Risco soberano e prêmios de risco em economias emergentes · determinação dos prêmios de risco...

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60 RBCE - 78 economia internacional Otaviano Canuto é Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e Pablo Fonseca Pereira dos Santos é Coordenador de Assuntos Econômicos e Financeiros da Secretaria de Assuntos Internacionais. Risco soberano e prêmios de risco em economias emergentes Otaviano Canuto e Pablo Fonseca Risco soberano e prêmios de risco em economias emergentes presente texto tem como objeto o conceito e os determinantes do risco soberano, bem como o papel cumprido pelas agências de classificação de riscos de crédito 1 que, no âmbito internacional, atuam como principais referências usadas pelos agentes econômicos na avaliação daquele risco. Ademais, o trabalho sugere a presença de um conjunto de variáveis macroeconômicas que são os principais determinantes do risco soberano. O primeiro objetivo deste trabalho é delinear o que representa “risco soberano”, mediante sua distinção e comparação com outros tipos de riscos. Além de descrever seu tratamento pelas agências de classificação de riscos, busca estabelecer as razões da influência da macroeconomia sobre o processo de avaliação de risco, particularmente no caso dos O governos de economias emergentes consideradas de risco elevado. O segundo objetivo é investigar se é possível localizar variáveis macroeconômicas com as quais se possa associar cada país aos correspondentes níveis de risco soberano atribuídos pelas agências. Caso se revele possível tal exercício, seus resultados naturalmente fornecerão um guia de indicadores cuja melhora deveria ser buscada por economias emergentes, dado o fato de que a posição do país na escala de classificação de riscos das agências traz implicações sobre sua gestão macroeconômica, particularmente na determinação do nível da taxa de juros. O primeiro item do texto apresenta o significado das classificações de risco soberano, enquanto avaliação qualitativa das probabilidades de

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economia internacional

Otaviano Canuto é Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério daFazenda e Pablo Fonseca Pereira dos Santos é Coordenador de AssuntosEconômicos e Financeiros da Secretaria de Assuntos Internacionais.

Risco soberano e prêmios de riscoem economias emergentes

Otaviano Canuto e Pablo Fonseca

Risco soberano e prêmios de riscoem economias emergentes

presente texto tem comoobjeto o conceito e osdeterminantes do risco

soberano, bem como o papelcumprido pelas agências declassificação de riscos decrédito1 que, no âmbitointernacional, atuam comoprincipais referências usadaspelos agentes econômicosna avaliação daquele risco.Ademais, o trabalho sugerea presença de um conjunto devariáveis macroeconômicas quesão os principais determinantesdo risco soberano.

O primeiro objetivo deste trabalhoé delinear o que representa “riscosoberano”, mediante suadistinção e comparação comoutros tipos de riscos. Além dedescrever seu tratamento pelasagências de classificaçãode riscos, busca estabeleceras razões da influência damacroeconomia sobre oprocesso de avaliação de risco,particularmente no caso dos

O governos de economiasemergentes consideradasde risco elevado.

O segundo objetivo é investigarse é possível localizar variáveismacroeconômicas com as quaisse possa associar cada paísaos correspondentes níveisde risco soberano atribuídospelas agências. Caso se revelepossível tal exercício, seusresultados naturalmentefornecerão um guia deindicadores cuja melhora deveriaser buscada por economiasemergentes, dado o fato deque a posição do país na escalade classificação de riscos dasagências traz implicações sobresua gestão macroeconômica,particularmente na determinaçãodo nível da taxa de juros.

O primeiro item do textoapresenta o significado dasclassificações de risco soberano,enquanto avaliação qualitativadas probabilidades de

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inadimplência por parte dosgovernos centrais dos países.Mostra-se então a consistênciaentre classes de risco e afreqüência de inadimplências detítulos privados e soberanos.

Nos mercados de ativos, é apresença de “prêmios de risco”que explica as taxas mínimasde retorno exigidas peloscompradores para a aquisiçãode cada ativo em particular.Nesse contexto, as classes derisco atribuídas pelas agênciasaos diferentes ativos ou a seussubconjuntos estão entre oselementos que afetam adeterminação dos prêmios derisco e a precificação de ativospelos agentes econômicos.

A despeito das especificidadese do caráter idiossincrático dosriscos – e dos correspondentesprêmios – associados a qualquerativo em particular, pode-sedetectar fatores comuns asubconjuntos de ativos, fatoresde risco que assumem entãouma demarcação – e mensuração– de âmbito mais geral. Riscosoberano, risco-país, risco deconversibilidade, risco cambiale outros são exemplos de taisdemarcações mais amplas deriscos presentes emsubconjuntos de ativos dentrodo sistema financeiro mundial.

O segundo item do texto recordaas diferenças conceituais entrerisco soberano e risco-país, adespeito de seu “parentesco”e da freqüente convergênciaentre seus movimentos, dadoque compartilham váriosdeterminantes em comum.

No mesmo item mostramosa estreita relação entre asclassificações soberanas ea margem soberana (sovereignspread) do índice EMBI+,indicador mais usado comoreferência de medida de prêmiosde risco soberano cobrados nosmercados secundários de títulosde dívida de economiasemergentes e que,corriqueiramente, tem sidoidentificado como medida paraos “riscos-país”. Índices como oEMBI+ movem-se intensamenteno curto prazo, ao passo queas classificações soberanastenderiam a refletir mudanças deduração mais longa, bem comoeventos com conseqüênciasamplas e profundas. No longoprazo, a convergência entreeles seria esperada.

No que diz respeito a índicescomo o EMBI+, construídos apartir dos movimentos de preçosnos mercados secundários deativos de economias emergentes,cumpre lembrar sua relação comos custos de captação de novosrecursos via emissões soberanasou privadas. Portanto, sãoimportantes a correlação ea eventual causalidade entre,de um lado, classificaçõesqualitativas de risco soberanoe, de outro, índices de prêmiocobrados nos mercadossecundários de títulos soberanos,uma vez que estes afetam astaxas de juros em economiasemergentes. Este é um canal deinfluência direta exercida pelasclassificações soberanas sobrea gestão macroeconômica daseconomias emergentes.

1 Classificação de riscos de crédito ou rating, em inglês.

Nos mercados deativos, a presença de“prêmios de risco”explica as taxasmínimas de retornoexigidas peloscompradores paraa aquisição de cadaativo em particular

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... A presença de agênciasde classificação de riscosde crédito (rating) énecessária para que aoferta de recursosfinanceiros não fiquerestrita a bancos

O item 3 contempla possíveisvariáveis macroeconômicasconsideradas na avaliação dorisco soberano pelas agências esua relação com as classificações.Depois de uma abordagemindividual desses indicadores,testa-se o potencial de seuconjunto como determinante daclassificação de risco soberano.

Confirmando outros estudosdisponíveis na literaturainternacional, o trabalho concluientão que, empiricamente,grande parte das diferenças entreas classificações de paísesquanto ao risco soberano podeser explicada por um conjuntorelativamente pequeno devariáveis. Os resultados mostramque uma classificação soberanaalta (ou seja, um baixo riscosoberano) está associada a:um nível elevado de renda percapita em dólares; inflação baixa(medida pelo índice de preçosao consumidor); taxa elevada decrescimento econômico; baixarelação entre a dívida externatotal e as receitas em contacorrente; baixa relação entredívida bruta do governo geral ereceitas fiscais totais; ausênciade episódios de moratória apartir de 1975 e, finalmente,um elevado grau de aberturacomercial, medida pela correntede comércio, a saber, a somade exportações e importaçõescomo percentual do PIB.

Como conclusão mais geral,sugere-se então o melhoramentodesse conjunto de indicadorescomo roteiro para a busca demelhor classificação de riscosoberano por economiasemergentes. Além dos benefíciosem termos de queda nas taxas

reais de juros decorrentes deuma melhora na classificaçãode risco, vale realçar a própriasaúde macroeconômica por sisó associada à melhoria dosrespectivos indicadores.

Definição enomenclatura dasclassificaçõessoberanasTransações financeiras sãointrinsecamente marcadas porassimetrias de informaçãoentre aplicadores e tomadoresde recursos. Estes têmnecessariamente maiorconhecimento sobre sua própriacapacidade de pagamento e suadisposição de pagar do queaqueles que lhes repassamrecursos. Portanto, do ponto devista dos credores, a presençade tal assimetria afetará osprêmios de risco exigidos emqualquer operação de crédito eaquisição de títulos financeiros.

As transações financeiras sóse desenvolvem quando há meiospara atenuar o peso negativo dasassimetrias de informação: coletae processamento de informaçõesantes das operações; firmaçãode contratos e monitoramentode sua execução de modo acontrolar o uso dos recursosapós o repasse; estabelecimentode garantias de modo aminimizar as perdas em casode inadimplência ou falência dodevedor e, assim, elevar adisposição a pagar por partedesse devedor, etc. Contudo,tais mecanismos operam comcustos elevados e nem semprecom eficácia suficiente paracontornar o problema.

