REVOLUÇÃO NA COMIDA - ULisboa · revoluÇÃo na comida a prÓxima geraÇÃo vai substituir os...

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REVOLUÇÃO NA COMIDA A PRÓXIMA GERAÇÃO VAI SUBSTITUIR OS FOGÕES POR IMPRESSORAS 3,D E COMER INSETOS, EMBALAGENS COMESTÍVEIS E ALGAS. A ESCASSEZ DOS RECURSOS NATURAIS E O AUMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL VÃO ALTERAR PARA SEMPRE A ALIMENTAÇÃO

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REVOLUÇÃONA COMIDAA PRÓXIMA GERAÇÃO VAI SUBSTITUIROS FOGÕES POR IMPRESSORAS 3,D E COMER

INSETOS, EMBALAGENS COMESTÍVEIS E ALGAS.

A ESCASSEZ DOS RECURSOS NATURAIS

E O AUMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIALVÃO ALTERAR PARA SEMPRE A ALIMENTAÇÃO

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18Proteínas de insetos,

pizas vindas daimpressora 3De legumes que

também servemde vacina. Assim será

a alimentação do futuro

de acordo com

os cientistas

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ALIMENTAÇÃOVANESSA FIDALGO TEXTOS GETTY IMAGES FOTOS

ame de insetos, legumes genetica-mente modificados, comida 'quen-tinha' da impressora, embalagenscomestíveis e alimentos que serãosimultaneamente vacinas. Assimserá a alimentação do futuro

.E o fu-

turo, ao que parece, estájáaí...As Nações Unidas estimam que em

2050 o Mundo tenha mais 1,6 milmilhões de bocas para alimentarmas, em contrapartida, terá osoceanos esgotados, uma área culti-vável muito menor e não poderácontinuar aproduzir carne ao ritmode hoje, por causa das alterações cli-

~máticas .

É preciso encontrar alter-í nativas e a intervenção da ciência naindústria alimentar será fundamen-

í tal, segundo o alerta da FAO, a Or-i ganizaçào das Nações Unidas para a' Alimentação e a Agricultura.:

"A escassez de recursos vai obri-, gar -nos aprocurar fontes alternati-

I vas de nutrientes. Mas vão coexistirdiferentes realidades: sociedades

¦ com problemas de segurança ali-mentar em que as populações não

têm acesso aos nutrientes básicos

para umanutrição suficiente e sau-dável; e sociedades em que o pro-blema fundamental estará relacio-nado com a segurança e autentici-dade dos alimentos , a satisfação do

consumidor, e não com a escassezde alimentos", garante RosárioBronze, coordenadora da Divisãode Alimentação e Saúde do Insti -

tuto de Biologia Experimental e

Tecnológica (iBET) .

Por outro lado, Fernanda da

Conceição Domingues, docen-te e investigadora na área daciência alimentar e biotecnolo-gia daUniversidade da Beira In-terior, lembra que o aumento dorendimento nos países em des -

envolvimento levará a "um au-mento na procura de dietas ricasem proteínas "

.Num futuro mais

distante, comajá prevista escas- 'sez de água e espaço, "a produ-ção de carne vermelha será in- Jviável e será necessário mudarradicalmente a dieta, ingerindo

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Há quemconsidere aedição genéticao futuro daagricultura

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alimentos altamente processados e

nutricionalmente equilibrados. O

problema será conseguir desenvol-ver produtos processados que se-jam simultaneamente saudáveis e

saborosos" , acrescenta.A biotecnologia alimentar pode aju-

dar: "Através da genética modernapode melhorar características bené -ficas de plantas, animais e microrga -nismosnaproduçãodealimentos, as-sim como melhorar as suas caracte-rísticas nutricionais, organoléticas e

qualidade e frescura. Pode contribuir

para o desenvolvimento de embala-

gens inteligentes, ouseja, que melho-ram a conservação e monitorizaçãoda qualidade dos alimentos "

, prevê.E até criará embalagens comestíveis àbase de cogumelos , algas , leite e pelede tomate que serão os substitutos co -mestíveis dos plásticos, segundo a'National Geographic' .

No Mundo há 150 espécies de ve-getais comestíveis que ainda não fa-zem parte da cadeia alimentar, mas

preparam -se para entrar no pratodo futuro. Para Andreia Figueiredo,investigadora da Faculdade deCiências da Universidade de Lisboa,o passado recente demonstra -o: "Ainovação no conhecimento de no-vos componentes, vias ou novos ali-mentos tem sido notória. Na UniãoEuropeia foram aprovados novosalimentos como os flavonoides daraiz de alcaçuz, novas fontes de vi-tamina K (menaquinona) ou extra -tos de alimentos existentes (óleo dekrillantártico, 'Euphausiasuperba',rico em fosfolípidos) , etc, refletindoos atuais progressos científicos. "

Os cientistas têm também vindo a

investigar ferramentas de "ediçãode genes, comooCrispr-Cas9", quepermitirá mudanças rápidas e pre-cisas no ADN das plantas para criaruma maior variedade de culturas.

