RIO+20 OU RIO-20? CRÔNICA DE UM FRACASSO ANUNCIADO 1 · 2013-05-10 · Rio+20 oi Rio-20? Crônica...

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RIO+20 OU RIO-20? CRÔNICA DE UM FRACASSO ANUNCIADO 1 ROBERTO PEREIRA GUIMARÃES 2 ; YUNA SOUZA DOS REIS DA FONTOURA 3 “No dia em que iam matá-lo, Santiago Nasar levantou-se às 5 e 30 da manhã para esperar o barco em que chegava o bispo”. (GARCIA MÁRQUEZ, 1983) Introdução Como aparece retratato em inúmeras resenhas literárias sobre o genial livro de Gabriel Garcia Márquez, o jovem Santiago Nassar, acusado por Ângela Vicário de tê- la desonrado, foi estudar na Escola Viverde. A narrativa começa pela frase reproduzida acima e que conta que Santiago foi morto a facadas pelos irmãos de Ângela, os gêmeos Pedro e Pablo. Toda a localidade fica sabendo antes da vingança iminente, mas nada salva Santiago de seu trágico destino, anunciado à primeira linha do romance. Ao longo da história, são escassas as informações sobre Santiago Nasar, o que passa em sua mente, nem mesmo se ele está ciente de que o querem matar. O mistério do livro, concentrado em anunciar a morte de Nasar, está em descobrir quem desonrou Ângela Vicário, que mente sobre o seu autor em função de proteger alguém de quem ela gostava. Uma dinâmica semelhante ocorreu com a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Como é sugerido a seguir, o seu fracasso já podia ser vislumbrado muito antes do seu desenlace, já predeterminado por uma série de aspectos que serão objeto de análise. Infelizmente, as semelhanças param por aí. A narrativa de Garcia Márquez é ficcional, enquanto a realidade (trágica) da Rio+20 ainda irá produzir efeitos negativos durante muitos anos. Justifica-se, portanto, 1 Versão resumida e atualizada de artigo submetido pelos autores para publicação no número especial de Cadernos EBAPE, Volume X, número 3, setembro de 2012. 2 Professor e Coordenador do MBA em Gestão Ambiental da Fundação Getulio Vargas e Professor visitante do Doutorado em Ambiente e Sociedade da Universidade Estadual de Campinas. Endereço para correspondência: Av. Epitácio Pessoa 2566, Bl. A, Ap. 810, Lagoa, CEP 22471-003, Rio de Janeiro - RJ, Brasil. E-mail: [email protected] 3 Doutoranda em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV). Endereço para correspondência: Praia de Botafogo, 190, 5º andar, CEP 22250-900, Rio de Janeiro - RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

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RIO+20 OU RIO-20? CRÔNICA DE UM FRACASSO ANUNCIADO1

ROBERTO PEREIRA GUIMARÃES2;YUNA SOUZA DOS REIS DA FONTOURA3

“No dia em que iam matá-lo, Santiago Nasar levantou-se às 5 e 30 damanhã para esperar o barco em que chegava o bispo”. (GARCIAMÁRQUEZ, 1983)

Introdução

Como aparece retratato em inúmeras resenhas literárias sobre o genial livro deGabriel Garcia Márquez, o jovem Santiago Nassar, acusado por Ângela Vicário de tê-la desonrado, foi estudar na Escola Viverde. A narrativa começa pela frase reproduzidaacima e que conta que Santiago foi morto a facadas pelos irmãos de Ângela, os gêmeosPedro e Pablo. Toda a localidade fica sabendo antes da vingança iminente, mas nadasalva Santiago de seu trágico destino, anunciado à primeira linha do romance. Aolongo da história, são escassas as informações sobre Santiago Nasar, o que passa em suamente, nem mesmo se ele está ciente de que o querem matar. O mistério do livro,concentrado em anunciar a morte de Nasar, está em descobrir quem desonrou ÂngelaVicário, que mente sobre o seu autor em função de proteger alguém de quem elagostava.

Uma dinâmica semelhante ocorreu com a Conferência das Nações Unidas sobreo Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Como é sugerido a seguir, o seu fracasso jápodia ser vislumbrado muito antes do seu desenlace, já predeterminado por uma sériede aspectos que serão objeto de análise. Infelizmente, as semelhanças param por aí. Anarrativa de Garcia Márquez é ficcional, enquanto a realidade (trágica) da Rio+20ainda irá produzir efeitos negativos durante muitos anos. Justifica-se, portanto,

1 Versão resumida e atualizada de artigo submetido pelos autores para publicação no número especial de Cadernos

EBAPE, Volume X, número 3, setembro de 2012.2 Professor e Coordenador do MBA em Gestão Ambiental da Fundação Getulio Vargas e Professor visitante do

Doutorado em Ambiente e Sociedade da Universidade Estadual de Campinas. Endereço para correspondência: Av.

Epitácio Pessoa 2566, Bl. A, Ap. 810, Lagoa, CEP 22471-003, Rio de Janeiro - RJ, Brasil. E-mail:

[email protected] 3 Doutoranda em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação

Getulio Vargas (EBAPE/FGV). Endereço para correspondência: Praia de Botafogo, 190, 5º andar, CEP 22250-900,

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questionar se a Conferência realizada no Rio de Janeiro em Junho de 2012 pode serclassificada, legitimamente, como a Rio-20, uma vez que não produziu avançosignificativo algum em relação à Rio-92, exceto o de manter o desafio dodesenvolvimento sustentável na agenda de preocupações da sociedade, mas com umdecisivo divórcio entre discursos e compromissos concretos por parte dos governos.

A convocação da Rio+20 reacendeu as esperanças de avançar na transição àuma sociedade global sustentável. A humanidade já havia transmitido a impressão,especialmente na década passada, de ter adquirido uma compreensão bastante acuradados desafios que a civilização moderna terá que superar para mitigar e adaptar-se aoestresse ambiental planetário. Pese a isso, as questões que ainda dominam as agendapúblicas, nacionais e entre os Estados-Nação, parecem eludir a natureza e aprofundidade da crise.

Nunca a humanidade esteve tão próxima, não do desastre que muitosambientalistas apocalípticos sugerem, mas de experimentar as consequências dafragilidade dos sistemas vitais para a vida no planeta. Ativistas e estudiosos são unânimesem advertir que nada menos do que uma nova ética planetária deve emergir sequisermos sobreviver como espécie (GUIMARÃES, 1991, 2001). Esta transição àsustentabilidade requer transformações profundas no arquétipo dominante decivilização, em especial no que tange ao padrão cultural de articulação entre os sereshumanos e a natureza. O uso manipulado e politicamente interessado do conceito dedesenvolvimento sustentável, que chega ao ponto de transformá-lo em oxímorodesprovido de qualquer significado social de transformação, confunde mais do queesclarece o debate (NAREDO, 1998).

