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ICS Rodrigo Rosa Manuel Graça Dias Egas José Vieira Aldeia da Estrela Sociologia e Arquitectura ao Serviço de uma População

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A Aldeia da Estrela encontra-se entre os povoados alentejanoscujas condições de vida sofreram alterações profundas após oenchimento da barragem de Alqueva. Encerradas as comportas, aágua veio cobrir grande parte da terra arável e cercou esta aldeia,reduzindo-a a uma pequena península. Contribuir para atenuar osefeitos sociais da implantação da barragem foi o desafio lançadoaos arquitectos responsáveis pelo Plano de Pormenor da Aldeiada Estrela. Projectar uma outra organização do aglomerado exigia,porém, conhecer a vida na Estrela, bem como identificar asnecessidades e as expectativas face ao futuro de uma populaçãoamplamente despojada das fontes de rendimento queasseguravam a sua subsistência. Reconhecendo as virtualidades daarticulação entre competências sociológicas e arquitectónicas, osautores deste livro procuraram derrubar os obstáculos que acrescente especialização de saberes ergue ao conhecimentointerdisciplinar, elaborando uma proposta de reconfiguração daEstrela capaz de traduzir a relação que os seus habitantesestabelecem com o espaço. A fundamentação dessa propostaconstituiu, justamente, o objectivo da investigação sociológica edo estudo para o plano de pormenor apresentados no livro.

Capa: Plano de pormenor da Aldeia da Estrela (implantação)

UID/SOC/50013/2013

Rodrigo Rosa é doutorado emSociologia (ISCTE-IUL, 2009) einvestigador do ICS-UL. É professorauxiliar convidado do DA/UAL. Temrealizado investigação quer no âmbitoda sociologia urbana, quer no âmbitoda sociologia da família e do género.Em 2004 foi responsável peloInquérito Sociológico à População daAldeia da Estrela.

Manuel Graça Dias, arquitecto(ESBAL, 1977), é professor auxiliar daFAUP, onde concluíu o doutoramento(2009), e professor catedráticoconvidado do DA/UAL, que tambémdirigiu (2000-2004).

Egas José Vieira, arquitecto(FA/UTL,1985), foi professor auxiliarconvidado da ESTGAD, Caldas daRainha (1997-2001), sendoactualmente professor auxiliarconvidado do DA/UAL.

Autores do polémico estudo dereconversão urbana do Estaleiro daLisnave, em Almada, Manuel GraçaDias e Egas José Vieira ganharam oPrémio AICA/MC (arquitectura), em1999, pelo conjunto da obra que têmvindo a construir em comum, desdeo Pavilhão de Portugal em Sevilha(1992) ou a sede da Ordem dosArquitectos, em Lisboa (1994), aosmais recentes Museu da Oliveira e do Azeite, em Mirandela (2014) ouMuseu da Resistência e Liberdade(Aljube), em Lisboa (2015).

Outros títulos de interesse:

«Querem Fazer um Mar...»Ensaio sobre a Barragem de Alqueva e a Aldeia Submersa da Luz

Fabienne Wateau

Viver no Parque das NaçõesEspaços, Consumos e Identidades

Maria Assunção Gato

Criatividade e InstituiçõesNovos Desafios à Vida

dos Artistas e dos Profissionais

da Cultura

Vera BorgesPedro Costa(organizadores)

ICSwww.ics.ulisboa.pt/imprensa

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Rodrigo RosaManuel Graça Dias

Egas José Vieira

Aldeia da EstrelaSociologia e Arquitectura

ao Serviço de uma População

Apoio:

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Aldeia da Estrela

Sociologia e Arquitectura ao Serviço

de uma População

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Capa e concepção gráfica: João SeguradoRevisão: Levi Condinho

Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda. Depósito legal: 387591/151.ª edição: Março de 2015

