REY - Parasitologia - 16

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1 PARASITOLOGIA MÉDICA PARASITOLOGIA MÉDICA 16. ASCARÍASE 16. ASCARÍASE Complemento multimídia dos livros “Parasitologia” e “Bases da Parasitologia Médica”. Para a terminologia, consultar “Dicionário de termos técnicos de Medicina e Saúde”, de Luís Rey Fundação Oswaldo Cruz Instituto Oswaldo Cruz Departamento de Medicina Tropical Rio de Janeiro

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PARASITOLOGIA MÉDICA

PARASITOLOGIA MÉDICA16. ASCARÍASE16. ASCARÍASE

Complemento multimídia dos livros “Parasitologia” e “Bases da Parasitologia Médica”. Para a terminologia, consultar “Dicionário de termos técnicos de

Medicina e Saúde”, de

Luís ReyFundação Oswaldo CruzInstituto Oswaldo Cruz

Departamento de Medicina TropicalRio de Janeiro

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Ascaris lumbricoidesAscaris lumbricoidese ascaríasee ascaríase

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Ascaris lumbricoides

É um helminto nematóide da famíliaAscarididae e o maior parasito habitualdo homem.

Os áscaris são conhecidos, popular-mente, como lombrigas ou bichas.

Localizam-se de preferência noduodeno e no jejuno, onde produzemum quadro clínico variado denominadoascaríase.

São vermes longos, cilíndricos e comextremos afilados, sobretudo anterior-mente.

A extremidade posterior das fêmeasé quase reta, enquanto a dos machos éenrolada ventralmente em espiral.

Ascaris lumbricoides:

A, fêmea; B, macho

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Ascaris lumbricoides

Em geral, há em torno de6 vermes por paciente. Masesse número pode elevar-se a 500 ou 700 em algunscasos.

Na maioria das vezes, ainfecção é leve e clinica-mente benigna.

Mas um único helmintointroduzindo-se, p. ex., noapêndice, nas vias biliaresou pancreáticas, ou em umbrônquio chega a produzirum estado grave e porvezes fatal.

Mais comum, em crianças, é a obstrução intestinal por um bolode áscaris, determinando o quadro de abdome agudo.

Ascaris lumbricoides – Doc. de G. Chaia.

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Morfologia dos AscarisOs áscaris possuem uma cutícula lisa

(a), brilhante, com estrias circulares, decor branco-marfim ou rosada.

Ela se apoia sobre uma camadasincicial (b) - o hipoderma - queapresenta 4 espessamentos ou cordõeslongitudinais (c, e, i).

Nos cordões correm os canaisexcretores (f) e os feixes nervosos (g, j).

O esôfago (k) é cilíndrico e com a luztri-radiada.

Sob a hipoderme há miocélulas longi-tudinais (h), que emitem expansõesdirigidas aos feixes nervosos e, atravésdas quais, chega o estímulo para ascontrações musculares e a movimenta-ção do parasito.

Corte transversal de um áscaris ao nível do esôfago.

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Morfologia dos AscarisA boca (M) fica centrada no

extremo anterior e é cercada por 3lábios grandes, providos de papilassensoriais (flechas). Segue-se umesôfago musculoso e cilíndrico.

O intestino é retilíneo e achatado,abrindo-se no ânus que, nas fêmeas,tem a forma de fenda transversal,próximo da extremidade posterior.

Nas fêmeas, grande parte dacavidade geral (pseudoceloma) éocupada pelos órgãos genitaisduplos, de tipo tubular, enovelados, eformados por ovários, ovidutos,úteros e uma vagina, banhados pelolíquido do pseudo-celoma. Emconjunto, eles medem 1 metro decomprimento total.Extremidade oral do áscaris.

Aí, há milhões de óvulos em desenvolvimento. Uma fêmea produzcerca de 200.000 ovos por dia.

Nos machos, há 1 testículo tubular, longo e enovelado, o canaldeferente e o ejaculador, que se abre na cloaca. Nesta, há 2espículos curvos e iguais, que se movimentam e auxiliam a cópula.

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Fisiologia dos AscarisOs vermes localizam-se, em

geral, nas alças jejunais (90%);o resto no íleo.

Raramente migram para oduodeno, estômago ou outroslugares. Mas, crianças muitoparasitadas podem eliminaralguns pela boca ou pelasnarinas.

