Revistamurro 09

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MAI/2014 ADRIANO DIOGO / AMAURY CACCIACARRO FILHO / GAL OPPIDO / GUILHERME KRAMER / HÉLVIO TAMOIO / IVONICE SATIE / MARIA DUSCHENES / ABERTO PARA BALANÇO 09

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Revista de arte, cultura e dança

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MAI/2014

ADRIANO DIOGO /

AMAURY CACCIACARRO FILHO /

GAL OPPIDO /

GUILHERME KRAMER /

HÉLVIO TAMOIO /

IVONICE SATIE /

MARIA DUSCHENES /

ABERTO PARA BALANÇO

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ÍNDICE/MURRO#09

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CONSELHO EDITORIALGustavo DominguesMárcia MarquesSandro Borelli

EDITORAMárcia Marques

EDITOR DE ARTEGustavo Domingues

ASSISTENTE DE ARTEGabriel Borelli

REPORTAGEMAmanda QueirósSiva Nunes

REVISÃOAndrea Marques Camargo

COLABORADORESAdriano DiogoAmaury Cacciacarro FilhoGal OppidoGuilherme KramerHélvio Tamoio

PRODUÇÃO EDITORIALCristiane Klein

04/ARTIGO DEFINIDO

Por Adriano Diogo

06/TRANSGRESSÃO Nº17

Maria Duschenes

08/TRANSGRESSÃO Nº18

Ivonice Satie

10/POLÍTICAS PÚBLICAS

Por Amanda Queirós

12/CAPA:

Aberto para balanço

Por Amanda Queirós

24/INTERSECÇÃO

Por Amaury Cacciacarro Filho

26/DIAFRAGMA

Por Gal Oppido

32/OUTRA MARGEM

Por Hélvio Tamoio

34/BIBLIOTECA

35/EPÍLOGO

Por Guilherme Kramer

Revista Murro em Ponta de Faca Rua Sousa Lima, 300B, Santa Cecília, São Paulo/SP, CEP 01153-020+55 11 3666 7238 - 99290 3037

09Foto capa: Gal OppidoIntérprete: Roberto Alencar

Produção:

Realização:

Apoio:

Esta publicação integra o projeto “Artista da Fome”, contemplado pela 13ª Edição do Programa de Fomento à Dança / 2012.

Sugestões, reclamações, colaborações e comentários para Murro são bem-vindos pelo e-mail: [email protected]

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EDITORIAL/MURRO#09

03

O ANO DE 2014 tem em seu calendário eleições para presidente da República, gover-nadores, senadores e deputados federal e es-tadual. E temos Copa do Mundo, sediada no Brasil. Para os pessimistas, um ano perdido. Para os otimistas... um ano perdido.

Se a cultura feita e fruída pelos cantos do Brasil dependesse unicamente dos departa-mentos de marketing das empresas, não terí-amos espetáculos ocupando os teatros, tam-pouco temporadas em junho, mês em que os olhos se voltam às telinhas e aos telões, e só se fala em futebol. Até as escolas públicas em São Paulo mudaram seu calendário para aco-modar o período futebolístico da nação.

Em qualquer lugar na cidade podemos ver cartazes, displays, camisetas, muitos aces-sórios em verde e amarelo. E muitos sorteios que prometem a camiseta canarinho com seu

nome estampado nas costas. Diante de tanto investimento no ramo esportivo, está claro que a área cultural fica à míngua em ano de Copa, e mais ainda quando é feita em nosso país.

Mas temos eleições em âmbitos federal e estadual. Para quem acha que a política só atrapalha o país (!!!), alegando que Copa do Mundo e Eleições atravancam os patrocí-nios, a situação só piora, pois o mercado tra-balha no segundo semestre para atender às datas comemorativas de Dia dos Pais e Dia das Crianças e logo temos o segundo semes-tre, chegamos ao Natal e... acabou o ano, que para muitos foi perdido.

Mas espera. A chave está aí, nas eleições. Não é possível um país funcionar sem o jogo político, é inerente à democracia o reveza-mento no comando do poder, com alianças que podem beneficiar a população, ou, como

em um jogo de xadrez, ceder aqui e ganhar espaço acolá.

A Murro em Ponta de Faca faz nesta edição um balanço do que foi a política cul-tural em 2013 e entre avanços e retrocessos, a impressão é que caminhamos para a frente, embora o destino ainda esteja longe do que seria um panorama ideal de trabalho nas ar-tes cênicas.

A recente aprovação pelo Congresso Nacional da emenda à Medida Provisória 627/2013, que altera regras tributárias do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Se-guridade Social (Cofins), chegou ao Senado e agora segue para a Presidência da República porque quatro Cooperativas (Paulista de Dan-ça - CDP, Paulista de Teatro - CPT, Paulista de Música - CPM e a Brasileira de Circo - CBC) se juntaram em 2013 e fundaram a Federação Nacional das Cooperativas de Cultura (Fen-cult). Dessa junção de forças, e da represen-tatividade de mais cem entidades, nasceu a aprovação da MP no Senado, que agora segue para aprovação total ou com vetos da presi-denta Dilma Rousseff.

O aumento na verba do PROAC também é significativo no atual panorama da política em-preendida no âmbito estadual, mas se o pedido de R$ 100 milhões não vingou e a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou emendas que autorizam a captação de 14 milhões, apenas R$ 4 milhões deles foram assegurados no orçamento para 2014. Isso sig-nifica que os R$ 10 milhões restantes necessi-tam de nova luta para que saiam do papel.

Há avanços, há escuta por parte de seto-res do poder público, não em todas as esfe-ras. O momento é o de ver a conversa subir um degrau, quando se passa a considerar a interlocução empreendida entre artistas e políticos como uma demanda da sociedade civil, e soluções são encontradas, efetivadas e implementadas.

Não há como o cidadão querer fazer polí-tica cultural sem participar da vida política da sua cidade. A Câmara Municipal tem de ser vi-sitada, os vereadores eleitos estão lá para ouvi-rem as demandas da população e é nesse jogo que ganha quem se faz mais presente, quem cobra posições e encaminhamentos. Se a classe quer ser ouvida, tem de comparecer, mostrar a cara, os dentes, e saber ouvir e falar. E cobrar. Não se faz omelete sem quebrar os ovos.

ANO PERDIDO?

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ARTIGO DEFINIDO/MURRO#09

POR/ADRIANO DIOGO

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NESTE ANO DE 2014, o povo brasilei-ro relembra os 50 anos do golpe militar e a Comissão da Verdade é uma das coisas mais importantes que ocorreram no Brasil nos úl-timos anos.

Ela pretende contar e fazer um levanta-mento de tudo que aconteceu no Brasil entre o período de 1964 e 1985. Os 21 anos dessa longa noite que se abateu sobre o povo brasileiro.

Embora oficialmente terminada em 1985, passados 50 anos do início do golpe e 29 anos do seu fim, sentimos até hoje na pele as consequências dessa marca de tortura.

Um país com tantas desigualdades, com tantas injustiças, com tantas peculiaridades, com tantas tristezas ainda persiste.

Não que o Brasil, antes do golpe, não tivesse suas marcas. Um país que teve 400 anos de escravidão deixa marcas que não são apagadas com facilidade.

COLÔNIA PENAL NUNCA MAIS

Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora... Chico Buarque, Fado Tropical

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Um país que dizimou tribos e civilizações pré-colombianas. Um país que desmatou e desertificou - seus bandeirantes afirmavam sua força pelo número de orelhas arrancadas de seus prisioneiros.

Foram 400 anos de escravidão, de tortu-ra e de genocídio contra a população negra.

Por incrível que pareça, a ditadura pare-ceu um dos capítulos desse genocídio histó-rico e até hoje é contado.

Antes do Golpe, o Brasil tinha, sim, pro-blemas. Mas com ele, eles se agravaram, se ampliaram de maneira inimaginável.

O Brasil, que vinha em uma escalada de-mocrática tranquila e pacífica, se tornou um país insuportável com a deposição do Presi-dente da República.

A Comissão da Verdade consiste em um grupo de pesquisadores que estuda e analisa, recuperando documentos e imagens, como esses anos de atraso democrático marcaram a vida brasileira, assim como as consequên-cias para o período recente.

Durante esse período, cerca de 500 pes-soas foram assassinadas. 80 mil foram pre-sas, detidas e torturadas. Nesses números não estão inclusos a população indígena, os camponeses, das chamadas mortes difusas.

Muitos professores foram cassados, ato-res perseguidos, muitas músicas foram cen-suradas, teatros invadidos e incendiados.

A cara do Brasil mudou. Houve uma in-tervenção direta do governo norte-america-no para que o Presidente da República eleito democraticamente fosse destituído. Políticos e partidos foram cassados. Câmaras e assem-bleias foram fechadas em todo o País.

Embora o presidente João Goulart esti-vesse em território nacional, foi decretada a vacância da Presidência da República. E lá, os generais se instalaram.

Cinco generais governaram por 21 anos. Cinco sangrentos generais, creditados a eles uma sequência de assassinatos e tortura, além da perda da identidade e da autoestima nacionais: Humberto Castello Branco, Artur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo. Cinco ditadores presidentes.

Nessa época, foi criada a famigerada Operação Bandeirantes (OBAN), depois chamada de Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de De-fesa Interna (DOI-Codi). Recentemente este prédio, que hoje funciona uma delegacia de polícia, na Vila Mariana, foi tombado pelo patrimônio histórico.

Para afrontar o povo brasileiro, até hoje, nada foi mexido, nada foi desmantelado, apenas a memória foi apagada.

Por isso a Comissão da Verdade está fa-zendo um levantamento minucioso dos 21 anos do golpe militar, apurando os crimes feitos por esses senhores.

A Comissão da Verdade deveria ter sido implementada há mais tempo. Até hoje, pais e familiares dos mortos desaparecidos tentam fazer uma busca - inócua - para descobrir o que aconteceu com seus parentes queridos.

A ditadura militar foi um ato de selva-geria, mas acima de tudo, um ato de classes sociais. Foi uma ditadura de classe, uma di-tadura do capital.

Como na 2ª Guerra Mundial, empresas multinacionais financiaram o golpe e usufru-íram especialmente como ganhos de capital.

Inclusive a história de um General Fran-ces Paul Aussaresses, que planejou a Guerra do Vietnã e fundou o esquadrão de morte na Guerra da Argélia. No Brasil, atuou com o delegado Fleury, General João Batista Fi-gueiredo, à época chefe do SNI.

Com autorização do governo, Aussares-ses criou uma escola de preparação militar na Amazônia, que foi a base da famigerada Operação Condor.