É preciso, portanto, que o entendimento adequado sobre a transição reconheçaque a humanidade aproxima-se rapidamente, se é que já não sofre os resultados, doesgotamento de um estilo de desenvolvimento ecologicamente depredador (exaurindo abase natural de recursos), socialmente perverso (gerando pobreza e desigualdade),politicamente injusto (congelando a escassez relativa e absoluta no acesso aos recursos),eticamente reprovável (desrespeitando as formas de vida humana e não-humanas) eculturalmente alienado (produzindo o estranhamento entre os seres humanos e subjugandoa natureza). Este reconhecimento implica em advogar por um novo estilo dedesenvolvimento, que seja ambientalmente sustentável no acesso e uso dos recursosnaturais e na preservação da biodiversidade; que seja socialmente sustentável na reduçãoda pobreza e da desigualdade e que promova a justiça social; que seja culturalmente

sustentável na conservação do sistema de valores, práticas e símbolos de identidadeque determinam a integração nacional através do tempo; e que seja politicamente

sustentável ao aprofundar a democracia, garantindo o acesso e a participação de todosos setores da sociedade nas tomadas de decisões (GUIMARÃES e FONTOURA,2012).

Com o objetivo de analisar o caminho percorrido a partir da Rio-92 e os desafios,em grande parte frustrados, da Rio+20, convém introduzir uma visão geral dasmudanças ocorridas nas relações internacionais sobre os problemas ambientais desdea Conferência de Estocolmo em 1972 e em especial a partir da Cúpula de 1992 no Rio

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de Janeiro. Desta forma, o artigo busca se aprofundar criticamente nos resultados daRio+20 para o enfrentamento dos desafios antepostos pela crise de insustentabilidadedos estilos atuais de desenvolvimento, para concluir com algumas reflexões a respeitodas ameaças nos próximos anos.

A agenda global de meio ambiente: da Cúpula da Terra em 1992 aJohannesburgo em 2002

Despertada em Estocolmo em 1972, a agenda ambiental global atingiu seu pontoculminante no Rio de Janeiro, vinte anos depois, na Conferência das Nações Unidaspara o Meio Ambiente e o Desenvolvimento em 1992, a Rio-92. Nesta que foi a Cúpulada Terra, foram lançadas as bases para uma nova concepção de desenvolvimento, comum novo clima de cooperação internacional, como pode ser observado a partir daadoção de convenções como a de Diversidade Biológica e a de Mudanças Climáticas.A Rio-92 contribuiu ainda para consolidar a percepção da sociedade para ainterdependência entre as dimensões ambientais, sociais, culturais e econômicas dodesenvolvimento.

Como um resultado direto do processo de globalização, a Cúpula da Terradespertou também a comunidade internacional para a abertura de fóruns internacionaisque incluíam novos temas provocados por situações de estresse ecossistêmico em nívelplanetário, intimamente relacionados com o agravamento da crise em muitas regiõesdo mundo. O processo de globalização econômica reforçava o esgotamento de modelosespecíficos de organização econômica e social, destacando, ao mesmo tempo, asinsuficiências de estilos de desenvolvimento como resposta aos tradicionais desafios desuperação da pobreza e desigualdade e aos novos desafios resultantes dos limitesecológicos e das severas restrições ambientais para alcançar um desenvolvimentosustentável no século XXI. As pressões provocadas pelo aumento da riqueza nacionalpara satisfazer as necessidades básicas de uma população crescente já demonstrava osreais impactos na dotação de recursos naturais da região, enquanto o incremento dasatividades extrativas e industriais representava pressões ainda mais agudas nacapacidade de recuperação dos ecossistemas essenciais para as atividades econômicas(GUIMARÃES, 1992).

A percepção sobre os desafios ambientais para o desenvolvimento sustentávelna Rio-92 foram refletidos também nas ações concretas que levaram à “nova” agendaglobal estabelecida na conferência, na qual novos conceitos em convenções e tratadosmultilaterais, tais como o princípio de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”,o de “quem contamina, paga” e o “princípio de precaução” foram defendidos. Alémdisso, novos atores não-estatais, privados e diferentes movimentos da sociedade civilforam incorporados aos circuitos de decisão. Destaca-se a importância fundamentalda participação da comunidade científica, a qual desempenhou um papel chave paraa adoção da Convenção sobre Mudanças Climáticas (GUIMARÃES, 2002).

Por outro lado, de um ponto de vista não tão positivo, a evolução da agendaglobal relativa aos regimes internacionais, ambientais e de desenvolvimento sustentável,

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também gerou novas ameaças e o ressurgimento de velhos dilemas. Em meados dosanos noventa, a retórica de que as preocupações ambientais não dessem lugar àintrodução de novas “condicionalidades” na ajuda oficial ao desenvolvimento, voltoua ser defendido ao redor do mundo, bem como a necessidade de que os países maispobres resistissem às tendências de substituir a ajuda internacional exclusivamentepelo comércio, como as propostas sugeridas em 1992 de “trade, not aid” (GUIMARÃES,2004).

Acrescente-se ainda a considerável redução da meta percentual do PIB dospaíses desenvolvidos que deveria ser destinado à ajuda internacional. Se em Estocolmoos países desenvolvidos se comprometeram a destinar 0.7 por cento do PIB a ajudainternacional, à época da Rio-92, os níveis de cooperação haviam sido reduzidos àmetade, obrigando a inclusão na Declaração do Rio de um chamado a “recuperar ocompromisso de Estocolmo”. Durante a Sessão Especial da Assembleia Geral das NaçõesUnidas convocada em 1997, cinco anos após a conferência, a ajuda para odesenvolvimento havia diminuído ainda mais, para níveis próximos aos 0.2 por centodo PIB dos países desenvolvidos, compromisso financeiro este que permanecepraticamente inalterado na última década (0.27 em 2007). Parece, pois, plenamentejustificado ressaltar que a retórica e o compromisso de recursos “novos e adicionais”para países em desenvolvimento foram substituídos para menos recursos do que odisponível, até mesmo antes de Estocolmo e até menos do que fora disponibilizado noperíodo entre as duas guerras mundiais.

Por fim, tanto no âmbito público quanto no privado, os princípios de proteçãoambiental e de desenvolvimento sustentável ainda são tidos como uma restrição parao crescimento econômico. Prevalecem as políticas ambientais e os instrumentos deregulação, direta e indireta, de caráter reativo. Em uma comparação mundial, se ospaíses da América Latina e do Caribe destacaram-se pelo nível alto de ratificação dosprincipais acordos ambientais multilaterais nas últimas décadas (liderando asnegociações em mudanças climáticas e biodiversidade, no Protocolo de Kyoto e noAcordo de Cartagena sobre biossegurança), a velocidade dessa ratificação contrastacom o extremamente limitado nível de implementação no nível nacional, condicionadomuitas vezes também pelo fracasso dos países desenvolvidos em cumprir com oscompromissos assumidos no Rio, em 1992.

