Revista Ultimato numero 310

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4 ULTIMATO Janeiro-Fevereiro, 2008

abertura

A oração de Jesus no Getsêmani não foi copiada

de um texto de teatroNão se protege a fé cristã proibindo-se a leitura deste ou daquele livro. Não se protege a fé cristã jogando-se na fogueira uma montanha de livros e artigos de jornais e revistas, de fi lmes e documentários, de peças de teatro e de música. A fé cristã só sobrevive se estiver fi rmada sobre o Jesus da Bíblia e sobre convicções inabaláveis, não apenas herdadas desde o berço, mas também trabalhadas e aprofundadas pela busca, pela oração e pela experiência religiosa. Não se pode ser ingênuo: a fé cristã sempre será posta em dúvida.

O documentário O Túmulo Secreto de Jesus (2007), produzido por James Cameron e dirigido pelo cineasta Simcha Jacobovici, diz a propaganda, “conta a história daquela que pode ser a maior descoberta arqueológica na história”, a saber, “a tumba encontrada na periferia de Jerusalém abrigaria os restos mortais de Jesus e sua família”. Ora, “se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa pregação, como também é inútil a fé que vocês têm”, explica Paulo (1Co 15.14).

Outro exemplo é o Evangelho de Tomás, apócrifo, descoberto perto da base do rochedo Jabal al-Tarif, junto ao rio Nilo há mais de 50 anos. Além das histórias fantásticas envolvendo a infância de Jesus (num acesso de raiva, ele derrubou um menino que sem querer esbarrou nele), o pequeno livro diz que o Senhor não morreu pelos pecados de ninguém. Embora em confronto direto com os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, há quem se deixe impressionar pelo Evangelho de Tomás, dito irmão gêmeo de Jesus.

Negar a expiação realizada pela morte vicária de Jesus é reduzir a nada o Novo Testamento e o cristianismo, bem como minar a certeza e a esperança da salvação. Enquanto “o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado

a morte” (Rm 5.12), Jesus “é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29). É tudo muito consistente, muito claro, muito incisivo, muito esclarecedor e muito verdadeiro.

Ao mesmo tempo, o sacrifício expiatório realizado por Jesus Cristo é uma das verdades mais questionadas pelos céticos. Recentemente, o apreciado teólogo, fi lósofo e psicanalista Rubem Alves tornou a negar o signifi cado salvífi co da morte de Jesus, anunciada pelo profeta Isaías

700 anos antes de Cristo: “Todos nós éramos como ovelhas que haviam se perdido; cada um de nós seguia o seu próprio caminho. Mas o Senhor castigou o seu servo [Jesus Cristo]; fez com que ele sofresse o castigo que nós merecíamos” (Is 53.6, NTLH). Em dezembro de 2000, Rubem Alves fez uma estranha confi ssão à revista Isto É: “Hoje, as idéias centrais da teologia cristã em que acreditei nada signifi cam para mim: são cascas de cigarras vazias.

Não as entendo. Não as amo. Não posso amar um Pai que mata o Filho para satisfazer sua justiça” (Isto É, 20/12/2000, p. 90). Exatamente sete anos depois, através de um artigo publicado na Folha de São Paulo, o ex-pastor da Igreja Presbiteriana de Lavras, MG, (de 1959 a 1966), volta a questionar: “Sinto uma dúvida crescente sobre a paixão de Jesus”. Logo em seguida, diz que a oração de Jesus no Getsêmani (“Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres”) “parece ter sido copiada de um texto de teatro...” e pergunta ao leitor: “Você acredita nisso?” (Folha de São Paulo, 2/10/07, p. C2).

Muitos cristãos respondem tranqüilamente: “Nós acreditamos”!

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RUBEM ALVES EQUIVOCADO

Negar a expiação realizada pela morte vicária de Jesus é reduzir a nada

o Novo Testamento e o cristianismo, bem como

minar a certeza e a esperança da salvação

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ATENDIMENTO AO LEITOR Telefones: (31) 3891-3149 0300 313 1660 Fax: (31) 3891-1557E-mail: [email protected] Postal 4336570-000 · Viçosa, MG

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Editora Ultimato

ULTIMATO Janeiro-Fevereiro, 2008 6

carta ao leitor

Fundada em 1968

ISSN 14153-3165Revista Ultimato

Ano XLI · NÀ 310Janeiro-Fevereiro 2008

Direção e redaçã[email protected]

Elben M. Lenz César (Jornalista responsável)

AdministraçãoKlênia Fassoni, Lenira Andrade

VendasLucia Viana, Lucinéa de Campos, Rita de Cássia

Oliveira, Romilda Oliveira, Tatiana Alves e Vanilda Costa

Editorial e ProduçãoMarcos Bontempo, Bernadete Ribeiro, Daniela Cabral, Djanira Momesso César, Fernanda

Brandão Lobato e Roberta Dias

Finanças / CirculaçãoEmmanuel Bastos, Aline Melo, Edson Ramos, Emílio Gonçalves, Luís Carlos

Gonçalves, M. Aparecida Pinto, Rodrigo Duarte e Solange dos Santos

EstagiáriosAlaila Ribeiro, Bruno Tardin, Daniel Figueiredo, Débora Sacramento, Fabiano Silvestre, Hadassa Alves, Liz Oliveira, Luci Maria da Silva, Macel

Guimarães, Natália Santana e Priscila Rodrigues

Arte - OliverartelucasImpressão - Plural

Tiragem - 35.000 exemplares

Łrgão de imprensa evangélico destinado à evangelização e edificação, sem cor

denominacional, Ultimato relaciona Escritura com Escritura e acontecimentos com Escritura. Pretende associar a teoria com a prática, a fé com as obras, a evangelização com a ação

social, a oração com a ação, a conversão com a santidade de vida, o suor de hoje com a glória por vir. Circula nos meses ímpares.

Publicado pela Editora Ultimato Ltda., membro da Associação Evangélica Brasileira (AEVB) e da

Associação de Editores Cristãos (AsEC)Os artigos não assinados são de autoria da redação. Reprodução permitida. Obrigatório

mencionar a fonte.

Assinatura Individual - R$ 55,00Assinatura Coletiva - desconto de 50% sobreo preço da assinatura individual para cadaassinante (mínimo de 10)Assinatura Exterior - R$ 97,00Edições Anteriores - [email protected]úncios [email protected]

No mato sem cachorroParece que só temos um alvo hoje em dia — o ideal da prosperidade. Estamos todos sob a febre dos livros de auto-ajuda e sob a da teologia da prosperidade. Antes, a infl uência vinha exclusivamente da cultura secular. Agora, a infl uência religiosa supera a infl uência secular. Estamos no mato sem cachorro. Outro dia, por exemplo, o bispo Edir Macedo escreveu que quando Jesus aconselhou “dêem, e lhes será dado [Lc 6.38], seus olhos estavam voltados para o mercado” (Folha Universal, 04/11/07, 2). Por essa perspectiva, quanto mais eu dou e quanto mais fi el eu sou no dízimo, mais Deus me dará. Esse “outro evangelho” me ensina que é Deus quem me enriquece. Então eu preciso sempre negociar com ele.

Vamos colocar diante de nossos olhos a seguinte passagem: “Ai de vocês que adquirem casas e mais casas, propriedades e mais propriedades, até não haver mais lugar para ninguém e vocês se tornarem os senhores absolutos da terra!” (Is 5.8). Permitamo-nos também encompridar e contextualizar esse texto: “Ai de vocês que adquirem casas e mais casas, propriedades e mais propriedades, carros e mais carros, dinheiro e mais dinheiro, cartões de

crédito e mais cartões de crédito, títulos e mais títulos, poder e mais poder, até não haver mais oportunidade para ninguém e vocês se tornarem senhores absolutos na terra”.

Sabe o que isso signifi ca na prática? Nada mais é do que “correr atrás do vento”, correr atrás do nada (Ec 2).

Quem sabe poderíamos traçar outro alvo para 2008. Menos materialista, menos mercantilista, menos egoísta, menos terreno, menos soberbo e menos sujeito à decepção. Pois a sugestão de Jesus é em sentido contrário: “Não acumulem para vocês tesouros na terra[...]. Mas acumulem para vocês tesouros nos céus[...], pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração” (Mt 6.19-21). Outro dia, o professor Jorge Barros, da Faculdade de Teologia Latino-Americana, de Londrina, muito bem se expressou: “O de que menos precisamos hoje é de teologia da prosperidade e o de que mais precisamos é a prosperidade da teologia”.

No 40º aniversário de circulação ininterrupta de Ultimato, desejamos aos leitores e aos seus familiares as mais preciosas bênçãos de Deus.

E. César

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Seções

Capa

Janeiro-Fevereiro, 2008 ULTIMATO 7

“Busquem o Senhor enquanto é possível achá-lo”IS 55.6

ABREVIAÇÕES:BH - Bíblia Hebraica; BJ - A Bíblia de Jerusalém; BV - A Bíblia Viva; CNBB - Tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; EP - Edição Pastoral; EPC - Edição Pastoral - Catequética; NTLH - Nova Tradução na Linguagem de Hoje; TEB - Tradução Ecumênica da Bíblia. As referências bíblicas não seguidas de indicação foram retiradas da Edição Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil, ou da Nova Versão Internacional, da Sociedade Bíblica Internacional.

Refl exãoRobinson CavalcantiProtestantes: autênticos católicos 38Ricardo GondimBem e mal 40

Redescobrindo a Palavra de DeusCriança alegra a vida!, Valdir Steuernagel 42

HistóriaDos tais é o reino dos céus: a igreja e as crianças na história cristã, Alderi Souza de Matos 44

EntrevistaUriel Heckert e Robinson CavalcantiA crescente visibilidade do homossexualismo é um fenômeno específi co da civilização ocidental 48

O caminho do coraçãoAdoração e missão, Ricardo Barbosa de Sousa 52

Da linha de frenteO Brasil do Brasil, Bráulia Ribeiro 54

Arte e culturaParei de ouvir “música cristã”, Mark Carpenter 58

Ponto fi nalObrigado por me ouvir, Rubem Amorese 65

Homossexualismo e homossexualidade 24

A verdade defi nitivamente não está do lado do comportamento homossexual! 28

Armário aberto e cerca derrubada 29

A mudança de comportamento homossexual não é nem impossível nem fácil 30

A lei da homofobia 31

Apertando o cerco 32

Abertura 4Carta ao leitor 6Pastorais 8Cartas 10Mais do que notícias 14Números 15Frases 21Nomes 22Novos acordes 53Deixem que elas mesmas falem 56Meio ambiente e fé cristã 57Vamos ler! 59Prateleira 60Ação mais que social 61

EspecialUltimato — 40 anos de coerência 36

Adoração na igreja evangélica contemporânea, Osmar Ludovico da Silva 62

A mística do número, Odayr Olivetti 64

Stoc

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Leia em www.ultimato.com.br• Vencendo o deserto (seção “Altos papos”), por Jeferson Magrão

Em janeiro e fevereiro de 2007, todos os dias, 40 produtos com desconto

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Reanimação boca-a-boca no alvorecer de 2008

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Reanime o meu coração em Cristo! (Fm 20)

Não se perde apenas a carteira, a chave do carro, o ônibus. Não se perde apenas o juízo, a saúde, a vida. Não se perde apenas a vergonha, o caráter, a reputação. Não se perde apenas o emprego, a oportunidade que passa mas não pára, o ente querido.

Perde-se também o ânimo, aquela força motriz que põe tudo em movimento. Isso acontece com todo mundo, com o justo e com o pecador. Raramente em alguns poucos casos, muitas vezes em outros casos. É uma situação desagradável, ameaçadora e paralisante.

Davi perdeu o ânimo quando encontrou a cidade de Ziclague, onde estavam sua mulher e seus fi lhos, as mulheres e os fi lhos de seus seiscentos companheiros, destruída pelo fogo, e quando percebeu que os familiares de todos tinham sido levados como prisioneiros pelos amalequitas. Mas ele conseguiu reanimar-se no Senhor e então teve condições de reagir e transformar por completo o quadro (1Sm 30.1-20).

Na menor de suas epístolas, Paulo pede sem acanhamento e sem rodeios a Filemon: “Reanime o meu coração em Cristo” (Fm 20). Ele estava velho e encarcerado. Na esperança de ser libertado em breve, ele pede também pousada: “Prepare-me um aposento” (Fm 22). Mas entre uma coisa e outra,

naturalmente a reanimação é muito mais importante que o aposento.

De fato, uma injeção de ânimo faz bem. Uma boa saúde, uma boa situação fi nanceira, um bom relacionamento familiar podem tornar o desânimo mais difícil e menos freqüente, mas não são sufi cientes para manter o ânimo em todo o tempo e em todas as circunstâncias. O

ânimo precisa ser mantido e renovado custe o que custar, principalmente quando há algum baque emocional, de causa conhecida ou não, de dentro para fora ou de fora para dentro. Somos todos complicados, vulneráveis e frágeis. E as circunstâncias nem sempre ajudam. Daí a necessidade de algum socorro sem perda de tempo, de alguma reanimação boca a boca! A mais urgente possível.

Não é à toa que Jesus dizia repetidas vezes: “Tenha bom ânimo” (Mt 9.2; Mc 10-49; Jo 16.33). Todos precisam de ânimo, principalmente aqueles que estão à frente de algum empreendimento. Esta foi a receita de Moisés a Josué: “Não tenha medo! Não desanime!” (Dt 31.8). Sem ânimo, não se sai do lugar, não se avança, não se conquista nada e ainda se contagia os outros.

Antes de solicitar a Filemon “reanime o meu coração em Cristo”, Paulo faz uma referência elogiosa a ele: “Você, irmão, tem reanimado o coração dos santos” (Fm 7).

Deus é a fonte de todo ânimo. Ele pode nos reanimar tantas vezes quantas forem necessárias e nos transformar em reanimadores dos outros. Esse bem poderia ser o nosso alvo para 2008!

O ânimo precisa ser mantido e renovado custe o que custar,

principalmente quando há algum baque emocional, de causa conhecida ou

não, de dentro para fora ou de fora para dentro

Sam

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O mistério da iniqüidade em altaNa edição de nov./dez. 2007, Ultimato veio com a postura que nós, leitores, cansados de superfi cialidades, aprendemos a respeitar: análise coerente e corajosa dos problemas do cristianismo contemporâneo.

JOÃO ANTÔNIO DE ALMEIDATatuí, SP

Li e gostei do Mistério da iniqüidade em alta (nov./dez. 2007, p. 24), mas não gostei da omissão da revista sobre o mistério da apostasia de Kenneth Hagin (Rhema), Kenneth Copeland e Benny Hinn, que vêm destruindo as pessoas e as Igrejas com suas heresias.

PAULO ROBERTO T. DOS SANTOSRio de Janeiro, RJ

Depois de ler alguns escritos do tal porto-riquenho que se autodenomina Jesus Cristo Homem, estou convencido de que este sujeito possa ser mesmo o verdadeiro anticristo.

LAUDELINO LEITE GUIMARÃES

Parabéns pela matéria de capa. Precisamos estar atentos à barbaridade que vem acontecendo nos últimos anos. O mistério da iniqüidade vem se destacando assustadoramente.

EMÍLIO NAZARÉ

A igreja precisa de modeloAgradou-me muito a pastoral A igreja precisa de modelo (nov./dez. 2007, p. 8). Não são poucos os pastores que carecem das qualidades básicas de um ministro de Deus, como vida irrepreensível, moderação, sensatez, amabilidade, desprendimento e desapego ao dinheiro, no púlpito e fora dele. O povo de Deus anseia e clama por pastores e não somente por pregadores. Precisamos daqueles que ainda dão a vida pelas ovelhas, sem hora marcada, sem porta fechada, mas de coração aberto.

SEOZY YANE SANTOS MARCONDES Curitiba, PR

Richard DawkinsO nome de Richard Dawkins, autor de Deus, Um Delírio, foi mencionado em diversos artigos da edição mais recente. Enquanto estava lendo a revista, ouvi o próprio em uma entrevista para a Deutsche Welle (rádio alemã), onde o confrontaram com dois bispos, sendo um católico e outro

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protestante, além de um político idoso de formação jesuíta. O dois bispos demonstraram revolta com as afi rmações mais contundentes de Dawkins e as palavras deste não foram nada brilhantes. Uma das virtudes de Ultimato é que seus temas são atuais.

WILFRIED KÖRBERVinhedo, SP

AparecidaApreciei o olhar apurado e carinhoso do Mineiro com Cara de Matuto (jul./ago. 2007, p. 20), que por aqui passou e conseguiu espelhar tão bem minha cidade. Nascida e criada em Aparecida, convertida ao evangelho aos 20 anos, fi lha de mineiros católicos que para cá vieram “tentar a vida”, tenho a alegria de compartilhar que parte de minha família hoje é convertida ao evangelho. Deus é maravilhoso e fi el, e tem feito maravilhas.

RITA DE CÁSSIA D. PENAAparecida, SP

Agradeço por receber Ultimato e parabenizo toda a equipe pelo brilhante trabalho. Aproveito para fazer uma pergunta aos nossos irmãos evangélicos, em especial aos da Assembléia de Deus: por que será que muitas famílias são restauradas, muitos milagres alcançados, muitas graças e bênçãos derramadas sobre todos aqueles que recitam o rosário em

honra à Mãe de Deus? Ou será falta de humildade “nossa” reconhecer que a Mãe de Deus e nossa intercede junto ao seu Filho, a Deus Pai por cada um de nós? Irmãos, enquanto vocês criticam, a Mãe de Deus os ama imensamente.

LUIZ CARLOS DA LAPAOlinda, PE

Li a reportagem sobre o Santuário de Aparecida. Devo confessar que a princípio fi quei um pouco em dúvida sobre que mensagem ela pretendia passar. Mas, depois de uma leitura apurada, e sem pinçar frases, entendi a matéria, muito bem escrita, aliás. Creio que o principal problema com alguns evangélicos é que eles têm tabus com alguns assuntos. Precisamos ter mais discernimento.

MÁRCIA SANTOS

Quando eu era católica, sempre que uma das minhas imagens quebrava, eu a jogava no mar, pois não podia colocá-la no lixo. Ainda bem que ninguém encontrou nenhuma delas. A propósito, creio que já chegou a hora de trocar o título atual Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil para padroeira dos católicos do Brasil, já que somos um Estado laico.

MARIA GLISSYA PESSOAFortaleza, CE

Como é confortante hoje não ver a queima de Bíblias por cristãos, mas ver sacerdotes católicos lendo Ultimato, uma

revista protestante, louvando-a ou criticando-a devido a um novo discernimento dos tempos, quando a unidade cristã — não institucional — se impõe como um imperativo até de pós-modernidade.

ERNESTO ALVES MUZZIBrasília, DF

Quando a revista chega, leio-a de cabo a rabo. Gosto muito da linha de pensamento e, sobretudo, de sua posição editorial isenta e não tendenciosa. Sou católico de formação teológica.

JOSÉ ANDRÉ DA SILVARecife, PE

Solicito que esta prestigiosa revista não me impugne por aproveitar muitos dados e idéias para completar meus livros. Lembrem-se: certas críticas valem mais que fi ngidos e eufêmicos aplausos, pois relembram dores de cotovelo. Meu breve adendo: meus livros não servem de leitura para membros do clero.

LEONILDO BOFFLages, SC

Leio com gosto e prazer as cartas à redação. Com referência à edição sobre o Santuário de Aparecida, noto que os católicos superaram este machismo de achar que Cristo é o único Salvador. A Bíblia não é um versículo só e nem só a Carta

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aos Hebreus. Ela é um conjunto que mostra que a salvação não é obra apenas de Cristo, mas de Cristo e de sua Igreja. Maria é o símbolo e a primogênita da Igreja. Maria inclusive é anterior a Cristo. Cristo não existiria se não tivesse existido o útero de Maria. Os protestantes que teimam em caluniar os católicos chamando-os de idólatras por sua devoção à Mãe de Jesus deveriam ser processados diante de um tribunal se para isso existisse um. O próprio Cristo os julgará.

LINO CHERUBINISanta Rosa, RS

— No afã de exaltar Maria, o querido leitor Lino Cherubini cometeu o grave equívoco de rebaixar aquele que tornou Maria notável. Tanto pela teologia católica como pela reformada. Jesus é anterior a Maria, é mais velho que a mãe, mais velho que Abraão. Ele mesmo disse: “Eu lhes afi rmo que antes de Abraão nascer, Eu Sou!” (Jo 8.58). É assim que Jesus é apresentado no prólogo do Evangelho de João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus” (Jo 1.1).

O sofrimento dos alemães no Brasil durante a Segunda GuerraA propósito do artigo de Alderi Souza de Matos na edição de set./out. 2007, quero referir-me à inclusão social dos

“alemães do sul”, que aconteceu por imposição do governo federal durante a Segunda Guerra. Poucos sabem o quanto de sofrimento e humilhação passaram os alemães e seus descendentes em nome dessa inclusão que aconteceria normalmente com o passar do tempo. Bastava que dois amigos se cumprimentassem em alemão e já eram presos e humilhados. Mães que ainda alimentavam seus fi lhos, se usassem, por força do hábito, a língua germânica eram separadas de suas famílias e sofriam humilhações. Algumas dessas pessoas ainda vivem em Blumenau e são assinantes de Ultimato. O artigo de Alderi deve ter provocado lembranças tristes daqueles tempos. Creio que uma lei imposta por uma ditadura raramente visa o bem-estar das pessoas. Quase sempre há outros interesses.

ERLY CARLOS KISCHLATBlumenau, SC

HomossexualidadeDesde os 7 anos de idade tive experiências homossexuais. Ficaram mais freqüentes por volta dos 10. E dos 12 aos 16 elas se tornaram regulares. Aos 19 assumi a homossexualidade e então descambei mesmo de parceiro em parceiro. Aos 22 anos eu estava completamente entediado dessa coisa toda e minha vida estava fora de controle. Eu bebia muito e uma vez bati o carro. O acidente me fez repensar minha vida e indagar qual seria o meu fi m. Tudo indicava um futuro tenebroso. Em meio a essa

situação, acabei ouvindo a pregação de um pastor. Embora até então eu odiasse os crentes, os pastores e as igrejas evangélicas, uma frase desse pastor mudou minha vida: “Você só pode saber se o que você faz é agradável a Deus se você souber o que Deus quer que você faça para agradá-lo”. Quando o pastor fez o apelo, eu fui à frente. No dia seguinte comecei a estudar a Bíblia sozinho. Encontrei as respostas de que eu precisava e minha vida jamais foi a mesma. Faz dez anos que ando em vitória e sirvo ao “Deus dos crentes”. Sou casado e tenho uma família abençoada. Sou servidor público federal e professor universitário. Ainda tenho lutas (quem não as tem?), mas é um prazer vencer todas elas pela fé. Não sinto nenhum tipo de atração por homens e ajudo outros rapazes a se livrarem disso. Tenho ajudado até mesmo pastores com mais de duas décadas de ministério que não sabem lidar com os problemas homossexuais que atormentam algumas de suas ovelhas e, às vezes, eles mesmos.

