RH - Mau Comportamento

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75 RH SUPERMERCADO MODERNO FEVEREIRO 2011 Mau comportamento Decisivo na demissão A formação acadêmica incluía curso superior e pós-graduação em uni- versidades conceituadas. Dotado de raciocínio rápido, era campeão em proatividade nas dinâmicas de grupo. Com ótimo português, pos- tura confiante e dicção perfeita, fa- lar em público estava longe de ser um problema. As quali- dades do candidato eram tantas, que a diretora de recur- sos humanos brincou que o gestor havia ganho na loteria. Considerado, de cara, “um líder nato”, o candidato em questão não havia parado muito tempo em nenhuma em- presa, é bem verdade, mas sabia justificar tal fato com a “necessidade de, no passado, adquirir experiência em to- das as vertentes da área que escolheu”. Na estreia no novo trabalho, chegou sem dizer “bom dia” a nenhum colega. “Ansiedade do pri- meiro dia”, pensou o chefe. Veio a primeira reunião, momento em que apresentou boas ideias, mas reagiu de forma ríspida a quase to- dos os questionamentos que recebeu e mostrou total desinteresse em ouvir as sugestões dos outros. Na segunda semana, aproveitava a hora do cafezinho para falar mal de algum colega ausente no momento. Com menos de um mês no empre- go, já tinha a antipatia dos fun- cionários de todas as áreas. Apesar de competente em sua função, criou tantos atritos, que fez despencar a pro- dutividade e os índices de satisfação do restan- Por Fernando Salles | [email protected] | Não adianta ser competente. O profissional que gera atritos entre colegas, mente com frequência, é explosivo, arrogante, passa horas improdutivas na internet costuma fazer estragos no clima das empresas e não é bem-vindo. Conheça os principais problemas comportamentais e saiba como lidar com eles.

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Matéria sobre a influência do comportamento no desempenho profissional. Publicada em fevereiro de 2011 na revista Supermercado Moderno.

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mau comportamentoDecisivo na demissão

A formação acadêmica incluía curso superior e pós-graduação em uni-versidades conceituadas. Dotado de raciocínio rápido, era campeão em proatividade nas dinâmicas de grupo. Com ótimo português, pos-tura confi ante e dicção perfeita, fa-

lar em público estava longe de ser um problema. As quali-dades do candidato eram tantas, que a diretora de recur-sos humanos brincou que o gestor havia ganho na loteria. Considerado, de cara, “um líder nato”, o candidato em questão não havia parado muito tempo em nenhuma em-presa, é bem verdade, mas sabia justifi car tal fato com a “necessidade de, no passado, adquirir experiência em to-das as vertentes da área que escolheu”.

Na estreia no novo trabalho, chegou sem dizer “bom dia” a nenhum colega. “Ansiedade do pri-meiro dia”, pensou o chefe. Veio a primeira reunião, momento em que apresentou boas ideias, mas reagiu de forma ríspida a quase to-dos os questionamentos que recebeu e mostrou total desinteresse em ouvir as sugestões dos outros. Na segunda semana, aproveitava a hora do cafezinho para falar mal de algum colega ausente no momento. Com menos de um mês no empre-go, já tinha a antipatia dos fun-cionários de todas as áreas. Apesar de competente em sua função, criou tantos atritos, que fez despencar a pro-dutividade e os índices de satisfação do restan-

Por Fernando Salles | [email protected] | Não adianta ser competente.

O profissional que gera atritos entre colegas, mente com frequência, é explosivo,

arrogante, passa horas improdutivas na internet

costuma fazer estragos no clima das empresas e não é

bem-vindo. Conheça os principais problemas

comportamentais e saiba como lidar com eles.

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te da equipe. Manteve a conduta mesmo após advertência do ges-tor e da diretora de RH, e termi-nou demitido.

O exemplo é fi ctício, mas re-trata situação comum em muitos ambientes de trabalho. “As com-petências técnicas estão no currí-culo, mas elas não bastam para garantir bom desempenho. A postura comportamental, mais difícil de ser avaliada, também in-fl uencia muito”, explica Meiry Ka-mia, diretora da Human Value, empresa de consultoria, treina-mento e desenvolvimento de pes-soas. Os números dão razão a ela: pesquisa realizada pelo site de em-pregos Curriculum com 417 em-presas mostra que comportamen-to é o principal motivo das demis-sões, com 34,1% de participação.