Já em 2002, a Cúpula de Johannesburgo poderia ter sido uma oportunidadeímpar para seguir avançando, entre outros, na direção dos compromissos assumidosdurante a Conferência das Nações Unidas sobre o Financiamento para oDesenvolvimento, realizada em Monterrey, México, alguns meses antes (CEPAL, 2002),porém, os resultados da conferência, como veremos a seguir, não dão lugar a perspectivasotimistas sobre os imperativos da sustentabilidade, ao menos no curto prazo.

Em etapas prévias à conferência, ao menos nos Estados Unidos foi divulgado ointenso lobby contrário à Rio+10. Em nota difundida por uma organização ativistaambientalista, lobistas financiados com 850 mil dólares pela companhia de petróleoExxon, enviaram carta ao então Presidente Bush sugerindo que não fosse àJohannesburgo e boicotasse as negociações sobre mudanças climáticas (AMIGOS DA

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TERRA, 2002). Para a Exxon “até mais do que a Cúpula de Rio de 1992, a Cúpula deJohannesburgo vai prover um palco global de mídia para muitos dos mais irresponsáveise destrutivos elementos envolvidos em assuntos internacionais críticos sobre economiae meio ambiente. A sua presença iria apenas ajudar a propagandear e dar credibilidadeàs agendas antiliberdade, antipovo, antiglobalização e antiocidentais”. É triste terque reconhecer que as aspirações deste grupo de empresários influentes tornaram-seconcretas. Afirmavam ainda que “o tema menos importante entre as questões globaismundiais é o das mudanças climáticas e esperamos que seus negociadores mantenhamisso fora da mesa de negociação e do foco do encontro... em nossa opinião o piordesfecho de Johannesburgo seria o de firmar qualquer passo rumo a uma OrganizaçãoMundial de Meio Ambiente, como sugerido pela União Europeia” (THE GUARDIAN,2012).

Na América Latina e no Caribe, embora os governos da região tenham aprovadona Conferência Preparatória Regional em outubro de 2001 no Rio de Janeiro, a chamadaPlataforma de Ação (CEPAL 2001), esta se revelava como uma aproximação reativa,marcadamente defensiva vis-à-vis a agenda dos países do mundo desenvolvido, semacrescentar propostas com a marca da originalidade ou da ousadia que requeriam osnovos tempos. A Iniciativa Latino-Americana e Caribenha para o Desenvolvimento

Sustentável, por sua vez, proposta inicialmente pelo governo brasileiro em março de2002 (PNUMA/ORPALC, 2002), e que buscava acrescentar força à posição regionalcontida na plataforma, também não identificou metas concretas, quantitativas,frustrando-se as expectativas. Muitos governos da região também expressaram sériasreservas por serem compelidos a reagir a uma agenda pré-definida que nãonecessariamente refletia os interesses ou as peculiaridades dos países. Por conseguinte,além de terem realizado consultas sub-regionais, também pela primeira vez a regiãodesfrutava não apenas de amplas possibilidades para negociar seus interesses comuns,como para influenciar a própria composição dos assuntos que deveriam ser debatidospelos chefes de Estado em Johannesburgo.

Por fim, a região chegou a Johannesburgo sem aproveitar oportunidades únicaspara avançar com liderança e visão estratégica, com uma proposta sem maioresinovações, com uma plataforma de ação dispersa e reiterando posições históricas,algumas já superadas pela realidade. Três aspectos já consagrados na agendainternacional, alguns desde Estocolmo, estiveram fortemente ameaçados emJohannesburgo.

Primeiramente, verificou-se uma ameaça de retrocesso de grandes proporçõesno chamado “Princípio de Precaução”, pilar da Rio-92 e um dos aspectos maisrevolucionários do regime internacional sobre o meio ambiente. De acordo com aproposta de Plataforma de Ação submetida à negociação, o princípio de precauçãodeveria ser substituído pelo “uso de um enfoque ecossistêmico, com precaução, sempreque seja possível”. Ora, se já é difícil o consenso sobre o que significa “o enfoqueecossistêmico”, é possível imaginar a ambiguidade de um enfoque. Da mesma forma, adefinição do que seja um uso “com precaução e sempre que possível” não poderia sermais inócua e até perigosamente enganosa. Embora este retrocesso tenha sido evitado

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a tempos da pré-história da crise ambiental, muito antes até de Estocolmo, esforços etempo precioso foram perdidos e teriam sido empregados satisfatoriamente no avançode uma agenda real da sustentabilidade.

Em segundo lugar, buscou-se também minar, com as mais diversas interpretações,o consagrado princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”.Novamente, a resistência dos países em desenvolvimento, tendo o Brasil como líder,conseguiu reverter esse quadro desfavorável, mais uma vez à custa de energias queseriam mais produtivas se empregadas em novos temas e na busca de respostas paradesafios pendentes e compromissos à espera de materialização.

Em terceiro lugar, tratou-se de retroceder no compromisso de “recursos novos eadicionais” assumido pelos países desenvolvidos em 1972, o que provavelmente teriacausado espanto em muitos dos presentes em Estocolmo. Como já foi mencionado, ocompromisso de destinar 0.7 por cento do PIB dos países industrializados à ajuda oficialpara o desenvolvimento, foi sendo paulatinamente enfraquecido, atingindo níveis de0.22 por cento à época da Rio-92. Durante a Conferência de Monterrey que antecedeua Rio+10, os países que estavam mais atrasados nesse compromisso, especialmente osEstados Unidos, comprometeram-se a aumentar os seus níveis de ajuda. Ao final,infelizmente, sequer esse compromisso prévio à Rio+10 foi cumprido pelos paísesdesenvolvidos.

Johannesburgo também fracassou no que tange ao processo de “globalização”,intensamente debatido nos Comitês Preparatórios que antecederam a conferência.Este capítulo praticamente desapareceu ao iniciar o debate, sendo incluído no capítulosobre “meios de implementação”. Transformar uma das características maisfundamentais do contexto atual, cujos mecanismos são em muitos casos responsáveispelo aprofundamento da crise de sustentabilidade, em um simples “meio deimplementação” representaria um retrocesso considerável. Seria equivalente, em termosde política pública, ao contra sentido de considerar a lógica do crescimento demográfico,não como um dado da realidade ou uma dimensão a ser confrontada, mas como “meios”para tornar, por exemplo, políticas de educação ou de previdência social, uma realidade.