CLÁUDIO [email protected]

Brazilândia, DF

Já não confio em nada!Mesmo sendo músico e integrando o grupo de louvor da minha comunidade, já não confi o nos ministros de louvor. Os púlpitos parecem mais palcos para apresentação dos artistas evangélicos. Eles querem brilhar mais do que a

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própria Estrela da manhã. Alguns transformam a igreja em academia: “Vira para o lado e fala...”; “levanta a mão e declara...”; “pula na presença de Deus...”; “agora grita...”. O Brasil evangélico de hoje tem centenas de cantores, instrumentistas e grupos, um querendo vender mais que o outro. Tem “louvor” para todos os gostos: louvor profético, louvor apostólico, louvor extravagante, louvor para evangelismo, louvor para guerra espiritual, louvor para restituição, louvor para determinação, louvor para atrair a presença de Deus, louvor para espantar a presença do diabo, louvor para meditação. Estou sentindo falta do louvor para louvar somente a Deus. Mesmo crendo que Jesus não muda e ainda realiza milagres, já não confi o nos milagres que acontecem. Na igreja evangélica brasileira milagre virou algo comum. Já não confi o nas pessoas que fi cam propagando os milagres recebidos. Várias vezes Jesus disse para os curados não falarem nada para ninguém. Desde que inventaram o placebo, descobri que o cérebro é capaz de coisas extraordinárias! Mesmo tendo uma confi ssão de fé reformada e evangélica, já não confi o quando alguém me diz que é evangélico. Tem evangélico que dá cheque sem fundo, evangélico que vende e não entrega e evangélico que sonega imposto. Mesmo sendo uma pessoa cheia de fé, já não confi o em nada! A partir de agora vou confi ar mais na Palavra de Deus. E ela me diz: “Maldito o homem que confi a no homem”.

MARCOS DAVID (biólogo)São Paulo, SP

ConfissãoOutro dia eu entrei em um site de linha fundamentalista e, em um artigo, determinado autor classifi cava Ultimato como liberal e esquerdista. Depois, em conversa com um clérigo de uma denominação histórica com tendências liberais, veio a reclamação dele de que a revista, além de não ser ecumênica, é fundamentalista. Ora, se fundamentalistas chamam a revista de liberal e liberais a chamam de fundamentalista, ouso chamá-la de bíblica e cristocentricamente equilibrada.

HUMBERTO RAMOS DE OLIVEIRA JÚNIORPouso Alegre,MG

Povo de Deus!Sou assinante de Ultimato há mais de dois anos. Povo de Deus, assine já esta revista. É boa demais!

LUIZ FELIX DE J. PESSOA

Apesar do artigo Terceiro céu e espinho na carne, Ultimato tem sido publicada sem interrupções há 40 anos! Faço um apelo aos assinantes e amigos da revista que orem e consigam mais assinaturas.

NATHANAEL OLIVEIRA NEVESSão João da Boa Vista, SP

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Pastor Daniel Rocha

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ULTIMATO Janeiro-Fevereiro, 2008 14

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A lei do celibato

Em carta ao jornal Ciência e Cultura, de Brasília, a leitora Maria Antonia Rocha, de Belo Horizonte, alfi netou o papa: “Em sua recente visita à Áustria, Bento 16 recomendou que os católicos europeus tenham mais fi lhos. Por que não começar pela liberação dos padres e freiras da lei do celibato e do voto de castidade?”.

Sônia e Estevam não são mártires

Em carta à Folha de São Paulo, o pastor metodista Daniel Rocha, 49, residente em Caieiras, SP, alfi netou a Renascer em Cristo: “Neste exato momento há centenas de cristãos espalhados pelo mundo presos e perseguidos

por amor a Cristo e ao evangelho. Nos Estados Unidos foi condenado o casal Hernandes, mas não exatamente por esses motivos, e sim por amor à luxúria, à vaidade e à ambição. Que os seus seguidores reconheçam essa diferença e não os tratem como mártires, mas como um exemplo a não ser seguido”.

A maior catástrofe natural virá como um ladrão

O ex-deputado Antonio Delfi m Netto escreveu o óbvio: “Eventos extremos, como catástrofes naturais (terremotos, furacões) ou sociais (revoluções, crises econômicas agudas), chegam freqüentemente, como surpresas”. A maior catástrofe natural que o mundo jamais viu virá de surpresa: “O dia do Senhor chegará como um ladrão. Naquele dia os céus vão desaparecer com um barulho espantoso, e tudo o que há no universo será queimado. A terra e tudo o que existe nela vão sumir” (2Pe 3.10, NTLH). A expressão “como um ladrão” signifi ca de modo repentino e inesperado, numa hora em que menos se espera. Foi usada por Jesus (Mt 24.43), por Paulo (1 Ts 5.2,4) e por Pedro. A volta do Senhor também não tem hora marcada: “Escutem! Eu venho como um ladrão” (Ap 16.15, NTLH).

O garimpeiro atrás do vento

O médico Drauzio Varella conta a história de um garimpeiro brasileiro que correu atrás do vento a vida inteira. Em 30 anos de atividade pelo norte do Mato Grosso, Rondônia, Serra Pelada, Pico da Neblina e outos lugares, retirou da terra e do leito submerso dos rios mais de 50 quilos de ouro. À

semelhança do personagem da parábola do fi lho perdido (Lc 15.30), esse homem esbanjou tudo com mulheres. Numa ocasião, chegou a fazer um tapete de notas de dez reais sem deixar uma fresta, só para impressionar uma gaúcha de olhos azuis. Noutra, ao receber um pacotão de dinheiro, amarrou tudo num barbante grosso, prendeu no cinto e saiu puxando pela rua. Explicava aos amigos: “Andei a vida inteira atrás desse desgraçado. Agora é ele que anda atrás de mim”. A expressão “correr atrás do vento” aparece nove vezes nos primeiros seis capítulos de Eclesiastes (1.14 e 17; 2.11, 17 e 26; 4.4, 6 e 16; 6.9). Signifi ca a inutilidade da vida e sua falta de sentido.

Tarde demais

O pai do ator Ney Latorraca, 63, morreu em 1988 e a mãe, seis anos depois. Ele foi sepultado em Santos e ela, no Morumbi, em São Paulo. Viveram separados algum tempo. Agora o ator quer uni-los. A primeira providência foi colocar o retrato do pai no mesmo porta-retratos onde a mãe já está. A próxima providência seria desenterrar o corpo de um deles e colocá-lo no mesmo túmulo do outro. Tudo muito bonito, mas tarde demais!

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números400.000.000.000de dólares é o valor do mercado de consumo de luxo por ano no mundo. Só no Brasil, são US$ 3,9 bilhões, quase tudo concentrado em São Paulo (72% dessa fatia)

670jovens de 15 a 29 anos morreram em acidentes de trânsito em 15 meses (de janeiro de 2006 a março de 2007) só no Estado do Rio de Janeiro

3.300.000.000de dólares é quanto o Brasil movimentou este ano com o “pet business” (todos os gastos com animais de estimação, incluindo alimentação requintada, cuidados médicos, embelezamento, diversão, roupas, jóias etc)

2.867mulheres foram estupradas em 2005 no Quênia, país de 32 milhões de habitantes (uma violência sexual a cada 30 segundos)

8.000meninas engrossam a cada dia as fi leiras das mulheres que passaram por aquilo que se chama educadamente de “circuncisão feminina”, principalmente na África e Ásia.

18.000.000.000de euros anuais é quanto geram um milhão de relações sexuais pagas a cada dia na Espanha

Janeiro-Fevereiro, 2008 ULTIMATO 15

A casa que o vento derruba leva junto o passado, o presente e o futuro

A terapeuta existencial Dulce Critelli, professora de fi losofi a da PUC-SP, explica muito bem o drama pelo qual passam as famílias que perdem tudo de uma hora para outra: “Numa tragédia como em enchentes, guerras, acidentes como esse recente nas obras do metrô em São Paulo, nossa casa pode ser arrancada de nós, sem aviso e de repente. Ainda que parentes e amigos nos acolham, que sejamos abrigados em hotéis, o sentimento é de desolação e de exílio. A casa, subitamente subtraída das mãos e dos olhos, leva junto o passado, o presente e o futuro dos seus moradores. Leva a vida e a história. Perder a casa é se perder a si mesmo”.

A terapeuta faria muito bem se explicasse também as conseqüências

de uma tragédia muito maior, aquela que Jesus narra no fi nal do Sermão da Montanha: Um homem insensato construiu sobre a areia a sua casa. De repente, caiu uma forte chuva, vieram as enchentes e o vento soprou com força contra aquela casa e ela caiu e fi cou totalmente destruída. Nesse caso, o que está em jogo não é uma casa de tijolo e cimento, mas a “casa espiritual”, aquela bagagem religiosa que se constrói de qualquer modo ao correr da vida, sem levar em consideração a chamada “pedra angular”, que é Jesus Cristo. Foi o apóstolo Pedro quem declarou ao Sinédrio em Jerusalém: “Este Jesus [crucifi cado e ressurrecto] é a pedra que os construtores rejeitaram, e que

se tornou a pedra angular” (At 4.11). Paulo bate na mesma tecla e explica que os salvos foram feitos membros da família de Deus e “edifi cados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo Jesus Cristo como pedra angular” (Ef 2.20).

Quando essa casa construída sobre a areia e não sobre a pedra principal (que sustenta o peso de todas as outras pedras) for subitamente subtraída, deixando ao relento para sempre a alma imprevidente, o desastre será infi nitamente maior do que perder uma casa desenhada e construída por um engenheiro qualquer. Que o pavor de algo assim provoque, enquanto há tempo, mudanças violentas da parte de quem ainda esteja sem Cristo!

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ULTIMATO Janeiro-Fevereiro, 2008 16

do que

Até hoje pregadores neopentecostais que rejeitam o bom

senso tentam contornar o problema do fanatismo religioso colocando diante de seus ouvintes duas opções: a opção da enfermaria e a opção do cemitério. Na enfermaria há uma correria enorme, fraldas sujas, crianças chorando, mas a vida está ali. No cemitério, está tudo calmo e em ordem, mas a morte está ali.

É o que se dizia na famosa Igreja do Aeroporto, em Toronto, Canadá, na década de 1990. Porque o forno é melhor do que a geladeira, os dirigentes da igreja apoiavam e estimulavam uma série de coisas estranhas e absurdas que foram levadas para vários outros países, inclusive o Brasil. Chamava-se de avivamento tudo aquilo que estava acontecendo em Toronto, desde o fenômeno dos “dentes de ouro” (a prova da intimidade da pessoa com o Senhor) até a capacidade de gargalhar o tempo todo do culto (a “unção do riso”) e de engatinhar no chão tomado pelo Leão de Judá (a “unção do leão”). Dizia-se então que as pessoas estavam “bêbadas no Espírito” e, portanto, todas essas manifestações eram corretas, oportunas e convincentes e deveriam ser buscadas por todo crente avivado.

Não obstante todo o alarde feito pela Igreja de Toronto, a autenticidade de tudo está sendo posta em dúvida por

um dos seus antigos líderes, que hoje não consegue entender por que gastou tanto tempo para chegar à conclusão de que tudo aquilo era algo irreverente e blasfemo ao Espírito Santo da Bíblia.

A gota d’água que levou Paul Gowdy a acordar foi o testemunho de Carol Arnott, esposa do pastor da Igreja do Aeroporto. Ao descrever sua experiência na presença de Cristo, a mulher declarou que aquilo era muito melhor do que sexo. Nove anos depois de deixar aquele grupo, Gowdy escreveu um documento sobre o assunto, inicialmente para uso restrito, mas, em fevereiro de 2007, ele começou a ser divulgado em grande escala nos Estados Unidos. Chegou ao Brasil através de Mensageiro da Paz, órgão ofi cial das Assembléias de Deus (setembro de 2007, p. 14). A carta original de Paul Gowdy pode ser encontrada no site <www.discernment-ministries.org>.

Dentes de ouro, “unção do riso” e “unção do leão” vão por água abaixo

Pessoas caem de costas, sob o efeito da “unção”, na Igreja do Aeroporto, em Toronto

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do que

O brasileiro que está ganhando dinheiro nos Estados Unidos, na Espanha ou no Japão

tem saudade do Brasil. O soldado americano que está lutando no Iraque tem saudade dos Estados Unidos. O boliviano que trabalha em São Paulo tem saudade da Bolívia.

Eles também têm outra saudade, mais misteriosa, mais inquieta, mais arraigada. Essa segunda saudade, todo ser humano tem, tanto o pobre como o rico, tanto o analfabeto como o doutor, tanto o índio como o não-índio, tanto o crente como o não-crente. Em todo lugar e em todo tempo. Trata-se daquilo que o ensaísta francês Albert Camus (1913-1960) chama de nostalgia do paraíso perdido.

Mas não será a despoluição do planeta que vai nos curar dessa nostalgia do paraíso perdido, como

sugeriu outro dia o jornalista Carlos Heitor Cony: “Sem eletricidade, sem plásticos, sem fábricas despejando detritos industriais nos rios, sem fumantes e sem predadores de fl orestas, o planeta vencerá a ameaça do aquecimento global, as geleiras continuarão geladas, sem derreter, e os oceanos permanecerão no mesmo nível dos primeiros dias da Criação”.

A saudade coletiva e universal não é só da criação original, não danifi cada, não poluída, mas também e especialmente do Criador. A reconciliação é com a criação e com o Criador. Quando se fala no paraíso perdido e no paraíso recuperado na perspectiva cristã, estamos falando mais da beleza e perfeição de Deus do que da beleza e perfeição da natureza. O último livro da Bíblia mostra que o paraíso recuperado será paraíso recuperado porque “a morada de Deus está entre os seres humanos”. E acrescenta: “O próprio Deus estará com eles e será o Deus deles. Ele enxugará dos olhos todas as lágrimas. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor. As coisas velhas [especialmente a nostalgia de um paraíso perdido] já passaram” (Ap 21.3-4, NTLH).

A nostalgia do paraíso perdido é a dor mais secreta do ser humano

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Janeiro-Fevereiro, 2008 ULTIMATO 19

A edição de agosto de 2007 do jornal Só Isso!, redigido e ilustrado pelas internas da

Penitenciária Talavera Bruce, no Rio de Janeiro, publicou na seção “Correio Sentimental” 63 cartas de encarcerados que desejam trocar correspondência com o propósito de iniciar um namoro que eventualmente possa levar ao casamento. Quase todas foram escritas por homens (55 cartas), e não por mulheres (apenas 8). A idade dos missivistas varia entre 18 (é o caso de Júlio Thiago, que está à procura de “uma mulher sincera e não interesseira”) a 53 anos (é o caso de Walter Batista, que adora um “aconchego de mulher”). Enquanto as mulheres estão no Talavera Bruce (uma delas é ex-detenta), os homens estão espalhados em diferentes presídios, principalmente no Rio de Janeiro.

Trata-se de uma matéria que merece estudo, simpatia e respeito de toda a sociedade, pois mostra a carência do coração humano e a força daquele amor entre o homem e a mulher criado por Deus: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2.18). Por terem sido escritas por pessoas que estão presas e que permanecerão nesse estado por mais algum tempo, as cartas mostram também a força da esperança — a esperança da liberdade e a esperança do casamento.

Amilton Lopes, 35, tem 1,87 de altura e pesa cerca de 100 quilos. É formado em teologia e fez três anos de direito. “Quero sinceridade, transparência e lealdade”.

Antonio Carlos, 36, diz que Jesus mudou a sua vida. “Estou na presença do Senhor Jesus, o caminho, a verdade e a vida”.

Carlos Eduardo, 28, promete um relacionamento sólido e verdadeiro. “Procuro uma jovem que seja

companheira, leal e sincera, honesta e verdadeira”.

Carlos Alvarenga, 33, moreno claro, procura uma mulher que “seja sincera, amiga, inteligente, bonita e, se for mulata, melhor ainda; mas todas serão bem-vindas”.

Eldan França, 23, quer encontrar alguém especial para construir uma grande amizade. “Quem sabe, com o passar do tempo, não rola algo a mais?”.

Felipe Lopes está passando por um momento difícil na vida e precisa de uma nova amizade feminina. “Pode ser branca, morena ou negra; a idade também não importa”.

Jaime Neves se apresenta como moreno, carinhoso e evangélico e procura uma mulher entre 30 e 35 anos para compromisso sério.

Jorge José falta com a modéstia mas adota uma estratégia que parece acertada: “Sou um homem bonito, inteligente e de ótimo coração”.

Marcelo Vinício se mostra muito atraente e dá uma notícia: “Tenho 1,90 metro de altura e corpo atlético, 92 quilos, moreno jambo e olhos verdes. Faltam seis meses para eu ir embora”.

Marcelo Bezerra, 29, confessa que os detalhes físicos indicam que ele pode ser interessante, mas como pessoa está muito carente. “Não estou sendo prepotente, mas serei capaz de ser um homem de verdade”.

Paulo Henrique quer se corresponder com uma mulher que esteja sozinha e

não queira brincar com os sentimentos dos outros.

Robson Nogueira, 26, tem 67 quilos de puro amor: “Estou à procura de uma mulher desenrolada, que queira ser algo na vida de alguém, seja neste lugar ou até mesmo fora”.

Wanderson Bezerra, 27, quer ajudar e ser ajudado e procura uma amizade, pois “estou carente de tudo”.

Suzana Cavalcante, 32, procura alguém para amenizar o seu sofrimento.

Luciene Ferreira, 29, solteira, mãe de dois fi lhos, evangélica, quer localizar um evangélico para “uma amizade ou algo mais”.

Este “Correio Sentimental” do jornal Só Isso! reforça o apelo do Novo Testamento: “Não se esqueçam daqueles que estão na prisão. Sofram com eles, como se vocês próprios estivessem lá” (Hb 13.3, BV) ou “Lembrai-vos dos encarcerados, como se estivésseis na pele deles” (na versão de Taizé).

Homens e mulheres atrás das grades estão também atrás de casamento

Candidatas aguardam para participar de desfile organizado pelo jornal Só Isso!

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do que

Um piauiense de 62 anos diz que Jesus tinha mania por exagero e o maior exagero dele

seria o tamanho e a qualidade de sua graça, por meio da qual somos salvos.

Glênio Fonseca Paranaguá nutre um profundo encantamento pela graça de Deus e não economiza adjetivos ao falar sobre ela. Por um lado, a graça é admirável, efi ciente, extravagante, graciosa, enorme, gratifi cante, incondicional, inefável, inexplicável, infi nita, majestosa, maravilhosa, plena, profi ciente, realizadora, satisfatória, sufi ciente e surpreendente. Por outro lado, a graça não é banal, barata, blindada, diluída, imobilizada, indolente, inoperante, libertina, paralisada e paralítica. Curiosamente, Glênio parece não citar nem uma vez o adjetivo “irresistível”, tão de agrado dos calvinistas.

Embora tendo sido batizado aos 12 anos e ordenado pastor aos 25, Glênio só

se converteu a Cristo depois desses dois eventos. É por isso que ele gosta de dizer: “Deus nos acha antes de nós o acharmos”. Sem dúvida, essas experiências de Glênio, formado em teologia, fi losofi a e psico-pedagogia, têm muito a ver com o seu livro O Meu Cálice Transborda (Editora Ide, 2006).

O livro de Glênio é uma preciosidade. Ele traz outra vez à tona a riqueza da graça de Deus. E o faz de forma compreensível e restauradora, em uma hora quando “a grande necessidade da igreja é crescer no conhecimento cada vez maior da graça de Deus”; quando “muita gente intrometida, que fi nge ser cristã, tem o costume de diluir a graça de Deus com solvente delicados que quase não são notados”; quando “há um bando de joio na igreja que também não gosta da graça” (p. 91).

Vê-se a empolgação de Glênio pelo assunto quando ele escreve: “O

princípio da graça é transformar o débito em crédito, a miséria em abundância, a fraqueza em força, a enfermidade em saúde, o pecado em santidade, o inferno em céu” (p. 56).

Para Glênio, a graça barata da qual se queixava o pastor luterano Dietrich Bonhoeffer não existe. O que existe é “gente barata que faz pouco caso da graça de Deus, por não saber avaliar o alto custo da obra graciosa de Cristo” (p. 49).

Casado com a carioca Carmem Malafaia e pai de um rapaz e duas moças, Glênio é pastor da Primeira Igreja Batista em Londrina, no Paraná há mais de 30 anos.

(O livro O Meu Cálice Transborda pode ser encontrado na Editora Ide, em Londrina. Telefone/Fax: (43) 3334-3717, E-mail: [email protected])

Surpreendente graça

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Frases

Janeiro-Fevereiro, 2008 ULTIMATO 21

Sem investimento em educação,

saúde, saneamento e infra-estrutura, a porta de saída da miséria continuará fechada para legiões de brasileiros.

Editorial da Folha de São Paulo

Hoje já não se pode dizer tão

seguramente, como nos séculos 19 e 20, que estamos num caminho de progresso.

Eric Hobsbawm, historiador de origem

judaica, autor de Era dos Extremos

Se o objetivo é evitar o aborto, o que é muito

desejável, então seria precioso favorecer os métodos anticoncepcionais. Quem proíbe esses métodos é co-responsável pela existência de tantos abortos.

Hans Küng, teólogo católico suíço, em

visita ao Brasil

Todo africano, inclusive eu mesmo,

não pode deixar de se alegrar com a ajuda que o mundo nos dá, mas isso não nos impede de perguntar a nós mesmos se essa ajuda é realmente sincera ou se ela é dada com a idéia de afi rmar sua superioridade cultural.

Uzodinma Iweala, escritor nigeriano, autor

de Feras de Lugar Nenhum

A teologia diz que o embrião é fi lho do

Altíssimo e possuidor de alma imortal, que permanece viva após a ocisão do corpo: os pais reencontrarão esse no além e terão que explicar-se.

Antonio Marchionni, professor de teologia

na PUC e autor de Deus e o Homem na História

dos Saberes

A lei do sistema é: quem não tem, quer

ter; quem tem, quer ter mais; quem tem mais diz: nunca é sufi ciente. Esquecemos que o que nos traz felicidade é o relacionamento humano, a amizade, o amor, a generosidade, a compaixão e o respeito, realidades que valem, mas não têm preço.