Muitas pessoas multiplicaram por mil suas riquezas. Gente que investiu e patroci-nou o golpe, usufruindo do botim, fizeram fortunas incalculáveis.

Faço parte da Comissão da Verdade do estado de São Paulo com muita tristeza, mas ao mesmo tempo muito orgulho.

Todos os dias, nos deparamos com bio-grafias incríveis que foram interrompidas.

A Comissão da Verdade foi criada por uma lei federal, mas com a criatividade do povo brasileiro, ela se diluiu entre estados, municí-pios, faculdades e câmara de vereadores, mul-tiplicando as comissões em todo o país.

Isso mostra que o Brasil não consegue mais viver com a mentira.

É verdade que este País já foi chamado de “País da Mentira”, embora a pena de morte não esteja escrita, ela está decretada.

A Comissão da Verdade é importantíssi-ma para aqueles que estão na sala de aula, seja ensinando ou aprendendo.

A democracia é a mais sublime das orga-nizações políticas e mais frágil. É necessário que ela sobreviva para enfrentarmos proble-mas mais difíceis. Essa é a melhor contribui-ção que a Comissão da Verdade pode dar.

Neste ano de 2014, nos 50 anos do Golpe Militar, desejamos tortura nunca mais.

Adriano Diogo é Deputado Estadual e Presidente

da Comissão Estadual da Verdade do Estado de

São Paulo “Rubens Paiva”.

A Comissão da Verdade consiste em um grupo de pesquisadores que estuda e analisa, recuperando documentos imagens, como esses anos de atraso democrático marcaram a vida brasileira, assim como as consequências para o período recente.

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TRANSGRESSÃO Nº17/MURRO#09

POR/SIVA NUNES

MARIA DUSCHENES

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A AUSÊNCIA DO TEMPO. Resta ao corpo revelar quem é. A memória a trai como uma tintura diferente na flor que sempre fora da mesma cor. Uma memória compartilhada, como um banco de dados às avessas: as lem-branças agora pertencem a todos que a co-nheceram. A sua própria está sendo subtraí-da, como se uma fada do tempo viesse todos os dias para lhe tirar um pedaço do passado. Dia após dia, é necessário um antídoto para trazer a atualidade novamente. Shakespeare diria que os artistas são seres etéreos.

Uma São Paulo escaldante parece des-truir qualquer possibilidade de sair de casa.

A LINGUAGEM SECRETA DAS FADAS

Não para Cilô Lacava que viaja, com fre-quência, para o Guarujá para fazer visi-tas à Maria Duschenes, mentora e amiga antiga com a qual aprendeu, ao longo de 25 anos de parceria, sobre o universo de Laban. Ao chegar à sua casa, depara-se com uma imagem comovente ao ver os cuida-dos de Luíza e Teresa, ajudantes de muitos anos, para com a mestra: a artista, acometi-da pelo Mal de Alzheimer, em estado avan-çado, não reconhece mais ninguém. Lacava ainda afirma: “foi a maior artista-educadora de dança que encontrei na vida. De uma ge-nerosidade sem reservas”.

Dona Maria, como é lembrada carinho-samente pelos seus alunos e colaboradores, preocupou-se com uma dança que estivesse em consonância não só com as técnicas, mas também com as diferenças e identidades de cada um: persistia no caminho para chegar a algum movimento, e não somente à execu-ção. Foi pioneira, no que se chama hoje de “processo colaborativo” respeitando o que era trazido, pelos alunos, nas improvisações. Projetou as técnicas de Rudolf Laban no Bra-sil e trouxe novo olhar para a dança aliada à educação e, também, às necessidades espe-ciais “acompanhei toda a trajetória de minha

Maria Duschenes aliou teoria e prática em prol dos benefícios da dança para a vida. Mesmo passando por intempéries, o desejo de dançar e ensinar a motivou para além dos problemas de saúde.

Espetáculo Cinético / Direção: Maria Duschenes

MASP, 1972

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mãe desde o início. A primeira aluna foi, em 1945, uma moça da sociedade paulistana que era deficiente auditiva. Depois foram muitas crianças e daí para a frente bailarinos, psicó-logos, atores e pessoas comuns interessadas em apreender a arte do movimento” ressalta Ronaldo, filho de dona Maria. Persistiu em continuar entendendo o próprio corpo e des-cobrindo outras maneiras de movimentar--se, após ter contraído poliomielite aos 22 anos. Sua gentileza em tratar com as pes-soas, mesmo numa correção, a fez virtuosa, também, como pessoa.

O Contrário do TempoNo dia 26 de agosto de 1922, na Hungria,

nascia Maria Ranschburg. Durante a adoles-cência, estudou na escola dirigida por Olga Szent Pál, em Budapeste, cuja metodologia era inspirada no músico suíço Emile Jaques Dalcroze, que desenvolveu os critérios do eurrítmico – execução de ritmos corporais para desenvolvimento da musicalidade. Nes-sa época, também estudou dança clássica com Aurélio Miloss.

Anos depois, entrou para a Escola de Ar-tes de Dartington Hall – castelo localizado no sul da Inglaterra – onde permaneceu por dois anos. Teve de abandonar os estudos por causa dos bombardeios da II Guerra Mun-dial. Nesse ínterim, teve aulas com Laban com o qual aprendeu, dentre outras coisas, os conceitos de dança coral que implantou mais tarde no Brasil, com visão pessoal in-corporada às técnicas do mestre.

Maria preocupou-se com uma dança que estivesse em consonância não só com as técnicas, mas também com as diferenças e identidades de cada um

Chegou ao Brasil em 1940, encontrando aqui pequenas iniciativas de dança propostas por outros estrangeiros. Tornar-se-ia, então, uma grande contribuidora da dança moderna, lecionando para diversos profissionais, como é o caso de Maria Mommensohn: “Era uma pessoa muito especial. Tinha a capacidade de perceber suas necessidades e não forçar, mas estimular, criar condições para você ter seus insights. Com alguns grupos ela desenvolvia aulas mais técnicas, não aula de técnica, ou seja, ela enfatizava os fundamentos de Rudolf Laban, as questões espaciais, escalas, formas, dinâmicas”, revela sobre os aprendizados. Anos mais tarde, Mommensohn receberia a incumbência de realizar um evento para reunir os alunos, chamado Encontro Laban, “aconteceu em 1989. Ela queria que nós tro-cássemos mais entre nós. Pudéssemos com-partilhar experiências e divulgar o trabalho em várias áreas. Acreditava realmente que a arte transforma o transformador, o poeta in-cipiente que está dentro de todo ser humano”.

Casou-se com o arquiteto Herbert Dus-chenes, em 1942, e foram morar no Sumaré, zona oeste de São Paulo, cuja casa havia sido projetada para que ela pudesse dar aulas “fo-ram tempos maravilhosos com muita gente interessante entrando e saindo de casa. Tive-ram um casamento feliz e criativo por mais de 60 anos! A casa sempre cheia de artistas e intelectuais com debates por vezes calorosos, mas muito animados” relembra Ronaldo. O marido, também interessado no trabalho de dona Maria, filmava constantemente as aulas

e improvisações, documentando a história daquele grupo. Neste mesmo ano, adquiriu cidadania brasileira.

O tempo imóvelCriou diversas coreografias, dentre elas

Mixed Midia de 1971, apresentado no MASP com grupo de Dança Contemporânea e o Grupo Coral Maria Duschenes, e Magitex de 1978. Foi convidada para desenvolver o programa Dança nas Bibliotecas em insti-tuições infantojuvenis em São Paulo, jun-tamente com a psicóloga Renata Machado, estimulando a prática da dança aos frequen-tadores. Supervisionou o projeto de Dança/Arte do Movimento em 1990 na Prefeitura de São Paulo, depois estendido para a Se-cretaria de Saúde e da Educação. Recebeu homenagem na 21a Bienal Internacional de São Paulo por intermédio do evento Dan-ça Coral Origens II com dois espetáculos: um com aproximadamente cem crianças e outro profissional, organizado por Maria Mommensohn, Tuca Pregnolatto, Renata Neves e Solange Arruda.

A contribuição de Duschenes para a dança de São Paulo não se resume apenas nas coreografias e nas aulas, que tiveram grande importância também. O alicerce de seus ensinamentos mantém-se, funda-mentalmente, na sua própria prática em desvendar caminhos para fazer o que mais ama: dançar – sem pieguices, e violinos de fundo, mas porque satisfaz a alma, criando uma linguagem secreta. Das fadas.

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TRANSGRESSÃO Nº18/MURRO#09

POR/SIVA NUNES

IVONICE SATIE

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Cores Tupiniquins “Eu vou fazer uma embolada, um samba,

um maracatu. Tudo bem envenenado, bom para mim e bom para tu”, entoa Chico Scien-ce e a Nação Zumbi em pleno movimento manguebeat, trazendo a cultura nordestina misturada às vanguardas musicais. Marcou época. Sua música inspirou diversos outros artistas a combinarem diferentes elementos, surgindo daí espetáculos de teatro e dança, moda, artesanato e decoração baseados nes-sa contracultura.

São Paulo, megalópole que não para, absorveu essa ideia em prol de reformu-lar a arte, deixando-a mais abrasileirada. Estamos numa cidade em que tudo parece acelerado, e ao mesmo tempo não. Diferen-tes sotaques, diferentes etnias num mesmo comboio cultural, conversando e divergindo entre si. Caldeirão profícuo para inspirações.

Em meados da década de 1990, no Balé da Cidade de São Paulo, sob direção artís-tica de Ivonice Satie, surgiram coreografias envoltas nessa atmosfera. Satie desejava que a Companhia tivesse mais elementos bra-

O CAMINHO DA CEREJEIRA Incansável e sempre

disposta às novidades, artista nipo-brasileira atravessou o mundo para aprimorar conhecimentos em dança, mas foi no Brasil que ajudou a criar e estabelecer companhias que existem até hoje.

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sileiros e atuais, diferentes dos cânones de outrora. E que, também, pudessem trazer o drama, o underground, para um grupo que fora considerado de elite. “Ela tinha uma for-ça interior incrível. Uma mulher muito cora-josa que assumia riscos. Evidente que dese-java e trouxe mudanças para o Balé, o que nem sempre era visto com bons olhos pelas pessoas tradicionais” revela Iracity Cardoso, diretora artística do Balé da Cidade.