O que foi relatado permite, ademais, compreender as distâncias entre ossentimentos de relativo êxito em relação à Rio-92 (GUIMARÃES, 1992) e os derelativa frustração com os resultados alcançados em Johannesburgo-2002(GUIMARÃES, 2002). É muito mais realista convocar uma conferência para adotardecisões sobre temas específicos e pré-definidos, tais como mudanças climáticas,biodiversidade, desertificação, desmatamento e outros, como ocorreu no Rio em 1992.É possível que alguns governos se oponham e provoquem intenso debate, mas aindaassim é e foi possível negociar um mínimo de posições comuns e alcançar acordosvinculantes em 1992.

Dois motivos fundamentais provocaram o fracasso em Johannesburgo. Por umlado, pecou-se por excesso de otimismo ao acreditar que o mundo já estaria maduropara definir um plano de ação comum, quando na verdade não consegue sequerintroduzir maiores graus de governança à Organização das Nações Unidas (ONU).Por outro, pecou-se também por um excesso de pessimismo, ao não apostar na definição

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prévia de uma agenda de decisões específicas. Por imaginar um mundo ideal que nãoexistia, e por evitar conflitos propondo uma agenda suficientemente ampla e ambíguapara agradar a todos e não alienar os mais poderosos, terminou-se gerando uma situaçãoquase impossível de não provocar o desfecho frustrante.

Tendo em vista todos os desafios e retrocessos, inclusive prévios a Johannesburgo,é legítimo concluir que Johannesburgo em nada acrescentou ao Regime Internacionalde Meio Ambiente. Se é correto afirmar que muito pouco se avançou, é correto tambémconstatar que nenhuma das “decisões” adotadas em Johannesburgo requeriam da suarealização. A bem da verdade, a Rio+20 de 2012 padeceu das mesmas insuficiênciase, em termos de resultados, muito pouco avançou em relação à fracassada Rio+10, seé que não retrocedeu ainda mais nos compromissos assumidos vinte anos antes.

Autopsia de um fracasso: “Houston, we’ve had a problem” on the way to Rio…

Decorridas duas décadas do mais significativo evento mundial em busca dodesenvolvimento sustentável, a Rio +20 previa o pouco ousado objetivo de que osgovernos somente renovassem os compromissos políticos com o desenvolvimentosustentável firmados anteriormente nas principais cúpulas sobre o tema, de forma aavaliar o progresso, identificar lacunas na implementação das decisões adotadas eestabelecer novos compromissos (UNCSD, 2012). Em meio à recessão econômica globale mediante a constatação de que pouco se avançou no que tange ao desenvolvimentosustentável nas últimas décadas (GUIMARÃES e FONTOURA, 2010; UNEP, 2012),a conferência iniciou no dia 13 de junho de 2012 e, com o passar dos dias, provocouum elevado descrédito por parte da sociedade civil, dos meios de comunicação e dacomunidade científica (ANTUNES e ANGELO, 2012; CARVALHO, 2012; FOEI,2012; GREENPEACE, 2012a, 2012b e 2012c; NOGUEIRA , 2012; PIRES, 2012; WWF,2012). Além da participação dos chefes e representantes de Estado (mais de 190 paísesenviaram representantes para o Rio, em grande parte de segundo escalão e ausênciasnotórias da Chanceler da Alemanha e do Presidente dos Estados Unidos, entre muitasoutras), participaram dos eventos paralelos: sociedade civil global (compostaprincipalmente por Organizações Não-Governamentais – ONGs, cooperativas,comunidades indígenas, comunidades quilombolas, grupos religiosos e demaismovimentos sociais); cientistas de diferentes áreas; think tanks, comunidadesepistêmicas, políticos e representantes do setor privado.

A mensagem que o astronauta Jim Lovell enviou para a base espacial de Houston,depois que uma explosão danificou o módulo de serviço na missão da Apollo 13 emAbril de 1970, retrata fielmente a situação dos preparativos para a conferência realizadaem Junho de 2012 no Rio de Janeiro (GUIMARÃES, 2012). Os principais fatores queprenunciavam o fracasso decorreram de diversas características que tornavam a Rio+20singular, em especial os que se referem à sua concepção, processo preparatório eresultados esperados.

Em primeiro lugar, em nítido contraste com as Conferências de Estocolmo-72 eRio-92, a Rio+20 não foi concebida como uma Reunião de Cúpula, mas apenas como

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uma “Conferência de revisão” (UNCSD, 2012). Isto significa que a presença de Chefesde Estado e de Governo não era requisito fundamental porque não se previa a adoçãode decisões de Estado, o que explica o enorme esforço feito pela ONU e pela Presidentebrasileira, Dilma Rousseff, para garantir a presença no Rio de Janeiro dos principaisatores internacionais com capacidade de decisão. É frustrante recordar que com menosde um mês da conferência, pouco mais da metade confirmou a sua presença, com asausências mais destacadas da Chanceler alemã, Angela Merkel, do Parlamento Europeu,e do Presidente Barack Obama, além da drástica redução da delegação enviada pelaComissão Europeia.

Intimamente relacionado com o aspecto anterior, não foram previstas decisõesde Estado na forma de Tratados, Convenções ou Acordos Ambientais Multilateraisem geral. Comparada com a já mencionada Resolução da ONU 44/228, que definiapraticamente vinte resultados específicos que deveriam ser negociados até a Rio-92 eque permitiu que fossem adotadas decisões cruciais por parte de líderes mundiais, taiscomo a Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas, a Convenção sobre DiversidadeBiológica e a Agenda 21, a Resolução 64/236 da Assembleia Geral da ONU (A/RES/64/236) indicava modestamente que “o objetivo da Conferência será o de garantir umcompromisso político renovado para o desenvolvimento sustentável, a avaliação doprogresso alcançado e das lacunas na implementação dos resultados das reuniões decúpulas mais importantes sobre o desenvolvimento sustentável, e a identificação dedesafios novos e emergentes” (MMA, 2010).

A Rio+20 não esteve centrada, sequer foi desenhada, com o objetivo de culminarnegociações sobre aspectos fundamentais para o futuro ambiental do planeta, focando-se somente em discussões, quase acadêmicas, em torno de “economia verde no contextodo desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza” e sobre “o quadroinstitucional para o desenvolvimento sustentável”. Com o mundo imerso na maisprofunda crise econômica desde a Grande Depressão de 1929, foi realmente difícilconvencer líderes mundiais a viajarem ao Rio em Junho para simplesmente discutirestes temas, mas sem ter que tomar decisões, de resto, não identificadas em momentoalgum para a sua ratificação e posta em prática, exceto na vaga declaração política “OFuturo que Queremos”.

