carlos Nbrega Nelson

    A eficincia consistente na boa conduo dos processos e pro-cedimentos em trmite no servio pblico, como por exemplo a trami-tao mais clere de um processo em obedincia as etapas estritamente necessrias. Eficcia com o resultado satisfatrio do processo, como verbi gratia numa licitao, a aquisio de um bem por parte da admi-nistrao pblica. E por fim, a obteno da qualidade, consistente na satisfao por parte do pblico-alvo com a utilizao do bem adquirido. Sendo portanto o treinamento regularmente institudo uma das ferra-mentas de capacitao do servidor a fim de se atingir tal fim.

    Se no bastassem essas finalidades, o referido artigo 1 sus-tenta ainda que a poltica nacional voltada para o desenvolvimento permanente do servidor, numa amplitude holstica dentro do campo das competncias, conforme o elencado no inciso II. Este ainda traa como diretriz a adequao e instalao de competncias no servidor em sintonia com os objetivos da instituio, mediante a leitura do inciso III. A efetiva publicidade das aes de capacitao e racionalizao dos gastos em homenagem ao princpio da econo-micidade, a partir das constataes inseridas nos incisos IV e V.

    Continuando no mencionado treinamento institudo, este elenca no inciso I do artigo 2, a capacitao como um processo ininterrupto de aprendizagem, com a finalidade de facilitar o desenvolvimento de com-petncias necessrias instituio (competncias institucionais) mediante o aprimoramento das competncias de cada servidor (competncias in-dividuais). Confira-se:

    Art. 9. Considera-se treinamento regularmente institudo qualquer ao de ca-pacitao contemplada no art. 2, inciso III, deste decreto.

    Art. 2 Para os fins deste Decreto, entende-se por:

    I - capacitao: processo permanente e deliberado de aprendizagem, com o prop-sito de contribuir para o desenvolvimento de competncias institucionais por meio do desenvolvimento de competncias individuais;

  • 46Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011.

    Capacitao e Afastamento de Servidores Pblicos da Unio

    II - gesto por competncia: gesto da capacitao orientada para o desenvolvimen-to do conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessrias ao desempenho das funes dos servidores, visando ao alcance dos objetivos da instituio; e

    III - eventos de capacitao: cursos presenciais e distncia, aprendiza-gem em servio, grupos formais de estudos, intercmbios, estgios, seminrios e congressos, que contribuam para o desenvolvimento do servidor e que atendam aos interesses da administrao pblica federal direta, au-trquica e fundacional.

    Com relao a esta ltima modalidade de ao de capacitao ins-tituda, cabe uma observao por demais conveniente.

    Numa poltica de capacitao eficiente no poderia se restringir o campo das iniciativas unicamente ao poder pblico. Como sabemos o Esta-do no onipresente, tampouco oniciente de modo a ter conhecimento de todos os possveis eventos e cursos de capacitao existentes na sociedade.

    Veja-se que restringir o campo de abrangncia de um progra-ma de capacitao unicamente s iniciativas ofertadas pelo rgo, se-ria restringir por demais o esprito da norma constitucional. Ora, o legislador constituinte na reforma do Estado preocupou-se basica-mente em moderniz-lo, e tal lgica foi a de abrir possibilidades de capacitao de todas as ordens.

    Assim, o inciso III do art. 2 do Decreto n 5.707/06, acima transcrito, vem justamente retratar a idia da norma constitucional, qual seja: capacitar pessoas e modernizar a gesto. Portanto, tal inciso entende como eventos de capacitao quaisquer cursos, seminrios, congressos e intercmbios que contribuam para o desenvolvimento do servidor. E tal inciso deve ser interpretado em harmonia com o inciso I do art. 3 do mesmo decreto, quando estabelece como diretriz para poltica de capaci-tao, o incentivo e apoio das iniciativas de aprimoramento do servidor pblico. Para isto observe-se:

    Diretrizes

    Art. 3o So diretrizes da Poltica Nacional de Desenvolvimento de Pessoal:

    I - incentivar e apoiar o servidor pblico em suas iniciativas de

  • 47Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011

    Luiz Carlos Nbrega Nelson

    capacitao voltadas para o desenvolvimento das competncias institucio-nais e individuais;

    Portanto, a poltica determinante do programa de treinamento tambm abarca aes de capacitao de iniciativa do servidor, independen-temente do texto contido no inciso IV do artigo 102 da Lei n 8.112/90 ter usado a infeliz expresso treinamento regularmente institudo, (IV - participao em programa de treinamento regularmente institudo), pois pensar o contrrio seria dar uma interpretao unicamente literal, que no somente feriria a mens legis constitucional, mas tambm colocaria na administrao pblica todo o nus da capacitao, desde a cincia, divulgao e custeio.

    Cabe ainda fazer apenas uma ressalva. No caso acima, a inicia-tiva da ao de capacitao do servidor, todavia conforme a redao do inciso III do art. 2, faz-se necessrio que esteja presente o interesse da administrao no evento de capacitao solicitado, e a partir do mo-mento que o interesse do rgo pblico est presente, ento temos uma modalidade de capacitao regularmente instituda.

    Portanto, deve-se conceber a expresso participao em programa regularmente institudo, como sendo no somente os eventos de capaci-tao oferecidos pelo rgo, mas toda aquela iniciativa de capacitao que tramita institucionalmente na administrao. E desde que reconhe-cida a convenincia e presente o interesse pblico, independentemente de quem provocou o poder pblico, ento estaremos diante de uma de capacitao institucional. Pois ser o poder pblico o destinatrio e beneficirio final deste conhecimento.

    Por fim, tal abertura do decreto para que servidores pblicos pos-tulem iniciativas de capacitao, no retira o condo de impor aos rgos pblicos o mnus de proporcionar iniciativas de capacitao. A regra deve ser a administrao pblica ofertar os eventos de capacitao aos servidores, sejam estes eventos custeados diretamente pelos rgos, ou, ministrados diretamente pelas escolas de governo.

    Superados estes pontos relativos capacitao em geral do pro-grama regularmente institudo, cabe tecer algumas consideraes relati-

  • 48Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011.

    Capacitao e Afastamento de Servidores Pblicos da Unio

    vas especificamente poltica nacional de capacitao quando se tratar de cursos de ps-graduao stricto sensu no pas.

    Temos que o artigo 96-A da Lei n 8.112/90, recentemente in-troduzido pela Lei n 11.907/2009, incluiu dentro dos programas de ca-pacitao institucionais a modalidade de ps-graduao stricto sensu no pas. Para isto, v-se claramente no 1 do mencionado artigo, que ato do dirigente mximo do rgo ou entidade definir dentro do programa de capacitao os critrios para participao de servidores em programas de ps-graduao no Pas, com ou sem afastamento das funes.

    Do Afastamento para Participao em Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu no Pas

    Art. 96-A. O servidor poder, no interesse da Administrao, e desde que a par-ticipao no possa ocorrer simultaneamente com o exerccio do cargo ou mediante compensao de horrio, afastar-se do exerccio do cargo efetivo, com a respectiva remunerao, para participar em programa de ps-graduao stricto sensu em instituio de ensino superior no Pas. (Includo pela Lei n 11.907, de 2009).

    1o Ato do dirigente mximo do rgo ou entidade definir, em con-formidade com a legislao vigente, os programas de capacitao e os critrios para participao em programas de ps-graduao no Pas, com ou sem afastamento do servidor, que sero avaliados por um comit constitu-do para este fim. (Includo pela Lei n 11.907, de 2009).

    Assim, temos que os programas regularmente institudos de capa-citao devero, tambm, necessariamente contemplar critrios para parti-cipao de cursos em ps-graduao stricto sensu no pas, a serem avaliados por um comit gestor. Observe-se ainda que especificamente, a exigncia do comit gestor se faz presente para esta modalidade de capacitao.