Leonardo Boff, teólogo

Em todas as denominações

cristãs, os adeptos são em menor número, e mais desanimados (se não integrantes apenas nominalmente), no caso do hemisfério Norte, e em maior número e mais fervorosos, no hemisfério Sul. A demografi a do cristianismo mudou radicalmente no século 20.

Michel Despland, destacado pesquisador

no campo da história das religiões

Não existe de fato tensão teológica

entre fé e obras ou entre o ensino de Paulo e Tiago. Existe, sim, uma tensão entre fé e fé, isto é, “fé morta” que nada produz, que não dá

frutos, fria e inefi caz, e a verdadeira fé, que produz frutos, que é operosa, é crescente e efi caz, aquela “fé que atua pelo amor” na rica expressão do apóstolo Paulo (Gl 5.6).

Marcos Lins, presidente da

Universidade Mackenzie

Exige-se de nós uma abertura total ao

Espírito Santo e uma refl exão contínua, que deve ser promovida juntamente com as igrejas locais, sobre os modos e os meios de testemunhar e anunciar Cristo Salvador neste novo contexto cultural e sobretudo torná-lo signifi cativo aos excluídos e marginalizados.

Padre Vito Del Prete, secretário-geral da

Pontifícia União Missionária

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ULTIMATO Janeiro-Fevereiro, 2008 22

O brasileiro que pediu demissão O brasileiro que pediu demissão da Embratel para ser missionário da Embratel para ser missionário na terra de seus paisna terra de seus pais

Em maio de 2000, o engenheiro de telecomunicações Hans Gilson Behrsin, formado na Universidade Federal Fluminense, pediu demissão da Embratel, onde trabalhava desde 1988. Ele estava então com 36 anos, já era casado com a fonoaudióloga Elaine Brasil Behrsin, pai de uma menina de 6 anos e de um menino de 3 e tinha acabado de se formar em teologia na Faculdade Teológica Batista do Paraná. Por que Hans se demitiu da Embratel?

Quase todo mundo em Curitiba, no Vale do Ribeira (litoral sul do Estado de São Paulo) e na Letônia, um dos países bálticos, sabe que Hans trocou a antiga profi ssão para servir ao Senhor de um modo mais direto. Depois de plantar

igrejas em Curitiba e pastorear uma igreja de Jacupiranga (Vale do Ribeira), ele foi para a Letônia, terra de seus ancestrais, como missionário da Junta de Missões Mundiais da Convenção Batista Brasileira (JMM), onde está com a família há um ano e meio.

Hans, nascido em Osvaldo Cruz, SP, toma emprestada a confi ssão de Paulo (Rm 1.14) e diz: “Sou devedor tanto a brasileiros como a letos” e explica que no início de 1890 e principalmente em 1922 e 1923 mais de 2 mil protestantes letos, inclusive pastores e líderes, na grande maioria batistas, deixaram suas congregações e embarcaram para o interior de São Paulo e outras regiões. Além de manter a fé, esses imigrantes fi zeram um trabalho intenso de evangelização. Hans estaria agora retribuindo o que eles fi zeram.

Portador de ambas as cidadanias, o missionário brasileiro, de 43 anos, mora em Riga, capital da Letônia, e sua principal missão é apoiar os missionários autóctones que estão relacionados com a JMM. Em médio

prazo, “após a total adaptação cultural e lingüística”, ele pretende plantar uma igreja em Riga. A revista leta Tiksanas, que traz regularmente artigos de diferentes igrejas cristãs, publicou em duas edições (agosto e setembro de 2007) a história dos batistas letos que vieram para o Brasil, escrita por Hans.

Na verdade, o campo missionário de Hans abrange os três países bálticos: Estônia (ao norte), Letônia (ao centro) e a Lituânia (ao sul). Os três países têm sete milhões de habitantes. O número de habitantes sem religião é alto, principalmente na Estônia (60%). A Lituânia seria o país de mais alta porcentagem de cristãos (76%). Os luteranos são a maioria dos cristãos na Estônia e na Letônia, mas muitos são apenas nominais. Na Lituânia, os católicos são os mais numerosos (68%).

Tudo isso não estaria acontecendo se Hans não tivesse sobrevivido à crise religiosa que o acometeu no início de sua vida universitária (dos 16 aos 20 anos), quando desejou e tentou afastar-se do evangelho.

Hans, Elaine, Rhaísa e Guilherme em Riga, na Letônia

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Armand M. Nicholi Jr

ULTIMATO Janeiro-Fevereiro, 2008 24

capa

Homossexualismo e homossexualidade

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Ultimato procurava um texto sério sobre a questão da homossexualidade, escrito por uma autoridade no assunto, e encontrou o verbete “Homossexualismo e Homossexualidade”

no Baker’s Dictionary of Christian Ethics, publicado em 1973 pelo conhecido editor Carl F. Henry, em Grands Rapids, nos Estados Unidos. O autor do verbete é o psiquiatra Armand

M. Nicholi, durante muito tempo professor da Escola de Medicina de Harvard e do Hospital Geral de Massachusetts, e consultor de Grupos do Governo e atletas profissionais.

Nicholi é autor da obra-prima Deus em Questão — C.S. Lewis e Freud debatem Deus, amor, sexo e o sentido da vida, publicado no Brasil pela Editora Ultimato.

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Janeiro-Fevereiro, 2008 ULTIMATO 25

O termo homossexualismo refere-se à atividade

sexual praticada entre pessoas do mesmo sexo. Especialistas concordam acerca do signifi cado de “comportamento homossexual”, mas têm difi culdades em chegar a uma defi nição clara do que é ser homossexual. Alguns descrevem o homossexual com base na prática do homossexualismo, enquanto outros o fazem considerando a atração preferencial por pessoas do mesmo sexo. Uma pessoa pode sentir desejos homossexuais intensos sem nunca praticar o homossexualismo, enquanto há quem opte pela atividade mesmo quando a preferência é fortemente dirigida para o sexo oposto. Neste último caso, circunstâncias como a infl uência do alcoolismo ou confi namento em prisões podem precipitar a ocorrência de experiências homossexuais. O termo bissexual refere-se a indivíduos que praticam atividades tanto homo quanto heterossexuais, podendo haver predominância de uma dessas práticas.

Independentemente do como se conceitue homossexualidade, não há uma forma precisa de determinar sua prevalência. Alguns poucos estudos indicam que cerca de 4 a 5 % da população branca masculina conservam-se exclusivamente homossexual após a adolescência, enquanto entre 10 e 20 % mantêm relações regularmente com indivíduos de ambos os sexos. Pesquisas desenvolvidas com militares na Segunda Guerra Mundial revelaram que 1% dos homens em serviço eram homossexuais, estimando-se que idêntico percentual constituía-se de casos não detectados, isto é, 2% no

total. Seja como for, as estatísticas revelam que o homossexualismo é pouco comum.

A história registra a homossexualidade em muitas civilizações antigas. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos mencionam essa prática e são fortemente explícitos em proibi-las. Algumas civilizações — por exemplo, os antigos gregos — aparentemente aceitavam a prática do homossexualismo com pouca ou nenhuma desaprovação. Ainda que a maioria das culturas em nossos dias lide com essa questão, em certos grupos sociais não se encontraram nem sequer indícios de homossexualismo.

A causa da homossexualidade não está claramente identifi cada. As diversas teorias podem ser agrupadas em razão de apontar para um dos dois grupos gerais de causas: genéticas e psicogênicas.

O primeiro grupo, de causas “genéticas”, postula que um indivíduo pode herdar a predisposição para a homossexualidade. As teorias reunidas nesse grupo apontam para evidências obtidas em estudos com gêmeos, os quais revelam que a incidência de homossexualismo entre gêmeos

idênticos é expressivamente maior do que em gêmeos não-idênticos.

Já o segundo grupo de teorias, chamado “psicogênico”, afi rma que a identidade sexual é determinada pelo ambiente

familiar e outros fatores do meio em que uma pessoa vive. Neste caso, as teorias apontam para a existência de denominadores comuns entre famílias de diversos homossexuais.

Pesquisas recentes indicam que as famílias mais propensas a gerar um rapaz homossexual são aquelas em que a mãe é muito íntima do fi lho, possessiva e dominante, enquanto o pai é desligado e hostil. São mães com tendência ao puritanismo, sexualmente frígidas e determinadas a desenvolver uma espécie de aliança com o fi lho contra o pai, a quem ela humilha. O fi lho torna-se excessivamente submisso à mãe, volta-se a ela em busca de proteção e fi ca ao seu lado em disputas contra o pai. Pais de homossexuais são freqüentemente distantes, não demonstrando entusiasmo ou afeição, e criticam os fi lhos. Sua tendência é menosprezar e humilhar o fi lho, dedicando-lhe muito pouco de seu tempo. O fi lho reage com medo, aversão e falta de respeito. Alguns estudiosos consideram que a relação entre pai e fi lho parece ser mais decisiva na formação da identidade sexual do jovem do que o relacionamento deste com sua mãe. Tais pesquisadores chegam a afi rmar não ser

possível uma criança se tornar homossexual se seu pai for carinhoso e amoroso.

Em alguns homossexuais é o medo do sexo oposto que parece ser o fator dominante, não a atração profunda por alguém do mesmo sexo. Uma vez resolvido esse medo com terapia, a heterossexualidade prevalece. Estudos recentes têm demonstrado, ainda, que a sedução por outros

Pesquisas demonstram que muitas mães de mulheres lésbicas tendem a ser hostis e competitivas

com suas filhas, sendo muito ligadas aos filhos homens e ao pai

Leigos freqüentemente questionam se a homossexualidade deveria ser considerada doença ou pecado. Uma coisa não exclui a outra.

Pessoas cuja fé se baseia na Bíblia não podem duvidar que as claras

proibições do comportamento homossexual façam dessa prática

uma transgressão da lei divina

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homossexuais — especialmente outros rapazes — não parece ser um fator relevante.

A chamada “homossexualidade latente” refere-se a confl itos emocionais similares aos da forma “aparente”, mas sem consciência do fato ou sem expressão pública dos confl itos.

Lesbianismo é o termo que se aplica à homossexualidade feminina. Como no caso do homossexualismo masculino, sua prevalência é desconhecida. Também neste caso a questão familiar desempenha um papel muito importante. Pesquisas demonstram que muitas mães de mulheres lésbicas tendem a ser hostis e competitivas com suas fi lhas, sendo muito ligadas aos fi lhos homens e ao pai. Além disso, os pais de mulheres homossexuais raramente desempenham um papel dominante na família e difi cilmente mostram-se afeiçoados às fi lhas.

Tanto homens quanto mulheres homossexuais tendem ao isolamento e mostram difi culdade em fazer amizades, mesmo quando crianças. Na adolescência e na idade adulta eles raramente marcam encontros. A maioria dos homossexuais torna-se consciente de sua homossexualidade antes dos dezesseis anos — alguns até antes dos dez anos. Eles costumam optar pela vida em cidades grandes para aí formar seus próprios grupos sociais com regras, modo de vestir e linguagem próprios. Recentemente, tem-se observado o surgimento de organizações para melhorar a imagem do homossexual, as quais costumam negar que o homossexualismo seja um distúrbio ou anormalidade.

Leigos freqüentemente questionam se a homossexualidade deveria ser considerada uma doença ou um pecado. Uma coisa não exclui a outra. Pessoas cuja fé se

baseia na Bíblia não podem duvidar que as claras proibições do comportamento homossexual façam dessa prática uma transgressão da lei divina. Por outro lado, há que se considerar a preponderância de opiniões de especialistas a apontar o homossexualismo como uma forma de psicopatologia que requer intervenção médica.

Muitos, em nossa sociedade moderna, negam a condição patológica do homossexualismo, recusam-se a considerar a existência de implicações de ordem moral e vêem a prática homossexual apenas como uma forma de expressão diferente do padrão de comportamento sexual da maioria da população. Assim, tais pessoas não apenas desencorajam a busca por ajuda como contribuem para que o homossexual se conforme com uma vida cada vez mais isolada e frustrante, independente de quão permissiva e condescendente nossa sociedade se torne.

Outra questão bastante levantada diz respeito à atitude da igreja em relação a homossexuais. Tais indivíduos se deparam com ouvidos insensíveis e portas fechadas na comunidade cristã. Essa reação intensifi ca os sentimentos de angústia e de solidão profunda, o completo desânimo que os assusta

e, com freqüência, leva ao suicídio. Cristo, enquanto se opunha vigorosamente à doença e ao pecado, buscava doentes e pecadores com compreensão e misericórdia. A igreja erra quando se permite fazer menos.

A grande cobertura que a mídia faz do homossexualismo,

resultado da recente atividade de organizações de homossexuais, tem tornado a homossexualidade mais aceitável como tópico de discussão. Dessa forma, a igreja sem dúvida tomará consciência do problema acontecendo com alguns de seus membros. Isto não deve surpreender, pelo menos por duas razões. Em primeiro lugar, o sentimento de solidão, a necessidade de contato humano e a imagem de si próprio como um desajustado levam o homossexual a ver a comunidade cristã como um refúgio e uma possível fonte de conforto. A outra razão está na frieza e rejeição, comuns no ambiente familiar, provocando ânsia por uma fi gura de pai amoroso, cálido e compassivo. É fácil entender como o cristianismo pode ser atraente, especialmente para suprir esta necessidade emocional.

Várias formas de psicoterapia têm sido usadas no tratamento de homossexuais, com diferentes níveis de sucesso. Como em qualquer tratamento psicoterápico, os resultados dependem de fatores múltiplos, com ênfase na motivação do paciente. Pessoas homossexuais tendem a ser desmotivadas, o que seja talvez um dos maiores desafi os para o terapeuta. A experiência clínica tem mostrado que a motivação para mudar e a consciência

do erro são essenciais para aumentar signifi cativamente a expectativa de um tratamento bem-sucedido.

NotaTraduzido do inglês por Raquel Monteiro Cordeiro de Azeredo

Os homossexuais se deparam com ouvidos insensíveis e portas

fechadas na comunidade cristã. Essa reação intensifica os sentimentos de

angústia e de solidão profunda, o completo desânimo que os assusta e, com freqüência, leva ao suicídio

Cristo, enquanto se opunha fortemente à doença e ao pecado, buscava doentes e pecadores com

compreensão e misericórdia. A igreja erra quando se permite fazer menos

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Elben M. Lenz César

Não abandono a Cristo nem a sua Igreja, mas ficarei extremamente aborrecido com a minha igreja se...

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Os cristãos ortodoxos demais não • colocarem no mesmo nível os pecados sexuais e os pecados sociais.Os cristãos fundamentalistas demais • aprovarem a guerra e condenarem a guerrilha.Os cristãos pentecostais demais não • colocarem no mesmo nível de importância os dons do Espírito e o fruto do Espírito.Os cristãos ecumênicos demais chamarem • de irmãos na fé aqueles que colocam Jesus no mesmo nível de Buda e Maomé.Os cristãos liberais demais disserem que • Jesus é só Filho do homem e não Filho do homem e Filho de Deus ao mesmo tempo.Os cristãos reformados demais não • enfatizarem tanto a eleição como a Grande Comissão.Os cristãos espirituais demais derem um • espaço muito grande para a oração e um espaço muito pequeno para a ação.Os cristãos hipócritas demais continuarem • a limpar o exterior do copo e não o interior primeiro e o exterior depois.

Os cristãos esbravejadores demais falarem • muito da condenação e pouco da salvação, muito do pecado e quase nada do perdão.Os cristãos diplomatas demais falarem • muito da salvação e pouco da condenação, muito do perdão e pouco do pecado.Os cristãos acadêmicos demais desprezarem • o pietismo e os cristãos pietistas demais desprezarem a teologia.Os cristãos avivados demais promoverem • avivamentos à base de louvorzões, ajuntamentos enormes, passeatas, shows gospel, milagre de cura e enriquecimento, muito barulho e sem contrição, sem confi ssão de pecado, sem santidade, sem Bíblia, sem paixão pelas almas, sem unidade e sem apego cada vez maior a Jesus Cristo.

Mais uma coisa: estou pronto para ir para a cadeia, se a lei brasileira me proibir de falar que a prática homossexual é contrária à lei de Deus, como se vê no texto da página seguinte (A verdade defi nitivamente não está do lado do comportamento homossexual!).

Há quase vinte anos o bispo da Diocese Anglicana de Newark,

nos Estados Unidos, ordenou o primeiro homossexual assumido desta importante vertente do cristianismo. Catorze anos depois, o bispo da Diocese de New Westminster, no Canadá, autorizou, em sua área, a cerimônia religiosa para uniões do mesmo sexo. No mesmo ano, em 2003, a Convenção da Igreja Episcopal dos Estados Unidos elegeu e consagrou o primeiro bispo declaradamente gay da Comunhão Anglicana.

Apesar de tudo isso, a denominação e a grande maioria de suas dioceses

inquestionáveis e inegociáveis da ética cristã, a começar da ordem da criação, da anatomia humana, da fi siologia da reprodução e, acima de tudo, da revelação de um Deus santo e todo-poderoso, a quem devemos respeitar em humilde obediência e cujo amor nos conduz à consciência do pecado e à busca da novidade de vida” (p. 55).

Todavia, o bispo brasileiro afi rma também que “não apoiar a pessoa de inclinação homossexual para que vença a sua tentação ou discriminá-la agressivamente (homofobia) são pecados de falta de amor” (p. 74).

É heterofobia considerar homofóbica a afirmação de pecaminosidade da prática homossexual

são ofi cialmente contrárias à prática homossexual. Para contar a história e a luta para preservar o compromisso ético cristão da heterossexualidade, o bispo brasileiro Robinson Cavalcanti, da Diocese de Recife, acaba de publicar Reforçando as Trincheiras — análise da problemática do homossexualismo à luz do cristianismo histórico (Vida, 2007).

Robinson é categórico:“[A normatividade heterossexual e a

condenação das práticas homossexuais e a bênção de uniões de pessoas do mesmo sexo] são pontos centrais,

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Já que a prática homossexual havia se tornado comum entre os povos no meio dos quais os israelitas viviam, a lei dizia: “Nenhum homem deverá ter relações com outro homem”

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Não podemos lutar contra a verdade, mas só a favor da verdade2 Coríntios 13.8, J.B. Phillips

1. Por causa do padrão do ato criador de DeusDeus nos criou homem e mulher, macho e fêmea. Com anatomia e órgãos sexuais diferentes e complementares, de forma que sentíssemos originalmente atração um pelo outro (Gn 1.27).

2. Por causa do que aconteceu a Sodoma e GomorraO livro de Gênesis menciona três vezes a situação moral de Sodoma. Na primeira passagem lê-se que ali “vivia uma gente má, que cometia pecados horríveis contra o Senhor” (Gn 13.13, NTLH). Na segunda, lê-se que o Senhor disse a Abraão: “Há terríveis acusações contra Sodoma e Gomorra, e o pecado dos seus moradores é muito grave” (Gn 18.20, NTLH). A terceira passagem confi rma

as anteriores e apresenta fatos: a população masculina de Sodoma cercou a casa de Ló e pediu-lhe para trazer para fora os dois homens que ele hospedava, pois queriam ter relações homossexuais com eles (Gn 19.5). Mesmo havendo outra acusação grave contra ambas as cidades — arrogância e abuso dos pobres (Ez 16.49-50) — o pecado mais conhecido não é abrandado. A Epístola de Judas recorda apenas o pecado do homossexualismo: as cinco cidades da planície comparecerão perante o juízo do grande dia porque “se entregaram à imoralidade e a relações sexuais antinaturais” (Jd 7).

3. Por causa da necessidade de haver uma lei explícita sobre o assuntoJá que a prática homossexual havia se tornado comum entre os povos no meio dos quais os israelitas viviam (Lv 18.1-5), tanto no Egito (de onde estavam saindo) como em Canaã (para onde estavam indo), a lei dizia: “Nenhum homem deverá ter relações com outro homem; Deus detesta isso” (Lv 18.22). Paulo faz menção a essa lei anti-homossexual na Primeira Epístola a Timóteo (1.10).

4. Por ser algo permitido por Deus como forma de castigoQuando a rejeição e depravação continuam, Deus retira o freio

e entrega “os seres humanos aos desejos do coração deles para fazerem coisas sujas e para terem relações vergonhosas uns com os outros” (Rm 1.24, NTLH). Deus abre e escancara as portas que ele mantinha até então fechadas. Ele levanta a âncora do navio seguro no porto e deixa que as ondas do mar revolto o levem para bem longe. Então, “até as mulheres trocam as relações naturais pelas que são contra a natureza”. Os homens, por sua vez, “deixam as relações naturais com as mulheres e se queimam de paixão uns pelos outros” (Rm 1.26- 27, NTLH).

5. Por causa do resultado finalHá uma declaração enfática de que nem os homossexuais passivos (os malakoi) nem os homossexuais ativos (os arsenokoitai) terão parte no reino de Deus, bem como outros pecadores empedermidos (“duros como uma pedra”), tais como os adúlteros, idólatras, avarentos, trapaceiros, ladrões etc. (1Co 6.9- 11). Essa passagem é corroborada duas vezes em Apocalipse: “Os covardes, os incrédulos, os depravados, os assassinos, os que cometem imoralidade sexual, os que praticam feitiçaria, os idólatras e todos os mentirosos — o lugar deles será no lago de fogo que arde com enxofre” (Ap 21.8; 22.15).

A verdade definitivamente não está do lado do comportamento homossexual!

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Esta é a verdade nua e crua. O armário foi aberto e a cerca foi derrubada. Os homossexuais abriram o

armário e dele saíram. Deus derrubou a cerca e os deixou à vontade. Com o armário aberto, os homossexuais tornaram-se visíveis. Com a cerca derrubada, andam de mãos dadas, beijam-se em público, casam-se, adotam fi lhos, prostituem-se, escrevem livros, publicam jornais, organizam marchas e passeatas, aparecem nas novelas, compram agências de viagens, fazem turismo, gastam dinheiro a rodo, exigem respeito de todos em nome dos direitos humanos e mudam as leis.

A expressão “sair do armário” pertence ao vocabulário gay e signifi ca assumir publicamente a homossexualidade (outing, em inglês). A expressão sinônima, porém, mais forte, seria “derrubar (ou chutar) a porta do closet”, isto é assumir-se com estardalhaço (Aurélia, a dicionária da língua afi ada, p. 119).

