Revolução Francesa

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Texto sobre a Revolução Francesa analisando todas as fases do processo desde as origens até o momento de ascensão de Napoleão

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Na segunda metade do século XVIII, oabsolutismo monárquico ainda reinava soberano em quase toda a Europa.

Com exceção da Inglaterra e Holanda, os outros paí-ses do continente europeu ainda ostentavam o poderdas monarquias absolutas. A França era a estrela maisbrilhante desta constelação. A monarquia francesa noséculo XVIII ainda era exemplo de ostentação, luxo epoder, continuando a história que havia começado noreinado de Luís XIV — o Rei Sol. Mas exatamente naFrança, onde mais brilhava o absolutismo, os revolu-cionários levantaram barricadas, levando à guilhotinao rei e parte de sua corte real. O que teria acontecidode tão diferente no reinado de Luís XVI? Como expli-car tal fenômeno?

Com efeito, a França era um dos países maisdesenvolvidos da Europa, porém sua população eramarcada por uma profunda disparidade. Dos 25 mi-lhões de habitantes, 90% vivia nas áreas rurais e, piorainda, submetidos a uma rígida estrutura econômica esocial onde persistiam nas terras da nobreza, inúmerosprivilégios herdados do feudalismo.

Os camponeses eram obrigados ao pagamentodo censo — inusitada taxa que sugava metade das co-lheitas, e banalidades — tributo pela utilização de pon-tes, moinhos etc. A utilização da terra nos padrões ca-pitalistas, era uma exceção restrita ao nordeste da Fran-ça. Na região a burguesia implantara uma estruturamais dinâmica interligada ao comércio das grandes ci-dades. No restante a produtividade agrícola era medí-ocre em comparação com os padrões atuais. Não ha-via estímulo à produção e os métodos de cultivo eramprimitivos, bem inferiores aos da agricultura inglesa.

“Os mercados de Paris são sujos, repulsivos —um caos. Todas as mercadorias são amontoadas ao aca-so; os poucos depósitos não são suficientes para pro-teger os alimentos do ataque do tempo. Os arredoresdos mercados são impraticáveis. Os espaços são míni-mos, estreitos. As carruagens quase esmagam as pes-soas enquanto estão tratando com os camponeses; osriachos sempre cheios, às vezes levam a mercadoriaque eles trouxeram da roça. Peixes do mar podem servistos boiando em poças de lama”. 1

“Brevemente as nações esclarecidas colocarão em julgamento aquelesque têm até aqui governado os seus destinos. Os reis fugirão para os

desertos, para a companhia dos animais selvagens que a eles se assemelham;e a natureza recuperará seus direitos”.

Saint-Just. Sur la Constitution de la France

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“Resumindo: na agricultura francesa do finaldo século XVIII, os antigos hábitos feudais e medie-vais ainda dominavam, sob as formas mais grosseirase bárbaras possíveis. O proprietário das terras afer-rava-se com uma obstinação invencível, à rotina deseus antepassados, nas suas relações com os campo-neses. Arruinando o camponês com uma exploraçãosem peias, que o reduzia à miséria, o senhor feudaldestruía, assim, os fundamentos da sua própriaexistência e os da economia do país inteiro,que permanecia, como acabamos de ver, umpaís agrícola. Isto, porém era o que menospreocupava o senhor feudal. Ele vivia diapor dia procurando satisfazer às suas ne-cessidades cada vez maiores, e idealizandonovos métodos de arrancar mais lucros docamponês.” 2

A produção manufatureira era vigia-da de perto pela monarquia absoluta. As ma-nufaturas francesas representavam em 1785,a metade dos produtos exportados pelo país.Contudo, o desenvolvimento era desigual econcentrado em Paris; cidade mais populo-sa da França, com 500 mil habitantesenquanto as outras cidades não atingiam acifra de 100 mil habitantes. Mesmo desenvolven-do-se a produção de maquinário têxtil e a vapor, oincipiente mercado impedia a recuperação do atrasofrancês em relação à Inglaterra.

De outro lado, as exportações de móveis, reló-gios, baixelas, louças etc drenavam recursos para oscofres do Estado, mas as rigorosas imposições reais eo regime corporativo impediam que as manufaturaspudessem crescer livremente. Os altos impostos e ta-xas e os rigores do absolutismo retiravam pesadas so-mas de capital da burguesia, detentora das manufatu-ras. Procurando escapar desse bloqueio, muitos bur-

gueses investiam na compra de terras, diversifi-cando o capital. A aquisição das terras dava à

burguesia o “status” de nobreza togada, per-mitindo algumas regalias na corte e um certoprestígio junto ao rei.