Instituto de Ciências Sociais — Catalogação na PublicaçãoROSA, Rodrigo

Aldeia da Estrela : sociologia e arquitectura ao serviço de uma população / Rodrigo Rosa, Manuel Graça Dias, Egas José Vieira. -

Lisboa : ICS. Imprensa de Ciências Sociais, 2015. ISBN 978-972-671-349-4

CDU 316

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Índice

Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21Rodrigo Rosa, Manuel Graça Dias e Egas José Vieira

Um exercício de interdisciplinaridade ao serviço de uma população. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Rodrigo Rosa

Da certeza incerta que do acertar se acerca: retrato de um processo interdisciplinar . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Manuel Graça Dias e Egas José Vieira

As partes e as secções do livro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

Parte IInquérito sociológico à população da Estrela . . . . . . . . . . . . . . . . 41

Rodrigo RosaAspectos fundamentais de caracterização da aldeia. . . . . . . . . . . 46

Uma independência relativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 Desvalorização da terra e declínio populacional. . . . . . . . . . 49 Estratificação social, propriedade e emigração . . . . . . . . . . . 51 A família na Estrela: namoro, casamento e divisão sexual do trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

Identidade e pertença. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61Viver hoje na Estrela. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

Atitudes e expectativas face ao enchimento da barragem de Alqueva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

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A importância da água. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73Mobilidade e hábitos de consumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75Avaliação das necessidades da aldeia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79Síntese e recomendações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

Parte IIPlano de Pormenor da Aldeia da Estrela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

Manuel Graça Dias e Egas José VieiraPreâmbulo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89Enquadramento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

Objectivos gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92Avaliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93Estrutura da propriedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98Levantamento urbanístico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

Proposta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99Descrição geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100Praça da Estrela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103Largo da Igreja . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104Praça do Sol ou dos Ofícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107Ancoradouro de pesca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109Ancoradouro de recreio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110Ancoradouro de emergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111Recinto de touradas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111Promontório das pousadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112Memorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114Promontório das piscinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115Pontão de pesca desportiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116Bar Pôr-do-Sol . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116Zona de expansão habitacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116Parque de Ronda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

Ficha técnica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125

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Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129Anexo 1 – Inquérito por questionário à população

da Aldeia da Estrela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129Anexo 2 – Principais números do plano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147

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Índice dos quadros, gráfico e figuras

Quadros

1.1 Ano de nascimento dos entrevistados............................................... 501.2 População da Aldeia da Estrela entre 1911 e 2001 .......................... 501.3 Local de habitação dos filhos dos casais entrevistados com filhos 511.4 Escolaridade do filho mais escolarizado do casal ............................ 511.5 Escolaridade segundo o ano de nascimento..................................... 521.6 Activos e reformados segundo o grupo socioeconómico ............... 531.7 Condição perante a actividade económica....................................... 541.8 Propriedade actual segundo a propriedade alagada ......................... 541.9 Situação na profissão principal .......................................................... 551.10 Dimensão da propriedade dos agregados ........................................ 571.11 Circunstâncias em que os cônjuges se conheceram ........................ 571.12 Formalização da união conjugal........................................................ 581.13 Alojamento no início da vida conjugal............................................. 581.14 Norma de divisão sexual do trabalho................................................ 601.15 Divisão do trabalho doméstico e do poder no casal ....................... 601.16 Atitude face ao divórcio ..................................................................... 611.17 Religião segundo o sexo ..................................................................... 621.18 Disponibilidade para exercer uma actividade profissional ligada ao turismo na Estrela .......................................................................... 721.19 Frequência com que os habitantes se ausentam da aldeia .............. 761.20 Meio de transporte utilizado para sair da aldeia .............................. 761.21 Motivos que levam os habitantes a sair da Estrela........................... 781.22 Local de aquisição dos diversos produtos......................................... 781.23 Avaliação que os habitantes fazem das necessidades da aldeia....... 82