No caso do riscosoberano, as agênciasbuscam avaliar acapacidade e adisposição de umgoverno servirintegralmente a suadívida nos prazos econdições acordadoscom os credoresquando da contrataçãodo empréstimo

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Quando não há instrumentoslegais, jurídicos ou institucionaisque sustentem o cumprimentode contratos e o exercício degarantias, a assimetria deinformações e os prêmioscobrados como compensaçãopelos riscos de créditoencarecem e, no limite,inviabilizam a existência detransações financeiras. Por seuturno, as agências ou instituições– privadas e públicas – declassificação de riscos de crédito(rating) se inserem na coleta eprocessamento de informaçõesantes das operações. Quer comocentro gerador de informaçõespara uso exclusivo dentro de umgrupo econômico, quer comofornecedores de serviços paraclientes, tais instituiçõesdesenvolvem competênciasespecíficas e se beneficiam deeconomias de escala e escoponas atividades de análisee classificação de riscos decrédito, o que as justifica eas viabiliza economicamente.2

A presença de agênciassupridoras de ratings comomercadoria, constitui elementonecessário para que a ofertade recursos financeiros, emqualquer economia, não fiquerestrita a bancos, instituiçõescom competência particular nacoleta e processamento deinformações sobre a qualidadede seus clientes, por conta da

proximidade com estes,intrínseca a suas operações.Dado o caráter distanciado eimpessoal das relações entreaplicadores e captadores quediferencia os mercados decapitais – ações e títulos decrédito negociáveis em mercadossecundários – das operaçõesbancárias, o desenvolvimentode tais mercados supõe adisponibilidade dos serviçosde rating.3

Nesse contexto, um risco emparticular é o risco soberano,ou seja, o risco de créditoassociado a operações decrédito concedido a Estadossoberanos. O exercício degarantias e o monitoramentoe cumprimento de contratosadquirem, evidentemente,características distintasdaquelas presentes nos casosde crédito para agentes privadosou mesmo do setor público infranacional (estados, provínciase municípios) e não soberanos(empresas estatais, porexemplo). Além disso, osdeterminantes da capacidadede pagamento e da disposiçãode pagar são de outra natureza,reportando-se a variáveismacroeconômicas como reservasde divisas e fluxos no balançode pagamentos, crescimentoeconômico e capacidade dearrecadação tributária, fatorespolíticos, etc. As principais

2 Um erro freqüente, entre leigos, é confundir a atuação de tais agências e seus ratings comrecomendações de compra/venda de títulos, por parte de instituições financeiras a seusclientes, concernentes a ajustes de carteiras usadas como benchmarks.3 Num extremo, quando a superação das assimetrias de informação se revela de alto custo oudifícil, não existe sequer o crédito bancário e as operações de crédito se limitam ao âmbito da“vizinhança” (parentesco ou proximidade pessoal, informalidade etc.). Isto pode ocorrer comparcelas da economia (população pobre, microempresas etc.) ou até com economias inteiras.4 Esse foi o caso de uma emissão de US$ 250 milhões da Aracruz, realizada em 2002, querecebeu uma classificação “AAA” pela Fitch, a melhor possível, enquanto a classificação daprópria empresa era “B”, uma das mais baixas. A emissão de 2002 teve garantia incondicionalde uma empresa estrangeira (Agência Estado, 7.08.2003).

agências públicas e privadasinternacionais de classificaçãode riscos de crédito – no casodas agências privadas, Moody’s,Standard & Poor’s (S&P) eFitch – procedem regularmenteà classificação de riscossoberanos, ainda que, no casodas agências privadas, nãoseja esta sua atividadeeconômica central.

As agências classificam tantoum devedor, quanto uma emissãoespecífica. Algumas vezes,caso haja garantias ou cláusulascontratuais que tornem maisseguro um determinado títulodo que a garantia dada pelopatrimônio geral do emissor,a classificação do título podesuperar a classificação doemissor.4

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Em relação à moeda dedenominação da dívida, asclassificações podem serrelativas a obrigações em moedanacional ou estrangeira. Quantoao prazo, as classificaçõespodem ser divididas emobrigações de longo prazo ede curto prazo, estas últimasdesignando os títulos quevencem em menos de um ano.Nesse trabalho nos ocupamosprincipalmente das classificaçõessoberanas de longo prazo paraobrigações em moeda estrangeira.

No caso do risco soberano,as agências buscam avaliar acapacidade e a disposição de umgoverno de servir integralmentea sua dívida nos prazos econdições acordados com oscredores quando da contrataçãodo empréstimo. O resultadodessa avaliação é sintetizadoem classificações, que sãoestimativas da probabilidadede um dado governo entrar emmoratória, o que significa nãoapenas a suspensão dopagamento dos juros ou principalda dívida na data de seuvencimento, mas tambémsua troca ou reestruturação“involuntária”. Dada a subjetividadedo termo “involuntária”, é difícildefini-lo precisamente com asoperações sendo avaliadascaso a caso. O principal fatorconsiderado é a presença ou nãode alguma redução substancialdo valor presente do título apósa operação de troca oureestruturação.5

As classificações soberanasreferem-se somente àcapacidade e disposição dogoverno central de honrar suasdívidas com credores privados.

São, portanto, uma estimativado risco soberano e não sereferem aos créditos bilateraise de instituições multilateraiscomo o Banco Mundial e o FMI(Bhatia, 2002) ou diretamente àprobabilidade de inadimplênciados governos subnacionais,empresas estatais ou privadas.

Dependendo da agência, asclassificações podem tambémincorporar a expectativa derecuperação do principal. Asclassificações da Moody’s sãoindicadores da perda esperada,que é uma função daprobabilidade de moratória e daexpectativa de perda monetáriaem caso de inadimplemento(Moody’s,1999, e Bhatia, 2002).Já a Fitch avalia apenas aprobabilidade de moratória atésua ocorrência, a partir de entãodiferenciando suas avaliaçõescom base na perspectiva derecuperação do principal (Fitch,1998 e Bhatia, 2002). No casoda S&P, as classificaçõesbuscam refletir simplesmentea probabilidade de moratória enão se referem a sua gravidade,ao período em que o governopermanecerá em moratória,aos termos de uma possívelrenegociação da dívida e aovalor esperado de recuperaçãodo principal (Bhatia, 2002).

Cada agência possui umataxonomia própria declassificação, o que dificulta suainterpretação e comparação. Demaneira geral, as classificaçõessão variações da escala A, B, C,D. Na escala da S&P e da Fitch,a melhor classificação é “AAA”e a pior, “D”. Já na escala daMoody’s, a melhor classificaçãoé “Aaa” e a pior, “C”. Quanto pior

O uso bastantedifundido dasclassificações paraadministrar a exposiçãoa riscos demonstraque os investidoresas consideramindicadores adequadosda probabilidadede moratória

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Tabela 1ESCALA DE CLASSIFICAÇÃO DE RISCO

Fontes: Bathia (2002), Moodys, Standard and Poor’s e Fitch.

Notas:

1. Moratória parcial.

2. Moratória.

3. Moratória. As classificações de obrigações nesta categoria são baseadas na possibilidadede recuperação parcial ou total do empréstimo. Uma vez que a expectativa de recuperaçãodos montantes são estritamente especulativos e não podem ser estimados com precisão, asseguintes estimativas servem como diretriz: a classificação “DDD” representa o maiorpotencial de recuperação dos montantes investidos em títulos inadimplentes, de 90% a 100%do principal e juros; o “DD” indica que a probabilidade de recuperação é entre 50% e 90%; eo “D” a menor possibilidade de recuperação, por exemplo, inferior a 50%.

4. Os soberanos classificados como Ca e C geralmente encontram-se em moratória, oferecempouca segurança financeira e a probabilidade de recuperação integral do principal por partedos investidores é muito baixa.

(—) Não aplicável.

S&P Fitch Moody’s Escala numérica

Grau de InvestimentoAAA AAA Aaa 1AA+ AA+ Aa1 2AA AA Aa2 3

AA- AA- Aa3 4A+ A+ A1 5A A A2 6

A- A- A3 7BBB+ BBB+ Baa1 8BBB BBB Baa2 9

BBB- BBB- Baa3 10

Grau de EspeculaçãoBB+ BB+ Ba1 11BB BB Ba2 12

BB- BB- Ba3 13B+ B+ B1 14B B B2 15

B- B- B3 16CCC+ CCC+ Caa1 17CCC CCC Caa2 18

CCC- CCC- Caa3 19CC CC — 20

C C — 21SD1 DDD3 Ca4 22

D2 D D C 23— D — 24

5 Entretanto, mesmo que ocorra ganho em termos de valor presente, pode haver casos em queos credores são compelidos a participar da operação, devido a, por exemplo, uma sinalizaçãotácita ou explícita do governo de que a opção à troca é a suspensão do serviço da dívida.A título de ilustração, as três agências não consideraram involuntárias as trocas oureestruturações de dívida efetuadas pelos governos da Argentina, entre maio e junho de 2001,Venezuela, em 2002 e 2003, Turquia, em junho de 2002, e Rússia, em 1998. Já as trocasrealizadas pelos governos do Uruguai, em maio de 2003, e da Argentina, em novembro de 2001foram consideradas involuntárias. Para maiores detalhes sobre a definição de moratória verBhatia (2002), Moody’s (2003a), Standard and Poor’s (1999) e Fitch (2003a).6 As agências disponibilizam as definições das classificações em seus sítios em português nainternet. Moody’s: www.moodys.com.br; Standard and Poor’s: www.standardandpoors.com.br;Fitch: www.fitchratings.com.br.7 Historicamente, cerca de 70% de todas as classificações corporativas da Moody’s forammodificadas para a mesma direção indicada na “lista de aviso” (Moody’s 2002b).

a classificação, maior é aprobabilidade de moratória evice-versa. Os governosclassificados acima de “BBB-”ou “Baa3” são chamados de“grau de investimento”, enquantoos classificados abaixo sãochamados de “grau deespeculação”.6

Para diferenciar governos emuma mesma categoria, a S&P ea Fitch adotam sinais aritméticos(+ e –) e a Moody’s números(1, 2 e 3). As categorias maiselevadas (AAA e Aaa) e as maisbaixas (CC, Ca ou abaixo),não possuem tais símbolosde diferenciação.

Um procedimento freqüente paratornar comparáveis os ratings,é adotar alguma transposição,linear ou não-linear, das escalasde classificação de risco para umescala numérica. A Tabela 1, aolado, reproduz a transposiçãoproposta por Bhatia (2002).

