REVO NA GUERRA DAS MALVINAS...FOTO 1 – A-4 Skyhawk da Armada Argentina preparando-se para decolar....
Transcript of REVO NA GUERRA DAS MALVINAS...FOTO 1 – A-4 Skyhawk da Armada Argentina preparando-se para decolar....
VELHOGENERAL.COM.BR REVONAGUERRADASMALVINAS 1
04/12/2019 | VELHOGENERAL.COM.BR | CATEGORIAS: ARGENTINA, GUERRA DAS MALVINAS, GUERRA FRIA, REINO UNIDO
REVO NA GUERRA DAS MALVINAS PorRenatoHenriqueMarçaldeOliveira*
SuperÉtendard3-A-211da2°EscuadrillaAeronavaldeCazayAtaqueemoperaçãodereabastecimentoaéreo(Foto:MartinOtero/Airliners.net)
Em2de abril de 1982, emmeio a uma grave crise política, a JuntaMilitarquegovernavaaArgentinadecidiucolocaremaçãoumplanode invasão das Ilhas Malvinas/Falklands. Como a Inglaterra tinhanegociado a cessão das ilhas à Argentina num passado recente, o
generalLeopoldoGaltieri, presidenteargentino, calculouqueosbritânicosnãofariamnadaalémde“espernear”diplomaticamentejuntoàONU,equeempoucotempoocasoseriaesquecido.
Entretanto, como apontado no “Relatório Rattenbach” (disponível na área dedownloadsdoBlogVelhoGeneral),oembaixadorargentinonaInglaterra,CarlosOrtiz deRozas, “ficou no escuro” em relação às açõesmilitares e diplomáticasargentinas;osbritânicosmontaramumacontraofensivamuitorapidamenteeosargentinosforampegosdesurpresa.
Os britânicos reconquistaram as ilhas num espaço de tempo bastante curto emuito de sua vitória deveu-se a erros argentinos, seja no planejamento ou naexecuçãodaconquistadasilhas.
Nesteartigovamostratardeumpontoquefoicrucialparaaderrotaargentina,aautonomiadasaeronavesusadasporambososladosnoconflito.Se,porumlado,osbritânicos foramcapazesde executar commaestria, uma série complexadeREVO (Reabastecimento em Voo) na Operação Black Buck, os argentinosnegligenciaram totalmente este princípio da guerra moderna, e os velozes
2 REVONAGUERRADASMALVINAS VELHOGENERAL.COM.BR
Mirage e Dagger da FAA (FuerzaAéreaArgentina, Força Aérea Argentina) nãoestavam equipados com sondas REVO. Apenas duas aeronaves KC-130H da 1ªBrigadaAérea, baseadaemComodoroRivadavia, podiam fornecer combustívelemvoo,esomenteasaeronavesSkyhawkeSuperÉtendard(estespertencentesàArmadaArgentina)estavamequipadascomsondasdereabastecimento.
Naprática,oNAe(NavioAeródromo,“porta-aviões”)argentinoARAVeinticincodeMayopoucoounadafez,portantoelenãoseráobjetodesteartigo.
TampoucovamosnosalongarsobreaOperaçãoBlackBuck,poisoProf.LuizReisjá escreveu sobre este assunto em seu artigo “Levar a guerra omais distantepossível:asOperaçõesBlackBuck”,oqualrecomendamosaleitura.
A GEOGRAFIA É UM IN IMIGO INVENCÍVEL OarquipélagodasFalklands,maisconhecidasnaArgentinacomoIlhasMalvinas,é compostoporduas ilhasprincipais, IslaGranMalvina (FalklandOcidental) eIsla Soledad (Falkland Oriental) e centenas de outras ilhas menores, entre asquais se destaca a Isla Borbón (Pebble Island para os ingleses). Além dasMalvinas,aArgentinainvadiutambémasilhasGeorgiadoSuleSandwichdoSul.
MAPA1–Stanleyestáem1,PraderadelGansoem7eIslaBorbónem11(Air&SpacePowerJournal,vol.16,issue3,p59-77).
O arquipélago fica a uma distância considerável do continente; sua cidadeprincipal, Stanley (PuertoArgentino), abrigaomaior aeródromodas ilhas e selocaliza na Isla Soledad. Havia aeródromos menores com pistas de grama emPraderadelGanso(GooseGreenparaosbritânicos,tambémnaIslaSoledad)ena
VELHOGENERAL.COM.BR REVONAGUERRADASMALVINAS 3
IslaBorbón,masapenasaeronaveslevesahélicecomooIA-58PucaráeoT-34Mentorpodiamoperaremtaispistas.