Gráfico

1.1 Consequências do alagamento .......................................................... 85

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Figuras

1 A Aldeia da Estrela antes do enchimento total da albufeira, 2002 ...... 192 Uma das novas enseadas da Aldeia da Estrela, 2004............................. 193 O «Grande Lago» visto a partir do terraço de recreio da escola primária, 2004........................................................................... 274 Debandada turística, depois de um dia a experimentar as águas do Alqueva, 2004...................................................................................... 285 Alqueva Bar: a roulotte que teve de partir quando o pequeno outeiro sombreado se transformou numa ilha, 2004............................ 286 Primeira visita da equipa à aldeia, 2004.................................................. 307 «A aldeia estava agora vazia, recolhida, fechadas as casas que se mostravam ‘à venda’», 2004......................................................... 308 Alguns barcos de pesca atravessados nos recortes da fronteira nova, 2004 ................................................................................................. 309 Casas ao longo da rua principal da aldeia, 2004.................................... 3010 Primeiro esquema de ensaio de significação do território da Aldeia da Estrela, 2004........................................................................ 3311 Habitantes da Aldeia da Estrela, 2004 .................................................... 3712 Indecisão entre a pastorícia e a pesca, 2004 ........................................... 4013 Estrada nas cercanias da Aldeia da Estrela, 2004 ................................... 4214 Vista da aldeia sobre a lagoa de Alqueva. Aldeia da Estrela, 2004....... 4215 Preparando uma queimada. Aldeia da Estrela, 2004............................. 4316 Aldeãos jogando dominó no café, que é a sala de convívio dos homens. Aldeia da Estrela, 2004...................................................... 4717 Aldeãs em passeio ao entardecer. Aldeia da Estrela, 2004 .................... 4818 Conversando com António da Conceição Pereira. Aldeia da Estrela, 2004............................................................................................................ 4819 Localização da Aldeia da Estrela [marcação sobre extracto da planta de síntese do Plano de Ordenamento das Albufeiras do Alqueva e Pedrógão (POAAP)]............................................................................... 9020 Um dos novos promontórios da Aldeia da Estrela, 2004..................... 9021 Placa fixada no alçado de uma das casas da aldeia, 2004 .................... 9322 O novo vernáculo popular, 2004............................................................ 94

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23 Mais uma casa vazia à venda, 2004......................................................... 9424 «Múltiplos sinais exteriores que, aos nossos olhos ávidos de arquitectura ‘popular’, soam com agressividade», 2004 ................... 9525 O perfil quase estabilizado da rua principal da aldeia, 2004................ 9626 «Quintais desmazelados e pobres», 2004................................................ 9627 Divisão cadastral da aldeia, 2005............................................................. 9728 Ficha de Inquérito Arquitectónico do Plano: Parcela A33, 2005 ........ 9829 Ficha de Inquérito Arquitectónico do Plano: Parcela A36, 2005 ........ 9930 Plano de Pormenor da Aldeia da Estrela (esquisso de trabalho, 2005)... 10231 Praça da Estrela (troço da maqueta final, 2006)..................................... 10332 Largo da Igreja: situação actual, com marcação das propriedades a demolir, 2006 ......................................................................................... 10533 Largo da Igreja: proposta do plano, compreendendo a reedificação, 50 metros para nascente, das propriedades a demolir, 2006 ................ 10534 Largo da Igreja: situação actual, 2004 ..................................................... 10635 Uma das propriedades a demolir, de modo a «abrir» o novo Largo da Igreja, 2004 ................................................................................ 10636 Praça do Sol ou dos Ofícios (troço da maqueta final, 2006)................ 10837 Sugestão de forma para a confecção de bolachas «Estrela», 2006........ 10838 Ancoradouro de pesca (troço da maqueta final, 2006)......................... 10939 Ancoradouro de recreio (troço da maqueta final, 2006)....................... 11040 Recinto para touradas, anichado na enseada do embarcadouro de recreio (troço da maqueta final, 2006)............................................... 11141 Promontório das pousadas (troço da maqueta final, 2006).................. 11342 Promontório das pousadas (esquisso de trabalho, 2005)...................... 11343 O antigo cemitério, antes do enchimento completo da albufeira que o viria a cobrir, 2004 ......................................................................... 11444 O caminho que conduzirá ao Memorial, 2004..................................... 11545 Promontório das piscinas (troço da maqueta final, 2006) .................... 11546 As zonas de expansão habitacional ao longo dos promontórios mais salientes (troço da maqueta final, 2006) ........................................ 11847 Aldeia da Estrela (levantamento do existente, 2006)............................. 11948 Plano de Pormenor da Aldeia da Estrela (implantação, 2006) ............. 12049 Plano de Pormenor da Aldeia da Estrela (maqueta global, 2006)........ 122