Os áscaris mantêm-se ematividade constante, movendo-se quase sempre contra acorrente peristáltica.

Aí, se nutrem de materiaissemi-digeridos ou outros, dis-pondo para isso de todas asenzimas necessárias.

As fêmeas devem ser fecun-dadas várias vezes. Elasacumulam os espermatozóidesamebóides (sem flagelos) noútero ou começo do oviduto,onde são fertilizados os óvulosao passarem.

O ovo, visto em microscopia de varredura.

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Fisiologia dos Ascaris

Os ovos férteis são ovais ou quase esféricos e medem emtorno de 60 x 45 µm (A).

Eles têm uma delgada casca interna, impermeável; outramédia, quitinosa; e a mais externa é albuminosa, espessa e comrugosidades grosseiras.

No solo, embrionam em 2 semanas (entre 20 e 30ºC) e setornam infectantes dentro de outra semana (B). Mas podempermanecer aí infectantes durante um ou mais anos.

Os ovos de áscaris são abundantes no chão do peridomicíliopoluído com fezes humanas, e podem ser suspensos no ar, com apoeira, pela ação dos ventos.

Quando isoladas ou mais numerosas que os machos, asfêmeas podem por ovos inférteis, mais alongados (C), que nãoembrionam.

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A infecção por AscarisOvos de áscaris podem ser

ingeridos com os alimentos ou apartir das mãos sujas. Mas,também, serem aspirados edepois deglutidos com o mucodas vias aéreas.

No cecum do hospedeiro, osovos embrionados são induzidos aeclodir (D) pela ação do CO2 e deoutros fatores, liberando umalarva de 2º estádio.

Esta, que é aeróbia, invade amucosa intestinal e vai pelacirculação até o pulmão, ondechega em 4 ou 5 dias.

Aí, cresce e sofre nova muda,passando a larva de 3º estádioapós 8 ou 9 dias.

As larvas de 3º estádio pene-tram nos alvéolos, onde ocorre a3ª muda.

Medindo agora 1 a 2 mm (E),são arrastadas pela corrente demuco dos bronquíolos e brôn-quios, sobem pela traquéia elaringe, sendo deglutidas comas secreções brônquicas.

Ao chegarem ao intestino, dá-se a 4ª e última muda que astransforma em adultos jovens.

O crescimento continua até amaturidade, ao fim de 2 meses.

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Resistência aos AscarisResistência aos AscarisEm conseqüência, elas

são destruídas principal-mente nos pulmões.

O sistema imunológicoreage, também, intensamen-te, produzindo anticorposcontra os antígenos que sãoliberados durante as mudas.

As larvas de 4º estádio eos adultos são menos anti-gênicos que as anteriores,não concorrendo paraproduzir anticorpos prote-tores como aquelas.

Instalados no intestino, osáscaris têm uma longevidadeestimada em 1 a 2 anos.

Em geral, apenas uma decada seis pessoas parasi-tadas apresenta manifesta-ções clínicas decorrentes doparasitismo.

A razão está no pequenonúmero de áscaris que elascarregam.

A resistência do organis-mo contra esses parasitosfaz-se com a inflamaçãoprovocada pelas larvas de 2ºe de 3º estádios, nos tecidos.

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Resistência aos AscarisResistência aos AscarisNa fase invasiva, as

lesões dependem do númerode larvas, do tecido em quese encontrem e da respostado hospedeiro.

Se as larvas forem poucase não houver hipersensi-bilidade, as reações hepá-ticas serão insignificantes eas pulmonares discretas.

Se forem muitas, haveráfocos hemorrágicos e ne-cróticos no fígado, cominflamação em torno daslarvas aí retidas ou des-truídas.

Nos pulmões ocorrerá asíndrome de Loeffler, comfebre, tosse, alta eosinofiliae quadro radiológico commanchas isoladas ou con-fluentes nos campos pulmo-nares.

Normalmente, esses sin-tomas desaparecem empoucos dias sem deixartraços. Mas, em criançaspequenas e em pessoashipersensíveis, a gravidadepode ser alta.

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SintomatologiaSintomatologiaSintomatologiaSintomatologiaOs áscaris podem per-

manecer nos intestinos semmolestar o paciente, sendodescobertos, ocasionalmen-te, quando um deles forexpulso com as fezes.