Em segundo lugar, o processo preparatório da Conferência chegou a serexasperante para muitos representantes governamentais e não-governamentais queparticiparam das reuniões prévias. Na Conferência Planet Under Pressure realizadaem Londres em Março de 2012, até mesmo um funcionário do Governo brasileiroqueixou-se que “se esperava muito mais desses documentos” e questões como “o climae a biodiversidade foram deixados de fora da Conferência” (JANSEN, 2012). Algunslíderes empresariais apontaram também para o fato de ainda não ter surgido um sólíder mundial que apresentasse uma visão estratégica de futuro, um vazio que deixouefetivamente sem rumo o processo de negociação. O próprio governo brasileiro, dequem se esperava ousadia e liderança coerentes com a sua trajetória em temasambientais desde a Conferência de Estocolmo, mostrou-se extremamente cauteloso,pouco criativo e até mesmo conservador. O papel privilegiado do Brasil como anfitrião

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da Conferência, esteve pautado com um perfil tão baixo que beirou à burocráticaomissão. Finalmente, de acordo com um comunicado enviado ao Secretário-Geral,endossado por cerca de mil organizações (intitulado “Excluindo os nossos direitos,colocando sob colchetes o nosso futuro”), grupos representativos da sociedade civilexpressaram preocupação de que a Rio+20 estivesse “fadada a adicionar quase nadaaos esforços globais para garantir um desenvolvimento sustentável”, advertindo que“muitos governos estão usando as negociações para minar os direitos humanos e a lutapor mais equidade, bem como Princípios já acordados como ’Poluidor-Pagador’,‘Responsabilidades Comuns mas Diferenciadas’ e o ’Princípio de Precaução’, entreoutros” (CÚPULA DOS POVOS, 2012).

Em terceiro lugar, o “resultado” mais importante da Rio+20, o chamado “ZeroDraft” da declaração política “O Futuro que Queremos” enfrentou tantas dificuldadesque terminou desprovido de conteúdo. A partir de um documento inicial de 300páginas, reduzido a um terço de extensão ao iniciar a conferência, ainda estava repletode colchetes (ou seja, itens ainda não aprovados) para ser concluído. Se levarmos emconta, por exemplo, a proposta dos Estados Unidos de que o documento não deveriater mais do que cinco páginas, breve e em um tom genérico para poder ser aceito portodos os governos, não é de surpreender a frustração declarada pelo próprio Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon e pela União Europeia (VEJA, 2012).

Algumas ilustrações dos resultados concretos das negociações do “RascunhoZero” foram suficientes para caracterizar a morte anunciada da conferência. Quandoo texto se referia, por exemplo, ao “Direito de alimentação e nutrição adequadas”,prevaleceu uma forte disposição de alguns governos de simplesmente excluí-lo. Omesmo se aplicou à menção ao “Direito de todos a terem acesso a alimentos seguros,suficientes e nutritivos”. A ênfase, de acordo com algumas grandes potências, deveriaestar apenas no ambíguo objetivo de “aumento da produtividade agrícola” e napoliticamente interessada atenção em “melhorar o acesso dos pequenos agricultoresaos mercados globais”. A inclusão explícita no texto para as necessidades especiais demulheres e de povos indígenas foi sistematicamente rejeitada. De igual modo, decisõesarduamente conquistadas em conferências anteriores foram objeto de intenso ataquee boicote por parte das grandes potências, tais como o Direito à Água Segura e Limpae ao Saneamento ou a regulação dos mercados financeiros e de commodities. Temascomo estes ainda permaneceram inaceitáveis para os donos do poder e fez-se uso daRio+20 para dar um passo atrás e renegar acordos anteriores, com todas essas referênciasno “Rascunho Zero” suprimidas e substituídas por frases vazias de conteúdo práticocomo as “promover a eficiência” ou “aperfeiçoar o acesso”.

O resultado destas três dinâmicas é que os governos presentes na Rio+20deixaram o Rio de Janeiro sem compromissos claros para concretizar o desenvolvimentosustentável, sem decisões internacionais vinculantes, sem metas e, em definitiva, semmecanismos para medir o avanço no sentido do “futuro que queremos”. Um grupo deperitos independentes do Conselho de Direitos Humanos da ONU resumiu com rarafelicidade em recente Carta Aberta aos delegados que negociam o futuro que queremos:“existe um risco real de que os compromissos assumidos no Rio permaneçam promessas

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vazias, sem um acompanhamento eficaz e sem mecanismos de prestação de contas”(HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2012).

Em poucas palavras, tendo em vista tão somente os preparativos e os resultadosda Rio+20, qualquer observador é forçado a questionar se os governos estão hojemuito mais preocupados com a manutenção da saúde do sistema financeiro privadointernacional, a preservação à qualquer custo de suas economias, e, portanto, nãoestiveram e não estão dispostos a negociar seus padrões de consumo para melhorar aqualidade de vida da grande maioria da população mundial em situação de pobreza,desemprego, com disparidades crescentes de riqueza, de bens e de acesso aos recursosnaturais, e em situações de contínua discriminação e exclusão política. Muitosalertaram, cada vez mais, com maior intensidade e em todos os cantos do mundo, sejanos negócios, na ciência ou na sociedade, para o fato de que os sistemas de suporte davida no Planeta continuam sendo incessantemente destruídos, da mesma forma comoas situações persistentes de pobreza e desigualdade ameaçam a coesão social e geraminstabilidade e violência. Quando alertas semelhantes foram feitas no período queantecedeu a Rio-92, o então Presidente dos EUA, George W. Bush (pai) rebateu oscríticos de sua postura ambiental declarando que “o modo de vida americano não énegociável; ponto” (DEEN, 2012). Vinte anos mais tarde, os líderes mundiais queestão no poder, especialmente nos países mais ricos e que mais se beneficiaram dospadrões insustentáveis de desenvolvimento, pareceram atuar sob a mesma lógicaperversa, e parecem reproduzir a mesma visão de futuro, entrincheirados no passadode seus privilégios às custas do resto do planeta.