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I futuri non realizzati sono solo rami del passato: rami secchi.Italo Calvino

«Changer la vie», «changer la société», cela ne veut rien dire s’il n’y a pas production d’un espace approprié.

Henri Lefebvre

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Agradecimentos

A vontade dos habitantes da Aldeia da Estrela em participar, intervire, deste modo, sentir-se implicados no processo de reconfiguração da al-deia e da sua envolvente traduziu-se no empenho em colaborar na reali-zação do trabalho de investigação sociológica, dando a conhecer as suasnecessidades e anseios, bem como as expectativas depositadas no futuroda aldeia e, designadamente, no desenvolvimento urbanístico que as pro-postas delineadas pelo Plano de Pormenor procuram orientar. Uma pa-lavra de gratidão é assim devida a todos os habitantes da Estrela, pelaamabilidade com que sempre acolheram a equipa e se dispuseram a co-laborar, proporcionando grande parte da matéria substantiva para a rea-lização do trabalho de investigação sociológica. Um agradecimento es-pecial a António da Conceição Pereira, cujo apoio foi essencial nocontacto com a comunidade, bem como à Associação de Moradores daEstrela, por ter disponibilizado à equipa um espaço de trabalho.

Uma palavra de apreço é também devida a todas as pessoas e institui-ções que contribuíram para a realização deste trabalho. A Manuel TelesGrilo (CRIA-FCSH/UNL) e a Túlia Marques (ICSP/UTL), o apoio notrabalho de campo e recolha de informação sobre a Aldeia da Estrela. A Catarina Lorga (CIES/ISCTE-IUL), a participação na análise dosdados do inquérito. A Karin Wall (ICS/UL), os importantes comentáriosno aprumo do questionário. A Humberto Nixon (EDIA), a disponibili-dade no fornecimento dos resultados do inquérito realizado para a Em-presa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva (EDIA) emmeados da década de 1990. Ao Instituto Nacional de Estatística (INE),a disponibilização dos dados referentes aos diversos recenseamentos dapopulação a nível do lugar.

Os nossos agradecimentos são, evidentemente, extensíveis a toda aequipa pluridisciplinar reunida para a elaboração do Plano de Pormenor,

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sem cuja concorrência este não poderia ter sido levado a efeito, não po-dendo deixar de ser realçado, ainda, o papel sempre positivo da Comissãode Acompanhamento nomeada pela Câmara Municipal de Moura ecoordenada pela Dra. Maria José Lufinha.

Uma última palavra de apreço é devida a Teresa Costa Pinto, pelas im-portantes sugestões na afinação do manuscrito, alertando para um con-junto de aspectos relativos à intervenção em espaços socialmente apro-priados e, contudo, resguardados de quem não é, por hábito, confrontadocom os desafios da interdisciplinaridade.

