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RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta ISSN 2594-6129 (Impresso) ISSN 2594-6137 (Online) Periodicidade: Semestral Editorial Presidente de Honra: Profª. MSc. Edilaine Batista Rodrigues – Faculdade Anchieta do Recife – FAR Editor da Revista: Prof. Dr. Washington Martins – Faculdade Anchieta do Recife – FAR Comitê Editorial Prof. MSc. Alexandre Rodrigues Santos – Universidade Federal do Piauí – UFPI, Brasil Profª. MSc. Ana Cláudia O. da Silva – Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Brasil Profª. Drª. Iáglice Maria Maranhão – Faculdade Anchieta do Recife – FAR, Brasil Profª. Drª. Magna Sales Barreto – Faculdade Anchieta do Recife – FAR, Brasil Profª. Esp. Lisandra Mendonça de Carvalho – Faculdade Anchieta do Recife – FAR, Brasil Prof. MSc. Renato Barros Leite – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do Cabo de Santo Agostinho – FACHUCA, Brasil Prof. MSc. Severino Miguel dos Santos Filho – Faculdade Anchieta do Recife – FAR, Brasil Comitê Científico Prof. Dr. Andrew Grau Arau – Universidad de Barcelona – UB, Espanha Prof. Dr. André Felipe de Albuquerque Fell – Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Brasil Prof. MSc. Daniel Felipe Victor Martins – Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, Brasil Profª. Drª. Isabel Meneses – Universidade do Porto – UP, Portugal Prof. Dr. Ivan Bim Requena – Faculdade Anchieta do Recife – FAR, Brasil Prof. Dr. Ciro Bezerra – Universidade Federal de Alagoas – UFAL, Brasil Prof. Dr. Ramón Alcoberro – Universidad de Girona – UG, Espanha Profª. Drª. Roseane Nascimento da Silva – Secretaria da Educação de Pernambuco e Faculdade Anchieta do Recife – FAR, Brasil Institucional Direção Geral – Prof. Dr. Ivan Bim Requena Direção Acadêmica – Prof. Dr. Washington Martins Leitores de Prova Profª. Esp. Danielle Maria Gardoni Rodrigues Editoração Eletrônica e Diagramação Duílio Matos Everton Vieira Assessoria Técnica Secretaria Acadêmica – Maria Edna Saturnino Porto Secretaria Geral – Sybelle Tavares da Silva Biblioteca – Silvani Bernardo Lucena Ouvidoria Institucional – Prof. Edward José de Melo Comissão Própria de Avaliação (CPA) – Profª. Drª. Iáglice Maranhão Autor Corporativo Faculdade Anchieta do Recife Av. Engenheiro Domingos Ferreira, 2050 – Boa Viagem, Recife – PE – Brasil. CEP 51.111-020. E-mail: [email protected]

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R5454 RIFA — Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta — Vol. 1, n. 1, (ago./dez. 2017)— .[S.1.: s.n.], 2017-

Semestral ISSN: 2594-6129

1. Abordagem do Ciclo de Políticas — Método analítico para políticas educacionais — Periódicos. 2. Tecnologia da informação — História da Técnica — Periódicos. 3. Educação Inclusiva — Currículo — Periódicos. 4. Docente — Formação — Periódicos. 5. Pedagogia dialógica freireana — Periódicos. 6. Avaliação Educacional — Periódicos. 7. Democracia Participativa — Periódicos. I. Faculdade Anchieta do Recife.

CDU (05) 37+65

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RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017

SUMÁRIO

RIFA – REVISTA INTERDISCIPLINAR DA FACULDADE ANCHIETA DO RECIFE

PALAVRAS DA PRESIDÊNCIA...........................................................................................05

Edilaine Batista

PALAVRAS DO DIRETOR GERAL......................................................................................07

Ivan Bim Requena

EDITORIAL.............................................................................................................................09

Washington Martins

ARTIGOS.................................................................................................................................11

A POLICY CYCLE APPROACH OU ABORDAGEM DO CICLO DAS POLÍTICAS E A

PESQUISA EM EDUCAÇÃO: UM MÉTODO ANALÍTICO EM POLÍTICAS

EDUCACIONAIS...................................................................................... ..............................13

Ana Cláudia Oliveira da Silva

MEMÓRIA HISTÓRICA DA TÉCNICA: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E

TRANSFORMAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL OCIDENTAL..................................27

André Felipe de Albuquerque Fell

Daniel Felipe Victor Martins

O CURRÍCULO: O DESAFIO PARA A INCLUSÃO DOS SURDOS..................................41

Daisy Autran

A PROFISSÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DA DOCÊNCIA: DIÁLOGO E

CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES.................................................53

Magna Sales Barreto

Clarissa Martins de Araújo

PERSPECTIVA FREIRIANA SOBRE DIÁLOGO: CONTRIBUIÇÕES PARA A PRÁTICA

AVALIATIVA................................................................................. ........................................69

Roseline Nascimento de Ardiles

Roseane Nascimento da Silva

A DEMOCRACIA INQUIETA. CAMINHOS DE PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA PARA

OS DESCAMINHOS DA SOCIEDADE LIBERAL E REPRESENTATIVA.......................83

Washington Luiz Martins da Silva

DIRETRIZES.........................................................................................................................125

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RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017

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PALAVRAS DA PRESIDÊNCIA

A revista que apresentamos à comunidade acadêmica e científica

brasileira nos proporciona para o ganho de uma intimidade com diversas áreas dos

nossos cursos de graduação e pós-graduação e áreas afins, em consonância às novas

tendências da educação do ensino superior para o século XXI, discutidas desde 1997

em Paris e que teve como produto um Relatório publicado pela UNESCO e, aqui no

Brasil, logo no ano seguinte, pelo Conselho Federal de Educação, no qual consta a

defesa do exercício da interdisciplinaridade em todo terceiro ciclo.

O aparecimento da Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do

Recife – RIFA nos permite requisitar para a Instituição a implantação futura de um

primeiro mestrado como resposta aos esforços de uma busca incessante de uma

qualidade no ensino, na pesquisa e na extensão.

Como gestora da Faculdade Anchieta do Recife nos norteamos em alguns

paradigmas para a gestão da educação tanto pelas vias econômica (eficiência),

pedagógica (eficácia), política (efetividade)e, finalmente, antropológica

(relevância).Tais aspectos sustentam a nossa satisfação em tornar a Instituição rumo

à qualidade. E no caso do primeiro número da nossa revista RIFA, reflete-se nisso,

haja vista porque lançamos também mais uma ferramenta para os nossos alunos em

prol de suas formações e conquistas profissionais.

O que se busca é na verdade a eliminação de qualquer diferença superficial

do conhecimento. Com isso, se está objetivando, de toda forma, minimizar a

exclusão intelectual, na qual pessoas inteligentes e sensíveis, em especial aquelas

que resistem a ideia de um conhecimento plural; que ainda não se convenceram que

será da inclusão que se poderá chegar a uma sociedade que minimize a

desigualdade que ela mesma produz.

A Faculdade Anchieta do Recife honra a sua tradição mais uma vez em

chegar aos leitores de todo campo do conhecimento, uma faceta da atividade de

pesquisa do nosso ethos e do nosso tempo. Sendo uma revista desenvolvida no

nordeste que - embora não possua mecanismos sócio-econômicos tão eficazes para

fazer valer uma divulgação mais abrangente de sua inteligência - ao menos tem uma

determinação de entusiasmo.

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E é no entusiasmo do nosso ambiente acadêmico que parabenizamos os

autores que contribuíram para a feitura desse primeiro número, bem como toda

equipe editorial que materializou esse empreendimento.

Que tenham todos uma boa leitura!

Edilaine Batista Rodrigues

Presidente

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PALAVRAS DO DIRETOR GERAL

Aqui no Brasil, a integração academia/administração é atenuada em

meados dos anos 80 em função das contínuas crises econômicas ocorridas naquele

período, acarretando pouco incremento financeiro nas Instituições, as quais

procuraram por mecanismos empreendedores incorporar recursos extra-

orçamentários para a sua sobrevivência. No dizer de Petter Drucker o objetivo da

administração é levar as pessoas a atuarem juntas, tornarem as suas forças eficientes

e as suas fraquezas irrelevantes como quem quer afirmar que todo educador deve

ser um gestor.

Esse é o nosso papel como dirigente na Faculdade Anchieta do Recife,

buscando solidez no ensino, na pesquisa e na extensão. E a instalação da nossa

Revista Acadêmica de amplitude internacional demonstra esse propósito. A Revista

surge também em bom momento quando a sociedade vem exigindo respostas aos

problemas atuais.

A revista da Faculdade Anchieta do Recife retrata a sua caminhada

institucional primando pela qualidade de seus cursos e com um quadro docente

composto por pesquisadores e com um patamar diferenciador entre as demais de

ensino privado quando metade de deles são mestres e doutores.

A nossa Faculdade inicia uma nova fase de sua vida institucional. Após

mais de duas décadas servindo ao ensino de graduação e pós-graduação, ademais da

extensão universitária, ela já conta desde o início de 2017, se consolidando no

terceiro pilar próprio e uma academia de ensino superior: a pesquisa.

Com um Conselho Científico de dimensão internacional, a revista será o

veículo de divulgação das investigações científicas sem fronteiras. Com aceitação de

textos em três línguas além do português: inglês, francês e espanhol. Uma revista

que sempre terá como constante a busca dos altos padrões de qualidade com a

colaboração, harmonia e boa vontade de todos.

Ivan Bim Requena

Diretor Geral

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EDITORIAL

A tarefa fundamental de uma revista acadêmica não é apenas a de

transmitir um determinado conhecimento, mas aventurá-lo. Esse tipo de missão,

porém, próximo ao niilismo, tem sido pouca vezes destacado, porque ele abrange

uma missão crítica. E essa crítica não como sancionadora das ideias dos outros, mas

como o que ataca o que tem de alarmante nas ideias vigentes sugerindo novas

perspectivas em prol do aprimoramento do homem e da sociedade. A missão da

crítica ao conhecimento deve ser de “incomodar” o estabelecido e lutar contra o

discurso imposto e fechado. Não é lutar contra o que está superado, mas que a

crítica se adapte aos tempos e que saiba para onde dirigir o seu questionamento.

Neste primeiro número a RIFA oferece ao leitor contribuições que falam de

educação, gestão, tecnologia e democracia, a saber:

Questões referentes à prática avaliativa e à prática pedagógica são tratadas

pelas pesquisadoras Roseane Nascimento da Silva e Roseline Nascimento da Silva

em um diálogo numa perspectiva freireana na ótica da contemporaneidade.

A questão do conhecimento é analisada pela professora Ana Claudia

Oliveira da Silva quando discute uma certa epistemologia pedagógica pondo em

confronto com os modelos da ciências as políticas pedagógicas no seio de um

mundo pluralista e pós-estruturalista.

O debate do pessimismo e otimismo tecnológico é refletido pelos

professores André Felipe de Albuquerque Fell e Daniel Felipe Victor Martins

realizando um balanço histórico da técnica nas sociedades tratando finalmente dos

alicerces atuais da tecnologia da informação e da comunicação.

A professora Dayse Autran nos gratifica trazendo à luz do seu pensamento

quanto ao debate da inclusão, destacando a importância de políticas públicas para

uma estruturação definidora de implantação do ensino da Língua dos Surdos.

Num olhar sobre o mundo do trabalho e do emprego , o processo de

construção da profissão docente, é discutido pelas pesquisadoras Magna Barreto e,

quando destacam sobre a diferenciação entre ofício e profissão, justamente quando

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as estatísticas mundiais cada vez mais revelam a primazia de um olhar da educação

como ferramenta da inclusão.

Finalmente, como pesquisador, realizo uma análise sob as democracias

modernas e contemporâneas de forma a mostrar suas deficiências na sociedade

plural e de massas, além de insinuar futuros caminhos para uma convivência mais

justa e menos desigual.

Os textos procuram assim, de forma crítica e original, traduzirem - desde

um olhar científico e social - temas tão oportunos ao nosso tempo, na aurora desse

novo milênio, os quais apontam a vida humana como prioridade a partir da educação

e as suas interfaces sociais. É mais um esforço do Núcleo de Pesquisa da FAR e do

Grupo de Pesquisa A Polissemia da Ação Humana(CNPq) - do qual sou fundador e

líder - de fazerem contribuir com seriedade assuntos que se direcionam para

interpretações que possam ser utilizadas como configuração que permitam implicar

na necessidade de uma forma comum de interação intelectual.

A Faculdade Anchieta do Recife com sua Revista está iniciando mais um

caminho acadêmico de atuação. Esperamos que nossos leitores sejam um estímulo

para outros caminharem conosco a fim de que a academia continue contribuindo no

aperfeiçoamento da nossa realidade.

Washington Martins

Editor

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ARTIGOS

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A POLICY CYCLE APPROACH OU ABORDAGEM DO

CICLO DAS POLÍTICAS E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO:

UM MÉTODO ANALÍTICO EM POLÍTICAS

EDUCACIONAIS

Ana Cláudia Oliveira da Silva

RESUMO: O artigo apresenta as principais contribuições da policy cycle approach

para a análise de políticas educacionais. Apresenta um breve histórico dos métodos

analíticos das políticas e seus principais referenciais teóricos. Demonstra como a

concepção de uma política cíclica passa a se constituir como modelo analítico,

afastando-se das estruturas positivistas e aproximando-se do pós-estruturalismo e do

pluralismo. Dentre os referenciais analíticos pós-estruturalistas, encontram-se os

referenciais teórico-metodológicos da policy cycle approach, ou abordagem do ciclo

das políticas, de Stephen Ball e Richard Bowe. A referida abordagem, que analisa

como um ciclo o processo de formulação e implementação das políticas, no qual são

continuamente recriadas por meios dos contextos, é considerada um método de

pesquisa em políticas educacionais.

Palavras-chave: Pesquisa. Método. Análise de Política Educacional. Abordagem do

Ciclo das Políticas.

ABSTRACT: The article shows an essential input of the cycle policy approach to

analysis of the educational policies. Show a little description of the analytics

methods of the politics and your essentials theories references. Proves how

conceptions of the politics cyclic pass to consoling like a analytic model, apart by

positives structure pushing of the post – structuralism and pluralism. Among the

references analytics poststructuralist, are the methodological theoretical, or cycle

approach to policy, Stephen ball and Richard Bowe. This approach, which looks like

a cycle the formulation and implementation of politics, in which they are

continuously recreated about the context, this is considerate a method of the

research on educational policies.

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Keywords: Research. Method. Educational Policy Analysis. Policy Cycle Approach.

Recebido em: 14/03/2017

Aprovado em: 03/07/2017

Sistema de Avaliação: Double Blind Review

Editor Científico: Washington Luiz Martins da Silva

1. INTRODUÇÃO

Todas as vezes que temos pela frente a tarefa de escrever um texto

acadêmico, seja um artigo ou uma tese, mobilizamos nossas imagens a respeito do

que é ciência e o que é produção de conhecimento científico (MATTOS, 2011).

Assim, podemos refletir acerca das concepções que cercam a produção do

conhecimento, pensando a ciência como um modo de produzir narrativas e de

conceber argumentos.

A construção do conhecimento é um processo dinâmico e incompleto.

Segundo Tartuce (2006), o conhecimento serve tanto de referencial para as

pesquisas qualitativas e quantitativas das relações sociais, como um meio de

descobrir dados próprios das ciências exatas e experimentais. Por conseguinte, “o

conhecimento e o saber são essenciais e existenciais no homem, ocorrem entre todos

os povos, independentemente de raça, crença, porquanto no homem o desejo de

saber é inato” (TARTUCE, 2006, p. 5).

O conhecimento humano é construído, assim, pela relação que se

desenvolve entre quem se propõe a conhecer algo e o aspecto da realidade a ser

conhecido, na qual o primeiro se apropria do segundo. Ou seja, para que a

construção do conhecimento ocorra de fato, é preciso que se constitua uma relação

entre o sujeito e o objeto de conhecimento.

O homem, por natureza, um ser curioso, apodera-se do conhecimento por

meio das sensações que lhe são comunicadas pelos seres e os fenômenos e, partindo

destas, pode elaborar suas representações. Tais representações, por sua vez, não

compõem o objeto real, uma vez que este não depende do conhecimento humano

para existir. Fonseca (2002) adverte que o conhecimento humano se constitui em um

esforço para a resolução das contradições existentes entre as representações do

objeto e sua realidade.

Minayo (2006) ressalta que as religiões, a filosofia, os mitos e a arte

representam poderosos mecanismos de conhecimento que revelam lógicas do

inconsciente coletivo, da vida e do destino dos seres humanos desde a antiguidade.

A ciência ou conhecimento científico não são absolutos de sentido e valor, mas

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apenas uma das formas que o homem explorou para conhecer o mundo e torná-lo

inteligível.

Conforme Tartuce (2006), captar a realidade cotidiana, um conhecimento

popular ou empírico, e aprofundá-la com estudos e determinado rigor metodológico,

é transformá-la em conhecimento científico. Este é um conhecimento cujas

hipóteses têm a sua veracidade ou falsidade conhecida não apenas por meio da

razão, como ocorre no conhecimento filosófico, mas pela experimentação. Em

outras palavras, o conhecimento científico é uma forma de conhecimento não-

imediata, e, sendo assim, demanda um método mais sofisticado do que as

observações e inferências que são empregadas no cotidiano.

Embora os gregos já assinalassem diferenças entre conhecimento mítico

(inspirado pelos deuses) e o conhecimento racional (científico) desde o Século VII

a. C., foi com Galileu Galilei (1564-1642), no século XVII, que a separação entre os

conhecimentos se estabelece de fato. Com a constituição histórica da modernidade

no ocidente, a ciência se apresenta como “a forma hegemônica de construção do

conhecimento, embora seja considerada por muitos críticos como um novo mito da

atualidade por causa de sua pretensão de ser único motor e critério de verdade”

(MINAYO, 2007, p. 35). Na realidade, os campos do conhecimento acabam por se

interpenetrar, uma vez que questionam a realidade de forma a estar sempre

discutindo as possibilidades.

De acordo com Carvalho (2000), o conhecimento científico na sociedade

ocidental procura explicar a realidade e apresentar os elementos que definem a

existência de um determinado evento. Quando o conhecimento é obtido, sua

generalidade precisa ser garantida. Outro ponto importante da ciência na atualidade

é a publicação dos resultados alcançados para que o conhecimento seja colocado em

discussão e fique acessível aos demais cientistas. Além dos resultados, o

pesquisador preocupa-se em apresentar também os caminhos para obtê-los, ou seja,

o “método científico” (CARVALHO, 2000, p. 13).

Destarte, desvendar verdades ou se pretender uma compreensão plena da

realidade não é o princípio fundamental da ciência. Antes, deseja oferecer um

conhecimento temporário que permita, de forma minimamente confiável,

prognosticar acontecimentos que poderão ocorrer no futuro e recomendar

mecanismos que possam interferir nesse processo. Podemos dizer, de outro modo,

que o conhecimento científico é sistemático, contingente, geral, verificável e falível

e que, para se constituir, necessita: a) da definição de um objeto de investigação; b)

de um método para essa investigação.

Bourdieu (2010) assegura que não se podem separar as opções técnicas

empíricas das opções teóricas na construção do objeto de pesquisa. Afinal, é em

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virtude da construção do objeto que os métodos e as técnicas de coleta e análise dos

dados são estabelecidos, “somente em função de um corpo de hipóteses derivado de

um conjunto de pressuposições teóricas que um dado empírico qualquer pode

funcionar como prova (...)” (p. 24). Devido à complexidade na sua construção,

entende-se que o objeto não se apresenta de forma simples e espontânea. Antes, se

constrói ao longo do tempo, de pouco a pouco, por meio de uma série de

retificações.

Ao pesquisador cabe também o pensar relacionalmente, ou seja, observar

que o objeto de pesquisa sobre o qual se inclina não está isolado, mas interliga-se a

uma série de relações que contribuem de forma essencial para caracterizá-lo. Do

mesmo modo, devem ser utilizados todos os preceitos teóricos possíveis para pensar

o objeto – levando em conta, obviamente, a necessidade de uma extrema vigilância

das condições de utilização - afim de livrar-se dos “cães de guarda metodológicos”,

no dizer de Bourdieu (2010).

Bourdieu (2010), ao tratar da sociologia reflexiva, alerta para a necessidade

da constante vigilância do cientista em relação ao campo científico e ao objeto de

estudo, que deve ser trabalhado em todos os aspectos até o esgotamento. E o

pesquisador não deve recusar nenhuma formulação teórica ou metodológica que

possa lhe servir para entender seu objeto neste trabalho tão meticuloso. Dessa forma,

não cabe dissociar método e prática, uma vez que é equivocado falar em algum

método separado do objeto de pesquisa, algum método que se encaixe a priori neste

objeto e que não precise ser complementado por outras correntes metodológicas.

Assim, “é preciso desconfiar das recusas sectárias que se escondem e tentar, em

cada caso, mobilizar todas as técnicas que, dada a definição do objeto, possam

parecer pertinentes e que, as condições práticas de recolha dos dados, são

praticamente utilizáveis” (BOURDIEU, 2010, p. 26).

Contudo, é preciso perceber que esta liberdade em relação à metodologia

não deve ser caracterizada como um algo sem rumo ou desregrado. O objeto deve se

construir rigorosamente, incorporando nesta construção uma gama mais aberta de

influências, desde que cabíveis. Dessa maneira, a situação de vigilância que

Bourdieu (2010) propõe sobre a liberdade teórica e metodológica é basilar. Esta

vigilância quer dizer identificar no cientista e no campo de pesquisa características

próprias que possam vir influenciar nos resultados da investigação científica.

Significa, do mesmo modo, uma disposição para as novas descobertas que quebrem

paradigma e esta situação de ruptura vai exigir certa disponibilidade de se

enriquecer com cada falta cometida, compreendendo que, ao evitar esses erros de

forma sistemática, afastamos também a possibilidade de novas contribuições à

pesquisa realizada.

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Consideramos aqui que pesquisa científica pode ser conduzida mediante o

emprego de diferentes tipos de métodos e que a investigação de diferentes tipos de

objetos de estudo e a adequada capacidade de oferecer respostas à imparcialidade

certamente podem requerer a escolha de tipos de estratégias essencialmente

diferentes. Todavia, ao longo da tradição científica moderna, este pluralismo

metodológico frequentemente não foi tratado com seriedade. Entretanto não apenas

os procedimentos científicos são compatíveis com o pluralismo metodológico, como

também o cultivo de uma pluralidade de estratégias tende a enriquecer o processo de

pesquisa. Como afirmam Bauer e Gaskell (2010, p. 26), se faz necessário, então,

“uma visão mais holística do processo de pesquisa social, para que ele possa incluir

a definição e a revisão de um problema, sua teorização, a coleta de dados, a análise

dos dados e a apresentação dos resultados”. Assim, diferentes metodologias

contribuem das formas mais diversas para o estudo.

Por conseguinte, o método científico não se reduz a uma apresentação das

etapas de uma pesquisa. Não apenas descreve os procedimentos e o passo a passo do

investigador na busca pelos resultados esperados. Conforme Carvalho (2000), ao se

falar em método, trata-se também de especificar os motivos pelos quais aqueles

caminhos foram escolhidos pelo pesquisador e não outros, e são estes motivos que

determinam a forma mais adequada de produzir ciência. Uma vez que a questão do

método se refere aos pressupostos que fundamentam o modo de pesquisar, ela é

teórica e precede à coleta de informações na realidade. Assim, pressupostos

diferentes originam procedimentos diferentes para alcançar o conhecimento.

Isto posto, lembramos que Minayo (2007), ao discorrer sobre a

indissociabilidade de teoria e método, afirma que ambos devem “ser tratados de

maneira integrada e apropriada quando se escolhe um tema, um objeto, ou um

problema de investigação” (MINAYO, 2007, p. 44). Dessa forma, a metodologia

aponta a escolha teórica realizada pelo investigador para tratar o objeto de estudo,

indo além da mera descrição dos procedimentos e técnicas utilizados na pesquisa.

O desenho de uma investigação acadêmica exige, então, que o pesquisador

adote uma série de decisões durante a elaboração do projeto, bem como durante o

processo de investigação e também na conclusão do estudo. Uma vez apresentadas

estas considerações iniciais, cumpre aqui destacar alguns pressupostos

metodológicos que amparam a pesquisa da política no campo educacional.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. A Pesquisa em política educacional

É sabido que há quase um consenso no entendimento, especialmente dos

atores que se encontram no processo de materialização nas escolas, de que as

políticas educacionais são formuladas e implementadas pelo Estado de forma

autoritária, num movimento vertical, de cima para baixo. O enorme distanciamento

entre os objetivos das políticas e aquilo que é implementado, de fato, nas escolas

acaba por gerar questionamentos que vão desde a ineficácia do poder público até a

resistência na concretização de determinada política por parte dos docentes, por

exemplo.

Cientes de que a pesquisa científica não objetiva alcançar verdades

absolutas, entendemos que existem outras formas de compreender esse fenômeno. E

é com base em Muller e Surel (2002), quando afirmam que é inevitável a distância

entre os objetivos de uma política como foi definida pelos tomadores de decisão e os

resultados que podem ser observados no momento da implementação, que

questionamos o entendimento do determinismo na política, colocando em xeque seu

caráter de processo simplista e não-conflituoso.

Desse modo, buscamos discorrer sobre o referencial teórico da policy cycle

approach ou "abordagem do ciclo de políticas", formulada pelo sociólogo inglês

Stephen Ball e colaboradores. Entretanto, antes de iniciarmos a discussão dessa

abordagem, é proeminente lembrar o que se compreende como política e análise de

política, especificamente no setor educacional.

Como mencionado anteriormente, as políticas públicas não se definem

abruptamente, nem se desenvolvem por meio de um processo linear. Ao contrário,

esse processo envolve negociações, barganhas e luta política, abarcando atores e

instituições as mais diversas. E a justificação vai acontecer em diferentes campos de

debate público: legislativo, jurídico, acadêmico etc. Nesse sentido, estamos

considerando que toda política pública contém uma dimensão normativa que reflete

concepções e valores comuns a cada sociedade em específico e podem expressar a

existência de consensos, ainda que, também indiretamente, expressem ausência de

interesses daqueles que foram perdedores nos embates. Essa dimensão normativa

vai refletir o resultado de debates em prol ou contra uma política pública,

conferindo-lhe legitimidade, mesmo perante a diversidade de argumentos e modos

de expressão característicos de cada especialidade.

De acordo com Azevedo (2004), as políticas públicas, como qualquer ação

humana, são definidas, implementadas, reformuladas ou desativadas com base nas

representações sociais que toda sociedade desenvolve a respeito de si própria, ou

seja, sobre sua realidade social, cultural e simbólica. Segue afirmando que em cada

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momento histórico e/ou conjuntural arrisca- se por em ação um determinado projeto

de sociedade “o referencial normativo global das políticas públicas”. A autora

afiança que uma política pública para um determinado setor surge a partir de uma

questão que é “socialmente problematizada”, isto é, a partir de um problema que

discutido amplamente pela sociedade, demandando a atuação do Estado (Azevedo,

2004, p. 61).

Nesse sentido, as políticas públicas não são dádivas do Estado, mas partem

de uma questão socialmente problematizada, exigindo a atuação desta Instituição.

São as forças sociais, que têm poder de voz e decisão, que fazem chegar seus

interesses até o Estado e à máquina governamental (AZEVEDO, 2004). E são essas

forças sociais dos movimentos que ressignificam e repolitizam as políticas sociais e

educacionais, questionando os princípios e valores que legitimam as políticas. Desse

modo, questionando as relações sociais nas suas formas políticas, pedagógicas, etc.,

ressignificam também o Estado, suas políticas e instituições, afirmando sujeitos

políticos e sujeitos de políticas (ARROYO, 2013).

Pesquisar políticas públicas em educação requer do investigador o

conhecimento dos determinantes culturais, sociais, políticos e econômicos que as

envolvem e de como estruturam “a contextura fundamental das disputas sociais que

exprimem a distribuição do poder social na sociedade” (GOMES, 2011, p. 19).

Conforme Gomes (2011), em todas as sociedades, o poder social se encontra

distribuído segundo as divisões e alianças de classes, o que também se reflete na

configuração do Estado. Entretanto, essa distribuição também é passível de mudança

por meio de políticas públicas. E assim como qualquer política pública, as políticas

do setor educacional não são fenômenos monocausais, antes, possuem natureza

múltipla e complexa, assevera o autor.

Mainardes (2006; 2011) esclarece que tanto no cenário nacional quanto

internacional a pesquisa sobre políticas educacionais é um campo de

investigação que vem se consolidando e que ainda são poucos os autores que

levantam discussões acerca de referenciais analíticos mais específicos para a

pesquisa de políticas públicas educacionais. Azevedo e Aguiar (1999), tratando das

produções recentes que investigam as políticas de educação do país, consideram que

é um campo relativamente novo e que ainda necessita de referenciais analíticos

consistentes, sendo atingido também pela contemporânea crise de paradigmas que

afeta as Ciências Sociais e as Ciências Humanas. (AZEVEDO; AGUIAR, 1999, p.

43).

Como exemplo, Ball e Mainardes (2011) citam os Estados Unidos, onde os

estudos de políticas educacionais encontram-se bastante alinhados ao campo da

administração educacional. Já no Reino Unido, as pesquisas estão mais alinhadas no

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campo da Sociologia da Educação, enquanto na América Latina o campo das

políticas educacionais surgiu com o status epistemológico oferecido pela ciência

política, na segunda metade do Século XX, e começou a ser incorporada nos cursos

de formação de professores como Política e Administração da Educação. Se faz

necessário, sob o ponto de vista histórico, compreender como essa discussão se

constitui.

O período posterior às duas grandes Guerras Mundiais foi marcado pela

ascensão de pesquisas na área das ciências sociais que se interessavam pelos

processos de resoluções de problemas sociais decorrentes dos conflitos armados ou

das próprias políticas do Estado à época. Nesse contexto, o termo policy sciences

passou a ser utilizado referindo-se às pesquisas e iniciativas que objetivassem

analisar criticamente as políticas sociais e propusessem modificações nos

textos oficiais, minimizando assim os impactos negativos que tais políticas

ocasionavam (MAINARDES; FERREIRA; TELLO, 2011). Uma vez que o objetivo

central era avaliar o sucesso ou insucesso das políticas, sem levar em conta outros

aspectos, essas análises apresentavam um perfil mais tecnicista e positivista na

segunda metade do Século XX e expressamente preocupavam-se com a relação

custo- benefício.

Em meados de 1970, se fortalece a ideia de que os referenciais de análise

deveriam considerar o contexto mais amplo de construção de uma política. Os

trabalhos de Lindblom passam a questionar o foco no racionalismo proposto por

Lasswell e Simon e propõem novas variáveis nas análises, incluindo os discursos

que influenciaram a escrita do texto e os embates ideológicos, por exemplo. A

influência de diferentes agentes na constituição da política, como a escola, os

professores e as instâncias legislativas, foi o grande diferencial desse novo

paradigma de análise de políticas. A partir daí os referenciais de análise passam a

compreendê-las tanto como o processo quanto como o produto das articulações de

textos e relações de poder, principalmente entre o Estado, elaborador das políticas, e

os que as executam. A concepção de uma política cíclica passa a se constituir nesse

momento e os modelos analíticos começam pouco a pouco a afastar-se das

estruturas positivistas, aproximando-se do pós-estruturalismo e do pluralismo

(MAINARDES; BALL, 2011).

Os modelos de análise pluralistas tendem a analisar as políticas de acordo

com as relações de poder e influência estabelecidas pelos sujeitos que apresentam

interesse direto por ela e que estão envolvidos no processo de sua construção.

Nas perspectivas pós-estruturalistas, é bastante relevante a fluidez do poder

entre esses agentes para que se entenda o percurso de formação das políticas,

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apresentando uma preocupação com os discursos subjacentes (MAINARDES;

FERREIRA; TELLO, 2011).

Dentre os referenciais analíticos pós-estruturalistas, encontram-se os

referenciais teórico-metodológicos que estamos apresentando para a análise das

políticas educacionais, qual seja, a policy cycle approach ou abordagem do ciclo das

políticas.

2.2. Abordagem do ciclo das políticas

Autores de diferentes países vêm utilizando a policy cycle approach ou

abordagem do ciclo das políticas como referencial para analisar a trajetória das

políticas sociais e educacionais, uma vez que o ciclo das políticas permite a análise

crítica da trajetória dos programas e das políticas educacionais do momento de sua

formulação até a sua implementação e resultados (MAINARDES, 2006). A

abordagem do ciclo das políticas é bastante útil no contexto brasileiro, pois, como

vimos, o campo de pesquisa em políticas educacionais ainda é bastante novo no

país.

Adotando uma orientação pós-moderna, os trabalhos de Stephen Ball e

Richard Bowe destacam a complexidade da natureza da política educacional. A

formulação inicial foi publicada em um texto, em 1992, no qual Ball e Bowe

discutem os frutos de uma pesquisa sobre a implementação do Currículo Nacional

na Inglaterra e País de Gales, a partir de 1982, e objetivava entender a ligação

entre propostas curriculares e o modelo de produção econômica adotado pelo

governo Thatcher na década dos 80. Os autores defendem o modelo analítico

alicerçado na compreensão de que as políticas curriculares: (a) são um conjunto de

textos (representações) e de discursos (práticas); (b) encontram-se imersas numa

rede de discursos; (c) não são autônomas, mas dependem da história, poderes e

interesses e; (d) têm seus sentidos alterados de acordo com a migração de textos e

discursos de um contexto a outro, por processos que produzem híbridos culturais

(OLIVEIRA; LOPES, 2011).

A referida abordagem pode ser considerada como um método de pesquisa

de políticas educacionais. O processo de formulação e implementação de tais

políticas é considerado como um ciclo, no qual as políticas são continuamente

recriadas. Na formulação inicial, introduziram a noção de um ciclo contínuo

constituído por três facetas ou arenas políticas, a saber: a política proposta, a política

de fato e a política em uso. Porém Ball e Bowe rejeitaram logo após essa formulação

inicial, pois avaliaram que os modelos de política educacional separados em fases de

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formulação e implementação desconsideravam os processos de disputa e os embates

inerentes a política.