A nobreza tradicional era uma cas-ta fechada e desligada da atividade mer-cantil, sob pena de se “desclassificar”. Vi-via da renda e das pensões do Estado, eraisenta de impostos, desfrutava vários be-nefícios e estava bem próxima do rei. Todoo aparelho administrativo e político doEstado estava nas mãos da nobreza. En-tretanto, não bastava ser nobre para par-ticipar do governo; mais do que tudo, erapreciso ser aristocrata, condição adquiri-

da no nascimento. Em termos políticos, acondição de nobreza togada obtida pela

burguesia era o que se chama de “canoa furada”, poisnão lhe dava acesso aos cargos políticos e administra-tivos.

“O alarido nasruas é tão alto que umapessoa, para se fazer ou-vir, deve berrar ao máxi-mo; a torre de babel nãopropiciaria um espetácu-lo de maior confusão. Há25 anos, construiu-se umdepósito para a farinhamas é muito pequeno.Seria perfeito para umacidade de terceira cate-goria, enquanto é insufi-ciente para os enormesgastos da capital: os sa-

Vista daPraça LuísXV. Ao lado, opalácio doLouvre.Quadro de1788

“Com efeito, o rei e sua administração estavam marginalizadospela pobreza em um reino que a elevação contínua de preços, oaumento da massa monetária e o desenvolvimento industrial e

comercial tinham enriquecido: enriquecimento sem dúvida seletivo,que favoreceu principalmente os beneficiários da renda imobiliária,os produtores e comerciantes, e evitava cuidosamente assalariadose pequenos camponeses cujo nível de vida baixara. Mas o próprio

Estado não tirara proveito dessa prosperidade que não recaía sobreo tesouro”.

Chaussinand Nogaret

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cos de farinha estão expostos às intempéries; e nãocompreendo qual mesquinhez possa inspirar os cons-trutores modernos para impedi-los de edificar algode grande”. 3

Incapaz de se modernizar, o absolutismo fran-cês tinha um sistema de governo confuso e complica-do. As províncias haviam conservado muito doparticularismo feudal. A cobrança do fisco exigia umamultidão de funcionários reais, custando ao governoum valor maior do que o total arrecadado. Em 1780, amonarquia francesa era um gigante abalado, poucolembrando a época de Luís XIV.

“Apesar de fraco e pusilânime, Luís XVI gosta-va de proclamar que só a sua vontade é que ditava asleis, e que era o monarca “por direito divino”. Duran-te o seu reinado, vigorou na França o mais completodespotismo. As temíveis cartas de prisão, que aterrori-zavam a população, mandavam para as masmorrascentenas de pessoas em todas as regiões do país.” 4

A burocracia e a inércia, em 1780, estrangulavama corte de Luís XVI. Indiferente aos problemas o reigastava o que tinha e o que não tinha para gastar.Repetiam-se as festas, os bailes e as comemorações noPalácio de Versalhes, reunindo centenas de nobres, bis-pos e cortesãos. Apesar da incompetência, Luís XVIgovernava com poder ilimitado, sendo bajulado pelacorte parasita conivente com o luxo e ostentação, obti-dos com impostos exorbitantes cobrados da populaçãoexcluída da corte.

A fracassada política externa amargava a derro-ta francesa na Guerra dos Sete Anos (1756-1763), quan-do o país perdeu quase todas as colônias da Américado Norte. Ao final do conflito a monarquia contraiuoutras dívidas agravando o déficit do governo. O ambi-ente político na Europa não era propício a novas alian-ças: a Inglaterra dominava os mares e provinha o “equi-líbrio europeu”.

A Prússia aliara-se à Rússia e à Áustria, paraliquidação da Polônia, aliada tradicional dos franceses.

Os turcos recuavam pouco apouco na Europa, à mercê daRússia, que desejava herdar a re-gião balcânica. Os reinositalianos estavam também àmercê dos interesses austríacos,e não queriam conversa com osfranceses.

Contrastando com o luxoda corte, 99% da população for-mava o chamado Terceiro Esta-do — conjunto heterogêneo dediversos segmentos da socieda-de.

Vista de Parisem ilustraçãode 1788 de L.N.Lespinasse

“O rei exercia sempre umautocrático e ilimitado poder; aele competia decidir, em últimainstância, todos os negócios do

país, internos e externos; ele no-meava e demitia ministros e funci-onários, fazia e anulava leis, punia

e perdoava”.