A idéia da cerca derrubada é uma fi gura bíblica que aparece em Isaías. Certo homem tinha uma vinha na encosta de uma fértil colina. Então ele cavou o chão, tirou as pedras e plantou as melhores mudas de uvas. Para evitar a entrada de animais que poderiam danifi car a plantação e de ladrões que poderiam furtar as uvas, o dono da vinha construiu um muro ao redor. Para aumentar a segurança, levantou uma torre no centro do terreno, na qual colocou um vigia. E, na certeza de que todo o esforço seria compensado, fez também o tanque onde deveria espremer as uvas e depois fazer o vinho. Ele esperava com justa razão colher uvas de primeira qualidade, mas a vinha só deu uvas azedas. Espantado e decepcionado, o homem perguntou aos seus botões: “Podia eu fazer pela minha vinha mais do que eu fi z?”. À vista do fracasso total, o dono da vinha toma uma decisão dramática: “Vou derrubar o muro que cerca a vinha e ela passará a ser pasto para o gado” ((Is 5.1-7).

Na pequena parábola em forma de canção, o proprietário e a vinha dizem respeito a Deus e a seu povo. Porque os judeus não valorizavam nem usufruíam da providência divina, rebelando-se acintosamente contra ele, Deus mesmo derrubou a cerca protetora e os deixou perigosamente soltos. O mesmo acontece hoje com toda pessoa ou grupo que assume posição contra o Senhor na esperança de fazer “em pedaços as suas algemas” (Sl 2.3). Deus então deixa os homens à vontade para se corromperem, para se complicarem, para correrem eternamente atrás do nada, para fazerem uma guerra após a outra, para se matarem, para tornar o planeta inabitável e também para trocarem “suas relações sexuais naturais por outras, contrárias à natureza” (Rm 1.26).

A cerca derrubada está intimamente relacionada com o armário aberto. É conseqüência do chute dado na porta do closet!

Armário aberto e cerca derrubada

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De acordo com um bom número de psicólogos e psiquiatras, “uma vez homossexual, se torna

praticamente impossível a mudança de orientação e a simples tentativa geraria no indivíduo depressão, ansiedade e outros traumas psicológicos” (www.christianitytoday.com).

A palavra “impossível” está errada. No lugar dela deveríamos escrever “difícil”. Primeiro, porque há inúmeros casos verdadeiros de mudanças, desde os tempos apostólicos até hoje. Segundo, porque uma afi rmação dessa reduz tanto a graça como o poder de Deus, que são ilimitados.

O argumento mais convincente que vem de encontro a essa mencionada impossibilidade é a notícia de que alguns coríntios deixaram de ser homossexuais passivos e homossexuais ativos quando aceitaram o evangelho pregado por Paulo, por ocasião de sua segunda grande viagem missionária (1Co 6.9- 11), por volta do ano 50 da era cristã.

Ora, esse fato se reveste de grande importância se levarmos em consideração que Corinto era uma cidade famosa por sua prostituição. Os gregos chegaram a cunhar o termo corinthiazesthai

(“corintianizar”), que quer dizer “viver uma vida coríntia”, para descrever a imoralidade daquela metrópole de 500 mil habitantes.

O motivo pelo qual Paulo confi ava plenamente no evangelho é porque ele é “uma força divina da salvação” (Rm 1.16, BP). Graças a essa “dinamite” de Deus, não só os ex-homossexuais de Corinto experimentaram uma notável transformação, mas também o próprio Paulo e muitos outros. Há uma série de “antes e agora” no Novo Testamento:

“Aquele que antes nos perseguia [uma referência a Paulo], agora está anunciando a fé que procurava destruir” (Gl 1.23).

Pedro e André, Tiago e João eram pescadores de peixes antes e “pescadores de homens” agora.

João era “fi lho do trovão” antes e o apóstolo do amor agora.

Zaqueu era desonesto e sovina antes e honesto e caridoso agora.

Pedro era covarde demais antes e corajoso demais agora.

Tomé era incrédulo antes e crente agora.O escravo Onésimo era o “útil” inútil

antes e o “útil” verdadeiramente útil agora.Entre o antes e o agora há uma

saída, uma libertação, uma reviravolta,

uma experiência marcante, que a Bíblia chama de novo nascimento ou conversão, algo sobrenatural operado pela graça de Deus, por meio de Jesus Cristo e pela operação do Espírito Santo.

Os homossexuais insatisfeitos com a sua conduta e acossados pela consciência ainda não diluída precisam ter esperança e reler: “Quem está unido em Cristo é uma nova pessoa; acabou-se o que era velho e já chegou o que é novo” (2Co 5.17,NTLH).

Se algum leitor precisar de ajuda e encorajamento: • GA — Grupo de Amigos no Rio de

Janeiro (21 2625-1991) ou São Paulo (11 7358-3389), ou escreva para Caixa Postal 99.315 – 28260-970 – Nova Friburgo, RJ.

• ABRACEH – Associação de Apoio ao Ser Humano e à Família. Caixa Postal 106.075 – 24230-970 – Niterói, RJ. E-mail: <[email protected]> ou <[email protected]>

A mudança de comportamento homossexual não é nem impossível nem fácil

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Rubem Amorese

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“Dentro do cine Gay Astor, você encontra na parte de baixo fi lmes hetero, na de cima, os de temática gay. Dentro do dark room e no banheiro, além das famosas pegações, ocorre também sexo de dupla e grupal. Por apenas cinco reais, a diversão vai até as dez da noite. Não esqueça de levar camisinha e gel.”

Léo Mendes

O convite acima foi publicado num domingo, na “Coluna do Meio” do jornal goiano Diário da

Manhã, voltada para o público gay. Léo Mendes é o jornalista Liorcino Mendes Pereira Filho, presidente da Associação de Gays, Lésbicas e Transgêneros de Goiás e membro titular da Comissão Nacional de Aids do Ministério da Saúde.1

Enquanto o PL 1.151/1995, da então deputada Marta Suplicy (PT-SP), que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo, permanece à espera de um descuido dos contrários à sua aprovação, prospera, em paralelo, a chamada “Lei da Homofobia” (PL 5.003/2001), que, aprovada

em plenário, seguiu para o Senado. A última ação sofrida pela “Lei do Casamento Gay” foi o requerimento do deputado Celso Russomanno (PP-SP) que solicitava sua inclusão na ordem do dia, em 14 de agosto de 2007. Ainda não foi dessa vez.

A leitura do convite acima gera inquietação sobre as reais intenções dos gays ao proporem a “Lei da Homofobia” (PLC nº 122/2006, no Senado). O projeto, de autoria da deputada Iara Bernardi (PT-SP), altera a Lei 7.716/1989, que defi ne os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dá nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto-Lei 2.848/1940 (Código Penal), e ao art. 5º do Decreto-

Lei 5.452/1943 (Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), e dá outras providências. Sua relatora é a senadora Fátima Cleide (PT-RO).

A modifi cação pretendida à citada Lei 7.716/89 (chamada “Lei do Racismo”) é simples: equiparar a condição homossexual àquela de raça e cor. Advogam que ser homossexual é como ser branco, negro, judeu ou mesmo idoso; um fato não-moral (por não haver escolha envolvida; não existiria a opção de não ser gay). Alguns chegam a afi rmar a existência do gene da homossexualidade. Pretendem, com isso, que qualquer crítica a um homossexual seja vista como violência homofóbica, crime semelhante ao racismo. Outros afi rmam que eles desejam instaurar o delito de opinião.

Pretende-se modifi car, também, a CLT, tipifi cando a discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. No caso, as penas são duríssimas.

No dia 24 de outubro de 2007, a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH) acolheu questão de

A Lei da Homofobia

Davi

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O projeto que altera a chamada “lei do

racismo” advoga que ser homossexual é como ser branco, negro, judeu ou mesmo idoso; um fato

não-moral (por não haver escolha envolvida)

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ordem do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), para o adiamento da matéria.

Os defensores desse Projeto de Lei afi rmam que ele não atingirá as entidades religiosas. Dizem que a Constituição Federal garante a liberdade de crença, credo e culto. Entretanto, a Carta Magna fala em proteção “na forma da lei”. Com efeito, alguns tribunais brasileiros já baseiam as suas decisões no “princípio da dignidade e igualdade humanas”. Lembro um caso conhecido: em novembro de 2006, o jornal O Tropeiro, da cidade de Rancho Queimado, SC, publicou uma matéria em que promovia o homossexualismo. O pastor luterano Ademir Kreutzfeld, preocupado com seus fi éis, ligou para os comerciantes locais questionando seu patrocínio para aquele tipo de reportagem, e estes cortaram as verbas.

O responsável pelo jornal, um ativista gay, deu queixa contra o pastor numa delegacia, alegando “homofobia”; o delegado, aceitando a queixa, intimou o pastor a se explicar. O reverendo Ademir está sendo processado por homofobia, antes da aprovação da lei.

Por outro lado, conta-se que, durante a visita do papa ao Brasil, o líder gay Luiz Mott queimou, acintosamente, na porta da Catedral da Sé, em Salvador, fotos de Bento 16.2 Que punição esse ato de violência simbólica lhe valeu? Nenhuma.

Um último registro: toda vez que o PLC 122/2006 entra na pauta da CDH, as caixas postais dos senadores são abarrotadas de e-mails de protesto. Ao ponto de tirar do ar, por mais de 24 horas, o site do Senado.

Notas1. José Maria e Silva, “A ditadura da depravação”. Jornal Opção, edição on-line, 17-23 jun. 2007. (http://www.jornalopcao.com.br/index.asp?secao=Reportagens&idjornal=242&idrep=2312)2. Adaptado de José Maria e Silva, op. cit.

1.De acordo com a Instrução In Continitá, de 2005, a Igreja Católica, “ainda que respeitando profundamente as pessoas em questão, não pode admitir aos seminários e às ordens sacras aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais enraizadas ou defendem a cultura gay”. A norma prevalece mesmo diante da escassez de vocações ao sacerdócio (Atualização, mar./abr. 2007, p. 166).

2.Do pastor Osmar Ludovico: “Por favor, não me discriminem nem me processem. Deixem-me discordar em paz e continuar defendendo, a partir de convicções profundas e inegociáveis, os valores cristãos da família: 1) a beleza de ser homem ou ser mulher; 2) a sublimidade do casamento heterossexual; 3) a dignidade da fi delidade conjugal; 4) e o direito à vida das crianças no útero de suas mães. São valores sagrados” (Revista Enfoque).

3.De John Stott: “Uma bela verdade, claramente afi rmada desde o primeiro capítulo da Bíblia, é que a heterossexualidade é o propósito de Deus na criação e que homens e mulheres são iguais em dignidade e

valor diante de Deus” (A Bíblia Toda, o Ano Todo, p. 19).

4.Dom Eugênio Sales, arcebispo emérito do Rio de Janeiro: “A igreja ensina que as pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Nem sempre seus ensinamentos são aceitos. Nem por isso ela deve mudar para agradar” (Jornal do Brasil, 10/11/07, p. 11).

5.Pronunciamento dos bispos da Igreja Metodista: “Não devemos considerar os homossexuais mais pecadores que alguns que estão dentro da igreja”... “por outro lado, não devemos deixar de dizer ao pecador, seja ele homossexual ou não, que o ‘salário do pecado é a morte mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus’ (Rm 6.23)”.

6.O médico Eduardo Ribeiro Mundim entende que a lei da homofobia “parece visar aqueles que agridem verbal, moral e psicologicamente os homossexuais”. Mas, por outro lado, “existe um ativismo homossexual que, em determinados momentos, parece querer converter todos a homossexuais ou obrigar a aceitação da homossexualidade”.

Apertando o cerco

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Missões Mundiais da Convenção Batista Brasileira, as heresias começam a ganhar força entre os cristãos e o número de seitas tem crescido. E a constante perseguição – nem sempre religiosa, mas sobretudo motivada pela denúncia de quem se sente incomodado com as práticas dos cristãos – ainda atrapalha o crescimento e a preparação dos crentes chineses.

Apesar destes obstáculos a China é, atualmente, a nação onde o cristianismo mais cresce. Estimativas mostram que existem entre cinqüenta e cem milhões de

cristãos, distribuídos entre as igrejas ofi ciais – que são supervisionadas pelos censores do governo e não podem praticar evangelismos – e as comunidades chamadas de “igrejas subterrâneas”, onde está a grande maioria dos crentes.

Preparação de líderesE foi para trabalhar neste segundo

contexto que Missões Mundiais enviou o missionário Lian Godói. Atuando numa das principais cidades do país, ele está trabalhando diretamente na preparação teológica e no treinamento de líderes chineses,

pontada como a grande potência mundial deste século em função de seu rápido crescimento econômico e tecnológico, a China marcha fi rme em direção ao futuro, algo que se transformou numa verdadeira obsessão nacional.

Nação de tradições milenares, concentra a maior população do planeta – cerca de 1,4 bilhão de habitantes – e possui uma pluralidade de etnias e culturas divididas nas mais de 50 regiões do país. Sua economia está em pleno aquecimento e já começa a infl uenciar outros sistemas econômicos mundiais.

Desafi os de um gigantePor estes e outros motivos que a

China pode ser considerada o maior desafi o missionário do século. Entre os desafi os está a pouca, ou quase nenhuma, propagação da mensagem do Evangelho entre as mais de 500 etnias do país, especialmente no interior. Outro problema é a falta de preparação teológica dos crentes. Como o crescimento do cristianismo no país também acontece em ritmo acelerado, os líderes acabam tendo pouco preparo para discipular os novos convertidos.

Segundo Lian Godói, missionário enviado em 2006 pela Junta de

Informe

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além de visitar o interior do país para estabelecer contatos e plantar trabalhos sociais naquelas regiões onde o Evangelho ainda não chegou.

De acordo com o obreiro da JMM, como a quantidade de novos líderes é continuamente crescente, a preparação e o pastoreio dos mesmos é bastante difícil, apesar da existência de seminários nas grandes cidades chinesas. “Não é nem tanto pela qualidade dos pastores chineses, pois alguns são muito bons teólogos e pregadores. A difi culdade maior é treinar qualitativamente a enorme quantidade de crentes que assumem trabalhos pelo país. A base teológica que possuem é bem precária devido, na maioria das vezes, à forma de conversão e ao contexto social em que vivem. Eles assumem os trabalhos, até mesmo pela necessidade de seguir com a obra, e não são preparados para tal. A capacitação dessas lideranças é um dos grandes problemas da China hoje”, avalia o missionário.

Para o obreiro brasileiro, outro grande problema da igreja na China é a falta de bíblias para atender o crescente número de convertidos. “A estratégia de entrar no país com carregamentos de bíblias, além de ser proibida, não atende à demanda da igreja chinesa e há o risco de que a carga seja apreendida. Como se vê, a necessidade é urgente. Temos um projeto, Bíblias para a China (veja encarte em anexo), que visa imprimi-las no próprio país, diminuindo custos e aumentando

consideravelmente o alcance da distribuição desse material entre os crentes chineses”, diz Lian Godói.

Clamor por mais obreirosApesar da explosão

socioeconômica da China, a maior parte da população ainda vive em condições precárias, especialmente no interior do país. São comuns os

relatos de missionários, voluntários e dos próprios chineses de que falta mão-de-obra capacitada para atender às necessidades básicas da população, como assistência médica e odontológica, professores e profi ssionais especializados. Para o missionário da JMM, essa realidade descortina-se como uma grande oportunidade para que profi ssionais cristãos sigam para a China como missionários. “Muitos estrangeiros entram no país como profi ssionais ou

empresários para desenvolverem as mais variadas atividades, outros vão para lecionar; as oportunidades nas áreas de esporte e assistência social também são grandes”, analisa.

É o caso de duas missionárias brasileiras, uma cirurgiã-dentista e outra professora de idiomas, que estiveram na China como voluntárias, atendendo à população

e falando de Jesus através do cuidado demonstrado em suas atividades profi ssionais e agora retornaram ao campo. “Quando estive no interior do país atendi muitas pessoas com graves problemas bucais. De volta ao Brasil, fui questionada sobre o porquê ir até a China para atender pessoas de graça e não para ganhar dinheiro como tantos outros. No meu consultório, comecei a pensar sobre isso e notei que trabalhar para ganhar dinheiro não fazia mais sentido para mim. Queria mesmo era voltar à China e servir, através do talento e capacidade que Deus me deu, àquele povo tão necessitado”, conta, emocionada, a

missionária e odontóloga. Há um clamor muito grande por

mais obreiros. Obreiros que estejam dispostos a investirem suas vidas, pois, de acordo com Lian Godói, em se tratando da China, não se pode pensar em menos de 10 anos de trabalho. Enfi m, há muitas maneiras de servir a Deus e abençoar a China.

Sérgio Dias é redator da Junta de Missões Mundiais da Convenção Batista Brasileira

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Sem polêmica, mas delicadamente ousadaUltimato está completando 40 anos agora em janeiro. Fomos o jornal Ultimato nos oito primeiros anos, e desde 1976 somos a revista Ultimato.

Na edição número 1, declaramos que o jornal “não se deleitaria em polêmicas, mas seria fi rme e delicadamente ousado”. Dissemos também que anunciaríamos o evangelho direta e indiretamente. Naquele remoto janeiro de 1968, colocamos nas mãos de Deus “a trajetória que o jornal deveria descrever para glória e honra de

Deus”. Tudo indica que, apesar das muitas mudanças pelas quais o mundo e a igreja têm passado, não nos afastamos destes propósitos originais.

Na edição de janeiro de 1998, quando comemorávamos o 30º aniversário, publicamos o artigo Jesus na capa e no miolo para salientar a nossa constante preocupação em apresentar ao leitor o Jesus da Bíblia, que esvaziou-se a si mesmo apara ser encontrado em forma humana (Fp 2.6-11).

Ainda hoje, como se lê no expediente, Ultimato é “órgão de imprensa evangélico destinado à

evangelização e edifi cação, sem cor denominacional”. Nestes 40 anos, tem relacionado “Escritura com Escritura e acontecimentos com Escritura” (daí a seção “Mais do que notícias”). Pretende “associara teoria com a práticaa fé com as obrasa evangelização com a ação sociala oração com a açãoa conversão com a santidade de vidae o suor de hoje com a glória por vir”

Um ano e meio entre a concepção e o partoTudo começou na cidade de São Paulo, em maio de 1966, quando o coordenador do jornal Brasil

Presbiteriano nos solicitou uma série de artigos contando a história de alguns jornais evangélicos, desde a Imprensa Evangélica (o primeiro periódico protestante da América do Sul), de Ashbel Green Simonton, fundado em 1864, no Rio de Janeiro, até a revista Unitas, de Miguel Rizzo Júnior, fundada com o nome de Fé e Vida, em 1930, em São

EEspecialEspecial40 anos de coerência

Especial

Ultimato foi concebido em São Paulo (1966), nasceu em Barbacena (1968) perambulou por Porto Alegre (1969) e Campinas (1970) e se fixou em Viçosa (1971)

Equipe de colaboradores (funcionários e estagiários) da Editora Ultimato

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Paulo. Entre um e outro, estão O Púlpito

Evangélico (1874), Salvação de Graça (1875), O Evangelista (1885), O Puritano (1898), entre outros. Simonton justifi cava o nascimento da Imprensa Evangélica de forma óbvia: “O anúncio do evangelho não pode depender só de púlpito”. O Salvação de Graça tinha o mesmo propósito: “Chamar os homens das trevas para a luz, guiar os pecadores ao Salvador e edifi car na verdade”. O Puritano foi lançado para fazer propaganda do evangelho numa época em que apenas 0,3% dos habitantes da antiga capital brasileira freqüentavam os poucos templos evangélicos existentes.

A elaboração desses artigos, após acurada pesquisa, nos deixou estarrecidos com o fato de que na década de 1960 tínhamos muitos periódicos de boa qualidade, mas, em geral, voltados só para os crentes e a serviço de suas próprias denominações. Logo nos veio à mente a tímida idéia de suprir a lacuna existente e fundar um jornal que chamasse a atenção também de um público não evangélico. A idéia se concretizou um ano e meio depois, em janeiro de 1968, em Barbacena, cidade mineira encarapitada no alto da Serra da Mantiqueira, mais ou menos no meio do caminho entre Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Por que Ultimato?O nome Ultimato tem uma origem curiosa. Veio de um padre de Barbacena. Havíamos conseguido, depois de muita luta e muito tempo, um programa religioso na Rádio Correio da Serra. Quando fomos apresentar o primeiro programa, o

deputado José Bonifácio Tann de Andrade (mais conhecido como Andradinha), dono da emissora, disse-nos que o padre Hilário da Mota Barros, da Basílica de São José Operário, tinha lhe dado um ultimato: se a Correio da Serra permitisse o programa da Igreja Presbiteriana de Barbacena, ele deixaria de apresentar o programa da basílica, o que traria sérios problemas políticos para o deputado. Perdemos o programa, mas ganhamos a idéia do nome do jornal que estava sendo planejado: Ultimato. A idéia foi reforçada com o verso bíblico que estava gravado na parede externa do templo presbiteriano: “Busquem o Senhor enquanto é possível achá-lo; clamem a ele enquanto está perto” (Is 55.6). Ora, Deus também dá ultimatos!

O cartão de visita do Cardeal SchererQuem folheia a revista Ultimato percebe facilmente que temos muitos leitores evangélicos e não evangélicos, exatamente como desejávamos antes mesmo de lançar o primeiro número. Não poucos são católicos. Tal fato deve-se a um simples cartão de visita que o cardeal Dom Vicente Scherer (parente do arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Pedro Scherer, recém-nomeado cardeal pelo papa Bento 16), de Porto Alegre, nos enviou em 1976: “Agradeço a gentileza da remessa regular, por cortezia [sic.], da publicação, que vejo com interesse pela franqueza de importantes colocações”. Ora, se um cardeal, em tempos não muito ecumênicos, deu importância a Ultimato quando era um tablóide de oito páginas, por que não enviar o periódico a todas as paróquias católicas do Brasil? O sonho se concretizou no ano seguinte e, desde 1977, temos enviado a

revista a mais de 8 mil paróquias católicas. Mais tarde, passamos a enviá-la também aos bispos (mais de trezentos) e aos padres casados cujos nomes e endereços conseguimos (mais de setecentos). Nos últimos três anos, não temos alcançado todas as paróquias. Sem dúvida, essa “intromissão” de Ultimato no ambiente católico tem tornado a igreja evangélica mais conhecida lá dentro e diminuído os preconceitos mútuos. Por outro lado, sem deixar de lado seus princípios reformados, a revista tem trazido para o ambiente evangélico algo positivo da igreja católica brasileira. Por se tratar de uma revista evangélica, tem liberdade de publicar algumas críticas que agradam os “católicos com fome e sede de mudança” (edição de julho/agosto, p. 26) e desagradam os demais. Entendemos que isso é uma prestação de serviço. Em todos os casos, a revista nunca teve propósito de arrebanhar católicos romanos para o protestantismo. Mas também nunca escondeu o seu propósito de levar evangélicos, católicos, espíritas e descrentes para a sufi ciência e senhorio de Jesus Cristo.