TABELA1–DistânciasaproximadasdasbasesargentinasatéStanley
EmboraaArgentinatenhafalhadoaonãoampliaroaeródromodeStanleyparapermitir que suas aeronaves operassemapartir das ilhas (o que efetivamenteresolveriaoproblemadaautonomia),vamosfocarnaquestãoestratégicadenãocontarcomboacapacidadeREVO,econtrastarestalacunacomasmissõesBlackBuck e o próprio ataque argentino ao HMS Sheffield (veja “O afundamento doHMSSheffield”,deautoriadeAlbertCaballéMarimón.
Estafalhaargentinanaverdadetemumaexplicaçãobastantesimples,exploradapeloProf.LuizReisnoartigo“AturbulentahistóriadoIAINesher-Dagger-Finger:ocavalodebatalhadasguerrasdoYomKippuredasMalvinas”–aArgentinasepreparava, hámuitos anos, para um conflito com o Chile. Citando o artigo doProf.Luiz:
“Em 1978 a aeronave foi usada para formar uma nova unidade, a 6ªBrigadaAérea;estaunidadefoiimediatamenteformadaeestruturadacomo apoio da 8ªBrigadaAérea (que operava oDassaultMirage IIIEA) e daForçaAéreadoPeru,quejáeraumusuárioexperimentadodoMirage5.AurgênciadaimplantaçãoinicialfoiconsequênciadoconflitodoBeagle,umadisputa territorial e crise diplomática entre aArgentina e o vizinhoChileduranteaqueleano”.
ComooChileéumpaísestreito,osargentinosnãosentiramnecessidadedeseequiparcomREVO.TalomissãoseriacrucialnaGuerradasMalvinas.
A IMPORTÂNCIA DA AUTONOMIA NA GUERRA MODERNA Já na SegundaGuerraMundial, durante a Batalha da Inglaterra, ficou bastanteclaroqueaautonomiadasaeronavesdecombateeraessencial.UmdosfatoresquecomplicaramaAlemanhaem1940eraofatodeseuscaçasteremautonomiamuito reduzida sobre a zona de combate, apenas 5-10 minutos em algunscasos.Comtãopouco temposobreaáreadeoperação,ospilotospodiam fazerpoucomaisqueumaouduaspassagensdeataqueevoltaràbase.
Comos jatosa situação ficavaaindamais complicadaseacionassemoPC (PósCombustor)emcombate,poiseleaumentadrasticamenteoconsumo.Ospilotosamericanos no Vietnã teriam ficado em maus lençóis se não fosse pela
4 REVONAGUERRADASMALVINAS VELHOGENERAL.COM.BR
maturidade do REVO; a guerra no sudeste asiático foi a primeira campanhamilitaremlargaescalaemqueoREVOfoiusadointensivamente.
Entretanto, apesar de a Guerra do Vietnã ter acontecido vários anos antes dainvasãodasMalvinas,osargentinosnãotinhamabsorvidoestaimportantelição.Apenas dois aviões-tanque KC-130H da FAA podiam transferir combustível, esomenteasaeronavesSkyhawkeSuperÉtendardpodiamreceber combustívelemvoo.
FOTO1–A-4SkyhawkdaArmadaArgentinapreparando-separadecolar.Note-seasondadereabastecimento(Foto:TheNottingham-MalvinasGroup)
Geralmenteseaplicaolimitede4:1emtermosdeaeronavesreabastecidasporavião-tanque,oquesignificaque,namelhordashipóteses,osdoisKC-130HnãopoderiamreabastecermaisdoqueoitoSkyhawkouSuperÉtendard.
A FAA não se apressou em adaptar seus C-130 Hercules para missões REVO,alteração esta que não é demasiadamente cara, demorada ou complexa. Casotivesse feito isso, teria um total de doze KC-130 para transferir combustível asuasaeronaves.
OutroerrodaFAAfoinãodotarseusMirageeDaggercomsondasREVO,coisaque outros países já faziam à época, e que tampouco envolveria dificuldadesintransponíveis.
Devidoaestasomissões,osmesmos5-10minutosdeautonomiasobreazonadecombate que atrapalharam os alemães em 1940 também assombraram osargentinosem1982;emalgunscasosaautonomiaeradeapenas2minutos.