A vida éagradável nestacidade, aomenos para osque podem - esão em menornúmero - paraaproveitar osespetáculos nasTulheries, comomostra agravura ao lado.

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A burguesia ao longo da Idade Moderna, haviaobtido grandes fortunas. Estava porém, afastada dacorte e pressionada por uma série de limitações e bar-reiras. É certo que os burgueses viam o povo com des-confiança, mas sabiam também que seria impossível oaumento do mercado interno, sem uma recomposiçãodo poder aquisitivo das camadas mais baixas. Além domais, a explosão da bomba revolucionária, pressupu-nha a aliança com o povo. Apesar das diferenças declasse, o agravamento das tensões sociais e a criseeconômica traçaram um objetivo comum para os inte-grantes do Terceiro Estado: derrubar a ordem absolu-tista.

A pobreza gritante da população mais humildegerou a Guerra Camponesa de 1636-1637, a Revolta dosEncamisados de 1702-1705 e a Guerra das Farinhas de1735. Apesar da amplitude, essas rebeliões caracteriza-vam-se pela ausência de um projeto político que pro-porcionasse aos camponeses grandes conquistas po-líticas.

Em contrapartida, a elite burguesa discutia avi-damente as idéias iluministas, como o evangelho dosnovos tempos. Os outros segmentos —artesãos e ope-rários — não possuíam organização e consistência en-quanto classe. Participariam como força motriz da re-volução, a partir de violentas ações nas ruas.

“Tudo conspira para que o momento atual setorne crítico na França: a todo momento chegam dasprovíncias notícias de rebeliões, desordens e a neces-sidade de recorrer às tropas para manter a paz (...).Os preços que menciono são os mesmos que encon-trei em Amiens e Abbeville: 5 soldos e libra e um pão

branco e 3,5 soldos ou 4 pelo pão inferior, que écomido pelos pobres; estes preços ultrapassam osseus recursos, provocando uma grande miséria. (...)No dia do mercado assisti à venda do trigo (...) Umgrupo de soldados ficara no meio da praça, paraimpedir qualquer violência. O povo discutia com ospadeiros, argumentando que o preço que pagavampelo pão era muito alto em relação ao preço do tri-go; das injúrias passou-se à agressão e, neste tu-multo, alguns levaram pão e trigo sem pagar nada;

isto se deu quando cheguei a Nangia, e também emmuitos outros mercados.” 5

O agravamento da crise econômica abriu a portada Revolução, piorando com as péssimas colheitas de1787-1788 e a desastrosa participação francesa naGuerra de Independência dos EUA (1786), arromban-do as finanças do reino. Com os cofres vazios e umadívida externa brutal, Luís XVI resolveu tardiamente,reformar a estrutura financeira do país.

AS REFORMAS FRUSTRADASAS REFORMAS FRUSTRADASAS REFORMAS FRUSTRADASAS REFORMAS FRUSTRADASAS REFORMAS FRUSTRADAS

Como “salvador da pátria”, foi nomeado Turgotpara o cargo de ministro das finanças. Economistaliberal de origem burguesa, fez um estudo minuciosodas condições da economia francesa chegando às se-guintes conclusões.

• Início de nova política tributária, sus-pendendo as isenções e privilégios concedi-dos à nobreza e ao clero.

• Diminuir a intervenção do Estado naeconomia, incentivando medidas menos or-todoxas.

• Suspensão das pensões aos nobres daCorte.

Mas quando começar aRevolução?

O Tempo da História

1785

MONARQUIAFRANCESA EM

CRISE

1788

CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLÉIA DOS

NOTÁVEIS

REUNIÃO DOS ESTADOS

GERAIS

QUEDADA

BASTILHA

DECLARAÇÃODOS DIREITOS

DO HOMEME DO CIDADÃO

Na gravura, umaalegoria daopressão aoTerceiro Estado,por parte dasduas classesprivilegiadas.

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As medidas de Turgot atingiam especialmentea aristocracia, que prontamente reagiu à implantaçãodas reformas. A tensão provocada gerou a demissãodo ministro, em maio de 1776. Demitido, Turgot disseao rei: “Não esqueçais, senhor, que foi a fraqueza deCarlos I que colocou a sua cabeça sobre o tronco”.

Em seguida Luís XVI convocou Necker. O novoministro endossou as medidas de Turgot, acrescen-tando a cobrança dos impostos diretamente pelo go-verno. Necker publicou o orçamento do Estado de 1776,criando propositadamente um escândalo, ondeevidenciava as pensões e os gastos exagerados daCorte. Pressionado pelos nobres, Necker, se demitiuem maio de 1781.