O ciclo de políticas destaca “os processos micropolíticos e a ação dos

profissionais que lidam com as políticas no nível local e indica a necessidade de

articularem os processos macro e micro na análise de políticas educacionais”

(MAINARDES, 2006, p. 49). Desse modo, trata-se de um referencial teórico-

analítico dinâmico e flexível. Ball e Bowe apontam que a ênfase da análise de

políticas deveria recair “sobre a formação do discurso da política e sobre a

interpretação ativa que os profissionais que atuam no contexto da prática fazem para

relacionar os textos da política à prática” (MAINARDES, 2006, p. 50). Nessa

perspectiva, levam-se em conta os processos de resistência e conformismo, os

conflitos e as convergências nos discursos.

Assim, os autores propuseram inicialmente um ciclo constituído por três

contextos principais que se inter-relacionam: context of influence, contexto da

influência, context of policy text production, contexto da produção e, context of

practice, contexto da prática. Em 1994, expandiram o ciclo de políticas

acrescentando dois contextos ao referencial original: context of results, contexto dos

resultados (efeitos) e context of strategic policy, contexto da estratégia política. Uma

vez que pesquisadores de políticas educacionais podem interpretar esses contextos

como independentes, é importante destacar que não se tratam de etapas lineares,

portanto, não são sequenciais ou temporais e que toda etapa envolve disputas e

apresenta arenas, lugares e grupos de interesse, sendo interligados (BALL;

MAINARDES, 2011).

O contexto de influência refere-se à fase inicial, na qual as políticas

públicas nascem e onde os discursos políticos são arquitetados. É neste contexto que

os grupos de interesse e as redes sociais atuam, dentro e em torno de partidos, do

governo e do processo legislativo. Procura-se, nessa fase, obter apoio para os

argumentos e a legitimidade para suas propostas que visam resolver às questões

postas, formando o discurso base para a política. Esse discurso ora é amparado, ora

é reptado, por outros discursos mais amplos que já exercem influência nas arenas

públicas de ação.

Ball tem observado em seus trabalhos mais recentes a influência, também,

globais e internacionais, considerando que podem ser entendidas de duas formas: a)

o fluxo de ideias por meio de redes políticas e sociais que envolvem; b) o

patrocínio ou imposição de algumas soluções oferecidas por organismos

multilaterais, como o Banco Mundial, OCDE, Unesco e FMI. Contudo, o autor

considera que tais influências são sempre recontextualizadas pelos Estados- nação,

causando uma ressignificação de tais políticas em cada contexto específico, o que

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demonstra a existência de uma relação dialética ente o local e global

(MAINARDES, 2006). O contexto de influência guarda estreita relação com o

contexto de produção, como veremos.

O contexto de produção, por sua vez, é aquele onde os textos políticos são

criados. Tais textos se articulados com a linguagem do interesse público mais geral e

podem apresentar-se sob formas variadas, como os textos da legislação,

pronunciamentos oficiais e comentários sobre os textos, entre outras. Resultam das

disputas e acordos gerados por grupos que atuam nos diferentes lugares da produção

de textos e que concorrem pelo controle das representações da política. Os textos

políticos, então, representam a política em si. Mas é importante ressaltar, como

adverte Mainardes (2006), que a política não é concebida, nem finalizada, no

momento do legislativo, e sua leitura relaciona-se temporal e localmente com o

contexto.

Desse modo, os textos políticos não mantêm, necessariamente, clareza e

coerência interna e podem ser contraditórios, utilizando até mesmo os termos-chave

da política de modo diverso. A política, assim, pode ser lida como intervenções

textuais, que encerram limitações e possibilidades e tem consequências reais. E são

essas consequências que se podem observar no contexto da prática.

É no contexto da prática, como é apontado por Ball e Bowe (1992, apud

Mainardes, 2006), que a política fica sujeita a interpretação e recriação e é também

onde são produzidos os efeitos que podem gerar as mudanças na política original.

Na arena de conflitos onde ocorre a interpretação dos textos para a realidade, tal

como ela é vista pelos sujeitos, são colocados os diversos valores, as histórias, as

experiências dos leitores. Dessa forma, há protagonismo dos sujeitos no processo de

implementação das políticas, o que remete ao modo singular como a política é

estruturada em cada instituição.

Alguns aspectos podem ser levados em conta, nesse sentido. Por exemplo,

a necessidade de interação de uma nova política com aquelas que existem

anteriormente no contexto da prática, uma vez que políticas diferentes podem

demandar que ações diferentes sejam realizadas simultaneamente, e a base material

de tradução da política, como o recurso governamentais destinados, interferem na

interpretação das políticas e nas relações que se estabelecem, além de as políticas

serem produzidas para situações ideais que acabam por requerer maiores esforços

para relacionar teoria e prática.

O contexto dos resultados, ou efeitos, preocupa-se com os reflexos das

políticas, principalmente no que se refere aos processos de criação e manutenção de

desigualdades. Por sua vez, o contexto da estratégia política atua exatamente nessa

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lacuna, identificando as atividades e ações políticas necessárias para lidar com tais

questões. Ball (apud Mainardes; Ferreira; Tello, 2011) considera o contexto de

resultados pode ser entendido como uma extensão do contexto da prática, enquanto

o contexto de estratégia seria uma extensão do contexto de influência. A

questão fundamental de ambos os contextos aqui é a reflexão sobre questões

conjunturais e sobre as desigualdades produzidas ou reproduzidas por determinada

política e que só podem ser desveladas pela pesquisa criteriosa do contexto da

prática.

Mainardes (2006, p. 58) afiança que os próprios autores explanam

brevemente sobre cada um dos contextos, chamando a atenção para a necessidade

dos pesquisadores, que tomam tal abordagem para investigação de políticas,

refletirem sobre questões que poderiam ser incluídas na análise.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa em políticas educacionais que utiliza como método de análise a

policy cycle approach não se limita à perspectiva do controle do Estado. Antes,

busca compreender a articulação existente entre o macro poder e o micro poder,

entre o global e o local, considerando os diversos atores sociais presentes nas

sociedades complexas.

A policy cycle approach contesta a análise tradicional das políticas

públicas, investigando a trajetória peculiar que traçam cada uma das políticas a

serem examinadas. A referida abordagem permite que o pesquisador lance para a

política estudada um olhar mais abrangente, que supere a linearidade e a

fragmentação presentes neste campo. Certamente, por intermédio dos contextos -

cujas etapas se entrelaçam -, é possível a realização da análise dos dados de modo

exponencialmente mais amplo e multilateral. Desse modo, leva em conta os

elementos que formam tais políticas, bem como a influência mútua entre estes.

Isto posto, espera-se que o presente artigo tenha contribuído para a

compreensão das contribuições da abordagem do ciclo de políticas para o campo da

educação e sua utilização como método de análise de políticas educacionais.

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TARTUCE, T. J. A. Métodos de pesquisa. Apostila. Fortaleza: UNICE – Ensino

Superior, 2006.

SOBRE O AUTOR

Ana Cláudia Oliveira da Silva

Pedagoga, mestra e doutoranda em educação pela Universidade Federal de

Pernambuco, onde desenvolve pesquisas no campo das políticas públicas, gestão e

planejamento educacional. É docente e pesquisadora na Faculdade Anchieta do

Recife, com foco de atuação nas relações entre educação, gêneros e desigualdades

sociais dentro dos processos sócio históricos mais amplos no Brasil.

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MEMÓRIA HISTÓRICA DA TÉCNICA: O PROCESSO DE

CONSTRUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO

SOCIAL OCIDENTAL

André Felipe de Albuquerque Fell

Daniel Felipe Victor Martins

RESUMO: O artigo tem como objetivo contribuir para uma compreensão da

memória histórica da técnica no processo de construção e transformação da

organização social ocidental, desde o período dos gregos até a Revolução Industrial

do século XVIII. Para tal, fez-se uma pesquisa bibliográfica de natureza

predominantemente qualitativa. Como resultado, constatou-se a contribuição trazida

pela técnica na diversidade de contingências advindas das necessidades práticas da

existência, constituindo um esforço humano coletivo em busca de melhores

condições de vida.

Palavras-chave: Técnica. Memória Técnica. Transformação da organização social

occidental.

ABSTRACT: The article has the main purpose to bring some comprehension to the

historical memory of technics in the building and change of the ocidental social

organization from the greeks to the 18th century industrial revolution. To achieve the

main purpose a mainly qualitative literary research has been made. As result of the

research, it has been noticed that technics has brought contributions to variety of

contingencial demands that come from practical existence and therefore it can be

considered as a collective human struggle in search for better living conditions.

Keywords: Technics. Technic’s memory. Ocidental social organization change.

Recebido em: 10/04/2017

Aprovado em: 30/06/2017

Sistema de Avaliação: Double Blind Review

Editor Científico: Washington Luiz Martins da Silva

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1. INTRODUÇÃO

A atividade técnica possivelmente representa a primeira atividade do

Homem. Todavia, não se sabe ao certo explicar o que há na origem dessa atividade.

O que levou à ideia de domesticar o animal, escolher as plantas comestíveis a serem

cultivadas? Como deve ter ocorrido a ideia de afinar os metais e fazer o bronze? Ao

que tudo indica, essas questões parecem aumentar o enigma acerca da primeira

atividade do Homem.

Ellul (1968) defende que as técnicas iriam se desenvolver por dois

caminhos bastante diferentes. Um deles conhecido, o caminho concreto do “homo

faber” (a técnica material) e o outro, a técnica de ordem mais ou menos espiritual

denominada técnica mágica. O autor defende que a magia é rigorosamente uma

técnica que se desenvolveu de forma simultânea com as outras técnicas porque por

meio de ritos, formalismos (idênticas técnicas de oração, as mesmas máscaras,

ingredientes de drogas místicas, etc.), de fórmulas, de processos com características,

que quando fixas não mais variariam; o homem procurava obter resultados

suficientemente precisos de ordem espiritual. Ademais, a fixidez de uma invocação

constituir-se-ia em uma manifestação de ordem técnica porque ao se subordinar o

poder dos deuses ao homem para a obtenção de um resultado desejado, não haveria

motivos que justificassem a sua mudança. Dessa forma, enquanto a magia

representaria a técnica mediadora entre “as potências extra-humanas” e o homem; a

técnica material é a intermediária entre a matéria e o homem (a imposição à natureza

de obediência), sendo a sua escolha relativamente simples porque como ela está

subordinada ao seu resultado imediato, a melhor técnica é aquela que produz o

resultado mais satisfatório.

A técnica material poderia ser considerada o resultado da capacidade

intelectual primitiva do ser humano de compreender as relações fundamentais

existentes no meio e desenvolver a capacidade de transformá-lo (transformando a si

mesmo) com o auxílio de instrumentos ainda que rudimentares. Daí parece ser

coerente afirmar que o Homem sem técnica constitui uma abstração tão grande

como técnica sem Homem uma vez que constituem entidades que se auto-

completam, ou seja, eliminando-se uma, a outra desaparece por completo

(VARGAS, 2001; VERASZTO, 2004). Desse modo, o presente trabalho tem como

objetivo contribuir para uma compreensão da memória histórica da técnica no

processo de construção e transformação da organização social ocidental, desde o

período dos gregos até a Revolução Industrial do século XVIII.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. A técnica na Grécia

Sabe-se que a técnica se desenvolveu no Oriente-Próximo e que não

comportava fundamento científico, ou seja, ela era toda voltada para a aplicação; por

conseguinte, desconhecia teorias gerais – a base para os movimentos científicos.

Contudo, foram os gregos que iniciaram uma atividade científica coerente e

impulsionaram o pensamento científico de forma atípica até hoje na história:

separaram quase completamente a ciência da técnica. Em outros termos, para os

gregos há o desprezo pelas necessidades materiais; a pesquisa técnica é percebida

como algo indigno da inteligência e que a finalidade última da ciência é a

contemplação e não a aplicação; o exercício da razão abstrata deve ser o único a ser

conservado, justificando a recusa de Platão a qualquer compromisso de aplicação e

não sendo por acaso em sua obra Protágoras haver o relato que Prometeu roubou de

Hefaístos as técnicas manuais, bem como o seu conhecimento (a sabedoria das

artes) de Atenas, para distribuí-las de forma desigual entre os homens: as primeiras

(as técnicas manuais) iriam para aqueles que por natureza tentam levar uma vida

bem sucedida e, o segundo (o conhecimento) seria distribuído entre aqueles que

além de buscarem uma vida bem sucedida, desejam viver com mais ou menos

consciência e sabedoria (CAMBIANO, 1970, p.13). Qual é a razão para essa atitude

dos gregos? Algumas razões podem ser citadas, quase todas elas de natureza

filosófica:

• Sua concepção de vida, na qual há desprezo pelas necessidades materiais, como

pelos melhoramentos da vida prática, além da descrença pelo trabalho manual que

era realizado pelos escravos.

• O objetivo da atividade intelectual é a contemplação. Tal perspectiva, segundo

Rüdiger (2003, p. 31), reflete a visão do grupo social ao qual pertence o pensador,

legitimando uma hierarquia do seu tempo, na qual as técnicas manuais (poiésis,

sobretudo) era inferior às técnicas políticas (práxis, sobretudo) e ambas, sob a ótica

dos pensadores, inferiores aos exercícios filosóficos, bem como à atividade

epistêmica. Daí Arendt (1993, p. 171) afirmar:

Platão sabia perfeitamente que as possibilidades de

produzir objetos de uso são tão ilimitadas quanto as

necessidades e os talentos do ser humano. Se os

critérios do homo faber passassem a governar o

mundo depois de construído, como devem

necessariamente presidir o nascimento desse mundo,

então o homo faber, mais cedo ou mais tarde, servir-

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se-á de tudo e considerará tudo o que existe como

simples meios à sua disposição.

• A atividade técnica é vista sob suspeita uma vez que sempre apresenta um aspecto

de dominação bruta e poder de desmesura incluso.

• Os gregos tinham uma concepção de vida voltada para o autodomínio, a

moderação, a sabedoria, o equilíbrio e a harmonia. Daí o uso da técnica mais

modesta que pudesse garantir diretamente às necessidades materiais, sem estas

necessidades serem a preocupação predominante.

2.2. A técnica na Roma Antiga

Nesse momento, a técnica social se encontra em estágio inicial; ainda que

seja possível encontrar tentativas, não desprezíveis, de organização em certos Faraós

e no Império persa. Reconhece-se, entretanto, que essas organizações demonstravam

a ausência de técnica política, administrativa e jurídica uma vez que eram mantidas

fundamentalmente pela força policial.

É em Roma, contudo, que há um determinado aperfeiçoamento da técnica

social, quer na esfera civil ou militar, tudo se prendendo ao direito romano nas suas

múltiplas formas, públicas e privadas. Quatro são as possibilidades para caracterizar

a técnica desse direito:

• No seu período de florescimento, que vai do século II antes de Cristo ao século II

depois de Cristo, há nos romanos um fenômeno muito presente e que é uma visão

exata da situação concreta que se busca utilizar com um mínimo de meios possíveis.

É a partir dessa determinação concreta e não do pensamento abstrato que acontecem

o desenvolvimento da técnica administrativa e da judiciária. Esse desenvolvimento

provavelmente apresenta fundamentos religiosos: uma vez que se deve responder à

necessidade, não é autorizado grande luxo; é preciso aprimorar cada meio em busca

da perfeição, utilizando-o de todos os modos possíveis, de forma livre e não criando

exceções e entraves ao seu processo.

• A procura de um equilíbrio entre o fator humano e o fator puramente técnico, pode

ser considerada como um segundo elemento do desenvolvimento da organização

social romana. A técnica jurídica não seria um meio de substituição do homem, uma

vez que não se tratava de procurar eliminar a iniciativa e a responsabilidade, mas

sim, de permitir que pudessem funcionar e se afirmar. Somente a partir do século III

depois de Cristo é que se percebe a técnica jurídica procurando penetrar nos

pormenores, de forma a tudo prever e regulamentar, imobilizando o homem.

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• O terceiro aspecto da técnica jurídica romana é que ela está ordenada no sentido de

uma finalidade precisa; isto é, a busca pela coerência interna da sociedade. Ela não é

uma técnica que se justifica por si mesma, nem que sua razão de ser está no próprio

desenvolvimento, nem muito menos é imposta do exterior. Seu fundamento está na

organização de uma sociedade que dispense a polícia, uma vez que está não é

econômica;

• O quarto elemento é a continuidade, ou seja, a técnica jurídica é algo em constante

readaptação, segundo um plano a ser perseguido. Espera-se até que as circunstâncias

estejam favoráveis, preparando todos os instrumentos para a expectativa da

oportunidade; chegando a oportunidade, faz-se sem vacilar aquilo que ficou

decidido.

Do IV ao I século antes de Cristo e após o I século depois de Cristo,

observa-se nos romanos uma estagnação quase completa no que diz respeito às

técnicas materiais, uma vez que os utensílios e os armamentos não evoluem.

Entretanto, entre os períodos do I século antes e o I século depois de Cristo, há uma

fase de renovação técnica devido às necessidades econômicas, militares e de

transporte: as máquinas de manejo (as forjas, as noras, as bombas), o arado, a prensa

em parafuso, a artilharia “nevrobalística”, etc. (ELLUL, 1968, p. 33). Além disso, o

contato com o Oriente que já apresenta técnicas industriais, dá condições a Roma, a

partir do século I, de também se engajar no caminho da indústria: polimento do ouro

e da prata, cerâmica, vidraria, têmpera das armas, construção de navios, etc.

2.3 A técnica e o Cristianismo

Do ponto de vista técnico, o que aconteceu ao mundo Ocidental cristão que

vai do século IV ao XIV? Com o triunfo do Cristianismo em Roma, em princípio,

aconteceu o desmoronamento da técnica romana, quer no que diz respeito ao plano

da organização, quanto ao processo de construção das cidades, o desenvolvimento

da indústria e o transporte. Há historiadores que afirmam que do século IV ao século

X houve o desaparecimento da atividade técnica e jurídica porque o centro de

interesse dos cristãos estava em outro lugar que não no Estado e na atividade

prática. O desinteresse por tais atividades seria o argumento extensamente

desenvolvido por Santo Agostinho em sua Civita Dei a fim de contra argumentar a

ideia criada em torno da influência dissolvente dos cristãos diante das coisas

públicas. “São bons cidadãos”, afirma Santo Agostinho. Todavia, perceber-se-á,

historicamente falando, que o estado de espírito técnico é uma das principais causas

do progresso técnico.

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Sob a influência cristã, do século X ao século XIV, observa-se uma

sociedade que pode ser precisamente caracterizada como uma na qual há completa

ausência de vontade técnica: há um direito costumeiro, ou seja, rigorosamente não

técnico; uma organização social e policial não fundamentada em regras racionais,

elaboradas; uma quase completa ausência de técnica também no exército, na

agricultura e na indústria. Ao que parece, somente a técnica arquitetônica apresenta

algum desenvolvimento, chegando a se firmar; todavia, movida mais por um espírito

religioso do que por um técnico.

Em síntese, na civilização cristã há uma ausência de esforço de criação

utilitária e pouco esforço no processo de melhoria das práticas agrícolas ou

industriais. Quando no começo do século XII, há um esboço inicial de movimento

técnico frouxo e pouco intenso, isso será sob a influência da relação com o Oriente,

intermediada inicialmente pelos venezianos e judeus; em seguida, pelas Cruzadas.

Nesse contexto, o que acontece é a mera imitação de técnicas vistas, ainda que

venham a acontecer algumas descobertas autônomas (para as necessidades

comerciais), a partir daquelas que são importadas.

Poder-se-ia afirmar, em realidade, que na Idade Média houve a criação de

uma técnica intelectual, um modo de pensar e raciocinar o mundo: a escolástica. É a

partir dela que se tem uma posição doutrinária em relação à atividade prática:

• No plano moral, há a condenação do luxo, do dinheiro e tudo que está relacionado

à cidade terrestre voltada à perdição dos homens e oposta à Cidade de Deus. Daí a

grande época de tendência à restrição econômica por meio da renúncia à vida

urbana, a eremitagem, o cenobitismo.

• No plano teológico, a presença da convicção do fim deste mundo em breve, de que

é inútil qualquer esforço por desenvolvê-lo ou cultivá-lo e que o melhor é ocupar-se

com os fins últimos do que com o período intermediário. Em outras palavras, é

melhor obedecer à ordem estabelecida, atendo-se às coisas do alto (de ordem

espiritual) do que às coisas deste mundo (de ordem material).

• O juízo moral sobre todas as atividades humanas, o qual atingirá também a

atividade técnica. O que isso significa? Significa que algo só será declarado justo

para o homem como, por exemplo, mudar os modos de produção ou de organização;

caso venha a corresponder à determinada concepção precisa da justiça diante de

Deus. Desse modo, quando um determinado elemento técnico aparece como justo

ou uma invenção é julgada digna de aplicação e difusão é porque se revelam justo

de todos os pontos de vista. E essa medida de juízo moral, não por acaso, é exercida

por aqueles que conhecem os manuscritos gregos e latinos nos quais as técnicas

estão descritas; isto é, os monges que passam a propagar e aperfeiçoar instrumentos

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técnicos. Como exemplo, é possível citar a invenção do relógio mecânico nos

mosteiros beneditinos dos séculos XII e XIII. Com ele, esperava-se proporcionar

uma determinada regularidade, mais ou menos precisa, nas rotinas dos mosteiros de

forma a permitir, entre outras coisas, a possibilidade de haver sete períodos de

devoção ao longo do dia, bem como os sinos anunciarem (com constância e

previsibilidade) as horas canônicas. Em outros termos, era preciso uma tecnologia

que permitisse a definição clara de momentos precisos de rotinas para os rituais de

devoção. O que os monges não previram é que em meados do século XIV, o relógio

mecânico se expandiria para além das paredes dos mosteiros, vindo a ser um meio

não de mero acompanhamento das horas, mas também de organização,

sincronização e controle das ações dos homens. Em sua obra Technics and

Civilization (1963), Lewis Mumford afirma que “o relógio mecânico tornou possível

a idéia da produção regular, das horas de trabalho regular e de um produto

padronizado”. Para o autor, dificilmente o capitalismo teria se desenvolvido sem o

relógio. Curiosamente e de forma paradoxal, o relógio que inicialmente havia sido

criado por homens que queriam se dedicar mais rigorosamente a Deus acabou sendo

a tecnologia de maior uso para os homens que desejavam se dedicar à acumulação

de dinheiro e bens materiais.

Com razão, um grande obstáculo oposto pelo Cristianismo ao progresso

técnico foi a atividade de medir a técnica com critérios completamente diferentes

dos da própria técnica, como o critério da justiça diante de Deus. Será sob a

influência do Renascimento, do humanismo, da Reforma e do Estado autoritário que

barreiras serão eliminadas de forma a permitir que a técnica receba, com algum

atraso histórico, o seu decisivo impulso.

2.4 A técnica no século XVI

É possível verificar em pequenos manuais de história da técnica um salto

da idade média ao fim do século XVIII. Alguns poderiam afirmar que no período

que vai do século XVI ao século XVIII o que efetivamente aconteceu foi um

completo domínio da técnica mecânica (canhões, manufaturas, etc.) inexistindo

qualquer preocupação de raciocínio sobre a ação, de racionalização ou de eficácia.

Afirma-se que a partir do século XV, um século muito rico em descobertas

de toda ordem; o impulso técnico sofreu uma espécie de desaceleração, continuando

precário no século XVII e começo do século XVIII. Talvez, como uma das

justificativas, poder-se-ia argumentar da falta de coordenação e racionalização das

diversas técnicas, quer científicas, administrativas ou financeiras. Quando, por

exemplo, tem-se acesso a um livro científico (medicina, economia, história,

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direito...) da época (século XVI ao XVIII) o que possivelmente irá chamar a atenção

do leitor será a total ausência de uma ordem lógica; a construção das reflexões

serem fundamentadas em reflexões puramente pessoais e individualistas do autor,

inexistindo qualquer esboço de organização de informações exatas para possíveis

consultas futuras; a ausência de uma especialização intelectual (técnica intelectual)

refletida nos livros porque ainda predomina o ideal intelectual universalista

(universalidade dos conhecimentos), isto é, em um só livro de direito era possível

encontrar extensas considerações sobre psicologia, teologia, arqueologia, literatura,

etc. Ainda com relação aos livros, não havia qualquer tentativa de comodidade:

nenhum índice alfabético completo, nenhuma cronologia, raramente divisões,

ausência de referências e, em alguns, nem mesmo paginação. Não se buscava um

conhecimento eficaz, mas sim uma explicação global dos fenômenos com o

predomínio do profundo humanismo e universalismo oriundos do Renascimento e

que influenciariam bastante o século XVII; impossibilitando a eclosão das técnicas

porque há uma recusa presente em toda a sociedade do homem vir a se submeter a

uma lei uniforme, mesmo que seja em seu benefício.

2.5 A técnica na Revolução Industrial

Por que durante séculos, há um lento progresso técnico, e em um século e

meio (a partir do século XVIII) há tremendo florescimento? Por que as invenções

técnicas proliferaram bruscamente, em toda parte, na segunda metade do século

XVIII e não antes? Por que a mudança de toda uma civilização quanto às técnicas?

Como explicar que os prodigiosos aparelhos práticos de Leonardo da Vinci (o

despertador, a máquina de pentear tecidos, etc.) ou ainda aperfeiçoamentos técnicos

feitos por ele (a junta universal, navios de casco duplo, as engrenagens cônicas, etc.)

não entraram no domínio da aplicação prática? Por que é apenas desse período que

se configura a união entre a pesquisa científica e a invenção técnica de aplicação

utilitária, levando a submissão da ciência à técnica? A seguir, uma tentativa de

esclarecimento a esses questionamentos.

Na segunda metade do século XVIII, o contexto social de apaziguamento

do estado de guerra, o progresso dos costumes, melhoria das condições de vida em

quase todas as classes, a construção de casas mais confortáveis; tudo isso em geral,

contribuiu para gerar expectativas nos europeus de que muitos benefícios poderiam

ser obtidos com a exploração dos recursos naturais e com a aplicação das

descobertas. É desse estado de ânimo que os cientistas desenvolvem uma

consciência para as pesquisas com objetivos práticos porque acreditam que com elas

estariam contribuindo tanto para a felicidade quanto para a justiça - daí o ponto de

partida para o mito do progresso.

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Contudo, tal clima favorável para o desenvolvimento técnico é insuficiente

para explicar a mudança transformacional da civilização. Tal transformação

aconteceu pela provável conjugação de cinco fenômenos (ELLUL, 1968, p. 49):

1º) O desenlace de uma longa experiência técnica. Em outros termos, a formação

de um “complexo tecnológico” é resultado de uma soma de trabalho muito lento, de

longa preparação, durante os séculos de sono (como o século XVII) e sem imediatas

consequências; mas que permitiu o acúmulo de experiências, de aparelhos, de

pesquisas e que foi inesperadamente utilizada de forma contínua em todos os

domínios da técnica.

2º) A expansão demográfica. Sabe-se que com o crescimento da população há um

acréscimo de necessidades que podem ser atendidas pelo desenvolvimento técnico.

3º) A aptidão do meio econômico. Os estudos de economia da segunda metade do

século XVIII apresentam duas características contraditórias que incentivam o

progresso econômico: um meio econômico estável, mas ao mesmo tempo, em

mudança. A estabilidade diz respeito às bases da vida econômica, de forma a

permitir à pesquisa primária técnica se concentrar em objetos e situações bem

estabelecidos. Todavia, esse meio econômico deve estar pronto para grandes

mudanças, permitindo que as invenções técnicas possam se inserir no concreto,

estimulando a pesquisa.

4º) A plasticidade do meio social interior. Como possivelmente a condição mais

decisiva, essa plasticidade implica em dois fatos: o desaparecimento dos tabus

sociais e o desaparecimento dos grupos sociais naturais. Os tabus sociais, na

civilização ocidental do século XVIII, podiam ser agrupados em duas grandes

categorias:

• Os tabus oriundos do Cristianismo. Aqui, todas as ideias religiosas e morais, bem

como os julgamentos sobre a concepção do homem, da atividade; influenciavam o

desenvolvimento da técnica. A questão que se coloca é no que diz respeito à

mentalidade popular determinada pelo Cristianismo, especificamente no século

XVII; ou seja, a institucionalização da fé em preconceito e ideologia produzindo

verdadeiros tabus: é expressamente inadequado questionar a ordem natural e tudo o

que é novo deve ser submetido a um rigoroso julgamento de ordem moral, o que em

última instância, caracteriza um preconceito desfavorável ao novo.

• Os tabus sociológicos. Aqui, existe a convicção de uma hierarquia natural que

nada pode chegar a modificá-la: a condição quer da nobreza, do clero e do rei,

principalmente, não pode ser colocado em questionamento sob o risco de ser

considerado um sacrilégio. Essa constituição social reconhecida por todos, ainda que

de forma inconsciente, como a única possível (hierarquia natural e sagrada) é um

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obstáculo ao desenvolvimento da técnica porque às classes desfavorecidas só resta a

comodidade da submissão e da passividade e inação; naturalmente impedindo o

interesse pelas artes mecânicas. Ademais, um outro obstáculo a ser considerado é a

forma individualizada e autônoma como a sociedade está estruturada em grupos

naturais, como as famílias, as corporações e os grupos de interesses coletivos

(Parlamento, Universidade, Hospitais, etc.). Nesse contexto, as coletividades

suficientemente fortes oferecem aos indivíduos meios de proteção, vida, segurança,

satisfações morais ou intelectuais; permitindo-lhe viver em um meio bastante

equilibrado e estável, ainda que materialmente pobre; daí ele se mostrar

completamente resistente às inovações. Portanto, a existência desses grupos naturais

fortemente constituídos pode ser considerada também um obstáculo à propagação da

invenção técnica, quer pelo seu caráter regulador ou pela dificuldade de seu

fracionamento.

A partir da revolução de 1789, percebe-se o brutal e simultâneo

desaparecimento dos tabus religiosos e sociológicos. Há a elaboração de novas

religiões a partir da luta contra o clero; a supressão das hierarquias e os regicídios; a

afirmação do materialismo filosófico. Tais fatos exercem uma poderosa influência

na consciência popular no sentido de contribuir para a definitiva destruição da

crença nos antigos tabus. Em paralelo, assiste-se à luta sistemática pela liberdade do

indivíduo contra todos os grupos naturais; luta contra as liberdades hospitalares,

parlamentares e universitárias: busca-se apenas a liberdade do indivíduo isolado e

não mais a dos grupos. Dessa forma, a pouco e pouco, vai tomando forma uma

sociedade atomizada, na qual o indivíduo passa a ser o único valor sociológico. Essa

atomização possibilita uma maior plasticidade social porque com a ruptura dos

grupos sociais e a perda de um estilo de vida, o homem é agora apenas um elemento

inteiramente isolado (do meio, da família e das relações), impossibilitado de resistir

à pressão econômica e forçado, no começo do século XIX, a se deslocar e a se

amontoar nas cidades para trabalhar; assumindo uma nova condição humana criada

pelo maquinismo industrial: a condição proletária. Afirma Teixeira (2002, p. 20):

O despovoamento dos campos e a reestruturação das

classes sociais acarretaram condições

verdadeiramente desumanas de vida, em termos de

habitação, alimentação, vestuário e condições de

trabalho, nas quais jornadas de 16 a 18 horas diárias,

em locais infectos e mal iluminados, contra salários

baixíssimos, era a norma. E, junto com isso, a

precarização das situações familiares, com o

ingresso de mulheres e crianças no mercado de

trabalho que, em algumas fábricas, chegava a 2/3 do

total de empregados.

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5º) O aparecimento de uma clara intenção técnica. Nessa sociedade atomizada,

cuja plasticidade social favorece o progresso técnico, há o fortalecimento do Estado

que passa à autoridade suprema e todo-poderosa, formando “(...) uma sociedade

perfeitamente maleável e de notável ductilidade quer do ponto de vista intelectual

quer do ponto de vista material. O fenômeno técnico nela encontra seu meio mais

favorável, desde o começo da história humana” (ELLUL, 1968, p. 53). É um

período marcado pela característica de uma visão precisa dos potenciais técnicos

aplicados em todos os domínios e que despertou a intenção das massas orientando a

sociedade deliberadamente no sentido da técnica. O que parece ter desencadeado

esse movimento geral em favor da técnica, entre um grande conjunto de causas

combinadas, foi o interesse – grande móvel da consciência técnica. Quando o

interesse industrial, em nome da eficiência, exigiu a procura pelo “one best way to

work”, a pesquisa entrou no domínio técnico, gerando os conhecidos resultados

surpreendentes. Além disso, é o interesse do Estado que vai desenvolver a técnica

industrial e política; a técnica militar e jurídica, na busca por fortalecer o seu poder

frente aos inimigos internos e externos. Já o interesse da burguesia frente à técnica

conscientemente desenvolvida é ampliado ainda mais a partir do esmorecimento da

“moral e da religião” porque os burgueses se encontram livres e sem remorsos para

explorar o homem e ganhar dinheiro; tornando a técnica um dos seus objetivos. A

aliança entre burguesia e técnica vai permitir o avanço da ciência, uma vez que os

burgueses compreendem o quanto o seu êxito econômico está bem associado às

necessidades científicas. Ademais, com a acumulação de capitais vindos do

comércio (capitalismo comercial) é possível a preparação para o impulso industrial

(capitalismo industrial).

É correto afirmar que o progresso técnico acontece em função do dinheiro

da burguesia, porém, o seu interesse na técnica não pode ser considerado o único

elemento a ganhar a adesão das massas porque as reações populares contra o

progresso são frequentes no século XIX já que para os trabalhadores não houve, de

imediato, melhora no nível médio de vida. Se de um lado o poder do Estado e o

dinheiro da burguesia são a favor da técnica; as massas são contra. Teixeira afirma

(2002, p. 26):

(...) o mundo do século XIX, visto em seu

conjunto, foi marcado por agudos afastamentos

entre a fantástica e nova capacidade de gerar

riquezas através do desenvolvimento industrial,

tecnológico e comercial, por um lado, e os

sistemas políticos e o desenvolvimento social, por

outro.