Para cada governo avaliado, asagências divulgam sua opiniãosobre a direção provável daclassificação de risco nomédio prazo (um a três anos).Esse indicador é chamado deperspectiva (outlook), que podeser positiva, negativa, estávele em desenvolvimento. Quandosurge uma possibilidade demudança na classificação de umsoberano, as agências podemcolocá-lo em uma listagem àparte. A Moody’s a chama de“lista de aviso” (watchlist) efornece a possível direção daclassificação nos próximos 90dias: em revisão para elevação(upgrade), em revisão pararebaixamento (downgrade), ouindefinido.7 A listagem da Fitch é

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Tabela 2TAXAS ACUMULADAS DE INADIMPLÊNCIA,1 SEGUNDO CLASSIFICAÇÃO DE RISCO(% ; Janeiro de 1985 a Dezembro de 2002)

Classificação Soberanos Empresas 1 ano 5 anos 10 anos 1 ano 5 anos 10 anos

Aaa 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,07Aa 0,00 0,00 0,00 0,02 0,20 0,43A 0,00 0,00 0,00 0,03 0,56 1,21

Baa 0,00 0,00 0,00 0,19 2,16 4,70Ba 1,56 12,62 40,59 1,39 12,99 23,13B 7,89 22,22 53,38 6,44 33,18 51,14

Caa, Ca, C 0,002 n.s.3 n.s.3 22,82 59,44 82,51Grau de investimento 0,00 0,00 0,00 0,07 0,87 1,82Grau de especulação 3,87 16,59 45,39 5,45 25,06 37,77

Total soberanos/empresas 1,19 4,68 9,34 1,86 8,25 11,76

Fonte: Moody’s (2003).

Notas:1. A taxa acumulada de inadimplência (TI) indica qual a percentagem média de empresas ou soberanos que entraram em inadimplência durante umcerto período (neste caso 1, 5 ou 10 anos), dada a sua classificação. Por exemplo, em média, 40,59% dos soberanos e 23,13% das empresasclassificadas como Ba ficaram inadimplentes em até 10 anos. Para maiores detalhes sobre metodologia de cálculo ver Moody’s (1995).2. Uma TI significativamente menor nesta classificação em relação a classificação B pode ser reflexo do número limitado de observações(88 soberanos classificados e 8 epsódios de moratória).3. Não significativo. Nenhum emissor de dívida teve classificação Caa, Ca ou C, por mais de dois anos antes do final da amostra.

chamada de “alerta declassificação” (RatingAlert) ea da S&P, de “aviso de crédito”(CreditWatch), de caráterpositivo, negativo ou indefinido.

As classificações de risco sãoindicadores simples e públicos(as agências disponibilizam suaslistagens regularmente em seusítios na Internet), que reduzemas incertezas com relação aorisco dos títulos governamentais.Para os agentes econômicosque usam tais ratings comosubstitutos de esforços própriosde coleta e processamentode informações para avaliaçãode riscos, as classificaçõesviabilizam operações com títulossoberanos, principalmente nocaso de países emergentes que,na ausência das classificações,teriam acesso mais limitado arecursos externos e a custosmaiores (Cantor e Parker, 1995).Títulos de governos classificadossão preferíveis aos de governos

não classificados e asclassificações são parâmetrosamplamente utilizados porinvestidores para determinarpreços e tomar decisões decompra e venda de títulosda dívida externa pública.

Grandes investidoresinstitucionais, como os fundosde pensão, possuem regrasde gestão interna ou seguemdeterminações de órgãosreguladores que limitam adetenção de ativos classificadoscomo “grau de especulação”(FMI, 1999). Outros montamsuas carteiras de investimentocom base nas classificações eem sua particular propensãoao risco. Bancos e outrasinstituições financeiras, seguindoregras próprias ou da legislaçãofinanceira de seu país, usam asclassificações para determinarprovisões e requisitos de capital(Canuto, 2002; Canuto e Lima,2002).8

Após a crise asiática,as agências passarama dar maior atençãoa passivos externos dosetor privado financeiro,principalmente os decurto prazo e a avaliarcom mais cuidado ospassivos contingentesdo setor público

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O uso bastante difundido dasclassificações para administrar aexposição a riscos demonstraque os investidores asconsideram indicadoresadequados da probabilidade demoratória. A Tabela 2 mostra astaxas acumuladas deinadimplência (TI) de soberanose empresas em períodos de 1, 5e 10 anos por classificação,segundo a Moody’s.9 Cada TIresponde ao seguinte tipo depergunta: em média, quepercentagem de empresas ousoberanos classificados comoB entraram em inadimplênciadecorridos até cinco anos?Na Tabela 2, verifica-se queisso ocorreu com 22,2% dossoberanos e 33,2% dasempresas. Para um númerosuficientemente grande deobservações, a TI tende a tornar-se uma estimativa daprobabilidade de inadimplência,dada a classe de risco.

A julgar pela Tabela 2, a relaçãoentre TIs e classes de rating éconsistente.10 A freqüência deinadimplência (default) nascategorias com “grau deespeculação” é maior do que nasclasses com “grau deinvestimento”. Essa freqüênciaaumenta na medida em que a

classificação piora e em queo tempo considerado é maior.

As classificações não buscamprever quando ocorrerá umasuspensão de pagamentos.São indicadores de risco relativo.Por exemplo, o fato de umaempresa ser classificada comoAa não significa que estanecessariamente permaneceráadimplente, mas apenas queisto tende a acontecer maisfreqüentemente ao longo dotempo do que no caso dasempresas de classificaçõesinferiores. As taxas deinadimplência são sensíveisà conjuntura do período emque são calculadas, variandoconsideravelmente em funçãode ciclos econômicos mundiaise domésticos (Moody’s, 1997).

As agências e suasclassificações são umcomponente importante dadinâmica dos mercadosfinanceiros internacionais. Até osanos 80, o principal fornecedor decrédito externo aos governos eraum grupo restrito de grandesbancos internacionais. Hoje, como uso dos bônus e títulos comoprincipais instrumentos decaptação, em substituição aosempréstimos sindicalizados, o

conjunto de credores é maior,mais difuso e heterogêneo.11 Aprofusão de países que recorremao mercado internacional decrédito regularmente, osproblemas associados àdificuldade de comparaçãode dados macroeconômicos,bem como a complexidade ediversidade das economiasdesses países, tornam a tarefade avaliação de risco soberanomuito dispendiosaindividualmente para a grandemaioria dos investidores.

Durante a crise asiática surgiramdiversas críticas às agências(Reinhart, 2002; Sy, 2003). Entreelas a principal foi a de que aclassificação da Tailândia, Coréiae Indonésia como “grau deinvestimento” no início de 1997não refletia adequadamente orisco de deter títulos da dívidaexterna dos governos dessespaíses. Por outro lado, no casodos três países mencionados,nenhum deles suspendeu oserviço dos seus títulossoberanos, apesar da gravidadedas crises.12 Segundo asagências, as classificações nãotêm como objetivo indicar quandouma moratória ocorrerá ou se osoberano enfrentará uma crisede balanço de pagamentos.Espera-se que os soberanos com“grau de investimento” enfrentemmenos crises e tenham maiorcapacidade para administrá-lasdo que os soberanos da categoria“grau de especulação”.

No entanto, como as crisesde balanço de pagamentosinfluenciam a capacidade depagar títulos soberanos, asclassificações de então dospaíses asiáticos deveriam refletir

8 A respeito da papel das classificações nos mercados de capitais ver também Moody’s (1997).9 As três agências publicam estudos anuais onde são calculadas TIs para empresas, mas, atéa conclusão deste trabalho, apenas a S&P e a Moody’s haviam publicado as TIs de soberanos.As taxas de inadimplência de soberanos dadas pela Moody’s são as mais recentes disponíveis.Ver Moody’s (2003a), Fitch (2003b) e Standard and Poor’s (2002a).10 Com uma ressalva para a TI das classificações soberanas Caa, Ca e C para o período deum ano, que é zero, quando se esperaria que fosse superior à da classe B. O tamanhorelativamente pequeno da amostra de soberanos pode ser uma explicação para o surgimentodeste problema. Enquanto o cálculo das TIs das empresas inclui milhares de observações edezenas de episódios de moratória, a amostra de soberanos inclui apenas 88 observações,com 8 casos de moratória. As agências esperam que, com a passagem do tempo, as TIs desoberanos e empresas convirjam para valores mais próximos.11 Por exemplo, 43,5% dos títulos da dívida externa do governo argentino pertencem aindivíduos e o restante a investidores institucionais. Estes títulos estão denominados em 7moedas diferentes e sujeitos a 8 jurisdições distintas (EIU, 2003).12 Contudo, posteriormente suspenderam o pagamento de outros passivos classificados pelasagências: depósitos bancários, no caso da Coréia em 1998, e empréstimos bancários privados,no caso da Indonésia em 1999 e 2001 (Moody’s, 2003a).

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adequadamente também esserisco.13 Com efeito, eventos demoratória da dívida externa dosgovernos centrais têm sidofreqüentes, embora nem sempreacompanhados de crise nobalanço de pagamentos,desvalorização cambialexpressiva, recessão naeconomia doméstica e restriçõesà saída de capitais. Afinal,as economias emergentesse caracterizam por seremabsorvedoras líquidas de capitalexterno, em um contexto dealta mobilidade de capital e dedominância dos movimentosnas contas de capitais sobre ascontas correntes do balanço depagamentos. Portanto, o naturalé que as crises das economiasemergentes em geral semanifestem como “crisesgêmeas”, combinando, de umlado, fuga de capitais e problemascambiais com, de outro,alguma(s) instância(s)doméstica(s) às voltas composições patrimoniais fragilizadaspela súbita secura nas fontesexternas de sua sustentação.No caso da Ásia, em 1997-98,o lado doméstico fragilizado foio sistema bancário e corporativodoméstico, ao passo que, naAmérica Latina, o caso típico foio de fragilidade no financiamentodo setor público (Canuto, 2001).