No mesmo ano, Calonne assumiu o cargo deministro, alegando como bom aristocrata que: “O go-verno precisa salvar as aparências, não dando a im-pressão que está em crise, portando, nada de reduziras despesas da Corte.” Para tanto, fez empréstimosimprodutivos, agravando mais ainda a situação. En-tretanto, a seca de 1785 fez Calonne recorrer ao expe-diente das reformas consultando a “Assembléia dosNotáveis”, em fevereiro de 1787. Como era de se espe-rar, os nobres não concordaram com as mudanças. Iso-lado e sem apoio, mais um ministro foi demitido emmaio de 1787.

Diante da recusa dos nobres sobrou a Luís XVIa opção de convocar os Estados Gerais, assembléiaque não era convocada desde o século XVI. O critériode votação indicava um voto para cada estado, apro-ximando nobreza e clero na defesa de seus interesses,provavelmente derrotando o Terceiro Estado. Porémo que os nobres não percebiam, é que a situação mina-va os pilares de sustentação do Estado Absolutista.

Apesar da intensidade da crise, Luís XVI ten-tou emplacar um esquema nefasto de empréstimo coma Inglaterra, sem discuti-lo com os nobres. Em represá-lia, a nobreza publicou um manifesto contra o rei, em

maio de 1788, com grande repercussão em todo o país.Enquanto isso, o país explodia em agitações clamandopor reformas. Cada vez mais apavorado, o rei convocouos Estados Gerais emagosto de 1788, aomesmo tempo quechamava Necker devolta ao Ministériodas Finanças.

O SO SO SO SO SESTADOSESTADOSESTADOSESTADOSESTADOSGERAISGERAISGERAISGERAISGERAIS

Após a esco-lha dos representan-tes, em maio de 1789,finalmente começaramas discussões nos Estados Gerais. Eram 611representantes do Terceiro Estado, 306 do Clero e 282da Nobreza. Note que os representantes do clero e no-breza totalizavam 588 deputados contra 611 do TerceiroEstado. Durante as eleições, as paróquias e vilas elabo-raram as famosas cartas de súplicas, que serviram debase na assembléia. Como era de se esperar, Luís XVIfez um pronunciamento patético na abertura da assem-bléia.

Negava qualquer possibilidade de elaborar umaConstituição e recusava à igualdade perante a lei. Indi-ferente aos problemas, o rei não podia imaginar o queaconteceria logo depois!

No dia 10 de julho de 1789, as três ordens inicia-ram os debates, no local denominado “Hotel MenusPlaisirs”. O início da sessão mobilizou o povo da Fran-ça que esperava ansioso o desfecho dos acontecimen-

O ócio e o vício

“Ao meio-dia o pessoal se encontra noquadrante do Palais Royal. Alguns ociosos, relógiona mão, colocam os ponteiros em onze e sessentaminutos, e disso contam vantagem durante todo odia. No caveau outros desocupados agitamociosas e literárias questões, mil vezes debatidas edas quais a tímida geração dos nossos jovensautores não parece querer ainda sair”.

Se vocês querem ver belos quadros, visitema galeria do Palais Royal; se quiserem ver lindas egraciosas mulheres com as roupas mais elegantes e modernas, coloquem-se napassagem da grande escadaria; se querem saborear bons sorvetes; vão ao caveau; masse querem ouvir novidades picantes, é inútil perguntar aos livreiros do lugar. É nocoutevilleque no domingo se junta uma multidão que dedica esse dia às bebedeiras eàquela forma de libertinagem que nas classes superiores é chamada galanteria”. 6

A situaçãoparecia não teroutro caminhosenão aconvocação dosEstados Gerais:estes são de fatoconvocados emagosto de 1788. Nagravura, o anúncioda convocação.

COLOQUE ESSEQUADROAPENAS SEHOUVER ESPAÇO.

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tos. Na impossibilidade de um acordodecidiu-se pela votação das reformas.Foi nesse momento que a burguesia es-tragou a festa da aristocracia aceitandoapenas a votação individual. Na conta-bilidade mais pessimista, tinham maioriaem relação aos outros Estados. A nobrezae clero rejeitaram a proposta, impedindoentão a votação.

“O que é o terceiroestado?

Tudo. O que tem sido atéagoraNa ordem política? Nada.O que pretende ser?Alguma coisa.

Abade sieyès. Abade francês.