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Como reconciliar a técnica às massas? Poder-se-ia considerar dois fatos que

certamente vão contribuir para transformar essa situação:

• Karl Marx reabilita a técnica diante dos operários. Ele procurou tornar suas ideias

claras para a classe operária, afirmando que a libertação dos operários aconteceria

não lutando contra a técnica, considerada libertadora e elemento de progresso; mas

sim, lutando contra os proprietários privados dos meios de produção. Em síntese, os

operários não seriam vítimas da técnica, mas de seus senhores. “Essa reconciliação

da técnica e das massas, obras de K. Marx, é decisiva na história do mundo”

(ELLUL, 1968, p. 56).

• De forma muito lenta, mas a pouco e pouco, os benefícios da técnica vão sendo

difundidos junto ao povo: diminuição progressiva da jornada de trabalho,

comodidade da vida, facilidade para a medicina e os transportes, melhoramento do

habitat, etc. De 1850 a 1914 há uma prodigiosa transformação que, pela excelência

do movimento técnico, vem trazer maravilhas para a vida dos homens. Essa

convergência entre fato e ideal de melhoria (conforto, qualidade de vida, etc.),

conforme vislumbrara Marx, acaba por desfazer a resistência das massas. Nesse

momento, as massas se reúnem ao Estado e à burguesia para exaltar os milagres da

técnica. “Milagres”, que no século XX, seriam questionados pelos seus efeitos nada

abençoados: aquecimento global, poluição, instrumentalização e coisificação do

homem, etc.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível notar a contribuição trazida pela técnica na diversidade de

contingências advindas das necessidades práticas da existência, constituindo um

esforço humano em busca de melhores condições de vida e de proteção do coletivo:

entre os egípcios, o desenvolvimento da trigonometria; entre os romanos, a

hidráulica; entre os indianos e muçulmanos, a matemática e a astronomia; entre os

gregos, a geometria, a mecânica, a lógica, a astronomia e acústica e entre todos foi

consolidado o esforço de conhecimento aplicado e ligado à fabricação de artefatos a

serem utilizados nas guerras (MATALLO JR., 1989).

Mais recentemente, a tecnologia, herdeira natural da técnica acrescida da

forte presença do conhecimento científico imbricado nela, tem desencadeado uma

extrema racionalização instrumental do meio social, caracterizando uma sociedade

de intenso controle, produto da interação homem-tecnologia e que, paradoxalmente,

tem levado a um irracionalismo por desencadear certa frouxidão no processo de

diferenciação do que é ser humano e o que é ser não-humano devido à convergência

científica e tecnológica da cibernética; a informática e a biologia nos artefatos

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tecnológicos usados em corpos somáticos humanos para aumentar a força física ou a

inteligência. São essas inovações biotecnológicas que parecem sinalizar para formas

pós-humanas de existência, supondo que:

(...) as fronteiras entre os sujeitos, seus corpos e o

mundo exterior, estão sendo radicalmente

reconfiguradas (...) Categorias analíticas centrais que

temos amplamente utilizado para estruturar nosso

mundo, que deriva da divisão fundamental entre

cultura e natureza, estão em perigosa dissolução;

categorias como ‘o biológico’, ‘o tecnológico’, ‘o

natural’ e ‘o humano’ estão agora começando a

borrar (FEATHERSTONE; BURROWS, 1995, p. 3).

REFERÊNCIAS

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CAMBIANO, G. Platone e le tecniche. Turim: Einaudi, 1970.

ELLUL, J. A técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.

FEATHERSTONE, M., BURROWS, R. Cultures of technological embodiment: an

introduction. In: _______; _______ (Eds.). Cyberspace/Cyberbodies/Cyberpunk:

cultures of technological embodiment. London: Sage Publications, 1995.

MATTALO JR., H. A problemática do conhecimento. In: CARVALHO, Maria

Cecília Maringoni de (org). Construindo o saber – metodologia científica:

fundamentos e técnicas. 2 ed. Campinas, SP: Papirus, 1989.

MUMFORD, L. Technics and civilization. Nova York, Harcourt Brace Jovanovich,

1963.

RÜDIGER, F. R. Introdução às teorias da cibercultura: perspectivas do

pensamento tecnológico contemporâneo. Porto Alegre: Sulinas, 2003.

TEIXEIRA, A. (org.). Utópicos, heréticos e malditos: os precursores do

pensamento social de nossa época. Rio de Janeiro: Record, 2002.

VARGAS, M. Prefácio. In: GRINSPUN, M.P.S.Z. (org.). Educação tecnológica –

desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2001. p.7-23.

VERASZTO, E. Projeto Teckids: educação tecnológica no Ensino Fundamental.

Dissertação de Mestrado. Campinas. Faculdade de Educação. UNICAMP, 2004.

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SOBRE OS AUTORES

André Felipe de Albuquerque Fell

Doutor em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor do

Departamento de Ciência da Informação – DCI/UFPE.

Daniel Felipe Victor Martins

Doutorando em Administração pela Universidade de Fortaleza. Professor do

Departamento de Administração da Universidade Federal Rural de Pernambuco

UFRPE/CODAI.

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O CURRÍCULO: DESAFIO PARA INCLUSÃO DOS SURDOS

Daisy Autran

RESUMO: Para que possamos compreender os inúmeros desafios presentes na base

educacional, dos estudantes com deficiência, especificamente, os surdos, trouxemos

para refletirmos o currículo como legitimador do acesso e permanência dos

educandos ou mediador da exclusão. Optamos por analisar nas entrelinhas as

possibilidades de inclusão dos sujeitos surdos colocando-nos em seu lugar, como

um cidadão de direitos, como a educação. Contudo é preciso entender que o

currículo se respalda nas abordagens política, histórica e epistemológica em

consonância as rupturas, paradigmas do mundo pós-moderno quando se enfrenta a

inclusão dos surdos junto as instituições de ensino. Um aspecto de suma importância

sobre as questões curriculares relacionadas com a educação de surdos estão

ancoradas em cima de três pilares: a cultura, o poder, e a construção de identidades,

como tentativas de justificar os efeitos do fracasso escolar massivo na ideologia

escolar dominante.

Palavra-Chave: Currículo; Inclusão dos Surdos, Educação Especial.

ABSTRACT: So we can understand the many challenges present in the educational

base of students with disabilities, specifically, the deaf, brought to reflect the

curriculum as a legitimizer of access and residence of students or mediator of

exclusion. We chose to analyze in-between the possibilities for inclusion of deaf

subjects we are in your place, as a citizen, rights to education. However one must

understand that the curriculum if respaldas in the political, historical and

epistemological approaches in consonance breaks, paradigms of the post-modern

world when is faced with the inclusion of the deaf near educational institutions. An

aspect of paramount importance on curricular issues related to education of so we

can deaf are anchored upon three pillars of culture, power, and the construction of

identities, as attempts to justify the purpose of school failure in school dominant

ideology massively.

Keywords: Curriculum; Inclusion of the Deaf; Especial Education.

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RIFA – Revista Interdisciplinar da Faculdade Anchieta do Recife – v.1, n.1 ago./dez. 2017 42

Recebido em: 14/06/2017

Aprovado em: 16/07/2017

Sistema de Avaliação: Double Blind Review

Editor Científico: Washington Luiz Martins da Silva

INTRODUÇÃO

As discussões sobre o currículo no âmbito educacional de mundo pós-

moderno vêm sendo efetivas nos diferentes contextos das práticas educativas. È

neste cenário de inquietações e reflexões que origina, um problema desafiador sobre

as questões curriculares relacionadas a educação de surdos, respaldadas nos três

pilares: cultura, poder, e construção de identidades. Essa última mais complexa,

quanto nos debruçamos com a história dos surdos no mundo e no nosso pais.

Em tese há uma cumplicidade entre a teoria crítica do currículo e os

estudos surdos para melhor elucidar a compreensão e relação entre eles. Na ótica

dessa teoria, o currículo é um instrumento de construção social e histórica, onde

argumenta que não pode preocupar-se apenas com a estrutura formal do

conhecimento escolar, nem reflexionar ingenuamente sobre uma suposta

neutralidade do conhecimento no conteúdo. Essa teoria, define o currículo como um

espaço de lutas sociais, constituindo de conflitos e relações de poder presentes nos

movimentos surdos no Brasil, ainda hoje.

Nas contribuições de Skliar(1998), tal teoria exerce uma forte influência

para a configuração dos elementos que interagem em diferentes planos, como

indicadores na reforma curricular , nas propositivas das abordagens bilíngue para a

implantação, a princípio, nas escolas que existam os estudantes surdos.

O currículo escolar deixou de ser visto como um elemento neutro e

inocente de transmissão desinteressada do conhecimento, não sendo, portanto, um

artefato técnico se não um dispositivo cultural e social, um território político, um

objeto de permanentes manipulações e moldado de acordo com os interesses

específicos, pedagógicos ou não.

Nesse sentido, o currículo é um território privilegiado onde se manifesta o

conflito cultural em que se reflete as desigualdades sociais existentes nas

abordagens de Freire(1996), critica o currículo tradicional centrado em disciplinas,

vai além, ressalta a importância do disocultar a ideologia subjacente ao currículo

oficial e propõe que se busquem formas de resistências às imposições autoritárias.

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Sugere que construamos uma crítica em cima do currículo tradicional,

repensarmos numa nova elaboração de currículo a partir do levantamento do

universo vocabular situado que diferencia a cultura popular erudita onde referência

culturas de classes populares. Nesta intenção, o currículo passa a ser organizado a

partir de seleção de temas geradores em função da relevância social em que estes

venham assumir para um determinado grupo de pessoas.

Na teorização crítica do currículo, o poder é a ideia central e um elo que

nos permite relacionar com os estudos surdos, princípios que norteiam a

reestruturação curricular na educação de surdos, inclusive desmascarar as relações

de poder presentes nos discursos sobre surdez e os surdos.

Os estudos surdos ainda apontam que o currículo presente nas escolas de

surdos, está estruturado na ideologia ouvitista, produzindo mecanismos de

colonização curricular, quando, o currículo corporifica um conhecimento oficial que

expressa um ponto de vista de grupos dominantes, no caso dos surdos-ouvintes.

Outro aspecto, agravante é como o currículo está sendo discutido nas instituições de

ensino para surdos, caracterizando-as como assistemáticas, onde falta um referencial

teórico(embasamento),que fortalece uma réplica fotográfica, uma legitimação

incondicional do currículo tradicional, presente nos programas das escolas regulares

e legitima um discurso hegemônico que produz identidades surdas para os seus

modelos.

Assim se verifica que as escolas de surdos absorvem a mesma prática de

perfil do currículo tradicional das dos ouvintes, a angústia curricular amplia-se e

ramifica ainda mais presente neste currículo, além de ser homem branco, europeu,

letrado, profissional, etc., é sobretudo, o homem que ao escutar e ao falar, informar,

opinar, teorizar, cria exclusões de outros falantes/ouvintes e de todos surdos, bem

pontuado por Skliar, que nos leva a repensar e refletir sobre a égide das salas de aula

que exerce a teoria da homogeneidade em que os docentes assumem uma curiosa

sensação de serem transmissores desse currículo aplicando aos estudantes surdos

numa pedagogia centrada no imperativo de ser como outros, quer, dizer, de “ não ser

eles mesmos”( traduz-se ,Onde está sua identidade?, Por que não me represento?

Marcados por estigma social, excludente no que tange o currículo tradicional,

respaldado numa ideologia oralista.

Portanto, não devemos esperar que o ensino oficial mude ou exerça sua

intenção nas diretrizes para efetivação de uma inclusão que repense para uma

proposta curricular que esteja centrada na diferença ou deságue no rio da exclusão.

Nossa realidade política, econômica estamos sob o efeito ideológico do

neoliberalismo, muito bem exposto por Skliar(1997,p.243):

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Resulta mais difícil ainda propor uma nova reflexão,

se esta sugere uma saída do limitado contexto de

análise atual - vale dizer, o das reestruturações

curriculares, culturais e ideológicas já esteriotipadas _

e supõe uma apropriação de referências, de discursos e

de conteúdos que talvez falem de sujeitos diferentes

dos surdos. Outros sujeitos que por certo, também

foram excluídos de um processo de educação em virtude de suas diferenças.

A ideologia da inclusão, não acredita, primeiramente nos rótulos e

etiquetagens sinalizados pela ideologia as segregação, da mesma forma que, não

acredita também que o sujeito necessite de um ambiente educativo adequado,

diferente ou de formas prévias de procedimentos educativos. Os militantes da

inclusão, afirmam, acreditam que o estudante com deficiência em sua aprendizagem

deve ser potencializado no ensino regular da mesma maneira que qualquer criança.

Pensar numa sociedade inclusiva, é antes de tudo, refletir sobre a

diversidade humana através dos aspectos:

1. Utilizar a diversidade humana ou deficiência, como estratégia catalizadora

de avanço e justiça social com todos os segmentos sociais na universalização

de direitos( organizações governamentais , não governamentais, sociedade

civil;

2. Provar que as pessoas com deficiências são geradoras de capital social;

3. Reivindicar para as instituições brasileiras de ensino, o direito de ser um

bem público priorizando parcerias éticas;

4. Provocar o entendimento de que a inclusão é devidamente uma forma

generosa de resolver problemas da segregação social (estudantes com

deficiência na escola, especial); fato que ainda se perpetuam no universo

educacional.

Nesse sentido, o conceito de sociedade inclusiva é caracterizado como

revolucionário e está ancorada na única certeza, ninguém descansa de suas

deficiências nem de seus talentos, mais uma vez prova que a sociedade não pode a

descansar também. A inclusão é uma ação política e opção ética, que exige uma

práxis de justiça social, seja ela individual ou coletiva de um cidadão legitimando

seus direitos e deveres.

O movimento pela inclusão da pessoa com deficiência traz implicações e

polêmicas no universo de profissionais que atuam junto ao atendimento desse

segmento. Para Aranha (2000), inclusão social é: “um processo bidirecional, de

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garantia de acesso imediato da pessoa com deficiência ao espaço comum da vida em

sociedade, independentemente do tipo de deficiência e do grau de

comprometimento. ”

As abordagens oriundas das discussões atuais se distanciam cada vez mais

das concepções tradicionais de individualização da deficiência, que a definiam como

tributo e responsabilidade do sujeito. Sob esse ângulo é preciso pontuar dois grandes

desafios no que tange as minorias sociais, as pessoas com deficiência- o primeiro,

relacionado as políticas educacionais (quantidade/qualidade da oferta educativa),

ainda há municípios que não dispõem de um atendimento educacional especializado

que contemple as diferenças e suas especificidades, no caso as pessoas com

deficiência, muito precário esses serviços no cenário educacional longe de um

atendimento com equidade e de qualidade.

Um dos grandes entraves no processo inclusivo, direciona para uma

ideologia do modelo neoliberal em que as políticas educacionais estão atreladas ao

mercado regulador e distribuidor da riqueza e renda cujo os princípios de liberdade e

do individualismo justificam tal sistema.

Nesse caso, a ofensiva neoliberal pode caracterizar-se bivalente, visto que

tanto pode ser uma nova pedagogia de exclusão e de inclusão, que instala a

perversão da ideia de fronteira, separando hipotéticos excluídos dos incluídos, de

acordo com sua capacidade ou dificuldade de permanecer dentro ou fora das

instituições, de seu saber, poder, ter,ser, etc. Poderíamos refletir numa Pedagogia da

Alteridade, respeitando todos como direito na efetivação legal Política Nacional dos

Direitos Humanos, pertinentes as pessoas com deficiência.

Traduzindo a educação escolar, “competem” às redes públicas e

governamentais assegurem o acesso e permanência nas escolas das pessoa com

deficiência principalmente à proposta pedagógica que não está fundamentada nos

princípios inclusivos. Assim, então o sentido da inclusão, é compreendido apenas

como um processo que sirva de socialização da diferença que é suposta como

excluída, presentes na escola comum, formação de guetos com estudantes surdos.

Por outro prisma os discursos da escola inclusiva parece operar, pelo menos

sob dois níveis diferenciados: um progressista, onde se diferenciam as formas

terríveis e sórdidas de discriminação/ exclusão das escolas especiais; o outro o

totalitário, pertencente as práticas pedagógicas, que reforça e reproduz o sujeito

especial de forma segregada.

É óbvio que essa realidade se estenda na inclusão dos estudantes surdos na

rede de ensino regular comum que revivemos mais uma vez com o problema de

significados políticos e de representações.

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Para tanto ampliam-se questionamentos do tipo: como fazem os surdos para

desenvolver sua aprendizagem, sua identidade, sua língua de sinais? Quem vai

interagir com o surdo? O professor tem formação na língua de sinais? O surdo

mesmo com intérprete, consegue se alfabetizar, já que sua função é traduzir os

conteúdos curriculares das disciplinas?

A realidade da prática e o discurso da inclusão, se transformam numa

pseudo-inclusão, ou mesmo exclusão. Uma inclusão excludente, exemplificando

alguns professores ouvintes de estudantes surdos inseridos em sala comum e que

tendem simplificar um percentual dos conteúdos escolares embora não dominem a

língua de sinais, nem convivem nas comunidades surdas.

Tenor (2008, p.38), dentro do paradigma da educação inclusiva, assinala

que as escolas precisam ser reestruturadas para acolherem todos quer sejam ou não

com necessidades especiais ou de outras características atípicas. É, pois, o sistema

que deve adaptar-se às necessidades dos seus alunos e não ao contrário.

É preocupante a forma como está se processando à inclusão nas instituições

de ensino, principalmente quem está dando as cartas na exterioridade da escola,

onde o perfil é integracionista. O processo de inclusão do surdo para se efetivar é

necessário compreender sua identidade, sua língua de sinais com uma elaboração da

proposta educacional numa abordagem bilíngue.

Uma proposta educacional na vertente do bilinguismo, fortalece práticas

inclusivas quando efetivamos a identidade dos surdos em sua língua de sinais, e

assim se materializa os pressupostos num reconhecimento mais geral do

bilinguismos. Importante esclarecer nos discursos que nos debruçamos, em que há

equívocos quanto a concepção, compreensão do bilinguismo e do ser bilíngue. São

processos distintos e interdependentes. Exemplificando-os, imaginemos dois

conjuntos universos: um duas línguas: outro estudantes. O ponto de interseção, seria

a teoria, a aprendizagem, os estudantes surdos, as escolas). Atribui-se bilinguismos

as fundamentações teóricas, aos princípios filosóficos estudados nas academias

focados na educação inclusiva e áreas afins. Já ser bilíngue, significa o

conhecimento, aprendizagem de duas línguas, sua língua nativa, e outra adquirida,

pro- eficiência nas línguas, conhecimento linguístico, pedagógico, social e cultural.

Na corrente bilíngue na educação dos surdos devemos compreender que os

objetivos deverão seguir os aspectos apresentados por Skliar( 1998 ):

• Criar um ambiente linguístico apropriado às forma particulares de

processamento cognitivo, linguístico das crianças surdas;

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• Assegurar/ respeitar o desenvolvimento sócio- emocional íntegro das

crianças surdas a partir da identificação com surdos adultos;

• Garantir a possibilidade da criança construir uma teoria de mundo:

• Oportunizar o acesso completo à informação curricular e cultural.

Não, podemos desconsiderar que a preocupação atual é respeitar a autonomia

das línguas de sinais e estruturar um plano educacional que não afete a experiência

psicossocial e linguística da criança surda. A proposta bilíngue busca captar e

fortalecer esse direito, segundo QUADROS(1997)..

Nessa perspectiva, uma proposta puramente bilíngue, não é viável, porque

além de bilíngue deve ser biocultural para favorecer o acesso rápido e natural da

criança surda à comunidade ouvinte e para fazer com que ela se reconheça como

parte integrante de sua comunidade surda. Isso será possível, se a criança tiver uma

identificação sólida com seu grupo, caso contrário, terá dificuldades de pertencer as

comunidades sejam ouvintes ou surdas. Um contingente real que verifica-se nas

esperas municipais quanto se matriculam nas instituições de ensino, não sabem sua

língua natural- A Língua de Sinais Brasileira, especificamente nos municípios que

não efetivam as políticas inclusivas como é para serem direcionadas.

Podemos caracterizar um currículo escolar numa perspectiva bilíngue,

sugerido por Quadros, referindo-se aos conteúdos aplicados nas escolas

comuns(desenvolvidos). A escola deverá trabalhá-los nas duas línguas, no nosso

caso em Língua Portuguesa e em Libras em momentos específicos na sala de aula.

DAVIES(1994, pp.111-112) , descreve três características básicas para o

perfil do professor:

• Deve ter habilidade para levar cada criança a identificar-se como adulto

bilíngue; um desafios junto aos familiares;

• Deve conhecer profundamente as duas línguas, ou seja, deve conhecer

aspectos das línguas requeridos para o ensino da escrita, além de ter bom

desempenho- escassez de investimento na formação docente

• Deve respeitar as duas línguas- isso não significa tolerar a existência de

outra língua- reconhecendo o estranho linguístico comum a elas e atentando

às diferentes funções que cada língua apresenta para criança.

Para SKLIAR(1998) , o fracasso dos alunos surdos nas escolas regulares se

dá muitas vezes, pelo fato de tentar uma espécie de disciplinamento do aluno surdo,

levando-o para o mais próximo possível da realidade dos ouvintes tanto em nível de

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aproximação espacial quanto a semelhança no desempenho. Dessa forma, a escola

inclusiva - que deveria resguardar o respeito ás diferenças - acaba de fazer do surdo

uma espécie de caricatura do ouvinte, negando sua identidade, sua língua materna,

sua cultura.

Será que nossas instituições de ensino estão refletindo e abrindo espaços

discursivos nesse sentido? Ou ainda estão resistentes sob a égide da diferença?. Não

dá mais para esperar ou sermos omissos, diante do processo de inclusão do surdo

frente ao sistema de ensino proposto, instituicionalmente. Entretanto é oportuno

lembrar que a proposta de educação bilíngue pode ser interpretada por discursos

que reforcem práticas clínicas hegemônicas ou ainda se transformar numa

metodologia colonialista, positivista, a histórica e despolitizada,(Skliar,1997.a,b).

isto significa que a educação bilíngue para os surdos deve se deslocar dos espaços

escolares, das descrições formais e metodológicas, para localizar-se nos mecanismos

e relações de poder, conhecimento, situadas dentro e fora da proposta pedagógica.

A proposta de educação bilíngüe, "busca respeitar o direito do sujeito surdo,

no que se refere ao acesso aos conhecimentos sociais e culturais em uma língua que

tenha domínio" (SKLIAR, 1998 apud VICTOR et al, 2010).

Por recomendação do MEC, o ensino de surdos no Brasil precisa ser:

"(...) efetivada em língua de sinais, independente dos

espaços em que o processo se desenvolva. Assim,

paralelamente às disciplinas curriculares, faz-se

necessário o ensino de língua portuguesa como

segunda língua, com a utilização de materiais e

métodos específicos no atendimento às necessidades

educacionais.”(SALLES,et,AL,2004p.47)

Ainda nesta direção está a recomendação da UNESCO quanto ao direito de

toda criança a aprender, na educação básica, em sua língua materna.

Para que a formação bilíngue ocorra, é indicado que haja um instrutor

surdo responsável por ensinar e transmitir a cultura surda juntamente com a

LIBRAS, trabalhando em conjunto com o professor bilíngüe, ouvinte.

A educação do surdo pela proposta bilíngue apresenta como primordial o

acesso da criança, com deficiência auditiva, à sua Língua materna, sendo de

preferência a vivência e aprendizagem desta estimulada pelo contato com

comunidade surda, na qual estará inserida quando maior. Seu desenvolvimento na

Língua materna é considerado primordial para o aprendizado da segunda Língua

(língua oral), em sua forma escrita a ser aprendida na escola.

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Nesta proposta entende-se a Língua sinalizada como materna para o sujeito

surdo, devido suas características, por primazia visual, que compensam eficazmente

a falta de comunicação, situação imposta pela deficiência auditiva. A Língua

sinalizada é reconhecida como L1, ou primeira Língua. Por serem as principais

características das Línguas oficiais, que são utilizadas pela grande maioria nas

comunidades, orais e auditivas, são entendidas nesta proposta como segunda língua

para o sujeito surdo, ou L2.

A educação bilíngue de surdos no Brasil, esta amparada pela Lei e é

recomendada pelo Ministério Nacional da Educação (MEC), como sendo uma

proposta válida e eficaz para o ensino das duas Línguas reconhecidas pelo país,

Língua Portuguesa e LIBRAS, necessárias para a inclusão social efetiva destes

sujeitos.

O Decreto n° 5.626 de 22/12/2005, que regulamenta a Lei nº 10.436/2002,

em seu capítulo VI, artigo 22 determina que se organize, para a inclusão escolar:

"I – escolas e classes de educação bilíngüe, abertas a alunos surdos e ouvintes, com

professores bilíngües, na educação infantil e nos anos iniciais do

ensinofundamental;

II – escolas bilíngües ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos

surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou

educação profissional, com docentes de diferentes áreas do conhecimento, cientes da

singularidade linguística dos alunos surdos, bem como a presença de tradutores e

intérpretes de Libras – Língua Portuguesa." (NOVAES, 2010 p.73)

Ainda no artigo 22, parágrafo 1º, este Decreto descreve como escola ou

classe de ensino bilíngüe “aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua

Portuguesa sejam língua de instrução utilizada no desenvolvimento de todo o

processo educativo”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar em educação de surdos, não é tão fácil assim. As diretrizes

educacionais deverão maximizar o acesso e permanência dos surdos em seu

processo de aprendizagem em consonância com ações inclusivas registradas no

Projeto Político Pedagógico em que o eixo central é o ensino e conhecimento da

Libras que deverá estar contextualizado na proposta curricular analisando os

pressupostos ideológicos que subsidiam em sua construção, enfatizando sua

identidade e cultura surda.

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Pensar na proposta bilíngue para surdos nos remete fazermos reflexões

pautadas em: compromisso; obrigação do Estado; amordaçamento da cultura

surda(negação das múltiplas identidades surdas) numa sociedade ouvinte; políticas

públicas efetivas quanto a inclusão dos surdos;a ouvitinização do currículo escolar,

burocratização da língua de sinais dentro do espaço escolar, investimento na

formação do professor, a separação da escola de surdos da comunidade surda.

Precisamos ter clareza e compreender que educação bilíngue, não é o

mesmo que educação especial. São inúmeros equívocos nos dicursos oriundos nos

espaços escolares. Educação bilíngue, não pode ser definida como um novo

paradigma na educação especial, mas como um paradigma oposicional.

Sabemos que os surdos foram reféns de um sistema educacional

excludente, impõe, segrega uma condição de permanecerem no ensino especial,

ainda hoje visto.

Portanto, a proposta educacional bilíngue vem revolucionar para um novo

olhar nas diretrizes educacionais quanto a inclusão dos surdos muito bem

regulamentada pelo Decreto nº 5.626/22/12/2005.

De acordo com Felipe(1992), o bilinguismo(abordagem) almeja

proporcionar ao surdo a condição de utilizar bem as duas línguas: as de sinais e da

comunidade ouvinte, posteriormente escolhendo que língua utilizar para sua

comunicação de acordo com a situação em que se encontra.

Mesmo com os avanços, vitórias de pessoas surdas com os espaços para

divulgação, reflexão, discussão ainda são escassos quanto ao processo de

transformação, experiências em suas ações de fortalecer seus direitos de cidadania.

Contudo a educação dos surdos junto ao bilinguismo é legal, garantida na

Lei nº 10.346/2002 e regulamentada pelo decreto nº5626/2005, que no capítulo IV,

art. 14, § 1º - prevê a necessidade de ofertar, obrigatoriamente, dedes a educação

infantil, o ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como 2ª língua para os

alunos surdos e ainda prover as escolas com professor para o ensino da língua

Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas.

A educação bilíngue para surdos segue como uma proposta inclusiva

desafiadora para um sistema educacional de uma cultura pedagógica ouvitista cuja

complexidade existente está na proposta curricular vigente. Como garantir o direito

do surdo um currículo que favoreça o desenvolvimento na Libras e facilite o ensino

/aprendizagem?

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Assim, para que se possa de fato compreender o paradigma da inclusão é

oportuno refletir sob a reforma curricular, a formação docente e processo avaliativo

do sistema educacional para os surdos.

REFERÊNCIAS

ARANHA,M.S.F. Inclusão social e municipalização. In: MANZINI, E.S. Educação

especial: temas atuais. Marília, SP:UNESP,2000,p.p .01-09;

_______. Educação inclusiva.A escola v.3 25p. Brasília-DF.,MEC/SEESP,2004.

Disponível em ; <<http:/portal.mec.gov.br/seesp/arquivos:/txt.>>. acesso em

23,março,2011.

DAVIES Atualidades da educação bilíngue para surdos.Porto Alegre:Mediação,

1994

FELIPE, Tayna Amara. Por uma proposta de educação bilíngue. Rio de Janeiro:

Setembro,1992.

NOVAES,M.H. Psicologia para criança entender. Rio de janeiro:PUC,1991.

TENOR, Ana Claúdia. A inclusão do aluno surdo no ensino regular na

perspectiva de professores da rede municipal de ensino em Botucatu.

Dissertação. USP, São Paulo,2008,117p.

QUADROS,Ronice Muller de. Inclusão dos Surdos.In: ensaios pedagógicos

construindo escolas inclusivas. Brasília: Mec/SEESP,2005.Ministério da

Educação. Lei n]10.436/2002. Decreto nº 5.626/2005. Disponível

em:,<httpIIwww.dicionariolibras.com.br/website/artigo>acesso em 31 jan 2012.

SKLIAR,Carlos. Educação e exclusão. Abordagem sócio – antropológica em

educação especial. Porto Alegre:Mediação,1997

.__________________, Atualidade da educação bilíngue para surdos. Vol. I.

Porto Alegre: Mediação,1998

SOBRE A AUTORA

Daisy Autran

Graduada em Fonoaudiologia pela Universidade Católica de Pernambuco e

Pedagogia pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda. É Pós-graduada em

Educação Especial pela Faculdade Francinete do Recife, e Educação

Inclusiva/Libras pela Instituição APHA. É professora da Faculdade Anchieta do

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Recife e Professora da Prefeitura Municipal de Jaboatão dos Guararapes exercendo

a função de Coordenadora Educacional.

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A PROFISSÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DA DOCÊNCIA:

DIÁLOGO E CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DAS

PROFISSÕES

Magna Sales Barreto

Clarissa Martins de Araújo

RESUMO: O presente artigo, situa-se no campo de estudo da formação de

professores buscando tratar do processo de construção da profissão docente,

trazemos as discussões perpassando sobre diferenciação entre ofício e profissão,

evidenciando a necessidade de observar e constituir a docência enquanto

enveredando pela discussão do processo de profissionalização da docência. O aporte

teórico fundamentado em VEIGA; ARAUJO; KAPUNZINIAK, (2005),

(RAMALHO; NÚÑEZ; GAUTHIER, 2004). que visa discutir o processo histórico

de construção da docência, o surgimento da escola, e a luta pelo processo de

profissionalização docente além dos teóricos da literatura brasileira que vem

dedicando esforços ao debate, dialogamos também com as contribuições do campo

da sociologia das profissões discussões com teóricos como Parsons (1972)

Chapoulie (1973) Freidson (1973) e a partir dessas reflexões com um olhar

específico para a docência podemos refletir sobre a constituição da profissão

docente e seu processo de profissionalização.

Palavras-chave: Profissão docente, profissionalização, sociologia das profissões

ABSTRACT: This article focuses on the training of teachers in order to deal with

the process of construction of the teaching profession. We bring the discussions

through the differentiation between the profession and the profession, evidencing

the need to observe and constitute teaching while undertaking the discussion of

Professionalization of teaching. The theoretical contribution based on VEIGA;

ARAUJO; KAPUNZINIAK, (2005), (RAMALHO, NÚÑEZ and GAUTHIER, 2004).

Which aims to discuss the historical process of teaching construction, the

emergence of the school, and the struggle for teacher professionalization process

beyond the Brazilian literature theorists who are dedicating efforts to the debate, we

also dialogue with the contributions of the field of sociology of professions

discussions with Theorists such as Parsons (1972) Chapoulie (1973) Freidson

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(1973) and from these reflections with a specific look at teaching we can reflect on

the constitution of the teaching profession and its professionalization process

Keywords: Teaching profession, professionalization, sociology of professions

Recebido em: 22/04/2017

Aprovado em: 05/07/2017

Sistema de Avaliação: Double Blind Review

Editor Científico: Washington Luiz Martins da Silva

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho se propõe discutir o processo de construção da profissão

docente, as discussões perpassam sobre diferenciação entre ofício e profissão

enveredando pela discussão do processo de profissionalização da docência.

Trazemos ao debate o seu processo histórico, o surgimento da escola, os teóricos da

literatura brasileira que estão dedicando esforços ao debate e dialogamos também

com as contribuições do campo da sociologia das profissões travando discussões

com teóricos como Parsons (1972) Chapoulie (1973) Freidson (1973) e a partir

dessas reflexões com um olhar específico para a docência podemos refletir sobre a

constituição da profissão docente e seu processo de profissionalização. Nesses

termos levantamos a seguintes pergunta: A profissão docente é um ofício ou uma

profissão?

Buscando entender a discussão sobre o termo “Profissão” relacionado à

docência, encontramos o estudo de Espíndola (2009) que nos traz definições sobre a

palavra “professor”. Essas definições, extraídas de dicionário, revelam a variedade

de sua utilização no nosso contexto social, conforme a seguinte observação:

Professor: aquele que professa uma crença, uma religião. 2. Aquele cuja profissão é

dar aulas em escola, colégio ou universidade, docente, mestre. 2.1. Aquele que dá

aulas sobre algum assunto. 2.2. Derivação por extensão de sentido: aquele que

transmite algum ensinamento a outra pessoa. 3. Aquele que tem diploma de algum

curso que formam professores (como o normal, alguns cursos universitários, o curso

de licenciatura, etc.). Derivação de sentido figurado: Indivíduo muito versado ou

perito em (alguma coisa) (HOUAISS; VILLAR; FRANCO 2007).