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Figura 1 – A Aldeia da Estrela antes do enchimento total da albufeira, 2002

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Figura 2 – Uma das novas enseadas da Aldeia da Estrela, 2004

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Rodrigo RosaManuel Graça DiasEgas José Vieira

IntroduçãoContribuir para definir e enquadrar o desenvolvimento urbanístico da

Aldeia da Estrela constituiu o principal objectivo do trabalho de investi-gação sociológica e do estudo para o Plano de Pormenor que deram ori-gem a este livro. Após a subida do nível das águas decorrente do fechodas comportas da barragem de Alqueva, em Fevereiro de 2002, o monteonde se encontra situada a Aldeia da Estrela assume hoje os contornosde uma pequena península nas margens da enorme lagoa. Ao Plano dePormenor da Aldeia da Estrela coube, então, delinear as propostas de re-configuração do espaço do aglomerado, orientando o seu crescimentourbanístico e anunciando os seus limites no sentido de dar resposta àsdiversas necessidades da população e, sobretudo, contribuir para resolveras tensões inerentes aos processos de apropriação e usos do solo. A na-tureza desta intervenção pressupunha, evidentemente, um estudo da vidana aldeia. Um inquérito sociológico foi então elaborado, com o principalobjectivo de efectuar um levantamento das condições e modos de vidados habitantes da Estrela, levantamento esse fundamental ao enquadra-mento e à compreensão da relação que esta população estabelece com oespaço, bem como das suas atitudes e expectativas face à recente trans-formação do cenário que a envolve. Pretendia-se assim que as propostasdelineadas pelo plano viessem dar respostas às necessidades que a subidado nível das águas após o fecho das comportas da barragem de Alquevaveio impor a esta população.

Para além da usual coexistência dos diferentes saberes técnicos envol-vidos em projectos desta natureza, o desafio que desde logo se impôsconsistiu na articulação de sensibilidades, competências e conhecimentosespecíficos da sociologia e da arquitectura, áreas cujo diálogo, teórico ouprático, persiste sobremodo aquém do apelo de diversos sociólogos e ar-quitectos no sentido da interdisciplinaridade. Com a exposição do tra-balho de investigação sociológica sobre a Aldeia da Estrela e do estudoinformado por esse trabalho tendo em vista a elaboração do Plano dePormenor, procura este livro contribuir para derrubar as barreiras que a

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crescente especialização de saberes ameaça erguer ao conhecimento in-terdisciplinar. Antes de expormos, porém, os resultados do estudo socio-lógico e apresentarmos o Plano de Pormenor entretanto elaborado, im-porta reflectir sobre as virtualidades da interdisciplinaridade e, sobretudo,revelar os contornos que o diálogo entre sociólogo e arquitectos assumiuno próprio processo de elaboração deste trabalho.

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Rodrigo Rosa

Um exercício de interdisciplinaridadeao serviço de uma população

As configurações espaciais detêm sobretudo o estatuto de fronteiranos contextos societais de alguma forma resguardados dos fenóme nosda mobilidade, da miscigenação e decorrente hibridização das identi -dades (Appadurai 1996). Reduzidas, nesses contextos, as barreiras queestão destinadas a localizar no espaço os quadros da interacção social, aseparar os tipos de actividade ou a segregar indivíduos, grupos e institui-ções, as configurações espaciais radicam numa concepção dicotómica doreal que opõe exterior e interior, público e privado, profissional e domés-tico, rural e urbano. Ora, é particularmente desafiante o papel social daarquitectura numa era em que a definição das configurações espaciaisnão se prende apenas com a elevação de fronteiras entre os diversos agen-tes e interacções caracterizantes da vida em sociedade.