Ainda em sua própria defesa,as agências argumentam quediversas informações importantespara avaliar a capacidade depagamento dos países asiáticosnão estavam disponíveis antes dacrise. Especificamente, os dadosoficiais disponíveis subestimavama relação entre créditosinadimplentes e créditos totais dosetor bancário, o nível negativo das

reservas internacionais líquidasdo Banco Central da Coréia, oestoque da dívida denominada emmoeda estrangeira do setor privadoda Indonésia e a dimensão dasoperações no mercado futuro decâmbio do Banco Central daTailândia. Após a crise asiática,as agências passaram a dar maioratenção a passivos externos dosetor privado financeiro,principalmente os de curto prazo,bem como à possibilidade de queesses passivos se transformemem passivos públicos depois deuma crise. Também passaram aavaliar mais cuidadosamente ospassivos contingentes do setorpúblico.

Não obstante as críticas elimitações da avaliação de riscosoberano, as classificações têmcrescido em importância. O seuuso como parâmetro de regulaçãofinanceira é bastante difundidonos EUA e vem se expandindotanto em países desenvolvidosquanto em desenvolvimento.No Comitê para Revisão doAcordo da Basiléia discute-sea possibilidade do uso dasclassificações como referênciapara estabelecer osrequerimentos mínimos de capitalponderados pelo risco, paracréditos a soberanos. Atualmente,os pesos são determinados daseguinte maneira: se um paísé membro da OCDE o peso derisco auferido é zero; casocontrário o peso é 100. Pelaproposta em discussão, essespesos variariam de acordo coma classificação de risco dada aopaís pelas agênciasinternacionais e pelas agênciasde seguro de crédito à exportaçãodos países desenvolvidos queformam o chamado G-10.14

..na Ásia, a crisegêmea no mercadocambial e nas finançasprivadas domésticasocorreu sem riscosequivalentes na área desuas dívidas soberanas,enquanto na Rússia, acrise na dívida públicanão impediu acontinuidade de algunspagamentos privadosao exterior

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Risco soberano,risco-país e prêmiosde riscoRisco soberano e risco-país,embora fortemente relacionados,dizem respeito a objetosdistintos. O risco país é umconceito mais abrangente quese reporta, para além do riscosoberano, ao risco deinadimplência dos demaiscredores residentes em um paísassociado a fatores que podemestar sob o controle do governo,mas não estão sob o controledas empresas privadas ou dosindivíduos (Claessens eEmbrechts, 2002). Este é ocaso, por exemplo, de empresasprivadas que detêm capacidadee disposição de realizarcompromissos com credoresexternos, mas se defrontamcom riscos de conversibilidadeou transferência de divisasdecorrentes da possibilidadede controles de capitais seremsubitamente estabelecidos peloEstado soberano.

O risco-país diz respeito a todosos ativos financeiros do país,impondo-lhes uma cargacompensatória de prêmio noretorno por eles oferecido.Evidentemente, os dois riscosguardam relação de parentesco,uma vez que uma moratória nadívida soberana tende a exercerimpacto negativo sobre os

demais fluxos de capital parao país, afetando também dívidasexternas privadas. No sentidoinverso, sem disponibilidadede divisas, o Estado soberanotorna-se incapaz de cumprirseus compromissos devidos emmoeda estrangeira. Ainda assim,vale guardar as diferenças: naÁsia, conforme observamos, acrise gêmea no mercado cambiale nas finanças privadasdomésticas ocorreu sem riscosequivalentes na área de suasdívidas soberanas, enquanto naRússia, como exemplo contrário,a crise na dívida pública nãoimpediu a continuidade de algunspagamentos privados ao exterior.

Com efeito, em contraste coma década de 80, a prática quetem atualmente prevalecido entreos governos durante crises debalanço de pagamentos, aindaque nem sempre bem-sucedida,é tentar evitar uma moratóriageneralizada. Isto pode serjustificado pelo aprofundamentoda integração econômica efinanceira da década de 90,que fez com que o papel dosetor externo crescessesubstancialmente, sobretudonos mercados emergentes.Muitas empresas desses paísesutilizam amplamente o mercadoexterno para se financiar e oinvestimento direto estrangeiroé um fator importante para oseu crescimento econômico.

Controles cambiais extensivospodem gerar dificuldadesduradouras para a captaçãode recursos no exterior pelasempresas e redução nos fluxosde investimento direto estrangeiro,causando danos consideráveis àeconomia do país (Claessens eEmbrechts, 2002).

Como regra geral, a classificaçãosoberana é um teto para osdemais credores de um país,mas o teto pode ser ultrapassadoem situações especiais, quandoas agências entendem quedeterminados devedores estãomenos vulneráveis ao risco detransferência. Por exemplo,a partir de junho de 2001,a Moody’s flexibilizou suapolítica de teto soberano, tendoem vista os episódios recentesde moratória da dívida externado Paquistão, Equador, Rússiae Ucrânia, quando os governospermitiram pagamentos emmoeda estrangeira de algumasclasses privilegiadas dedevedores, tipicamentecompanhias grandes eimportantes que se financiavamextensamente nos mercadosinternacionais e cujocumprimento de obrigações,caso fosse impedido, poderiaagravar ainda mais a situaçãoeconômica desses países(Moody’s, 2001).

Segundo a agência, são cinco osfatores avaliados que podem levara classificação de uma empresapara além do teto soberano:i) probabilidade de moratóriageneralizada no caso deinadimplência do governo central;ii) valor da dívida, levando-se emconta as garantias; iii) condiçõesde acesso a divisas mediante a

13 Para uma discussão sobre o desempenho das agências durante as crises financeiras dosmercados emergentes nos anos 90, ver FMI (1999). Sy (2003), avaliando o período de 1994a 2002, conclui que as classificações soberanas não antecipam crises cambiais, sendonormalmente ajustadas após o desencadeamento da crise. Também não foi encontrada umarelação estreita entre crises cambiais e a probabilidade de moratória soberana. Entretanto, asclassificações soberanas e mudanças nas mesmas ajudam a prever crises de dívida externa,definidas como a elevação para acima de 10 pontos percentuais (ou, 1.000 pontos base) dadiferença entre os rendimentos dos títulos soberanos denominados em dólares e os títulosdo tesouro norte-americanos de características semelhantes (spread).14 Para maiores informações sobre o uso de classificações em processos regulatórios e sobreas propostas de revisão do acordo da Basiléia, ver FMI (1999) e Canuto e Lima (2002).

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exportação regular e em largaescala, ativos no exterior,proprietário estrangeiro ou outrasfontes de apoio externo;iv) integração com as redes deprodução global e de suprimento;e v) importância para a economianacional e para os mercados decapitais internacionais.

Os ratings soberanos e de risco-país aplicados aos demais títulosde uma nação importam porque,além de determinarem a extensãoda clientela possível para suacompra, afetam diretamente ospreços dos ativos. Em cadamomento, as condições geraisde liquidez, bem como o grau deaversão a riscos por parte dosaplicadores de recursos e suapercepção quanto aos riscos aserem atribuídos a cada ativo,determinam a diferença entre osrendimentos dos ativos semriscos e os rendimentos –maiores – que cada ativoé obrigado a ofertar para sercomprado. A assimetria deinformações, quando nãoatenuada, intensifica a aversãoa riscos. Quando os ratings dasagências são usados comoreferência para aproximação aorisco de crédito, tendem a refletir-se nos preços dos ativos e nosprêmios cobrados pelos riscos.

O indicador de mercado maisdifundido no que diz respeitoa prêmios de risco em títulosde economias emergentes é oEMBI+ do J.P.Morgan.15 Esteíndice é composto por uma cestade títulos denominados emmoeda estrangeira emitidospelos governos centrais dediversos países emergentese que são negociados emmercados secundários.16

O EMBI+ é constituídoprincipalmente por títulosda dívida externa (Bradies eeurobônus), mas pode tambémincluir empréstimos negociados(traded loans) e títulosdomésticos denominadosem moeda estrangeira.17

O J.P.Morgan divulga os níveisdo índice e as margenssoberanas (sovereign spreads).O índice representa uma médiaponderada, pelo volumenegociado no mercado secundáriodos preços dos papéis quecompõem a cesta; a margemsoberana é dada pela diferençaentre os rendimentos dos títulosgovernamentais e os títulosdo Tesouro dos EUA comcaracterísticas semelhantes,considerados de risco zero(Aaa/AAA, na classificaçãodas agências). O EMBI+ podeser decomposto em sub-índices,um para cada país. A margemsoberana desses sub índices éusualmente referida como“risco-país”.

A remuneração adicional emrelação aos títulos do governo dosEUA é dada para compensar omaior risco dos títulos da dívidapública de países emergentes.Quanto maior a margem, maior éa probabilidade de inadimplênciainferida pelos investidores. Comono cálculo da margem soberanasão considerados apenas títulosemitidos pelos governos centrais,esta corresponde a um indicadorde risco soberano, sendo algoimprecisa sua denominaçãocomo “risco-país”.

Tendo em vista que a margem doEMBI+ e as classificações dasagências são indicadores de

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risco soberano, espera-sealguma relação direta entreambos. O Gráfico 1 mostraesses dois indicadores para ospaíses que compõem o EMBI+,exceto Nigéria e Argentina.Observa-se que há de fato umarelação direta, mas imperfeita,entre a margem do EMBI+ e osratings. Uma notável exceção éa Ucrânia que possui a mesmaclassificação média do Brasil,mas a margem soberana eratrês vezes menor em 19 desetembro de 2003.

Não obstante isso, de modogeral, os governos em “grau de

especulação” enfrentam umcusto mais elevado de captaçãode recursos no mercadointernacional em relação ao“grau de investimento”. Isto sereflete diretamente no custo definanciamento externo do setorprivado, pois a margem, bemcomo a classificação soberana,são parâmetros importantes nadeterminação dos custos dascaptações externas dosresidentes de um país.