A palavra profissão, conforme Popkewitz (1992), não sugere a existência

de uma definição fixa ou universal, que seja independente do tempo e do lugar,

“bem pelo contrário, profissão é uma palavra de construção social, cujo conceito

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muda em função das contradições sociais em que as pessoas a utilizam” (idem,

p.38).

O seu conceito vem do latim professio (declaração, profissão, exercício,

emprego). Esse termo evolui socialmente e está caracterizado por mudanças sociais

e econômicas ocorridas ao longo da história. Portanto, não é uma palavra neutra,

diferenciando-se do que o senso comum entende por ofício ou ocupação. “A

profissão é um ato específico e complexo, e diz respeito a um grupo especializado,

competente” (VEIGA; ARAUJO; KAPUNZINIAK, 2005, p. 25).

Os estudos da Sociologia Clássica, desde o início do século passado, nos

mostram que vem sendo realizada uma reflexão sobre as profissões e sua

profissionalização, ou seja, sobre o processo percorrido pelas ocupações para que

estas evoluam e atinjam o status de profissão, sendo a profissionalização

considerada como processo linear, baseado em normas e modelos de profissões

liberais já estabelecidas (RAMALHO; NÚÑEZ; GAUTHIER, 2004).

O estudo das profissões não foi um campo respeitável e de destaque nas

ciências sociais. Com efeito, até pouco tempo, os estudiosos europeus o

consideravam um vício peculiarmente anglo-saxão. Mas isso tem mudado. Nos

últimos dez anos, mais ou menos, historiadores de uma série de nações têm

elaborado histórias de uma variedade de profissões, não apenas de profissões

liberais reconhecidas convencionalmente, como advogados, médicos e engenheiros,

como também da profissão docente praticada no âmbito da universidade

(FREIDSON, 1996).

De acordo com Hoyle (1980, p.47), profissão é uma categoria descritiva,

que a partir de critérios estabelecidos pode ser categorizada da seguinte maneira:

1. Uma profissão é uma ocupação que efetua uma função social crucial;

2. O exercício dessa função requer um nível considerável de competência;

3. Essa competência é usada em situações que não são sempre rotineiras, mas nas

quais novos problemas e situações serão tratados;

4. Assim, embora o conhecimento adquirido através da experiência seja importante,

essa receita-padrão de conhecimento é insuficiente para satisfazer as exigências

profissionais e o prático deve recorrer a um corpo de conhecimento sistemático;

5. A aquisição deste corpo de conhecimento e o desenvolvimento de competências

específicas requer um longo período de instrução superior;

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6. Esse período de educação e formação envolve também o processo de socialização

dentro de valores profissionais;

7. Esses valores têm tendência em se inclinar para a preeminência dos interesses do

cliente e, até a um certo nível, eles são explícitos dentro de um código de ética;

8. Visto o fato que o conhecimento de base e as competências são aplicados em

situações não rotineiras, é indispensável que o profissional possa ter a liberdade de

fazer os suas próprias apreciações tendo em conta a prática apropriada;

9. Tendo em conta que o profissional é assim tão especializado, a profissão

organizada deve ter uma voz forte na implementação de políticas públicas

importantes, um grande nível de controle sobre o exercício das responsabilidades

profissionais, e um grande nível de autonomia em relação com o estado;

10. Uma formação longa, responsabilidade e convergência nos interesses do cliente

são necessariamente recompensados por um grande prestígio e um grande nível de

remuneração.

Nesse contexto, as profissões, enquanto ocupações reconhecidas

oficialmente, distinguem-se em virtude da posição relativamente elevada que

ocupam nas classificações da força de trabalho. Em parte, isso se deve às aspirações

ou origens de classe de seus membros, porém ainda mais importante é o tipo de

conhecimento e de habilidade vistos como requisitos para seu trabalho. Assim, de

acordo com Freidson (1996), como qualquer ofício e ocupação, uma profissão é uma

especialização, um conjunto de tarefas desempenhadas por membros da mesma

ocupação, ou donos do mesmo ofício.

Quanto à diferença entre profissão e ofício, Braem (2000) traz a seguinte

explicação: a autora destaca que, o dicionário Robert dá indicações sobre Ofício e

Profissão e que mostra zonas semânticas comuns e divergentes. A zona comum é

especificada pelo fato que, em ambos os casos, trata-se duma ocupação determinada

a partir da qual uma pessoa pode tirar os seus meios de subsistência. Quanto às

diferenças, exprimem-se também. Ofício: tipo de ocupação manual ou mecânica que

tem sua utilidade na sociedade; profissão: ofício que tem certo prestígio por causa

do seu caráter intelectual ou artístico, por causa da noção social daqueles que a

exercem. Além disso, a etimologia de ofício remete para serviço e a de profissão à

declaração pública (grifo nosso).

Em seus estudos, Arroyo (2000) nos chama atenção ao termo “ofício”,

ressaltando que o mesmo está atrelado a um saber qualificado, profissional. Para o

autor, “os ofícios se referem a um coletivo de trabalhadores qualificados, os mestres

de um ofício que só eles sabem fazer, que lhes pertence, porque aprenderam seus

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segredos, seus saberes e suas artes. Uma identidade respeitada, reconhecida

socialmente” (p. 18). A partir desse entendimento do que seja um ofício ou uma

profissão começamos a direcionar nosso olhar para a profissão docente e inquieta-

nos o fato de que apesar de considerarmos a docência como profissão é necessário

atentarmos para o fato de que ela pode não estar constituindo-se de fato como uma

profissão nesse sentido, Enguita (2002) situa os docentes em lugar intermediário e

contraditório entre a organização e a oposição de trabalhadores, caracterizando a

docência como semi-profissão, uma vez que os docentes não estão determinando os

fins de seu trabalho.

Destacamos, contudo, que a docência é o trabalho que o professor

desempenha a partir de um conjunto de funções que vão além do ministrar das aulas.

São funções formativas que demandam um conhecimento abrangente sobre a

disciplina e sobre como explicá-la, mas que foram tornando-se mais complexas com

o tempo, provocando novas condições de trabalho e o surgimento de outras funções

na profissão docente. Conforme nos aponta Tardif e Lessard (2008, p.277), que uma

profissão, no fundo, não é outra coisa senão um grupo de trabalhadores que

conseguiu controlar (mais ou menos completamente, mas nunca totalmente) seu

próprio campo de trabalho e o acesso a ele através de uma formação superior, e que

possui certa autoridade sobre a execução de suas tarefas e os conhecimentos

necessários à sua realização.

Desse modo considerando que para atuar como um docente exige-se do

sujeito que domine os conhecimentos necessários, como conteúdos e saberes

pedagógicos e que, para isso, torna-se fundamental e necessária uma formação a

nível superior e necessita desenvolver habilidades e saberes especificamente

docente; conclui-se que podemos considerar a docência uma profissão, mas

evidentemente que em constante transformação com efetiva autoafirmação, diante

da desvalorização ao qual ainda está remetida o labor docente.

Percebemos em nossas leituras que a função docente não se deu

inicialmente de forma especializada, pois ela não era tida como ocupação principal,

mas sim secundária, sendo realizada por padres e leigos. Vale ressaltar que o início

da profissão de professor ocorreu sobretudo nas instituições religiosas. Também já

existiam outros grupos que lecionavam em tempo integral. Mas buscando entender

essa constituição da profissionalização da docência discutiremos adiante seu

processo histórico.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. Profissionalização da docência: processo histórico e o

surgimento da escola

Sabe-se que a atividade de ensino é tão antiga quanto à humanidade, porém

o início da profissão docente é identificado há pouco mais de 300 anos, por volta do

século XVII, no contexto de desenvolvimento da urbanização, fortalecimento das

cidades e a decadência da aristocracia, decorrente do surgimento da burguesia. O

cenário era, portanto, de luta pela democratização, onde a reivindicação do ensino

sistematizado das primeiras letras, para todos, possuía papel de destaque (PENIN,

2009). É no âmbito da difusão da escola moderna que é possível entender o

desenvolvimento da história da profissão docente que foi se tornando cada vez mais

diversificada e complexa e as transformações pelas quais ela tem passado desde a

origem, no que concerne à sua composição, às exigências de formação, as condições

de trabalho, às formas de organização profissional e as representações da categoria

acerca do próprio trabalho (VICENTINI; LUGLI, 2009).

Conforme Nóvoa (1991) A escola entre os séculos XV e XVIII, se incube

do trabalho de reprodução das normas de transmissão cultural, denominadas Petit

écoles “Sob o domínio da Igreja, as redes de Petit écoles e de colégios não vão parar

de se desenvolver até o século XVIII” Nóvoa (1991 p.115). O autor também

identifica duas fases na história da escola, a primeira fase é da dominação da escola

pela Igreja, que persiste até o início do século XVIII, e a segunda fase é a

dominação da escola pelo Estado, sendo que esta última fase estende-se, aos dias

atuais, essas fases apresentadas caracterizam o processo de escolarização das

crianças. Esse processo assegurou o deslocamento do papel educativo das

comunidades e das famílias para a instituição escolar. A escolarização servia ainda

aos interesses de uma burguesia em ascensão social, porém no final do século

XVIII, o modelo educativo sobre o domínio da Igreja não responde mais às

exigências econômicas dos aparelhos de produção, e também não atende às

demandas sociais de formação da população (NÓVOA, 1991). “O Estado toma o

lugar da Igreja e assiste-se a um processo de institucionalização e estatização de

sistemas escolares que tendem a tornar-se o instrumento privilegiado da formação,

em todos os níveis, para todas as categorias de ensino para todas as categorias

sociais” (NÓVOA, 1991 p.116). Houve, portanto, uma preocupação maior com o

professor, de como seria seu perfil ideal, o que culminou com a estatização do

ensino, quando o Estado passou a ter um controle maior sobre os processos

educativos, antes de responsabilidade da Igreja. O professor, agora sob a tutela do

Estado, é por este pago e recrutado. Essa intervenção do Estado provoca uma

unificação entre religiosos e leigos, que fazendo um enquadramento estatal, define a

função de educar a docência, estruturando-a como profissão. A partir de então,

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progressivamente, foi-se configurando um corpo de saberes e de técnicas, bem como

um conjunto de normas e valores específicos da profissão docente (NÓVOA, 1995).

O Estado passa a implementar medidas de regulamentação da profissão

docente, como a licença para ensinar, concedida ao sujeito que dispusesse de alguns

requisitos, como habilitações literárias, idade, bom comportamento moral, entre

outros, e fizesse um exame ou concurso para a área. Dessa forma, intensifica-se a

atuação do professor havendo, portanto, o aperfeiçoamento de instrumentos e

técnicas pedagógicas, a introdução de novos métodos de ensino e o alargamento dos

currículos escolares. Devido às dificuldades que se apresentaram no processo de

ensino e aprendizagem, o trabalho do professor torna-se inquietação de especialistas,

que passam a dedicar seu tempo a entender como esse trabalho se constitui e se

desenvolve no contexto educacional (NÓVOA, 1995).

Sendo assim, como nos aponta Brzezinski (2002, p.11), o Estado passa “a

homogeneizar, hierarquizar e dar uma unificação, em escala nacional à profissão,

passando a promover um enquadramento ao padrão estabelecido oficialmente”. Isso

não significa, entretanto, que o Estado tivesse nesse momento a intenção de

profissionalizar a docência, de forma a valorizar os profissionais da educação,

percebendo-os como parte de um conjunto. A regulação dava-se a partir de

características mais funcionais do que profissionais.

As mudanças que ocorreram na atividade docente no decorrer dos séculos

ocasionaram a criação de associações profissionais. Conforme Nóvoa, "a

emergência deste ato corporativo constitui a última etapa do processo de

profissionalização da atividade docente, na medida em que corresponde à tomada de

consciência do corpo docente de seus próprios interesses enquanto grupo

profissional" (NÓVOA, 1992, p. 125). Ainda de acordo com o autor, entre o final do

século XIX e início do XX, a categoria dos professores reivindicava “a melhoria do

estatuto, o controle da profissão e a definição de uma carreira.” (NÓVOA, 1992,

p.128). Na sua compreensão existem quatro grandes categorias: 1) docentes que se

assumem como funcionários públicos; 2) docentes que têm por objetivo construírem

uma identidade de atores através da recusa do papel de servidores do estado; 3)

docentes que tentam definir sua identidade profissional em torno do ato educativo e

de sua originalidade; 4) docentes que se distinguem das outras categorias propostas

apresentando-se como militantes (NÓVOA, 1992, p.129).

Cabe salientar que a discussão do processo de profissionalização

classificando uma ocupação como profissão, associando as expectativas, o processo

histórico e o processo de reconhecimento social de uma atividade, tem sido objeto

de debate no âmbito das produções sociológicas que discutem as sociedades

contemporâneas. Desse modo, discutiremos adiante as contribuições e debates que a

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sociologia das profissões veem estabelecendo em relação ao processo de

profissionalização.

2.2. A sociologia das profissões e o diálogo sobre as profissões e sua

profissionalização: um olhar para a docência

Percebe-se que os estudos sociológicos sobre as profissões vêm

prosseguindo no entendimento da profissão como uma construção que não é apenas

histórica, mas também social. Sendo, portanto, um fenômeno social, a profissão se

transforma de acordo com as mudanças sociais, não podendo se resumir aos

atributos definidos inicialmente, pois uma profissão revela um movimento de luta e

de disputa política, de contradições e conflitos que se inserem no processo de

construção de uma profissão.

Parsons (1972) afirma que profissão seria um sistema de solidariedade no

qual se constrói a identidade baseada na competência técnica dos membros em torno

do ideal de serviços. Essa visão parsoniana contribui a percepção de docência

enquanto vocação, o que dificulta a profissionalização da docência. Segundo

Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004), essa percepção da profissão docente, é

classificada como Modelo Fásico, conhecido como modelo estrutural ou

funcionalista que está vinculado a uma ideia de vocação e a um serviço social que se

presta de forma desinteressada.

De acordo com Tardif (2002) historicamente, os professores foram durante

muito tempo, associados a um corpo eclesial que agia com base nas virtudes da

obediência e da vocação. Essas percepções contribuíram para certa indefinição da

profissão, contribuindo de certo modo com a desvalorização docente, tal como

afirma Nóvoa (1995, p. 16):

Ao longo do século XIX consolida-se uma

imagem do professor, que cruza as referências ao

magistério docente, ao apostolado e ao sacerdócio,

com a humildade e a obediência devidas aos

funcionários públicos, tudo isto envolto numa

auréola algo mística de valorização das qualidades

de relação e de compreensão da pessoa humana.

Simultaneamente, a profissão docente impregna-se

de uma espécie de entre-dois, que tem

estigmatizado a história contemporânea dos

professores: não devem saber de mais, nem de

menos; não se devem misturar com o povo, nem

com a burguesia; não devem ser pobres, nem

ricos; não são (bem) funcionários públicos, nem profissionais liberais”.

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Chamamos a atenção que há ainda hoje, inegavelmente a concepção de que

a docência se equipara ao sacerdócio, a uma missão, conforme pautava o

entendimento tanto popular quanto docente do início do século XX. Essa

persistência em perceber o professor semelhante a um sacerdote contribui para que

não haja um avanço na busca por profissionalização e contribui para a continuidade

de desvalorização pois:

(...) ao professor, ainda, associa-se as

representações acerca da idealização de ser

considerado sob uma condição heróica, de agir

através de uma doação, transformadora, lutadora,

destituído do merecimento de condições mais

justas salariais, carregando símbolos, imagens ou

metáforas que lhe denotam possuir um caráter de

abnegação, missão, vocação, dedicação,

sacerdócio, idealismo, otimismo e criatividade.

(MARUJO, 2004, p.)

Chapoulie (1973) critica essa compreensão de Parsons, definindo a

profissão com a necessidade de uma formação profissional extensa, promovida em

instituições especializadas, detentora de um controle técnico e ético das atividades

exercidas entre os profissionais e reconhecidas pelos pares que foram considerados

como os únicos com competência para tanto. O autor ainda destaca que a profissão

também seria definida por meio de um controle reconhecido legalmente e

organizado com o acordo das autoridades legais. Além de estabelecer uma pertença

através dos rendimentos de prestígio e poder, expressa, pela partilha, “identidades” e

“interesses” entre os membros de uma comunidade profissional.

Freidson (1970; 1998), tomando como análise a profissão médica, destaca

que uma profissão é uma ocupação que controla seu trabalho e está organizada por

um conjunto especial de instituições que se movem parcialmente por uma ideologia

de serviço e qualificação especializada, destacando também sobre o que evidencia

uma profissão e o que qualifica seu status é o controle sobre seu exercício

profissional. O que podemos considerar como autonomia, o autor acentua ainda a

necessidade de relação de interdependência do profissional com os que fazem uso de

seu serviço.

Cabe registrar que o movimento de profissionalização docente, teve início

nos Estados Unidos, buscando defender a melhoria da qualidade da formação

docente norte-americana, na década dos 80, as questões que envolvem a

profissionalização docente bem como a desprofissionalização vêm tomando corpo e

estão atualmente no foco das discussões sobre formação de professores. Como

ilustração pode-se destacar o Seminário Internacional da Association for Teacher

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Education in Europe (ATEE) no ano de 1993, em Barcelona, que expressa à luta

pela valorização da docência quando se tem como foco de discussão bases

específicas e critérios satisfatórios para a profissão docente através do

desenvolvimento da profissionalização. Como percebe-se internacionalmente, a

profissionalização docente ganha força e incita debates acerca da formação de

professores e da elevação do nível da docência como profissão, tornando-se dessa

maneira, uma prioridade nas Reformas Educativas de vários países não apenas nos

Estados Unidos e Brasil, mas também em toda a América Latina bem como em

outros países como a exemplo de Portugal. Weber (2003) afirma que no Brasil

existem poucos estudos realizados sobre o professor como profissional numa

perspectiva das sociologias das profissões, afirma também que esse debate vem se

estabelecendo a partir da década de 80, devido a democratização e a necessidade da

escola contribuir na construção da democracia.

Contudo, em relação às publicações no campo da educação, os estudos vêm

se ampliando. Entender como se tem moldado a profissão docente, tem sido um

empreendimento de autores como Nóvoa (1995) e Accàcio (2005) tendo como

ponto de partida os aspectos sócio-históricos da profissionalização do professorado,

trazendo contribuições para a compreensão dos problemas atuais da profissão

docente. Existem na literatura outros teóricos que caracterizam a docência enquanto

profissão, que apresentaremos em linhas gerais nesse momento, mas que poderão

possibilitar aos leitores estudos mais aprofundados posteriormente. Destacamos

Schön (1992) e o de Perrenoud (2002), que defendem como “modelo de professor

profissional” o professor competente e reflexivo; Zeichnner (1993) e Contreras

(2002), que partindo deste “modelo de professor”, discutem uma nova autonomia

para o professor profissional; os estudos de Carr e Kemmis (1988), que chamam

atenção à formação do professor pesquisador, reflexivo e crítico; Giroux (1997), que

atribui ao professor o caráter de intelectual crítico; Enguita (2002), quando reflete

sobre a natureza da docência como atividade profissional e caracteriza o professor

como um profissional democrático e por fim Gauthier (2006), para quem o professor

exerce um trabalho profissional “que, munido de saberes e confrontado a uma

situação complexa que resiste à simples aplicação de saberes para resolver a

situação, deve liberar, julgar e decidir com relação à postura a ser adotada, ao gesto

a ser feito ou palavra a ser pronunciada antes, durante e após o pedagógico.”

(GUAUTHIER, 2006 p.331). Os autores trazem esta discussão de se considerar o

professor enquanto profissional; subentendendo que estes devam atuar nas situações

de emergência com competência enquanto capacidade de mobilizar saberes para

promover a resolução de problemas em seu contexto. Assim:

(...) o processo de profissionalização da docência

representa uma mudança de paradigma no que se

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refere à formação, o que implica sair do “paradigma

dominante” baseado na racionalidade técnica, no qual

o professor é um técnico executor de tarefas

planejadas por especialista para se procurar “um

paradigma emergente” ou da profissionalização no

qual o professor é construtor da sua identidade

profissional (GUAUTHIER, 2006 p.331).

Maçaneiro (2006) nos aponta que no Brasil o que intensificou as discussões

sobre a profissionalização da docência, foi a fase anterior a promulgação da LDB

9394/96 onde nos seus artigos 61 e 67 denomina os professores e pedagogos como

“Profissionais da Educação”. Porque nesse período dos anos 90 buscava-se uma

proposta de qualificação para os professores como podemos constatar nos estudos

de Evangelista e Shirimona (2003) que fizeram um estudo sobre o termo

profissionalização, nos trabalhos apresentados na ANPEd , bem como em alguns

documentos da UNICEF e UNESCO onde constataram que as discussões a cerca da

temática “profissionalizar o professor” vem se delineando desde 1990 pela busca de

qualificação da categoria do Magistério, por um requalificação profissional e por

uma proposta de mudança do perfil do professor.

O debate da profissionalização docente abrange diversos aspectos que

incluem a natureza do trabalho do professor; os saberes dos docentes sobre a

profissão; os saberes necessários para o exercício da docência; a participação efetiva

do professor na produção de conhecimentos; a organização do espaço de trabalho e

os requisitos necessários para o exercício da profissão. (NÓVOA, 1992),

(RAMALHO; NUÑEZ; GAUTHIER, 2003), (ENGUITA, 2002), (IMBERNÓN,

2002).

Cabe afirmar que em relação à profissionalização da docência um dos

maiores dilemas que o professor tem enfrentado, é a necessidade de saber

claramente o que é a profissão docente, qual é a função do professor na atual

sociedade, conhecer as características e especificidades dessa função, pois,

conforme nos afirma Sacristán (1995), sabemos que a profissão se define por suas

próprias práticas, regras e conhecimentos sobre a atividade que realiza.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho se propôs a discutir o processo de construção da profissão

docente, inicialmente a discussão perpassa a diferenciação entre ofício e profissão

podemos em síntese dizer que ambos são uma ocupação e que, portanto, uma

profissão requer critérios estabelecidos como competência, formação, aquisição de

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conhecimentos e um ofício limita-se apenas a uma ocupação manual e mecânica. A

partir dessa compreensão dos conceitos apresentados buscamos resgatar o processo

histórico da profissionalização da docência e o momento do surgimento da escola,

destacando o início da docência como atividade desenvolvida por religiosos

católicos e estando sob o domínio da igreja católica, dando destaque também a

estatização e institucionalização dos sistemas escolares.

Enveredamos em seguida pela sociologia das profissões, pois uma análise

sociológica de uma determinada profissão (neste caso específico a docência)

apresenta-se como um instrumento importante para o entendimento da constituição

da profissão no momento presente diante dos conflitos que enfrenta a profissão

professor na sociedade atual. Desse modo, dialogamos com teóricos do campo da

sociologia das profissões e, a partir deles, percebe-se que a compreensão da

profissão como uma construção social permeia o debate, revelando-nos que uma

profissão se transforma a medida que a sociedade evolui e modifica-se.

Podemos em síntese considerar que o debate sobre a profissão docente vem

se ampliando pois como afirma Sacristán: “O debate em torno do professorado é um

dos polos de referência do pensamento sobre a educação, objeto obrigatório da

investigação educativa e pedra angular dos processos de reforma dos sistemas

educativos” (SACRISTÁN, 1995, p.112 ).

Conforme observamos na realidade educacional, o professor precisa

construir uma identidade que seja sua e não imposta pelo Estado. Ele precisa refletir

sobre a sua profissão e sobre o sentido e necessidade de ser professor, que vá além

de uma percepção como semi-profissão, ressaltando a importância e a necessidade

da profissionalização docente numa perspectiva de "(...) esforço da categoria para

efetivar uma mudança tanto no trabalho pedagógico que desenvolve, quanto na sua

posição na sociedade" (VEIGA, 1998, p. 76).

Para que isto ocorra de forma efetiva, é necessário repensar a “formação

profissional para seu exercício: conhecimentos específicos para exercê-la

adequadamente ou, no mínimo, a aquisição das habilidades e dos conhecimentos

vinculados à atividade docente para melhorar sua qualidade” (VEIGA, 2008, p.14).

Em síntese, compreendemos que perceber a docência enquanto profissão

requer reconhecimento social do profissional professor, exige-se competência e

conhecimento de quem leciona, bem como mobilização de saberes; fatores estes que

demandam tempo de atuação e instrução em nível superior. Em outras palavras, não

basta apenas o professor gostar de ensinar, pois, como bem sabemos o profissional

docente não tem como atribuição apenas ensinar, pois existem outras atribuições que

são cobradas no seu exercício docente.

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SOBRE OS AUTORES

Magna Sales Barreto

Doutora em Educação pelo programa de pós-graduação em Educação, do

núcleo de Formação de Professores e Prática Pedagógica na Universidade Federal

de Pernambuco-UFPE. [email protected], Professor da Faculdade

Anchieta- Recife PE.

Clarissa Martins de Araújo

Doutora em Educação, Professora adjunto do Departamento de Psicologia e

Orientação Educacionais e do Programa de Pós-Graduação em Educação, da

Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisadora do Núcleo de Formação de

Professores e Prática Pedagógica.

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PERSPECTIVA FREIRIANA SOBRE DIÁLOGO:

CONTRIBUIÇÕES PARA A PRÁTICA AVALIATIVA

Roseline Nascimento de Ardiles

Roseane Nascimento da Silva

RESUMO: Realizou-se um estudo sobre a categoria Diálogo em alguns dos escritos

e principais obras de Paulo Freire cujo propósito fora compreender o significado,

extensão e possíveis contribuições ao processo de avaliação da aprendizagem e a

prática pedagógica. Por meio de uma análise qualitativa, de cunho fenomenológico,

constatou-se que o Diálogo na perspectiva Freriana está vinculado a diferentes

contextos de ação pedagógica: ideia; método; prática educativa; mediação das

relações. O espaço escolar, constitui-se enquanto princípio basilar das mediações

necessárias para efetivação de um projeto político-pedagógico que seja parâmetro

para a avaliação da aprendizagem. A avaliação da aprendizagem, por sua vez,

compreendida como uma prática contínua, um recurso construtivo, a partir da

existência de um projeto em ação. Deve se configurar enquanto um ato claramente

planejado e em execução para o alcance das metas a fim de lograr uma prática

avaliativa bem-sucedida. Para tanto, é necessário considerar o papel e as

especificidades dos diferentes elementos de mediação dessa prática.

Palavras-chave: Paulo Freire. Diálogo. Prática Avaliativa. Prática Pedagógica.

ABSTRACT: A study was carried out on the category Dialogue in some Writings

and main works of Paulo Freire whose purpose was to understand The meaning,

extent and possible contributions to the evaluation process Learning and

pedagogical practice. Through an analysis Qualitative, phenomenological, it was

verified that the Dialogue in the Freriana's perspective is linked to different contexts

of action Pedagogical: idea; method; educational practice; relationship mediation.

O education as a basic principle of necessary to carry out a political-pedagogical

project that is learning assessment. The evaluation of learning, in turn, understood

as a continuous practice, a resource gonstructive, from the existence of a project in

action. Must be configured while a clearly planned and executing act to reach the

goals in order to achieve a successful evaluation practice. Therefore, it is necessary

to consider the role and specificities of the different elements of this practice.

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Keywords: Paulo Freire. Dialogue. Evaluation Practice. Pedagogical Practice.

Recebido em: 09/03/2017

Aprovado em: 28/06/2017

Sistema de Avaliação: Double Blind Review

Editor Científico: Washington Luiz Martins da Silva

1. INTRODUÇÃO

Freire (1982a) em suas considerações sobre o processo de alfabetização de

jovens e adultos refere-se à aquisição da leitura e escrita não como simples forma de

decodificação ou leiturização de símbolos gráficos, mas de uma leitura crítica, não

só da palavra, mas, e principalmente, leitura do mundo. Esta deve ser o ponto de

partida e processo contínuo de busca para, tal como afirmado por Freire e Campos

(1991a, p.04) um “deciframento mais profundo, uma ‘releitura’ do mundo tal como

foi descoberto pela primeira vez”. Freire (1982a, p.97), como educador, enfatizou e

se preocupou com o método enquanto “caminho do conhecimento”. Destarte, a

concepção de educação evidenciada por ele é concebida como elemento

essencialmente político e emancipatório. Para tanto, destacou a necessidade

constante de estabelecer entre os atores desse processo educativo relações de

Diálogo, pois Freire (1982b, p. 51) destacou que alfabetizar “(...) implica na

existência de dois contextos dialeticamente relacionados. Um é o contexto do

autêntico diálogo entre educadores e educandos (...). O outro é o contexto concreto,

em que os fatos se dão”. Ressalta-se que este processo apresenta como característica

áurea, a comunicação efetiva entre pessoas, possibilitando aos sujeitos reflexões

sobre suas próprias práticas, condições de vida e atuações sobre ela, ademais de

propiciar a desvinculação alienante do indivíduo sobre a sua realidade. Isto só seria

possível numa ação pedagógica emancipatória, possível apenas numa educação

dialógica que vise à libertação.

Esse educador preocupou-se com uma educação do indivíduo e não com

uma educação individualista. Com uma educação para além do instrucional, pois

esta se volta como instrumento de controle social e preservação da sociedade. Por

isso tomar a educação por si mesma como alavanca da libertação do sujeito é,

para esse autor, uma concepção ingênua e inversão de papeis que reforça a alienação

(FREIRE, 1978a). Outrossim, considerou o sujeito em sua completude à medida que

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destacou a necessidade de entender o ser humano na sua relação com o mundo, na

sua historicidade ligada a sua vida real e social. De acordo com Freire e Macedo

(1990, p.63), para além dos métodos e técnicas deve-se ter como “fundamental é a

clareza com a opção política do educador ou educadora que envolve princípios e

valores que ele ou ela devem assumir”. Dito de outra forma, Freire (1978a p.69 e

70) traçou sua teoria numa perspectiva de educação para a liberdade, para a escolha,

por meio do pensamento consciente. Desta maneira o professor denodadamente será

de fato um educador e de ação revolucionária, pois propiciará aos seus educandos a

“descoberta que o importante mesmo não é ler estórias alienadas e alienantes. Mas

fazer histórias e por elas ser feitos”. Esta educação emancipatória e libertadora seria

passível de ser concretizada através do Diálogo. Deste modo, o educando poderia se

relacionar com a circunstância (realidade). E a partir do conhecimento desta

circunstância, poderia entender a vida, transpor obstáculos e solucionar problemas.

A partir das considerações supra escritas compreende-se sobremodo a

complexidade da prática educativa e o quanto sua proposta pode influir

significativamente na ação pedagógica e propiciar entender o processo avaliativo de

maneira qualitativamente distinta do qual instigue o professor, no seu quer-fazer

diário, a buscar compreender, estabelecer e operacionalizar a avaliação como prática

coerente não como ato alheio e esporádico à sua ação. Tal acepção remete-nos à

reflexão que a avaliação da aprendizagem não é um processo ensimesmado, com

aplicação de instrumentos quantitativos externos para medir desempenho de alunos

num período específico. Vivenciar a categoria “diálogo” na prática pedagógica é

ressignificar as relações de ensino, de aprendizagem, concepção de conhecimento e,

por conseguinte, da avaliação. Por isso buscamos compreender o conceito de

Diálogo e analisar as contribuições que uma prática pautada nesse princípio pode

reverberar positivamente na prática avaliativa.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. O Diálogo nas obras de Paulo Freire

No livro de Freire (1997a, p.52) intitulado “Pedagogia da Autonomia”, o

Diálogo é abordado como possibilidade de afirmação pessoal e “permanente

disposição a favor da justiça, da liberdade do direito de ser”, tanto individual como

coletiva. O ensino para autonomia exigirá, neste sentido, reconhecimento e assunção

de identidade cultural, pois Freire (1996b, p. 16) pontuou que “a questão da

identidade cultural, de quem faz parte a dimensão individual e de classe dos

educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa

progressista, é problema que não pode ser desprezado”. A forma de expressar a

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autonomia seria nas exposições de ideias e conhecimentos ao outro participante. O

Diálogo efetivado pelo educador seria mais que o falar. Seria o próprio testemunho

do professor. Este, segundo Freire (1997a, p.51), concebido como discurso coerente

do que se diz e do que se faz, pois, a “prática educativa que inexiste a relação

coerente entre o que a educadora diz e o que ela faz é, enquanto prática educativa,

um desastre”. Freire (1998b, p.16) já afirmava “às vezes, mal se imagina o que pode

passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode

um gesto aparentemente insignificante vale como força formadora ou como

contribuição à do educando por si mesmo”.

Este autor pontuou a necessidade de refletir sobre os diversos tipos de

comunicação existentes em sala de aula, em especial, destacou a importância dos

gestos realizados pelos professores, pois além destes se multiplicarem diariamente

nas tramas do espaço escolar, ressalta-se o fato que o espaço socializante da escola

tende a desqualificar e a desconsiderar o que não seja conteúdo formal, em outras

palavras, Freire (1998b, p.17) destacou que o sistema educacional de ensino

despreza “o que há de informal na experiência que se vive nela”. Ele pontuou

também a necessidade de o sujeito desvencilhar-se de qualquer sentimento ou

pensamento desfavorável que o qualifique como um ser menor, inferior a outrem,

àquele que escuta. O Diálogo, neste sentido, deve ser iniciado e desencadeado em

detrimento da ausência de informação sobre determinado assunto evidenciado por

uma das partes, pois para o autor (1994a, p.6 e 7) a ausência de informação sobre

algo não deve ser motivo para que o sujeito se sinta menosprezado, pois “o processo

de ensinar é parte do processo de aprender e o processo de aprender é parte do

processo de ensinar (...) então não há ensinar sem aprender e os dois são um

momento de um processo maior - o conhecimento”, “pois ensinar para mim é

conhecer com” (FREIRE, 1986b, p. 50).