Bilac e o MundoExiste um gosto doce de saudade ao falar

de Satie que procurou, na dança, os limites sociais e pessoais para explorar suas ações. Definiu várias condutas para gerar e fortifi-car nichos de sua arte e persistiu, como foco principal, no ser humano e sua relação com o meio em que vive. Exemplos disso são suas contribuições para a criação da Cia. de Dan-ças de Diadema – localizada na Grande São Paulo –, instituindo a dança como forma de aprendizado, de sobrevivência e reconheci-mento como arte; e também, ao lado de Hen-rique Amoedo na criação do projeto Mão Na Roda para portadores de necessidades espe-ciais. Hoje esse projeto é dirigido por Luis Ferron.

Nascida Ivonice Satie Yoshimatsu Fa-gundes na pequena cidade paulista de Bi-lac, a bailarina, coreógrafa, diretora, mãe e avó Ivonice Satie, desde pequena gostava de dançar. Impulsionada pelo seu avô e pai que a ensinaram as técnicas da arte da espada (Yai-dô) e da dança do Samurai (Kembu), essa menina sabia que era na arte que sua vida seria tocada. Encontrou, ao longo de sua vida, um equilíbrio na dicotomia entre o oriente e o ocidente, revelando para Inês Bogéa, em entrevista para o DVD Figuras da Dança que “há uma coisa que se mexe den-

tro de mim desde criança: o conflito interior entre as duas culturas.”

Foi na Escola Municipal de Bailados de São Paulo que começou os estudos de dan-ça: aos 9 anos e aos 17 ingressou no Corpo de Baile Municipal, o Balé da Cidade. Foi uma das responsáveis em projetar o nome da Instituição para o exterior quando em 1983 mudou-se para Genebra a convite de Oscar Araiz para trabalhar como bailarina e assistente no Grand Ballet Du Théâtre de Genève. Ainda em terras estrangeiras, rece-beu convites de Jeune Ballet de France e San Francisco Ballet, nas quais trabalhou como coreógrafa convidada.

Mostrou-se versátil e sem preconceitos, participando de A Chorus Line, musical da Broadway montado no Brasil em 1982, inter-pretando a chinesa Connie Wong, a convite do produtor Walter Clark. Assumiu a direção artística do Balé da Cidade de São Paulo por duas vezes, criando a Companhia 2 para bai-larinos veteranos: preocupação com aqueles que desejavam novos anseios. Ao mesmo tempo, começou a assessorar o município de Diadema na área de linguagem artística, am-pliando a ação e visão da dança para pessoas de diferentes faixas etárias e tipos físicos “as principais influências, tanto a Companhia enquanto corpo artístico, bem como o pro-grama sociocultural de Oficinas de Dança, residem, até então, em premissas como aces-sibilidade à linguagem da dança, inclusão cultural, diminuição das distâncias entre ar-tistas e público, formação de plateias” revela Ana Botosso, diretora artística e bailarina da Cia. de Danças de Diadema.

Satie também dirigiu a Companhia de Dança do Amazonas por dois anos e foi dire-tora do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Sated).

A samurai brasileiraCriou a coreografia Shogun, premiada

dentro e fora do Brasil – uma homenagem para seu avô: nessa sensível obra, é possí-vel notar a precisão dos movimentos e a relação entre mestre e discípulo de suas in-fluências ancestrais. Foi montada em cinco países e remontada, aqui, por nove vezes.

Recebeu homenagem de amigos e ad-miradores, em São Paulo, no antigo Tea-tro de Dança, instalado no Teatro Itália. Foram dez coreografias inspiradas em sua força, sensibilidade e coragem, em 2008.

Até momentos antes de ser internada por causa de complicações de um câncer, Ivonice Satie trabalhou como diretora ar-tística do Studio 3, e como coreógrafa da Sociedade Masculina de Dança: “ela criou e deu perfil profissional para as compa-nhias. Foi um projeto em que colocou todo o conhecimento que tinha. Tínhamos uma relação além do profissional apenas. Considero que foi um encontro feliz que tive na terra. Sua morte foi um golpe terrí-vel, não só pela pessoa, mas também pela bailarina e empreendera que admirava” revela Luis Arrieta, bailarino e coreógra-fo . Morreu em 12 de agosto de 2008, aos 57 anos de idade, deixando um séquito de admiradores. Botosso relembra um mo-mento interessante da mestra: “quando via que um movimento de algum bailarino acontecia de maneira emocionante, excla-mava: ‘YES, com a força de um samurai’”.

Diante da efemeridade da vida, como uma flor de cerejeira, Satie aproveitou a beleza e o infortúnio de sua arte.

Encontrou, ao longo de sua vida, um equilíbrio na dicotomia entre o oriente e o ocidente, revelando para Inês Bogéa, em entrevista para o DVD Figuras da Dança que “há uma coisa que se mexe dentro de mim desde criança: o conflito interior entre as duas culturas.”

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POLÍTICAS PÚBLICAS/MURRO#09

POR/AMANDA QUEIRÓS

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UMA CRISE de representatividade pa-rece rondar a Fundação Nacional de Artes (Funarte). Criada em 1975 para valorizar o artista e promover e incentivar a produção e o desenvolvimento das atividades culturais e artísticas pelo território nacional, a institui-ção vem, a cada ano, perdendo força em sua interlocução entre os agentes culturais e os 200 milhões de brasileiros espalhados pelas cinco regiões do país.

Em setembro de 2013, a Funarte recebeu seu novo presidente, Guti Fraga, com um controverso presente de boas-vindas. O con-tingenciamento de um terço do orçamento do Ministério da Cultura antecipava que o trabalho dele não seria nada fácil. Atraso no lançamento dos editais Carequinha, Klauss Vianna e Artes na Rua, assim como na libe-ração dessas verbas, sinalizaram desde o iní-cio de sua gestão um tensionamento entre a instituição e os artistas.

Quando o que era aparentemente con-solidado é ameaçado em qualquer nível,

como nesse caso, é inevitável que a com-petência da Funarte para aprofundar e am-pliar sua atuação em um território ainda tão carente de ações seja posta em xeque. Isso fica mais evidente quando novas ini-ciativas do órgão, em geral anunciadas com alarde, não conseguem passar da primeira edição, como no caso do projeto Mambem-bão, realizado apenas em 2012, que pre-tendia reeditar a Mostra Nacional Funarte de Dança e Teatro, famosa por levar grupos de todo o país para apresentações no Rio nos anos 1970 e 1980.

Sem continuidade nas ações, fica difícil não apenas se planejar para atender às ex-pectativas do governo federal, mas entender qual é o foco da política pública de fomen-to das linguagens artísticas nesse âmbito. A situação se agrava ainda com o descompas-so entre os interesses dos trabalhadores da cultura e a burocracia do órgão. Nos últimos anos, festivais foram impedidos de receber seus recursos diretos e, mais recentemen-

te, no início de 2014, toda a programação de ocupação da Sala Renée Gumiel, em São Paulo, quase não ocorreu ao longo do ano por conta de detalhismo jurídico durante a sele-ção dos projetos. Como tem sido comum em casos como esse, foi preciso colocar a boca no mundo para que a situação fosse revista.

O fato é que o contingenciamento já ro-tineiro do orçamento da Cultura ao início de cada ano provoca um estado de instabilida-de generalizada. Quem espera por um edital não sabe se ele vai ser lançado. Quem vence edital não sabe se vai receber. Se vai receber não sabe quando. Enquanto isso, projetos são adiados, compromissos são suspensos e o desenvolvimento da cultura no país dimi-nui o passo.

Esse desalento é vivido também no in-terior da própria Funarte. Um levantamen-to dos servidores do MinC estima que 35% dos trabalhadores da pasta se aposentem nos próximos quatro anos. Além disso, ao menos 50% dos egressos no último concur-

FUNARTE: PASSADO E PRESENTE. FUTURO?

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O fato é que o contingenciamento já rotineiro do orçamento da Cultura ao início de cada ano provoca um estado de instabilidade generalizada. Quem espera por um edital não sabe se ele vai ser lançado. Quem vence edital não sabe se vai receber. Se vai receber não sabe quando.

so público para preenchimento de vagas na instituição, em 2006, já se desligaram dela em busca de salários melhores. Após anos pedindo ao Ministério do Planejamento, a Funarte realiza neste ano, enfim, concurso para 50 novos funcionários.

Diante dessa situação pouco animadora, uma das prioridades de Guti Fraga tem sido garantir a ocupação dos 20 equipamentos da Funarte com programação constante. O objetivo é formação de público. Mas como alcançar essa meta de maneira abrangente quando esses espaços estão situados apenas no Rio, em São Paulo, Belo Horizonte e Dis-trito Federal?

Enquanto isso, o projeto de descentra-lização de ações culturais mais propagan-deado pelo MinC – o dos CEUs das Artes – anda a passos de tartaruga. Lançado em agosto de 2013 pela Funarte, o primeiro edital de ocupação dos 360 equipamentos, espalhados por 325 municípios de todas as regiões do país, já deveria ter contemplado 27 projetos para aquele ano. Oito meses de-pois, não há nenhum sinal de quem são os 80 escolhidos na seleção.

Esse edital exemplifica a política do “cão que ladra não morde” que vem sendo repeti-damente encenada pelo MinC. Algo é anun-ciado com pompa pela ministra da Cultura, Marta Suplicy, e, por conta disso, ganha a atenção da mídia em seu lançamento, que não acompanha seu andamento. Fica-se en-tão a impressão de que a pasta está fazendo muito, quando boa parte do que foi alardea-do está parado.

É algo parecido com o que aconteceu em 2012, quando o então presidente da Funar-te, Antonio Grassi, anunciou um “orçamen-to recorde”: seriam R$ 161 milhões para as ações do órgão (quando, segundo o próprio, seriam necessários R$ 500 milhões para

atender a todas as demandas recebidas). Ao fim do ano, o que foi executado não ultrapas-sou os R$ 100 milhões, quase o mesmo valor de 2011. Para 2014, os recursos previstos em lei são de R$ 159 milhões.

Ator, diretor teatral e fundador do Gru-po Nós do Morro, Guti Fraga também é um artista que, atualmente, está presidente da Funarte. Em entrevista ao jornal O Globo publicada no dia 6 de março deste ano, ele não esconde o desânimo em relação ao que encontrou. “As dificuldades internas e bu-rocráticas te deixam de mãos atadas. Você chega e acha que vai poder delirar e inven-tar uma série de coisas, mas aqui dentro a realidade é outra”, disse ele na ocasião. “Eu não quero fazer uma gestão para quitar o que havia sido anunciado, isso é muito fraco, é pouco. Estamos correndo atrás de parcerias

com empresas de diversos setores. Em meio a um contingenciamento, em

um período espremido entre Copa, eleições e Olimpíada, sem verba... O que fazer?”, questiona, evocando acordos como o que destinou R$ 6 milhões da Caixa Econômica Federal ao Prêmio Carequinha. “É preciso correr atrás de parcerias. E trabalhar para desburocratizar mecanismos de fomento já existentes”, conclui ele, que também não vê espaço para a implementação de nenhum novo programa em 2014.

