Rio Branco

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A QUESTÃO DO ACRE A viagem clandestina da canhoneira norte-americana Wilmington, que aportou em Belém em 10 de março de 1899 e foi até Ioquitos, afora o incidente diplomático que ela em si provocou, estaria ligada a um acordo que o ministro da Bolívia no Brasil, Paravicini, procurou firmar com os Estados Unidos a respeito do Acre, então boliviano, por meio do cônsul norte-americano K.K. Kennedy; tal acordo visaria à manutenção de sua soberania sobre os territórios do Acre, Purus e Iaco, em troca de concessões aduaneiras e territoriais. O incidente da Wilmington foi o prelúdio dos aborrecimentos que o Bolivian Syndicate iria causar à diplomacia brasileira. A região do Acre foi ocupada sobretudo por nordestino e em 1899 tornou-se conflagrada quando autoridades da Bolívia querendo impor sua soberania, estabeleceram uma aduana em Puerto Alonso (hoje conhecido como Porto Acre). O governo boliviano, todavia, não conseguindo fazer valer sua autoridade, em 11 de julho de 1901 arrendou, por trinta anos, a região a um consórcio de capitalistas, que pretendia explorar as riquezas naturais daquela área por meio de uma chatered company. Tal consórcio, denominado Bolivian Syndicate, integrado pelas firmas Cary & Withridge, United States Rubber Company e Export Lumber, contava com figuras de expressão na City e Wall Street. A diplomacia brasileira procurou impedir o estabelecimento de uma companhia daquela natureza em região limítrofe do país, pois abrir-se-ia perigoso precedente que envolvia riscos, uma vez que o território arrendado só tinha acesso ao Atlântico pelos rios da Amazônia. Para evitar eventuais embaraços, o governo retirou do Congresso o tratado de comércio e navegação firmado com a Bolívia em 1896. Todavia, indagava-se a possibilidade de o Brasil suportar eventual pressão diplomática de potências estrangeiras na hipótese de fechamento dos rios. Em 1899, liderados por José de Carvalho, os brasileiros do Acre rebelaram-se e conseguiram a retirada do delegado da Bolívia do território. Logo depois, Luiz Galvez Rodrigues de Arias fundou, em 14 de julho de 1899, o Estado Independente do Acre. O Brasil apoiou a Bolívia contra Galvez, que assinou armistício em 15 de março de 1900. Rio Branco, ao assumir o Ministério das Relações Exteriores, deu outro rumo à questão e colocou o Executivo em sintonia com a opinião pública. Interpretou de outra forma o artigo 2º do já citado tratado de 1867 e, em consequência, transferiu a linha

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A QUESTÃO DO ACRE

A viagem clandestina da canhoneira norte-americana Wilmington, que aportou em Belém em 10 de março de 1899 e foi até Ioquitos, afora o incidente diplomático que ela em si provocou, estaria ligada a um acordo que o ministro da Bolívia no Brasil, Paravicini, procurou firmar com os Estados Unidos a respeito do Acre, então boliviano, por meio do cônsul norte-americano K.K. Kennedy; tal acordo visaria à manutenção de sua soberania sobre os territórios do Acre, Purus e Iaco, em troca de concessões aduaneiras e territoriais.

O incidente da Wilmington foi o prelúdio dos aborrecimentos que o Bolivian Syndicate iria causar à diplomacia brasileira. A região do Acre foi ocupada sobretudo por nordestino e em 1899 tornou-se conflagrada quando autoridades da Bolívia querendo impor sua soberania, estabeleceram uma aduana em Puerto Alonso (hoje conhecido como Porto Acre). O governo boliviano, todavia, não conseguindo fazer valer sua autoridade, em 11 de julho de 1901 arrendou, por trinta anos, a região a um consórcio de capitalistas, que pretendia explorar as riquezas naturais daquela área por meio de uma chatered company. Tal consórcio, denominado Bolivian Syndicate, integrado pelas firmas Cary & Withridge, United States Rubber Company e Export Lumber, contava com figuras de expressão na City e Wall Street.

A diplomacia brasileira procurou impedir o estabelecimento de uma companhia daquela natureza em região limítrofe do país, pois abrir-se-ia perigoso precedente que envolvia riscos, uma vez que o território arrendado só tinha acesso ao Atlântico pelos rios da Amazônia. Para evitar eventuais embaraços, o governo retirou do Congresso o tratado de comércio e navegação firmado com a Bolívia em 1896. Todavia, indagava-se a possibilidade de o Brasil suportar eventual pressão diplomática de potências estrangeiras na hipótese de fechamento dos rios.

Em 1899, liderados por José de Carvalho, os brasileiros do Acre rebelaram-se e conseguiram a retirada do delegado da Bolívia do território. Logo depois, Luiz Galvez Rodrigues de Arias fundou, em 14 de julho de 1899, o Estado Independente do Acre. O Brasil apoiou a Bolívia contra Galvez, que assinou armistício em 15 de março de 1900.

Rio Branco, ao assumir o Ministério das Relações Exteriores, deu outro rumo à questão e colocou o Executivo em sintonia com a opinião pública. Interpretou de outra forma o artigo 2º do já citado tratado de 1867 e, em consequência, transferiu a linha divisória do território em questão no sentido leste-oeste para o paralelo latitude sul. A área tornou-se oficialmente litigiosa. Como outros de seu tempo, Rio Branco antevia desdobramentos do estabelecimento de soberanias estranhas nas fronteiras nacionais, pois temia que, na hipótese de capitalistas ingleses participarem com os norte-americanos do consórcio, os interesses políticos e as rivalidades levariam ‘outros governos europeus a não perder a ocasião de concorrer para o enterro da Doutrina Monroe’.

Meses antes de tornar-se ministro, Rio Branco, quando ainda chefiava a legação brasileira em Berlim, recebera de Assis Brasil a sugestão de afastar o Syndicate por meio da indenização, a fim de não se reforçar ainda mais a influência norte-americana. Rio Branco entendeu da mesma forma, pois, ao encaminhar a questão, tratou de primeiro isolar o sindicato, por meio da indenização.

Isolado o sindicato, Rio Branco passou às negociações com a Bolívia depois de afastado o risco de confronto e cessados os movimentos de tropas de ambos os lados em direção à área conflagrada. Um modus vivendi (21 de março de 1903) estabilizou a situação, após o que se ingressou na fase de entendimento.

Rio Branco e Assis Brasil concluíram com os plenipotenciários da Bolívia, as negociações que resultaram no Tratado de Petrópolis (17 de novembro de 1903), remetido à apreciação do Congresso Nacional pela mensagem presidencial de 29 de dezembro. Com esse, o Brasil faz permuta com a Bolívia, cedendo-lhe cerca de 3200 km2 e a indenização de 2 milhões de libras-ouro, em troca de 191 km2. Além da indenização e da compensação de território, o Brasil comprometeu-se a construir, em território brasileiro a ferrovia Madeira-Mamoré, na qual a Bolívia teria livre trânsito, juntamente com os rios, para acesso ao oceano, confirmando uma faculdade

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prevista em tratados anteriores.