Uma das razões para eventuaisdesacordos entre as avaliaçõesde risco do mercado e dasagências é que a margem é

extraída dos preços de ativos,sujeitos a forças de oferta edemanda, que são, por sua vez,influenciadas por diversos fatoresque vão além das variações napercepção de riscos: alteraçõesde humor quanto à confiançados aplicadores na qualidadede informações e nos parâmetrosmais gerais de estimativa dosriscos, a situação de sua aversãoa riscos, a liquidez colocadapelas políticas monetárias deeconomias desenvolvidas eoutros fatores de curto prazo.18

Em contraste com a perspectivamais estável e de maior alcancetemporal buscada nos ratings,os índices de preços de mercadosão sensíveis a eventosconjunturais, de curto prazo,o que leva a flutuações geraisou específicas de cada país.

Contudo, salvo por discrepânciasem períodos curtos, espera-seque haja uma relativaconvergência entre índices de

Gráfico 1MARGEM DO EMBI+ E CLASSIFICAÇÃO DE RISCO(19 de setembro de 2003)

Mar

gem

do

EM

BI+

Fontes: J.P.Morgan, Moody’s, S&P e Fitch.

Notas1. Média das classificações segundo a escala numérica descrita na tabela I.2. Classificação acima de 10, grau de especulação; abaixo, grau de investimento.3. O Marrocos não era classificado pela Fitch até a data de elaboração deste gráfico.

15 Emerging Markets Bond Index Plus (Índice dos Bônus dos Mercados Emergentes Mais).16 Em setembro de 2003, faziam parte do EMBI+: Argentina, Brasil, México, Rússia, Venezuela,Turquia, Filipinas, Colômbia, Malásia, Bulgária, Peru, África do Sul, Panamá, Equador, Polônia,Marrocos, Ucrânia, Egito e Nigéria. Para maiores detalhes sobre a metodologia de compilaçãodo índice, ver J.P.Morgan (1995).17 Em 30 de agosto, o EMBI+ era composto por 28,5% de Bradies, 70,8% de Eurobônus e 0,7%de empréstimos negociáveis, segundo o valor de mercado. Os critérios para que um título dadívida faça parte do EMBI+ são: um valor mínimo a vencer de US$ 500 milhões; classificaçãoigual ou inferior a BBB+ (S&P) e Baa1 (Moody’s); mais de um ano para o vencimento; e apossibilidade de ser compensado internacionalmente, por meio de sistemas como o Euroclear.18 Este problema se acentua para ativos mais líquidos, como é o caso dos C-Bonds brasileiros.Sua elevada liquidez, além da classificação em “grau de especulação” do governo brasileiro,tornam-lhes, por exemplo, candidatos naturais à venda em momentos de instabilidade nosmercados de títulos de emergentes (Canuto, 2002).

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prêmios de riscos nos mercadose os ratings das agências,quando são tomadas comoreferência as médias de períodoslongos. Variações de carátergeral, como um aumentogeneralizado da aversão a riscos,queda na confiança ou reduçãona liquidez disponível, tendema deslocar para cima e a tornarmais íngreme a curva do Gráfico1, sem subverter porém a escalacrescente de prêmios conformeos ratings.

No longo prazo, a volatilidadeexibida pelos prêmios de riscodas economias com “grauespeculativo” revela-se maior doque a equivalente nos casos de“grau de investimento”, algo queacaba acentuando o caráteríngreme da curva. As economiasna ponta mais especulativaapresentam maior sensibilidade,por exemplo, em relação àsmudanças nas taxas de jurosdas economias desenvolvidas.

É freqüente a manifestação dedúvidas quanto à natureza dacorrelação e da direção dacausalidade entre classificaçõese prêmios de risco de mercado.Os ratings balizam e estabilizama direção tomada pelosmercados voláteis ou osprimeiros seguem tendênciasque venham a sersistematicamente mostradaspelo segundo, com as mudançasnas classificações vindoa reboque da mudança napercepção de risco? Osmercados se movem maisrapidamente e, quando exibemum curso sustentado em certadireção, no caso de um ativo emparticular, tal direção vê-sefreqüentemente acentuada por

conta de anúncios de alteraçõesno rating do ativo, sugerindo fortepró-ciclicalidade resultante dotrabalho das agências.

Um estudo realizado pelaSecretaria de AssuntosInternacionais do Ministério daFazenda para Brasil, México eArgentina, cobrindo o período de1994 a janeiro de 2001, concluiuque, na maioria dos períodosde flutuação, as agênciasde classificação de riscomantiveram-se independentesem relação às oscilações damargem soberana. Há casosem que as agências seguemo mercado, casos em que asagências não o seguem eainda outros em que ambossão surpreendidos com a súbitamudança na situação econômicae financeira de um país (SAIN,2001). Reisen e von Maltzan(1999, citado em FMI 1999)realizaram um estudo empíricopara 29 países no período de1989 a 1997, que buscavaverificar a existência decausalidade entre variações namargem soberana e variaçõesnas classificações. Os autoresconcluíram que as margenssoberanas precedemtemporalmente as classificaçõesno sentido de Granger evice-versa. Em outras palavras,tanto as classificações podemser vistas seguindo o mercadoquanto o mercado pode sertomado como seguidor dasclassificações.

A conclusão desses estudosreflete a prática das agências edos investidores. Conforme vimosanteriormente, os investidorestomam decisões de compra evenda com base nas

A inflação é vista pelasagências como um dosmelhores termômetrosda consistência daspolíticas fiscal emonetária, daestabilidade financeira,política e institucionalde um país

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classificações, devido a regrasde auto-regulação ougovernamentais. Portanto, énatural que, uma vez elevada ourebaixada a classificação de umsoberano, o preço de seus títulosvarie na mesma direção, emfunção do aumento ou diminuiçãoda oferta desses papéis.

Em situações normais, apercepção de risco de mercado,conforme é refletida nas margenssoberanas, não faz parte doprocesso de avaliação de risco.No entanto, em momentos deinstabilidade, as agências aincorporam a sua análise.A razão para tanto é que umaelevação significativa da margempode, por si só, deflagrar asuspensão do serviço da dívidapela restrição que cria de acessoao mercado financeiro.As classificações, em princípio,devem ser estáveis, baseando-senos fundamentos de médioe longo prazos do credor.Os investidores esperam queessas características sejampreservadas e argumentam queo uso de um indicador volátilcomo a margem soberana tendea reduzir a estabilidade dasclassificações. Por outro lado,a decisão de uma redução naclassificação pode, de fato, terum efeito pró-cíclico durantecrises de confiança, contribuindopara agravá-las (Moody’s,2002a).19

Uma hipótese a ser considerada,adicionalmente, é a de existiremfatores comuns subjacentes aosratings e às tendências nos

prêmios de risco nos mercados,com a aparente pró-ciclicalidadedos primeiros manifestandoapenas o caráter mais lento deseus reflexos, em comparaçãocom o imediatismo dos últimos.Nesse sentido, mesmo quandoo movimento de mercado éincorporado às decisões dasagências, e os ratings acentuamas direções de mercado, adeterminação de ambos estaria,em última instância, nesseterceiro conjunto de fatores.A hipótese de um tertius, ouseja, da existência dedeterminantes que antecedeme explicam os movimentos deratings e prêmios, seráanalisada no próximo item.

19 Para maiores detalhes sobre o processo de classificação de risco soberano conduzido pelasagências ver Bhatia (2002) e Canuto e Santos (2003).20 Ver Fitch (1998), Standard and Poor’s (1998 e 2002b) e Moody’s (1999b e 2003b).

Determinantesmacroeconômicosda classificação derisco soberanoAs agências não divulgam ospesos atribuídos aos fatoresconsiderados para adeterminação das classificações,mas indicam, em artigos sobrea metodologia de classificaçãoe nos relatórios sobre os países,quais são as variáveis maisimportantes.20 Embora asagências ressaltem o caráterprospectivo das classificações,estas são, em grande medida,condicionadas por fatoresretrospectivos. Por mais positivaque seja a tendência de umaeconomia, suas condiçõesiniciais têm grande influênciasobre a capacidade e disposiçãode pagar dos governos.

Neste item, buscamos ilustrarcomo diversas variáveis indicadaspelas agências se comportamindividualmente em relação àclassificação de risco. Ao final,examinaremos a hipótesede que, em conjunto, taisindicadores sejam bonsantecedentes de ratings e,por conseguinte, de prêmiosde risco no mercado.

Tipicamente, os governos depaíses de renda per capitaelevada possuem uma avaliaçãode risco baixo (Gráfico 2).A renda per capita é tida comobom indicador do nível geralde desenvolvimento econômicoe institucional de um país.Governos de países ricos têmmaior flexibilidade para a adoçãode políticas austeras emperíodos de adversidade (Ficth,2002 e Bhatia, 2003). A Moody’s(2003b) esclarece que arelevância de determinadasvariáveis varia segundo o graude desenvolvimento do país.As autoridades de paísesdesenvolvidos com uma longahistória de estabilidadeeconômica e institucional têmmelhores instrumentos paraadministrar dívidas públicas edéficits fiscais elevados, bemcomo choques econômicosinesperados.

Todos os países que registraramuma renda per capita abaixode cinco mil dólares, em 2002,fazem parte da categoria “graude especulação”. Contudo, nemsempre títulos da dívida degovernos de países de rendabaixa são consideradosinvestimentos arriscados. Umexemplo é a China, país de rendaper capita abaixo de mil dólares

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avaliado como “grau deinvestimento”. Este paísbeneficia-se de, entre outrosaspectos, uma baixa relaçãodívida bruta/PIB do governo geral,uma baixa dívida externa líquidatotal, uma inflação sob controlee um retrospecto de crescimentoeconômico elevado. Já o governoda Índia, que, assim como aChina, é um país de baixa renda,com uma economia dinâmica, degrande população e extensãoterritorial, é considerado umdevedor de risco bastanteelevado. Entre outros motivos,pesa contra a avaliação de riscodo governo deste país, além dobaixo PIB per capita, o déficitfiscal do governo geral elevado(10,7% do PIB, em 2002), umarelação dívida pública bruta/PIBalta (77% do PIB, em 2002) e ofato da Índia ser um país fechadoao comércio internacional, comuma participação pequena dasexportações no PIB e elevadastarifas de importação.