Ou pelo encontro de ovos,durante um exame coproscó-pico de rotina.

Nos casos sintomáticos,as manifestações mais fre-qüentes são: desconfortoabdominal, dor epigástrica,cólicas intermitentes e mádigestão; assim como náu-seas, anorexia e emagreci-mento.

Também costuma haverirritabilidade, sono intran-qüilo, ranger de dentes ànoite e coceira no nariz.

Pessoas hipersensíveispodem apresentar quadrosalérgicos, como urticária,edemas e crises de asmaque se curam com anti-helmínticos.

Em populações de baixarenda e crianças desnu-tridas, os parasitos agravamo mau estado nutricional.

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Complicações na fase crônicaComplicações na fase crônicaEspasmos, volvo, intussuscepção (invaginação de um

segmento intestinal em outro), obstrução intestinal por umbolo de áscaris, peritonite etc., são complicações dramá-ticas que podem levar o paciente à morte.

Peça com obstrução intestinal por áscaris

Segundo as es-tatísticas hospi-talares, cerca de45% das obstru-ções por bolo deáscaris ocorremem crianças commenos de 2 anosde idade.

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Localizações ectópicasNão é rara a eliminação de um

áscaris pela boca ou pelo nariz,quando o parasitismo é intenso ouquando os vermes são irritados porcertos alimentos, drogas ou, mesmo,anti-helmínticos.

A capacidade migratória dos áscarisleva-os, por vezes, a penetrar noapêndice (causando apendicite) e nodivertículo de Meckel ou em outrosexistentes.

Penetram nas vias biliares, simulan-do os quadros de colecistite, decolelitíase ou de angiocolite; e nasvias pancreáticas, produzindo pan-creatite aguda, sempre fatal.

Outros quadros obstrutivos gravesocorrem quando, subindo pelo esô-fago, os vermes penetram na laringeou nos brônquios.

Imagem negativa de umáscaris, em estômago contendocontraste radiológico.

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Diagnóstico da ascaríaseOs quadros clínicos não permi-

tem distinguir a ascaríase deoutras helmintíases intestinais

A menos que um verme tenhasido eliminado durante umadefecação ou vomitado, é oexame parasitológico das fezes amelhor forma de se diagnosticaresta helmintíase.

Dada a quantidade de ovoshabitualmente produzida, bastaum simples exame de fezes diluí-das e colocadas entre lâmina elamínula, para que sejam reco-nhecidos ao microscópio (1 a 4).

Se for utilizado o método desedimentação em vaso cônico(método de Lutz), o resultadoaproxima-se de 100% de sensibili-dade.

O número de ovos por grama defezes pode ser calculado pelométodo de Stoll, para estimar-se acarga parasitária do paciente.

Ovos de áscaris vistos ao microscópio:1 e 2, normais; 3 e 4 inférteis (OMS).

Barras negras = 25 µm.

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Tratamento da ascaríaseA – Piperazina, em uso há cerca de 3

décadas, que produz paralisia muscularflácida do helminto e permite sua expulsãopassiva. Recomendada na obstrução intes-tinal por áscaris, associado a um anti-espasmódico enérgico.

B – Pamoato de pirantel é um produtosintético, insolúvel na água e pouco absor-vível, que causa paralisia espástica e semostra eficaz também contra outrosnematóides.

C – Levamisol é um anti-helmíntico delargo espectro, do grupo do mebendazol.

D – Mebendazol, composto pouco solúvel,de largo espectro e mais eficiente quandomicronizado. Cura próxima de 100%.Praticamente sem efeitos colaterais, mascontra-indicado em epilépticos.

E – Flubendazol, do mesmo grupo que omebendazol e também de amplo espectro.

Anti-helmínticos recomendados:

Essas drogas não agem sobre larvas ou adultos fora dos intestinos.

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Ecologia e epidemiologiaA ascaríase está amplamente

disseminada em países tropicaise temperados, estimando-se umaprevalência geral em torno de30%, mas variando muito segundoas regiões. Os óbitos por anoseriam da ordem de 20 mil.

Incide mais em microclimasquentes e úmidos, assim comoonde a higiene e as condições devida são precárias.

No Brasil, sobre 1 milhão deexames feitos pela SUCAM (em1976), 36,7% eram positivos paraáscaris. Na Amazônia eram supe-riores a 60%, mas em Alagoas eSergipe chegavam a 78 e 92%,respectivamente. No sul do país,33% ou menos.