    Ademais, a norma no facultou Administrao Pblica em ado-tar ou no regras para participao em ps-graduaes stricto sensu, mas sim, determinou que os dirigentes mximos dos rgos e entidades crias-sem tais critrios seletivos de participao de servidores nesta modalida-de de capacitao.

  • 49Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011

    Luiz Carlos Nbrega Nelson

    No caso, o campo da discricionariedade reside na anlise do inte-resse da administrao mencionado no caput do artigo, para a participao de determinado servidor numa ao de capacitao stricto sensu especfica, e tambm nos critrios, leia-se normas internas, mencionados no 1 para a participao de determinados programas. Todavia a norma cogente em determinar aos dirigentes a adoo de critrios que atentem para a eficincia, moralidade e impessoalidade pblicas.

    Se no bastassem tais orientaes, temos que os mencionados crit-rios devero observar ainda os limites de 3 (trs) anos para mestrado e 4 (qua-tro) anos para doutorado, somente podero ser concedidos para servidores titulares de cargo efetivo, e que no tenham se afastado em virtude de licena de interesse particular ou licena capacitao nos 2 (dois) anos anteriores ao pleito. Os servidores devero permanecer no exerccio de suas funes aps o seu retorno por um perodo igual ao do afastamento concedido e em caso de solicitao de exonerao em perodo inferior ao retorno do servidor, este dever ressarcir o rgo ou entidade, conforme disposto nos pargrafos 2, 3 e 4 do mencionado artigo 96-A, in verbis:

    2o Os afastamentos para realizao de programas de mestrado e doutorado so-mente sero concedidos aos servidores titulares de cargos efetivos no respectivo r-go ou entidade h pelo menos 3 (trs) anos para mestrado e 4 (quatro) anos para doutorado, includo o perodo de estgio probatrio, que no tenham se afastado por licena para tratar de assuntos particulares para gozo de licena capacitao ou com fundamento neste artigo nos 2 (dois) anos anteriores data da solicitao de afastamento. (Includo pela Lei n 11.907, de 2009)

    [...]

    4o Os servidores beneficiados pelos afastamentos previstos nos 1o, 2o e 3o deste artigo tero que permanecer no exerccio de suas funes aps o seu retorno por um perodo igual ao do afastamento concedido. (Includo pela Lei n 11.907, de 2009)

    5o Caso o servidor venha a solicitar exonerao do cargo ou aposentadoria, antes de cumprido o perodo de permanncia previsto no 4o deste artigo, dever ressarcir o rgo ou entidade, na forma do art. 47 da Lei n 8.112, de 11 de dezembro de 1990, dos gastos com seu aperfeioamento. (Includo pela Lei n 11.907, de 2009).

  • 50Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011.

    Capacitao e Afastamento de Servidores Pblicos da Unio

    Tais limitaes de ordem impeditiva, mostram-se legtimas, pois visam salvaguardar o investimento da Administrao Pblica em capa-citar seus quadros e evitar que o poder pblico indiretamente este-ja formando quadros que possam ser utilizados imediatamente pela iniciativa privada, desvirtuando a finalidade pblica que capacitar pessoas em prol do interesse pblico.

    Outra questo que pode ser levantada de que maneira tal modali-dade de capacitao stricto sensu no pas deve ser disponibilizada. Ou seja, se somente o poder pblico deve ter a iniciativa de ofertar tais cursos aos servi-dores, ou de forma contrria, se no caso cabe unicamente o servidor o dever de postular tal capacitao, ou ainda se trata de uma iniciativa concorrente.

    Primeiramente, tem-se que reconhecer que a partir da anlise da redao do 1 na qual menciona que o dirigente mximo do rgo de-finir, [...], os programas de capacitao e critrios para participa-o de programas de ps-graduao no pas conclui-se que cabe Administrao o mnus de oferecer tais cursos.