AsituaçãosecomplicouaindamaisquandoosHarrierbritânicoscomeçaramarealizar CAP (Combat Air Patrol, Patrulha Aérea de Combate), colocando osargentinos “entrea cruze a espada”: eles tinhamqueoptarentreenfrentaroscaçasbritânicos,maiságeisecomautonomiadeatéumahora(comooperavam
VELHOGENERAL.COM.BR REVONAGUERRADASMALVINAS 5
de distânciasmuitomais curtas vindos dos porta-aviões eles podiamvoar pormuitomaistempo),correndooriscode ficaremsemcombustível,ou fugirsemcompletarsuasmissões.
Embora os pilotos argentinos demonstrassem grande perícia, a questão daautonomiacomplicavabastanteasoperaçõesdosDaggereMirage.OsSkyhawkeSuperÉtendard,quandoreabastecidos,tinhammaistranquilidadeparaoperarenãoésurpresaquetenhamsidomuitomaiseficazesemcombate,especialmenteosSuperÉtendardcomosmísseisExocet.
Para complicarmais ainda a situação argentina, a RoyalNavy posicionou seusnaviosa lestedasIlhas,oqueobrigavaasaeronavesargentinasavoarem100-200kmamais,colocandoasaeronavesnolimiteextremodoalcance.
Citando o artigo “AirWar in theFalklands”, de Carl A. Posey, publicado noAirSpaceMagazinedesetembrode2002:
“OREVOdavaaosSkyhawkmaisflexibilidadequeosDaggers.‘PorcausadoREVO’, Rinke continua, ‘podíamos voar em baixa altitude a 70milhas doalvo,depoisde10a15milhas,10a20minutos,de30a60pés.Osúltimos5minutos até o alvo eram a altitudes extremamente baixas, 10 a 30 pés.Voávamosàmáximapotênciamasaaeronavechegavanomáximoa450,480 nós a baixa altitude. Sabíamos que tínhamos uma probabilidade devoltaràbasedecercade50%’”.
O SUCESSO DA OPERAÇÃO BLACK BUCK Em contraste, os ingleses executaram com bastante sucesso as operações debombardeio aéreo envolvendo as maiores distâncias até aquele momento,usando uma complexa rede de REVO. A disponibilidade de quatorze aviões-tanqueVictorpermitiuaexecuçãodeumasériedereabastecimentos,conformeexplanadopeloProf.LuizReisemseuartigo.
Como resultado, osbritânicos conseguiramrealizar comsucesso cincoataquescontraalvossituadosamaisdedozemilquilômetrosdedistância,enquantoosargentinostinhamdificuldadesematacaralvosadistânciasmuitomenores.
Aoutravantagemdecontarcomumaboaautonomiaéqueoutrasopçõestáticase estratégicas se tornam disponíveis, forçando o inimigo a se preparar contraelas,aindaquenuncasejamexecutadas.
FoiexatamenteoqueaconteceucomaoperaçãoBlackBuck–comoosinglesesdemonstraramteralcancemaisquesuficienteparaatacarBuenosAires,aFAAfoiobrigadaadeslocarcaçasparaadefesadacapital,complicandoaindamaisasoperaçõesaéreassobreasilhas.
O ataque aBuenosAires acabounão acontecendo,mas seus efeitos se fizeramsentir.
6 REVONAGUERRADASMALVINAS VELHOGENERAL.COM.BR
DIAGRAMA1–SequênciadereabastecimentosdasmissõesBlackBuck(artigodoProf.LuizReis)
O AFUNDAMENTO DO SHEFF IELD E OUTROS ATAQUES À ROYAL NAVY OartigosobreoHMSSheffieldébastantecompleto,portantovamosnoslimitaraalgunscomentáriossobreosataques.
Conforme o Prof. Luiz Reis descreve no artigo “O Dassault Super Étendard: oterrordoconflitonoAtlânticoSul(edeoutrasguerras)”,oSuperÉtendardtinhauma sonda REVO, e esta sonda foi essencial naquela que foi a melhor açãoargentinadaGuerra,oataqueaoHMSSheffield.
VELHOGENERAL.COM.BR REVONAGUERRADASMALVINAS 7
MAPA2–PercursodosSuperÉtendardnoataqueaoHMSSheffieldem4demaiode1982(Adaptadodolivro“ExocetFalklands:TheUntoldStoryofSpecialForcesOperations”)
ComopodemosconstatarnoartigosobreoataqueaoSheffield,osargentinosorealizaramàdistânciadeaproximadamente1.500km(idaevolta),noqual foiprecisoumREVO.Ouseja,semREVOnãoteriasidopossívelatacaroSheffield.