O índice é superior ao fator que aparece em segundo lugar, o baixo desempenho, com 28,1%.

Para Juliana Saldanha, psicóloga e consultora de RH do Grupo Soma, se antes a capacidade do profi s-sional fazia com que muitas empresas fechassem os olhos para desvios de conduta, hoje é cada vez mais raro que isso aconteça. “Atualmente, há no mercado muita gente boa tecnicamente. O desafi o é ser supe-rior nos quesitos comportamentais”, garante.

MentIrosos reCorrenteseles podem estar procurando um novo emprego

Mentir frequentemente é um exemplo de falha de comportamento que pode tornar inviável a presença de um profi ssional na empresa. Meiry Kamia, da Human Value, explica que desculpas para justifi car atrasos estão entre as mais comuns. Algumas são inofensivas, desde que não se tornem frequentes. No entanto, há também quem minta para justifi car faltas que atrapalham a produtividade e sobrecarre-

gam os colegas de trabalho. Casos em que a des-culpa de um inexistente problema familiar

de saúde é usada, podem ter como moti-vo real um “bico” (outro trabalho) para conseguir dinheiro extra ou mesmo

uma entrevista de emprego em outra empresa. Ambas as situações são geradas, sobretudo, por insatisfa-ções com o trabalho ou com o salá-rio recebido. Sofrem menos com

Competências técnicas não bastam para garantir bom

desempenho. o comportamento

também deve ser analisado

para se evitar problemas.

foNte: Site de eMPreGoS CUrriCULUM.CoM.Br

O Que MOtiVa uMa DeMissÃO

34%Comportamento

28%Baixo desempenho

20%Falta de

alinhamento com valores/objetivos da

empresa

6%Cortes de

custos

6%Metas não

atingidas recorrentemente

1%Meta não

atingida uma só vez

5%Outros

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elas, conforme lem-bra Meiry, empresas com políticas estabe-lecidas de desenvolvi-mento profi ssional, como plano de carrei-ra e estratégia de car-gos e salários que in-clua possibilidade de promoções e de aumento nos ren-dimentos por mérito.

Investir em cursos e treina-mentos é outra forma de reter bons profi ssionais e retardar a busca por oportunidades fora da empresa. Nesse quesito, um bom exemplo vem da rede carioca Pre-zunic. A empresa mantém pro-gramas como o Novo Telecurso, que estimula os colaboradores a retomar os estudos, com apoio de orientadores especiais de apren-dizado, além de material didático.

Ao gestor também cabe o papel de identifi car outras mentiras que

apareçam no dia a dia. Prin-cipalmente porque al-

guém com essa falha de conduta pode

gerar problemas maiores conforme atin-ge níveis hierárquicos mais altos. “É um grande risco ter alguém com esse com-portamento acessando dados confi -denciais da empresa”, exemplifi ca a consultora. Sobre informações confi -denciais, Juliana Saldanha, do Grupo Soma, acrescenta que divulgá-las sem permissão é um dos motivos geradores

de demissão por justa causa nas empresas.

aCoMoDaÇÃo e DesMotIVaÇÃoo profissional precisa ser desafiado a assumir novos projetos

Torcer para não ser lembrado na hora em que sur-gem projetos além das rotinas de trabalho e jamais sugerir algo novo pode ser sintoma de acomodação e desmotivação, dois problemas de comportamen-to que podem surgir isoladamente ou em conjunto. Para a consultora Meiry Kamia, profi ssionais aco-modados são ruins em muitas situações, mas não em todas. A especialista explica que a característica aparece, muitas vezes, em alguém que desempenha muito bem aquilo que se propõe a fazer, mas não tem ambição de galgar posições. Se a empresa tam-bém não tem planos de crescimento para aquele profi ssional – e, claro, precisa dele na função atual – não há razões para preocupação. É o que costuma acontecer em empresas conservadoras, onde pla-

nos de expansão inexistem, ou em cargos estritamente técnicos, por exemplo. Complicado mesmo é quando a empresa está em cresci-mento e conta com estratégia para sucessão de cargos. Nesse caso, o funcionário “estacionado” precisa ser desafi ado a assumir novas responsa-bilidades. Sem uma reação positiva, a demissão costuma ocorrer.