Finalmente, a análise dos discursos dominantes durante a conferência(GUIMARÃES e FOUNTOURA, 2012) reforça as relações de poder que seestabeleceram durante a Rio+20, bem como os principais resultados reais advindos dacúpula. Embora o evento tenha sido alardeado na mídia como o grande evento dadécada no que se refere ao meio ambiente e a garantia de qualidade de vida para asgerações futuras, em especial a garantia de alimento, água e energia para todos ospovos, verifica-se que os líderes mundiais não se voltaram para o caráter de urgênciaque o desenvolvimento sustentável requer, sem que resultados concretos tenham sidofirmados no documento final. Pelo contrário, apenas decisões vagas e o reforço dediscursos pouco consistentes foram estabelecidos. Neste caso, o que se sobressai é areafirmação dos valores econômicos, com base no capitalismo neoliberal (principaisresponsáveis pelas crises econômicas, ambientais e sociais) como principal resultadoda Rio+20, ressaltando o poder do setor privado e dos interesses dos países desenvolvidosna atual governança ambiental global. As consequências de manter o mesmo modeloeconômico com base nos mercados e nas grandes corporações e suas práticas, é quepouco ou nenhum avanço tenha sido alcançado na direção do desenvolvimentosustentável, com consequências negativas para as gerações atuais e futuras.

É digno de nota que o estabelecimento dos Objetivos do DesenvolvimentoSustentável (ODS), propostos pela Colômbia e Guatemala, foi o único resultado realda cúpula. Com o objetivo de expandir os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio(ODM) que irão até 2015, cabe aos ODS estabelecer indicadores que visem auxiliar

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aos governos a implementação dos compromissos firmados na Agenda 21, no PlanoJohanesburgo de Implementação e na Rio+20. Ainda assim, constata-se que muitofoi discutido e pouco foi definido. Deixou-se mais uma vez temas centrais para umadiscussão futura e permanece ainda um sentimento generalizado de repetição do fracassoretórico da Rio+10 em Johannesburgo.

A ameaça de “Colapso”, a Rio +20 e a governança global para odesenvolvimento sustentável

Com o objetivo de aprofundar o significado da Rio+20 e seus principaisresultados, vale estabelecer um paralelo entre a conferência e um dos trabalhos maisaclamados na atualidade, ganhador, entre muitos outros reconhecimentosinternacionais, do Prêmio Pulitzer: o Colapso de Jared Diamond (2006). Nesta obra, oautor destaca as razões mais importantes para que muitas sociedades fracassassem nopassado, chegando até à extinção, como foi o caso da sociedade da Ilha de Páscoa, osmaias, e os povos da Groenlândia nórdica que, apesar de sua fortaleza social, econômica,tecnológica e militar, não reconheceram os limites socioambientais do seu padrão dedesenvolvimento. Para Diamond (2006), os principais aspectos em que essas sociedadestenham colapsado se devem, em especial, pelo fato delas não terem sido capazes de a)antecipar, b) perceber, c) comunicar e d) atuar frente à ameaças a sua sobrevivência.

A própria necessidade de se debater na Rio+20 o desenvolvimento sustentávelressalta que os governantes e a ONU souberam “antecipar” as dimensões da conjunturaatual. Além disso, temas como preservação ambiental, efeito estufa, mudança climáticae biossegurança, antes restrito ao círculo de ambientalistas e cientistas, atualmente éagenda de governança ambiental global, sendo parte das preocupações cotidianas dosindivíduos.

A comunidade internacional também já deu provas suficientes em “perceber”os desafios do novo Milênio. Além de não ter sido a primeira conferência mundialsobre o desenvolvimento sustentável (ao contrário, a Rio-+20 representou a retomadado debate consolidado na Cúpula Terra em 1992), no documento final, somente overbo “reconhecer” aparece mais de 100 vezes, reafirmando a importância dos temasapresentados na conferência. Assim como IPCC, sigla em inglês do PainelIntergovernamental de Mudanças Climáticas, que tem por objetivo compreender melhoras mudanças climáticas em sua completude, outras iniciativas científicas se voltarampara o estudo das causas e dos efeitos das mudanças ambientais globais (como o IGBP- Programa Internacional Biosfera – Geosfera e o ESSP - Parceria para a Ciência daTerra). Logo, já não se pode sugerir que os líderes não tenham “percebido” as ameaçasantecipadas quatro décadas atrás em Estocolmo.

Os representantes de Estado e a ONU tampouco fracassaram em “comunicar” aimportância do debate em torno do desenvolvimento sustentável durante a Rio+20.Aproximadamente 40.000 pessoas, representantes de distintas etnias, estratos sociaise setores de atuação, estiveram na cidade do Rio de Janeiro para debater o temadurante o evento (oficial e paralelos) (PRADA e VOLCOVICI, 2012). Acrescente-

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se a isto o interesse da impressa na conferência, cobrindo os principais eventos dediscussão no período da Rio+20, utilizando-se diferentes canais midiáticos (TV, rádio,jornal, internet).

Sendo assim, verifica-se que os líderes mundiais e a ONU durante a Rio+20não fracassaram em responder aos três primeiros desafios apontados para enfrentar asmudanças ambientais globais: antecipar, perceber e comunicar. O que os principaisatores da cúpula novamente evidenciaram foi a sua incapacidade para “atuar”consequente com o discurso. Os resultados finais da conferência analisados nesteartigo evidenciam que o problema encontra-se na vontade política para “agir”efetivamente. Esta barreira se dá essencialmente pelo conflito de interesses na atualgovernança ambiental global, no qual cada ator busca ter seus interesses favorecidos,tornando cada vez mais distante a adoção de pontos convergentes. Vê-se claramenteque os interesses setoriais e os respectivos campos de atuação continuam a diferirconsideravelmente, como revelam as situações do setor privado versus movimentossociais ou países desenvolvidos e países em desenvolvimento.

Assim como destacado por Diamond: “Os cientistas denominam estecomportamento de ‘racional’ porque envolve raciocínio correto, embora possa sermoralmente repreensível”. O autor destaca ainda que um modo específico de conflitode interesse, a “tragédia do bem comum”, relacionada ao difundido “dilema doprisioneiro” é aquele em que: “O comportamento racional correto é colher antes queo próximo consumidor o faça, mesmo que o resultado final seja a destruição do bemcomum e, portanto, o prejuízo de todos os consumidores” (DIAMOND, 2006, p. 512).Neste caso, para o autor, em muitas situações uma sociedade não busca solucionarseus problemas, uma vez que estes favorecem à um grupo específico. Para alguns agentesna governança ambiental global, abandonar seus valores fundamentais, quando estesnão são mais compatíveis com a sobrevivência, é penoso, a ponto de simplesmente nãoagir. Daí emerge uma das principais questões do estudo: “Até que ponto nós, comoindivíduos, preferimos morrer em vez de nos adaptarmos e sobreviver?” (DIAMOND,2006, p. 517). Tal dilema se aplica perfeitamente à ênfase que ganhou o discurso daeconomia verde e o discurso da importância do setor privado durante a Rio+20. Ambosvisavam a adoção de medidas e decisões que não contrariassem o status quo e quefavorecem apenas a hegemonia das grandes corporações privadas e a lógica de mercadocom base no crescimento econômico infinito no qual cada país decide o que para si é“verde” ou “não”.