E. César

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Robinson Cavalcanti

Protestantes: autênti

ULTIMATO Janeiro-Fevereiro, 2008 38

Jesus Cristo criou uma só Igreja, Povo da Nova Aliança, não para ser uma unidade “invisível”,

metafísica, neoplatônica, mas sim visível, na História, institucional. As igrejas orientais são anteriores à Igreja de Roma e nunca foram subordinadas a ela por jurisdição, muito menos por autoridade monárquica. A igreja assíria do Leste (nestorianos), tendo como epicentro a Pérsia, chegou à Índia e à China, quase dizimada pelos mongóis e pelo Islã. As igrejas pré-calcedônicas — Egito, Etiópia, Síria, Armênia e Índia — também, nunca foram vinculadas a Roma. As igrejas bizantinas, a partir da sede do Império Romano do Oriente, apenas reconheceram no bispo de Roma (que não era o papa tal como conheceremos posteriormente) um mero “primado de honra”, por estar na

capital do Império do Ocidente.Um bom exercício

de honestidade intelectual

reformar no que se pensou e se fez, antes e depois da Reforma. Depois dela a Igreja de Roma ofi cializou novos dogmas, e, juntamente com os bizantinos, canonizaram novos “santos”. Trocou-se o livre exame pela livre interpretação e a Igreja deu lugar a seitas e “denominações”. O liberalismo mandou para o espaço as escrituras, a tradição, os credos, as doutrinas e a moral, sacrifi cados no altar da razão e na arrogância humana, hoje subjetiva, individualista e relativista. “Revelações” particulares e “profetas” auto-proclamados esquartejaram o Corpo de Cristo. Depois da Reforma sofremos o banho de sangue das Inquisições e a intolerância legalista, moralista, sectária, antiintelectual (e, às vezes, racista) do neofundamentalismo. Surgiram as seitas para-cristãs dos Mórmons, das Testemunhas de Jeová e da Ciência Cristã, bem como o neo/pós/iso/pseudo-pentecostalismo, cuja pretensa identidade protestante é uma contradição em si mesma.

A primeira reforma (anglicanos e luteranos), assim como a posterior reforma siriana da Igreja Mar Thoma, na Índia, nunca aceitou a anti-história de uma “apostasia geral”. Nunca pretendeu uma ruptura total com o passado para criar ou re-fundar uma nova

é ler a história da Igreja a partir dos autores dos três ramos da Igreja no Oriente: todos eles dirão que foi Roma que se separou dos patriarcados orientais, com a sua pretensão de uma autoridade monárquica com jurisdição universal. A ambição desta de ser “a” Igreja não se sustenta nem bíblica nem historicamente, e terá (por um milagre) de ser abandonada se quisermos um dia ter “um só rebanho e um só pastor”. Deverão ser superados, também, o nacionalismo e o tradicionalismo que engessam as igrejas do Oriente, impedindo sua atualização e engajamento na grande comissão.

Os cristãos não podem nem minimizar o valor dos pontos convergentes da Reforma Protestante do século 16, nem começar a história da Igreja com a Reforma. O Espírito Santo esteve presente nos vinte séculos de nossa história, apesar dos erros, superstições e desvios que tenham surgido pela carne dos homens. O núcleo consensual reformado deve ser uma ferramenta

hermenêutica privilegiada para discernir o que

manter e o que

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Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política – teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo – desafi os a uma fé engajada. <www.dar.org.br>

ticos católicos

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Igreja, mas, como o próprio nome diz, reformar a Igreja de Cristo, única, santa, católica e apostólica, até então presente em quatro jurisdições. Os corpos não reformados não quiseram se reformar, ou apenas se contra-reformar. Os protestantes não romperam, foram expulsos. Hoje, entre o neo-integrismo reacionário dos corpos não-reformados e o cipoal fragmentado dos corpos deformados — incapazes de dar uma resposta ao Estado e à ideologia secularista —, almas sedentas clamam por uma Igreja de dois mil anos. Igreja dos Pais da Igreja e dos Pais Apostólicos; Igreja dos Reformadores, com uma rica herança histórica, espiritual, doutrinária e litúrgica. Com ética e com estética; com vitalidade e com santidade; com dinamismo e com profundidade. Com o sacerdócio universal dos crentes e com o sacerdote especial dos vocacionados e ordenados: diáconos, presbíteros e bispos (sucessores dos apóstolos). O futuro depende de um presente que retome o passado.

Da Pré-Reforma herdamos o fechamento do cânon bíblico, o estabelecimento do núcleo doutrinário contido nos Credos Apostólico

e Niceno e o estabelecimento de uma forma de governo para a Igreja: o episcopado (“...ao largo dos tempos, vai-se continuando a sucessão dos bispos e a administração da Igreja, de sorte que a Igreja sempre esteve estabelecida sobre os bispos, e todo ato da Igreja era dirigida por estes propósitos”, Cipriano de Cartago, De Unitate, 23.4). Da Reforma, a ênfase na autoridade das Sagradas Escrituras como fonte de revelação e a salvação pela graça mediante a fé. Da Pós-Reforma herdamos a riqueza sistematizada das confi ssões de fé, o compromisso puritano, a espiritualidade pietista, a paixão avivalista e o ardor missionário, o novo nascimento. Protestantes anticatólicos? Não, católicos reformados, verdadeiros católicos!

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Ricardo Gondim

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Naran, meu neto, gosta de classifi car os personagens de seu mundo infantil

em rígidas categorias. Vez por outra, ele me pergunta: “Vovô, o Homem Aranha é do bem ou do

mal?”. Claro, procuro antecipar-me às suas expectativas e digo que o seu herói é do bem. Certo dia, vi-me num beco sem saída. Sério como um professor na hora da sabatina, ele me questionou: “Vô, Davi

era do bem ou do mal?”. Eu respondi sem titubear: “Do bem”. “E Golias?”. Não hesitei: “Do

mal”. Com essas duas respostas para trabalhar em sua cabecinha, ele recontou o que aprendera sobre o célebre embate entre o

rei e o gigante, e emendou: “Mas, vô, Davi cortou a

cabeça de Golias depois que o derrubou com

uma pedra, não foi? Naquela hora ele não virou num homem do mal?”. Só consegui responder: “Eu nunca tinha pensado assim, mas acho que você tem razão”. Nossa disposição

para separar as pessoas em arraiais distintos, além de ingênua, não subsiste aos questionamentos de uma criança. Os seres humanos são infi nitamente mais complexos que nossas pobres categorizações. Recentemente, vi o fi lme sobre a vida da cantora francesa Edith Piaf. Sua história mexeu com as minhas emoções, saí do cinema com o coração comovido. Sua infância, suas constantes perdas, sua adolescência nas sarjetas a tornaram uma mulher tempestiva, que bebia demais e parecia desequilibrada. Mas ela não podia ser rotulada com gradações que vão de boa a perversa.

Os personagens bíblicos são inconstantes em suas virtudes e os vilões não encarnam o mal absoluto. O único personagem bíblico absolutamente mal é Satanás. Todos os demais agem com vileza e bondade; são execrados e aplaudidos. Abraão creu, hesitou, mentiu. Moisés ousou, titubeou, perseverou. Davi amou, assassinou, arrependeu-se. A seqüência de exemplos lota o texto sagrado. Todos os heróis são cavalheiros e nobres, réprobos recomendáveis.

Jesus lidou com a alma humana como um vasto universo. Ele era extremamente cuidadoso e jamais

Bem e mal

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Ricardo Gondim é pastor da Assembléia de Deus Betesda no Brasil e mora em São Paulo. É autor de, entre outros, Eu Creio, mas Tenho Dúvidas. <www.ricardogondim.com.br>

Janeiro-Fevereiro, 2008 ULTIMATO 41

subestimava a subjetividade de cada pessoa. Não deixou que apedrejassem a mulher apanhada em adultério. Considerava injusto que aqueles religiosos não levassem em conta o passado, os traumas, as feridas anteriores de tal muher. Não, ele não permitiria que a história dela fosse jogada na sarjeta só para que a lei fosse mantida. Quando li a biografi a do Garrincha, talvez o maior ponta-direita do futebol brasileiro de todos os tempos, não consegui depreciá-lo como um devasso, mas como um desafortunado, um alcoólico carente de misericórdia. Chorei por sua sorte.

Li uma frase no blog do Allyson Amorin (http://alyssonamorim.blogspot.com/) que apreciei bastante: “Por trás de uma grande queda há sempre uma curva acentuada”. Quanta verdade! Devemos olhar não apenas para as quedas, mas considerar também as curvas acentuadas.

A monumental obra de Victor Hugo Os Miseráveis expôs Javert como um homem detestável, porque não conseguia conceber que um condenado pudesse ter alguma nobreza no coração. Uma vez condenado, para sempre perdido. Os maus mereciam, segundo sua percepção, os rigores da lei.

Jean Valjean, criminoso execrado por um homicídio, foi tenazmente perseguido por Javert, que só se preocupava em mostrar sua coerência com a lei. Durante toda a narrativa, Victor Hugo revela outro lado: o fugitivo era correto, bondoso, nobre, enquanto o legalista, um detestável vingativo. O caráter impoluto do policial camufl ava um homem

inclemente. A lei e o aparato policial escondiam a pequenez de Javert.

Preocupo-me com os religiosos que identifi cam facilmente quem vai para o inferno. Regras, conceitos teológicos e catecismos não conseguiriam por si só peneirar os bons dos ruins. Joio e trigo se parecem e é necessário esperar pelo fi m dos tempos.

Só Deus conhece os porões de cada vida. Só ele sabe as guinadas que a existência de cada um sofreu, e só ele tem critérios sufi cientes para lidar com as histórias humanas. E a melhor notícia é que Deus não nos trata segundo uma lei fria. Ele é um pai tão compassivo e bom que no Salmo 103 considera nossa fragilidade como pó e, por isso, afasta de nós as nossas transgressões.

Quando penso em certo e errado, ordem e desordem, ligado e desligado, me esqueço da graça e dessa infi nita capacidade divina de nos entender sem explicação. Sem a graça, resta o pavor da lei, que não considera as inadequações humanas, com agravantes e atenuantes. Sim, o justo juiz é um pai que me pôs em seu regaço, sem precisar esclarecer o porquê do seu amor.

Todos nós já nos comportamos como Davi. Em algumas circunstâncias o rei “virou do mal”, mas encontrou a infi nita disposição de Deus para tratar-lhe com misericórdia. Essa disposição é a causa pela qual nós também não fomos destruídos.

Soli Deo Gloria.

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ULTIMATO Janeiro-Fevereiro, 2008 42

Valdir Steuernagel

edescobrindo a Palavra de DeusR

Eu vou ser avô! O nome do meu neto é Arthur. Acompanhar a gestação da Caroline e do Marcell, contar as semanas de gravidez, enfrentar tenso a possibilidade de perder

o nascimento do bebê por causa de uma viagem de trabalho — são fatos que estão entrando com força na agenda do meu coração.

Estou mudando, e não é só porque vou ser avô. É que espiritualidade e relacionalidade andam juntas; e quanto mais nos aproximamos de Deus, mais perto chegamos do outro e da própria criança. Assim, quero priorizar o meu neto porque espero que, no decorrer dos anos, eu tenha me tornado um pouco mais íntimo de Deus. Mesmo que o conheça há muitos anos, reconheço que a minha relação com ele era muito mais “operacional e ativista” do que marcada por uma “cativante presença”. Mas assim era também a minha relação humana... e disso Deus vem tentando me converter faz um bom tempo.

Deus gosta de gente. Ele se relaciona com as pessoas a partir de quem elas são e a partir de suas histórias de vida. Os Evangelhos estão repletos dessa relacionalidade de Jesus. Ele dedicava tempo e atenção às pessoas, especialmente aos pequenos. Jesus gostava de crianças. Quando elas chegavam, sempre havia algazarra, para grande agonia dos discípulos, que com isso não conseguiam cumprir a agenda nem colocar ordem na caravana do Mestre. Mas ele deixava clara sua prioridade: “Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas” (Lc 18.16). Essa relação entre a criança e o reino de Deus não é, defi nitivamente, coisa para adulto decifrar. É coisa para criança nos ajudar a entender.

Assim, como Jesus, nós também precisamos priorizar a criança na agenda de nossas famílias, comunidades e sociedades. O quarto Objetivo do Milênio refl ete isso: Reduzir a mortalidade infantil. Isso signifi ca que até o ano 2015 a taxa de mortalidade de crianças de 0 a 5 anos deverá ser reduzida em dois terços. Em outubro de 2006, Carol Bellany, diretora executiva do UNICEF, afi rmou em seu relatório: “O direito à sobrevivência é a primeira medida de igualdade, oportunidade e liberdade para uma criança. É inacreditável que nesta era de maravilhas da medicina e tecnologia a sobrevivência de crianças seja tão frágil em tantos lugares, especialmente para os pobres e marginalizados. Nós podemos fazer melhor.”

Criança alegra a

vida!

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Janeiro-Fevereiro, 2008 ULTIMATO 43

Objetivos do MilênioAcabar com a fome e a miséria

Educação básica e de qualidade para todos

Igualdade entre sexos e valorização da mulher

Reduzir a mortalidade infantil

Melhorar a saúde das gestantes

Combater a aids, a malária e outras doenças

Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente

Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento

Valdir Steuernagel é pastor luterano e trabalha com a Visão Mundial Internacional e com o Centro de Pastoral e Missão, em Curitiba, PR. É autor de, entre outros, Para Falar das Flores... e Outras Crônicas.

Não só podemos, como precisamos fazer melhor. E isso os cristãos, em particular, deveriam saber. Em recente e inédita participação na conferência da Associação Nacional dos Evangélicos, nos EUA, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, destacou os Objetivos do Milênio dizendo que “os cristãos evangélicos têm tido um chamado similar por bem mais tempo do que os anos de existência das Nações Unidas”.

O que este quarto Objetivo do Milênio pretende alcançar, faz tempo que está no coração de Deus. Um dos belos textos apocalípticos de Isaías diz que Deus criará um mundo no qual “nunca mais haverá uma criança que viva poucos dias” (Is 65.20). Haveria melhor motivação que esta para os cristãos? Afi nal, a boa escatologia bíblica é um convite para se modelar a vida hoje, em meio à realidade cotidiana e numa esperançosa antecipação dos sinais do reino de Deus. É bom ver Deus querendo concretizar entre nós este Objetivo do Milênio, ao anunciar o seu compromisso com um reino futuro onde as crianças viverão muitos dias!

A Visão Mundial Internacional, ao colocar este sonho na sua Declaração de Visão, inspirou-se na palavra de Jesus quando disse que veio “para que tenhamos vida e a tenhamos em

abundância” (Jo 10.10). A declaração fi cou assim: “Nossa visão para todas as crianças — vida em abundância. Nossa oração para todos os corações — a vontade para tornar isso uma realidade”. Mas este não é um mero desejo e oração de uma organização; deveria ser a visão, o sonho e o compromisso de todos nós.

O Brasil caminha bem no cumprimento deste Objetivo do Milênio, embora ainda precisemos diminuir a desigualdade em que vivemos e à qual nos acomodamos. Desde 1990, o ritmo de redução da mortalidade na primeira infância vem diminuindo 4,3% ao ano. Até 2015 o país deve conseguir reduzir a taxa de mortalidade dos menores de cinco anos para vinte por mil nascidos vivos. Mas o nosso desafi o real é reduzir a distância entre as regiões Nordeste, onde a taxa é de 59,9 por mil nascidos, e Sul, onde a média é de 22 por mil. Precisamos atingir juntos o objetivo de vivermos num mundo onde “a criança não viva poucos dias”.

Os objetivos maiores para a redução da mortalidade de crianças de 0 a 5 anos não são difíceis de alcançar: a vacinação deve ser ampla e a amamentação da criança, assegurada; o atendimento pré-natal da gestante deve ser adequado e o parto, bem cuidado; a criança deve viver num ambiente

adequado, com bom saneamento... Coisas básicas, que eu quero para o meu neto. E Deus me diz que as deseja para todos e que todos nós devemos empenhar-nos por construir uma sociedade que busque exatamente isso.

Não somos nós, membros do Corpo de Cristo, chamados a querer o que Deus deseja? Tornemo-nos arautos e praticantes daquilo que ele quer. Esse é um bom mutirão. Um mutirão no qual haverá muita algazarra de criança.

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história

Alderi Souza de Matos

Dos tais é o reino dos céus: a igreja e as crianças na história cristã

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Em seu livro Children in the early church (As crianças na igreja antiga), W. A. Strange observa que na antigüidade

havia atitudes ambivalentes em relação às crianças. Os pais amavam seus fi lhos, mas a necessidade fi nanceira podia fazer com que os abandonassem para morrer. Os pais queriam o melhor para os fi lhos, mas pensavam neles como animais a serem domesticados e os criavam com severidade. As crianças eram valorizadas, porém, numa sociedade em que se aceitava com naturalidade a escravidão, elas com freqüência eram objeto de exploração e abuso. Os judeus costumavam ter um conceito mais elevado da vida infantil, dando maior ênfase à educação de seus meninos. O cristianismo deu uma contribuição especialmente positiva. O autor C. John Somerville observa: “Por dois mil anos até o presente, os apelos em benefício dos corpos, mentes e espíritos das crianças têm

partido em grande parte dos homens e mulheres da igreja”.

Um precedente essencial

Jesus colocou os pequeninos numa posição privilegiada ao afi rmar que o reino de Deus “pertencia” a eles e que os adultos só entrariam nesse reino caso se tornassem como crianças (Mt 18.1-4; 19.13-15). O Mestre não exerceu um ministério específi co junto aos menores, entendendo-os como incluídos nas famílias a que pertenciam. No entanto, ele não só demonstrou um genuíno interesse pelas crianças, mas exortou os seus seguidores a dedicarem a elas especial atenção e cuidado (Mt 18.5; Mc 9.42). Curiosamente, nas epístolas do Novo Testamento se percebe uma atitude diferente, pois seus autores encaram as crianças de modo mais convencional: elas eram pessoas sob a autoridade dos

pais, sendo vistas como exemplos de imaturidade e de potencial para crescimento.

As crianças faziam parte das primeiras igrejas domésticas não só por causa da sua presença necessária, mas devido à convicção de que pertenciam a Deus e à igreja, sendo, por isso, “santas” (1Co 7.14). Como tais, não eram meras expectadoras passivas, mas deviam ser ensinadas e exortadas junto com os adultos (Ef 6.1-4; Cl 3.20s). É notável a inclusão das crianças nessas listas de deveres, ao lado do aspecto da mutualidade, visto possuírem direitos e obrigações em relação aos pais. Assim, a família não devia ser uma instituição autoritária, mas um lugar em que todos os membros pudessem crescer juntos na sua vida comum em Cristo. Portanto, ao chamar a atenção para as crianças, falar delas, curá-las e recomendá-las como exemplos e objeto de cuidados, Jesus transmitiu aos seus seguidores a responsabilidade de dar às crianças um lugar central em sua vida comunitária.

Cristãos no mundo pagão

Quando a igreja ainda era minoritária na sociedade pagã, uma criança

cristã fi cava mais protegida do perigo do infanticídio, comum naqueles tempos. A Didaquê, um manual eclesiástico do início do segundo século, determinava: “Não matarás uma criança no útero, nem matarás um recém-

nascido” (2.2). Diferentes autores também condenavam

o abandono de menores e a educação permissiva dos

adolescentes. Ao mesmo tempo, os primeiros cristãos não se

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preocuparam em criar escolas exclusivas para seus fi lhos, mas permitiram que freqüentassem as escolas pagãs. Eles não queriam formar guetos segregados da sociedade.

Um fenômeno revelador foi a participação das crianças nos sacramentos. Os testemunhos mais antigos acerca do batismo infantil são dados por Tertuliano, Hipólito e especialmente Orígenes, que descreveu essa prática como uma tradição da igreja recebida dos apóstolos. Mesmo que essa alegação não possa ser comprovada, ela demonstra o alto apreço em que as crianças eram tidas pela igreja. O batismo de infantes tinha não só o sentido de iniciação e inclusão na comunidade cristã, mas acentuava a idéia de solidariedade familiar, como se vê em alguns textos bíblicos (At 16.15, 33; 1Co 1.16). Outros testemunhos antigos nesse sentido são os de Cipriano e Agostinho. No que se refere à Santa Ceia ou Eucaristia, a participação das crianças nesse sacramento era comum e não foi contestada nos quatro primeiros séculos. Algumas autoridades que a mencionam são Cipriano, as Constituições Apostólicas, Agostinho e escritores da igreja grega. Num período posterior, a crescente reverência pelos elementos da Ceia fez com que as crianças fossem afastadas da mesa de comunhão.

Tensões na experiência medieval

No Medievo existiram atitudes contrastantes em relação às crianças, como destacam Daniele Alexandre-Bidon e Didier Lett em Les enfants au Moyen Âge (As crianças na Idade Média). Por um lado, houve forte ênfase no tema da inocência dos infantes, o que fazia deles seres sagrados e uma espécie de emissários de Deus. Por outro lado, eles podiam ser vistos como perturbadores da meditação ou da vida intelectual dos religiosos. Atribuía-se o nascimento de crianças deformadas ou doentes a interferências

demoníacas ou punição divina. Os nascimentos múltiplos (gêmeos) eram considerados sinais de pecados como adultério e fornicação. Quando bebês morriam antes de serem batizados, isso causava grande angústia nos pais. A valorização da vida monástica podia levar à ruptura precoce dos laços familiares. Muitas crianças eram enviadas aos mosteiros com 6 ou 7 anos de idade (os oblatos), como ocorreu com o Venerável Beda e Hildegarda de Bingen.

Ao mesmo tempo, a igreja continuava a combater a contracepção, o aborto e o abandono de menores. Os pais pobres que quisessem se desfazer de um dos fi lhos eram incentivados a deixá-lo num local público, como a porta da igreja, para que pudesse ser recolhido. Na maior parte dos casos, a educação infantil ocorria no âmbito familiar. Além disso, havia as escolas monásticas, paroquiais e episcopais. O bispo Teodulfo de Orléans ordenou em 798: “Os sacerdotes tenham escolas nas regiões agrícolas e nas grandes vilas rurais, e se os fi éis quiserem confi ar-lhes seus fi lhinhos para aprender as letras, não se recusem a recebê-los e ensiná-los, e os ensinem com muito amor. Não exijam pagamento”. A morte era uma ocasião que também revelava o afeto pelas crianças: elas eram sepultadas com tanto desvelo quanto os adultos. Muitos epitáfi os antigos revelam sentimentos de profundo afeto.