Quando a burocracia se sobrepõe à ação, é porque algo está muito fora da ordem. No caso da Funarte, tudo isso não é nada novo. Já passou da hora de essa instituição re-pensar o que ela quer e o que ela pode fazer para atuar efetivamente na transformação cultural do país.

Guti Fraga: “aqui dentro a realidade é outra”.

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POR/AMANDA QUEIRÓS

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E NO BALANÇO DAS HORAS...

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ENTRE AS INÚMERAS HISTÓRIAS da mitologia grega destaca-se a de Sísifo, que, por enganar os deuses do Olimpo, foi sentenciado a realizar até o fim da vida um trabalho sem sentido. Sua missão constituía em fazer rolar uma pedra até o topo de uma montanha. Sempre quando estava prestes a ver o ofício terminado, a rocha rolava ladeira abaixo, forçando-o a começar tudo de novo.

Sísifo parece ser hoje o personagem mí-tico que mais gera identificação com a clas-se artística – mais até do que as musas da dança, da tragédia, da música e da poesia. Afinal, seu trabalho se assemelha à postura que bailarinos, atores, músicos e escritores vêm precisando desempenhar continua-mente frente ao poder público para cobrar a implementação de uma política cultural efetivamente de Estado e não apenas de governo. A repetição, no caso, é na pressão para que cada conquista obtida até aqui não se transforme na pedra que chega ao topo e caia sem ter algo no qual se sustentar.

NO PALANQUE, A CULTURA FOI PRIORIDADE. NA VIDA REAL...

Essa linha de marcação cerrada marcou a postura dos artistas consultados pela Re-vista Murro em Ponta de Faca diante da chegada de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo no início de 2013, que levou o Partido dos Trabalhadores de volta ao poder da quinta maior metrópole do mundo, após oito anos. A perspectiva de uma maior parti-cipação nos mecanismos de decisão das po-líticas públicas envolveu os trabalhadores do setor cultural na disputada campanha que transformou o ex-ministro da Educação dos governos Lula e Dilma em prefeito.

“A dança e vários segmentos fizeram o Haddad ir ao segundo turno. Subimos no palanque dele”, lembra José Maria Carva-lho, integrante do movimento A Dança se Move, fórum permanente de debate sobre políticas para a linguagem. O apoio desse segmento se reverteu na nomeação do ex--ministro da Cultura, Juca Ferreira (2008-2010-), para o cargo de secretário municipal de Cultura, além de um plano de governo em que iniciativas para a área foram tidas como prioritárias ao lado de metas para saúde e educação.

Mesmo diante de um quadro favorável desses, a sensação da classe é de que o pri-meiro ano de mandato deixou a desejar, já que a tônica – comum em um governo re-cém-chegado – foi de arrumação da casa. “É um misto de justificativas e de desculpas. A gente aceita, porque sabe que [a prefeitura] tem de lidar com orçamento e cortes”, diz Carvalho. Outro integrante do movimento, Marcos Moraes, aponta fatores positivos, mas não esconde a insatisfação. “A gente também se sente um pouco frustrado com a [pouca] velocidade da resposta e da ação da Secretaria em relação a ambições maiores”, afirma ele.

Esse foi possivelmente o motivo para que as principais vitórias dos artistas de São Pau-lo em 2013 tenham se dado em outra esfera de poder: o legislativo. Sob a presidência de José Américo (PT) – um dos autores da Lei 14.071/2005, que instituiu o Programa Mu-nicipal de Fomento à Dança para a Cidade de São Paulo – a Câmara Municipal criou, em junho, a Frente Parlamentar em Defesa da Cultura, espaço de debate e de consolida-ção da força política que aprovou três novas emendas para o setor.

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PARA CIMA E PARA O ALTO

A primeira delas, sancionada em novem-bro, criou uma nova modalidade ao Progra-ma para Valorização de Iniciativas Cultu-rais (VAI), mecanismo estabelecido pela Lei 13.540/2003 que, até então, subsidiava projetos artísticos de jovens da periferia com baixa renda compreendidos apenas na faixa etária de 18 a 29 anos. A nova ferramenta, que deve atuar paralelamente à irmã mais velha, abrange atividades não apenas de grupos e jovens, mas também de adultos igualmente de baixa renda e com pelo menos dois anos de atuação comprovada em regiões carentes de políticas públicas para a cultura. O primeiro edital, lançado no início de 2014, cederá R$ 30 mil para cada um dos 175 pro-jetos selecionados na primeira categoria e R$ 60 mil aos 45 contemplados na segunda.

No início de dezembro, foi aprovado também o texto que viria a se tornar a Lei 15.951/2014, responsável pela instituição do Prêmio Zé Renato. A proposta é destinada ao financiamento de projetos de pequenos e médios produtores teatrais que vinham tendo dificuldade de desenvolver seus traba-lhos por causa da concorrência desvantajosa com grupos veteranos pela única forma de subsídio municipal até então, o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Ci-dade de São Paulo, criado em 2002. Os R$ 12 milhões pleiteados pela iniciativa foram vetados na sanção do texto, mas, ainda as-sim, foram garantidos R$ 4 milhões para financiar os primeiros dois editais, que vão contemplar cada projeto com R$ 200 mil ao longo de 2014.

A terceira emenda aprovada, também em dezembro, alterou a lei que instituiu o

Programa Municipal de Fomento à Dança, ampliando o prazo de vigência dos projetos aprovados de um para dois anos. A mudança foi acompanhada por um incremento no or-çamento para R$ 11 milhões e partiu de uma demanda da classe para favorecer a conti-nuidade e o amadurecimento da pesquisa dos núcleos artísticos contemplados.

“Os artistas tiveram um papel impres-cindível no desenvolvimento de ambos os fomentos”, destaca o presidente da Câma-ra, referindo-se aos projetos aprovados no fim de 2013, que, segundo ele, tiveram aval do secretário Juca Ferreira. Esse entendi-mento entre legislativo e executivo é funda-mental para que as leis aprovadas possam ser postas em prática. A classe, porém, tes-temunhou tropeços da nova gestão em seu primeiro ano à frente da Secretaria Munici-pal de Cultura (SMC).

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“É preciso transformar as conversas e ideias em projetos e ações que efetivamente impactem a vida cotidiana dos cidadãos e cidadãs.”Juca Ferreira

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LADEIRA ABAIXO

“Ainda não está claro para nós qual o pro-grama que a Secretaria pretende realizar. Não é clara a política da programação da Galeria Olido nem do Centro Cultural São Paulo”, aponta Moraes. O problema apontado por ele ficou evidente em setembro do ano passado, quando a Cia. Marcia Milhazes (RJ) ganhou R$ 30 mil para duas apresentações de Camélia na Galeria Olido. No mesmo mês, a TF Style Cia. de Dança (SP) recebeu R$ 8 mil para qua-tro apresentações de Tempo no mesmo espaço e, em novembro, a Cia. Vidança (SP) dançou Corpo Sobre Tela também quatro vezes por R$ 10 mil. “A gente não acha ruim que ofere-çam R$ 30 mil para a Marcia. A gente precisa é de transparência e cidadania no trato da coisa pública”, completa ele.

A questão da baixa remuneração se evi-denciou também na Virada Cultural. “A forma como os artistas da dança paulistana foram tratados com relação aos cachês neste evento foi lamentável”, lembra a produtora Penha Silva, do Avoa! Núcleo Artístico. En-quanto o ex-baixista de Jimi Hendrix, Billy Cox, foi o mais bem pago do evento, levando R$ 186 mil por seu show, o Ballet Sopro re-cebeu míseros R$ 2 mil pela apresentação de Senha. O valor é inferior até mesmo ao rece-bido pelos grupos participantes da 7ª Mostra do Fomento à Dança, realizada em setembro, que pagou R$ 3.500 para cada núcleo que já havia sido contemplado pelo Programa Mu-nicipal de Fomento à Dança.

O problema também se estendeu ao Cen-tro Cultural São Paulo que, em 2013, montou a programação do evento Semanas de Dan-ça com espetáculos “doados”, sem qualquer menção de cachê – um retrocesso em relação à última edição, realizada em 2011, quando os grupos participantes foram pagos.

Outro ponto falho, na opinião dos artis-tas, foi a restrição à inscrição de mais de um projeto pela mesma pessoa jurídica no edital dos Pontos de Cultura, aberto no fim do ano. Na prática, isso impediu que vários associa-dos de cooperativas culturais apresentassem suas propostas. Todas essas questões indi-cam falta de alinhamento de Juca Ferreira com a classe da dança?

“Discordo. As propostas apontadas pelo segmento têm sido amplamente debatidas dentro da Secretaria, além de termos institu-cionalmente constituído espaços de debate e grupos de trabalhos mistos para a formula-ção da política cultural para a cidade”, rebate o secretário.

Ele se refere ao programa #existediá-logoemSP, por meio do qual promoveu en-contros com representantes de várias ma-nifestações culturais da cidade ao longo de 2013. O bate-papo com a dança aconteceu em novembro e um de seus resultados foi a criação de um grupo de trabalho com 16 re-presentantes de diferentes segmentos da lin-guagem para atuar diretamente com a SMC em reuniões mensais.

OUVIDOS MOUCOS

Essa abertura para os artistas foi um di-ferencial bem aceito. Porém, segundo a bai-larina e coreógrafa Vanessa Macedo, uma das integrantes do GT proposto pela prefei-tura, o espaço mal foi criado e já se encontra esvaziado. “Não vi de fato nada acontecendo. Reforçamos solicitações já feitas, mas, nas reuniões com a Secretaria, parecia que a gen-te estava sendo apenas informado [do que vinha sendo feito] e nunca participando de fato. Em nenhum momento questionavam se aquelas ideias faziam sentido para a gente”, aponta ela.

Para José Maria Carvalho, conversar é necessário, mas insuficiente. “É bacana sa-ber que a gente está sendo ouvido. Espero agora que, além de ouvirem, eles estejam atentos para dar um segundo, um terceiro, um quarto passo”, ressalta. Esse discurso entra em sintonia com a fala do secretário. “É preciso transformar as conversas e ideias em projetos e ações que efetivamente impac-tem a vida cotidiana dos cidadãos e cidadãs”, afirma o gestor.