    Num segundo momento, temos que a parte final da redao do 2, a qual menciona a solicitao de afastamento por parte do servi-dor; conduz ao entendimento que esta modalidade de capacitao pode, tanto ser ofertada pela Administrao como parte de um programa regu-larmente institudo, ou ento mediante solicitao por parte do servidor interessado, razes estas que vm ainda mais a ratificar o entendimento de que a ao de capacitao oriunda do programa regularmente institu-do pode ter como fato gerador a vontade do administrador em aprimorar seus quadros ou o interesse individual do servidor em se aperfeioar.

    1o Ato do dirigente mximo do rgo ou entidade definir, em con-formidade com a legislao vigente, os programas de capacitao e os critrios para participao em programas de ps-graduao no Pas, com ou sem afastamento do servidor, que sero avaliados por um comit constitudo para este fim. (Includo pela Lei n 11.907, de 2009)

    2o Os afastamentos para realizao de programas de mestrado e doutora-do somente sero concedidos aos servidores titulares de cargos efetivos no respectivo

  • 51Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011

    Luiz Carlos Nbrega Nelson

    rgo ou entidade h pelo menos 3 (trs) anos para mestrado e 4 (quatro) anos para doutorado, includo o perodo de estgio probatrio, que no tenham se afastado por licena para tratar de assuntos particulares para gozo de licena capacitao ou com fundamento neste artigo nos 2 (dois) anos anteriores data da solicitao de afastamento. (Includo pela Lei n 11.907, de 2009)

    Como se denota acima, se a norma utilizou-se da expresso so-licitao de afastamento esta fez questo de deixar claro explcito que tal modalidade de capacitao pode ser originada a partir do pleito do servidor, pois a Administrao no solicita nada, mas sim determina, face o seu poder de coero decorrente do ius imperii.

    Por fim, cumpre salientar que nas modalidades de capacitao stricto sensu nos pas e em programas de ps-graduao no exterior, caso o ser-vidor no obtenha o ttulo ou grau referente ao de respectiva, poder vir a ressarcir os cofres pblicos do investimento realizado, desde que o afastamento tenha ocorrido com nus para a Administrao e seja o gasto posterior vigncia da Lei n 11.907, de 02 de fevereiro de 2009.

    6o Caso o servidor no obtenha o ttulo ou grau que justificou seu afastamento no perodo previsto, aplica-se o disposto no 5o deste artigo, salvo na hiptese comprovada de fora maior ou de caso fortuito, a critrio do dirigente mximo do rgo ou entidade. (Includo pela Lei n 11.907, de 2009).

    7o Aplica-se participao em programa de ps-graduao no Exterior, au-torizado nos termos do art. 95 desta Lei, o disposto nos 1o a 6o deste artigo. (Includo pela Lei n 11.907, de 2009)

    Devendo-se ratificar que esta regra inserta no 6 do artigo 96-A aplicvel s ps-graduaes no pas, e no estrangeiro por fora do 7 do art. 96-A que remete ao art. 95, somente vlida a partir do advento do diploma legal supramencionado (Lei n 11.907/09) face o princpio geral da irretroatividade das leis aplicvel a todo o ordenamento jurdico, haja vista que anteriormente edio de tal lei, inexistia disposio tratando do assunto, ante a obedincia ao princpio da legalidade que obriga o particular s obrigaes que esto previstas unicamente em lei.

  • 52Braslia, v. 4, n. 1, p. 35-72, jan/jun 2011.

    Capacitao e Afastamento de Servidores Pblicos da Unio

    2.1.3. Da Reserva de Recursos para a Capacitao

    Como dito, para a obteno de tal fim, o mesmo decreto presi-dencial determinou a reserva de uma parte dos recursos oramentrios para capacitao, com destinao prioritria para o atendimento dos p-blicos-alvo e contedos prioritrios do rgo gestor.

    Reserva de Recursos

    Art. 11. Do total de recursos oramentrios aprovados e destinados capacitao, os rgos e as entidades devem reservar o pe