A situação empurrou o Terceiro Estado para a“guerra”, quando os burgueses começaram a Assem-bléia Nacional, no dia 7 de junho. A decisão foi tomadacom a adesão de vários representantes do baixo clero,que concordavam com a linha de ação burguesa. Quan-do Luís XVI mandou fechar o “Hotel Menus Plaisirs”,os rebeldes reagiram celebrando um pacto, onde pro-metiam permanecer em assembléia até a elaboração da

Constituição do povo da França.Quando o Marquês de Brézé,

líder do Primeiro Estado, exigiu queos líderes burgueses desfizessem aAssembléia, Mirabeau, um doslíderes do Terceiro Estado,respondeu: “Ide dizer àqueles quevos enviaram que estamos aqui pelavontade do povo e que só sairemosdaqui a poder de baionetas”.

Ao enfrentar o rei, a burgue-sia gerou uma grande reviravoltanos acontecimentos. Na prática, o reiperdeu o poder político, e foiobrigado a aceitar a incômoda

Assembléia Nacional. Nos seus primeiros passos, aRevolução se deparou com as tropas reais em frente àAssembléia, com o objetivo de encerrá-la.Diante daameaça, a Revolução ganhou as ruas. A 13 de julhosob liderança burguesa, organizaram-se as milícias deParis.

Em 14 de julho, o delírio: o povoatacou a fortaleza da Bastilha, símbolo da opressão e arbítrio. Bailly

assumiu a chefia do Comitê Permanente e Lafayette ocomando da Guarda Nacional — reunião das milíciascom cerca de 12.000 voluntários.

Logo em seguida Laffayette entregou ao rei, osímbolo da Revolução: uma insígnia com as cores bran-ca, vermelha e azul, representando a união das classes

O início dos EstadosGerais na visão de StephanZwieg:

“As carruagens pararam ante otemplo. O rei, a rainha e a corte apea-ram-se. Ali os esperava um espetáculoinsólito. Os representantes da aristocra-cia, pomposos nos seus mantos de sedaagaloados de ouro, com chapéus de plu-mas brancas altivamente levantadas, jáera para eles familiares em todas as fes-tas e bailes, familiar também o faustodo clero, do vermelho chamejante doscardeais ao roxo dos bispos. Aquelasduas classes, a primeira e a segunda,há um século cercavam fielmente o tro-no, adornando todas as festas. Mas, queseria aquela massa fosca, aqueles ho-mens vestidos com desejada simplici-

dade, todos de negro, onde brilhava apenas a alvura das gravatas, aquela gente que levava um modestotricórnio, os desconhecidos, ainda hoje, anônimos, que se aglomeravam ante a igreja como um só blocoescuro?

Que pensamentos ocultariam os vultos enigmáticos e nunca vistos, em que brilhavam olharescheios de audácia, de altivez e de severidade? O rei e a rainha fixaram os seus adversários que, sentin-do-se fortes pela união, nem se inclinaram, nem prorromperam em aclamações, mas esperavam em virilsilêncio o momento de tomar parte na obra de renovação, com equivalência decidida, ao lado dos pom-posos privilegiados de nomes ilustres. Com seu aspecto austero e impenetrável, pareciam muito maisjuízes que conselheiros obedientes”.

Esse retratopintado por A.Callet mostra o reiLuís XVIresplandecenteem trajes decoroação quefalam dosoitocentos anosininterruptos damonarquia naFrança.

ESSE QUADRO ABAIXO PODE SER RETIRADO SE NÃO HOUVER ESPAÇO

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contra a tirania. Mas nem tudo corria tão bempara os burgueses da Assembléia: no campo, oslavradores assaltavam castelos, queimavam do-cumentos que fixavam a servidão e os direitosfeudais. O aumento das tensões preocupava aburguesia, que se viu na iminência de perder ocontrole e o comando da revolução.

Para conter a fúria camponesa, em 4 deagosto, foram anunciadas novas medidasconstituintes: extinção dos direitos feudais, a aboli-ção do dízimo e o fim das corporações. Foi tambémaprovada a Declaração dos Direitos do Homem e doCidadão.