Nasdemaismissõesdeataque,oprincipalvetorfoioA-4Skyhawk.Otemordosingleses,umataquemaciçodosargentinos,acaboupornãoseconcretizardevidoàbaixacapacidadedeREVO.
CONCLUSÃO E L IÇÕES PARA O BRASIL Este artigo mostra o quanto o REVO é importante para as forças aéreasmodernas, e como a negligência deste fundamento foi mais um fator quecomplicouatentativadeconquistadasMalvinaspelosargentinos.
OBrasilficoumuitoatentoaestaguerraeseapressouacompraraviõestanquenosanosseguintes.ForamadquiridosquatrounidadesdoKC-137(umaversãodo KC-135), aposentados após três décadas de bons serviços, e três KC-130H,queserãosubstituídospeloKC-390Millenniumembreve.
Outro ponto essencial foi que, nos programas de modernização a partir daGuerradasMalvinas,aFABequipoutodasassuasaeronavestáticasa jatocomsondasdereabastecimentoemvoo,omesmoacontecendocomosSkyhawkdaMarinhadoBrasil.Com isso,nossos caçaspodemser reabastecidosporoutrosaviões-tanqueouporoutrasaeronavestáticasusandoosistema“buddy”.
8 REVONAGUERRADASMALVINAS VELHOGENERAL.COM.BR
FOTO2–KC-130HdaFABreabastecendodoiscaçasF-5EMsimultaneamente(Foto:FAB/DomínioPúblico)
Paraofuturo,adquirimosduasaeronavesKC-767e27KC-390Millennium,dasquais uma de cada tipo já foram entregues.Mais importante ainda, os KC-390também podem ser reabastecidos em voo, a exemplo dos Victor da RAF nasmissões Black Buck, garantindo assim grande autonomia àquele que será oesteiodanossaaviaçãodetransporte.
FOTO3–SkyhawkdoEsquadrãoVF-1daMarinhadoBrasilabastecendocaçaF-5daFABemsistema“buddy”(Foto:FAB/MajRomanelli)
VELHOGENERAL.COM.BR REVONAGUERRADASMALVINAS 9
Aliás, um ponto merece destaque especial – todos os Millennium adquiridosterãocapacidadedetransferirerecebercombustívelviaREVO,daíadesignaçãoKC-390,comoKsignificandoavião-tanque.
FOTO4–KC-390MillenniumemoperaçãodereabastecimentoaéreocomdoisF-5daFAB(Foto:Twitter/FAB)
Nosso futuro caça F-39 Gripen também contará com sonda REVO, conformeexplanadopeloProf.LuizReisnoartigo“OGripennaForçaAéreaBrasileira”.
FOTO5–MaqueteemtamanhorealdoSaabGripenNGcomoEixoMonumentaleoCongressoNacional,emBrasília,aofundo.Observe-seasondaREVOsobreatomadadeardireita(Foto:G4ng3r/Wikimedia
Commons/CCBY-SA4.0)
10 REVONAGUERRADASMALVINAS VELHOGENERAL.COM.BR
AGRADECIMENTOS Nossos especiais agradecimentos ao Prof. Luiz Reis pelas colaborações emrelaçãoaocontextodaépoca.
REFERÊNCIAS • CarlA.Posey,“AirWarintheFalklands”,Air&SpaceMagazine,setembrode2002,disponívelemhttps://www.airspacemag.com/military-aviation/air-war-in-the-falklands-32214512/
• DavidFairhall,“24arekilledasArgentinejetsinflictdoubleblowinfleet”,TheGuardian,27demaiode1982,disponívelemhttps://www.theguardian.com/world/1982/may/27/argentina.military
• IanCobain,“Revealed:catalogueoffailingsthatsankFalklandswarshipHMSSheffield”,TheGuardian,15deoutubrode2017,disponívelemhttps://www.theguardian.com/uk-news/2017/oct/15/revealed-full-story-behind-sinking-of-falklands-warship-hms-sheffield
• CarloKopp,“WarshipVulnerability”,AirPowerAustralia,julhode2005,disponívelemhttps://www.ausairpower.net/Warship-Hits.html
• AirandSpacePowerJournal,Outonode2002,Vol.XVI,Nº3,disponívelemhttps://www.airuniversity.af.edu/Portals/10/ASPJ/journals/Volume-16_Issue-1-4/Fall02.pdf
• Wikipedia,“FalklandsWar”,atualizadoem24denovembrode2019,disponívelemhttps://en.wikipedia.org/wiki/Falklands_War
*Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobregases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade,escreveprincipalmentesobrearmasleves,aviaçãomilitareasIDF(ForçasdeDefesadeIsrael).