A inflação é vista pelas agênciascomo um dos melhorestermômetros da consistência das

políticas fiscal e monetária, daestabilidade financeira, políticae institucional de um país.Financiamentos expressivose prolongados de déficitsorçamentários por meiode emissão monetáriainvariavelmente levam àaceleração da inflação oumesmo à hiperinflação. Nessascircunstâncias, as autoridadesgeralmente adotam políticasimpopulares de contenção degastos e aperto monetário,que são mais eficientementeimplementadas quando háum banco central autônomo eas autoridades desfrutam deuma base ampla e coesa desustentação política. Casocontrário, o processo inflacionáriose intensifica e pode ocasionar aperda de credibilidade do governoe de suas instituições. Este tipode situação geralmente se fazsuceder por suspensão do serviçoda dívida pública (S&P, 2002).

O Gráfico 3 mostra que a taxamédia de inflação dos últimoscinco anos dos países “grau deinvestimento” (BBB/Baa ou

Gráfico 2RENDA PER CAPITA(US$ Correntes; Média de 1998 a 2002)

Fontes: Moody’s, S&P e Fitch.

Nota: * Média das classificações em 31/12/2002 para uma amostra de 66 países.

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A maioria das grandesempresas instaladasno México, muitasmultinacionais, recorreao mercado de capitaisnorte-americano parase financiar, o quereduz a relevância docrédito doméstico aosetor privado comoindicador de robustezfinanceira

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acima, menor que 10 na escalanumérica) é substancialmentemais baixa do que a dos países“grau de especulação”. Observa-se também que não há um únicopaís, nesta primeira categoria, noqual a taxa de inflação média dosúltimos cinco anos exceda 10%.Por outro lado, as maiores taxasde inflação são verificadas nospaíses “grau de especulação”.Entretanto, há casos em que severificam variações dos preçosao consumidor equivalentes àsdos países avançados, comoocorre no Peru (3%). Neste caso,a baixa taxa de inflação é reflexoda implementação de reformasestruturais na década de 90 eda condução conservadora daspolíticas fiscal e monetária. Noentanto, sua avaliação de riscoé prejudicada pela incertezapolítica, por um elevado nívelde endividamento externo emrelação às receitas em contacorrente (260%, em 2002) epor uma baixa diversificação dapauta de exportação, que é muitoconcentrada em produtosprimários.

Equador e Turquia são os paísesda amostra que apresentaramas maiores variações médiasdo índice de preços aoconsumidor, 45,4% e 55,1%,respectivamente. Apenas oprimeiro entrou em moratória,em 1998, após uma crisebancária, cambial e política, quelevou à dolarização da economia.A Turquia também enfrentaproblemas institucionais epolíticos mas, em função desua posição geográficaestratégica, é beneficiada peloforte apoio financeiro do FMI.

Outro fator relacionado aosetor monetário que as agênciasdeclaram ter peso importanteem suas avaliações é odesenvolvimento do mercadofinanceiro. Nos países em queo sistema financeiro é bemdesenvolvido e em que os títulosdo governo são comprados poruma abrangente parcela dapopulação, o custo de umamoratória é maior, ao contráriodaqueles países onde o uso dosistema bancário é limitado e os

Gráfico 3INFLAÇÃO (ÍNDICE DE PREÇOS AO CONSUMIDOR)(Variação % em 12 meses; Média de 1998 a 2002)

Fontes: Moody’s, S&P e Fitch.

Nota: * Média das classificações em 31/12/2002 para uma amostra de 66 países.

Infla

ção

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credores do governo são umgrupo pequeno de agentesfinanceiros (S&P, 2002).21

Um dos indicadores do grau dedesenvolvimento financeiro é ocrédito doméstico ao setorprivado como proporção do PIB.No Gráfico 4, observa-se que,de modo geral, os soberanosde países onde esta variávelé elevada possuem melhoresclassificações. Como foiverificado na análise das demaisvariáveis, há diferençasimportantes em cada categoria.O México, por exemplo, tem umadas menores relações créditoao setor privado/PIB (12,5%, em2002), mas o governo mexicanoestá na categoria “grau deinvestimento”. De acordo com aMoody’s, este país beneficia-seda crescente integraçãoeconômica, comercial e financeiracom a economia norte-americana.A agência avalia que, desde oinício do Nafta (North AmericanFree Trade Agreement), em1993, a economia mexicanatornou-se mais resistente a

choques domésticos e externose menos vulnerável ao contágiode crises financeiras de outrosmercados emergentes (Moody’s2003c). Um outro aspecto é quea maioria das grandes empresasinstaladas no México, muitasmultinacionais, recorre aomercado de capitais norte-americano para se financiar, oque reduz a relevância do créditodoméstico ao setor privado comoindicador de robustez financeira.

O grau de abertura comercial efinanceira de um país ao restodo mundo é um dos principaisfatores considerados noprocesso de classificação, poisafeta diretamente a disposiçãode pagar dos soberanos. Oscustos econômicos e financeirosde uma moratória para um paíssão diretamente proporcionaisa seu grau de integração com oexterior (S&P, 1998). Isto porqueo setor privado de uma economiaaberta usa intensivamente omercado financeiro internacionalpara financiar investimentos,exportações e importações.

Gráfico 4CRÉDITO AO SETOR PRIVADO(% do PIB; 2002)

Fontes: Moody’s, S&P e Fitch.

Nota: * Média das classificações em 31/12/2002 para uma amostra de 66 países.

...no Brasil, qualquerprojeto ambicioso deupgrading naclassificação de riscosterá de conter avançostambém nos indicadoresrelativos à solvênciaexterna, inclusive oaumento da correntede comércio

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Outro argumento, ressaltadopela Fitch (1998) é o de queonde há uma política de aberturacomercial, as indústrias sãomais competitivas e voltadaspara o mercado externo,enquanto que, em paísesprotecionistas, essas indústriastendem a ser ineficientes e aprivilegiar o mercado doméstico,o que prejudica a geração dedivisas, e, por conseguinte,reduz a capacidade de serviçoda dívida externa. Além disso,países onde a participação docomércio exterior no PIB éelevada necessitam de umadesvalorização cambial de menorproporção para promover umajuste do balanço depagamentos diante de choquesexternos, em relação àqueles emque a participação do comércioexterior na economia é reduzida.

No Gráfico 5 temos os graus deabertura comercial (soma de

exportações mais importaçõesde bens e serviços medida comopercentagem do PIB) no eixovertical e a classificaçãosoberana no eixo horizontal.Verifica-se uma relação inversaentre essas duas variáveis paraos soberanos de classificação“A” ou inferior.

Nas classificações maiores,que englobam os paísesdesenvolvidos, não se observao mesmo. A proporção entre ocomércio exterior e o PIB tema vantagem de ser um indicadorsimples de abertura comercial;entretanto, tende a ser menorem economias “grandes” comoos EUA, Japão, Brasil, México,Índia e China. Isto aconteceporque o numerador (exportaçõesmais importações de bens eserviços) é medido em dólares,enquanto o denominador (PIB)inclui um amplo setor de bensnão transacionáveis, cuja

importância pode sersubestimada na contabilidadenacional. Além disso, estavariável pode ser sobre estimadaem países em que o setorexportador é fortementedependente de insumosimportados, como México eChina. Não obstante essesproblemas, as agências aconsideram um bom indicadordo nível de integração de umaeconomia com a economiamundial (Moody’s, 2003b).

A variável mais importante naavaliação do setor externo é adívida externa líquida total (dívidaexterna bruta, descontados osativos em moeda estrangeira)em relação às receitas emconta corrente, e não em relaçãoao PIB, uma medida maistradicional.22 As razões parase avaliar a dívida tanto externapública, quanto privada, é queesta última pode pressionar as

21 Esta consideração é mais pertinente para o risco dos títulos em moeda local, mastem efeitos importantes sobre a classificação das obrigações em moeda estrangeira.A credibilidade de um governo inadimplente em sua dívida doméstica é muito menordo que a de um governo que honra todos os seus pagamentos.22 Exportações de bens e serviços fatores e não-fatores mais transferências unilaterais.

Gráfico 5GRAU DE ABERTURA COMERCIAL(Exportações + Importações de bens e serviços em % do PIB; Média de 1998 a 2002)

Fontes: Moody’s, S&P e Fitch.

Nota: * Média das classificações em 31/12/2002 para uma amostra de 66 países.

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reservas internacionais doBanco Central e, em certascircunstâncias, os passivosexternos privados podem setransformar em passivosgovernamentais (S&P, 2002).Governos de países onde o setorbancário promove a expansãodo crédito doméstico por meio deendividamento externo ou onde apolítica cambial e o nível detaxa real de câmbio incentivamo crescimento excessivo doendividamento externo do setorprivado não financeiro, possuemuma classificação mais baixa(Bhatia, 2002).

Quanto maior a dívida externatotal de um país em relação asua capacidade de gerar divisas,mais oneroso tende a ser oserviço dessa dívida e maioré o risco de inadimplência dosoberano. Contudo, isto nemsempre se verifica. Há outrosfatores, consideradosconjuntamente com o estoque dadívida, que aumentam o custo eafetam a capacidade de serviçoda dívida externa, como o nível

das reservas internacionais e arelação serviço da dívida externa/receitas em conta corrente.

No Gráfico 6, a seguir, observa-se que, em média, nos paísescom títulos soberanos nacategoria de “grau deinvestimento” a relação dívidaexterna líquida total/receitas emconta corrente é menor do que ados países de governosclassificados como “grau deespeculação”. Verifica-se umadispersão acentuada entre ospaíses AAA/Aaa e AA/Aa.Nestas classificações háexemplos tanto de países comdívida externa líquida negativaquanto de países queapresentam uma dívida externalíquida equivalente à dos paísesem “grau de especulação”.