Considerando a opinião do historiador A.Manfred. “A revolucionária resolução da burgue-sia, que nessa época ainda era uma classe jovem eprogressista, expressou-se nessa Declaração. Ela re-fletia, ao mesmo tempo, com mais clareza e mais vigordo que qualquer outro documento desse tempo, a in-fluência das enormes massas populares, mobilizadaspara a luta contra a feudalidade. A célebre divisa

A Queda daBastilha

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO

1 OS HOMENS NASCEM IGUAIS E LIVRES E ASSIM PERMANECEM QUANTO A SEUS DIREITOS.2 ESSES DIREITOS SÃO: A LIBERDADE, A SEGURANÇA E A RESISTÊNCIA À OPRESSÃO.3 A LIBERDADE CIVIL E POLÍTICA CONSISTE NO PODER DE FAZER O QUE QUER QUE NÃO PREJUDIQUE OS OUTROS.4 NINGUÉM DEVE SER PUNIDO A NÃO SER DE ACORDO COM A LEI PROMULGADA ANTES DA OFENSA.5 UM HOMEM É CONSIDERADO INOCENTE ATÉ SER CONDENADO.6 NINGUÉM DEVE SER PERSEGUIDO POR SUAS OPINIÕES EM QUALQUER CAMPO, DESDE QUE SUA EXPRESSÃO NÃO PERTURBE A ORDEM PÚBLICA ESTABELECIDA PELA LEI.7 A PROPRIEDADE É UM DIREITO SAGRADO E INVIOLÁVEL; NINGUÉM DELA SERÁ DESTITUÍDO SEM PRÉVIA E JUSTA INDENIZAÇÃO.8

“A lei é a expressão da vontadegeral. Ela tem de ser a mesma para

todos, quer seja protegendo, quer sejapunindo. Todos os cidadãos, sendo

iguais aos seus olhos, são igualmenteadmíssiveis a todas as dignidades”.

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“Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, extraída da

Declaração de 1789, repercutiu com o estrépito deum trovão em todos os recantos da Europa. Num sécu-lo em que o regime absolutista e feudal ainda domi-nava todo o continente, esse audacioso manifesto daburguesia revolucionária, proclamando a igualdadejurídica de todos os homens, a liberdade individual eo direito de resistência à opressão, representou umpapel progressista. ” 9

Todavia o caráter progressista da Declaraçãodos Direitos do Homem e do Cidadão era historicamen-te limitado. Proclamado o caráter “inviolável e sagrado”da propriedade privada, seus autores acentuavam a na-tureza burguesa do documento existindo igualdade ape-nas no aspecto jurídico. Analisando atentamente o do-cumento percebe-se que a burguesia advogava em cau-sa própria. Cuidava de preservar e assegurar os inte-resses da sociedade capitalista liberal que acabara de

nascer consagrando, sobretudo, o direito de proprie-dade, verdadeiro alicerce do modelo capitalista.

Ainda assim a Declaração consiste no primeirodocumento de alcance universal da História. Um dosrepresentantes burgueses mais em evidência, Du Port,dizia que “a Declaração deveria servir de modelo paratodos os homens e para todas as nações.” Realmente,não há como negar, a importância histórica desse do-cumento, que norteia inúmeras constituições de paísesdemocráticos.

De outro lado, os sucessivos problemas impe-diam a estabilidade da Revolução. Em primeiro lugar,o rei não aceitava a Revolução. Ironicamente, Luís XVIacordou do “sono político” disposto a articular a con-tra-revolução. A rainha Maria Antonieta, insuflava orei encorajando-o a buscar auxilio nas monarquias vi-zinhas.

Nas ruas, o povo se agitava nas Jornadas deOutubro, literalmente invadindo o Palácio de Versalhes.Em 21 de outubro de 1789, a Assembléia aprovou alei marcial autorizando o ataque à população civil.Marat, no seu jornal, dizia: “Para acorrentar o povoque os amedronta, para se voltar contra ele, paraopor a ele a milícia nacional, os inimigos públicosrecorreram à lei marcial, esta lei sanguinária”.

A situação financeira beirava o caos, afinal aRevolução se deu em meio a grave crise econômica. AAssembléia tentou amenizar o problema, dividindo asprovíncias francesas, objetivando superar os antigosentraves feudais. Foi também aprovada a Constitui-ção Civil do Clero jogando a Igreja no chão. As propri-edades eclesiásticas foram transformadas em bens na-cionais e colocadas à venda. Com essa medida, a As-sembléia procurava o duplo benefício de obter rique-zas e ao mesmo tempo golpear a Igreja Católica, im-portante aliada dos nobres feudais.