Os novosalimentosrefletemo progresso

Através da genética modernavai ser possível melhoraras características nutricionais,organoléticas e a frescuraFERNANDA DA CONCEIÇÃO DOMINGUES, INVESTIGADORA DA ÜBI

A ciênciana vinha

INTERVIR NO SOLO PARACONTROLAR DOENÇASHá multo que a ciência já é aplicadano melhoramento e seleçãodas castas de uvas, masÂndreia

Figueiredo, investigadorada Faculdade de Ciências

da Universidade de Lisboa envolvida

no projeto 'Vinho com Ciência', sabe

que o futuro irá mais longe: "Estamos

a desenvolver um projeto peloInstituto de Biossístemas e Ciências

Integrativas (BiolSI) para determinar

quais são os microrganismos

presentes nos solos da Quinta dos

Murças e se esses microrganismos

podem ser utilizados para melhorar

a capacidade de aporte de nutrientes

pelas plantas, a captação de água

e a sua resistência a patogéneos.Neste momento, sabe-se quea especificidade do microbioma

(conjunto de microrganismos)do solo pode ser correlacionado

com o estado fisiológico da planta

e que poderemos utilizar alguns

microrganismos para controlar

doenças", explica.

A vinha tem sido alvo de váriosestudos em Portugal

NosEUA

]á existe

carne'invitro'

"No futuro, a edição de genes deve

permitir que os agricultores selecio-nem variedades de culturas especí-ficas que resistam a doenças , sejamtolerantes à seca ou a inundações e

que tenham um teor de óleo mais

desejável. Enquanto a adaptação de

plantas a novas condições atravésdo cruzamento natural pode levarcerca de dez anos, com o métodoCrispr, os cientistas podemadaptarplantações em semanas"

, explica adocentedaUßl.

Há quem considere a edição gené-ticaofuturo da agricultura, pois per-mite melhorar a segurança alimentare aumentar o rendimento da produ-ção. "Os investigadores já usam o

Crispr e tecnologias relacionadas emplantas para remodelar profunda-mente as culturas alimentares - edi-ção de trigo para reduzir o glúten,edlçãode sojapara produzir um óleomais saudável, edição de milho paraaumentai' o rendimento, edição debatatas que permitam mais fácil e

longa conservação (e que não liber-tem compostos cancerígenos quan-do cozinhadas) "

, enuncia a cientista.

Cozinhar na impressoraO fogão pode ter os dias contados. Já

existem impressoras a três dimen-sões para criar microestruturas quepermitem personalizar a textura dacomida e a sua capacidade de ser ab -sorvida pelo corpo. "Pretende-seque, um dia, as pessoas possam tercartuchos com a versão em pó devários ingredientes que podemcombinar numa impressora 3D e

cozinhar de acordo com as suas ne-cessidades e preferências" , explicaFernanda Domingues .

O reaproveitamento dos resíduosalimentares vai ser uma realidade."A nível mundial, cerca de um terçodos alimentos produzidos é perdido(resíduos de processamento ou per -danacadeia), correspondendo ai, 3

mil milhões de toneladas /ano de

desperdício que pode ser uma opor -

tunidade para obtenção de novosprodutos de valor acrescentado",

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avisa Fernanda Domingues . E Rosá-rio Bronze concorda: "Os resíduos daindústria alimentar podem ser valo -

rizados numa perspetiva de 'zerowaste', área em que o iBET, maisconcretamente a Divisão de Alimen-tação e Saúde, tem vindo a investi-gar. Essa investigação passa pela oti-mização de métodos de extraçãoamigos do ambiente

, que permitam a

obtenção de produtos de origem na-tural (vegetal ou marinha, entre ou-tras) e sua formulação, com vista à

utilização com diferentes objetivos(incorporaçãoemalimentos, utiliza-ção como suplementos, entre ou-tras) . Entre os projetos em curso noiBET, salienta-se a extração de com-postos para usar como corante natu-ral, que têm ação antimicrobiana, e

compostos que atuam preventiva-mente a nível de patologias relacio-

nadas com as denominadas doençasnão transmissíveis" .

âiOs insetossão nutritivose muitovantajososFERNANDA C. DOMINGUES, ÜBI

Carne da hortaAs proteínas não poderão ser subs-tituídas, mas teremos de mudar asua origem, dada a elevada pegadaecológica da criação de carne tra-dicional.

Aprodução de 'carne artificial' emlaboratório poderá ser uma realida -

de , evitando o abate de animais e re -duzindo as emissões de gases comefeito de estufa. "Acame 'invitro' -obtida apartir da extração de células

es taminais da vaca - tem um sabor e

uma textura semelhantes à carne deanimais, o que facilitará a sua acei-tação pelos consumidores"

, esperaa investigadora da ÜBI

.