Pior ainda quando a acomodação é gerada por um sentimento de des-motivação com a empresa ou com a função exercida. Sobrecarga de traba-

Mentirosos em altos cargos: lembre que eles

têm acesso a dados

confi denciais

“o gestor deve revelar para o funcionário a conduta que

desaprova e solicitar

mudança”MEIRY KAMIA,

DIRETORA DA HUMAN VALUE

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lho, metas inatingíveis, falta de re-conhecimento e de perspectivas de ascensão estão entre as princi-pais causas. Nesse estágio, o es-tresse ocupacional costuma ser tão alto a ponto de prejudicar a saúde do funcionário. “Quem pas-sa por isso costuma ter dores de cabeça e musculares mais frequen-tes. Dependendo da função, ocor-rem lesões por esforço repetitivo e até acidentes de trabalho”, comen-ta a diretora da Human Value. Sem uma interrupção nesse pro-cesso, o quadro pode evoluir para algo conhecido na área psiquiátri-ca como Síndrome de Burnout, um transtorno gerado pelo exces-so de estafa no trabalho sem perí-

odos suficientes de descanso e cujos efeitos prejudi-cam o desempenho profissional e a vida pessoal.

Para que problemas desse tipo não ocorram, uma boa alternativa – já utilizada em muitas companhias – é montar um programa de qualidade de vida no trabalho (QVT). Com várias possibilidades de im-plantação, o recurso tem o objetivo de orientar os funcionários sobre eventuais riscos à saúde e encora-jar a adoção de um estilo de vida saudável, com ações como boa alimentação e prática de atividades físicas. Uma dica é buscar na sua região empresas de outros segmentos que obtiveram sucesso na imple-mentação de um programa de QVT. Distribuir as tarefas de modo a evitar sobrecargas de trabalho e definir metas ousadas, mas possíveis, são ações que podem partir do gestor. Já para o funcionário, a re-comendação é conversar sobre os seus problemas e, quando preciso, saber dizer “não” ao ser destacado para tarefas adicionais.

Internet para uso pessoalexcesso prejudica produtividade e qualidade do trabalho

Uso abusivo da internet é outro problema recorren-te nas corporações. Os jovens, tão acostumados a utilizar redes sociais como Orkut, Twitter e Face-book e programas de comunicação como MSN, le-vam o costume para o ambiente de trabalho. Em muitas áreas, a utilização desses recursos é necessá-ria para buscar informações relevantes à área de atuação. O problema começa quando o uso para fins pessoais passa a ser exagerado e a prejudicar o desempenho. “Há casos de empresas que, ao moni-torar os acessos, perceberam que alguns funcioná-rios passavam tardes inteiras utilizando a internet para fins pessoais”, conta Meiry Kamia.

A melhor forma de minimizar o problema é esta-belecer regras claras para utilização dessas ferra-mentas. Para isso, algumas empresas adotam como procedimento exigir, no primeiro dia de trabalho, que o funcionário assine um termo comprovando estar ciente das regras. Feito isso, não há como ale-gar desconhecimento. “Há quem não perceba o

Sobrecarga de trabalho, metas inatingíveis, falta de

reconhecimento e de perspectivas de ascensão estão entre as

principais causas da desmotivação

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tempo perdido na internet e se faça de vítima quando questiona-do”, afi rma a consultora. “É im-portante mostrar claramente quais foram os excessos, apontando, por exemplo o dia e o tempo de nave-gação”, recomenda Meiry.

relaÇÃo Interpessoalo inferno nem sempre são os outros

                      Quando o assunto é a relação com chefes e colegas, a lista de com-portamentos que só atrapalham é

das mais extensas. Vai desde situações pontuais, como in-trigas e fofocas ge-radoras de descon-fi ança e atritos, até ocorrências ainda mais problemáticas. Postura arro-gante é uma delas. Às vezes a arro-gância no trabalho é sinal de inse-gurança e medo de que descu-bram as próprias defi ciências. Em

outros casos, ela parte de quem é, comprovadamen-te, muito capaz, mas julga-se acima do bem e do mal, a ponto de menosprezar ideias de terceiros e não aceitar que as suas sejam contestadas.    