Fora do país, sob liderança da Áustria organi-zou-se a ofensiva dos países absolutistas, decididos ainvadir a França. Animado, Luís XVI resolveu jogarmais lenha na fogueira, fugindo com a família real. Oplano visava a fuga para a Áustria e quase deu certo,não fosse a captura da família real na cidade deVarennes, a poucos quilômetros da fronteira austría-ca. Por um triz, o rei não escapou. A frustrada fuga dafamília real exaltou os ânimos do povo, expondo aindefinição da burguesia. em 1792, acabou o reinado

A reunião dosEstados Gerais érealizada no dia 1de maio. Asituação do paísnesse meio-tempo, seagravou: paraisso contribuiuuma crise brevemas de extremaviolência.

“Chegou o tempo de julgaros homens pelo que têm aqui,

sob a a testa, entre assombrancelhas”.

Mirabeau

Para acorrentar o povo que os amedronta, para opor a ele a milícia nacional,

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de Luís XVI quando o povo inflamado pressionou aaprovação da República, inaugurando a etapa maisradical da Revolução.

A REPÚBLICA JACOBINAA REPÚBLICA JACOBINAA REPÚBLICA JACOBINAA REPÚBLICA JACOBINAA REPÚBLICA JACOBINA.....

Após a deposição deLuís XVI se radicalizou adisputa política entregirondinos e jacobinos. Osgirondinos insistiam numaestrutura mais liberal, masperderam para os jacobinosque tinham mais influênciana população mais humilde.Logo após o começo daRepública os jacobinosassumiram o poder comamplo respaldo popular.

Visando conter ospreços, foi decretado omáximum fixando o preço do pão e de outros artigosessenciais, além do congelamento dos salários. A de-cisão radical provocou polêmica desgastando osjacobinos que não conseguiam estabilizar a Revolu-ção como haviam prometido. Segundo Robespierre queliderava os jacobinos, “Não tem a liberdade, essa bên-ção inestimável (...) o direito de sacrificar vidas, for-tunas e até mesmo, por algum tempo, as liberdadesindividuais? Não é a Revolução Francesa uma guer-ra de morte entre os que desejam ser livres e os quepretendem ser escravos: Não há meio-termo; a Fran-ça deve ser totalmente livre ou perecer nessa tentati-va, e qualquer meio é justificado na luta por umacausa tão bela.”

Com base nesses ideais os jacobinos decidi-ram aplicar a pena de morte na guilhotina, aos acusa-dos de conspiração. De forma implacável eliminaramtodos os adversários à direita e à esquerda. Nobres esans-culottes indistintamente perderam a cabeça naguilhotina. Ao todo morreram mais de 20.000 pessoas,marcando o período jacobino como a época do Terror.

Isolados e sem apoio, os jacobinos foram víti-mas do próprio remédio. Depois da condenação deDanton, foi a vez de Robespierre, em julho de 1794,devolvendo à burguesia o poder, quando então, for-mou o governo do Diretório. Desenvolvendo uma po-lítica igualmente implacável, o Diretório esmagou, aomesmo tempo, revoltas da nobreza e dos sans-culottes,dentre elas, a Conjuração dos Iguais, que lutava porigualdade social, antecedendo o comunismo do sécu-lo XIX.

Na verdade, o retorno da burguesia não signi-ficou a estabilidade no poder. Visando a segurança darevolução e tudo o que isso representava, a burguesiaapostou em outra solução. Buscou uma saída que efe-tivasse a revolução com medidas de força que nãofossem antipatizadas pela maioria. Procurando apoionos militares, o Diretório, cada vez mais, dependia doExército; isso abriu caminho para a entrada em cena dovitorioso general Napoleão Bonaparte.

A Revolução Francesa foi descrita comouma série de revoluções concorrentes.Além da revolução da burguesia, houve

uma revolução camponesa autônoma, precipitada pelapobreza crescente, pelo ódio à ordem senhorial e pelascrescentes esperanças despertadas pela convocação dosEstados Gerais. Ocorreu também um terceiro levante,o dos jornaleiros urbanos, assalariados, lojistas bur-gueses menores e artesãos, todos violentamente atin-gidos pela falta de alimentos e pela elevação dos pre-ços. A Revolução Francesa acabou com o predomínioda aristocracia. Eliminados os seus direitos, privilégiose títulos feudais, confiscadas as terras dos emigrados ereduzida a sua influência, os nobres tornaram-se sim-ples cidadãos comuns. A Igreja, tendo perdido seustribunais, assembléias, propriedades e dízimos, já nãoera um Estado dentro do Estado, mas apenas uma co-munidade espiritual.