Mas haverá outras vias. "Osinse-tos são nutritivos e muito vantajo-

sos: têm um impacto ambiental bai-xo, um elevado teor de proteína e

são fonte de vitaminas (complexo B)e sais minerais (ferro, cálcio e zin-co). Faltaresolver aaceitaçãodapo -

pulação... Oquemeparece mais ra-zoável será alimentar animais comofrangos e peixes com os insetos",admite Fernanda Domingues .

Segurança alimentarQuanto à segurança destametodo -logia, muita coisa ainda está em dis-cussão. "Nos EUA, por exemplo, o

primeiro cogumelo editado geneti-camente e que resiste ao escureci-mento jápode ser cultivado e vendi-do, pois considera- se que os riscossão pequenos. Mas na União Euro-peia ainda se discute se as plantaseditadas geneticamente devem ser

regulamentadas da mesma forma

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que os organismos geneticamentemodificados (OGM) "

.

Os OGM de primeira geração (soja,milho, colza e algodão) desenvolve-ram-se para serem resistentes ainse-tose a pesticidas. Os de segunda gera-ção já correspondem a produtos combenefícios diretos para o consumidor

(arroz ricoempró-vitA, culturas comcomposição em ácidos gordos ouaçúcares alterados). As culturas deOGM são estudadas e testadas até se-rem aprovadas, mas as questões quetêm levantado mais polémica são ouso de genes marcadores que podemaumentar a resistência a antibióticosno homem e nos animais , e de vírus e

bactérias promotores e terminadores,que podem eventualmente recombi-nar -se fora do hospedeiro .

Vamos ter mais dronesa sobrevoar os campose a controlar as culturas, assimcomo robôs a semear e colherFERNANDA DA CONCEIÇÃO DOMINGUES, INVESTIGADORA DA ÜBI

Comida medicamentoSem alterar as suas característicassensoriais, a biotecnologia poderátambém modificar alguns alimentos

para que eles atuem como medica-mentos. " A validação da bioatividade, que envolve desde ensaios 'in vi-tro' até uma fase de ensaios de inter-venção clínica, ensaios 'in vivo',conduzirá ao desenvolvimento de

produtos alimentares cada vez maisorientados para grupos de patologias

associadas ao envelhecimento das

populações. Esta corrente é designa-da por nutrição personalizada. Os as -petos de segurança alimentar vão sermuito importantes para garantir queestes novos produtos não tenhamcontaminantes, como mico toxinasou resíduos de medicamentos" , se-gundo Rosário Bronze , do iBET , ondeesta área já está a ser desenvolvida.

Naperspetiva da alimentação comomedicamento, aideiados OGM será,também, desenvolverprodutos commaior tempo de prateleira, "produ-tos que veiculem compostos precur-sores de nutrientes ou mesmo os nu -

trientes necessários para colmatardeficiências nutricionais das popula-ções. Outro objetivo é servirem deveículo a vacinas para determinados

grupos de populações ", frisa a invés -tigadoradoißET.

O Rosário Bronze, coordenadora

da Divisão de Alimentação e Saúde

do Instituto de Biologia Experimental

e Tecnológica (iBET) O Fernandada Conceição Domingues Docente

e investigadora na área de biotecnologiaalimentardaUßl

Paisagem rural"Vamos ter mais drones a sobre-

voar os campos e a controlar as cul-turas, assim como robôs sem con-dutores a semear e colher os fru-tos", vaticina Fernanda da Con-

ceição Domingues."E previsível o desenvolvimento

de quintas verticais nas grandes ci-

dades, tipo uma fábrica-laborató-rio, num ambiente perfeito, com a

monitorização rigorosa de nutrien-tes, água, luz e temperatura, reali-zada através de computador e comrecurso arobôs. Pode ainda utilizar -- se a água das chuvas e , como estasculturas são produzidas em am-bientes confinados e esterilizados,nem sequer será necessária a utili-zação de pesticidas, além de permi-tir cultivar todas as plantas inde-pendentemente das condições cli-matéricas ou das estações do ano. "

Também será mais desenvolvida a

hidroponia - a terra será substituída

"por uma solução nutritiva, onde as

plantas obtêm os nutrientes atravésde estruturas preparadas especifi-camente para isso. Serão sistemasfechados, autónomos e verticais,com capacidade para 20 a 40 plan-tas, comum tanque de água de 20 li-tros misturado com nutrientes es-senciais para o crescimento biológi-co das plantas e sem que o 'agricul-tor' precise de ter trabalho a mantê-las" . Este tipo de cultura pode serinstalado em escolas, instituições,restaurantes e habitações, o que"fomentará o espirito da agricultu-ra em contexto urbano" , acrescen-ta a investigadora.