Nesta perspectiva, o Diálogo é tomado para Freire (1994a, p.07) como

cumplicidade entre educador e educando, “pois, sem essa cumplicidade não há

educação. Cabe ao educador provocar essa cumplicidade (que não é convivência

mais aceitação do legítimo) para fazer melhor a prática”. Assim, o professor e aluno

se descobririam e se reconheceriam como pessoas, como possibilidade, como

sujeitos cognoscentes, abertos a novos conhecimentos, com liberdade interior do

qual resultaria na exteriorização de posições pessoais. Ademais de saberem que não

conhecer determinado assunto e reconhecer isto é ser humilde, pois conforme Freire

(1994a, p.09) “humildade não é humilhação, é ampliação da gente mesmo”. Este

contexto se torna fidedigno quando, além de não ferir algum valor pessoal, moral ou

educacional, propiciaria a abertura do diálogo franco a novos desafios pessoais e

profissionais: “o educador não deve sentir-se envergonhado por não conhecer

determinado assunto. “(...) sendo estas coisas necessárias à prática educativa. Esta

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abertura deve ser objeto de reflexão crítica como uma aventura do docente,

garantindo uma viabilidade do diálogo” (FREIRE, 1996b, p152). Ainda conforme

Freire (1994a p.08) “se estimulássemos mais o processo comum do saber, não

individualizando em demasia o processo do conhecimento estaríamos favorecendo

uma contribuição maior à humildade”, pois “viver com a humildade de quem sabe

que pouco sabe, mas porque sabe que pouco sabe, sabe também que pode saber

mais” (ibid).

Desta maneira compreenderíamos que não conhecer algo faz parte da

lógica educativa e, portanto, necessária às práticas pedagógicas do quefazer diário

tanto para o docente como discente, pois instiga ao sujeito ir a busca desse “novo” e

estar constantemente nessa ação de construir novos saberes. Pois, como afirmou

Freire (1994a, p.9) “todo mundo está sendo, ninguém é, e ninguém era. E isso é uma

das coisas que nos faz continuar aprendendo”. Para tanto, faz-se mister que o

conhecimento deva ser concebido não na esfera da mera necessidade, pois o sujeito

tende a findar com a caminhada ao conhecimento por já ter logrado tal objetivo. São

as famosas frases ainda muito utilizadas: “Você precisa estudar para trabalhar (...)

para ter emprego” ou “O que estou aprendendo vai ser útil para mim depois?”, e até

mesmo perguntas como: “Para que serve isto que estou ensinando/aprendendo?”.

Tais perguntas inserem-se no discurso dominante que o saber necessário deve ter o

caráter da instrumentalidade, do saber meramente profissional e técnico para a

manutenção da vida cotidiana do indivíduo.

No entanto, na perspectiva da educação libertadora e emancipatória do

sujeito, Freire (1994c, p.80) contestou tal ideologia liberal. O autor afirmou que “o

saber fundamental continua a ser a capacidade de desvelar a razão do ser no mundo

e esse é um saber que não é superior nem inferior aos outros saberes, é um saber que

elucida, é um saber que desoculta (...)”. No entanto e, em contrapartida, se

inserirmos a busca do conhecimento na esfera do desejo, essa caminhada não se

findará. O conhecimento a ser construído não se limitará ao uso e funções, mas a

possibilidades de pensamentos sensivelmente qualitativos que possam fazer a

diferença na sua condição existencial. Com esta liberdade de espírito, o indivíduo se

orientaria pela razão e buscaria a verdade não acabada, na comunicação com outro.

Em “Educação na Cidade”, o Diálogo é concebido como eixo para a prática

pedagógica, tomando como prioridade, na transposição didática do professor, a

relação dialógica. Nesta haveria o respeito ao alunado por meio de atitudes

coerentes sobre o que se diz e o que se faz. Outrossim, considerar o educando como

um ser em sua completude, com sentimentos, desejos, expectativas, pensamentos e,

principalmente, com histórias de vida determinadas historicamente, relevantes para

o pensar pedagógico. A intervenção do educador neste sentido seria uma prática de

escuta, observação e análise, requer competência para lidar com os diferentes e

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conflitos e lutar contra os antagônicos: “o papel do educador (...) é sua capacidade

de conviver com os diferentes para lutar com os antagônicos. É estimular a dúvida, a

crítica, a curiosidades, a pergunta, o gosto do risco, autonomia de criar” (FREIRE,

1995, p. 95). Priorizar a relação “dialógica” no ensino permite, para este teórico,

respeitar à cultura do aluno, valorizar o conhecimento que cada educando traz suas

construções de conhecimentos já experienciados. Esta consideração é, sem dúvida,

para Freire um dos eixos fundamentais sobre os quais deve se apropriar a prática

pedagógica dos profissionais da educação, especificamente os professores.

Em “Conscientização: Teoria e Prática da Libertação” o Diálogo só seria

possível se houvesse o amor pelo mundo e pelos homens, pois o amor para Freire já

se constituiria em si mesmo em Diálogo. Para ele sem amor não haveria diálogo. Da

mesma forma que não haveria amor sem comunicação. Para este autor, o amor e

comunicação avançariam e retrocederiam juntos “O diálogo não pode existir sem o

profundo amor pelo o mundo e pelos homens (...) o amor é ao mesmo tempo

fundamento do diálogo e o próprio diálogo” (FREIRE, 1980, p. 83). Amor pelos

homens que deve ser desvelado por parte dos atores do processo educativo não se

constitui apenas no que é necessário ao ensino instrucional, mas na inserção do

aprendente em sua completude nesse processo. Para tanto Freire (1997b p.09)

destacou a importância de o educador compreender que tipo de concepção de

homem e de mundo possui, pois, a maneira que lidarmos com este “homem” revela

a visão que temos deste, “pois não há, nesse sentido, uma educação neutra”. O amor

ao mundo se revela pela possibilidade de o sujeito não estar simplesmente dentro do

mundo, mas de estar com ele, de captá-lo e compreende-lo a fim de responder a

desafios e transformá-lo por meio da ação e reflexão. O homem como ser

incompleto e em permanente busca, não poderia ir de encontro a este objetivo sem a

existência do mundo. Freire (1997b, p.10) declarou que “homem e mundo: mundo e

homem, corpo consciente estão em constante interação, implicando-se mutuamente.

Tão somente assim podem-se ver ambos, pode- se compreender o homem e o

mundo sem destorcê-los”. A conscientização não pode estar tão somente ao nível do

discurso, “não pode ser um bla-bla-bla alienante” (FREIRE, 1982b p.88).

O autor ressaltou a necessidade do esforço crítico para tornar clara a

realidade, desvelando-se, nesta práxis, o compromisso essencialmente político desse

conceito. Se a prática leva aos oprimidos uma ação consciente como classe social

explorada na luta pela sua libertação, para o autor, há de fato a consciencialização.

Há de haver, conforme Freire (1978b p.17), o “movimento dialético entre a reflexão

crítica da ação anterior e a ação que se segue no processo dessa luta”. Nesta

perspectiva a educação libertadora não é “um mero problema metodológico,

entendendo-se por método algo neutro, assexuado” (Ibdi). Diálogo na Obra

“Pedagogia do Oprimido” é abordado como fenômeno humano, revelador da

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palavra. A antítese do diálogo, neste contexto, seria tomada como autossuficiência,

ceticidade nos homens e desesperança. Assim, para este autor, os fundamentos para

que o Diálogo se constitua enquanto diálogo são: fé nos homens; humildade; amor;

segurança; esperança e o pensar verdadeiro, pois “ não há também diálogo, se não

há uma intensa fé nos homens. Fé no poder de fazer e de refazer. De criar e recriar.

Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns leitos, mas direito dos

homens” (FREIRE, 1987b, p.81).

Citando o Biólogo François Jacob, Freire (1994c, p 80) afirmou que o

sujeito por ser programado e não determinado para saber poderia ser ativo na

condução de sua própria história sendo isto significativamente importante para o

processo de sua existência humana, pois “porque somos programados, somos

capazes de nos por diante da programação e pensar sobre ela e indagar e até desviá-

la”. A partir destas considerações emerge a reflexão que “a vocação humana é a de

saber o mundo através da necessidade e do gosto de mudar o mundo” (Ibidi) e esta

vocação é possível por meio da linguagem inventada socialmente. Destaca-se,

portanto, que o sujeito só pode falar ao mundo porque este muda o mundo.

Neste sentido, a linguagem teria um papel fundamental, “não apenas para veicular o

saber, mas de ser saber. Pois ela seria a própria produção do saber” (FREIRE,

1994c, p.80).

O poder da palavra seria tomado como possibilidade real de saída de uma

condição oprimida e alienante de ser e estar no mundo possível quando o sujeito está

inserido politicamente no mundo, pois é sabido conforme pontuado por Freire

(1994b p.17, tradução nossa) que muitos “há vivido uma história onde se percebe a

negação da palavra”. O autor ainda destacou que o oprimido: “não é uma figura

idiota (...). Em certos momentos, sabe que é oprimido, começa a saber, as razões

dessa opressão e do silêncio. E no momento preciso em que começa a saber mais do

que pensamos que sabe, começa também a assumir o dever da luta” (FREIRE,

1994b p.17, tradução nossa). Desta maneira poderá “compreender o mundo de outra

forma, através de tipos de saberes não preestabelecidos, não permitindo, portanto, a

repetição do processo hegemônico das classes dominantes” (FREIRE, 1994c, p.80).

Em “Educação como Prática da Liberdade” Freire (1967), o diálogo é

evidenciado como uma forma de “trânsito”. Para Freire (1986a, s.p.) este conceito

não se configura como simples mudança, pois “toda a sociedade que transita se

nutre de mudança, mas nem toda mudança é transito”. Ainda conforme o autor,

trânsito é descida de certos valores “que não há fronteiras rigidamente geográficas

de tempos históricos” (FREIRE, 1986a, s.p.). Além de um alongamento de ontem

“que em outro momento é um adentramento do amanhã. Por isso, o transito é muito

mais do Amanhã do que do Ontem” (FREIRE, 1986a, s.p.). Neste sentido, a

educação teria que estar dentro da realidade do país para poder constatar de fato as

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realidades existentes. Não para se adaptar a elas, mas para levar à mudança por

meio da conscientização efetivada através do diálogo, abrindo portas para

mobilização e não para a estagnação, pois “nutrindo-se de mudanças, o tempo de

trânsito é mais do que simples mudança. Ela implica realmente nesta marcha

acelerada que a sociedade à procura de novos temas e de novas tarefas” (FREIRE,

1996a p.54).

Apesar de não fazer referência a natureza política da educação no livro

“Educação como Prática da Liberdade”, Freire foi eminentemente político tal como

expresso por ele (1982a p. 97): “é interessante, porque na verdade eu sabia que

estava fazendo uma prática política, mas só que eu não a assumia. Ao nível crítico,

eu não assumi então uma prática que fosse eminentemente política”. Nessa Obra

Freire não acredita que a educação institucionalizada possa ser usada para a

liberdade do sujeito. Sublinhou que pensar a relação entre educação e política seria

uma condição sinequanon para a emancipação da pessoa, principalmente se o sujeito

pensa sobre a mudança do tipo de política estabelecida, e a busca por uma percepção

clara da dinâmica entre a sociedade e educação. Nestas acepções, Freire (1994b p.

17, tradução nossa) afirmou que educação para liberdade não é poder fazer tudo,

mas “reconhecer suas limitações e aceitá-las com humildade sem ser paralisado pelo

pessimismo ou buscar manipular as pessoas pelo oportunismo cínico”. A prática

educativa para emancipação do sujeito para Freire é entendida como um sonho

possível e destacou que este não é um pensamento ingênuo. Alertou que “ai de nós,

educadores, se deixamos de sonhar sonhos possíveis” (FREIRE, 1982a p.99-100). O

autor ainda frisou que, se há sonhos possíveis é porque há sonhos impossíveis e a

profundidade deste seu pensamento está ao afirmar que “o critério da possibilidade

ou impossibilidade dos sonhos é um critério histórico-social e não individual. [...]

tem que ver exatamente com a educação libertadora, não com a educação

domesticadora” (Ibid).

3. RESULTADOS

A categoria Diálogo, nas acepções de Freire, desmiuça em primazia os

condicionantes a serem considerados na relação pedagógica e, por conseguinte,

avaliativa. A avaliação em consonância com essa perspectiva, e conforme expressa

Luckesi (2011), investiga a qualidade daquilo que constitui seu objeto de estudo - a

própria qualidade. Em se tratando da avaliação no âmbito escolar, o foco volta- se

para a qualidade do ensino e das aprendizagens efetivadas. Por isso que pensar neste

processo é fazer menção as relações interpessoais logradas e subjetividades

estabelecidas, pois para dentro dos muros da escola não se efetivam planos

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curriculares de maneira mecânica, dissociada dos fatores afetivos e emocionais

trazidos, construídos e externados pelos sujeitos.

A avaliação deve se configurar como um ato claramente planejado e em

execução para o alcance das metas a fim de lograr uma política avaliativa bem-

sucedida. Luckesi (2011) destaca que sem ações pedagógicas planificadas não há

avaliação, sendo necessário considerar o papel e as especificidades dos diferentes

elementos de mediação dessa prática: teoria pedagógica; conteúdos escolares;

didática e educador. Nesses termos, a presente produção entende a categoria

Diálogo como princípio e fundamento de toda ação educativa. O Diálogo em Freire

é estruturado em ações e isto ajuda a pensar na efetivação adequada das relações

interpessoais dentro da escola, pois o Diálogo é uma ação dialógica intencional entre

os sujeitos. Assim, da mesma forma que o Diálogo não é, para Freire, algo

espontâneo no sentido de não se pensar organizacionalmente sobre a viabilização

deste conceito, a avaliação também não deverá ser espontânea, pois se assim o for

ficará a mercê de seus resultados: satisfatórios ou frustrantes.

Como bem afirma Luckesi (2011) quando se estabelecem metas e se

planeja, a operacionalização de tais objetivos torna- se possível, pois os desejos

tornaram-se claros e definidos e, assim, a possibilidade de sucesso é mais viável.

Nesse sentido, princípios norteadores da prática avaliativa a partir de ações

pedagógicas planificadas podem ser encontrados no substrato do material literário

de Paulo Freire analisado, adicionado à constatação de que a categoria Diálogo está

classificada sob perspectivas variadas: a) Diálogo como Ideia (concepção); b)

Diálogo como Mediação das Relações; c) Diálogo como Método; e) Diálogo como

Prática.

Diálogo como ideia é uma posição epistemológica. Concebê-lo desta

maneira é propiciar ao educando uma possibilidade de releitura sobre sua posição no

mundo, de ir às raízes do entendimento de sua relação com o mundo, para a

compreensão de seu pensar existencial. Esta base epistemológica do Diálogo na

relação pedagógica não retira a diretividade e necessidade do papel do professor,

mas enfatiza a necessidade de juntos, professor e aluno, refletirem o que pode e o

que não pode conhecer, pois somente nessas configurações que, para o autor, poder-

se agir criticamente e transformar a realidade (FREIRE, 1987). O diálogo como

ideia é tomado como o encontro áureo, “no qual a reflexão e a ação são inseparáveis

daqueles que dialogam, orienta-se para o mundo que é preciso transformar e

humanizar, este diálogo não pode reduzir-se a depositar ideias em outros” (FREIRE,

1980, p. 82- 83). Este entendimento corrobora para que a luz da teoria pedagógica

que orienta os passos da instituição esteja em consonância com a realidade vivida no

espaço escolar da qual a prática da avaliação faz parte. A efetivação do diálogo

nesse âmbito se desvela como uma fonte de influência para reflexão, comunicação

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entre os partícipes desta instituição de ensino, permitindo que o Projeto Político-

Pedagógico - PPP seja elaborado a partir das necessidades e desejos de seus

sujeitos, permitindo atribuir significância a esse documento e o mesmo se revele

como um recurso vívido e ativo. Somente desta forma este documento, segundo

Luckesi (2011) se configurará como um dos elementos mediadores e de parâmetro

efetivo para concretização da avaliação da aprendizagem e prática avaliativa na

escola.

A troca e construção de conhecimentos na relação do ensino- aprendizagem

seria coroada no Diálogo concebido como Mediação das Relações, tomado como elo

de ligação tanto das situações e realidades como das pessoas. Até se constituir numa

prática efetiva e coerente, o diálogo concebido como ideia teria que se tornar

mediatizador desta ideia entre os homens para que, de fato, o diálogo possa se

constituir como mediador de relações. Não concebido de maneira instrumental e

metodologicamente ensimesmada, mas se desvelando em ferramenta social para

intervenção crítica da realidade. Desta forma possibilitaria a união do homem com

seu pensamento, seu contexto e sua concreticidade no mundo, visando-o levar para o

confronto direto de suas dificuldades, limites e possíveis transformações e mudanças

que, ao mediar diferentes circunstancias, instigaria para a ação consciente. O

Educador seria o agente que problematiza possíveis elos das situações e realidades

dos educandos para que estes construam um pensamento crítico, tal como afirmado

por Freire (1996, p. 19) “que o papel do educador seja fundamentalmente dialogar

com o analfabeto, sobre situações concretas, não lhes oferecendo simplesmente os

instrumentos com que ele alfabetiza”. O educador neste contexto é compreendido

como mediador da prática avaliativa, da avaliação da aprendizagem, pois se

revelaria como mediador entre o saber sistematizado e estabelecido na cultura e o

educando (LUCKESI, 2011). O mesmo deve compreender que uma de suas ações é

possibilitar ao aluno a organização de sua vida-presente e futura e restaurar o que

não foi realizado ou feito de forma insatisfatória. Por isso deve ter consciência das

suas atribuições e onde se pretende chegar, estabelecendo metas-princípio da

avaliação. Pois a intervenção é uma ação pedagógica fundamental para chegar à

participação ativa do processo do ensino- aprendizagem tanto e si mesmo como do

aluno. E isto só será possível se o educador e educando tomarem consciência da

realidade e de sua própria capacidade de transformá-la. Para tanto é fundamental

saber o que pode e não pode, pois, conhecer suas limitações é pronunciar a

libertação de si mesmo.

“O Diálogo como método não pode ser compreendido como um tipo de

tática, recurso, um fazer de caráter meramente instrumental” (FREIRE, 1982a,

p.97), pois enfatizou que sua compreensão do diálogo como método estaria

relacionado ao processo rigoroso do conhecer e não como técnica de manipulação:

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“[...] é aí que eu falo em método, eu só falo em método para me referir a isto e não

aos chamados métodos pedagógicos, didáticos, etc. A minha grande preocupação é o

método enquanto caminho do conhecimento” (Ibid). Falar em método implica

pensar nos conteúdos a serem selecionados e escolhidos e, por conseguinte, em

recursos necessários para realização do currículo. Em outros termos, planejar e

pensar a prática. Conteúdo é um aspecto que deve ser compreendido também como

elemento mediador para a prática avaliativa. Ressalta-se que pensar na formação do

educando de forma pessoal e integral requer competência para selecionar o saber

cultural sistematizado e viabilizar aprendizagens. Pensar em aprendizagens é pensar

em pré-requisitos e isto denota em conhecer o aluno, em que fase de

desenvolvimento se encontra para viabilizar a aplicação conteudinal de forma

coerente e adequada à sua estrutura cognitiva. Esta prática avaliativa é contínua e

permite realizar esse processo rigoroso do conhecer do qual pontou Freire, pois o

Diálogo enquanto Método instiga no sujeito a possibilidade que o mesmo construa o

conhecimento inteligível necessário para estar no mundo e compreende-lo,

modificá-lo e transformá-lo, elaborando compreensões e intervindo de forma crítica

e não pela via do conhecimento do senso comum (LUCKESI, 2011).

Diálogo como Prática seria constituído a partir dos temas e palavras

geradoras, carregadas de sentido existencial que são pontos de partida para o seu

método alfabetizador, colocando em debate a discussão da existência empírica, por

meio de um método ativo, promovendo o reconhecimento por eles mesmos e pelos

demais, do deu valor como pessoa, resgatando e construindo sua autoestima, como

fator de bastante relevância para seu aprendizado. Nesse sentido, e conforme

expressa Luckesi (2011), a aprendizagem dos educandos deve ser significativa,

inteligível e ativa, não mecânica e não memorística, pois a primeira requer

consciência do que se sabe e do que se faz. Desse modo, Diálogo como Prática seria

compreender a didática do educador. Esta define o meio prático e como ensinar para

que o educando aprenda e isto requer pensar no tipo de aprendizagem que se quer

operar e os passos (exposição de conteúdos, assimilação de conteúdos, exercitar tais

conteúdos, aplicação dos conteúdos, recriação e construção) para viabilizar o

processo do ensino-aprendizagem.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aos que se propõem trabalhar sob a luz do pensamento Freiriano a

compreensão e a práxis de tal categoria diálogo é elemento indispensável, não só

para educação de Jovens e Adultos (EJA) como para qualquer modalidade de

ensino. A qualidade da relação entre professor e aluno só se efetiva de fato com e

pela práxis do diálogo do qual impulsiona pensar e repensar a prática de forma

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continua, favorecendo a construção e reconstrução do ensino-aprendizagem -

aspectos da prática avaliativa. Para tanto o planejamento é essencial. Deve-se

planejar estabelecer metas e operacionaliza-las para lograr a construção do

conhecimento inteligível por parte do educando - objetivo qualitativo de avaliação

da aprendizagem. Embora muitas outras obras precisem ser analisadas, acreditamos

na relevância deste trabalho para uma dinâmica de inquietações em torno do tema,

bem como propiciar elementos para uma problematização na avaliação da

aprendizagem sob a perspectiva Freriana.

REFERÊNCIAS

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1967.

____________. Educação de adultos: é ela um quefazer neutro? In: Freire, P.

Educação & Sociedade, [s.1.]: Campinas, 1978a. 1 (1), 64-7.

____________. Os cristãos e a libertação dos oprimidos. Lisboa: Edições Base,

1978b.

____________. Conscientização: Teoria e Prática da libertação, Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1980.

____________. Educação: o sonho possível. In: BRANDÃO, C. R. (Org.). O

educador: vida e morte. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1982a.

____________. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 6ª. Ed. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1982b.

____________. Conceito de transito. Série: Obra de Paulo Freire Parte 01,

capítulo02. Êxitos Frerianos, [s.n.t.] 1986a.

____________. Não sou contra as cartilhas de alfabetização. Revista Nova Escola,

v. 1, n.3, pp. 48-50, 1986b.

____________. What is the “Dialogical Method” of Teaching. Journal of

Education, v. 169, n. 3, pp. 11-31, 1987a.

____________. Ensinar, aprendendo. O comunitário. [S.1.]: Campinas,

Edição n. 38, ano VI, Março, 1994a.

____________. Pedagogia do Oprimido trinta anos depois. Cad. Pesq., São

Paulo, 1994c. 88, pp. 78-80.

____________. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1995.

____________. Pedagogia do oprimido, 17ª Ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987b.

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____________. Educação como prática da Liberdade. São Paulo, Editora Cortez,

1996a.

____________. Pedagogia da autonomia – Saberes necessários à prática educativa,

6ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996b.

____________. Das relações entre educadoras e educando. Sexta Carta. In:

FREIRE, Paulo, Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo:

Olho D’Água, pp. 51-57, 1997a.

____________. O papel da educação na humanização. Rev. da FAEEBA. v. 7,

pp. 9-17, 1997b.

FREIRE, P.; CAMPOS, M. D. Leitura da Palavra... leitura do mundo. Correio da

UNESCO, v. 19, n. 2, fevereiro, pp. 4-9, 1991a.

FREIRE, P.; MACEDO, D. Alfabetização: Leitura do mundo, leitura da

palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

LUCKESI, C., C. A avaliação da aprendizagem componente do ato pedagógico.

1 ª Ed. São Paulo: Cortez, 2011.

SOBRE OS AUTORES

Roseline Nascimento de Ardiles

Doutoranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela

Universidade de São Paulo (USP) com Bolsa de Doutorado Sanduíche pela CAPES

na Universidade do Algarve – UALg-Portugal. Mestra em Educação na área de

Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação pela Universidade Estadual de

Campinas (Unicamp). Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo

Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP– EC). Graduada em

Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Membro dos Grupos

de Pesquisas em: Neurociências Cognitivas da UALg/ Portugal e Humanização dos

Cuidados em Saúde do Instituto de Psicologia da USP/Brasil (IPUSP). Professora

conteudista, autora de material didático para Educação a Distância (EAD) pelo

Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) da Universidade Federal de

Pernambuco (UFRPE). Atua na área da Psicologia Escolar e Educacional com

ênfase no processo cognitivo do desenvolvimento humano e didático avaliativo do

ensino e da aprendizagem. Experiência em Formação de Professores, Coordenação

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Pedagógica, Orientação Pedagógica e Ensino em cursos de Graduação e Pós-

graduação.

Roseane Nascimento da Silva

Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),

núcleo de Política Planejamento e Gestão Educacional. Mestra em Educação e

Pedagoga, títulos conferidos pela mesma universidade (UFPE). Membro dos grupos

de pesquisas: “Sociologia do trabalho pedagógico, currículo e formação humana”/

Grupo de estudo Milton Santos da Universidade Federal de Alagoas (CNPQ/UFAL)

e “A polissemia da ação humana – uma abordagem filosófica das múltiplas relações

constitutivas da condição humana (CNPQ/ FAR). Exerce a função de professora e

coordenadora pedagógica da Faculdade Anchieta do Recife (FAR) e de analista em

gestão educacional da Secretaria Executiva de Educação Profissional de

Pernambuco (SEEP-PE), coordena comissões de especialistas para processos de

credenciamento institucional e de autorização de funcionamento de cursos técnicos.

Atua enquanto consultora e formadora em Programas de Aperfeiçoamento

Pedagógico destinados aos gestores, coordenadores e professores das Escolas

Técnicas Estaduais do estado de Pernambuco. Enquanto professora convidada da

Universidade Federal de Pernambuco (UFRPE), publicou materiais didáticos

diversos de sua autoria destinados a Educação a Distância (EAD) e desenvolveu a

coordenação pedagógica do curso de Pedagogia, mediante o Programa Universidade

Aberta do Brasil (UAB). Possui ampla experiência em assessoria pedagógica,

formação de professores, elaboração de materiais didáticos, processos de avaliação,

gestão, coordenação, ensino na educação básica, na graduação e pós-graduação, na

modalidade presencial e a distância.

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A DEMOCRACIA INQUIETA: CAMINHOS DE

PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA PARA OS DESCAMINHOS

DA SOCIEDADE LIBERAL E REPRESENTATIVA.

Washington Luiz Martins da Silva

RESUMO: Neste ensaio oferecemos pistas para o aprimoramento do discurso

contemporâneo sobre a democracia participativa e a cidadania. Partimos de um

enfoque histórico-político da trajetória da democracia com suas derivações na

sociedade liberal pela democracia representativa, analisando, em sequência, os

diversos impedimentos até então latentes para uma cidadania comum e participativa

com vistas a uma democracia plural e da diversidade.

Palavras-chave: Cidadania. Democracia Representativa. Democracia Participativa.

Cidadania.

ABSTRACT: In this essay we offer hints for the contemporary discourse of

participatory democracy and citizenship. Your start from a historical-political focus

of the trajectory of democracy with its derivations in the liberal society through

representative democracy. I analyze, the various hitherto latent obstacles for a

common and participatory citizenship with regards to a plural and diverse

democracy.

Keywords: Citizenship; representative democracy; participatory democracy;

Recebido em: 12/04/2017

Aprovado em: 02/07/2017

Sistema de Avaliação: Double Blind Review

Editor Científico: Washington Luiz Martins da Silva

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INTRODUÇÃO

Há certas questões que os filósofos têm mais

preparo para resolver do que os demais intelectuais,

sejam eles escritores, artistas, profissionais liberais

ou cientistas. Os filósofos podem, em primeiro

lugar, contribuir para o discurso sobre a

modernidade, à luz do qual as sociedades complexas

alcançam uma compreensão melhor de sua situação

no passado e no presente. Em segundo lugar, dado

que a filosofia tem estreita relação tanto com a

ciência quanto com o senso comum, os filósofos têm

condições de efetuar uma crítica das patologias

sociais,que sejam, por exemplo, os sofrimentos mais

ou menos ocultos que advém dos processos de

comercialização, burocratização, legalização e

cientificação. Por fim, os filósofos podem

reivindicar para si uma especial competência para

analisar as questões de injustiça política e, em

particular, dessas ‘chagas ocultas’ que são a

marginalização social e a exclusão cultural. A

filosofia e a democracia não só partilham as mesmas

origens históricas como também, de certo modo, dependem uma da outra.(Habermas,1990,p.61-62)

O texto que apresentamos apenas sugere uma cenografia da discussão sobre

a democracia participativa e a cidadania nas suas implicações históricas, políticas e,

principalmente, sociais. O objetivo é apresentar caminhos à proposta democrática

contemporânea, que necessitam de reflexão para o avanço de uma política

participativa e cidadã concreta no limiar desse segundo decênio. Por que ampliar a

participação? Por que temos de insistir em uma cidadania plena? Quais as

contradições que a democracia liberal apresenta? A democracia representativa

cumpre o seu papel de desempenhar decisões em favor da maioria e das minorias?

São questões das quais procuramos, ao longo do texto, tecer comentários. A

abrangência é ampla porque carrega consigo um quadro teórico que vem desde os

gregos até nós, destacando as obras , à medida do possível, dos principais teóricos

que elegeram o tema da participação e da cidadania como um dos debates

principais.(2)

São lições que, acreditamos, sejam edificantes para ofertar ao homem

contemporâneo parâmetros que o conduzam a uma maior responsabilidade conjunta

entre indivíduos.

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1. A DIFÍCIL MARCHA PELA DEMOCRACIA

Pese o que pese, ninguém em sã consciência pode negar que a democracia

continuará sendo o melhor caminho de todas as sociedades, posto que é um método

que oportuniza chances de maior segurança por uma política mais justa. As

dificuldades inerentes a toda democracia são comumente oriundas de nosso

equívoco em percebê-la, ainda, como uma doutrina e não, verdadeiramente, como

um procedimento. Continuamos desconhecendo que a sua função tem como único

foco a ação de se tomar decisões justas sobre o que deve ser feito ou evitado em

uma comunidade. Mas, não há como garantir que o sistema democrático sempre

predetermine bons resultados, embora as condições de seu bom funcionamento para

cada conquista de seus atores sociais assinalem uma grande probabilidade para tal,

dando mais condições de evitar resultados medíocres ou malévolos. Assim, a

democracia é simplesmente um mecanismo formal para a busca de um respeito

mútuo entre indivíduos pelo princípio de que todos nós somos iguais e livres. É, no

dizer de Bobbio (2006, p.22), em sua mínima episteme, “um conjunto de regras de

procedimentos para formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada

a participação mais ampla possível dos interessados”.

Assim, pensar a democracia é hoje um postulado da Filosofia Política que,

em certo sentido, pode ser reconstruída também como a história dos esforços do

homem em empreender o aprimoramento democrático, muito próximo àquilo que

Carl Schmitt (1996,p.23) chamou de “marcha vitoriosa da democracia”.

A democracia necessita de indivíduos ativos e responsáveis. Assumir e

interiorizar os valores democráticos é condição da cidadania. Do contrário, o

indivíduo torna-se um ser passivo; e, para ser cidadão ativo, terá que pensar e se

conduzir como tal, como insistiam já os gregos, que fundaram a democracia e a

identificaram, desde o primeiro momento, com uma espécie de “boas maneiras”

públicas. O cidadão deve poder, pois, responder a esses valores ante seus

semelhantes, não somente porque deve à sociedade, mas porque se os conservar está

ajudando a preservar e a melhorar a cidade do futuro.

Os valores do cidadão democrático são os que servem à construção do

interesse comum. Esse é o interesse que deveras legitima a ação política e que força

o indivíduo a não viver somente apegado aos seus interesses mais próximos e

imediatos. Possuir alguns direitos inalienáveis impõe certos deveres de

solidariedade e altruísmo, de compromisso com o interesse comum da sociedade.

O dever cívico da participação política derivada do pertencimento a uma

comunidade é um exercício de responsabilidade que vai mais além do que o

cumprimento ritual ou rotineiro do voto. Mesmo com a sua nítida importância nas

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formações ética e social do indivíduo, o aprender a responder ao que um faz ou

deixa de fazer, a chamada à responsabilidade tem estado um pouco ausente dos

discursos éticos e políticos dos últimos tempos. A ética, nos relembra Moore (1989),

há tempo, está mais centrada nos direitos do que nos deveres. As políticas mais

progressistas, de sua parte, não têm sabido entender em seus justos termos, essa

“ética da responsabilidade” – a que atende às consequências previsíveis – que é

complemento imprescindível da “ética dos princípios”.

Como destaca Camps(1992) ,os princípios são muito abstratos e a única

forma de interpretá-los é aplicá-los na prática. Grandes princípios, embora abstratos,

são, sem dúvida, indiscutíveis, tais como são o valor teórico da paz, as liberdades

individuais e a não discriminação a qualquer diferença. Nenhum deles, no entanto,

pode ser defendido independentemente de quaisquer consequências. A máxima fiat

iustitia pereat mundus – “faça-se justiça mesmo que o mundo se acabe” - é uma

mostra de irresponsabilidade. Todo político sério e responsável que se encontra em

um mundo terrivelmente complexo, com a obrigação de servir a interesses de

diversas ordens, tem que evitar posições fundamentalistas e a democracia é o farol

para isso. Se os princípios são insuficientes, também são as normas e as leis, porque

nem tudo se resolve legislando, nem as leis são as melhores maneiras de fazer com

que funcione adequadamente uma comunidade de cidadãos maduros e autônomos.