Ferreira aponta medidas para tentar afastar a possibilidade de repetição das der-rapadas de 2013. Segundo ele, a política de cachês de artistas contratados pela Secreta-ria vem sendo estudada dentro de um grupo

de discussão com o objetivo de equiparar os pagamentos ao valor de mercado (na conver-sa com os artistas, ele justificou o cachê de Marcia Milhazes pelo fato de se tratar de um grupo de outro estado). Para evitar proble-mas na Virada Cultural, o secretário designou a diretora artística do Balé da Cidade de São Paulo, Iracity Cardoso, como representante da dança na curadoria colegiada da próxima edição do evento, que acontece nos dias 17 e 18 de maio. Após debates na própria Secreta-ria sobre a dinâmica de organização dos artis-tas em São Paulo, Ferreira também prometeu publicamente que as cooperativas culturais poderão apresentar mais de um projeto no próximo edital dos Pontos de Cultura.

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UMA DAS PRINCIPAIS METAS do man-dato de Haddad e Ferreira para a cultura em São Paulo se resume a uma palavra: descen-tralização. Gal Martins, diretora da Cia. San-sacroma, que atua no Capão Redondo, no extremo sul da cidade, é testemunha de que a periferia tem demandas suficientes para for-çar um olhar mais atento para fora do centro principalmente após os primeiros dez anos de atuação do VAI. Por outro lado, a coreógrafa sente falta de uma maior atenção com espa-ços públicos que possam abrigar essas mani-festações, como a Casa Popular de Cultura da Região de M’Boi Mirim & Guarapiranga, que, segundo ela, tem importância histórica para a região, mas está abandonada.

“Não sei se a questão é criar novos espa-ços. Acho que é potencializar o que já existe. Eu iria muito mais por esse caminho em vez de, talvez, criar novos espaços. Já estamos cansados de ter elefantes brancos na perife-ria e até mesmo no centro.” A preocupação dela vai de encontro à proposta da prefeitura de criar dois novos centros culturais de re-ferência, um em M´boi Mirim-Piraporinha e outro em Itaquera.

“Não podemos pensar numa lógica de uma coisa ou outra, devemos buscar que seja uma coisa e outra”, ressalta Ferreira. “São Paulo tem dezenas de distritos sem a presença de qualquer equipamento cultural. Fora as bibliotecas, que têm certa capilari-dade, os equipamentos culturais ainda são muito centralizados”. As metas do governo preveem ainda a requalificação de 16 centros culturais, a viabilização de um equipamento em Cidade Tiradentes, a retomada da SMC como gestora das 15 Casas de Cultura do mu-nicípio, hoje ligadas às subprefeituras, e a re-abilitação da vocação original dos 45 Centros Educacionais Unificados (CEUs), criados na gestão de Marta Suplicy (2000-2004) para serem polos integradores de educação, cul-tura e esportes. Apesar de não dar prazos para a plena efetivação dessas ações, Ferrei-ra define todas como “realistas”.

Em relação ao que já foi feito rumo à descentralização em 2013, o secretário da Cooperativa de Teatro, Pedro Felício, des-taca o aumento do valor da hora-aula paga aos professores do Programa de Iniciação Artística (Piá), voltado a crianças de 5 a 14 anos, e o Programa Vocacional, dedicado aos adolescentes a partir de 14 anos. “Esse aumento dignifica as pessoas que estão na ponta fazendo a formação artística na cidade inteira”, diz ele. O edital de convocação de profissionais lançado no fim do ano passado estipulou um aumento de R$ 36 para R$ 44 para artistas orientadores e educadores e de R$ 40 para R$ 47 para coordenadores.

A abertura do edital para a seleção de 85 Pontos de Cultura na cidade de São Paulo também foi outro ponto positivo. Criado em 2004 ainda sob a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura (2003-2008), o pro-grama subsidia iniciativas culturais idealiza-das pela sociedade civil em locais de difícil penetração de políticas públicas. O edital vai ceder R$ 160 mil para a execução de cada projeto ao longo de dois anos, o que repre-senta pouco menos de R$ 7 mil por mês. Para Gal, o valor ainda é irrisório diante da potência dessas atividades.

Juca Ferreira, que era secretário-execu-tivo do MinC quando essa iniciativa saiu do papel, afirma que o valor de cada projeto so-freu um reajuste de 33% em relação ao ado-tado pelo programa Brasil afora. Ainda as-sim, ele é proporcionalmente menor aos R$ 150 mil ofertados dez anos atrás no primeiro edital federal dos Pontos de Cultura para a execução de projetos com dois anos e meio de duração. Levando em conta a inflação do período, que foi de 66,29% segundo o IPCA, esse montante equivaleria hoje a R$ 250 mil, ou seja, R$ 8,3 mil mensais.

O secretário defende o programa. “Em diálogo com grupos que foram beneficiados por esses programas fica claro que os apor-tes recebidos são estruturais na potencia-lização de suas ações”, diz ele, que destaca

ainda o incremento do orçamento do Núcleo de Fomentos Cidadania Cultural, dedicado a medidas com foco em descentralização, que passou de R$ 4,5 milhões para R$ 18 milhões neste ano. Ainda nessa linha, a SMC prevê para 2014 a distribuição de 150 bolsas men-sais de R$ 1.000, pelo período de um ano, a agentes culturais de comunidades com pou-ca presença de equipamentos culturais, as-sim como a realização, no segundo semestre, de duas Viradas Culturais na periferia.

EI, VOCÊ AÍ, ME DÁ UM CONSELHO AÍ?

Um escorregão da prefeitura de São Pau-lo motivou uma reflexão dos artistas sobre sua própria atuação diante do poder público. Em meados de julho, veio à tona que Fer-nando Haddad escalara a coreógrafa carioca Deborah Colker para representar o segmen-to da dança no Conselho da Cidade – órgão consultivo ligado ao gabinete do prefeito que reúne 136 participantes das mais diferentes esferas da sociedade civil para opinar sobre políticas centrais da cidade. A escolha provo-cou reações inflamadas por parte da classe, que, ao protestar, conquistou outro assento ali, cedido a Daniel Kairoz após uma eleição acirrada entre os artistas da área.

Apesar da repercussão que o episódio to-mou na imprensa, José Maria Carvalho rea-valia a postura tomada na ocasião. “Na pressa de darmos uma resposta àquilo, não fizemos uma reflexão profunda [sobre a importância daquele espaço], mas nem sei se esse era o lu-gar em que deveríamos gastar nossa energia”, afirma o coreógrafo, para quem o órgão con-sultivo cuja efetivação realmente importa é o Conselho Municipal de Cultura.

Após passar por uma consulta pública re-alizada no início de 2014 – precedida pela re-alização da 3ª Conferência Municipal de Cul-tura, em 2013 –, o projeto de lei que institui esse mecanismo deve ser encaminhado para votação na Câmara até o início de abril. Além

PELA CIDADE AFORA

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“Não sei se a questão é criar novos espaços. Acho que é potencializar o que já existe. Já estamos cansados de ter elefantes brancos na periferia e até mesmo no centro.”Gal Martins

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da expectativa de que o movimento A Dança se Move possa ocupar uma cadeira ali, Carvalho torce para que a atuação dele seja ampliada. “É importante que, além de consul-tivo, o Conselho seja também deliberativo”, pontua.

Enquanto isso, Marcos Moraes demons-tra ceticismo quanto à validade desse instru-mento. “Vejo com muita crítica o que as ges-tões petistas estabeleceram em geral como diálogo. Esses mecanismos de participação se transformaram em fóruns vazios, mas não podem virar um manto de Penélope”, diz, ele, referindo-se à personagem da Odisseia, de Homero, que desmanchava seu trabalho toda noite para atrasar uma decisão.

QUESTÃO DE ESTADO

Enquanto um novo governo se desenrolava na esfera municipal, outro se preparava para um último ano de gestão no campo estadual – e o diagnóstico dos artistas para sua atuação no campo cultural não é nada bom. “É impressio-nante como, em 20 anos, o governo estadual não conseguiu fazer nada. Desde 2006, o único avanço foi o ProAC, uma reivindicação dos ar-tistas que tenta resolver todos os problemas no estado”, afirma Pedro Felício. A produtora Pe-nha Silva faz coro. “A situação no estado é mui-to crítica, dificilmente regiões mais afastadas dos grandes centros conseguem se desenvolver com recursos estaduais e a dança no estado se encontra fragilizada”, aponta.

Tocado pela Secretaria de Estado da Cul-tura desde a sanção da Lei nº 12.268/2006, o Programa de Ação Cultural financia iniciativas culturais na capital e no interior por meio de duas frentes: o ProAC-editais, que injeta ver-bas diretas do governo em projetos seleciona-dos pela pasta, e o ProAC-ICMS, por meio do qual empresas podem investir imposto devido em atividades culturais autorizadas pela secre-taria para captar tal recurso.

A principal conquista dos artistas na esfe-ra estadual em 2013 diz respeito justamente a essa política. Após uma intensa campanha e uma audiência pública na Assembleia Le-gislativa do Estado de São Paulo (Alesp) em que agitadores culturais de diversas cidades reivindicaram o aumento do orçamento do ProAC-editais de R$ 30 milhões para R$ 100 milhões, a casa aprovou emendas no valor de

R$ 14 milhões para esse fim. No entanto, ape-nas R$ 4 milhões deles foram assegurados no orçamento para 2014, ou seja, os artistas ainda vão precisar brigar para que os outros R$ 10 milhões saiam do papel neste ano.

Mesmo com esse acréscimo, o valor des-tinado para investimento em atividades de todas as linguagens nos 645 municípios do es-tado fica ainda abaixo dos R$ 54 milhões que a prefeitura de São Paulo deve injetar apenas nos programas de fomento à dança, ao teatro e ao cinema, no mesmo período, na capital.

O secretário do Estado da Cultura, Mar-celo Mattos Araujo, não aceita que os recur-sos distribuídos às ações culturais da pasta sejam definidos como migalhas. Segundo ele, os investimentos na área têm sido pul-verizados em diferentes frentes. No caso da dança, ele destaca o reforço do Teatro Sérgio Cardoso como palco dos projetos financiados pelo ProAC-editais, o projeto Biblioteca do Corpo – que leva à Europa jovens bailarinos do estado para um workshop idealizado pelo coreógrafo Ismael Ivo – , as ações de forma-ção do Mapa Cultural Paulista e de difusão do Circuito Cultural Paulista e o reforço em projetos de dança inclusiva, como o festival + Sentidos, além da manutenção da São Paulo Companhia de Dança que, com orçamento de R$ 14,5 milhões para 2014, cumpre papéis de formação de público e de artistas e de cons-trução da memória da linguagem. “Há uma imensa vitalidade em todas as áreas de pro-dução artística e é natural haver uma grande demanda. Obviamente a capacidade de aten-dimento não pode ser total”, justifica.