A centralidade da família puritana

A Reforma Protestante deu uma contribuição signifi cativa à sociedade ao valorizar o casamento e a família como o contexto divinamente ordenado para a vida cristã. A família protestante era patriarcal, tendo o esposo e pai como o líder inconteste. O contexto familiar caracterizava-se por afeto, reciprocidade, trabalho e frugalidade, sendo também uma escola

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Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador ofi cial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil.<[email protected]>

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de religiosidade e cidadania. No que diz respeito ao lugar das crianças, os puritanos ingleses e norte-americanos foram incomparáveis. C. John Somerville observa que o puritanismo inglês foi uma das poucas épocas em que as crianças se tornaram centrais para a religião. Para esse grupo, a fi nalidade primordial da família era glorifi car a Deus. Assim sendo, os puritanos viam a família essencialmente como uma pequena igreja, onde as devoções eram essenciais. Um deles escreveu: “Se queremos que a igreja de Deus permaneça entre nós, devemos levá-la para os nossos lares e nutri-la em nossas famílias”. Outros propósitos eram o benefício da sociedade e a realização pessoal da cada integrante da unidade familiar.

Sob a liderança fi rme e amorosa do pai e a participação atenta da mãe, os fi lhos eram objeto de grande interesse. Os puritanos tinham a convicção

dos puritanos se faz sentir até hoje nos seus países de origem.

Na longa e multifacetada história do cristianismo, as crianças têm ocupado um lugar de maior ou menor destaque em diferentes grupos, épocas e locais. Obviamente, muitas vezes houve atitudes e comportamentos pouco apreciáveis em relação a elas, notadamente quando pobres e marginalizadas. Todavia, de maneira geral, a contribuição das igrejas no tocante à infância foi mais positiva que negativa, em comparação com o que ocorria na sociedade ao redor. Certamente o fator preponderante para isso foi, e continua a ser, o exemplo do próprio Cristo, tanto em seus ensinos como em suas ações.

básica de que seus fi lhos pertenciam a Deus, que os havia confi ado aos seus cuidados. Algumas das advertências puritanas mais solenes são contra a negligência dos pais em educar apropriadamente sua progênie. Os deveres dos pais incluíam prover as necessidades materiais das crianças, ensiná-las a trabalhar e, acima de tudo, dar-lhes treinamento espiritual e moral. A disciplina era levada a sério, visando restringir as tendências negativas e promover a vida cristã. Na concepção puritana, como nota Leland Ryken em Santos no Mundo, os fi lhos eram criaturas decaídas cuja inclinação pecaminosa devia ser redirecionada para Deus e a bondade moral. Em três aspectos os puritanos anteciparam atuais teorias de desenvolvimento: a importância do treinamento precoce, o ensino mais pelo exemplo que pelas palavras e o equilíbrio entre a severidade e o apoio positivo. O legado

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Entrevista: Uriel Heckert e Robinson Cavalcanti

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A crescente visibilidade do homossexualismo é um fenômeno específico da civilização ocidentalPsiquiatra diz que “a força libidinal é capaz de driblar a nossa racionalidade e vontade”, e bispo anglicano acrescenta que “todos temos possibilidades heróicas e possibilidades destrutivas”

Eles têm praticamente a mesma idade (62 e 63 anos), são evangélicos (um é presbiteriano e o outro, anglicano). Desde a juventude estão publicamente comprometidos com a missão integral do evangelho e apóiam a Aliança Bíblica Universitária (ABU). Ambos foram professores universitários.

Mas um vive na região Sudeste (Juiz de Fora, MG) e o outro, na região Nordeste (Olinda, PE). Uriel Heckert é psiquiatra e membro da diretoria do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), do qual é um dos fundadores. Robinson Cavalcanti é cientista político e bispo da Diocese Anglicana do Recife. Ultimato reúne as duas vozes nesta entrevista.

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Ultimato — O dualismo fi losófi co e o maniqueísmo religioso distinguem e contrastam eros e ágape. Dizem que o primeiro é o amor profano, carnal e pecador, e o segundo é o amor sagrado, angelical e santo. Essas idéias, que exerceram forte infl uência sobre o cristianismo, especialmente nos terceiro e quarto séculos, já foram totalmente extirpadas do pensamento cristão?Robinson Cavalcanti — Desde que Alexandre, o Grande chegou à Índia, a Grécia foi infl uenciada por conceitos emanados do bramanismo, inclusive o dualismo entre uma matéria “má”e um espírito “bom”, o que abre caminho para os excessos ora de permissividade, ora de repressão. O pensamento cristão foi fortemente infl uenciado por esse dualismo. Um exemplo de propagador desse dualismo foi Agostinho de Hipona. Daí a expressão “síndrome de Santo Agostinho”, usada em referência a cristãos (especialmente pastores) ex-devassos, que após a conversão se tornam obcecados pelo combate à “carne”, priorizando o aspecto sexual e julgando que todos os outros cristãos passam por experiência como a sua. Reconciliar ágape e eros é uma tarefa teológica urgente para a saúde espiritual e emocional da Igreja. Por outro lado o puritanismo tardio que marcou a formação dos Estados Unidos, hoje com seus extremos chega até nós.

Ultimato — O movimento gay transmite a impressão de que os homossexuais praticantes são muito numerosos. Seria verdade?Uriel — As estatísticas confi áveis nunca apontam taxas maiores que 5% de homossexuais entre a população masculina, e as taxas entre as mulheres são sempre menores. A própria pesquisa de A.C. Kinsey (1948), insistentemente

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As pessoas com inclinação homoerótica são uma

minoria e os seus praticantes, um número

ainda mais reduzido. Pesquisas indicam algo

entre 1% e 3%

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tomada como referência, apontou apenas 4% de indivíduos exclusivamente homossexuais. Além disso, é preciso considerar que a sua amostra foi deformada pela inclusão de presidiários e abusadores sexuais. Mesmo assim, trata-se de uma população considerável, digna de atenção às suas características e necessidades.

Robinson — As pessoas com inclinação homoerótica são uma minoria e os seus praticantes, um número ainda mais reduzido. Pesquisas indicam algo entre 1% e 3% no Ocidente hoje, dependendo do contexto rural ou urbano, isolado ou cosmopolita, de culturas tradicionais ou de culturas em processo de mudança, além da legitimação ou não do comportamento.

Ultimato — O homossexualismo sempre existiu, mas talvez em nenhuma outra época estivesse tão em pauta como hoje. O que há de novo na questão? Que desafi os esta situação representa para os cristãos?Uriel — A crescente visibilidade que a questão homossexual alcança é um fenômeno específi co da civilização ocidental. Tal fenômeno não é admissível em vastas regiões da Ásia e da África, sob infl uência das leis islâmicas e de outras tradições culturais. Vários fatores contribuem para que ocorra essa exposição contínua sobre o tema: 1) o movimento de contestação social surgido no Ocidente nas últimas décadas do século 20, com ênfase crescente na busca do prazer (hedonismo); 2) a crise de valores que se instaurou na sociedade, deixando pais, educadores e legisladores atônitos e sem referências; 3) a disseminação de informações e imagens, permitindo expressão a comportamentos de grupos minoritários; 4) políticas públicas afi rmativas que privilegiam

as minorias, sobretudo quando em condição de discriminação e desvantagem; 5) confl uência de diversas tendências políticas numa agenda ampla de “desconstrução” do que se tem como poder e saber instituídos. A tudo isso se soma a organização de grupos de interesse, que têm um projeto claramente defi nido e bem articulado, capaz de reunir ativistas desprendidos e com forte ardor proselitista. Tal movimento vale-se, na verdade, de valores oriundos do cristianismo, tais como o respeito à liberdade e aos direitos da pessoa humana,

para lutar por uma nova sociedade baseada em princípios duvidosos e até declaradamente anticristãos.

Robinson — O século 20 enterrou utopias globais totalitárias, como o nazismo e o comunismo. Com o “fi m da história” e das alternativas de vida, o capitalismo se impôs como “pensamento único”, o que concorre para o aumento da violência, da fuga (pelas drogas ou por religiões alienantes) e para as microutopias do politicamente correto. Entre elas está a glorifi cação do homossexualismo como um minoria organizada, articulada e que ocupa espaços nos meios de formação de opinião: mídia, artes, academia.

Ultimato — A professora Edith Modesto, da USP, fundadora do Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), hoje Associação Brasileira de Pais e Mães de Homossexuais (www.gph.org.br),depois de acurada investigação, entende que a homossexualidade não é uma opção. Os senhores concordam?Uriel — Falar em opção sexual sugere a possibilidade de uma refl exão mais ou menos consciente, seguida de uma escolha. Na verdade, a força libidinal tem sua dinâmica e é capaz de driblar a nossa racionalidade e vontade. O desejo sexual surge, para alguns, direcionado para pessoas do mesmo sexo e é sempre desejável que ele seja reconhecido e admitido com clareza. O que fazer com tal desejo, isto sim, envolve posicionamento e decisão pessoal. No entanto, falar em orientação homossexual, como hoje se prefere, pode também ser inadequado por insinuar uma aceitação passiva e defi nitiva. Estudos têm mostrado que, em muitos casos, é possível mudar a inclinação sexual.

Robinson — Todos os seres humanos nascem com “defeitos de fabricação,” fruto do pecado, e ao mesmo tempo mantêm os traços positivos da imagem de Deus. Todos, nessa ambigüidade moral, temos possibilidades heróicas e possibilidades destrutivas. Há a inclinação para algo condenado por Deus, o que chamaríamos de tentação. Todos são tentados todos os dias, em diferentes áreas. Cada um tem sua “fraqueza de estimação”. Mas o ser humano é dotado de razão, sentimento e vontade, e, portanto, de capacidade de escolha. Todo comportamento — apesar dos condicionamentos —, em última análise, é fruto de uma opção.

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A aprovação do projeto de lei “Anti-Homofobia” atesta uma tendência de legislar sobre tudo e sobre todos, fere a

Constituição, restringe a liberdade religiosa e leva a igreja ou à

acomodação cúmplice e ao silêncio culposo ou à desobediência civil e ao martírio

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Ultimato — O que os pais podem fazer para evitar que seus fi lhos tenham tendências homossexuais?Uriel — Em nossos dias, as discussões sobre a homossexualidade concentram-se no campo político e dos direitos humanos. Alguns evocam teorias biológicas claramente insufi cientes, buscando justifi cativas genéticas ou constitucionais para a questão. Entretanto, o papel das infl uências ambientais e educacionais, sobretudo a partir das relações fundamentais com os pais e pessoas signifi cativas, não podem ser desprezadas. Verifi ca-se uma tendência a negligenciar as teorias psicológicas sobre a homossexualidade; por isso, cito o neurocientista Eric R. Kandel: “A observação de Freud e de outros analistas de que alguns homossexuais tendem a lembrar seus pais como hostis ou distantes e suas mães como mais próximas que o comum têm tido confi rmações recentes”.

Robinson — Nenhuma família pode evitar que um fi lho ou uma fi lha se desvie para uma conduta pecaminosa. A família ajustada, estável, funcional, piedosa, cultivadora de valores, será, claro, um espaço onde o bem será fomentado. O estudo, o trabalho, o esporte, o lazer, a cultura, a religião, são variáveis positivas. Mas cada um fará a sua livre escolha. Por exemplo, uma família ideal pode ter cinco fi lhos expostos à mesma experiência, e cada um deles seguir caminhos diferentes.

Ultimato — Quando se tem fi lhos homossexuais, como conciliar o amor paternal e a fi delidade aos princípios bíblicos?Uriel — Não há resposta fácil. A parábola do fi lho pródigo nos dá algumas pistas: tolerância, desprendimento, apesar das

atitudes inconcebíveis tomadas pelo fi lho; espera, paciência, acolhimento, quando houve atitudes sensatas. Uma citação de Fernando Gabeira parece-me oportuna: “É tão difícil mudar os homens como aceitá-los tais como são; mais difícil ainda é fazer ambas as coisas.”

Robinson — Amor e valores, amor e exemplo, amor e disciplina andam sempre juntos. Os pais não devem se condenar ou rejeitar o fi lho ou a fi lha que opte pelo homossexualismo,

embora devam ser sinceros quanto ao seu desapontamento e sofrimento, com a reafi rmação dos seus valores e com orações pela santidade, como faria com outros problemas.

Ultimato — A moral cristã exige que o heterossexual negue-se a si mesmo quando é tomado pelo desejo de usufruir do sexo fora do casamento. A mesma ética exige também que uma pessoa que sinta desejos homossexuais negue-se a si mesma, tanto

fora como dentro de um relacionamento estável. Quem tem mais difi culdades para manter-se dentro dos padrões éticos: o hetero ou o homo?Uriel — Há sempre uma tensão entre desejo e realidade. Processos educativos, socioculturais e éticos modelam a personalidade individual, permitindo adequar os impulsos às suas fi nalidades e às necessidades da vida em sociedade. Todos, igualmente, experimentam desafi os nesta questão. A simples negação ou repressão do desejo não é desejável. A sua expressão, contudo, precisa afi nar-se a objetivos, conveniências, princípios e valores, para o bem da própria pessoa e dos demais. A maturidade psíquica implica lidar satisfatoriamente com a própria sexualidade, o que é sempre um desafi o.

Robinson — O apóstolo Paulo afi rma que não conseguia fazer o bem que desejava e acabava fazendo o mal que não queria. Isso acontece com todos, inclusive os convertidos. A santifi cação não é instantânea, nem linear ascendente. Hetero e homo têm suas difi culdades.

Ultimato — A igreja tem falhado no trato da questão homossexual? Em que sentido? Seria por excesso de aceitação ou por excesso de legalismo?Robinson — A Igreja tem falhado pelo silêncio no estudo dos temas da vida; sexualidade, relacionamentos, sentimentos, vida social, política etc., se concentrando no outro mundo, no futuro ou na subjetividade. Apresenta, muitas vezes, um projeto de bem morrer, mas não de bem viver. E no bem viver não vai além do individual e das microrrelações. O legalismo (com listas de “podes” e “não-podes”) e o

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moralismo (privilegiar os delitos sexuais em detrimento de outras áreas do comportamento) não ajudam muito.

Ultimato — Existe homofobia no Brasil? E no meio evangélico?Uriel — A homossexualidade sempre levanta alguma estranheza, inclusive para a pessoa diretamente envolvida. Isso acontece não só no Brasil ou no meio evangélico, sendo ingênuo supor que tudo seja fruto apenas de preconceitos. Todas as sociedades, com variação de intensidade entre períodos históricos e diferentes enquadramentos culturais, tendem a uma postura crítica a respeito da questão. A caracterização da homofobia, contudo, deve ser reservada para a postura hostil e agressiva. Essa não é aquela encontrada na maioria das pessoas, com exceção de grupos ideológicos radicais, infi nitamente minoritários.

Robinson — Existe antropofobia em todas as épocas e lugares, desde Caim e Abel. Temos um potencial de agressividade contra o outro por várias razões. Setenta por cento das uniões entre homossexuais

são marcadas por violências. Nem todas as violências cometidas contra homossexuais o são em virtude da sua opção sexual ou estilo de vida, mas porque ele é um ser humano que, como qualquer outro, se mete ou se expõe a situações de risco de violência. Hoje, a partir do movimento gay, já se pode falar em uma heterofobia, agressão contra aquelas pessoas que não consideram o homossexualismo algo normal.

Ultimato — Se o projeto de lei que proíbe e pune a homofobia, em andamento no Congresso, for aprovado, quais serão as verdadeiras implicações no que diz respeito às igrejas?Uriel — As reivindicações por leis punitivas baseiam-se em supostos índices de crimes sofridos por homossexuais. Entretanto, quando se compara as taxas referentes à população em geral com as encontradas entre homossexuais, nota-se o contrário. A homossexualidade parece proteger as pessoas contra a violência, o que não é de se estranhar, pois a maioria dos homossexuais leva

vida discreta e pacífi ca. A violência atinge aqueles que aparecem em situações de risco, como comentou um líder gay em recente episódio: “São homossexuais que estão mais envolvidos com a criminalidade, como prostituição e tráfi co de drogas, fi cando mais expostos à violência”. Na verdade, o que se pretende com a proposição constante de leis é consolidar um projeto de poder, desenvolvido em âmbito internacional, que encontra respaldo na cultura e na religiosidade reinantes em nossa época. Os cristãos têm o desafi o de não responder no mesmo nível, e, sim, buscar o exemplo de Jesus Cristo.

Robinson — A aprovação do projeto de lei “Anti-Homofobia” atesta uma tendência de legislar sobre tudo e sobre todos, fere a Constituição, restringe a liberdade religiosa e leva a igreja ou à acomodação cúmplice e ao silêncio culposo ou à desobediência civil e ao martírio. Leis como essa demonstram a alienação política e a irresponsabilidade cívica de grande parte da igreja, cuja omissão termina por lhe atingir.

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Ricardo Barbosa de Sousa

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A adoração é a vocação primária e natural do cristão. A Confi ssão de Westminster afi rma, no

seu primeiro parágrafo, que o fi m do homem é adorar a Deus e gozá-lo para sempre. Vale a pena citar estas palavras de William Temple: “Adoração é a submissão de todo o nosso ser a Deus. É tomar consciência de sua santidade; é o sustento da mente com sua verdade; é a purifi cação da imaginação por sua beleza; é a abertura do coração a seu amor; é a rendição da vontade a seus propósitos. E tudo isto se traduz em louvor, a mais íntima emoção, o melhor remédio para o egoísmo que é o pecado original.”

A igreja moderna limitou o ato da adoração ao culto e vem reduzindo-o ao

ato de cantar e, em alguns casos, dançar. Adorar, para

muitos cristãos, signifi ca cantar na igreja, de preferência

com os olhos fechados e as mãos levantadas. Apenas isto. Porém, quando consideramos o ensino bíblico, as confi ssões históricas e esta brilhante defi nição de William Temple, reconhecemos que a adoração abrange muito mais do que aquilo a que o pragmatismo moderno a reduziu.

Uma consideração importante para nossa compreensão da adoração é que Jesus Cristo é o único verdadeiro adorador, pois somente ele pôde oferecer a única oferta de adoração aceita por Deus, por ser absolutamente perfeita. Em sua vida de absoluta dependência e obediência, ele se ofereceu inteiramente ao Pai em sacrifício pelos nossos pecados. Ele se fez homem, tornou-se servo, foi obediente até a morte e morte de cruz. Pela perfeição da sua oferta, tornou-se sumo sacerdote para apresentar-nos a Deus e tornar a nossa oferta aceitável. Por meio de Cristo somos redimidos e

reconciliados com Deus para uma vida de

comunhão e adoração. Ele é o nosso mediador, que leva consigo nossas dores e pesares, bem como nossas alegrias e esperanças, nossas orações e súplicas e as apresenta como nosso intercessor diante do Pai. Aquilo que nós falhamos em fazer por causa do pecado, ele agora realiza por nós, em nosso lugar, tornando nossa oferta, em seu nome, agradável a Deus. Ele coloca-se em nosso lugar diante do Pai a fi m de redimir nossa falência, e pelo seu Espírito nos ajuda em nossas fraquezas porque não sabemos orar como convém.

A adoração de Cristo foi sua resposta amorosa e obediente ao Pai. Por meio de sua obra na cruz ele fez de nós sua igreja e seu povo, e nos chama para sermos um novo sacerdócio a fi m de oferecermos sacrifícios espirituais em seu nome. A adoração de Cristo é a obra que ele realiza ao trazer a criação de volta aos propósitos do Criador. Portanto, qualquer que seja a nossa

Adoração e missão

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Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração.

Por Carlinhos [email protected]

N o v o s A c o r d e sÉ Proibido Pensar, João AlexandreNesse novo trabalho João Alexandre repete uma antiga receita: violão e voz. Mas o que poderia ser mesmice e algo enfadonho se renova pela qualidade musical desse que é um dos mais dotados músicos cristãos da atualidade. João, inexplicavelmente, sempre se supera! Dessa vez lança mão de Quartetos de Cordas e da maravilhosa condução percussiva de Osmário Marinho, que dá um toque especialíssimo ao trabalho. O repertório é muito bom. Além das conhecidas “Paz e comunhão”, “Pai Nosso” e “Que segurança”, traz várias canções inéditas. “Anjos” (Stênius Marcius) e “Trabalho esperança” (João e Guilherme Kerr) são muito boas. No entanto, “Feirante” (Marcílio Menezes) e “É proibido pensar” são fantásticas! A distribuição é de Vencedores Por Cristo. Contatos pelo site <www.vpc.com.br> ou pelo tel. 11 5183-4755.

Te Vejo, Poeta, Guilherme KerrGuilherme considera a gravação desse trabalho meio tardia, embora suas canções sempre estivessem presentes ajudando a igreja brasileira em seu caminhar. Ter um trabalho todo seu é um grande presente para todos nós nesse início de ano. Como diz uma de suas letras, “chegou o tempo de Deus”! Com direção musical, produção e arranjos de Cezar Elbert, o CD é todo de canções de amor. O próprio Guilherme explica: “A relação com Deus é uma relação apaixonada”. Nele, canta músicas feitas para o

casamento de seus fi lhos, canta a amizade e relembra suas canções prediletas, algumas de sua autoria e outras de companheiros de caminhada. A inédita “Se meu povo” abre o CD de maneira forte, como uma oração feita por ele em 11 de setembro de 2001. Para adquirir, acesse <www.vpc.com.br>.

Flor do Cerrado, Carlinhos VeigaÉ difícil falar de si mesmo, além de parecer estranho... Mas vou me arriscar contando com a sua compreensão. Esse é o sexto CD que gravo. Ele se diferencia dos demais por ser um trabalho cuja temática vai além do meio evangélico. Esclareço: gravei esse CD com o apoio cultural do Fundo de Arte e Cultura do Governo do Distrito Federal. Por isso busquei algo que se caracterizasse como MPB regional. Na verdade acho que quase nada mudou... No Flor do Cerrado a viola caipira predomina. Muitas são as canções inéditas minhas e de autores respeitados como Gladir Cabral e os parceiros Gustavo Veiga e Carlos Brandão. Incluí alguns clássicos da música caipira, como “Poeira vermelha” e “Pagode em Brasília”, além de canções de Juraildes da Cruz e Marcus Moraes. Para quem gosta de música regional é uma boa pedida. Para adquirir entre em contato pelo e-mail <[email protected]>.