Após a Rio+20, cabe aos governantes que aqui definiram “O Futuro que (não)Queremos” tomar decisões concretas nos níveis nacionais e internacionais, bem comonos próximos fóruns que detalharão os aspectos que ficaram em aberto no documentofinal da cúpula, com a finalidade de evitar consequências ainda mais catastróficas.Para tal ímpeto, é preciso que se defenda uma mudança nos discursos dominantes eacima de tudo, nas práticas concretas, voltando-se para valores que de fato ajudarãoà humanidade a enfrentar os desafios futuros para o desenvolvimento sustentável.

Pensar no futuro que realmente queremos e, mais especificamente, pensar nasfuturas gerações, não significa pensarmos apenas em soluções para os próximos 20, 30,

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40 anos, mas ir além. Quantos planetas Terra precisaremos para atender uma população deaproximadamente 9 bilhões nas próximas décadas? Diamond (2006, p. 518) enfatiza estaquestão ao ressaltar que “Talvez o segredo do sucesso ou fracasso de uma sociedade estejaem saber a quais valores fundamentais se apegar, e quais descartar e substituir por novosquando os tempos mudarem [...] As sociedades e os indivíduos bem-sucedidos são os quetêm coragem de tomar decisões difíceis e a sorte de ganhar suas apostas”. O autor destacaainda que “Contudo, um líder precisa ter outro tipo de coragem para prever um problemaem desenvolvimento ou apenas em potencial, e tomar providências firmes para resolvê-loantes que se torne uma crise explosiva” (DIAMOND, 2006, p. 525).

Dadas as reflexões em torno da Rio+20, não cabe dúvida que a inação políticafoi o principal motivo para seu fracasso, que apenas atendeu aos antigos discursos quejá provocam o desenvolvimento insustentável e que geraram aquela que foi a piorcrise financeira do século no final do ano de 2008, considerada para muitos a pior crisefinanceira desde 1929 (INVESTMENT WATCH, 2012), com graves consequênciasambientais e sociais. Recordando as palavras do documento que o Brasil levou àConferência do Rio em 1992: “em situações de extrema pobreza, o indivíduomarginalizado da sociedade e da economia nacional não tem nenhum compromissopara evitar a degradação ambiental, uma vez que a sociedade não impede sua própriadegradação como pessoa” (GUIMARÃES, 1991, p. 17).

Considerações finais: continuaremos esperando a Godot?

A essas alturas dos acontecimentos, em particular após os fracassos da Rio+10e da Rio+20, não se pode deixar de reconhecer que o desafio mais importante nonovo Milênio está posto na qualidade do crescimento (i.e., o aumento nos níveis debem-estar e a redução das desigualdades socioeconômicas), muito mais que em suaquantidade (i.e., o incremento puro e simples da produção material da riqueza). Oembaixador Rubens Ricúpero, ex-Secretário Geral da UNCTAD, expressou com muitaclareza esse ponto de vista:

É preciso insistir e clamar, oportuna e inoportunamente, que a teoria do“trickle down effect”, da jarra transbordante ou da prioridade deaumentar o bolo, nunca funcionaram nem na China, nem nos EUA.Não basta aumentar a riqueza ou expandir e melhorar a educação. Sãoindispensáveis políticas distributivas e, em matéria de desigualdade racial,políticas corretivas e compensatórias das injustiças e desequilíbrios dopassado. (RICUPERO, 2001)

Igualmente adequado foi o alerta do antigo Secretário Geral da ONU, KofiAnnan, ao prefaciar um livro da Universidade de Nações Unidas sobre as implicaçõesdo processo de globalização:

[As últimas décadas revelam como] milhões das pessoas ao redor domundo têm experimentado a globalização não como um agente de

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progresso, mas como uma força desagregadora e até mesmo destrutiva,enquanto muitos milhões mais encontram-se completamente excluídosde seus benefícios […] Muitos a consideram inevitável. Embora sejaverdade que seu principal motor seja a tecnologia e a expansão eintegração de mercados, não é menos verdadeiro que a globalização nãoé uma força da natureza, mas o resultado de processos dirigidos por sereshumanos. Precisa, por isso mesmo, ser controlado e colocado a serviço dahumanidade através de meios administrados cuidadosamente no nívelnacional, por países soberanos, e pela cooperação multilateral, no nívelinternacional. (GRUNBERG e KHAN, 2000, p.18)

Devemos estar atentos ainda para as implicações da globalização para agovernabilidade em todos os níveis, planetário, regional, nacional e subnacional. Entremuitas razões, porque as Relações Internacionais são cada vez menos o resultado dasinterdependências entre países individuais. A erosão de Estados-Nação traz consigogovernos fracos e podem levar ao fim de governabilidade. Como conclui Kofi Annan,“muitos aplaudem esta erosão de governabilidade – de fato, muitos vêm isto como oprincipal atrativo da globalização. Estes são os verdadeiros anarquistas, muito mais do

que os jovens encapuzados que romperam vidraças durante a reunião da OMC, em Seattle

em 1999.” (ibid., ênfase adicionada) .Se é correto sugerir que a passagem da agenda internacional, de uma

exclusivamente ambiental para outra de desenvolvimento sustentável, poderia serexplicada por seu caráter ético, construída a partir das agendas que a precederam,como a de igualdade de gênero e a agenda de direitos humanos (GUIMARÃES,1996), muitos têm advertido sobre as ameaças para as liberdades civis das medidaspara confrontar a nova realidade do terrorismo internacional. Igualmente desastrososeria subordinar os interesses coletivos de bem-estar material e de crescimento espiritualaos interesses fundamentalistas das forças de mercado. Representaria sem dúvida umpasso atrás permitir que os avanços alcançados pela civilização ocidental, em certamedida aprofundados pela nova onda de mundialização, fossem agora ameaçados pelaluta supostamente de segurança estratégica.

Não menos perturbador tem sido a tendência de conceder prioridade aosinteresses econômicos e geopolíticos dos países hegemônicos, relegando a luta contraa pobreza, a redução das desigualdades na distribuição da riqueza e a manutenção dacapacidade de suporte dos ecossistemas aos degraus inferiores da escala de prioridadespara a cooperação internacional. Como Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em2001, reconheceu um mês após o ataque às Torres Gêmeas, “há um sentimento crescenteque talvez tenhamos nos equivocado colocando demasiada ênfase nos interessesmateriais egoístas, e muito pouco em interesses coletivos” (STIGLITZ, 2001). O riscode retrocesso no caminho da sustentabilidade continua sendo real. Resta a esperançade que predomine a compreensão, como sugere Stiglitz, de que “com a globalização,vem a interdependência, e com a interdependência vem a necessidade de adotardecisões compartilhadas em todas as áreas que nos afetam coletivamente”. Infelizmente,os governos presentes à Rio+20 não demonstraram compromisso para evitar o relativo

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esvaziamento da agenda global de meio ambiente em favor de interesses econômicos,estratégicos e de curto prazo.