A concentração de recursos em um só gru-po ainda gera críticas da classe. “Não perce-bem que até o talentoso e belo trabalho desta companhia de dança é ofuscado pelo descaso com a maior parte dos artistas profissionais da dança e o cidadão paulista em geral”, diz Penha da Silva. Segundo ela, essa falta de atenção ga-nha ainda forma no Complexo Cultural da Luz, espaço do estado repleto de teatros e escolas de artes que não vai mais sair do papel. “Os R$ 53 milhões pagos para arquitetos e consultores do projeto, que não será finalizado, mostra o que temos: um faz de conta”, completa.

Em 2013, o estado aderiu ao Sistema Nacional de Cultura (SNC), o que provocou necessidade de reestruturação do Conselho Estadual de Cultura (existente há 30 anos,

mas inativo). Araujo prevê que o mecanismo esteja em operação até o fim do ano. “O go-vernador Alckmin tem sensibilidade com a Cultura, que tem recebido aumento bastante considerável.” Ele destaca ainda que os inves-timentos da pasta serão acrescidos pelos R$ 135 milhões investidos na área via isenção fis-cal do ProAC-ICMS.

No campo estadual, a grande bandeira da Cooperativa Paulista de Dança (CPD) para 2014 será a busca pela aprovação, na Alesp, de um projeto de lei, ainda em fase de forma-tação, que cria o Prêmio Umberto Silva – Di-fusão Interestadual e Internacional da Dança Paulistana. “A pauta principal é permitir a criação de recursos destinados à circulação das obras de dança produzidas na cidade de São Paulo. Temos fomento de pesquisa e produ-ção de espetáculo, mas isso acaba morrendo porque não circula. A partir do momento que surgir essa visibilidade externa, a dança de São Paulo vai ser ampliada”, explica Elenor Cecon, secretário-financeiro da CPD.

“É impressionante como, em 20 anos, o governo estadual não conseguiu fazer nada.”Pedro Felício

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QUANDO O BALANÇO das políticas pú-blicas para a cultura em 2013 chega às ações do Ministério da Cultura (MinC), esbarra na atuação da Fundação Nacional de Artes (Funarte), entidade responsável por apoiar o desenvolvimento das linguagens artísti-cas em nível federal. Em julho, o comando da instituição passou de Antonio Grassi para Guti Fraga, fundador e diretor do grupo ca-rioca Nós do Morro, que encontrou uma pas-ta com 1/3 de seu orçamento contingencia-do, pondo em risco conquistas importantes, como os prêmios de fomento Carequinha (circo), Artes na Rua (circo, dança e teatro) e Klauss Vianna (dança).

O coordenador de dança da Funarte, Fa-biano Carneiro, nega que o Prêmio Klauss Vianna tenha estado sob ameaça. Segun-do ele, o temor se deu pelo fato de o edital do Prêmio Myriam Muniz, voltado para a área teatral, ter sido apresentado antes dos demais. Ainda de acordo com Carneiro, nos últimos três anos o Klauss Vianna teve seu lançamento sempre no mês de novembro, como ocorrido no ano passado. “Esse é um projeto já consolidado e faz parte do nosso planejamento estratégico”, explica ele, que ressalta ainda aprimoramentos no texto do edital, como a abertura de uma linha volta-da a novos talentos, em 2012, e uma aten-ção maior a projetos que envolvem a região Norte, em 2013.

O orçamento do Klauss Vianna em 2013 foi o mesmo do ano anterior: R$ 6 milhões. A diferença é que, dessa vez, o apoio não contou com aporte da Petrobras como em 2012. E, apesar de o MinC já começar 2014 com um orçamento menor do que o do ano passado (na ordem dos R$ 3,274 bilhões), Carneiro promete brigar para uma amplia-ção do valor do prêmio em sua próxima edi-ção e para o retorno do programa de residên-cias artísticas.

Representante da região Sudeste no Co-legiado Setorial de Dança do Conselho Na-cional de Política Cultural, Denise Acquaro-ne critica a situação da entidade. “A Funarte não recebe a atenção que deveria. É um ór-gão com profundas carências”, sentencia ela, que se mostra ainda preocupada com a pou-ca distribuição da instituição pelo país. “A gente [do Colegiado] questiona as represen-tações nacionais da Funarte, que são fracas e precisam ter mais presença. O Brasil é muito grande e os outros territórios sentem demais a falta dessa política.”

Rosa Coimbra, que participou ativamen-te da implementação do Colegiado por meio das Câmaras Setoriais, há dez anos, pontua ainda outras questões. “Por que até os dias de hoje, na estrutura da Funarte, ainda não se consegue garantir as especificidades das áreas em diretorias próprias? A autonomia da área deve ser respeitada”, questiona ela, defendendo que a dança, o teatro e o circo deixem de ser abraçados no guarda-chuva das artes cênicas.

Para além dos já referidos editais, o co-ordenador de dança cita ações da Funarte ao longo de 2013 para provar que ela não esteve parada. São iniciativas como o Ano do Brasil em Portugal – que levou 11 grupos de dan-ça do país para se apresentarem no exterior, como a Mimulus Cia. de Dança e a Cia. Gira Dança –, a ocupação de equipamentos como o Teatro Cacilda Becker, no Rio, que recebeu oito meses de programação voltada à dança a partir de um edital de R$ 500 mil, a reali-zação de 39 oficinas de capacitação artística e técnica, espalhadas pelas cinco regiões do país, com profissionais como Jorge Garcia e Rui Moreira, o edital do Fundo de Aju-da para as Artes Cênicas Ibero-americanas (Iberescena), a cessão de R$ 3,3 milhões em passagens, hospedagens e ajuda de custo a artistas, entre março e agosto, dentro do edi

“A gente questiona as representações nacionais da Funarte, que são fracas e precisam ter mais presença. O Brasil é muito grande e os outros territórios sentem demais a falta dessa política.”Denise Acquarone

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PROBLEMA FEDERAL

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tal de intercâmbio e difusão cultural, além de visitas dele a 42 cidades e o apoio de R$ 7 milhões, via edital, a 42 projetos de re-alização de encontros, seminários, mostras, feiras e festivais pelo país, sendo 11 deles na área da dança, como o Festival Panorama (RJ) e a Bienal Internacional de Dança do Ceará (CE). Mesmo após o relatório dessas atividades, ele admite a dificuldade de capi-laridade dessas ações em nível nacional.

Por ter uma perspectiva de trabalho ca-paz de abranger todo o país, Carneiro tem interlocução direta com o Colegiado Setorial de Dança, que, segundo Acquarone, teve atu-ação pouco expressiva em 2013 por causa da realização da Conferência Nacional de Cultu-ra. “Participamos [do evento], claro. Mas foi um tanto frustrante em relação ao que a gente esperava poder fazer”, conta. Segundo ela, a orientação agora é que os representantes re-façam o Plano Nacional de Dança, algo reali-zado várias outras vezes. “Já ficou uma coisa cansativa. A ideia é que ele deixe de ser um plano, saia do papel e parta para a ação.”

Rosa Coimbra também não faz um diag-nóstico positivo da situação. “Entendo que as ações [do Colegiado] têm sido insuficien-tes, tanto em relação à execução das polí-ticas públicas de cultura quanto à legítima participação da sociedade nas definições dessas políticas.”

Foi justamente esse esvaziamento que le-vou o movimento A Dança se Move a propor um boicote à eleição dos integrantes do Cole-giado para o biênio 2013/2014, como lembra Marcos Moraes. “Acho que a gente está numa era de cinismo político muito grande. Anti-gamente houve conversa. Hoje existe apenas o marketing de que o governo está fazendo algo”, afirma ele.

“Há de se entender que a garantia da participação da sociedade civil não pres-supõe o diálogo democrático. Este é muito mais que “permitir a participação”. Quero crer que a essência democrática sugerida pelo Governo Federal abarque outro pata-mar”, completa Coimbra.

Da parte do Ministério da Cultura, a novi-dade que mais recebeu atenção da mídia foi a

instituição do vale-cultura. O programa, cujos pressupostos datam da época de Gil à frente do MinC, confere a trabalhadores um cartão pré-pago com R$ 50 por mês a serem gastos exclusivamente com produtos culturais, mas os artistas da dança e do teatro são céticos quanto ao real impacto da iniciativa no setor.

“Para ter a máquina que passa o vale--cultura, temos de pagar uma taxa de 6% por ingresso. Estamos pensando em estabelecer uma parceria com Cooperativa Brasileira de Circo, para usar as máquinas deles, mas não há nada solidificado”, explica Pedro Felício, da Cooperativa de Paulista de Teatro. Elenor Cecon, da Cooperativa Paulista de Dança, é um pouco mais otimista, apesar de também ter suas críticas. “O projeto é lindo, mas só vai funcionar efetivamente se tiver produção para ser vista e isso passa pelo investimento do poder público na produção.” Ele também se opõe à taxa cobrada pelas operadoras, o dobro da que incide sobre o vale-refeição. “A gente está brigando [para baixar] e não está vendo mudança. Para grandes produções, que já recebem incentivos via Lei Rouanet de empresas gigantescas, é tranquilo pagar 6%. É diferente de um grupo de teatro que cobra R$ 20 a inteira. Não tem lógica”, aponta ele.

Enquanto a questão é debatida, o volume de recursos destinado à cultura continua lon-ge da meta estabelecida pelo Sistema Nacio-nal de Cultura, segundo o qual os investimen-tos no setor devem seguir a proporção de 1%, 1,5% e 2% dos orçamentos dos municípios, estados e da União, respectivamente. Em 2014, a destinação de recursos para a cultura seguirá a proporção de 0,67% (no município de São Paulo), 0,491% (no Estado de São Pau-lo) e 0,13% (no governo federal).

Diante desse panorama, que exige vigilân-cia e ação constantes para que as coisas acon-teçam, os artistas não podem baixar a guarda. “Se você tiver apenas uma panelinha, vai de-morar quase cinco dias para cozinhar o feijão. É o que está acontecendo [com os artistas]. As leis só vão existir com duas condições básicas: fogo na bunda e pressão”, cutuca o vice-presi-dente da CPD, Helvio Tamoio. Para ele, falta consciência de classe a seus pares, que ainda

insistem em se dispersar após qualquer vitó-ria parcial. “Para quem está passando fome, um pratinho de arroz e feijão é fantástico. A política do edital é a mesma do Bolsa-Família. Ela garante, mas não avança”, diz.