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adoração, ela deverá ser sempre um litúrgico amém à adoração de Cristo.

Ao reduzirmos nossa compreensão da adoração ao que fazemos na igreja quando cantamos, limitamos nossa participação naquilo que Cristo fez e continua fazendo em sua obra redentora. Adorar, tendo diante de nós o Filho de Deus encarnado, nos leva a reconhecer que o ato da adoração envolve a nossa participação na mesma obra de Cristo. Adorar é viver em obediência a Cristo. É por isso que o apóstolo Paulo faz este veemente apelo: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis os vossos corpos por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.” Para ele, adorar é a entrega de todo o nosso ser em oferta obediente a Deus por meio de Cristo.

Ao reconhecermos que a única oferta que Deus aceita é a de seu Filho, a oferta que apresentamos a ele é a nossa participação na oferta de seu Filho quando, em obediência e amor, nos entregamos a ele e participamos de sua obra redentora. Na defi nição de William Temple não vemos uma única referência a cantar ou dançar, mas que adorar é submeter todo o ser a Deus, nos render ao seu propósito, purifi car a imaginação pela sua beleza, abrir o coração ao seu amor, desejar a santidade do seu caráter. É isto que encontramos em Cristo, nosso verdadeiro adorador, e é isto que o mundo espera encontrar em nós.

Somos uma igreja que canta e dança muito bem, mas adorar é mais do que isto, é expressar no caráter e nas ações a beleza do Criador, é encarnar a missão de Cristo e participar de sua obra redentora. Foi para isto que ele nos criou e para isto que ele nos redimiu.

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Bráulia Ribeiro

da linha de frente

Bráulia Ribeiro é missionária em Porto Velho, RO, e presidente da JOCUM — Jovens com Uma Missão. <[email protected]>Os pontos de vista da autora são pessoais, e não da JOCUM.

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O Brasil do Brasil

No passado Brasil era cachaceiro e violento. Sua aldeia era um caos. Brasil se enchia de pinga,

espancava a mulher e os fi lhos, e vivia gastando o dinheiro do povo com as rameiras doentes das cidadezinhas próximas. As festas da chicha eram o pretexto para embriaguez geral dos homens, violência doméstica, brigas de faca e porrete na aldeia. Poucos trabalhavam nas roças. Há alguns anos os rios começaram a secar devido à construção de usinas hidrelétricas na região. Muitos protestaram contra as usinas, ambientalmente cruéis, mas, como acontece com freqüência no país de Brasil, o poder ganhou e os rios continuaram sendo sugados pelos interesses privados de poucos. Os peixes escassearam e os Tupari começaram a conhecer a fome.

Então Brasil teve um encontro com Jesus e foi transformado. Uma das principais coisas que aconteceu com ele foi a ordem. De acordo com suas palavras ditas em Tupari, Jesus organizou seu caos interior, o caos de sua família, de sua aldeia. Por causa de Jesus e da ordem que ele traz Brasil conseguia agora ser um líder

reconhecido por todos como íntegro e bom. Ele conseguia também olhar o futuro e projetar um progresso real na qualidade de vida de seu povo como nunca antes havia podido fazer. Ele queria resolver o problema das usinas e se tornou um dos principais articuladores políticos de seu povo. Ele queria evitar que no futuro a população fi casse desamparada e pensava em outras alternativas.

Brasil era um estadista. Se eu quisesse compará-lo a alguma personalidade brasileira, diria que ele foi um D. Pedro II, até hoje um dos principais nomes da história do país. Como líder do povo Tupari, Brasil olhava para o futuro. Ao contrário do que pensam certos antropólogos, ele sabia que seu povo precisava da ponte com o mundo externo e seus jovens precisavam de treinamento profi ssional, por isto incentivava-os a estudar e a se preparar para servir suas aldeias. Ele entendeu o valor das mulheres na aldeia, principalmente de sua esposa, a quem tratava com carinho e respeito. Outras famílias mudaram por causa de Brasil e sua aldeia hoje é um exemplo para todo o povo. Ele era um líder modelo, porque pensava sempre no benefício

geral da comunidade, e não no seu próprio.

A morte de Brasil aos 45 anos ainda está sob investigação. A malária é um problema grave no Brasil. Mata ainda hoje milhares de crianças e adultos todo ano. Ele teve malária, depois hepatite, ou hepatite e então malária, não se sabe se diagnosticadas a tempo e mal curadas, ou nunca diagnosticadas e por isso fatais. No Brasil a saúde indígena “diferenciada” fi ca a critério de poucos, e os problemas são sempre omitidos. Ninguém quer “briga de cachorro grande”, ninguém quer “mexer em ninho de abelhas”. As usinas continuam comendo os peixes das crianças Tupari e as malárias continuam sendo tratadas como hepatite, até que matem muito mais gente, porque o Brasil de Brasil realmente não se importa.

NotaA autora agradece pela entrevista feita com Brasil Tupari por Graciete Mota, e a Zita Arraya por informações sobre sua vida e morte.

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Marisa de Freitas Ferreira Coutinho

deixem que elas mesmas falemBa

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Quando se fala do propósito missionário de Deus para o ser

humano, há concordância. Porém, ao se esmiuçar o tratamento dado à mulher e ao homem na missão, as discordâncias afl oram. Há desde avaliações mais radicais (“mulher não tem vez”) até mais liberais (“a mulher é a única e verdadeira imagem e semelhança de Deus”). Entre estas, encontramos todo tipo de discussão, vinda de todo tipo de pessoa: de gente séria ou não tão séria, de crentes e de incrédulos, de capitalistas e de socialistas, de ricos e de pobres... Muitos livros e teses. Muitos discursos. Não há consenso, e duvido que um dia o haverá. Desde Adão e Eva que essa pendenga existe.

Mas também desde que o mundo é mundo que Deus disse que Adam (humanidade) era mulher e homem (Gn 2.25-31). E que este Adam (Gn 2; Gn 5.2) tinha a missão de governar a terra (não de destruir...) e fazer dela uma habitação familiar (Gn 2.26-28).

É nesta vertente que me descubro plena por ser mulher: sou criada por Deus à sua imagem e semelhança, sou salva por Cristo, consolada e capacitada pelo Espírito Santo (Jo 14, 16) e, portanto, missionária. Muitas das resistências ao fato de mulheres e homens serem diferentes, mas terem mesmo potencial e valores, devem-se ao pecado em suas mais diversas apresentações: disputa de poder, necessidade de afi rmação, abuso do

poder masculino, medo do semelhante etc. E muitos desses pecados vêm embrulhados no nome de Deus, na fé, na verdade, na moral. Mascara-se a fonte do desentendimento, que é a priorização dos desejos humanos em detrimento do poder restaurador e missionário do Pai.

Recomendo dois livros muito esclarecedores sobre o tema: A Missão da Mulher, de Paul Tournier, e Vocação Pastoral em Debate, de Helmut Henders (org.). Paul Tournier, médico, estudioso da alma humana, conclui: “E a pessoa, o que é? É o homem tal como Deus o criou e quer que ele seja: o homem em sua totalidade e unidade, em sua globalidade — espírito, alma e corpo [...]. É também o homem não isolado, mas em relação com o outro, com a natureza e com Deus, porque é por meio da relação pessoal que ele se torna pessoa. Enfi m, a pessoa é o homem e a mulher juntos, e não o homem sozinho. [...] Na linguagem de Jesus, a expressão ‘no princípio’ não exprime somente uma anterioridade temporal, mas ‘signifi ca simbolicamente a vontade primeira de Deus’, sua vontade ‘fundadora’. Assim, a complementaridade indissolúvel entre o homem e a mulher constitui o fundamento da pessoa — ‘imagem de Deus’, que é ela mesma a pessoa por excelência — e a harmonia e a plenitude que a palavra pessoa evoca. [...] Logo, em lugar de uma

história masculina, repleta somente de uma incessante corrida ao poder, ou de uma civilização masculina, que consagra a prioridade das coisas sobre as pessoas, é preciso haver uma construção conjunta da história e da civilização, da qual participem homem e mulher”.*

Homem e mulher se reencontram, enquanto razão existencial, a partir de Deus e da vocação que nos faz. A convivência missionária quebra tabus e refaz relacionamentos.

Esta é a vertente da libertação da mulher: Deus nos ama, nos chama, nos capacita e nos envia. Quando este chamado arde no coração a luz chega à mulher e ao homem. A missão é mais importante, o reino de Deus é que conta. Como ovelhas nos importa mais obedecer a ele que aos semelhantes (At 5.29).

Finalmente, podemos insistir na supremacia do homem sobre a mulher, mas não devemos. Enquanto insistimos, a serpente ganha força, homem e mulher se degradam, o mundo jaz no maligno e o Espírito de Deus se contorce em intercessão pelo mundo. Façamos a nossa escolha.

Nota* TOURNIER, Paul, A missão da mulher. Viçosa, MG: Ultimato, 2005. p. 198-199.

Mulher plena, em missão!

Marisa de Freitas Ferreira Coutinho, 47, casada, duas fi lhas, é médica, pastora e episcopisa da Igreja Metodista no Nordeste.

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A partir desta edição, Ultimato traz ao leitor uma coluna específi ca sobre meio ambiente, com artigos,

depoimentos e relatos de experiências.O objetivo é que sejamos desafi ados a

resgatar o cuidado com a criação dado por Deus em Gênesis 2.15 (“Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar”) e a buscar o estilo de vida que Jesus nos ensinou.

Inauguramos com uma série de sugestões práticas preparadas pela ONG A Rocha Brasil (www.arocha.org), que dizem respeito ao nosso dia-a-dia seja em casa, no trabalho, na rua, nas compras ou na igreja.

Em casa

• Economize água. Diminua o tempo do banho; feche a torneira enquanto escova os dentes; use regador em vez de mangueira; varra a calçada em vez de lavá-la.

• Economize energia. Troque lâmpadas convencionais por lâmpadas efi cientes; tire os eletrodomésticos (e o carregador de celular) da tomada quando não estiverem sendo usados; prefi ra aparelhos com o selo Procel, que consomem menos energia.

• Separe o lixo. Mesmo que a sua cidade não tenha coleta seletiva, separe o lixo em casa e descubra para onde levar materiais recicláveis como vidro, plástico, metal e papel. Pilhas

e baterias usadas não devem ser misturadas com o lixo comum.

• Certifi que-se da madeira. Na hora de comprar móveis de madeira, procure saber de onde vem a matéria-prima. Prefi ra móveis certifi cados (selo FSC) e provenientes de fl orestas de manejo sustentável.

• Cultive plantas. Na calçada, no jardim, no quintal, na sacada, na sala do apartamento — plantas signifi cam mais qualidade do ar e menos poluição.

• Faça compostagem doméstica. Restos orgânicos, como folhas e cascas de frutas e legumes, podem virar adubo natural para o seu jardim.

No trabalho

• Imprima menos. Seja criterioso com os e-mails e só imprima o que for indispensável.

• Reutilize papel. Faça blocos de nota com papéis usados e reutilize na impressora papéis impressos apenas de um lado.

• Compartilhe material. Adote uma caixa comum de materiais como canetas, lápis, clipes etc. Isso evita que cada pessoa compre uma nova caneta cada vez que não encontrar a sua.

• Seja seletivo no material. Papel reciclado, lápis de madeira certifi cada, canetas com componentes não-poluentes são opções de material de escritório produzidas com vistas a reduzir o impacto ambiental.

• Fique atento ao verão. Nessa época do ano, vá trabalhar de roupas leves e incentive isso em seu local de trabalho. Assim, o ar-condicionado pode funcionar em potência mais baixa, economizando energia e esquentando menos o mundo lá fora.

• Troque o copo descartável por uma caneca durável.

Na rua

• Caminhe e pedale. Além de fazer bem à saúde, você economiza e não polui.

• Compartilhe caronas. Polui menos, e andar de carro sozinho é injusto quando se considera o impacto do seu “conforto” sobre o planeta.

• Use transportes coletivos. Além de economizar combustível e estacionamento, você pressiona os governos a aperfeiçoarem essa alternativa.

• Não jogue lixo no chão.• Deixe a terra à vista. Ao construir

sua calçada, opte por materiais que permitam o escoamento da água.

Na igreja

• Dispense o copo descartável. Leve sua caneca durável para os cultos e eventos da igreja.

• Use papel reciclado para imprimir o boletim da igreja.

• Conscientize. Inclua a questão ambiental nos estudos bíblicos e sermões.

Nas compras

• Desembale. Evite o excesso de embalagens. O queijo fatiado não precisa de bandeja de isopor nem de fi lme plástico. E por que usar uma sacola de plástico para cada três produtos? Para pequenas compras, leve sua sacola de casa.

• Use retornáveis. Não compre descartáveis. De copos e pratos a garrafas, dê preferência a itens cujo fabricante já prevê a reutilização. Volte a usar garrafas retornáveis de cerveja, por exemplo.

• Prefi ra produtos locais. Além de mais frescos, os alimentos produzidos na sua região signifi cam um modo de produção menos impactante e menos emissão de gases no processo de transporte.

• Consuma menos. Antes de comprar qualquer coisa, pergunte-se se você realmente precisa daquilo. Evite comprar alimentos que estragam rápido. Isso signifi ca menos idas ao supermercado e menos queima de combustível fóssil.

Vida sustentávelmeio ambiente e fé cristã

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Mark Carpenter

Parei de ouvir “música cristã”

Mark Carpenter é diretor-presidente da Editora Mundo Cristão e mestre em letras modernas pela USP.

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Há dois anos escrevi neste espaço que lamento o estado da música cristã. Percebi

agora que simplesmente parei de ouvi-la. Acabo de verifi car o que tenho armazenado no WMP. Não há nada de “música cristã”, a não ser as gravações de cinco artistas que mal cabem no gênero: John Coltrane, Sufjan Stevens, U2, Leigh Nash e a extinta Sixpence None the Richer. Parei de comprar CD’s do gênero após acumular uma longa lista de decepções.

Cabe aqui uma defi nição. Por “música cristã”, me refi ro à categoria criada pelas gravadoras que produzem música popular para consumo pelo público “gospel”. “Música cristã” não é bem um gênero musical, pois

o que existe é um mix

retalhado de músicas que emprestam de gêneros legítimos.

Não incluo na minha defi nição a música usada na igreja para o louvor coletivo. Música de canto congregacional independe de padrões musicais usados na avaliação de desempenho performático e na análise crítica da letra como poesia. O gênero conhecido como worship music tem como foco direcionar a atenção para as virtudes e as promessas de Deus, de forma que a qualidade de música em si passa a ser menos importante que seu aspecto pragmático no culto de adoração. Neste gênero específi co, os critérios de avaliação resumem-se à (1) ortodoxia teológica da letra, (2) capacidade de envolver a participação da congregação e (3) qualidade técnica da execução pelo ministro de louvor, pelos instrumentistas e pelo backing vocal. Ou seja, worship music tem muito mais a ver com worship do que com music. Não minimizo a importância deste gênero, pois a própria Bíblia valoriza o louvor coletivo.

Meu lamento, então, refl ete apenas a paupérie artística de muita música

produzida para consumo cristão fora da igreja. É como

se a indústria cristã tivesse determinado que o que vale é o conteúdo da letra: desde que ela contenha certos chavões,

frases ou narrativas

evangelísticas — além de um estilo bacana apreciado pelo mercado alvo —, é desnecessária a busca da verdadeira expressão artística. Basta o “sufi ciente”. Acaba tendo mais em comum com propaganda que com arte. Para fazer um jingle, não precisa chamar Caetano. Qualquer Emmerson Nogueira serve.

Percebo que há muita gente talentosa nas bandas das igrejas, pessoas realmente apaixonadas pela música e dispostas a sacrifi carem para melhorar. Mas muitos são vencidos pela baixa expectativa da maioria, pelo padrão acomodativo e pelo ambiente em que o verdadeiramente excelente é visto com desconfi ança. O desafi o para aqueles músicos que realmente desejam a arte é aprenderem a fazer benchmarking pessoal com os melhores, e colocarem o seu talento a serviço do reino de Deus, e não apenas a serviço das gravadoras evangélicas.

Isto não signifi ca que já não existam cristãos fazendo boa música. Mas, por ironia, geralmente os músicos que levam a sério tanto seu cristianismo quanto a qualidade musical são aqueles que rejeitam o rótulo “música cristã” para assim distanciarem-se da média medíocre. São esses que revitalizam na música o espírito criativo, que refl ete a beleza e a verdade de Deus.

Parei de ouvir “música cristã” e comecei a buscar mais a boa música, inclusive aquela composta e executada por cristãos.

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Marcos [email protected]

vamos ler!

Para ler a Bíblia bem acompanhado

Não. Não se trata de mais uma versão da Bíblia. A Bíblia Toda, o Ano Todo, do conhecido teólogo e escritor inglês John Stott, é uma espécie de navegador, de co-piloto, responsável pela

“navegação”, pelas trilhas em um rally. O rally é a modalidade automobilística mais antiga do mundo, disputada em duplas, por estradas boas ou inexistentes. Ao piloto, claro, cabe a condução do veículo. O navegador aponta o melhor caminho, antecipa as encruzilhadas e surpresas do mapa, traça o roteiro.

Ler a Bíblia não é um rally. No entanto, o mesmo Stott, em seu clássico Cristianismo Básico, aponta algumas sugestões para a empreitada: “Elaborar um plano de leitura sistemático das Escrituras é uma decisão sábia. [...] Isso exigirá uma boa dose de autodisciplina, um despertador e uma Bíblia legível”. Na mosca. Para alguns, ler a Bíblia é um prazer, alimento diário, consolo, orientação. Para outros, ler a Bíblia toda é um desafi o. Às vezes, uma obrigação ou daquelas tarefas que todos os anos agendamos e não cumprimos.

As palavras de Billy Graham sobre o ministério e a obra de John Stott caem-lhe como uma luva: “Não conheço ninguém que tenha sido mais bem-sucedido em apresentar a visão bíblica para tantas pessoas do que John Stott”. A cada leitura diária, ao longo dos 365 dias do ano e por toda a narrativa bíblica, o autor celebra a atuação de Deus na história do seu povo — desde a criação, no livro de Gênesis, até a consumação, em Apocalipse 22.

O conhecido estilo pastoral do autor e a leitura fácil da obra brincam de esconde-esconde com a dureza e a profundidade dos textos bíblicos. Uma pequena amostra está em um dos textos mais conhecidos e repetidos das

Escrituras. No primeiro dia da primeira semana, lemos o primeiro versículo do primeiro capítulo da Bíblia: “No princípio Deus”. Para Stott, no entanto, as três primeiras palavras revelam mais do que normalmente enxergamos, e a meditação diária torna-se um consolo no presente e uma fonte segura para o que virá: “As primeiras três palavras da Bíblia revelam que nunca podemos nos antecipar a Deus ou surpreendê-lo, pois ele está sempre lá, ‘no princípio’. A iniciativa de toda ação é sempre de Deus.” Ao comentar

o livro de Eclesiastes, seu tom pessimista, as oscilações de humor e a futilidade da vida, o autor mostra mais uma vez suas credenciais ao lidar com as Escrituras: “Somente Deus pode suprir o que está faltando. Deus adiciona eternidade ao tempo, e transcendência ao espaço. É por isso que “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria”, pois a sabedoria começa com um humilde reconhecimento da realidade de Deus.”

A Bíblia Toda, o Ano Todo faz teologia quando é devocional e sugere meditação ao lembrar os fundamentos da fé cristã. Escrevendo sobre a primeira carta aos Coríntios e como falar das boas novas do evangelho, John Stott é também didático: “Uma boa maneira de comunicar a mensagem dos apóstolos é dividindo-a em quatro partes — dois eventos (morte e ressurreição de Cristo), comprovados por duas testemunhas (profetas e apóstolos),

com base nos quais Deus faz duas promessas (perdão e o dom do Espírito) sob duas condições (arrependimento e fé, através do batismo). Há um sentido de harmonia e completude em torno do evangelho bíblico”.

O lançamento da Editora Ultimato não substitui a Bíblia. E esta, talvez, seja a sua maior qualidade.

A Bíblia Toda, O Ano Todo432 páginasEd. Ultimato (www.ultimato.com.br)

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Para ler mais textos da “Prateleira”, acesse www.ultimato.com.br

Marcos [email protected]

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A ciência e os novos prosélitos

Embora paradoxal, o ateísmo é o novo mantra a ser seguido. A recente cruzada editorial — livros como Deus, Um Delírio (Cia das Letras), de Richard Dawkins, e Deus não é Grande (Ediouro), de Christopher Hitchens —, a discriminação de estudantes cristãos em universidades no Reino Unido, ou a proibição do uso de qualquer símbolo religioso por alunos de escolas públicas na França não deixam dúvida: os cientistas se ungiram como responsáveis por tudo o que é certo e razoável, e se tornaram não apenas arrogantes, mas também o que se pode chamar de novos fundamentalistas.

A ciência tem a última palavra, não é novidade. Quem nunca começou uma dieta na segunda-feira porque no domingo foi informado da nova descoberta da “ciência”, que atire a primeira pedra. Folgo em saber, no entanto, que os cientistas também se dividem em seitas. Uma amostra é o texto de Marcelo Gleiser, também cientista e ateu, sobre Dawkins: “Para ele [Dawkins], a ciência é um clube fechado, onde só entram aqueles que seguem os preceitos do seu ateísmo, tão radical e intolerante quanto qualquer extremismo religioso”.

Em tempo: a ciência não pode fazer declarações. Dallas Willard, em seu prefácio ao Ciência, Intolerância e Fé (Editora Ultimato), é contundente: “Somente os cientistas dizem as coisas. E estes podem ser surpreendentemente

nada científi cos e cometem erros”. E, com o perdão da ironia, a cada delusion — a cada gema de ovo a mais ou cafeína a menos recomendadas na última estação —, a “ciência” pede desculpas. Aliás, “sinto muito” foram as palavras do físico britânico Stephen W. Hawking, na 17ª Conferência sobre Relatividade Geral e Gravitação em Dublin, ao negar as próprias teorias, 30 anos depois, sobre os buracos negros. Como cristãos, sabemos que nos enganamos. Inauguramos o auto-engano com Adão e Eva, para o arrepio dos cientistas.

O bispo, a igreja e a prosperidade

Há exatos quatorze anos, a revista Ultimato estampava na capa uma nota de cem dólares. Em preto e branco e sem o auxílio de um Photoshop. A matéria de capa trazia o acertado título de “Quase tudo sobre a teologia da prosperidade” — o acerto está no “quase”, porque o que era ruim vai fi cando pior.