A burguesia liderou a Revolução e foi sua prin-cipal beneficiária. O princípio da abertura de carreirasaos homens de talento deu-lhes acesso às mais altasposições no Estado. A destruição dos resquícios feu-dais — impostos sobre circulação interna — e dasguildas apressou a expansão de uma economia de mer-cado competitiva.

Dotada de talento, riqueza, ambição e, agora, deoportunidades, a burguesia dominaria o futuro. Em todoo continente europeu as reformas da Revolução Fran-cesa serviram de modelo aos burgueses progressistasque, mais cedo ou mais tarde, desafiaram o AntigoRegime em seus respectivos países.

A Revolução Francesa transformou o Estado

os inimigos públicos recorreram à lei marcial, esta lei sanguinária”.

Na gravura, amassa saqueia oarsenal real a 13de julho. Na manhãseguinte, ocupariao Hotel dosInválidos e depoisa Bastilha.

COLOQUE ESSETEXTOAPENAS SEHOUVER ESPAÇO.

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Rev

olu

ção

Fran

cesa

dinástico do antigo Re-gime no Estado moderno:nacional, liberal, seculare racional. Quando a De-claração dos Direitos doHomem e do Cidadãoafirmou que “a fonte detoda soberania reside es-sencialmente na nação”,o conceito de Estado as-sumiu um significadonovo.

O Estado já nãoera apenas um território

ou federação de províncias; não era apenas a posseprivada de reis que pretendiam ser delegados de Deusna Terra. De acordo com a nova concepção, o Estadopertencia ao povo como um todo, e o indivíduo, antessúdito, era agora cidadão com direitos e deveres, go-vernado por leis que não estabeleciam distinções ba-seadas na descendência. (...)

A Revolução Francesa também deu origem aonacionalismo moderno. Durante seu desenvolvimento,a lealdade era dirigida para toda a nação, e não a umaaldeia ou província, ou à pessoa do rei. Toda a Françase transformou na pátria. Sob os jacobinos, os france-ses se converteram à fé secular, pregando a reverência

total à nação. “Em 1794 não acreditávamos na religiãosobrenatural; nossos sentimentos interiores sérios es-tavam todos resumidos na única idéia, a de ser útil àpátria. Tudo mais (...) era, a nossos olhos, apenas trivi-al. (...) Era a nossa única religião”. Poucos suspeita-vam que a nova religião do nacionalismo estava cheiade perigos. Saint-Just, um jovem e ardente partidáriode Robespierre, parecia ver o nosso século, quandodisse: “Há algo de terrível no amor sagrado à pátria. Éum amor tão exclusivo que sacrifica tudo ao interessepúblico, sem piedade, sem medo, sem respeito peloindivíduo humano”.

Marvin Perry — HISTÓRIA DA CIVILIZA-ÇÃO OCIDENTAL — Martins Fontes Editora, pág.440-443.

1 In. Louis-Sebastian Mercier. Tableau de Pa-ris. 1782. Apud. Invernizzi, Gabriele. A Revolução Fran-cesa. IstoÉ. 1989.

2 In. A Manfred, A Grande Revolução France-sa. Cone Editora. Pág. 11.

3 In. Louis-Sebastian Mercier. 1782-1788. Op.Cit. Pág. 6.

4 In. AManfred. Op. Cit.

Pág. 17.5 In. A.

Y o u n g ;Voyages enFrance, citado

por L. Gouthier eA. Troux, Les

Temps Modernos.pág. 373 Apud. Jobson Arruda. Hist. Moderna e Con-temporânea. Editora Ática.

6 In. Louis-Sebastian Mercier. Op. Cit. 1782-1788.

7 In. Zwieg, Stefan. Maria Antonieta . NovaFronteira Editora. Pág. 87.

8 In. Leite, Miriam Moreira. Iniciação à Histó-ria Social Contemporânea. Terceira Edição. São Paulo,Curtis, 1890, pág. 196.

9 In. A Manfred. Op cit. Pág. 84.10 In. Florenzano, Modesto. As Revoluções

Burguesas. Editora Brasiliense. pág. 48-49.11 In. Florenzano, Modesto. Op. cit. Pág. 63.

Robespierreparticipa comodeputado nareunião dosEstados Gerais,em Versalhes,quando aAssembléia sedeclaraConstituinte(Óleo deCouder.)

O governo jacobino repre-sentava uma aliança de classes

sociais cuja manutenção só podiaexistir em condições excepcionaise com medidas excepcionais, umavez que seus interesses econômi-cos, sociais e políticos não eram,naturalmente, os mesmos, pelocontrário,

Na gravura acimae no destaque, aexecução de LuísXVI