José Maria Carvalho se junta a ele, refor-çando a ideia do que seria esse Sísifo da cul-tura, que amadurece cada vez que sobe com sua pedra. “Não aceitamos mais a desculpa de que não há verba. Ela precisa ser colocada nas prioridades, que nem sempre são as priorida-des políticas partidárias. Uma política pública tem de pensar a longo prazo. Não estamos a serviço de um interessezinho circunstancial. Talvez a dança, no seu erro e acerto, possa ser um pequeno exemplo de que, com a conversa, você pode sair do mesmo lugar.”

“Se você tiver apenas uma panelinha, vai demorar quase cinco dias para cozinhar o feijão. É o que está acontecendo. As leis só vão existir com duas condições básicas: fogo na bunda e pressão.”Helvio Tamoio

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“É bacana saber que a gente está sendo ouvido. Espero agora que, além de ouvirem, eles estejam atentos para dar um segundo, um terceiro, um quarto passo.”José Maria Carvalho

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CAPA/MURRO#09

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UMA SITUAÇÃO inconveniente vinha ameaçando a sobrevivência das cooperati-vas culturais, que, há mais de três décadas, se consolidaram como uma das principais ferramentas de formalização de artistas au-tônomos principalmente dentro do estado de São Paulo: a dupla tributação feita aos artistas cooperados, que pagam impostos tanto como pessoa física quanto como pessoa jurídica.

Isso acontecia por causa do recolhimento dos 3,65% destinados ao Programa de Inte-gração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Co-fins). “Essa é uma tributação que o estado não tem nem para empresas privadas. É ex-tremamente injusto”, ressalta Paulo Celesti-no, um dos diretores da Cooperativa Paulista de Teatro (CPT). Essa situação, felizmente, está com os dias contados.

Reunidas em torno da Federação Nacio-nal das Cooperativas de Cultura (Fencult), aproximadamente cem entidades conquis-taram em abril a isenção dos tributos com a aprovação, no Congresso Nacional, de uma emenda à Medida Provisória 627/2013, que altera regras tributárias. O texto, assinado pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), segue o mesmo padrão do que permitiu, em 2012, a isenção do recolhimento desses mesmos tributos por parte das cooperativas de radiotáxi.

Segundo Celestino, a medida pouco afeta os cofres públicos. Um levantamento dessas entidades mostra que o valor recolhido pelas quatro principais cooperativas culturais de São Paulo não chega a R$ 1 milhão por ano.

Com isso, a CPT espera reverter um qua-dro de perdas sensíveis. Em 2013, quase 10% de seus sócios se desligaram da entidade. Dos que ficaram, 25% preferiram ser remunera-dos por trabalhos solos por meio da compra de notas frias de empresas de amigos ou da emissão de notas pelo mecanismo Microem-preendedor Individual (MEI), que limita os ganhos do trabalhador a R$ 60 mil ao ano e prevê o pagamento mensal de R$ 37,20 como contribuição ao INSS. Para Celestino, a isen-ção do Pis-Cofins deve tornar mais atrativo aos artistas o amparo jurídico e administra-tivo oferecido por essas entidades, apesar de os custos para a adesão a elas permanecerem mais altos do que os envolvidos em outros mecanismos de emissão de nota fiscal.

Após a conquista, é hora de redirecio-nar a luta com rumo a outro projeto de lei atualmente em tramitação que pode tornar as cooperativas ainda mais competitivas na cidade de São Paulo. Tramita atualmente na Câmara um projeto de lei da vereadora Juliana Cardoso (PT) que prevê a dispensa delas do pagamento do Imposto Sobre Ser-viço (ISS), hoje na casa dos 5%. “Esse texto foi construído com as cooperativas, que me procuraram no ano passado colocando essa problemática. A partir daí, começamos a construção do projeto e, em paralelo, fomos trabalhando a organização dele na prefeitu-ra para a lei poder passar”, explica Cardoso, que vem sentando com as pastas de Cultu-ra, Planejamento e Finanças em busca de um entendimento sobre a questão. Caso o texto seja aprovado, os cofres municipais

deixariam de arrecadar R$ 600 mil ao ano, segundo o secretário-financeiro da Coopera-tiva Paulista de Dança (CPD), Elenor Cecon. O secretário municipal de Cultura, Juca Fer-reira, o acata mesmo assim. “Não nos opo-mos ao impacto que esta redução possa ori-ginar junto à SMC, pois compreendemos que a economia para as Cooperativas Culturais terá um impacto positivo bastante significa-tivo”, diz ele.

Para o representante da CPD, a luta con-tra o ISS faz parte de uma briga ainda maior contra a burocracia envolvida nas atividades ligadas a esse segmento. “A gente não pode encarar o setor cultural como um todo da mesma forma que encara uma obra pública para a construção de uma ponte.

A arte lida com outro campo de pensa-mento e mexe com alma das pessoas. A forma de mensuração de resultados e de cobrança disso também tem que ser diferente”, conclui.

QUESTÃO DE VIDA OU MORTE

Após a conquista, é hora de redirecionar a luta com rumo a outro projeto de lei atualmente em tramitação que pode tornar as cooperativas ainda mais competitivas na cidade de São Paulo.

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INTERSECÇÃO/MURRO#09

POR/AMAURY CACCIACARRO FILHO

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EM 2006, quando comecei a pensar em re-alizar um festival de dança contemporânea em São Paulo com a coreógrafa Adriana Gre-chi, nos perguntamos: por que uma cidade como São Paulo não possui em sua agenda cultural um festival de dança? Qual seria o formato desse festival se são tantas as for-mas de dança em uma cidade como São Pau-lo? Talvez o ideal, como disseram Fabiana Dultra Britto e Marcelo Evelin na primeira edição do Festival em 2008, fosse propor um formato intimista e experimental reconhe-cendo o nosso real interesse, preservando a relação do público com os trabalhos e fu-gindo da ideia do “megaevento” com apelo ao “espetacular” que tenta abarcar diversas formas de dança.

TRAZER AO BRASIL A DANÇA QUE SE FAZ MUNDO AFORA

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A programação do FCD não pode ser resumida a um tema. Nós procuramos uma multiplicidade de trabalhos, normalmente bastante diferentes entre si, mas que nas suas diferentes propostas lidam com reflexão e crítica

Não foi uma tarefa fácil pensar em um formato inicial, aliás, não é até hoje, mes-mo porque é difícil pensar em um festival sem questionarmos qual é o papel que uma mostra deve assumir nos dias de hoje. Já sa-bíamos os modelos que não gostaríamos de reproduzir: não nos interessava produzir um festival em “formato vitrine” e que apresen-tasse os trabalhos como se fossem “produtos a serem consumidos pelo público”, também não interessava apresentar o que “está na moda” ou “a novidade do momento”, tam-pouco trazer somente artistas reconhecidos, a propósito, não fazemos uma distinção mui-to clara na programação entre o novo e o que já está consolidado.

Pensamos o FCD – Festival Contem-porâneo de Dança de São Paulo como um espaço de encontros, que promova uma programação representativa e diversificada, de trabalhos com linguagens próprias em dança contemporânea, e que reúna artistas que questionam formas de representação e propõem outras percepções e maneiras de olhar o mundo.

A programação do FCD não pode ser re-sumida a um tema. Nós procuramos uma multiplicidade de trabalhos, normalmente bastante diferentes entre si, mas que nas suas diferentes propostas lidam com reflexão e crítica. São trabalhos produzidos por artistas em ambientes variados (Berlim, Marrakesh ou Votorantim), com estruturas de produção, trajetórias e gerações diferentes.

Interessam-nos trabalhos que tenham potência nos corpos, resultantes de um tipo de pensamento e prática que afetem as pes-soas, como o dos portugueses Sofia Dias e Vítor Roriz apresentado quatro noites con-secutivas na Galeria Olido em 2013, a que muitas pessoas assistiram mais de uma vez. O que procuramos fazer é criar uma relação de continuidade e imersão, possibilitando ao público um mergulho nos interesses e

práticas dos artistas que se apresentam. Os artistas que participam do FCD retor-

nam às edições seguintes possibilitando ao público o acompanhamento da sua produ-ção. Em 2009, o coreógrafo Taoufiq Izeddiou trouxe seu solo no formato de work in pro-gress, em 2011 retornou com seu grupo. Em 2010, a artista madrilenha Paz Rojo apresen-tou uma colaboração com o coreógrafo pau-lista Cristian Duarte, retornaram em 2011, com seus trabalhos solos. O artista búlgaro Ivo Dimchev, que veio pela primeira vez ao Brasil para o FCD em 2013, retornará na edi-ção de 2014 com dois trabalhos e uma oficina.

De 2008 a 2013, já realizamos mais de uma centena de apresentações de artistas e grupos de diversas regiões do Brasil, América Latina, América do Norte, África e Europa.

Além das apresentações de trabalhos na-cionais e internacionais, o FCD realiza uma rede de ações de formação e difusão, como as oficinas direcionadas a estudantes e profis-sionais de dança ministradas pelos artistas que participam da programação do Festi-val; os encontros abertos, em que os artistas apresentam ao público sua trajetória, pro-cesso criativo e modos de produção em dan-ça em seus países; palestras, como as realiza-das em 2011 pelo filósofo Luiz Fuganti sobre sua teoria “Corpo Sem Órgãos” e “Corpo Mí-dia” pela pesquisadora Rosa Hercoles; o pro-jeto 7x7, coordenado pela coreógrafa Sheila Ribeiro no qual jovens artistas convidados escrevem sobre o trabalho dos artistas que se apresentam no Festival e têm suas maté-rias publicadas; o projeto Teorema realizado com a curadoria da crítica e pesquisadora em dança Fabiana Dultra Britto como parte da programação do FCD nas edições de 2008, 2009 e 2010; e o projeto P.A.R. de Residên-cias Artísticas orientado pela pesquisadora Rosa Hercoles em 2011.

Em 2013, o FCD reviu seu formato, pro-curou ampliar o tempo de apresentação dos

trabalhos para curtas temporadas de quinta a domingo. Para 2014, pretendemos, pela primeira vez, descentralizar o Festival, tra-dicionalmente apresentado somente em tea-tros situados na região central de São Paulo, e levá-lo também para espaços situados em regiões mais afastadas do centro, como o Centro Cultural da Cidade Tiradentes.

Hoje, o FCD possui um público cativo e já é reconhecido internacionalmente como o festival brasileiro voltado à experimentação e ao diálogo entre artistas de diversos países, criando assim um grande interesse por parte dos artistas em participar da programação.