Agressivos ao extremo e pessoas incapazes de manter a calma em momentos de pressão também são fi guras fáceis no ambiente corporativo. Juliana Saldanha, consultora de RH do Grupo Soma, avisa que, na medida certa, a postura agressiva pode ser útil para quem trabalha em determinadas áreas, como a comercial, na qual negociações duras fa-zem parte da rotina. Em excesso, porém, prejudica o profi ssional e quem convive com ele. “Trabalhar bem em equipe é cada vez mais necessário, e o mer-cado valoriza quem tem mais traços democráticos do que autoritários”, afi rma a consultora.

os Mal-HuMoraDosPessimismo pode contaminar colegas

Quem não mede a agressividade perde pontos com chefe e colegas, e o mesmo acontece com os mal-humorados de plantão, nos casos em que o pessi-mismo contamina colegas. Mas vale ressaltar que

todos estamos sujeitos a dias dis-tantes do bom humor e isso, co-mumente, passa longe de se tor-nar um problema. “A questão é o impacto gerado na equipe e no negócio. Se for nulo, não há ra-zões para preocupação”, destaca Juliana, que faz questão de desfa-zer o mito de que o ideal é ter na equipe quem enxergue apenas o lado bom das coisas. “Otimismo demais pode ser sinal de falta de senso crítico e de leitura errada da realidade”, comenta.

Com maior ou menor impacto, o fato é que cer-tas atitudes nas relações com colegas costumam surpreender os gestores envolvidos na contratação do profi ssional. Uma forma de minimizar decep-ções é fazer a lição de casa antes de iniciar o proces-

“o saldo entre capacidade técnica e comportamento

defi ne como é um profi ssional”JULIANA SALDANHA, CONSULTORA

DE RH DO GRUPO SOMA

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LGaÇ

ão

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Sm

so de seleção. O primeiro passo, segundo Juliana, é traçar detalha-damente o perfil procurado para a função – técnico e, claro, com-portamental. Por mais urgência que a empresa tenha, o processo deve ser conduzido com calma e envolver várias etapas, como aná-lise de currículos, entrevistas, di-nâmicas de grupo, testes psicoló-gicos e provas situacionais, que simulam rotinas de trabalho com as quais o candidato terá de lidar. Nessas provas sempre é possível identificar posturas que poderão prejudicar a relação do profissio-nal com chefes, colegas e subordi-nados. “Alguns testes avaliam se a

pessoa tem mais traços extrovertidos ou intro-vertidos, o que pode trazer facilidades ou di-ficuldades para o profis-sional no exercício da atividade, dependendo do cargo que for ocu-par”, diz Juliana, com a ressalva de que os testes não são eliminatórios. 

Quando essa ação preventiva não dá resultados, é hora de o ges-tor agir e dar o chamado feedback (retorno sobre o desempenho), conforme orienta Meiry Kamia. Nessa conversa, o gestor deve ter o cuidado de ser objetivo e relem-brar tempo e espaço da ocorrência que o desagradou. Vale dizer, por exemplo: “na reunião da última sexta você reagiu com agressivida-de quando sua colega fez aquele comentário. Esse não é um proce-dimento recomendado, pois nossa

empresa incentiva a troca de informações entre as equipes”. A solução não virá em 100% dos casos, já que depende também da disponibilidade do profis-sional em mudar o comportamento, mas a advertên-cia servirá para deixar claro quais práticas a empresa valoriza e quais comportamentos ela reprova. Aliás, essa é uma tarefa sem data de conclusão. A cada novo funcionário, um novo desafio.

Postura do chefe pode ser ‘convite’ ao mau comportamento

Questionado sobre as características de um bom técnico de futebol, o craque Romário certa vez

disparou: “É aquele que não atrapalha”. Não seria justo afirmar que o mesmo raciocínio define um bom líder, mas é fato que a má liderança influencia a maioria dos desligamentos de funcionários. Pelo menos é nisso que acredita TaTsumi Ebina , sócio da consultoria Muttare. Para ele, muitos líderes se envolvem nas rotinas de trabalho e deixam de gerir a equipe. São pessoas centralizadoras, que resistem a delegar tarefas, inibem a criatividade e a proatividade de funcionários. “Sem espaço, o profissional deixa de ousar, falta com frequência ao trabalho e se mantém na empresa apenas até receber outra proposta”, afirma. “É preciso, portanto, cuidar também das lideranças.”

joão

de

frei

taS

O feedback é um dos recursos

que a empresapode usar para

orientar o funcionário e

corrigir atitudes

M a i s i n f O r M açõ e s :

CurriCuluM: www.curriculum.com.brHuMan Value: www.hvalue.com.br GruPO sOMa: www.gruposoma.netMuttare: www.muttare.com.brPrezuniC: www.prezunic.com.br