Chama a atenção o nível deendividamento externo dosEstados Unidos, Austrália eNova Zelândia, que está entreos maiores da amostra e éequivalente à dos países declassificação B e C. O fato de

Gráfico 6DÍVIDA EXTERNA LÍQUIDA TOTAL / RECEITAS EM CONTA CORRENTE(%)

Fontes: Moody’s, S&P e Fitch.

Nota: * Média das classificações em 31/12/2002 para uma amostra de 66 países.

Quanto maior a dívidaexterna total de um paísem relação a suacapacidade de gerardivisas, mais onerosotende a ser o serviçodessa dívida e maior é orisco de inadimplênciado soberano

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administrarem economiasdesenvolvidas, possuírem umaboa reputação de cumprimentode seus compromissos externose, no caso dos Estados Unidos,quase a totalidade da dívidaexterna pública e privada serdenominada em moeda nacional,confere aos governos dessespaíses uma classificaçãoelevada. Em outro extremo estáa Venezuela, que possui umdos mais baixos níveis deendividamento externo dacategoria “grau de especulação”.Uma conjuntura histórica deinstabilidade econômica e políticaque vem prevalecendo nas últimasduas décadas tem levado seugoverno a uma das classificaçõesmais baixas da amostra.O acesso limitado ao mercadofinanceiro decorrente dessesfatores restringe o crescimentoda dívida externa venezuelana.

Na análise das finanças públicasduas variáveis são fundamentais:

o déficit nominal do governo geralem proporção do PIB e o estoqueda dívida do governo geral emrelação às suas receitas totais.23

O motivo pela preferência desteúltimo indicador é que algunspaíses podem apresentar umarelação dívida pública/PIB baixa,mas, ainda assim apresentarsérios problemas deendividamento em função da suabaixa capacidade de arrecadação.Este é o caso da Turquia, daÍndia e do Peru (Moody’s, 2003b).Em 2002, a dívida púbica brutaperuana foi de aproximadamente47% do PIB, nível próximo damédia da América Latina. Noentanto, em relação às receitas,a dívida foi de 270%, uma dasmaiores da região.

É de se esperar que um governoconsiderado de risco elevadotenha apresentado déficitsnominais elevados nos últimosanos e que seu estoque da dívidaseja substancialmente maior do

que dos governos avaliadoscomo de risco baixo. NosGráficos 6 e 7 pode-se verificarque, em média, o déficit nominalaumenta na medida em que pioraa classificação de risco. Já nocaso do endividamento públicoesta relação não é tão clara,mas, de maneira geral, ossoberanos com “grau deinvestimento” possuem umestoque da dívida menor doque os soberanos com“grau de especulação”.

Outros fatores consideradossão a sensibilidade da dívidapública às mudanças nas taxasde juros, a sua composição pormoeda, o prazo médio devencimento e o custo do serviçoda dívida. As agências observamtambém a capacidade do governode aumentar receitas e cortardespesas quando necessário.Os países onde a base dearrecadação é limitada ou grandeparte das despesas é vinculadaa gastos determinados têmdificuldade para promover umajuste fiscal quando necessário.

Gráfico 7RESULTADO NOMINAL DO GOVERNO GERAL / PIB(%)

Fontes: Moody’s, S&P e Fitch.

Nota: * Média das classificações em 31/12/2002 para uma amostra de 66 países.

23 As agências privilegiam a análise da evolução do estoque da dívida pública líquida.Entretanto, devido a dificuldades de obtenção desse dado para todos os países da amostra,avaliamos nesse trabalho a relação entre classificação soberana e dívida pública bruta.

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Japão e Itália apresentam umnível de endividamento do setorpúblico comparável ao dospaíses “grau de especulação”.No entanto, o custo de rolagemda dívida pública desses paísesé baixo, a maior parte dela édenominada em moeda nacionale vence no longo prazo. Alémdisso, como dissemos no iníciodeste item, as agênciasentendem que as autoridadesde países desenvolvidos têmmelhores instrumentos paraadministrar dívidas públicas edéficits fiscais elevados, bemcomo choques econômicosinesperados.

É possível, portanto, observarrelações diretas entre aclassificação de risco soberanoe determinadas variáveismacroeconômicas. Essasrelações não são em geralperfeitas e há inúmeras exceções,o que é esperado, pois noprocesso de avaliação as variáveismacroeconômicas são vistas emseu conjunto. Tentaremosidentificar, por meio de um

modelo econométrico, se umconjunto de indicadores pode serusado para explicar as diferençasentre as classificações soberanas.

Um estudo pioneiro e bastantecitado é de Cantor e Parker(1996). Os autores mostramque as diferenças entre asclassificações soberanas podemser explicadas por um conjuntorelativamente pequeno devariáveis. Uma classificaçãoalta estaria associada a um nívelelevado de renda per capita emdólares, inflação baixa (medidapelo índice de preços aoconsumidor), taxa elevada decrescimento econômico, baixarelação entre a dívida externatotal e as exportações, ausênciade episódios de moratóriaa partir de 1970 e alto nívelde desenvolvimento econômico,segundo classificação do FMI.Por outro lado, o resultado fiscaldo governo central e o déficitem conta corrente, ambos emproporção do PIB, apareceramcomo estatisticamenteinsignificantes.

Gráfico 8DÍVIDA BRUTA DO GOVERNO GERAL / RECEITAS TOTAIS(%)

Fontes: Moody’s, S&P e Fitch.

Nota: * Média das classificações em 31/12/2002 para uma amostra de 66 países.

A amostra utilizada por Cantore Parker abrangeu 49 países.A variável dependente foi a médiadas classificações da Standardand Poor’s e da Moody’s emsetembro de 1995, após suaconversão para uma escalanumérica de equivalência.O período considerado paraas variáveis explicativas variousubstancialmente: paracrescimento real do PIB, foiconsiderada a média anualde 1991 a 1994; para inflação,déficit em conta corrente (em% do PIB) e resultado fiscal dogoverno central (em % do PIB),foi considerada a média anual de1992 a 1994; para PIB per capitae dívida externa como proporçãodas exportações de bens, foilevado em conta o resultadoregistrado no final de 1994.O nível de desenvolvimentoeconômico foi estabelecido deacordo com a classificação deeconomias industrializadas emsetembro de 1995, segundo oFMI. Para quantificar este fator eo histórico de moratória foramutilizadas variáveis dummy

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(1 = industrializada / 0 = nãoindustrializada; 1 = entrou emmoratória pelo menos uma vezdesde 1970 / 0 = não entrouem moratória desde 1970).

Em princípio, poderíamosimaginar uma relação direta esistemática entre déficit em contacorrente e risco soberano. Noentanto, isto não é estritamenteverdadeiro. Países em moratóriaou com graves restrições deacesso ao mercado internacionalde crédito são compelidos a umajuste do balanço de pagamentosque implica geração de superávitsexpressivos ou drástica reduçãodo déficit em conta corrente. Esteé o caso da Argentina e de outrospaíses de classificação soberanabaixa, como Turquia e Uruguai.Em segundo lugar, países comelevada taxa de crescimentoeconômico tendem a convivercom déficits elevados em contacorrente por um longo período,o que não significa quenecessariamente seu risco demoratória soberana é maior.Deve-se observar, entre outrascoisas, se o aumento do déficité financiado por investimentosdiretos em setores produtivos,que futuramente aumentarãoas receitas com exportações oureduzirão as importações, ou porformas de endividamento externocrescente que se tornarãoinsustentáveis a médio prazo.Por fim, há países com tendênciaestrutural a superávits em contacorrente, como os exportadoreslíquidos de petróleo. Um exemploé a Rússia, que apresentou umsuperávit médio em conta correntede 10% do PIB entre 1998 e 2002.

Reflexão similar pode serestendida ao caso de fluxosfiscais. Tome-se, por exemplo,uma economia altamenteendividada. Caso mantenhafortes superávits primários porum período necessário, ainfluência positiva destes sobreo rating ocorrerá via redução noestoque da dívida. Momentosisolados de fluxos, por seu turno,não são indicativos suficientespara upgradings ou downgradingsna escala de riscos.

A partir do modelo proposto porCantor e Parker, desenvolvemosoutra versão, com uma amostramaior de países (66),24 dadosmais recentes e utilizando, comovariável dependente, a média dasclassificações das três agências,em vez de apenas S&P eMoody’s. Com base naimportância atribuída a cadavariável pelas agências, conformeindicado em seus relatórios,optamos por montar umaregressão com as mesmasvariáveis explicativas descritasacima, exceto déficit em contacorrente, por incluir duas outrasvariáveis: grau de abertura edívida bruta do governo geral.No Quadro 1 há uma descriçãodetalhada das variáveisescolhidas.

No Quadro 2, apresentamos osresultados da regressão emcross-section pelo método dosmínimos quadrados ordinários.A regressão é estatisticamentesignificativa e explicaconjuntamente cerca de 88% davariação da classificação média.Todos os coeficientes são

Países em moratória oucom graves restriçõesde acesso ao mercadointernacional de créditosão compelidos a umajuste do balanço depagamentos queimplica geração desuperávits expressivosou drástica redução dodéficit em contacorrente

significativos e possuem ossinais esperados, com exceçãodo coeficiente do déficit dogoverno geral. As regressõesque têm as classificações decada agência como variáveldependente apresentamresultados similares, comuma ressalva para a equaçãoda Moody’s na qual o graude abertura apresenta um nívelde significância de 10,6%.

As observações já feitassobre o déficit do governo geralexplicam por que, no que tangeà classificação média, pareceuhaver uma relação inversa esistemática entre ambos.Uma possível explicação paraa insignificância estatística davariável é que um déficit fiscalreduzido não necessariamentereflete uma situação estávelderivada de uma sólida conduçãoda política fiscal, podendo sersimplesmente uma reação a umambiente de incerteza por partedo mercado que obriga o governoa reduzir suas necessidadesde financiamento.

24 A lista completa dos países pode ser vista em Canuto e Santos (2003).

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Classificação(variáveldependente)

Classificações de longo-prazo em moedaestrangeira, convertidas para uma escalanumérica, conforme a tabela I.