O homem é a única fonte deinfecção, sendo as crianças emidade escolar e pré-escolar asprincipais poluidoras do meio e,também, a população de maisalto risco.

Pelo hábito de defecarem nochão, o peridomicílio mantém-sesempre rico em ovos. No mate-rial de varredura de quintaispodem ser encontrados 100 a250 ovos por grama de terra.

Relação entre aidade e a cargaparasitária, emuma localidadede Rangoon, naTailândia.

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Controle de geo-helmintíasesA ascaríase, como outras

parasitoses intestinais, temsido em geral negligenciadanos países endêmicos, pois:

- afeta populações pobres,pouco informadas e compequeno poder reivindica-tório.

- não se conta aí com acobertura ampla dos serviçosde saúde ou não estão estespreparados para uma políticade saúde preventiva.

- falta pessoal de saúde,em número adequado, sufi-cientemente remunerado edevidamente preparado;

- geralmente, falta tam-bém decisão, nos altosescalões políticos, para en-frentar problemas comple-xos, caros e sem interessepara os gestores da econo-mia de mercado.

O problema costuma solu-cionar-se, como nos atuaispaíses ricos, apenas quandoa população rural chega aatingir os níveis econômicossuficientes para morar bem,adquirir hábitos higiênicos,educar-se e educar seusfilhos.

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Controle de geo-helmintíasesMas, quando se decide

privilegiar educação e saúde,o planejamento para ocontrole das geo-helmintía-ses deve estabelecer objeti-vos claros e as estratégiaspara alcançá-los:

- erradicação das endemi-as?

- apenas o controle parareduzir a mortalidade e amorbidade?

- ou, simplesmente, aten-ção aos grupos de alto riscona população?

Em função das opções:escolher os métodos ade-quados, em cada caso,formar o pessoal necessárioe assegurar os recursosmateriais e financeiros paraum programa que deve serprevisto para longo prazo.

Os conhecimentos neces-sários para o controle des-sas endemias são, atual-mente, mais que suficientespara garantir um sucesso,caso sejam postos seria-mente em prática.

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Controle e educação sanitáriaOs programas de ação contra

essas parasitoses devem ter porobjetivo, inicialmente, apenas ocontrole e, só tardiamente, comono Japão, a erradicação.

O tratamento dos grupos maisafetados inclui, de regra, apenasas crianças em idade escolar.

Por razões logísticas preferem-se os esquemas de tratamentocom dose única e via oral.

A repetição periódica dos tra-tamentos é indispensável, vistopermanecerem no solo, por muitotempo, os ovos infectantes.

Mas, também, por haver nacomunidade geralmente casosnão curados, re-infectados ouimportados de outras áreasendêmicas.

Para consolidar os resultados,é necessário mudar o comporta-mento das populações de modo areduzir a poluição do solo e asre-infecções, em cada domicílio.

Educar as crianças e osadultos que delas cuidam (edevem dar o exemplo) implicaem habituar:

- ao uso constante das instala-ções sanitárias;

- a lavar as mãos após defe-car, antes de comer ou depreparar alimentos; e sempreque sujas de terra;

- lavar as frutas e legumesconsumidos crus; e proteger osalimentos contra as poeiras, osinsetos e outros vetores deinfecção.

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Leituras complementaresACHA, P.N. & SZYFRES, B. – Zoonosis y enfermedades

transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2a

edição. Washington, Organización Panamericana de la Salud, 1997.

COMPTON, D.W.T.; NESHEIM, M. C. & PAWLOWISKI, Z.S. –Ascariasis and its prevention and control. London, Taylor & Francis [406 pp], 1989.

REY, L. – Bases da Parasitologia. 2a edição. Rio de Janeiro, Editora Guanabara, 2002 [380 páginas].

REY, L. – Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde. 2a edição, ilustrada. Rio de Janeiro, Editora Guanabara, 2003 [950 páginas].

REY, L. – Parasitologia. 3a edição. Rio de Janeiro, Editora Guanabara, 2001 [856 páginas].

THIENPONT, D.; ROCHETTE, F. & VANPARIJS, O.F.J. –Diagnosing helminthiasis by coprological examination. Beerse, Belgium, Janssen Research Fondation, 1986.