Não é novidade que seções de descarrego, novenas, vale de sal, manto sagrado, entre outras ginásticas litúrgicas, são transmitidas ao vivo diuturnamente pela televisão. Mas a onipresente Igreja Universal do Reino de Deus não está sozinha nem é a primeira a recorrer a tal expediente. Naquela edição de 1994, Ultimato perguntava: “Super-crentes ou Super-incrédulos — qual grupo cresce mais?”. A pergunta continua sem resposta.

Para descansar é preciso ter fé

Frases como “o trabalho é chato”, “a escola é uma droga” ou “a Bíblia diz que o trabalho é uma maldição” são repetidas a cada fi m de ano. A proximidade das férias evidencia a negação do trabalho e parece conspirar contra os dias “úteis” da semana. O que nos resta de alegria ou prazer, separamos para os dias “inúteis”. Vivemos uma contagem regressiva entre um domingo e outro, e não sabemos o que fazer nos outros seis dias.

A leitura apressada de Gênesis 3.14- 19 contribui para o equívoco. Ali, o trabalho não é amaldiçoado, ao contrário do que muitos pensam. O que aparece no texto é um elemento novo: a dor, o suor, a difi culdade. O trabalho continua. Aliás, a Bíblia começa e termina com Deus trabalhando.

Para descansar é preciso ter fé. Acreditar que, mesmo não se fazendo nada, algo (ou tudo) vai acontecer (Sl 127). Mas nos levamos muito a sério. E, como diria Paul Stevens, “não podemos nos dar ao luxo de dormir se estamos administrando o mundo”. Ao contrário, se confi amos em Deus, o salmista tem a receita: “Eu me deito e durmo, e torno a acordar, porque é o Senhor que me sustém. Não me assustam os milhares que me cercam” (Sl 3.5).

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É ação, é social e é missão!

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A Primeira Igreja Batista em Bultrins, conhecida como “Igreja sem portas e janelas”, deveria ser chamada “Igreja com portas e janelas vazadas”. O templo tem cerca de 13 metros de largura por 21 de comprimento, pé direito alto, chão de cimento e 22 enormes vãos abertos onde seriam colocadas janelas.

Bultrins tem toda sorte de problemas — e oportunidades — comuns às comunidades pobres. Em toda a Vila Esperança, no raio próximo da IBB, com aproximadamente 300 famílias, há apenas uma pessoa com curso superior completo. Gravidez aos 12 ou 13 anos é rotina na vida das meninas. Há violência, drogas, álcool, condições precárias de trabalho, falta de infra-estrutura e serviços básicos. O evangelho pode mudar esta realidade?

Hospedei-me na casa de Luciano e Luciene, irmãos cujas vidas exemplifi cam o que o evangelho pode fazer quando entendido de forma integral. Casada com Amaro, mãe de Pedro Henrique (um mês de vida), Luciene converteu-se há sete anos. Cursa o último ano de biologia em uma faculdade particular e trabalha em um consultório odontológico. Foi a igreja que despertou o seu sonho de estudar e a encorajou e ajudou fi nanceiramente quando foi necessário. Luciano, 24 anos, com emprego fi xo há apenas dois anos, quer estudar história. Quando adolescente, cuidou do pai doente por alguns anos. Foram o encontro e a reconciliação com Jesus, há cinco anos, e a convivência com a igreja que o ajudaram a sair da depressão. Foi ele quem me mostrou as vielas e os becos do “monte” da Vila Esperança. Luciano conhece bem os problemas de sua comunidade e tem o objetivo de servi-la. Contando com os dois irmãos e Amaro (que faz administração), ao todo são oito universitários na Vila Esperança, cinco deles aprovados no vestibular este ano após preparo no cursinho mantido pela igreja.

A IBB possui um colegiado de oito pastores, a maioria auto-sustentada por sua própria renda. Em certos aspectos é igual às outras: escola bíblica dominical, culto à noite, recolhimento de ofertas, batismo (no mar). Em outros, difere da maioria das igrejas evangélicas, principalmente por sua forte inserção na comunidade, o que não é apenas uma questão de portas e janelas vazadas: mantém uma rádio comunitária, sustenta uma escola para crianças em idade pré-escolar com noventa alunos, organiza o cursinho pré-vestibular e faz da igreja um espaço efetivo de participação da comunidade.

A família de Luciano foi uma das dezessete que receberam como hóspedes em suas casas os participantes do VI Fórum Popular de Refl exão Teológica, realizado de 15 a 17 de novembro de 2007, com o tema “Igreja, Comunidade e Trabalho”. Foram mais de trezentos participantes vindos da comunidade local, de Recife e Olinda e de outros estados do Nordeste. As refeições eram preparadas por senhoras da igreja e servidas em uma escola. A rua em frente à igreja foi fechada para dar espaço às barracas de comida, roupas e brincadeiras para crianças. Na abertura do fórum, um grupo de meninas apresentou uma bonita coreografi a da música “Cio da Terra”, de Milton Nascimento. A programação foi marcada por apresentações da cultura popular: grupos de frevo, hip-hop, forró, música africana, roda de ciranda, cantadores, declamadores, repentistas, música de raízes.

Ouvimos sobre trabalho escravo, trabalho infantil, discriminação racial e gênero no mercado de trabalho e desigualdade. Na sacola dos participantes havia um folder da prefeitura alertando sobre o perigo de mulheres serem aliciadas por estrangeiros: há muitos casos de exploração sexual e tráfi co de órgãos em Recife. A cidade está entre as duas mais violentas do Brasil e tem o pior nível de renda para mulheres negras.

Dona Graça e dona Djanira, vendedoras ambulantes de quitutes, testemunharam como têm sustentado suas famílias com este trabalho e como Deus as tem sustentado em sua luta diária.

Todas as edições do fórum têm sido marcadas pelo esforço em refl etir sobre a missão cristã a partir das duas instâncias da vivência do povo de Deus: a igreja e a comunidade. Nada melhor que, enquanto refl etimos, vivermos a experiência em “laboratório”, e, ao retornar às nossas casas, voltarmos à pergunta: o que o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo pode fazer para mudar a realidade dos pobres em nosso país?

45 anos de Cristo e o Processo Revolucionário BrasileiroO fórum rememorou os 45 anos da Conferência do Nordeste, a quarta e última conferência promovida pela Confederação Evangélica Brasileira (CEB), em 1962. Fomos lembrados de que a conferência reuniu 167 delegados, dezesseis denominações evangélicas e dezessete estados no Colégio Agnes e no Colégio Batista Americano, em Recife, para um encontro de oito dias entre teologia e realidade social, de evangélicos e intelectuais. A abertura foi feita pelo bispo Almir dos Santos, que pregou sobre o Manifesto de Nazaré, com base em Lucas 4.16-20. Celso Furtado, Paul Singer, Juarez Brandão Lopes e Gilberto Freire eram alguns dos intelectuais presentes. Foi nessa ocasião que Gilberto Freire, comentando a pequena infl uência do protestantismo na cultura, declarou: “Os protestantes são bons de gramática e ruins de literatura”.

Leia mais emwww.ultimato.com.br• Conteúdo das apresentações feitas na mesa-redonda sobre a Conferência do Nordeste.

Portas e janelas vazadas Klênia Fassoni

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auditório e já não cultiva a boa música com cordas, sopros, bons arranjos, corais, quartetos. E perde muito mais quando a adoração se torna um evento estimulado sensorialmente e não uma melodia que emerge de um coração quebrantado e temente a Deus. Adoração é sempre uma resposta humilde, alegre, reverente àquilo que Deus é e faz. Adoramos porque algo aconteceu, algo nos foi revelado, e não o contrário, como pensam alguns, que recebemos a revelação e as coisas acontecem porque adoramos.

A igreja perde quando não há reverência ou temor. O que resta é euforia, excitação e sensações prazerosas. O que é bom em si mesmo, mas não é necessariamente adoração.

É um equívoco pensar que Deus se impressiona com nossos cultos de domingo. Antes, ele acolhe muito mais nossos gestos simples do cotidiano, fruto de um coração humilde e quebrantado, que busca se desprender de ambições e serve ao próximo com alegria. Adoração não é um evento domingueiro bem produzido, mas um estilo de vida que glorifi ca ao Senhor.

Durante séculos a arquitetura das igrejas e das catedrais destinou o balcão posterior ao coro, ao órgão e à orquestra. Na igreja da Reforma os músicos e o coro se posicionavam na parte da frente da nave, mas sempre ao lado. Mesmo o púlpito não estava no centro, mas ao lado. No centro havia, quando muito, alguns símbolos da fé, que ajudam a despertar a consciência para a experiência do sagrado, com destaque para a mesa do Senhor. A

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Especial

Há dois tipos de música, a boa e a ruim — seja ela erudita, MPB, sertaneja, reggae, rap, rock ou gospel. O que me surpreende é a capacidade de o mercado absorver a música ruim. Com a proliferação de compositores, intérpretes, bandas e gravadoras, o cenário evangélico não poderia ser diferente. Tem música boa, mas também tem muita música ruim.

Passamos séculos louvando a Deus com hinos históricos da Reforma. Bastava um hinário, e tínhamos músicas com letras densas, boa teologia e linha melódica harmoniosa.

Nos últimos anos surgiu o que chamamos de louvorzão. Jogamos fora os hinários, a liturgia, aposentamos o piano e o coral e introduzimos a guitarra, a bateria, o data-show, as coreografi as e a aeróbica. Surgiu também a fi gura do dirigente de louvor, responsável por animar a congregação. Daí para a frente há muito barulho, muitas palmas, muitas mãos levantadas, muitos abraços, muitas caretas e cenho franzido. Mas a pergunta que fi ca é: temos adoração?

O lado positivo do louvorzão é o interesse e a integração na igreja de milhares de jovens. Trata-se de uma oportunidade única para ensinar estes jovens, através do exemplo e da Palavra, o caminho do discipulado de Cristo. Mas fi ca a pergunta: estarão estes jovens crescendo na santidade e no serviço?

Alguns cultos se tornaram verdadeiras produções dignas da Broadway. Músicos profi ssionais, cenários, bailarinos e iluminação. Mas fi ca uma pergunta: toda esta parafernália cênica tem levado o povo de Deus a uma genuína adoração?

A história da Igreja é rica em manifestações artísticas. Ao longo do tempo o louvor foi expresso através de várias expressões musicais. O canto gregoriano, o barroco, os hinos da Reforma, o negro espiritual e os cânticos contemporâneos deixaram sua contribuição à boa música ao longo destes últimos séculos.

Trata-se, portanto, de um equívoco jogar fora toda a herança histórica e achar que esta geração descobriu a forma certa de louvar. Se olharmos do ponto de vista musical veremos que a história nos legou uma herança preciosa. Na cultura gospel do louvorzão tem muita música ruim, muita letra questionável e muito dirigente de louvor que mais parece um animador de auditório.

A igreja pode ser a ponte entre as gerações, entre o antigo e o novo e integrar na adoração tudo o que há de bom na sua herança histórica. Tem muita gente cansada do louvorzão barulhento de letras rasas, de bandas que tocam no último volume, de coreografi as esvoaçantes e de ordens do dirigente para abraçar o irmão da frente, de trás e do lado dizendo que o amamos. É constrangedor abraçar alguém e dizer que o amamos quando nem sequer o conhecemos.

A igreja perde quando a ênfase do louvor se desloca da congregação para o palco. Com raras exceções a música é ruim, a letra não tem nada a ver com a realidade do cotidiano ou a teologia reformada e a performance no palco é apelativa.

A igreja perde quando se torna parecida com um programa de

Adoração na igreja evangélica contemporânea

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Osmar Ludovico da Silva é pastor da Igreja Evangélica Comunidade de Cristo em Cabedelo, PB. Ministra cursos de espiritualidade cristã, formação de líderes e restauração para missionários.

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congregação fi cava em face ao altar de Deus, sem que nada se interpusesse entre a Santa Presença e a congregação. Este lugar só pode ser ocupado por Jesus Cristo. Ele é o único mediador, ele é o único que pode dirigir o louvor.

Hoje o que se vê é o apóstolo, o bispo, o pastor, o dirigente de louvor e a banda ocupando este lugar, nos levando de volta à Antiga Aliança, quando sacerdotes e levitas eram mediadores entre Deus e os homens. A conseqüência é uma geração de crentes que dependem de homens, coreografi as e data-shows para adorar e para ouvir a voz de Deus.

O verdadeiro pastoreio consiste em ajudar homens e mulheres a dependerem do Espírito Santo para seguirem a Cristo, que os leva ao seio do Pai. Ajudar homens e mulheres a crescerem e amadurecerem na fé, na esperança e no amor, integrando adoração, oração e leitura das Escrituras no seu cotidiano.

A contextualização se tornou uma armadilha na qual a igreja caiu. Na tentativa de se identifi car com o mundo ela fi cou cada vez mais parecida com ele. A cultura gospel é autocentrada, materialista, acha-se dona da verdade, tornou-se uma religião que nos faz prosperar, que não nos pede para renunciar a nada e que resolve todos os nossos problemas. Há um abismo colossal entre a cultura gospel e o evangelho de Jesus Cristo, que nos chama a amar sacrifi calmente o nosso próximo, a cultivar um estilo de vida simples, a integrar o sofrimento na experiência existencial e a ter a humildade de ser um eterno aprendiz.

Estas refl exões já estavam fervilhando no meu coração há algum tempo. Pensei que estas coisas só aconteciam em certas igrejas, mas o que me motivou mesmo a colocá-las no papel foi ter participado de um culto numa Igreja Batista da Convenção.

“Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino” (Lc 12.32).

Em todos os meus pastorados o Senhor me permitiu ver crescimento numérico da igreja. Mas nunca foi essa a minha ênfase. Semear sim, quanto mais melhor, mas sem forçar resultados.

Quando seminarista em Campinas, o então responsável pela publicação da Revista Teológica do Seminário Presbiteriano do Sul me pediu que escrevesse um artigo. Escrevi-o com o título acima: “A Mística do Número”. O realismo do artigo desagradou o solicitante, de modo que o artigo nunca foi publicado.

Anos mais tarde, durante uma semana teológica no mesmo seminário, solicitaram-me dirigir uma devocional, e falei sobre Lucas 12.32. O realismo bíblico da mensagem desagradou a uns dois professores, que não esconderam isso em comentários que fi zeram.

Pouco antes de ir para o Chile como obreiro da Junta de Missões Estrangeiras, da Igreja Presbiteriana do Brasil, li um livro sobre o presbiterianismo chileno. Vi referência à Igreja de Constitución. Estranhei: já sabia quais eram as então 27 igrejas presbiterianas daquele país, e não tinha visto o nome Constitución.

Continuei lendo e fi quei sabendo que o crescimento da referida igreja tinha sido estrondoso. Poucas páginas depois li que o presbitério dissolvera a Igreja Presbiteriana de Constitución. — Crescimento falso, sem a devida estrutura, sem o devido conteúdo doutrinário substancial, sem a devida seriedade ético-moral.

Uma multidão de discípulos de Jesus Cristo o abandonou quando compreendeu a profundidade da obra que Ele se propusera a realizar na terra (Jo 6.66). E em certa ocasião Jesus disse: “Ai de vós, quando todos vos louvarem! (Lc 6.26).

Alegrou-me, pois, ver na revista Ultimato protestos de Billy Graham e Dom Eugênio Sales contra o inchaço das igrejas (jul./ago. 2007, p. 14).

Isso me traz à memória alguns fatos impressionantes, que relato a seguir.

Há muito tempo li em Seleções de Reader’s Digest a transcrição de uma entrevista feita com Billy Graham. À pergunta sobre o que o famoso pregador achava do enorme número de decisões tomadas pelos ouvintes em suas grandes campanhas nos estádios, Billy Graham respondeu: “Os efeitos de um banho duram pouco, mas o banho faz bem”. Não sei se alguém encontraria expressão mais realista! Em outro número da mesma revista, li que fi zeram a ele a seguinte pergunta: “Se o

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sr. pudesse retornar aos seus primeiros tempos de ministério, que faria?” Eis a resposta de Billy Graham: “Eu procuraria reunir cinco ou seis pessoas realmente dispostas a consagrar-se à causa do evangelho e que se reunissem comigo para oração e para o testemunho”.

Em um trabalho sobre secularização no curso de pós-graduação em ciências sociais que fi z na Escola de Economia e Política de São Paulo, na década de 70, vi que um fruto positivo da secularização é que, com a libertação do jugo da religião sob cabresto, fi caria mais fácil distinguir os cristãos dos não-cristãos. Até certa época, quem repudiava a igreja dominante era mal visto na sociedade e corria o risco de ser posto à margem, senão em lugar pior. Isso às vezes acontece hoje, mas em casos isolados. A secularização deu oportunidade para que os falsos cristãos batessem as asas. Só que muitos falsos cristãos não bateram as asas, assumiram formas enganadoras de “cristianismo” e contribuem para o inchaço numérico da igreja.

Há não muitos dias um sacerdote católico romano disse pela televisão que se a metade dos membros da sua igreja a deixasse, não faria falta alguma. — Muito bom, mas não o sufi ciente. No fi m da década de 50,

em Porto Alegre, eu costumava ler assiduamente um pensador católico romano sério, muito respeitado, Gustavo Corção Braga (cheguei a ver seu nome citado numa obra de Berkouwer sobre a pessoa de Cristo). O excelente jornal gaúcho Correio do Povo publicava regularmente extensos artigos de Gustavo Corção. Pouco depois da reunião da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros realizada em São Luís do Maranhão, que proclamou que cerca de 95% dos brasileiros eram católicos romanos, Corção publicou em artigo sérias críticas ao catolicismo brasileiro e por fi m emitiu a sua opinião sobre a porcentagem de brasileiros católicos romanos: Apenas cerca de 10%! E naquela época!

Temos que ter pena das multidões, porque, como no tempo de Jesus, andam como ovelhas sem pastor de verdade. Poucos são os obreiros fi éis, difícil para o povo discernir entre o falso e o verdadeiro, e Satanás se aproveita dos vivaldinos que se apresentam como pastores quando na verdade são mercenários.

Temos que acabar com a mania de valorizar seja lá que for pelo número. É certo que nas visões que o apóstolo João teve do céu, viu ele miríades de redimidos (Ap 7.9-10). O total dos salvos será imenso. Mas em cada

época, em cada geração e em cada lugar, sempre será um número irrisório em contraste com as multidões que correm atrás de tudo, menos do glorioso ideal de, pela graça de Deus em Cristo, ter A Vida de Deus na Alma do Homem, como diz o título de um livro de Henry Scougal, que tive o privilégio de traduzir para Publicações Evangélicas Selecionadas (PES).

Lembremo-nos das palavras do Senhor Jesus Cristo:

“Entrai pela porta estreita [...]. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fi zemos muitos milagres? Então lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade” (Mt 7.13, 22,23).

“Quando vier o Filho do homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória; [...] e porá as ovelhas à sua direita, mas os cabritos, à esquerda; então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mt 25.31, 33-34).

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Odayr Olivetti

Odayr Olivetti, escritor e tradutor, foi missionário no Chile e professor de teologia sistemática no Seminário Presbiteriano de Campinas.

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Rubem Amorese

Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Icabode — da mente de Cristo à consciência moderna.<[email protected]>

Obrigado por me ouvir

Em 2008, vou romper com a síndrome do divã. Vou me aconselhar como quem

deseja ouvir e crescer. Na novela Eterna Magia, da

Globo, toda construída sobre mentiras e segredos, chamou-me a atenção uma cena em que, após longa conversa com um padre, a pessoa termina dizendo: “Obrigado por me ouvir; eu estava precisando botar para fora”.

Notei que, tanto nesse caso quanto nos demais, o padre nunca era atendido ou considerado em seus conselhos. Era apenas um ouvinte disponível, paciente e que fazia boas perguntas. Era assim que ajudava as pessoas. Mas fi cou claro, no enredo, que, se o tivessem ouvido, o rumo daquelas vidas teria sido diferente. Para melhor. E a novela teria terminado precocemente, claro.

Passei a prestar mais atenção às minhas conversas, seja como conselheiro, seja como consulente. E constatei que sofremos todos desse subproduto indesejado da cultura psicanalítica em que vivemos. Nada contra os psicanalistas, claro. O problema atinge também a quem nunca se deitou num divã. Meu olhar é sobre o aconselhamento cristão.

Parece que temos carência de falar. Dizer já não é tão importante. Ouvir, muito menos. Obedecer, bem... de que baú tiraram esse verbo?

Nesse sentido, embora algo de consolador e terapêutico permaneça nesses monólogos disfarçados de aconselhamento, percebo que muitos elementos cristãos estão desaparecendo. Por exemplo, a autoridade. Nessas conversas, não se busca, de fato, a sabedoria ou a experiência do conselheiro. Claro que desejamos um interlocutor preparado. Mas o que queremos é uma vaga em sua agenda. Em especial, em seus ouvidos. Quanto mais tempo, melhor.

Desaparece, também, a submissão. Submeter-se a um amigo, um irmão? Que também tem seus problemas? Ouvi dizer que é melhor procurar alguém que não nos conheça bem — traz menos problemas.

Desaparecem a autoridade e o poder coercitivo das Escrituras. Liquefazem-se princípios, verdades, certezas, tradições e outros fatores de segurança que o

texto bíblico traz. Abrir a Bíblia, em um aconselhamento, hoje em

dia, já não é tão fácil. Além de interromper o fl uxo do raciocínio daquele que está ali para falar, pode trazer constrangimento. Falta

disposição para ouvir conselhos. Ou para versos bíblicos, com aplicações “discutíveis”. Se insistir, o conselheiro perde muitos pontos.

Sim, pastores, mentores e conselheiros têm sido reduzidos a ouvintes privilegiados. E serão tão menos procurados quanto menos disponíveis estiverem para uma audição “gentil”.

Este ano, desejo mudar. Falarei menos e aprenderei mais. Ouvirei conselhos e procurarei acatá-los. Investirei em docilidade. Até no caso de meu conselheiro me reprovar ou me apontar caminhos difíceis. Serei submisso; serei grato; buscarei a obediência inteligente. Aceitarei autoridade sobre mim e a honrarei; orarei por ela. Serei, novamente, “admoestável”.

Quem sabe, a partir desse exercício, em oração, a Bíblia, que há tanto tempo tem me falado palavras bonitas, volte a me dizer o que preciso ouvir. E, ouvindo o que preciso ouvir (e não apenas o que eu mesmo falo), eu me cure desta insidiosa anorexia espiritual. Amém.

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