De fato, o fracasso em promover o desenvolvimento sustentável só pode levar àperpetuação das encruzilhadas atuais de degradação ambiental, pobreza, desigualdade,consumismo e alienação cultural e política. Cedo ou tarde, todos terão de pagar opreço de irresponsabilidade social e ambiental. O recrudescimento da violência e doterrorismo representam apenas a ponta visível de um iceberg que ameaça por a piqueum processo de globalização que, apesar de ter produzido avanços consideráveis emdiversos âmbitos da vida social em todo o mundo, caracteriza-se cada vez mais pelaassimetria.

Afortunadamente, a poesia do espanhol Antonio Machado indica que “andarilho,não há caminho, o caminho faz-se caminhando” e ainda podemos mudar o curso dasnegociações internacionais para a materialização de um estilo de desenvolvimentosocial, político, cultural, econômico e, em definitiva, eticamente sustentável. Comodestacou um grupo de estudiosos internacionais sob a liderança do prestigioso DIE -Instituto Alemão para o Desenvolvimento, em declaração pública difundida no anopassado: “Não é pedir demais de nossos governos que assumam a sua responsabilidadecoletiva! Conclamamos os nossos governos a priorizar a Rio+20 e os temasconsensualmente acordados em suas agendas domésticas sem mais delongas, para assimpreparar suas sociedades para a transição para uma economia verde no contexto dasituação particular de seus respectivos países, e para que as Nações Unidas possamatuar como promotora global do desenvolvimento sustentável, sobretudo, através doreforço da sua autoridade no campo da governança ambiental internacional. É agoraou nunca, o que significa também que não é tarde demais - ainda” (DIE, 2011).

Se a sobriedade exige reconhecer que o tempo está realmente se esgotandoapós o fracasso da Rio+20, a ética da sustentabilidade impõe lembrar que as geraçõesfuturas não nos perdoarão se agirmos como a orquestra do Titanic nos momentos finaisantes do naufrágio. Já não é o momento de debater a ciência, a governança, asinstituições ou os atores necessários para promover as mudanças necessárias. Por maisque ainda exista muito por conhecer, o mundo já está cansado de saber quais são osdesafios mais urgentes, os responsáveis e as maneiras de superá-los.

Seria por certo um exagero sugerir que Samuel Beckett estava pensando sobreo desenvolvimento sustentável e a Rio+20 na noite de 5 de janeiro de 1953, na estreiamundial de uma de suas obras mais famosas no Left Bank Theatre of Babylon, emParis. Beckett desvenda “o sofrimento do ser” por meio da tragicomédia de Estragon eVladimir esperando por algo ou alguém para aliviar o seu tédio, ainda que a mensagemda peça seja a esperança. Em mais de um sentido, a desesperança a respeito do estadoatual do planeta, reforçada pelo autismo dos governos presentes à Rio+20, pode nostransformar em Estragon e Vladimir, lutando para superar o tédio debatendo sobresustentabilidade.

Rivalizando com o clássico de Beckett, quanto mais discursamos sobre o nossoGodot do desenvolvimento sustentável, menos provável é que este se materialize. Otempo das discussões intermináveis e sem resultados concretos parece ter-se esgotado.

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Como afirmou a Embaixadora de Granada, Dessima Williams (2009), que Preside aAliança dos Pequenos Estados Insulares, em um encontro científico internacional:“Viemos aqui como embaixadores do planeta para alertar as sociedades ocidentais deque precisamos de ações, AGORA”.

Agora é hora de agir. Esperemos, à semelhança do que ocorreu com a Apollo 13,e contra todas as probabilidades neste momento, que possamos pousar com segurançano desenvolvimento sustentável em um futuro próximo. Antes que seja tarde.

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Submetido em: 08/08/2012Aceito em: 04/09/2012

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Resumo: Passadas quatro décadas da Conferência de Estocolmo sobre o Meio AmbienteHumano, e decorridos apenas alguns meses da Rio+20, parece apropriado analisar ocaminho percorrido a partir de Rio-92 e os desafios, em grande parte frustrados, daconferência recém concluída no Rio de Janeiro. Para tais propósitos, são analisados osavanços e retrocessos da agenda global de desenvolvimento sustentável, do processopreparatório e dos resultados alcançados no Rio em Junho de 2012, como também dasameaças provocadas pela nova agenda de segurança estratégica após os eventos de 11Setembro de 2001 e pela crise econômica e financeira que já dura praticamente umadécada. O artigo conclui com as perspectivas da agenda internacional nos próximosanos.

Palavras-chave: Rio+20. Desenvolvimento sustentável. Agenda ambiental global.Perspectivas.

Abstract: After four decades since the Stockholm Conference on the Human Environmentand after just a few months of Rio+20, it seems appropriate to assess the path followed sinceRio+92 and the challenges, mostly frustrated, posed by Rio+20 . For this purpose, it is analyzedthe advances and shortcomings of the global agenda of sustainable development, of thepreparatory process and the results achieved in Rio in June 2012, as well as of the threats posedby the new agenda of strategic security after the events of 11 September 2001 and by theeconomic and financial crisis lasting for half a decade already. The article concludes with theperspectives of the international agenda of sustainable development in the coming years.

Key-words: Rio+20. Sustainable development. Global environmental agenda. Perspectives.

Resumen: Pasadas cuatro décadas desde la Conferencia de Estocolmo sobre Medio AmbienteHumano, y transcorridos tan solo algunos meses de la Rio+20, pareciera apropiado analisar elcamino percorrido a partir de la Rio-92 y los desafíos, en grande parte frustrados, de la conferenciarecien concluída en Rio de Janeiro. Para tales propósitos, serán analisados los avances e retrocesosen la agenda global de desarrollo sustentable, en el proceso preparatorio y en los resultadosalcanzados en Rio en Junho de 2012, como también de las amenazas provocadas por la nuevaagenda de segurida estratégica luego de los eventos de 11 Setembro de 2001 y por la crisis

RIO+20 OU RIO-20? CRÔNICA DE UM FRACASSO ANUNCIADO1

ROBERTO PEREIRA GUIMARÃES;YUNA SOUZA DOS REIS DA FONTOURA

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económica y financiera que ya dura prácticamente una década. El artículo concluye con lasperspectivas de la agenda internacional em los próximos anos.

Palabras clave: Rio+20. Desarrollo sustentable. Agenda ambiental global. Perspectivas.