Quadro 1

Descrição

31 de dezembro de2003.

Moody’s, S&P e Fitch.

Variável Período Fonte

Inflação Variação percentual em 12 meses do índicede preços ao consumidor (fim de período).

Média dos dadosanuais de 1998 a2002.

Moody’s, Moody’sStatistical Handbook,abril de 2003.

PIB per capita Em mil US$. Média dos dadosanuais de 1998 a2002.

Moody’s, Moody’sStatistical Handbook,abril de 2003.

Crescimentoreal do PIB

Em %. Média dos dadosanuais de 1998 a2002.

Moody’s, Moody’sStatistical Handbook,abril de 2003.

Resultado nominaldo governo geral

Em % do PIB. Abrange governo federal ouadministração central, inclusive o sistemaprevidenciário, banco central e governos locais.Não inclui as empresas estatais financeiras enão financeiras.

Média dos dadosanuais de 1998 a2002.

Moody’s, Moody’sStatistical Handbook,abril de 2003.

Dívida bruta dogoverno geral

Em % das receitas do governo geral. Abrangegoverno federal ou administração central,inclusive o sistema previdenciário, banco centrale governos locais. Não inclui as empresasestatais financeiras e não financeiras.

Média dos dadosanuais de 1998 a2002.

Moody’s, Moody’sStatistical Handbook,abril de 2003.

Grau de abertura Exportações + importações de bens e serviçosem % do PIB.

Média dos dadosanuais de 1998 a2002.

Moody’s, Moody’sStatistical Handbook,abril de 2003.

Dívida externatotal líquida

Em % das receitas em conta corrente do balançode pagamentos (exportações de bens eserviços fatores e não-fatores maistransferências unilaterais. Dívida externa brutadeduzidos ativos brutos no exterior. No caso depaíses emergentes os ativos externos brutosincluem somente depósitos à vista, reservasinternacionais, inclusive ouro, e fundosgovernamentais depositados no exterior.Ativos do setor privado não financeiro noexterior não são contabilizados, pois sãogeralmente acumulados por meio de fuga decapitais e é improvável que sejam repatriadosdurante uma crise.

Média dos dadosanuais de 1998 a2002.

Fitch, Sovereign DataComparator, março de2003.

1 = economia desenvolvida; 0 = economia emdesenvolvimento. Segundo definido pelo FMI.

Agosto de 2003. FMI, InternationalFinancial Statistics,agosto de 2003.

Grau dedesenvolvimento

Moratória 1 = o governo suspendeu o pagamento dejuros ou principal da dívida interna ou externa,contratada por meio títulos ou empréstimosbancários, pelo menos 1 vez desde 1975;0 = o governo nunca suspendeu o pagamentoo pagamento da dívida interna ou externadesde 1975.

De 1975 a 2002. S&P, SovereignDefaults: MovingHigher Again in 2003?setembro de 2002.

Verificou-se uma contribuiçãoestatististicamente significativa aoR² ajustado após a inclusão davariável “dívida bruta do governo

geral”. Dito de outro modo, aincorporação dessas variáveis aomodelo aumenta a percentagemda variação da classificação

média explicada pelas variáveisindependentes. A inclusão davariável “grau de abertura”produziu um aumento

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Quadro 2

11,970436,084484

0,0000

Interceptoestatística-tvalor p**

Variáveis explicativas

11,351025,028219

0,0000

12,891116,081150

0,0000

Classificaçãomédia

Moody’s S&P Fitch

11,669166,079497

0,0000

-0,139772-2,986244

0,0042

PIB per capitãestatística-tvalor p**

-0,150938-3,041307

0,0036

-0,134295-2,689963

0,0094

-0,134083-2,796211

0,0071

-0,357154-2,040592

0,0460

Crescimento real do PIBestatística-tvalor p**

-0,407587-2,177232

0,0337

-0,347230-1,850170

0,0696

-0,316643-1,943515

0,0570

-0,023533-0,388713

0,6990

Resultado nominal do governo geralestatística-tvalor p**

0,0148650,215850

0,8299

-0,039093-0,646943

0,5203

-0,046372-0,800004

0,4271

0,0631512,504563

0,0152

Inflaçãoestatística-tvalor p**

0,0576191,954964

0,0556

0,0728192,866802

0,0058

0,0590152,503304

0,0152

0,0064552,814733

0,0067

Dívida bruta do governo geralestatística-tvalor p**

0,0076382,884997

0,0055

0,0065302,805077

0,0069

0,0051972,337887

0,0230

0,0078072,305865

0,0248

Dívida externa total líquidaestatística-tvalor p**

0,0068241,963507

0,0546

0,0071741,970324

0,0538

0,0094222,737190

0,0083

-0,736888-2,269079

0,0271

Grau de abertura (logaritmo natural)estatística-tvalor p**

-0,644611-1,643534

0,1059

-0,913371-2,558290

0,0133

-0,652684-1,970755

0,0537

-4,043825-3,970761

0,0002

Grau de desenvolvimentoestatística-tvalor p**

-3,906897-3,659393

0,0006

-4,280330-4,049303

0,0002

-3,944248-3,737016

0,0004

1,6241212,085860

0,0416

Moratóriaestatística-tvalor p**

1,9249032,044157

0,0457

1,4137431,850998

0,0694

1,5337172,169400

0,0343

0,877147R² ajustado 0,851334 0,872804 0,879611

1,838769Desvio padrão da regressão 2,092023 1,890906 1,769279

52,565290,0000

Estatística-Fvalor p**

42,358060,0000

50,557830,0000

53,768280,0000

Notas:

Número de observações: 66.Para remediar o problema de heterocedasticidade apresentado nas quatro regressões, utilizamos o procedimentode White, que não altera o valor dos coeficientes mas torna os seus desvios-padrão estatisticamente consistentes.* As classificações médias, as classificações de cada agência e os países que compõem a amostra estão listadosna Tabela III de Canuto e Santos (2003).** Nível exato de significância, ou nível mínimo de significância no qual pode-se rejeitar a hipótese nula (Ho: coeficiente = 0).

Variável dependente*

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ConclusõesAs classes de riscos de créditoutilizadas pelas agênciasprivadas de rating refletemas freqüências de eventos deinadimplência, tomando-seestas como indicativas dasprobabilidades de inadimplênciapara emissores ou títulos. Nocaso do risco soberano, há algode arbitrário na demarcação entre“grau de investimento” e “grau deespeculação”, numa seqüênciade riscos de inadimplência que,embora aumente explosivamentenas classes de mais alto risco,sobe de modo gradual nas faixasintermediárias. De qualquermodo, dadas as restrições naauto-regulação ou nas regrasde regulação públicas presentesnos países provedores derecursos para economiasemergentes, faz grande diferençaa posição dos títulos do paísna estrutura de classes.

No que diz respeito à relaçãoentre classes de risco soberanoe prêmios de risco cobradossobre títulos dos países, emparticular dos títulos públicosde governos centrais, observa-sesua tendência à convergênciaao longo de horizontes de tempomais longos. O movimento dosratings soberanos é maisestável, mudando com menorintensidade, até por causa de

taxas médias de crescimento doPIB – apareceram com destaque.

Três implicações de políticase depreendem. Antes de tudo,o melhor antídoto contra apercepção de risco soberanoelevado e seu efeito sobre astaxas reais de juros domésticasconsiste na aquisição demelhores fundamentosmacroeconômicos pelaeconomia, o que denota aconsistência entre tais variáveise as classificações derisco soberano.

Em segundo lugar, cabe realçarque a influência das variáveismacroeconômicas sobre osratings se dá em nível doconjunto. Pouco adianta evoluirfavoravelmente em apenasum ou em poucos dentre osindicadores, já que a melhoraapenas parcial dos fundamentosmacroeconômicos tende agerar “retornos decrescentes”em termos de classificaçãode risco soberano.

Finalmente, uma palavra sobreo Brasil. Dada a distância emrelação ao “grau de investimento”em sua atual avaliação de riscosoberano, bem como o fato deque os estoques presentes nosindicadores fiscais deverãoapresentar melhora gradual aolongo dos próximos anos,qualquer projeto ambicioso deupgrading na classificação deriscos terá de conter avançostambém nos indicadores relativosà solvência externa, inclusiveo aumento da corrente decomércio e do denominadorda razão entre a dívida externae as receitas correntes nobalanço de pagamentos.

sua perspectiva de longo prazo,ao contrário dos spreadsflutuantes de mercado.

É também fato que há umainteração pró-cíclica e auto-reforçadora entre ratings eprêmios, na medida em quealterações nos primeirosfreqüentemente exacerbamdireções nos segundos, bemcomo que, em situações deestresse, as implicações deelevações agudas nos prêmiosde risco também podem serincorporadas à classificaçãode riscos de crédito. Contudo,além de ser inegável a menorvolatilidade de ratings, verifica-seser possível rastrear algunsdeterminantes macroeconômicosmais estruturais que explicam,em largos períodos, tanto asmudanças significativas naclassificação de risco soberanodos países, quanto, em últimainstância, os patamares deprêmios de risco-país.

Com base no exame dosprocessos classificatórios ede documentos divulgados pelastrês maiores agências privadasinternacionais de rating,destacamos – e testamos comêxito – o peso de certo conjuntode indicadores macroeconômicosna explicação das alteraçõesamplas de classe de riscosoberano de economiasemergentes. Variáveis dealteração mais lenta e queinfluenciam a dinâmica desustentabilidade da dívida públicae da dívida externa – estoque dadívida pública vis-à-vis fluxos dePIB, estoque de dívida externavis-à-vis receitas correntes dedivisas, corrente de comércioexterior vis-à-vis fluxos de PIB e

estatisticamente significativo noR² ajustado das regressões quetêm como variável dependente asclassificações da S&P e da Fitch.Este aumento é especialmentemais expressivo no caso da S&P,o que sugere que esta atribuimaior peso ao grau de aberturaem relação às demais agências.

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