Uma das deficiências de nossa democracia deriva, assim, seguramente, de

uma falsa crença: a de que bastava que mudassem as instituições para que,

automaticamente, mudassem também os costumes sociais. Começamos a comprovar

que não é assim. Quando vemos o uso autoritário da máquina pública por quem

ostenta o poder, quando nos deparamos com a existência de políticos corruptos,

quando contemplamos a depreciação do bem público que pertence a todos,

entendemos que o que falta é um sentido mais arraigado da responsabilidade.

Como, porém, se dá a responsabilidade? Como a relacionar com a

democracia? Há responsabilidades sem participação e cidadania? A ação de repensar

a democracia sustenta-se propriamente no sentido de combater seus vícios muitas

vezes compreendidos como virtudes. São questões emergentes no limiar do segundo

decênio que ainda são de difíceis resoluções por diversos impasses, porém é

necessário refletir sobre elas e propor caminhos que nos levem à superação de

diversos percalços que poderão inibir o prosseguimento da participação democrática

daqui para adiante.

O desconhecimento e o tempo são os mais determinantes limites para a boa

eficácia da democracia, que já nasceu na polis grega com a plena consciência das

suas fragilidades, defeitos e erros. Os gregos optaram por ela porque fizeram de sua

necessidade uma virtude sobre o ideal de uma república aristocrática, governada

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pelos “melhores” – os aristoi ou eupátridas –, tidos como os sábios conhecedores

do que é bom ou não, ainda que tardassem em constatar que não havia melhores. A

polis grega assentava-se sobre diferenças hierárquicas: os gregos seriam superiores

aos não gregos; o guardião ao artesão; o homem à mulher; o cidadão ao meteco; o

pai ao filho; o amo ao escravo. A república platônica, governada por filósofos, foi

pura utopia, sem qualquer possibilidade de eficácia e, quem ainda pensa que ela seja

possível, contribui lamentavelmente para o desmantelo do que já se construiu bem

até hoje. Aristóteles, advertiu oportunamente que o conhecimento do politicamente

correto e justo era um saber de difícil conquista, que requeria muito tempo de

aprendizagem, experiências, tentativas e erros durante o seu percurso. A assembléia,

o diálogo, a liberdade que permitiam aos cidadãos falar de condições de igualdade,

constituíam o único método, o mais adequado, para se governar bem.

A democracia nascia, assim, como um sistema em si mesmo defeituoso, até

pela limitação de cidadania, pelos riscos e inclusive perigos que não previa, tivesse

como meta a democracia plena, o autogoverno ou autonomia plena. Ocultava-se

assim, o verdadeiro problema do tipo de regime, que somente foi compreendido a

partir da estrutura social e econômica do estado. Nesse sentido, Aristóteles (1991,

p.87) soube ver e apreciar a questão e inclusive a fundamentou com clareza e

exatidão. Assim, nos diz que “isto parece fazer evidente que o que sejam poucos ou

muitos os que exercem a soberania é algo acidental, no primeiro caso das

oligarquias, no segundo das democracias, porque o fato é que em todas as partes

ricos são poucos e os pobres muitos”3 . As diferenças, portanto, entre oligarquia e

democracia não vêm, propriamente, do número de governantes que detêm a

soberania: “o que diferencia a democracia e a oligarquia entre si é a pobreza e a

riqueza”4. Essa é a verdadeira questão e é Aristóteles, também com muita prudência,

quem a formula. Não o faz de forma aleatória, mas com contundência, como mostra

sua conclusão: “E necessariamente quando exercem o poder em virtude da riqueza,

já sejam poucos ou muitos, é uma oligarquia, e quando exercem os pobres, é uma

democracia”5. Não deixa espaço para qualquer dúvida: a oligarquia é o regime dos

ricos e a democracia dos pobres; o do número é puramente ocasional, embora pela

natureza das coisas sempre ocorra que ricos podem ser poucos e sempre livres. E

mais pelo que disse mesmo que um partido atue numa democracia, há sempre o

risco de seus dirigentes fazerem, como expressou Dahl ( 1997), uma oligarquia ou

uma espécie de “partidocracia”.

A democracia grega é de fato o precedente mais distante das democracias

modernas. O modelo dessas últimas, porém, afastou-se das antigas assembléias

participativas daquela época, primeiramente em razão do aumento da população e

das instituições que se ampliaram no estado moderno, secundariamente a economia

de mercado, decisiva para o desenvolvimento das democracias liberais, que são

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nosso modelo atual. Recordemos que na Europa, as teorias do contrato social e o

pensamento ilustrado lutavam por assentar as bases teóricas da democracia

moderna, quando, ao mesmo tempo, na América do Norte, a incipiente experiência

democrática despertava a curiosidade e admiração de muitos europeus, do mesmo

modo como a instalação da União Europeia, mais ou menos 200 anos depois,

despertou a curiosidade por parte dos Estados Unidos da América. Foi talvez a

democracia inicial norte-americana, mesmo contando com as condições e o terreno

mais propício para a sua implantação exitosa, que se tornou a primeira a deixar

transparecer seus defeitos.

Assim, em 1831, Alexis Tocqueville realizava uma célebre viagem, da qual

resultou a obra A democracia na América, que deve ser vista como ponto de partida

obrigatório para a reflexão sobre os vícios e as virtudes desse modelo na

modernidade seja onde for o lugar que a democracia se produza. Tocqueville (1980)

denuncia com veemência o que, em seu entendimento, é o primeiro descaminho da

democracia: a tirania da maioria, muito próxima à crítica que faz John Stuart Mill (

1990, p.14) quando não vê, de fato, “a vontade do povo”, mas “a vontade mais

numerosa ou ativa do povo”. Tocqueville (1980, p. 236), por outro lado, reconhece a

expressão dita por Mill, como “o império moral da maioria”, tão útil quanto

necessária, porque se baseia no pressuposto de que “há mais conhecimento e saber

em muitos homens reunidos que em um só, mais no número de legisladores do que

aquele que se escolhe”.

Sem dúvida, aceitar o critério da maioria significa ignorar a todos os

demais que, por alguma razão, tiveram opiniões ou interesses diferentes em relação

à parte que congrega o maior número de indivíduos, como destaca Camps(1992). A

maioria, nas palavras de Tocqueville, não é mais do que indivíduos que têm

opiniões e, a princípio, interesses contrários a outros indivíduos chamados

“minoria”. Se a democracia se baseia na vontade da maioria como origem de todos

os poderes, resulta ilógico se falar de direitos iguais, à medida que descarta as

opiniões de alguns porque é a parte menor. Como ainda afirma Tocqueville (2009,

p.363):

Considero ímpia e detestável a máxima de que em

matéria de governo a maioria de um país tenha

direito a fazer tudo, e embora situe na vontade da

maioria a origem de todos os poderes. Estou em contradição comigo mesmo?

A contradição da aceitação de validez do critério da maioria significa, de

fato, que a democracia realmente não garante os interesses de todos os cidadãos,

mas da maior parte deles. Isso ocorre em função dos interesses das minorias serem

facilmente ignorados ou sufocados, levando-as à marginalidade social haja vista ser

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menor o poder de participação direta em tomada de decisões. Levemos em conta,

entretanto, que nas democracias liberais os indivíduos continuam com uma

significativa simpatia pelos imperativos ditados pela economia e pelos costumes de

consumo e que os dissidentes sempre estarão em minoria e dificilmente serão

ouvidos. Suas propostas e opiniões estarão praticamente condenadas ou, quanto

muito, serão consideradas a médio ou a longo prazos. Não sendo fácil abandonar o

princípio da maioria como regra do funcionamento democrático, então que outra

forma mais justa poderia sustentar acordos? Até porque não se deve descartar a

hipótese de que também as escolhas da maioria podem estar erradas. Por isso que, o

que Rousseau (1999) chamou de volonté générale, essa vontade que não é a de

ninguém em si nem a soma de todas as vontades as quais, por serem diferentes não

são somáveis, deve projetar-se sempre como ideia reguladora das decisões

acordadas pela maioria. Nesse caso, o objetivo da democracia deveria ser o

descobrimento dos interesses comuns da sociedade e não a satisfação deste ou

aquele interesse corporativo. São estes interesses corporativos, portanto, e não o

interesse comum, os que parecem ganhar a adesão da maioria.

A democracia parece, então, necessária porque os indivíduos e grupos não

estão de acordo sobre o que deveria ser prioritário ou de máxima urgência para

todos. Não apenas discordamos, mas não sabemos discernir quem tem razão, pois,

muito possivelmente, ninguém tem razão total. Sendo assim, é necessário ter a

prudência de se tomar decisões e de executá-las com a eficácia a que John Rawls

(1997) identificou como ações afirmativas.6 É nessa execução que surgem pessoas

interessadas em realizar os assuntos públicos. Os partidos políticos, as corporações

empresariais, os sindicatos, as organizações coletivas de caráter profissional ou

social, se encarregam de definir e classificar os problemas em seus juízos mais

graves e que indicam posicionamentos e soluções mais imediatas. Quem é a maioria,

então, senão a conjugação de todos esses interesses realmente em jogo? A suposta

maioria, em contrapartida, a que sugere estar ocupada em seus assuntos privados e

não sentir especial afeição pela política, é facilmente persuadida do que convém

fazer, e se presta a passar uma procuração ao político por meio do voto, sem

observar que esse substabelecimento é para todos os fins. Para isso, aparecem os

meios de comunicação como verdadeiros aparatos de estado exercendo, às vezes, o

que há tempo já se chamou de um quarto poder, para dar publicidade aos interesses

políticos e não verdadeiramente a todos. A Operação Lava Jato – em plena atuação

no Brasil nesses tempos – tem cada vez mais descoberto envolvimentos de

organizações de publicidade nos escândalos dos políticos processados. A impressão

que tem o cidadão – parte potencial da suposta maioria – é a de ser um simples

receptor, descartado quase que imediatamente, a disposição de ver, escutar e fazer o

que lhe pedem. Embora saibamos que, no mundo competitivo e informacional de

hoje, nem sequer são previsíveis os problemas que poderão se converter em

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dificuldades de convívio, como os que testemunhamos, por exemplo, na União

Europeia atualmente. O que parecia extremamente delicado se resolve, logo, em

poucas horas. O que começa como algo insignificante acaba adquirindo dimensões e

complexidades desproporcionais.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Os limites contemporâneos de cidadania

Todo pais de terceiro mundo tem uma clara estrutura de classe, com um

enorme abismo existente entre elas, a partir de uma concentração de renda entre

poucos. Isso porque nestes países, várias coisas se assemelham, como um alto índice

de desemprego, subemprego e marginalidade, tanto nas zonas rurais como urbanas.

O status da mulher é deploravelmente baixo. Neles, o objetivo econômico vem

sendo mais para uma política de industrialização e de desenvolvimento dirigido para

a exportação, o que conduz a princípio, ao desleixo com a agricultura que tem

causado efeitos ecológicos adversos, denotando a incapacidade dos sujeitos de

encontrarem uma saída para um desenvolvimento sustentável comum entre os

estados, a exemplo do fracasso da Conferência COP-15 de Compenhague. Depois

do Protocolo de Kioto, o Encontro de Copenhague demonstrou a falta de unidade,

como por exemplo, evitar o imperialismo econômico das ciências como disse

Kenneth E., Boulding (1999, p.356). Os dirigentes mundiais têm escolhido um

caminho frente à mudança climática a partir de uma estratégia apelidada por solução

Gore que advoga a redução de emissões de CO2 a partir da taxação de um imposto,

reduzindo o problema a um imperativo moral. Essa solução propõe gastar mais ou

menos 600.000 milhões de euros nos próximos 90 anos com o objetivo de frear as

emissões de carbono. Deste modo, teríamos o aumento da temperatura para fins de

século mais ou menos 0.3 graus. Ora, essa estimativa economicista não poderia ser

substituída por investimentos em fontes alternativas? Nesse caso, a tirania está na

objeção a tudo o que os mais fortes podem arriscar-se a perder, razão pela qual,

ninguém quer ceder. E agora as coisas parecem se agravar mais ainda quando os

EUA se excluem de todos os compromissos de preservação do meio ambiente com a

recente decisão malévola do seu presidente Donald Trump.

Por outro lado, a violência também vai se convertendo em uma espécie de

repressão que se transforma, por sua vez, em uma ferramenta indispensável para a

concentração do poder político. E, para uma inversão de valores instituídos, a

influência dos cidadãos depende da educação em seu grau de compromisso:

educação democrática para, quem sabe, uma cidadania global.

O interessante, porém, é que tais deficiências sociais também têm ocorrido

em países não periféricos, o que nos alerta para uma tomada de reflexões para

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entender em que medida a democracia adotada pelos países ocidentais tem

fracassado, sobretudo quando a questão envolve o êxodo de uma massa

populacional para a Europa, por exemplo, em sua maior parte dos países cuja

economia, a inibe de permanecer em seu lugar de origem. Esperanças na busca de

uma vida de melhor qualidade têm sido a tônica dos que procuram atravessar as

fronteiras continentais, porém esses sonhos são, por vezes, inibidos quando o

direito de ir e vir onde bem quiser é substituído pelo direito dos outros de você não

poder ir e nem voltar quando bem quiser. Tudo em função dos limites de uma

política de imigração de caráter internacional. Muitas vezes são noticiados pela

imprensa episódios humilhantes de deportações de indivíduos quando “a cara” pode

representar aleatoriamente uma ameaça à “ordem” do pseudo estado receptor,

mesmo que ele se rotule como democrático e participativo.

A experiência da União Europeia é sem dúvida, nos últimos tempos e hoje

tende a se agravar, um dos principais exemplos de descaminho presente no discurso

contemporâneo de democracia participativa. A prova de fogo da Europa unida

democraticamente, é a cidadania, pois seus desafios maiores não foram a moeda

única, nem uma política de defesa comum, nem a busca de uma superação

emergencial da crise financeira que abalou e ainda abala o mundo desde os meses

finais de 2008. O problema central é a possibilidade de se implantar uma cidadania

comum, pois não haverá uma política européia sem uma cidadania europeia, porque,

repito, não haverá uma política que pretenda ser humanista e global sem uma

cidadania global.

Ocorre que o Tratado da União Europeia é, em sua origem, um estado de

direito econômico sobre o princípio do mercado livre e não se pode aspirar a ser

membro de uma nacionalidade europeia, porque a Europa não é uma nação. A

Europa, porém, sempre teve vocação de unidade. Assim foi segundo Bilbeny (1996,

p.115):

A Europa dos soberanos entre Napoleão III e Bismark. Foi a Europa das

nações de tendência quase que republicana com os ecos do emblemático discurso

de Vitor Hugo em 1849 ao se referir aos Estados Unidos da Europa; a Europa do

trabalhador desde Proudhon até a democracia pacifista dividida por ocasião da

Segunda Grande Guerra; e a Europa comunitária da segunda metade do século XX,

fundamentalmente econômica, desde o discurso em 1946, de Wilson Churchill em

Zurique até a entrada em vigor da União Européia, que marcará um novo modelo

dos países europeus, pouco antes da queda do muro de Berlim em 1989.

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Assinala ainda o autor – o qual nos inspiramos nesse texto - que o tratado

da União Europeia reconhece essencialmente cinco classes de liberdades: livre

estabelecimento de empresas, livre circulação de mercadorias; livre integração de

serviços; livre tráfego de operações financeiras; e livre movimento dos

trabalhadores, sendo que essas cinco liberdades se resumem em duas, ou seja, livre

circulação do capital e da força de trabalho que, por sua vez, reduzem-se a uma só:

liberdade de circulação, que deveria evitar que se proliferasse a desigualdade a

partir do impedimento de se limitar a cidadania à condição de nacionalidade. Se por

um lado, tem-se estabelecido pela primeira vez uma cidadania meta-nacional, o que

se lamenta é que ela continua dependendo, paradoxalmente, do critério que

identifica a cidadania com uma nacionalidade particular.

Se a cidadania na União Europeia continua dependendo da nacionalidade

de um país membro, todos os europeus serão iguais, mas alguns mais iguais que

outros. Isso desemboca em uma distinção entre nacionais e estrangeiros, ou seja,

duas categorias de europeus: os que são e os que não o são. Assim, como advoga

Paramio (2009), todos os habitantes da União, mas não nacionalizados nos paises

em que vivem, passam a adquirir imediatamente a condição de metecos. Isso nos

leva a concluir que qualquer imigrante de um país terceiro sentir-se-á discriminado

diante de qualquer outro procedente de um país da comunidade, o que faz ressurgir

nas cidades da Europa a distância que havia entre o citoyen e o meramente

“homem”. Instalou-se assim, algo que relaciona a democracia à ideia de patriotismo

e não a um plano de coesão social.

Do mesmo modo em que, no Gênesis (Êxodo, 21/24) é lembrado o repúdio

de Abraão ao seu filho, embora sendo parte da mesma família, o povo e a nação

continuam a ser identificados com o sangue, o que tristemente faz perdurar o mais

perigoso dos mitos humanos, que é a raça. Mito proveniente da ignorância porque

homo compreende uma única espécie sapiens e, dela, os grupos raciais são

simplesmente variedades sub-específicas e nunca isoladas.

Destaca Bilbeny(1998),que a cidadania democrática exige como condição

de regulamentação a existência de uma “cultura constitucional” integrada à

diversidade cultural. Há o direito de ser de alguma parte seja uma tribo (Phylé), um

povo ( éthnos), uma cidade (polis). O demos é a subdivisão de tribo que se

assemelha a bairro e daí a demokratía como vínculo de pertinência. O mais razoável

não seria que cada país europeu devesse ser uma sociedade de cidadãos com

nacionalidades diferentes? A etnia refere-se, portanto, a identidades culturais e

nação, à forma política desta identidade. A história contemporânea, entretanto, tem

revelado que, em qualquer caso, no qual se tem pretendido substituir o éthnos pelo

demos, ou vice-versa, resultou em tragédia. Se todos os integrantes de uma

comunidade se mantivessem na reivindicação de suas origens e aspirações

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particulares, seria impossível manter-se nessa comunidade. A Ilustração usa a

expressão cidadania no significado de liberação do yugo, e não eram então cidadãos

por formarem parte do mundo dos vivos, mas por serem livres e iguais. Assim, a

cidadania foi se tornando um título jurídico e um vínculo político somente

acessíveis a quem reunisse determinados requisitos como nascimento e laços

consanguíneos.

Cidadania, nação e território, desde fins do século XVIII, são a trindade na

qual se baseia o mais ou menos peremptório estado nacional, e, consequentemente, a

organização política. Temos, portanto, que distinguir conceitualmente cidadania e

nacionalidade, embora já tenhamos afirmado que não há demos sem ethos e também

nacionalidade sem território (tópos). A nação é também identidade, mas não uma

identidade nova, de fusão ou mestiçagem entre seus diferentes grupos. Não há

nacionalismo sem que haja previamente nação, não é incorreto que esta também

exista na medida em que haja a ação de se reinventar o passado na forma de história

nacional. Tal ficção de um passado nacional e um nacionalismo inteiro é uma

invenção puramente ideológica.

Aqui reside a grande controvérsia intelectual que separa os pensadores

contemporâneos sobre o tema, que creio ser Martha Nussbaum (1998) a que produz

estudos mais polêmicos sobre o assunto, até porque ela escreve com base na própria

crítica que outros teóricos fazem à sua defesa pelo cosmopolitismo. Isso porque ela

segue pela linguagem do patriotismo fundamentando uma dicotomia excludente

entre este e o cosmopolitismo, quando apresenta três valorações que considero

importantes: a comunidade moral de seres humanos, a cidadania mundial, e a

educação cosmopolita.

Em seu livro, For Love of Country (1998), Nussbaum 7 ressalta na íntegra

quatro argumentos em favor ou contra a educação cosmopolita: o de Appiah

quando se refere a “Patriotas cosmopolitas” por advogar um cosmopolitismo

como uma utopia irrealizável; o de Glazer quando acredita que exista limites para a

lealdade cívica; o de Gutmann, quando aborda sobre a “cidadania democrática” por

considerá-la necessária na defesa do compromisso moral da justiça transnacional

como instrumento de eficácia; e, finalmente, o de Himmelfarb, que compreende o

cosmopolitismo como uma ilusão, tomando como defesa a variedade cultural, para

criticar a moralidade da comunidade universal e rejeitando, assim, o ‘cidadão do

mundo’ por considerar que não possui Estado.

Nussbaum (1999) ainda não está de acordo com Putnam quando este

menciona o argumento da relatividade cultural, e que por isso temos que escolher

entre comunidade local e internacional; corroborando com Searle, apresentada no

decorrer do texto, quando alerta pela dificuldade que sempre as sociedades terão

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em conviver com a cultura de outros povos e, assim, sempre será necessária a

demarcação de um desenho constitucional entre elas. Nesse caso, o pensador opta

pela estratégia de independências culturais a que ele chama de “igualdade de

irrelevância”.

Procurando esgotar todo debate contra a cidadania global, Nussbaum

também apresenta a concepção solidária de Almathya Sen que, levando o tema à

esfera da relação entre “humanidade e cidadania”, utiliza também uma distinção

entre lealdades, e insiste na defesa que todas as pessoas sejam de nossa

incumbência moral que, para Michel Walzer defende como círculos de afeto para

uma amplificação paulatina entre as culturas. Esse é o argumento do qual Charles

Taylor, parte para a defesa de que democracia necessita de patriotismo, de uma

participação cidadã que se baseie em uma identidade comum.

As maiores discordâncias sobre a cidadania cosmopolita se encontra em

Wallerstein (2002, p. 67) que parte de uma posição agnóstica defendendo que nem

cosmopolitismo nem patriotismo dão conta da complexidade do mundo globalizado

ideologicamente estruturado em um liberalismo como “geocultura da

modernidade”.

Como se vê, o debate, que é levado para a primeira década desse milênio

sobre a cidadania cosmopolita, move-se numa espécie de Guerra Fria de “jogos de

linguagens” (Wittgenstein) entre os indivíduos num mundo de “amigos” e

“inimigos’ (Carl Schmitt). No jogo da expressão “maioria” e “ minoria”,

encontramos portanto, diversas interpretações e sentidos, embora todos os filósofos

políticos a interprete, na política de imigração, no sentido de “incluídos” e “

excluídos” em diversas perspectivas, por exemplo, Will Kilmycka (2001) e Michel

Walzer (1983), sinalizando para a questão étnica e Rawls (1997) para a tendência

sócio-econômica.

Lembremos que a palavra “cidadania”, na sua origem etimológica, é apenas

um estado civil (status civitatis) e implica elementos jurídicos, políticos e morais,

que servem, em geral, para identificar aqueles membros de uma comunidade política

ou um estado que têm de estar protegidos pelas instituições e, ao mesmo tempo,

dispostos a contribuir com elas. Assim, desde o ponto de vista jurídico, a cidadania é

um título mediante o qual se reconhece a pertinência de uma pessoa a um estado e

a sua capacidade individual para ser dele um membro ativo. Ser cidadão, então,

equivale a ser titular dos direitos e deveres fundamentais de participação da vida

pública de um estado e estar em condições de igualdade com o resto de seus

membros. Como diz Gurtof ( 1990, p.67):

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A cidadania é para o indivíduo a condição natural: os indivíduos nascem no

estado e, ao fazê-lo, nascem cidadãos. Habitam um território politicamente definido

pela lei existente; existem naturalmente de acordo com a lei existente; existem de

acordo com a política vigente. A antiga definição do homem como animal político é,

portanto, verdadeira. Porque se para os antigos o indivíduo podia nascer livre ou

escravo por natureza, isso não é assim entre os modernos. No mundo de hoje, os

indivíduos nascem cidadãos, ou seja, o sujeito da lei política, submetidos ao Uno.

Ao ser a cidadania a condição natal dos homens, não há mais escravos nem homens

livres por natureza, mas cidadãos iguais perante a lei e por ela. O fato dos indivíduos

serem desiguais em condição, conhecimentos, riqueza, talento [...] não faz mais que

registrar diferenças de cultura, educação, sociedade, ou simplesmente de herança, o

que vem a ser o mesmo. Formalmente o rico é igual ao pobre, pois ambos são

justiciáveis, com a aplicação, a princípio, da mesma pena para a mesma

transgressão. Portanto, o indivíduo é cidadão por natureza. O legalismo de sua

condição constitui para ele um estado natural. O nascimento é a entrada na lei. A lei

natural é constitutiva de minha cidadania. Portanto, não há “lei natural” fora da lei

política positiva.

Lembremos ainda que na Europa do século XVIII, com Pufendorf e depois

Rousseau, se incrementa a oposição entre o ativo citoyen e o passivo sujeito

submisso na medida em que avança a ideia do Estado como um pacto social que

obriga a reformular direitos e deveres em um sentido mais participativo. A cidadania

como vínculo político mostra que o status do cidadão não somente expressa uma

relação jurídica, a de ser titular de direitos e deveres de participação pública, mas,

paralelamente um vínculo político. A cidadania postulada por Rousseau pertence a

um platonismo reformulado sobre sua pessoal recordação juvenil da cidade de

Genebra. Os conselhos do filósofo sobre como governar Polônia ou Córsega

expressam esse anacronismo da cidade. Montesquieu, com todo o seu realismo, não

nos diz nada mais que o cidadão é aquele que tem o direito de votar em segredo e o

dever de contribuir com o seu trabalho para o bem estar geral.

Toda nação, todavia, reconhece as categorias de seus habitantes: refugiados

políticos, parias, apatriados, trabalhadores emigrantes. A política de estrangeiridade,

que hoje testemunhamos nos países mais ricos, muito se assemelha ao asilum do

Império Romano que era o nome de um recinto instalado na ladeira do Monte

Capitolino e, segundo a lenda, no qual o primeiro rei de Roma alojou os excluídos

de suas cidades. Ali estava inserida a plebs que era o mesmo que povo sem pátria.

Na Grécia, eram os hostes, os estrangeiros, fossem bárbaros vindos de fora do

território, ou peregrinos, procedentes do interior, em especial quando estes resistiam

ao governante.

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Assim, a democracia contemporânea é contraditória quando concede, de

início, que pode ser cidadão todo aquele que o queria ser, mas na prática faz uso da

burocracia para não os fazer cidadãos, tornando-os “aliens”.

Qualquer aversão às diferenças é decorrente também da ignorância, mas é,

antes de tudo, um sentimento que se deixa alimentar pelo medo e pelo pânico

calculados. A crise econômica e não o racismo é o pano de fundo que agita o

fenômeno da xenofobia. O conflito com o paria é menor que um pretenso conflito

étnico. É um conflito social em seu nível mais baixo: o menosprezo da pobreza.

Então, relembrando a Aristóteles, é o menosprezo da democracia em defesa da

oligarquia. Assim, a xenofobia chega a ser, no final, um sentimento administrado

pelo interesse utilitarista. Este lado perverso da xenofobia, vinculado ao interesse

político e econômico, é o mais difícil de controlar, porque implicitamente o cidadão

de um continente abastado sabe que da parte dos imigrantes, não existe qualquer

vontade de colonização. Muito pelo contrário, como destaca Scocpol (1985, p.112),

pois “se eles chegam é porque já estão colonizados”. Mas, o que ocorre no dito

primeiro mundo não é propriamente nem racismo nem xenofobia, porque o primeiro

se caracteriza pela defesa da superioridade de uma raça sobre as outras, o que não é

o caso. O segundo é caracterizado por sentir ódio pelo estrangeiro, o que também

não ocorre.

O problema atual é sobre a indefinição de políticas que se podem fazer para

um controle eficiente da emigração e de políticas de naturalização, que não

contradigam a base democrática. Portanto, o grande problema da democracia de

hoje é a de como se derrubar uma autêntica muralha da China que se ergueu entre

direitos civis e direitos sociais por um lado e de direitos políticos e de cidadania

por outro, de forma a se encontrar soluções imediatas para que alguns não

continuem a serem discriminados pelo que são e não pelo que fazem. Se o Ocidente

põe a democracia como procedimento político, por que um estado democrático não

deve admitir esses últimos também como cidadãos, já que a economia cada vez mais

pede quantitativos de imigrantes? Por isso, na globalização prometida, forma-se um

grande paradoxo de inclusão de quem pensa uma sociedade de direitos humanos

sem uma extensão efetiva da cidadania supranacional.

Nesse caso, concordamos com Schmitt (1992) ao se referir que o conceito

de Estado pressupõe o conceito de Política. Toda sociedade, com ou sem Estado (

fenômeno histórico), implica o político. Assim, o autor de O Conceito do Político

separa rigorosamente política de economia, de direito, do social e da moral. O

critério da política é a discriminação entre “amigo” (A) e “inimigo” (I). A política

não pode ser reduzida à relação A/I, mas a uma identificação existencial. Nesse

caso, o inimigo político é sempre público (hostis) e não privado (inimicus). A

política é, assim, uma comunidade de interesse e de ação que se enfrenta com o

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outro grupo e, na economia não existem amigos nem inimigos e sim competidores

que, no caso das dificuldades de cessão da cidadania ao estrangeiro, o liberalismo

vai compreender como uma competição também de mercado.

Essa resistência contra a cessão da cidadania na Europa é semelhante à

política de imigrantes dos EUA que, segundo Agaben (2004, p.102):

[...] o USA Patriot Act, promulgado pelo Senado no

dia 26 de outubro de 2001, permitia manter preso o

estrangeiro suspeito de atividades que ponham em

perigo ‘a segurança nacional dos Estados Unidos’;

mas, no prazo de sete dias, o estrangeiro (alien) deve

ser expulso ou acusado de violação da lei sobre

imigração ou de algum outro delito. A novidade da

“ordem” do presidente Bush está em anular

radicalmente todo o estatuto jurídico do indivíduo,

produzindo, dessa forma, um ser juridicamente

inominável e inclassificável.

A mundialização não tem promovido uma redistribuição equitativa nem da

riqueza nem dos recursos. Ao contrário, têm aumentado as diferenças entre países

ricos e pobres do mesmo modo que tem-se ampliado em muitos casos a distância

entre as classes ricas e as pobres dentro dos países em desenvolvimento. Em alguns

países os enfrentamentos étnicos e ideológicos contra políticas governamentais tem

tristemente causado as inumeráveis vítimas. O século XX, de acordo com Burke

(2005, p.67) encerrou-se com fragmentações parecidas e igualmente sangrentas em

várias regiões do leste europeu, assim como os confrontos de barbárie em países

africanos. Todos eles foram precedidos por conflitos ideológicos, por exemplo, em

Cambodja, na década dos 70, onde ocorreu um extermínio indiscriminado acima de

dois milhões de vítimas.

De semelhantes extensões civis, os países ricos também não estiveram

isentos de tais situações, desde a Guerra Civil norte-americana, na metade do

século XIX, até as duas guerras mundiais, que eclodiram em 1914 e 1939. E em

muitos casos, como nos Estados Unidos, cidadãos não acharam sentido na

participação ativa de políticas eleitorais, porque, como afirmou Rorty (1998, p.22)

em Achieving our Country, que

[...] muitos associam o patriotismo estadunidense com

um respaldo a atrocidades como a importação de

escravos africanos, a matança de nativos americanos,

a devastação de bosques centenários e a guerra do

Vietnam. Para muitos deles, o orgulho nacional

somente é próprio dos chovinistas: desse tipo de

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estadunidense que se alegram de que Estados Unidos

ainda possa orquestrar algo como a guerra do Golfo,

ou seja, de que ainda possa exercer seu poder

mortífero onde e quando queira.

Sem dúvida, Rorty acerta em cheio quando percebemos que na primeira

década do século XXI esse poder volta a ser exercido pelos EUA quando da invasão

no Afeganistão presa a uma falsa justificativa, é carimbada pela ONU, como a

participação legítima na guerra declarada em nome da segurança mundial e da

expansão da democracia. De fato, esse foi o tipo de falácia pseudo -“participativa”

visto que não representava o eco da vontade majoritária, enquanto no mundo

inteiro gritava o “não à guerra”, sendo como uma das primeiras formas de

manifestação de “civismo” mundial. Nesse caso, inverteu-se a tese de Tocqueville

quando a minoria (indivíduos representantes dos Estados em seus devidos assentos)

faz prevalecer o interesse particular de apenas um, vedando seus ouvidos ao que a

população mundial (maioria) desejaria que fosse.

Eis aí um grande exemplo da limitação da linguagem para quem acredita

que ela resolva tudo e que a filosofia deva calar-se. Os defensores dessa corrente,

de dupla face Wittgensteiniana – entre os quais destaco Quine, Davidson, Strawson,

Austin, Grice e Searle – que defendem o confinamento da filosofia ao inefável e ao

indizível, fora do mundo e dos fatos, reduzido os limites de participação, deveriam

explicar em quanto tempo a linguagem resolveria rapidamente o salvamento das

vítimas presas aos escombros do terremoto do Haiti e do soterramento das casas

nos tristes episódios recentes das cidades de Angra dos Reis e Niterói? Imaginemos

como estaria a democracia hoje se pensadores como Adorno, Horkheimer, Schmitt,

Arent, Sartre, Ricoeur, Deleuze, Bobbio, Foucault, MacIntyre, Ralws, Habermas –

por exemplo - tivessem calado?

Nesse caso, é de bom gosto as afirmações a esse respeito de Bloom (1994,

p.18), em sua obra The Western Cânon: The Book and School of the Ages:

A filosofia não tem absolutamente nada que ver com

a eternidade, o conhecimento ou a permanência,

mas sim tem muito que ver com o futuro e a

esperança, com a decisão de agarrar o mundo pelo

pescoço e repetir uma vez mais que nesta vida sempre

haverá algo mais do que jamais havíamos imaginado.

No Tractatus, Wittgenstein provoca uma equiparação da lógica à ética sob

uma insinuação de que ambas são transcendentais. No seu modo de compreensão, a

lógica é ao mesmo tempo condição de possibilidade do mundo concreto, como da

linguagem que fala do que há no mundo. Nesse caso assinala Camps (1999, p. 118):

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A lógica não está no mundo e nem é uma parte da

linguagem: é o suposto da relação entre ambos,

mundo e linguagem. Podemos dizer, pois, que a

lógica é essa “crença” sem a qual tudo se desvanece

porque fica sem fundamento a relação entre

linguagem e realidade. É difícil crer na lógica para

explicar que a linguagem nos fala do mundo e o

descreve. Do mesmo modo que Kant nos pediu que

acreditássemos no espaço e no tempo como formas da

sensibilidade. Sem as quais não era possível explicar

a universalidade da ciência.