No entanto, apesar de completar em 2014 a VII edição anual e do reconhecimen-to e apoio de diversas instituições interna-cionais, do ponto de vista dos apoiadores no Brasil o prognóstico não é otimista, muito pelo contrário: trabalhamos hoje com 50% dos recursos que dispúnhamos três anos atrás, e o futuro tem se mostrado cada vez mais incerto.

Com poucos recursos disponíveis, mas com o reconhecimento do público e da clas-se artística, o FCD permanece fiel à sua pro-posta de reunir artistas que incorporam a crítica e a reflexão em suas práticas. Artistas que questionam modelos estanques de exis-tências, testam dramaturgias, desajustam padrões de representação, escancaram a potência de seus corpos e, sem “espetacula-rização”, compartilham suas incertezas com o público.

Amaury Cacciacarro Filho é gestor de projetos

culturais, diretor geral do Festival Contemporâneo

de Dança de São Paulo, diretor da Fractal Produção

Cultural e do Estúdio Nave de dança contemporânea.

www.festivalcontemporaneodedanca.com

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A ESCOLHA carrega a carga da disputa

e esta, por sua vez, instala o cenário para

movimentos de sobrevivência.

A coreografia da exclusão tem, quase

sempre, em seu ponto de exaustão,

o conflito, seja esse de caráter local,

continental ou mundial.

As grandes guerras foram basicamente

movimentos de exclusão e inclusão de

fronteiras, onde o vencedor demonstrava

sua capacidade superior no aniquilamento

de corpos do adversário.

Nesta edição procuramos, a partir destes

temas, construir estruturas gestuais que

dessem indícios dessas ações.

Amanda e Verônica Santos ocuparam,

disputaram e demarcaram um pequeno

espaço para garantir suas existências...

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OUTRA MARGEM/MURRO#09

POR/HÉLVIO TAMOIO

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Fishing boat on the beach at Scheveningen, 1889 / Jacob Maris

O QUE FOI, O QUE É, SEM NUNCA TER SIDO

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Ao desvendar os cenários arquitetados por seus dirigentes, não temos respostas mínimas porque, na real e de viés, não foram elaboradas nem mesmo as perguntas. E nesse rito improdutivo vão sendo trocadas as placas, mas, não se avaria a conjuntura estrutural da nau encalhada.

A FUNDAÇÃO NACIONAL DE ARTES, parida em 1975 no ventre de mais um golpe na nossa frágil democracia, teve como pre-missa contemplar interesses da política co-ronelista que impera na nossa permanente velha república. Como outros órgãos gover-namentais, a iniciativa do general na Presi-dência foi uma resposta e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de apresentar ao setor artístico cultural o projeto de abertura que culminou com a Anistia.

No primeiro tempo, a fundação se desta-cou pela garimpagem de artistas e manifes-tações abrigadas fora dos eixos paulistano e carioca. Projetos como Pixinguinha abriram palcos, salas e ruas para artistas sem trânsito nos chamados grandes centros do país. Foi bonito. Mas, não demorou e a arcaica “gabi-netagem” passou a abrigar os amigos da lei e da ordem. E a caminhada na Funarte não foi diferente do itinerário de outros centros cul-turais voltados para uma arte conectada com os interesses da minoria privilegiada.

Com 15 anos, sem ter atingido a maiorida-de gestacional, foi confiscada, com as demais representações públicas da arte, para dar re-presentação simbólica ao projeto napoleônico de Fernando Collor e seu Instituto Brasileiro de Arte e Cultura (IBAC), vinculado a uma Se-cretaria de Cultura da Presidência. Foi brisa e logo voltou a ser a Funarte do Ministério.

Com a volta ao cotidiano político institu-cional, as “mineiridades” de Itamar Franco, o intelectualismo transformador do mara-nhense/carioca Ferreira Gullar passaram a ocupar o gabinete do quinto andar do edi-fício Capanema. E ali passaram a cozinhar ideários que desse forma a tudo como era antes. Afinal, a Funarte deveria manter-se intacta, impávida e, regionalmente, carioca.

Retomada a assim chamada eleição ma-joritária nacional num mundo “diluviado”

pela globalização, FHC escolhe o também so-ciólogo Francisco Weffort para Ministro, que indica o escritor cineasta amazonense/cario-ca Márcio de Souza para a fundação. Os seus dois mandatos ficaram marcados pelas séries de livros de debates entre aqueles que compu-nham o que eles entendiam como intelectua-lidade brasileira. Afinal, vivíamos o tal pensa-mento único e a sua cultura de mercado.

Consentida a mudança numa Carta ao Povo Brasileiro e nela o desenvolvimento da arte e da cultura como a imaginação a servi-ço do Brasil, Lula escolhe o compositor can-tor Gilberto Gil para o MinC e, no bojo das composições partidárias rumo à governabili-dade, o ator mineiro/carioca Antônio Grassi assume a Funarte embalado pelas mobiliza-ções dos setores culturais dos mais distantes cantos do país. Apesar do sombreamento or-çamentário e a frágil sintonia conceitual en-tre ministério e sua mais visível autarquia, o foco foi a possibilidade de um plano nacional de Cultura que, de certa maneira, garantiu a caminhada na primeira gestão operária.

No entanto, e logo nas primeiras pas-sadas do segundo tempo de Lula, o que era sólido desmanchou na prática, e o ator pau-lista Celso Frateschi foi chamado para o diá-logo. Quem sabe, a vivência cultural petista na prefeitura paulistana com as gestões de Luiza Erundina e Marta Suplicy, articuladas aos movimentos artísticos mais aguerridos, poderia dar sustentação pragmática ao ide-ário no do-in antropológico. Novos desen-contros e o também ator paulista Sergio Mamberti, já integrado à equipe, segurou a bola até o apito final.

Eleita a continuidade para mais um mes-mo mandato, a primeira presidenta escolheu para a pasta da Cultura a ministra e cantora paulista/carioca Ana de Hollanda e com ela a retomada de Grassi na fundação. Trombadas

e desacertos de Ana deram a chegada para Marta e Grassi ficou e desapegou. Escolhido pelo antecessor assumiu a presidência o ator diretor mato-grossense/carioca Guti Fraga que logo na portaria ouviu do deputado Jean Wyllys na Comissão de Educação e Cultura da Câmara Federal: “maravilhoso que che-gue com essa vontade e potência, mas, em alguns meses descobrirá o que é real e de viés nas relações entre os poderes”.

Em suma, na prática das não prioridades do Estado e mesmo a relação interna cotidia-na entre Ministério da Cultura e Funarte, em suas disputas de orçamentos que não atingem sequer um por cento do bolo federal, só pode-mos detectar que a pauta da arte e da Cultu-ra nunca esteve mesmo nas gavetas daqueles que estabelecem as tais políticas públicas. E no caso específico da Funarte, não temos como contradizer aqueles que ilustraram a fundação como um navio fantasma ancorado na rua Araújo Porto Alegre no centro carioca.

Nessa rima de desalentos e enganos, as proposições vão se atropelando e abarrotan-do dilemas pífios, que não possibilitam se-quer apontamentos para o começo de um de-bate sobre a relação e o papel do Estado com a produção artística. E ao desvendar os ce-nários arquitetados por seus dirigentes, não temos respostas mínimas porque, na real e de viés, não foram elaboradas nem mesmo as perguntas. E nesse rito improdutivo vão sendo trocadas as placas, mas, não se avaria a conjuntura estrutural da nau encalhada.

Hélvio Tamoio é produtor e apresentador do

programa Paracatuzum.

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BIBLIOTECA/MURRO#09

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A autora escreve sobre assuntos acadêmicos nas páginas ímpares, e nas páginas pares está contido seu diário de criação. São três capítulos teóricos: o primeiro oferece revisões necessárias frente ao pensamento de Rudolf Laban, questionando-se especialmente seu conceito de harmonia; o segundo reflete sobre obras coreográficas que se desdobram para o espectador: o terceiro descreve como a autora organiza temporal e espacialmente suas peças a partir da repetição, influenciada pela psicanálise e alguns autores pós-estruturalistas.

No final dos anos 80, surgem em Fortaleza duas manifestações musicais: O punk e o Hip hop. Seu surgimento se deu no contexto da expansão desta “culturas” pelo mundo, sendo difundidas pelos meios de comunicação de massa e também por uma teia de comunicação alternativa e própria. As trajetórias desses movimentos são apresentadas em suas diversas fases, revelando os processos complexos de suas constituições e das novas formas de manifestação cultural contemporânea, onde o político, o estético e o ético se fundem na construção de novas realidades.

Este livro é um testemunho pessoal e raro acerca de Ernesto Che Guevara, um dos ícones do século XX, com o qual Flávio Tavares conviveu durante treze dias, na Conferência Interamericana de 1961, em Punta del Este.

Romance policial ambientado no ano de 1985. Um crime tenebroso no Centro de São Paulo unindo, num mesmo caso, uma atriz pornô e um Policial Civil; Mário de Andrade e Jânio Quadros; uma crise conjugal e um crime indecifrável; Michel Temer e os Menudos; a Boca do Lixo e o Horário Político; a Viúva Porcina e Franco Montoro; o Centro de São Paulo e um corpo esquartejado; Fernando Henrique Cardoso e o Notícias Populares; a Praça de Sé e a Galeria do Rock; Chico Picadinho e Tancredo Neves; a Nova República e o Cinema da Boca. Tempero essencial nessa mistura são os poemas de Mário de Andrade que o autor desconstrói, semeando-os por todo o romance e no texto de cada capítulo.

DANÇA, FRENTE E VERSOJULIANA MORAESNVERSOS

SUTIL DIFERENÇA - O Movimento Punk e o Movimento Hip Hop em FortalezaFRANCISCO JOSÉ GOMES DAMASCENOUECE

MEUS 13 DIAS COM CHE GUEVARAFLÁVIO TAVARESL&PM

GOTA DE SANGUEFÁBIO BRAZILDIGITEXTO

DANÇA NAS LETRAS IX

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EPÍLOGO/MURRO#09 POR/GUILHERMEKRAMER

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E NO BALANÇO DAS HORAS...O avanço de dois passos seguido

do retrocesso de um. E assim vamos.

ADRIANO DIOGOEstado extrapolado,

deitado em berço esplêndido.

MARIA DUSCHENESA alma que habita um corpo.

Um corpo com marcas infinitas.

IVONICE SATIEFazer arte de sol a sol.

Assim foi Ivonice Satie.

FUNARTEA entidade em forma de entidade.

Invisível.

AMAURY CACCIACARRO FILHOUm Brasil além fronteiras.

O mundo cabe aqui.

GAL OPPIDOFronteiras movediças

do corpo e da alma,

em territórios nômades.

HÉLVIO TAMOIOO que foi, o que é,

sem nunca ter sido.

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