A ética é igualmente um transcendental, mas diferente da lógica. Por uma

simples razão. A ética é a condição de possibilidade de um mundo ético, como a

lógica é condição de possibilidade de um mundo lógico. Mas, se o mundo é, de fato,

lógico – pelo menos, Wittgenstein assim o pensava, ou a isso o reduzia, quando

escreveu o Tractadus -, e é lógica a linguagem da ciência que descreve o mundo e

suas leis, embora, não se pode afirmar com a mesma lógica que o mundo seja, de

fato, ético nem mesmo que se governe pelas normas da ética. Ambas, a lógica e a

ética, constituem a gramática – as razões básicas e estruturais – de um mundo, real,

em um caso, e irreal, no outro. A lógica é inefável, mas se mostra no mundo. A

ética, também é inefável, mas, ao contrário, não se mostra nele porque a realização

da ética depende da vontade humana, enquanto o mundo é independente da minha

vontade.

Recordemos do episódio que traduz essa vontade humana, como no boicote

de Montgomery, no Alabama, por consequência do incidente provocado nos finais

de 1955, pela costureira Rosa Parks quando se negou a ceder seu assento a um

homem branco em um ônibus com segregação racial de lugares. No dia seguinte à

sua detenção, os seus vizinhos negros começaram a boicotar o serviço de condução

até que um ano depois, quando a empresa já estava quase em fase de falência pelas

parcas arrecadações no transporte, o tribunal declarou ilegal a segregação de

lugares. Como afirmou Howe (1987, p.23): “a verdadeira tragédia surge quando a

idéia de ‘justiça’ parece conduzir à destruição dos valores supremos”.

Assim, o conceito de cidadania continua sendo um dos mais indefinidos da

política democrática. Cidadania implica virtudes cívicas ou apenas status legal? E,

mais uma vez nos lembremos das palavras de Aristóteles quando já alertava que

“não estão todos de acordo em chamar cidadão a mesma pessoa” 8. Pode continuar a

predominar uma política comum à divisão entre cidadão e estrangeiros em sua base?

Portanto, torna-se necessário defender o direito universal para a cidadania, pois, do

contrário, a democracia se contradiz em si mesma, desde quando não está instalada

em todos os ordenamentos do poder. Contradiz-se, porque nega a cidadania a uma

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parte de seus membros e na democracia não se pode negar o direito à cidadania sem

negar concomitantemente os direitos fundamentais de liberdade e de igualdade,

afastando-se da legitimação de seu próprio nome, isso é de um território de uma

ética e de uma cidadania comum para a diversidade cultural e para as instituições

comunitárias que são o maior construto de uma verdadeira sociedade participativa

que possa levar a democracia mais adiante, a partir do revisionismo da democracia

liberal que passarei a comentar a seguir.

2.2 Os paradoxos da sociedade liberal e representativa brasileira

A Filosofia Política liberal dos séculos XVII e XVIII não pressupõe um ser

humano generoso, bom e solidário, tampouco contribui para formá-lo. Isso porque a

democracia liberal é muito mais liberal do que democrática. Libera a alguns, mas

age para evitar liberdade para todos. Nada tem feito para dar igualdade para todos.

Que não se negue que as sociedades liberais são, por definição, tolerantes,

embora logo entendam essa tolerância à medida de suas conveniências. Isso porque

a democracia, como procedimento que legitima a distribuição de poder, não

contempla a vida dos indivíduos, submetendo-se apenas ao acatamento dos

resultados do sufrágio universal. Em suma: coesão social, solidariedade, alteridade

não vêm das mãos nem da democracia nem do liberalismo. A democracia dá

comumente uma pseudo-solidariedade, pois nem propicia e nem educa e o

liberalismo já é, por definição, não solidário. No caso da democracia, o melhor

exemplo dessa suposição seria o da guerra entre os partidos desde a natureza

conhecida por todos de arquivarem ou criarem “cascas de bananas” em suas

campanhas de marketing para as eleições seguintes, objetivando a conquista do voto

dos eleitores até as vésperas do sufrágio.

Por isso, é que se tem que tomar decisões e executá-las eficazmente.

Tampouco é fácil separar o privado do público, o político do que não tem porque se

mesclar com a política. Entretanto, apesar da confusão, se forma uma “opinião

pública” sobre qualquer propósito. A que se deve tal unidade? Como destaca

Maffesoli ( 1992, p.65 ):

É possível que o indivíduo seja mais atuado que ator,

seja mais submisso que mestre e possuidor, de si

mesmo, primeiro,e, logo, da natureza, Como o

político se banaliza na política? Como o Estado

torna-se um assunto de mafiosos?

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O que foi pensado como um bem coletivo tem acabado sendo o assunto de

poucos.

A tirania da maioria, a que nos referimos anteriormente, camufla, pois, um

duplo engano: a minoria não tem nada que fazer em uma democracia e a maioria é

ao que parece, vítimas da capacidade de manipulação de quem realmente move os

elos da política. Tudo isso reverte em um grande descaminho da democracia: a

indiferença e o desinteresse pela política, tornando a democracia deficitária. Se a

democracia tem que conservar algo de seu significado etimológico como “governo

do povo”, a implicação de todos nesse governo, não deveria se reduzir unicamente a

votar, considerando que a participação democrática – da qual trataremos mais

adiante – é um direito dos cidadãos, e não um dever. Ninguém poderia estar

obrigado legalmente a votar, como ninguém tem a obrigação de se inteirar do que

ocorre na vida pública, porque, mesmo com tal obrigação explícita, incorre a

desintegração da política e a concomitante profissionalização da mesma. Mesmo

assim, de maneira alguma seria lícito concluir que a participação democrática

deveria ser uma obrigação. É uma contradição obrigar os indivíduos a cooperarem

no jogo de ser autônomos ou de se auto-governarem. Uma das liberdades de que

goza o cidadão democrata é, precisamente, a liberdade diante da política, embora

não deixe de ser, de certa forma, paradoxal para a democracia que os cidadãos usem

a liberdade para eximir-se diante dela.

Alguma medida tem que ser tomada para vencer a negligência e a

indolência ou a insatisfação e o descontentamento dos cidadãos. E sempre há um

pouco de tudo isso. Alguma medida para que a política chegue a todos nós mais

“interessante” e motivadora julgando-se o interesse coletivo e não o particular é o

que realmente Rawls (1997) chama de sociedade bem ordenada quando cresce

naturalmente no cidadão o sentido da justiça, de forma que fique favorecido quem

menos está. Talvez, se isso fosse cumprido, o procedimento democrático chegasse a

superar seus próprios problemas, pois, o que a indiferença e o desinteresse põem de

imediato é que a igualdade dos cidadãos continua sendo uma liberdade básica. Por

que empregar essa liberdade para dar maior aparência de legitimidade a um sistema

que não satisfaz nem convence? A indiferença para a política explica-se por um

excesso de individualismo que, em minha percepção, não tem nenhuma justificativa

teórica ou prática. Mas, a política não chega a convencer da necessidade dos

eleitores ficarem a par das coisas e ela contribui para isso ao fechar-se por si mesma

e evitar as intromissões dos cidadãos. Para que participar de um jogo em que se sabe

de antemão quem vai ganhar? No debate da democracia participativa e da cidadania

também não podemos deixar de destacar a menção que Galbraith (1992, cap.3) nos

deixou, quando denuncia a exclusão entre os próprios incluídos. Ou seja: ele divide

a sociedade em duas classes: a dos profissionais satisfeitos e a subclasse a que, para

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o economista, chamou de como “menos afortunados” que existe e se reproduz

escandalosamente nas sociedades mais desenvolvidas porque é funcional para o

sistema. A classe dos satisfeitos necessita de uma subclasse que ocupem os

trabalhos que ela não quer, pois são trabalhos tediosos, cansativos, rotineiros e,

muitas vezes degradantes e estressantes. Segundo o ex-professor da Havard, entre

essas atividades estão os serviços domésticos, telemarketing, linhas de montagens,

zeladores e outros. Como afirma:

Não há maior fraude de inclusão na atualidade que o

uso do termo trabalho para igualmente expressar

atividades dolorosas e socialmente degradante e, para

outros prazeroso, socialmente prestigiadas e

economicamente proveitosa [...] são necessários os

pobres em nossa economia para fazer os trabalhos

que os mais afortunados não fazem e que lhes

resultariam manifestadamente desagradáveis e

inclusive dolorosos ( GALBRAITH,1992,cap.3).

Aí está mais uma contradição nos limites da cidadania aos estrangeiros dos

países ricos: os países mais avançados da Europa ocidental vêm contando

principalmente, desde o pós-guerra, com os imigrantes para os serviços que os

satisfeitos não querem fazer, por não acharem tão elegantes. Isso significa que, no

estado da atual divisão do trabalho, a racionalidade da vida cada vez mais não

coincide com a economia. As organizações transnacionais cada vez mais fortemente

globalizadas pelas estratégias de fusões de grupos que monopolizam o trabalho em

dimensão planetária, ampliam cada vez mais o abismo existente entre vida

individual e vida profissional. Disso é que vejo a importância da tecnologia para que

se possa produzir novos equipamentos que possibilitem diminuir o esforço humano

a fim de verdadeiramente promover uma cultura da satisfação do trabalhador

sobretudo os de atividades “pesadas, que lhe proporcione menos esforço.

Porém, vale destacar que dentro da classe dos satisfeitos, Galbraith faz

distinção entre os felizes satisfeitos e os felizes insatisfeitos: o primeiro, corresponde

àqueles que não trabalham e vivem do esforço dos outros arrecadando à distância,

no final de cada mês, o seu percentual de participação: ele se refere ao rico, por

acumular tanto, e que, portanto, nem sequer necessitam de estarem no escritório da

indústria ou da empresa, como ponderou Przeworski (1994), vivendo em seus

paraísos tropicais, preferindo pagar bem a um profissional qualificado para assumir

as atividades tediosas como, por exemplo, de demitir uma massa de trabalhadores.

Ou aqueles profissionais também qualificados que no caso do médico e do técnico

em enfermagem de hospitais públicos brasileiros, que gostam do que fazem, mas

não gostam de como fazem, quando, muitas vezes têm que improvisar meios de

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salvação, ou decidirem como ética da responsabilidade, a quem se destina o único

leito que fora deixado vazio.

Porém Galbraith apenas faz um estudo apropriado ao contexto norte-

americano que, aqui e acolá, pode assemelhar-se a algumas facetas de uma minoria

que tem o poder da maioria, por exemplo, em nosso país. Nesse caso, ao meu modo

de perceber a exclusão no Brasil, eu complemento com os oportunistas do sistema

representativo que se ancoram em uma função comissionada doada por poderes ou

favores políticos; ou, com aqueles que não são ricos, nem médios, mas varões

pobres que sempre se fazem de vítimas do desemprego e da exclusão, quando

exploram a companheira que trabalha fora do lar para não faltar o ínfimo aos seus

filhos, em nome de uma falsa emancipação feminina; ou dos programas sociais mal

gerenciados ou instituídos de modo patrimonialista; que fazem os quem têm

oportunidade de trabalhar não mais fazê-lo porque sabem que mensalmente possuem

aquele soldo na porta de cada mês e sem qualquer exigência comprobatória que

garantam o direito por algum impedimento justo seja físico, biológico, mental ou

verdadeiramente social.

A violência contra a mulher no Brasil – claro que também nos países

totalmente pobres ou nos pobres em que a mídia política precipitadamente os fazem

quase como ricos - não se dá apenas pelo físico ( a que praticamente a Lei Maria da

Penha se refere) mas radicalmente pelo psíquico. É o que exponho em uma das

partes do meu artigo apud Gomes (1992) e observo que essa violência de gênero

leva a mulher a uma dupla exclusão - dentro e fora de casa – o que é uma pseudo-

participação e um descaminho da democracia. Como lembra Paternam (1989, p.

170):

Segundo a velha e radical idéia de democracia, nela

todos os cidadãos são espertos em sua própria vida

política, ao nível de seu conhecimento e habilidades

em outras áreas. Mas esta idéia tem sido abandonada.

Agora, “democracia” significa um sistema no que os

cidadãos alienam o seu direito a decidir sobre suas

vidas políticas em espertos não políticos ( no geral, e

hoje, juristas e outros profissionais qualificados).

Segundo tal concepção do político e da cidadania,

dificilmente surpreende que a classe trabalhadora e

as mulheres sintam que não vale a pena estar atento;

suas capacidades e conhecimento não se consideram

politicamente relevantes, nem na política do estado,

nem na do lugar de trabalho

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Isso quer significar que a cultura liberal é individualista pela condição de

não enxergar a estrutura social como uma conjunção de indivíduos e sim como um

aglomerado de desiguais. Tanto Paternam e, como veremos mais adiante, Barber,

ambos pedem a recuperação do comunitarismo rousseauniano onde o espírito da

sociedade inclina-se a se integrar representantes que possam servir ao povo e não

aproveitar-se dele. Além do mais, ambos são realistas suficientes para declarar que

se não houver verdadeiramente igualdade política, nunca haverá a autêntica

participação.

Os vícios privados, presos à satisfação sistemática do interesse privado,

produzem, em todo caso, o equilíbrio dos que pertencem ao sistema e estão

integrados a ele; deixa fora ao resto, aos marginalizados e excluídos porque suas

existências molestam aos poderosos “felizes satisfeitos”, relembrando a expressão

de Galbraith. O que ocorre quando nos deparamos com os menores de ruas e os sem

teto muitas vezes expostos às drogas e à violência? Como isso pode ser bom para

planejar uma sociedade melhor?

É por exemplos como esses que tanto a tirania da maioria como a

manipulação dessa maioria ou a indiferença para o jogo político são descaminhos da

democracia que podem e devem ser atacados diretamente, com políticas públicas e

atuações dirigidas a escutar as minorias – a detectá-las, primeiro – e fazer interessar

o povo sobre os assuntos políticos. A razão de peso em favor dessa indiferença é,

portanto, de que a democracia é o sistema de governo mais justo, embora não

garanta resultados justos. E uma das causas disso para não ocorrer com maior

eficácia é porque não aprimoramos a metodologia representativa da democracia.

O diagnóstico da contradição entre a racionalidade econômica e a

racionalidade humana leva à conclusão evidente de que nossa civilização degradou

o valor da vida durante todo o Século XX, e com poucos sinais de mudanças nessa

primeira década, há pouco encerrada. Como disse André Gorz (1988, p.140),

“ampliou-se a desintegração social, degradação da vida individual e desigualdade”.

Na verdade, existe um horizonte ético construído sobre a base de grandes

ideias de valor universal, mas a linguagem que a escreve tem sido confusa. A falsa

precisão dos conceitos valorativos esconde uma realidade cheia de contradições.

Assim, o discurso ético é rejeitado a princípio como um discurso hipócrita,

construído com palavras cujo sentido teórico fica muito distante do significado real.

Pensemos ainda na expressão “democracia liberal”, atribuída à maioria de nossos

sistemas políticos. Nenhum dos dois termos é rejeitável por si mesmo, mas, de fato,

a união “democracia” e “liberal” leva a uma contradição. “Liberal” não vem

significar a defesa de pôr em prática os valores liberais das liberdades individuais

ratificadas pelas declarações de direitos ou as constituições, mas os valores liberais

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que degeneraram em “liberalismo”. E o liberalismo, fundamentalmente o

econômico – que é o que finalmente nos serve de modelo -, dizemos que é

“selvagem”: não se preocupa que um seja mais livre que outros, parece que não se

dá conta de que o uso da liberdade não pode ser o mesmo para todos os indivíduos

quando, entre eles, ocorrem desigualdade radicais.

O mercado em si não é mau: simplesmente, não distribui bem, com

justiça, os bens que produz. E quando muito, as taxações tributárias que deveriam

em parte servir para uma justiça distributiva de bens, são, em geral, impostas ao

sacrifício da classe média e não da que verdadeiramente acumula, como os

banqueiros, altos empresários e altos especuladores. Ao menos, é isso que ainda é

posto em prática no Brasil. A defesa teórica dos valores liberais se assentava,

principalmente, na igualdade e, sendo realizada, seria a única base sólida da

democracia. O que significa a soberania do povo? O que pode ser compreendido por

“representação democrática”? Podemos dizer que todos votam em igualdade de

condições? A expressão “democracia liberal” já carrega consigo uma contradição:

enquanto a igualdade for insuficiente não se poderá falar de liberdade generalizada.

Barber (1984, p.15) defende a tese de que um excesso de liberalismo tem

se acumulado nas instituições democráticas e que “a representação destrói a

participação”. Contra essas tendências que põem em perigo a sobrevivência da

verdadeira democracia, Barber (1984, p.16) aposta em uma “democracia forte”,

participativa – no sentido literal do termo –, “que alimente à comunidade sem

destruir a autonomia” e que “supere a passividade e o vazio do liberalismo”. Nesse

caso, deparamo-nos com ideias próprias das teorias comunitaristas segundo as quais

reconstruir a comunidade de base – nesse caso a democracia – e fazer que o

indivíduo se sinta parte dela não somente resolveria a crise de participação, mas da

responsabilidade moral, que é a condição necessária para que o sujeito seja

realmente autônomo. Ou seja, é o ambiente democrático que deve criar a liberdade,

a justiça, a igualdade e a autonomia como o produto de um pensamento comum e de

uma vida em comum. Sem dúvida, o indivíduo não chega a sê-lo se permanece

isolado, vivendo apenas para si e para os seus mais próximos: nem chega a ser ele

mesmo, nem chega a se gerar qualquer valor coletivo em função do isolamento ou

da privacidade exclusiva.

Mais uma vez isso consolida o entendimento de que a prioridade que

damos ao privado vai de encontro ao público, à democracia, e à apropriação dos

valores que a constitui. O individualismo – próprio das sociedades liberais, como

disse Tocqueville ( 1984,p.246) valora o egoísmo que, por si só, já é um perigo real

para a democracia bem entendida, para essa democracia que ainda não conhecemos,

mas que intuímos. Por isso, vale dizer, com Barber (1984, p.63,86), que “a

democracia é a condição da autonomia, assim como “a autonomia é a condição da

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democracia”. Ambas as coisas, indivíduo e vida democrática, devem ser construídos

simultaneamente e isso é prontamente um dos desafios que temos que ter como

meta nesse segundo decênio que acaba de começar.

Mais discussão merece a tese segundo a qual “a representação destrói a

participação”. A democracia representativa é um modelo de democracia e, sem

nenhuma dúvida, o único possível em nosso tempo, ao menos enquanto não

tivermos um sofisticado avanço isonômico de tecnologia de nível global que

possibilite à distância a participação decisória de todos como uma virtual assembleia

grega com um inteligente sistema de rede, claro, resistente a qualquer atitude

hacker. Quem sabe? Portanto, a democracia, mesmo representativa, não implica

necessariamente que não possa haver participação. Pode haver, mesmo que por

outros meios que os de assembleias, na consulta direta ou ad referendum a qualquer

fim. Não esqueçamos que a democracia é um procedimento político, uma forma de

governo que não se esgota em si mesma e nem se justifica apenas como

procedimento: se justifica se as coisas são bem feitas, se é eficaz, se resulta em boas

decisões e que elas realmente, como já afirmado, sejam executadas, evitando-se

autogovernos e aumento da desconfiança da democracia representativa. Mesmo com

as falhas da representação não há argumento suficiente para negar a sua validez, mas

o há para transformá-la em representação mais autêntica.

Frente à tese comunitarista – que teria como seu antecedente mais remoto

Aristóteles e, logo depois, Rousseau – que quer ver o indivíduo exclusivamente

como parte do todo político, e que somente vê, como única saída, a nossa inserção

em uma situação de “paraíso perdido”, em qualquer caso, irrecuperável –, convém

ter claro que é preciso aceitar a tese liberal segundo a qual o indivíduo é algo

externo ao Estado. Não pode ser correto, mesmo que seja bom e desejável, que o

indivíduo queira a si mesmo ignorando a existência dos outros. Por isso, que não

podemos deixar de falar de justiça, pois, mais participação supõe mais igualdade e

a igualdade política não é certa, se mantém as desigualdades social e econômica.

Certamente existem relevantes pensadores, de Habermas a Rawls, que

resistem em renunciar à razão como instância autorizada de fundação da ordem

política, mas suas propostas de comunidade política, cada vez mais escoradas para

um liberalismo com consciência social, estão mais distantes dos referentes kantianos

dos que se declaram herdeiros. O comunitarismo que recupera com certa nostalgia a

comunidade política, é mais um refúgio que uma opção substantiva.

Participação tem que haver, pois é uma condição sine qua non da

democracia, mas da participação tem-se que admitir também que se diz de muitas

maneiras. Cada qual deve participar e considerar-se obrigado de acordo com suas

possibilidades, com suas necessidades e com suas funções no sistema. É errôneo

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entender a participação na tomada de decisões coletivas como participação direta de

todos os cidadãos em cada decisão de governo. Tampouco deve-se concebê-la como

uma mítica adesão – conforme já destacamos – à “vontade geral” rousseauniana. O

problema da falta de participação na democracia de hoje não poderá ser resolvido

adequadamente enquanto não fique claro como pode e deve ser posta em prática a

democracia hoje para que todos, da forma que seja, se vejam envolvidos nas

decisões. E esta é a pergunta que temos que abordar imediatamente.

A participação é em si mesma um dever. Não se entende a democracia sem

a colaboração dos cidadãos, seja esta de qualquer tipo. Antes de tudo, assim, deve

ser aceita a democracia real, com suas imperfeições. Essa é uma condição óbvia,

principalmente contra os que não aceitam, de cara, nada que não seja perfeito,

aqueles que desqualificam a democracia porque , segundo dizem, nada do que

conhecem é autêntica democracia. Como bem afirmou Camps ( 1999, p.118):

Rebater aos utópicos que vivem fora da realidade ou

aos que ainda possuem resíduos de tendências

totalitaristas é imprescindível, porque,

invariavelmente, são teóricos ou práticos de tudo ou

nada, que não entendem que a realidade é

transformável, não do nada, mas a partir de alguma

posição concreta. Aceitando essa “posição” de

democracia que temos, devemos levar em conta duas

outras condições importantes para poder estruturar o

tipo de participação de que necessitamos e que nos

convém.

A primeira, que a democracia, enquanto sistema de governo, tem , como já

afirmado anteriormente, de ser eficaz, tomando decisões e fazendo com que elas

sejam executadas. Mesmo que a eficácia não seja um valor prioritário, é, sem

dúvida, índice de um bom governo ou de um bom sistema. Eficácia não significa

fazer leis indistintamente; a eficácia é compatível com a preocupação e a atenção

aos acordos duvidosos até chegar a um melhor conhecimento da questão. A eficácia

também requer tempo, mas não um tempo que demore propositadamente pela

burocracia. A eficácia não é a arte de resolver rapidamente um problema como

insinuam os discursos de comportamento organizacional, a exemplo do que

defenderam os teóricos capitalistas da qualidade total, mas sim, é eficaz a decisão

que quer resolver um conflito mesmo quando tenha de se investir mais tempo.

A segunda condição é a de que não deve ignorar ou depreciar as

capacidades psicológicas do indivíduo como a experiência, das quais nos fala a

psicologia. Não é correto, como acreditou piamente Kant, que o dever implique

poder. É possível conceber deveres que resultem logo em atrocidades imperdoáveis,

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sob o ponto de vista da psicologia humana. Nesse ponto, Freud muito contribuiu.

Assim sendo, algo disso poderia ocorrer com a ideia utópica de participação

segundo a qual todos os cidadãos deveriam intervir no acordo sobre as decisões que

lhes concernem. A ideia de consulta a todo propósito nem é viável nem é

conveniente nem o indivíduo poderia cumpri-la no caso em que se lhe impusesse

como um dever. A tendência a que um referendum se transforme em plebiscito ou

em voto de protesto não faz mais do que confirmá-lo.

Há certo consenso entre os teóricos da política – excluindo, talvez, os

comunitaristas – de que a participação assim entendida não é boa para a

governabilidade. Inclusive pensadores como Macpherson (1986, p.207) advogam

por uma “democracia participativa” que proponha modelos que adaptem à

complexidade de nossas sociedades a exigência de uma participação sem exclusões.

E esses modelos são, na realidade, sínteses do sistema representativo e participativo.

Sendo verdade que alguém deve ser o responsável último para que haja tomada de

decisões, algum mecanismo terá que ser possível para que exista uma mediação – a

que teoricamente deveria realizar os partidos – entre os cidadãos e a apreciação dos

grandes problemas. Os desafios da realidade política, uma realidade que ultrapassa o

âmbito de um só país e que nem sempre é possível, exigem decisões contínuas e

rápidas. A decisão democrática requer tempo, mas não é esse tempo consumido em

debates de assembleias ou de comissões parlamentares em sua maior parte estéreis.

Esses sim, são puro desperdício de tempo porque nem conduzem nem ajudam a

nortear nada.

Representação e participação nem sempre são antagônicas. A participação

tem de ser vista sob o referencial de uma democracia representativa, mais como um

processo de correção do que há, do que como de construção de um modelo

alternativo. Correção de tudo o que expressa a chamada “teoria elitista”, segundo a

qual o povo elegeria os mais hábeis politicamente para que o governasse e se

afastaria imediatamente das tarefas políticas. Essa teoria, que se aproxima da

realidade brasileira, embora criticada pela maioria, prescinde realmente da

autonomia da pessoa ou do ponto de vista segundo o qual a autonomia plena não é a

que se consegue com o exercício da liberdade negativa, mas com o da liberdade

positiva. Ao indivíduo temos que deixá-lo, evidentemente, com a liberdade de

desenhar sua vida privada a seu gosto e sem mais restrições que as necessárias;

temos que pedir a ele e dar espaço para que coopere livremente na construção de

uma vida pública a cujas leis deverá se submeter. Esses princípios, entretanto, são

imprescindíveis para a sobrevivência da democracia e sua otimização não pode ser

deixada somente nas mãos de alguns políticos “de carteirinha”.

Em uma democracia, a princípio, todos os desvios são possíveis. Nesse

caso, o problema maior está em não se acreditar na democracia pela desconfiança

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nos políticos, não aproveitando da liberdade e não se buscando canais de

participação porque se consideram supérfluos. Isso ocorre porque a democracia é

“desgastada” e mal-aproveitada, de tal sorte que é nessa circunstância que acaba por

desmotivar os mais entusiasmados. A democracia deveria exibir permanentemente

seu objetivo, que não é outro senão o empenho na concretização dos valores

fundamentais: não permitir que se continue cometendo injustiças e que permaneçam

ultrajando as pessoas sob a aparência de outra coisa. A ideia de justiça é, nada mais

nada menos, que uma criação histórica nossa à qual se deve dar continuidade

fazendo realizá-la. A democracia está cheia de imperfeições, evidentemente, e por

isso temos que participar, para tratar de corrigi-las. Se a democracia fosse perfeita,

que necessidade haveria de alguém opinar sobre ela e suas implicações?

Embora, também deva ser considerado que os sistemas não capitalistas têm

seus globalistas corporativos, para Friedman (1999, p.33, 36), por exemplo, trata-se

de figuras chave nos partidos socialistas e comunistas, companhias comerciais

estatais, e outras burocracias igualmente poderosas, que agem de uma forma

transnacional e centralizada, como uma rede geográfica de poder político resultando

em micropolíticas e microfísica de poder e poderes, como interpretaram Deleuze e

Guatarri(1996, p.92,107) e Foucault (1979, p. 186,189). A globalização tem suas

próprias tecnologias definidoras que, por contraste, converte tanto amigos e

inimigos em competidores, segundo advoga Todorov (2003, p.54). Se a ansiedade,

característica da Guerra Fria, era o temor a ser aniquilado por um inimigo que se

conhecia muito bem em uma luta mundial fixa e estável, na globalização a

ansiedade característica tornou-se o temor à mudança rápida proveniente de um

inimigo que não se vê, não se toca nem se sente. Assim, o determinante do poder

na Guerra Fria passou da potência do armamento bélico, que o Estado possuía, para

a potência de mega bites que o Estado dispõe. Do mesmo modo, como meio de

mudança e transformação social, participar é ao mesmo tempo dispor e possuir

condições de cidadania.

Quando falamos de participação ou de abstenção, porém, devemos olhar o

cidadão que não vive da política. Dele se exige que viva para ela porque se supõe

que os políticos já não o fazem. Pois bem, não há deveres unilaterais e muito menos

para os que têm a ver com a ação pública. A participação cidadã na política tem que

vir impulsionada e motivada por aqueles que não fazem da participação um

problema porque já estão na política, pois já são políticos. Os convocados a corrigir

diretamente os defeitos da democracia elitista não são os cidadãos que não têm

feito da política sua profissão, mas o bom político que se abre às opiniões dos

cidadãos, assumindo suas críticas, não as recebendo com a prepotência de quem se

basta a si mesmo e sem qualquer autossuficiência para agir à sua maneira. A

argumentação pública tornou a democracia de massa uma simples formalidade

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vazia. Para Habermas (1996, p.92), o processo de despolitização da população,

legitimado pela tecnocracia, projeta os homens em categorias na ação instrumental,

nas quais “os modelos coisificados das ciências transmigram para um mundo

sociocultural da vida e obtêm ali um poder objetivo sobre autocomposição”.

Em matéria de política não há verdades. Tudo é opinável, mais ainda

quanto mais importante for a decisão a tomar. A eficácia não pode ser transformada

– como já frisei anteriormente – em uma “procuração” feita do cidadão aos

governantes, para todos os fins e de caráter irrevogável! Dessa forma reincidiríamos

mais ainda na teoria elitista da democracia. A eficácia que se tem de defender é,

repito, a que resolve conflitos e não problemas, pois um conflito é solucionado

somente com o envolvimento de todas as partes envolvidas nele, e, em uma

democracia, não é correto resolver nenhum conflito com as costas voltadas às partes

envolvidas. O bom político, assim, é o que verdadeiramente aceita e inclusive exige

a participação, quando o conflito aparece, pára no momento de tomar decisões e

nunca quando já tomadas. Ser bom político é, portanto se interessar que os cidadãos

opinem.

É nessa perspectiva que a participação eleitoral não é mais que uma

consequência de outra participação mais completa, vivida intensamente. A

abstenção, pelo contrário, é sintoma de desinteresse e desafeto pela política. Um

sintoma, haja vista que a baixa participação eleitoral indica que a participação

propriamente dita é inexistente. Revela, mesmo assim, que a política carece de

credibilidade pela ausência de bons políticos. O cidadão não deixa de participar

somente por comodidade ou protesto, mas porque não se sente ouvido nem mesmo

se lhe derem a oportunidade para que fale. E se a política não merece o desprezo que

recebe – como não deixam de repetir os políticos comuns –, temos que nos jogar de

cara para pensar, para encontrar caminhos que corrijam a razão desse estranhamento

ou alienação que talvez seja o mais grave impasse da democracia de nosso tempo

em qualquer das instâncias sociais.

Ocorre com a democracia representativa o que se deu com o capitalismo.

Temos chegado ao acordo, expresso ou tácito, de que a economia capitalista é a

única que funciona bem, pese o que pese, mesmo quando demonstrou uma

derrocada global nos mercados. Apesar de tudo continuamos a admitir que seja a

única que funciona razoavelmente melhor do que outra imaginável, que não deve

ser rejeitada, mas corrigida em seus excessos e em sua atuação selvagem. Do

mesmo modo tem sido o reconhecimento da democracia representativa, mas com

muitas correções; correções que precisam de múltiplos fatores: da fé do cidadão na

bondade do sistema, da educação de hábitos participativos, da vontade política de

admitir mais participação, da imaginação para idealizar novas formas de

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compromisso, da bondade e humildade do governante para reconhecer seus

equívocos e de sua paciência para realizar decisões.

É um erro pensar que a democratização da vida política virá sem

democratizar outras realidades e sem entender que essa democratização, na família,

na escola, na universidade, nos partidos, nas instituições, no trabalho, tem que

revisar também sua ideia de participação. No Brasil, mais do que em qualquer outro

lugar do que estamos mais próximos, a confusão sobre o assunto é muito grande. A

saída do autoritarismo lançou-nos ao extremo oposto: o das permanentes comissões

parlamentares, de ética, de justiça e cidadania, dentre outras. Da mesma forma que a

crítica indiferenciada e a qualquer propósito resulta ineficaz porque ninguém a leva

a sério, da mesma forma que a maturidade democrática se mostra pelo saber

distinguir o que deve ser criticado do que não merece a pena criticar, também na boa

participação democrática tem-se de saber discernir a medida da participação.

Encontrá-la é ascender a essa sabedoria que nem as teorias nem os livros

proporcionam, mas apenas a experiência e o bom senso como atitudes de

permanente aperfeiçoamento. Procuraremos, agora, por uma via prática, apresentar

esses caminhos.

2.3 O caminho para uma maior participação

No início desse ensaio, afirmamos que a democracia é apenas um

procedimento, o menos mal que teve a humanidade, o mais respeitoso com os

indivíduos e o que com mais probabilidade produzirá decisões justas. Sabemos

também que consultas e deliberações democráticas não se dão em um espaço

parecido como o que Habermas (1992) chama “comunidade ideal de diálogo”, mas

na comunidade real, onde o diálogo não existe ou então é um diálogo de surdos ou

um diálogo em que sempre falam os mesmos. Um diálogo, precisamente, de seres

humanos, com suas paixões, parcialidades e interesses, de seres cuja “razoabilidade”

fica oculta por uma “racionalidade” que somente vislumbra seus fins particulares ou

corporativos e empenha-se em não ver os fins públicos. Se o critério das maiorias é

tirânico é porque é dominador e escuta somente o mesmo. Nesse sentido, o

procedimento pela maioria é imperfeito, porque quem vence não mais está

interessado no diálogo com os que perdem. Essa fragilidade da democracia é

reconhecida por teóricos como Rawls (1997, p.115) na medida em que ele a assinala

como uma “justiça procedimental imperfeita” e não uma “justiça procedimental

pura”, pois, mesmo que um procedimento tente ser justo, nunca assegura a justiça

de seus resultados. Somente pode-se adquirir certa imparcialidade na “posição

original”, onde os indivíduos se encontram cobertos pelo “véu da

ignorância”(RALWS,1997,p.116). Não se enganam, uma vez que, sendo todos

iguais, não há paixões nem interesses que determinem a vontade em um ou outro

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sentido. O único determinante é o medo do risco que todos sentem da mesma

maneira.

Essa situação imaginaria que possibilita um procedimento com resultados

justos é devedora das teorias clássicas do contrato social e de seus “estados de

natureza”. É uma hipótese, a meu entender, prescindível, pois que valor há em um

acordo tão fácil: um acordo a partir da igualdade absoluta, em que não há diferenças

nem pluralidade? Os acordos problemáticos são os que surgem depois, quando já

não estão na “posição original”, mas, na realidade, tem que decidir o que se entende

por “igualdade de oportunidades” ou a quem tem de se explicar o “princípio da

diferença”.

É o desenvolvimento das normas fundamentais, o desenvolvimento de uma

Constituição, a interpretação e a aplicação de uma lei, o que gera conflitos éticos

cuja solução tem que confiar na aplicação do procedimento democrático. Aí são

muitos os elementos imprevistos e perversos que podem aparecer no processo

democrático e destorcê-lo para resultados totalitaristas não mais imaginados nem

queridos por nós, que podem pôr em perigo a democracia de nosso tempo e

poderiam acabar resultando vencedores de um sufrágio, com imperfeições,

certamente, mas democrático embora levando a democracia a uma autodestruição.

O problema é que não temos ainda clareza como deve reagir a própria democracia

diante de um perigo como esse. Frente a tal ameaça, não há antídoto melhor que

relembrar que o fim não justifica os meios, mas o contrário: os meios prefiguram o

fim. É lícito abortar um processo democrático e impedir violentamente que as forças

não democráticas ascendam ao poder? É lícito agir antidemocraticamente para

salvar a democracia? Como se pode intervir contra comportamentos, internos e

externos ao próprio país, contrários à democracia? Sem dúvida, a resposta tem de

ser: nunca antidemocraticamente, nunca de tal forma que o como se perverta no

que. Como diz Torres( 2003, p.101):

Sem uma exploração séria das intersecções entre

diversidade cultural, a ação afirmativa e a cidadania,

as bases da democracia e do discurso democrático per

se estão em risco. Sem uma teoria e prática da

cidadania multicultural e democrática tecnicamente

competente, eticamente definida, espiritualmente

engajada e politicamente factível, o povo perecerá.

As políticas democráticas podem configurar-se de acordo com ideologias

diversas, mas, em qualquer caso, a gestão de um governo democrático deveria

procurar ser impecável. Ser impecável, nesse caso, não é sinônimo de êxito – já que

depende, sem dúvida, de uma boa gestão, e não apenas dela -, mas de transparência

e pluralidades de ideias. Uma democracia carente de discussões e ideias é uma

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democracia corrupta, que engana ao cidadão, ou seja, não o considera como tal, mas

como um súdito cuja obrigação é acatar as leis e ocupar-se de seus assuntos que não

são os da política. Por outro lado, se a democracia não é o cenário mais apto para

que formem indivíduos com “vontade própria”, como defendia Mill, a democracia é

um procedimento falido.

Daí foi que Dewey, para muitos último grande pedagogo do século XX,

criticou pertinazmente a forma de vida americana e o isolamento de seu sistema

democrático, em virtude de seus caracteres reduzidos e residuais; herança de um

liberalismo econômico direcionado a um individualismo competitivo. O

diagnóstico que aparece no exame deweyano da democracia, particularmente da

democracia dos EUA, indica que esta se manifesta comum à moral segmentada e

reticente nascida de dualismos entrincheirados no hábito da vida cotidiana. Como

Durkheim, Dewey segue uma mesma intenção: insistir nos horizontes de realização

ética e procedimental da democracia.

Por isso, não há outra forma de combater qualquer desvio a não ser

mediante a democracia do procedimento, controlando o processo de tomada de

decisões de forma que se possam prever possíveis desvios, muito dos quais são,

efetivamente, previsíveis, haja vista que contam com razões artificialmente

fundadas para se produzir. Aprimorar o procedimento significa, creio, duas coisas:

em primeiro lugar, ter fixados os critérios fundamentais da justiça distributiva, já

que a chave do bom governo democrático consiste na distribuição dos bens básicos

– o poder entre eles – de forma que ninguém se sinta excluído da divisão. A esse

respeito, uma democracia liberal – em relação a uma democracia social - não pode

ser vista a não ser como uma contradição. Se não há outra concepção da justiça que

prioriza a liberdade, como ficará garantida a justiça do procedimento? Como ficará

garantida a igualdade? Em segundo lugar, afora os dois critérios básicos de justiça

distributiva, deve haver políticas consistentes que indiquem seu desenvolvimento,

políticas dirigidas a igualar o mais desigual, a evitar discriminações, a beneficiar aos

menos favorecidos. Uma justiça distributiva que se detenha na declaração de

princípios e não trate de resolver também as dificuldades da prática, não serve de

nada.

Há, entretanto, uma eficácia de resultado já implícito na democracia

participativa que é a atitude favorável frente à política. De forma que não favorece a

política mercantil, profissionalizada quando estas somente obtêm respostas apáticas

e desmoralizadas porque é uma política que não se envolve com o que é de todos.

Essa é justamente a política de natureza liberal, sem atenção ao público por seus

assuntos de interesses comuns, tendo em vista a classe política, quando se faz livre e

independente aos assuntos de interesse comuns, gerando, como já salientei, uma

aristocracia de partidos, quando estes são poucos transparentes.

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Um bom democrata tem que ser humilde e se atrever a retificar; tem que

ser paciente e aceitar que outros recolham os frutos que um começou a semear. A

democracia consiste em aprender a viver com as suas debilidades, porém

dinamicamente, experimentando soluções tal como fazem as ciências, pondo em

marcha projetos que somente talvez se verifiquem mais tarde como adequados e

justos. É indispensável realizar o máximo de consulta e de diálogo, fazer o

impossível para desenterrar essa impressão generalizada de que a política não é

necessária para todos. O que não equivale a cair no erro mais frequente que é de

pensar que qualquer decisão é competência de qualquer um. É necessário imaginar

outros canais de cooperação e de participação, de forma que o cidadão se sinta

implicado na colocação e na solução do que concerne.

Essa cooperação diversificada e ampla precisa, antes de tudo, de um

contexto propício. Um contexto, basicamente, de igualdade e colaboração mais

efetiva. É preciso que a sociedade civil e o estado, mantendo-se separados, se

comuniquem e cooperem. Para isso são necessárias duas coisas: reformar o poder

do estado e reestruturar a sociedade civil. Atualmente, a débil estrutura da sociedade

civil faz com que a igualdade de voto seja uma fórmula vazia e irreal: a participação

não é orgânica, é exclusivamente “mecânica”, não há uma compreensão adequada

dos conflitos políticos nem exercício do devido controle sobre as decisões. Com

relação ao estado democrático, deve ser o suficientemente forte e decidido para

redistribuir justamente os bens básicos e ajudar aos mais necessitados. Devem os

bens se prestarem a atender e apoiar mais as iniciativas, demandas e queixas que

reivindicam as organizações sociais, mesmo se estiverem estagnadas e em precárias

condições. Como afirma Held (1994, p.129) no sentido de uma “dupla

democratização”: a da sociedade civil pensando mais em igualar as desigualdades

mais latentes ou ofensivas, e a do estado repartindo seu poder de forma mais

equitativa. Para esse autor, a democracia “representativa liberal”, com o seu

principio de cidadão ativo

É um conjunto de regras, procedimentos e instituições

que permitem o mais amplo envolvimento da maioria

dos cidadãos, não nos assuntos políticos enquanto

tais, mas na seleção dos representantes, os quais

podem apenas tomar decisões políticas.

A democracia, por ser tão delicada e sensível, precisa de nossos cuidados,

para que não se transforme em pedaços ou se leve ao extremo este complexo em

uma cultura da comodidade e de bem-estar, porque a virtude política não é natural

ao ser humano, como acredita Simmons (1989), partindo na defesa da tese de Locke

exposta em seu Ensays on the Law of Nature. Sem dúvida, sabemos que nós

necessitamos uns de outros e que devemos cooperar para resolver os problemas

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comuns, mesmo que não em consonância com tal convicção. A fragilidade da

democracia é, de fato, reflexo de nossos conflitos interiores e privados. Nunca o

bom aparece com a nitidez desejada e nem tem força suficiente para anular nossas

resistências. Descremos da política, dos políticos, da democracia, de nós mesmos?

Talvez a claridade venha da capacidade de repensar todos esses conceitos e de ver

até que ponto todos são responsáveis pela confusão existente. Não faz nenhum bem

à democracia a simplificação de funções de seus diferentes atores. Os políticos

simplificam a democracia quando, no lugar de pensar seus conteúdos e elaborar

programas, se preocupam somente em jogarem acusações entre si. Os meios de

comunicação, insisto, simplificam a política, reduzindo-a a espetáculo e a

escândalo. A política é simplificada ao ser fragmentada pelos partidos. E o cidadão

tem que se sentir cidadão, ou seja, tem que começar a considerar e entender que

não somente é sujeito de direitos, mas também de alguns e fundamentais deveres.

Também não devemos esquecer de que é a democracia que incentiva o

individualismo. Ele realmente nasce com o liberalismo e com as democracias

modernas que, diferentemente das antigas, não se constrói sobre a ideia de uma

comunidade política na qual somente cabem os iguais, mas sobre o reconhecimento

da soberania do indivíduo em uma sociedade cada vez mais diversa e plural. De

fato, ele é uma consequência das igualdades civis e políticas que produzem os

regimes democráticos e pode ser o maior empecilho para que a democracia seja

satisfatória. À medida que as nossas liberdades aumentam, que a vida privada ganha

espaço e o mercado se faz mais competitivo, os indivíduos tendem a se isolar, a

buscar o refúgio de grupos fechados e antagônicos e a defender exclusivamente seus

interesses particulares. As sociedades se atomizam e é impossível agregar os

cidadãos em torno de um interesse comum. Portanto, liberalismo, individualismo e

democracia apresentam-se como ideais abstratos que, verdadeiramente na prática,

deixam muito a desejar.

A democracia termina realmente por ser também um jogo não apenas

baseado em algumas regras de distribuição do poder e de formas de

representatividade; é também um jogo de responsabilidades compartilhadas. E, por

não querer aceitar esse jogo, nas sociedades liberais tem crescido

descontroladamente o poder dos juízes, que se tornaram os únicos árbitros dessa

competição.

Nesse sentido, seguindo a Camps(1998), participar é hoje contribuir à

correção dos vícios e contradições da representação. Vícios derivados de uma

vontade de eficácia mal conhecida ou do desvio para os interesses corporativos dos

próprios partidos. Essa participação “corretiva” pode ser exercida pelo cidadão,

sobretudo, com a crítica, mas também com uma colaboração mais ativa em

associações e organizações que atendam a fins públicos. Temos que ter sempre

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presente a sábia observação de Terêncio (2008, p.324): “o indivíduo realmente

humano é o que considera que nada humano lhe é alheio, o que se sente obrigado

para os outros por deveres de justiça”.

Fica ainda uma questão referida à participação porque ela já toma parte

dos problemas que a democracia carrega. A participação é uma condição da boa

democracia, por definição, mas, por que é desejável? Basta dizer que está implícita

com o conceito de democracia para justificar sua bondade? William Nelson (1980),

que tem feito essa pergunta, dá a seguinte resposta: a participação não é desejável

porque estabelece o governo nem porque produza obrigação política, mas somente

o será caso se produzam leis mais justas. Ele ainda advoga que a participação do

povo somente pode existir na democracia porque pressupõe a existência de estado

de direito propriamente dito. Embora, na democracia, que é a assembleia da

multidão de acordo com o direito de sua própria natureza, o direito é simplesmente a

relação de meu direito natural com o de todos e de todos com o meu.

Com a participação, porém, não significa que produziremos imediatamente

mais justiça. Já dissemos que um dos perigos da democracia é sua incapacidade para

se garantir a justiça dos resultados. Aristóteles (1991, p.213) já disse que “os

partidários da democracia chamam justa à opinião da maioria seja qual for” 8.

“Chamam justa”, mas não é garantida que essa opinião, ainda que proceda da

maioria, tenha que ser necessariamente justa.9 Teoricamente, um bom

procedimento – o procedimento participativo – não deveria produzir resultados

contrários à Constituição de um país, que é o referencial último de suas leis. Um

critério basta para detectar um mal resultado: é aquele que acaba com a própria

democracia, um resultado ditatorial. Ocorreu com o nazismo, que é o exemplo

paradigmático, e é bem possível que de outra forma venha ocorrendo nos dias

atuais. Mas, não precisamos ir tão longe: o procedimento democrático pode dar

lugar – e o faz – a leis que recortam excessivamente as liberdades, que penalizam o

que não deveria ser penalizado, que priorizam o que não necessita ser priorizado e

relegam assuntos que mereceriam mais atenção.

A justiça não é, pois, uma consequência lógica do procedimento

democrático e participativo. A inibição das responsabilidades coletivas tem levado

ao que se chama da “judicialização” da política (e não somente da política, mas da

Medicina, do jornalismo, da docência, e de todas as atividades que, de um modo ou

de outro, podem cair em negligência e prejudicar alguém). Significa abandonar

qualquer reconhecimento de responsabilidade em mãos de juízes. A

responsabilidade jurídica é, sem dúvida, uma forma de responsabilidade, mas não é

a única. Reduzir tudo a ela significa limitar a democracia.

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Há, entretanto, um resultado, talvez o mais positivo, que a democracia

participativa global assegura porque já está implícito nela: a atitude favorável à

política, que não favorece a política elitista mercantilista e profissionalizada, que

somente obtém respostas apáticas e desmoralizadas, porque é uma política que não

mostra sua conexão com o que é de todos. Essa é a política liberal, sem idéias sobre

o público, sem assuntos de interesse comum, que leva a classe política a atuar entre

si e sem controle ideológico, a política da “partidocracia”, como asseverou Bobbio (

2006, p.73 ), com partidos pouco transparentes, comprometidos com escândalos

financeiros, com reduzidas filiações sem qualquer referencial moral para os mais

jovens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A verdadeira democracia, a significação da

democracia, deve ser continuamente exigida; deve

ser continuamente descoberta e redescoberta, refeita e

reorganizada; e as instituições políticas, econômicas e

sociais que hoje se falam; têm que serem refeitas e

reorganizadas para fazer frente às mudanças que têm

lugar no desenvolvimento de novas necessidades e

novos recursos para satisfazer essa necessidades.

John Dewey apud Alan Ryan, 1995, p.115.

As contradições que aparecem no seio da democracia de hoje, a falta de

justiça social chegam, como sempre, pela ambição de poder de alguns privilegiados

– que provocam guerras, conflitos, desordem e fome – e pela indiferença de quem

contempla à distância disputas que, a princípio – crêem eles -, não são de sua

incumbência. Mas, esse pressuposto é falso. Algo de muito verdadeiro dito por Jean

Paul Sartre(1984) é que nossas decisões, por mais privadas que pareçam, afetam a

toda a humanidade, para se chegar ao ser humano que pretendemos ser. Essa é, sem

dúvida, a maior responsabilidade do político, e também a responsabilidade do

cidadão, a fim de sucumbir definitivamente em uma globalização dividida em duas

metades: de excluídos e incluídos, mesmo todos reconhecendo que esses dois lados,

em qualquer tempo e lugar, sempre estiveram, estão e estarão juntos. Se a

globalização se deu por uma democratização tripartida - pela tecnologia, pelas

finanças, e ela informação -, qual a política para a era da globalização? A

sustentável consistindo em duas coisas: uma é um quadro do mundo, para sabermos

onde estamos; e a outra é uma série de políticas protecionistas integracionistas para

abordar o problema, porque, se a perspectiva característica do mundo da Guerra

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Fria, como asseverou Friedman (1999) era a “divisão”, a perspectiva característica

da globalização foi pensada para ser a “integração”.

Nesse sentido, espera-se da democracia contemporânea que corrija o que

tem de selvagem, o liberalismo puro e duro. Espera-se das políticas democráticas a

luta por uma igualdade que tem ficado presa nas mãos do liberalismo. São, desse

modo, essas políticas encaminhadoras as que podem expressar condutas solidárias,

fomentando, ao mesmo tempo, atitudes parecidas nos cidadãos. Uma distribuição do

trabalho solidária que subordine a racionalidade econômica a fins sociais – não

econômicos, mas éticos ou políticos – combater o déficit da sociedade não de forma

local, mas global. Uma política fiscal convincente, bem programada, bem realizada

e bem aproveitada é, sem dúvida, uma política solidária com os menos favorecidos.

Uma política de ajuda internacional aos países menos desenvolvidos – ajudas

técnicas e educativas, não apenas doando caixas de mantimentos, medicamentos e

cobertores, que são próprias de qualquer ajuda humanitária – é a verdadeira

democracia solidária, participativa e cidadã que é devido prosseguir. Como nos

alertou, há quatro décadas atrás, Paul Godman apud Lasch (1969, p.8):

Estamos em uma situação anormal. Sem um programa convincente de

reconstrução social com um desenho coletivo que se corrija através de uma crítica

constante, e que se leve à prática através de uma intensa ação política [...] os jovens

são honestos e vêm os problemas, mas não têm idéia de nada, porque não lhes temos

ensinado nada.

Este é o grande caminho a ser trilhado, única via para começar a eliminar

com seriedade os problemas deixados ainda latentes no primeiro decênio: as

tremendas desigualdades e a insuficiente sensibilidade moral dos governantes e dos

governados.

Notas

[1] Textos utilizados das obras estrangeiras são de tradução própria.

[2].Destacamos sobretudo as contribuições dos catedráticos de Filosofia Moral N.BILBENY

e V.CAMPS CERVERA:grandes mestres e amigos de Barcelona.

[3] Aristóteles, A Política, 1279b .

[4] Ibid. 1280 a.

[5] Idem.

[6] John Rawls, Teoria da Justiça, §14,116, 334.

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[7] Usamos a edição espanhola de 1999. As referências textuais dos autores que comento nos

próximos três parágrafos ( Appiah, Putnam, Butler, Sen, Taylor, Walzer, Glazer, Gutmann,

Wallerstein, Searle e Himmelfarb ) são as mesmas do livro de Martha Nussbaum. A estudiosa

da política fez questão de inserir na íntegra em seu livro, as objeções desses teóricos à sua

proposta de cidadania.

[8] Aristóteles , A Política, 1275a.

[9] Ibid.1319 a 1320.

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SOBRE O AUTOR

Washington Luiz Martins da Silva

Professor Pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa , Líder do Grupo

de Pesquisa A Polissemia da Ação Humana e Coordenador do Núcleo de Pesquisa

e Professor da Faculdade Anchieta do Recife. Doutor "Suma Cum Laude" em

Filosofia pela Universidade de Barcelona possuindo, pela mesma universidade, Pós-

Doutorado em Filosofia e Empresa, Diploma de Estudos Superiores Especializados,

Estudos Avançados e Suficiência Investigadora em Ética e Política. Também tem

Pós Doutorado na Universidade Autônoma de Barcelona em Filosofia da

Tecnologia, Historiografia das Ciências, Filosofia da Arte Contemporânea, além de

Ética e Política. É Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco,

instituição onde realizou estudos superiores em Matemática, Mestrado e

Especialização em Filosofia. Ademais, nessa instituição ocupou diversos cargos

diretivos como de Pró-reitor, Diretor da Editora Universitária, Diretor das Divisões

Discente, Docente e Currículos e Programas, Chefe do Departamento de Filosofia, e

Coordenador Geral Norte-Nordeste do Programa de Doutorado Interinstitucional de

Filosofia. Possui vários trabalhos publicados distribuídos entre livros, artigos

científicos, textos em magazines, revistas, jornais, prefácios e posfácios. Também,

como pesquisador, além de liderar grupos de pesquisa, orientou dezenas de

monografias, Dissertações/teses no Brasil e no exterior, nas áreas de Filosofia,

Educação e Administração. Ainda nesse campo, foi fundador e editor da Revista

Perspectiva Filosófica, em circulação nacional há mais de 20 anos. É Bacharel e

Especialista em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco, onde também

lecionou Filosofia, Cibernética e Metodologia Científica. Atua como docente,

conferencista e consultor nas áreas de Filosofia Teórica e Prática, Educação,

Administração, Ciência e Tecnologia, Bioética e Ética no mundo das empresas e dos

negócios.

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DIRETRIZES

FOCO E ESCOPO

A RIFA é uma revista eletrônica semestral, de acesso gratuito, editada pela

Faculdade Anchieta do Recife – FAR, tendo como missão fomentar a produção e a

disseminação do conhecimento científico em Filosofia, Sociologia, Pedagogia,

Administração e Ciências Contábeis. A revista oferece artigos científicos,

examinando questões multidisciplinares com profundidade e senso crítico, trazendo

uma visão pragmática e científica dos seus conteúdos. A RIFA aceita artigos de

autores nacionais ou do exterior referentes a questões nacionais ou internacionais,

escritos em português, inglês ou espanhol.

POLÍTICAS DE SEÇÃO

Editorial

Submissões abertas Indexado Avaliado pelos pares

Artigos

Submissões abertas Indexado Avaliado pelos pares

Trabalhos Técnicos

Submissões abertas Indexado Avaliado pelos pares

PROCESSO DE AVALIAÇÃO PELOS PARES

O processo editorial da RIFA ocorre em 3 etapas eliminatórias, descritas a

seguir:

1. Na primeira etapa o artigo recebido é analisado pelo Editor e na

sequência pelo Coeditor para a qual o artigo foi submetido para revisão de admissão

(desk review). Os editores podem eventualmente solicitar um parecer às cegas dupla

de um membro do Corpo Editorial Científico (especializado dentro da área do

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artigo) para apoiar sua decisão. Nesse processo, os editores se certificarão de que o

artigo cumpre os requisitos básicos para ser acolhido no processo editorial: –

Relevância científica; – grau expressivo de contribuição teórica e/ou metodológica

para a área de conhecimento; – Ineditismo; – correção da linguagem; – Boa

apresentação geral; – Lista de referências bibliográficas que represente o estado da

arte na temática tratada e abranja necessariamente os artigos publicados nos últimos

cinco anos na academia brasileira e internacional; – Adequabilidade à política

editorial e da seção para a qual foi submetido. Artigos que não estejam de acordo

com esses requisitos básicos ou com os critérios e características técnicas exigidas

pela RIFA (veja política editorial, políticas das seções temáticas e orientações aos

autores) serão rejeitados pelo Editores.

2. A segunda etapa corresponde à avaliação anônima dos artigos

encaminhados para publicação pelo sistema de avaliação às cegas dupla. Os artigos

serão encaminhados pelos Editores a avaliadores ad hoc, escolhidos a partir de suas

áreas de especialização, disponibilidades e cujas afiliações sejam de estados

diferentes dos estados dos autores. Os Editores de Seção coordenam essa fase do

processo editorial. Os artigos aprovados serão encaminhados ao Editor com

sugestão para sua publicação. Os Editores podem eventualmente solicitar um

parecer às cegas dupla de um membro do Corpo Editorial Científico (especializado

na área do artigo) para apoiar sua decisão.

3. Na terceira etapa do processo de avaliação o Editor toma a decisão final

sobre a publicação. Eventualmente o Editor pode solicitar a um membro do Comitê

Científico que valide em um processo de avaliação às cegas dupla as etapas

anteriores. Nesse caso, o artigo aprovado na fase anterior e os respectivos pareceres

dos avaliadores ad hoc (não identificados) são encaminhados ao um membro do

Comitê Científico (especializado na área do artigo) para análise e validação. Os

artigos aprovados são apresentados e recomendados para publicação ao Editor pelo

membro do Comitê Científico.

As atividades do processo editorial se pautam pelos seguintes critérios

utilizados para avaliação dos artigos são os seguintes:

TÍTULO

Título reflete com precisão o que se pretendeu com o artigo

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INTRODUÇÃO

Possui o enunciado do problema de pesquisa

Apresenta as justificativas para a realização do estudo

Relata pesquisas anteriores relevantes que permitiram a contextualização

do estudo

Apresenta diferenças em relação aos outros estudos já publicados

Deixa claro o que está sendo respondido (objetivo)

Promove avanços do conhecimento sobre o que está sendo estudado

No caso de estudo empírico, apresenta as proposições ou hipóteses que

estão sendo criadas, redefinidas ou acrescentadas

Apresenta claramente o design de pesquisa, no caso de pesquisa empírica

Apresenta argumentos que destacam as razões da relevância do estudo

Aponta claramente o que é conhecido e o que não é conhecido

O tema é atual, envolve criatividade e ineditismo na abordagem

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Reflete o estado da arte do que está sendo investigado

Proporciona suporte convincente para o conhecimento científico relativo ao

tema abordado

Apresenta relações causais lógicas ou empíricas ao se estabelecer

proposições ou hipóteses

A revisão da literatura deixa explícita quais foram as bases utilizadas

A revisão da literatura inclui estudos com no máximo 5 anos de defasagem

em relação à data da submissão

Identifica-se no estudo uma “conversa” crítica entre os autores citados

Se o estudo é um ensaio teórico, há uma tese formulada no seu início

Os argumentos utilizados no ensaio teórico suportam a tese inicial

O ensaio teórico traz contribuição científica relevante MÉTODO –

ANÁLISE

Descrição clara do método – abrangente, objetivo

Método adequado ao problema de pesquisa

Análise adequada ao método

Análise realizada com profundidade DISCUSSÃO – CONCLUSÃO

Os achados questionam os achados de outros estudos

Os resultados possuem conexão direta com o que foi exposto na Introdução

A discussão mostra argumentos convincentes do avanço alcançado na área

de conhecimento estudada

As conclusões consideram que o efeito do tempo é um fator de alteração

dos resultados. Isto é, os resultados têm validade futura

A conclusão reafirma a importância do estudo e é convincente na

justificação do preenchimento da lacuna identificada

Não apresenta resultados empíricos ou lógicos desconectados dos objetivos

LIMITAÇÕES – ESTUDOS FUTUROS

O estudo deixa explícitas quais foram as limitações

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O estudo apresenta considerações sobre estudos futuros.

PERIODICIDADE

A partir de 2017 RIFA terá periodicidade semestral.

POLÍTICA DE ACESSO LIVRE

A revista RIFA oferece acesso livre ao seu conteúdo, disponibilizando

gratuitamente a informação científica ao público pela busca da disseminação do

conhecimento.

NORMAS DE PUBLICAÇÃO

Seguir a NBR 6022 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS

TÉCNICAS, 2003), a publicação deve ser constituída por:

a) Elementos pré-textuais Título e subtítulo (se houver): devem figurar na

página de abertura do texto, separados por dois-pontos e na língua do texto. Resumo

na língua do texto: deve ser apresentado na terceira pessoa do singular, na voz ativa

e redigido em um único parágrafo, com extensão de 100 a 300 palavras. Deve

conter: o contexto, o objetivo e a metodologia e os principais resultados do estudo.

Palavras-chave na língua do texto: palavras que representam os principais

assuntos tratados no texto (entre 3 a 5 palavras); devem figurar logo abaixo do

resumo, antecedidas da expressão Palavras-chave: separadas entre si por ponto e

finalizadas também por ponto. Observação: informações sobre o(s) Nome(s) do(s)

autor(es), acompanhado(s) da titulação do(s) autor(es), local de trabalho, endereço

postal completo, função que exerce(m) e e-mail não devem ser colocadas no texto,

mas sim devem ser postadas completas no cadastro dos autores.

b) Elementos textuais Introdução: apresenta a delimitação do assunto,

objetivos da pesquisa e outros elementos sobre o tema explanado. Desenvolvimento:

parte principal do texto, que apresenta de forma ordenada o assunto tratado. Pode

ser dividido em seções e subseções, de acordo com o tema abordado. Conclusão:

aborda os resultados da pesquisa de forma a responder às questões apresentadas na

introdução; usa-se como título a palavra Conclusão.

c) Elementos pós-textuais Título e subtítulo (se houver), em língua

estrangeira. Resumo em língua estrangeira: versão do resumo na língua do texto

para o idioma de divulgação internacional, utilizando as mesmas características (em

inglês Abstract e em espanhol Resumen).

Palavras-chave em língua estrangeira: versão na língua do texto para a

mesma língua estrangeira do resumo (em inglês Keywords e em espanhol Palabras

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clave). Nota(s) explicativa(s): deve(m) ser utilizada(s) apenas para comentários e/ou

explicações que não possam ser incluídas no texto, não para referências. Precisa(m)

ser elaborada(s), ao final do artigo, antecedendo a lista de referências, numeradas

sequencialmente.

Referências: devem ser colocadas ao final do trabalho, classificadas em

ordem alfabética pelo sobrenome do autor, com alinhamento à margem esquerda,

entrelinhas simples e espaçamento duplo entre elas, observando-se a NBR 6023

(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2002).

Para as citações, deve ser observada a NBR 10520 (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2002). As palavras em língua

estrangeira devem estar em itálico.

FORMATAÇÕES

Número de páginas: máximo de 25; A numeração deve ser em sequencial,

a partir da segunda página, em algarismos arábicos, no canto superior direito, sem

traços, pontos ou parênteses.

Formato: A4;

Margens: inferior e direita de 2 cm, esquerda e superior de 3 cm;

Fonte: Times New Roman, corpo 12, espaçamento igual a 1,5 para o texto

e títulos, e espaçamento 1 para resumo e abstract; títulos do resumo e abstract em

maiúsculo, negrito, centralizado.

Título principal: maiúsculo, negrito, centralizado, em português, inglês

(obrigatórios).

Subtítulos: seguir padrão da revista e, nos casos não especificados, as

normas ABNT para formatação e numeração utilizadas pela revista.

Por padrão, não são numerados Introdução e Considerações Finais.

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

Tema (atual e relevante)

Objetivos (bem definidos)

Revisão de literatura (reflete o estado-da-arte do conhecimento na área)

Consistência conceitual ou teórica do trabalho (adequada e bem

estruturada)

Método de pesquisa utilizado (claramente definido e consistente com os

objetivos do trabalho)

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Análise de dados e resultados (interpretação correta dos dados e articulada

com a base teórica)

Conclusões (fundamentadas nos dados da pesquisa, claras e objetivas)

Contribuição científica (para o conhecimento na área temática)

Redação e organização do texto (ortografia, gramática, clareza,

objetividade e estrutura formal

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SUBMISSÃO

SUBMISSÃO ONLINE

As submissões deverão ser encaminhadas para o e-mail

[email protected].

DIRETRIZES PARA AUTORES

Como etapa do processo de submissão, é compulsório para os autores

verificar a conformidade da submissão em relação a todos os itens listados a seguir.

As submissões que não estiverem de acordo com as normas não serão aceitas e

devolvidas aos autores.

1. A contribuição deve ser original e inédita, não estando sendo avaliada

por outra revista ou quaisquer outros meios de comunicação.

2. Os arquivos para submissão devem estar em formato Microsoft Word

(da versão 97 à versão mais atual) desde que não ultrapasse 2,5 MB.

3. Remover a identificação de autoria deste trabalho do corpo do artigo e

da opção propriedades, garantindo desta forma o critério de sigilo da

revista, caso submetido para avaliação por pares conforme instruções

disponíveis.

4. Máximo 4 autores por artigo e 1 submissão por ano.

DECLARAÇÃO DE DIREITO AUTORAL

Após aceite do artigo o autor e demais coautores caso existam, deverão

preencher, assinar e enviar para o Editor a Declaração de direito autoral que certifica

a exclusividade e idoneidade do conteúdo, assim como por transferir os direitos

autorais de publicação para a revista RIFA da Faculdade Anchieta do Recife – FAR

seguindo o modelo a seguir:

Declaração de Responsabilidade e Direito Autoral

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Ao realizar a submissão, o(s) autor(es) declara(m): a originalidade do

trabalho submetido; que o manuscrito não se encontra em avaliação por outra revista

científica; e que as normas de elaboração obedecem ao que determina o item

“Diretrizes para Autores”. Também, o(s) autor(es) autoriza(m) a divulgação do

artigo na revista RIFA, caso seja aprovado pelos avaliadores, contudo mantendo os

direitos autorais sobre o trabalho em submissão. Permite (m) o uso do trabalho para

fins não-comerciais, o que inclui o direito de indexa-lo em bases de dados de Acesso

Livre. Para a publicação, caso seja aprovado, o(s) autor(es) deverá(ao) enviar

declaração, assinada por todos os autores, que certifique a Declaração abaixo:

Declaração de Responsabilidade – Certifico (amos) que o artigo apresenta

um trabalho inédito, de minha(nossa) autoria, que não foi publicado ou está sendo

considerado para publicação em outra revista, seja no formato eletrônico ou

impresso. Certifico (amos) que todos os autores participaram suficientemente do

trabalho para tornar pública a responsabilidade pelo conteúdo. (No caso de artigos

com mais de três autores a declaração deve especificar o(s) tipo(s) de participação

de cada autor, conforme especificado a seguir: contribuição substancial para a

concepção e planejamento do projeto, obtenção dos dados ou análise e interpretação

dos dados; contribuição significativa na elaboração do manuscrito ou na revisão

crítica do conteúdo; participação da aprovação da versão final do manuscrito).

Transferência de Direitos Autorais – Declaro (amos) concordar que os

direitos autorais referentes ao artigo publicado serão de propriedade exclusiva da

RIFA, vedada sua reprodução parcial ou total em qualquer outra parte ou meio de

divulgação, impresso ou eletrônico, sem prévia e necessária autorização.

Local e data:

Autores assinam

1____________________________

2____________________________

3____________________________

4____________________________

POLÍTICA DE PRIVACIDADE

Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados

exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo

disponibilizados de qualquer maneira para outras finalidades ou à terceiros.

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