Afirmar que as configurações espaciais não podem ser simplesmenteperspectivadas enquanto fronteiras erigidas em função de estratégias so-ciais de segregação não equivale, contudo, a subestimar os condiciona-lismos do próprio espaço. De facto, há sempre condicionalismos mate-riais que se impõem aos usos e apropriações do espaço. Pelo contrário,pretende-se com tal afirmação sublinhar a transformação e a complexi-ficação dos desafios que, crescentemente, se apresentam à arquitectura.Na verdade, em virtude da progressiva articulação entre estruturas e do-mínios sistémicos que transcendem a ordem da interacção (Costa 1999),bem como da progressiva desmaterialização das situações de co--presença,1 as configurações espaciais revestem-se hoje de acrescidas com-plexidades enquanto elementos de organização do espaço, podendotanto ser investidas do estatuto de fronteiras que proporcionam o fecha-

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1 A desmaterialização das situações de co-presença resulta da compressão espaço-tempooriginada pelo desenvolvimento das tecnologias de transporte e comunicação (Giddens,1992 [1989]).

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mento, quanto constituir limiares que propiciam a comunicação (Shields1991). Torna-se claramente mais exigente, portanto, um diagnóstico docontributo das configurações espaciais na estruturação das sociedades,estruturação essa de que elas próprias, afinal, são expressão.

É certo que, entre essa organização do espaço e o modo como se es-trutura uma sociedade, são improváveis os nexos de causalidade directa,mas a elaboração das configurações espaciais – e, em particular, o seucontributo na transformação do património construído – não é, certa-mente, alheia aos processos sociais que a enredam. Já esses processos setraduzem em relações de resistência e conflito perante a materializaçãoformal que, nas suas componentes funcionais e simbólicas, constitui fre-quentemente o claro sintoma do esforço no sentido de uma representaçãodo espaço, ou seja, da imposição de uma planificação resultante de umaideologia dominante e, portanto, indiferente à sua apropriação quoti-diana e respectivos processos culturais que o definem enquanto espaço derepresentação (Lefebvre 2000). As cumplicidades entre o exercício de or-ganização do espaço e a estruturação da sociedade obrigam, em suma, arejeitar a ideia de que a própria arquitectura e o planeamento urbanísticooperam algures entre o papel, a maqueta e o vazio social.

Confrontados com o desafio da interdisciplinaridade, sociólogo e ar-quitecto são impelidos a dialogar, concedendo reciprocamente aos dife-rentes conhecimentos, competências e sensibilidades o papel de clarifi-cação e reformulação das propostas delineadas no decurso de umtrabalho partilhado, sem que esta reciprocidade seja alheia à divisão ele-mentar de tarefas assente nessa diferença. Assim, o sociólogo ausculta osprocessos que evidenciam as referidas cumplicidades a nível do lugar deobservação, necessariamente delimitado, tendo em vista o aprumo deum escrutínio dos efeitos sociais que decorrem das soluções esboçadaspelo arquitecto. Já a este caberá uma compreensão que, embora num pri-meiro momento impressionista, procurará, depois de sociologicamenteinformada, o encontro de soluções que confirmem a sua justeza propo-sitiva dentro do quadro detectado pela análise. E, no caso do exercíciointerdisciplinar apresentado neste livro, em primeiro lugar, uma leiturado sítio, do território – que contém a aldeia e onde a aldeia se contém –e, ainda, de tudo para que o edificado e o espaço físico apontam, face àprocura das principais linhas de crescimento e desenvolvimento do po-voado. Em segundo lugar, a leitura que a sociologia forneceu dos desejosmais profundos da população, das recorrências, das faltas pressentidas,das sugestões de quem habita hoje a aldeia e imagina a construção de um futuro melhor. Por fim, a própria intuição do arquitecto, ajustada ao

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programa entretanto esquematizado, procurando prever, não só a loca-lização mais apropriada às várias hipóteses em jogo, mas, sobretudo, amelhor disposição, face à análise espacial estabelecida a partir do territó-rio construído existente.

O exercício de interdisciplinaridade pressupõe, com efeito, a influênciarecíproca entre disciplinas no sentido de uma real integração de perspec-tivas, disciplinas essas que, já se vê, não se circunscrevem às ciências so-ciais. Um primeiro exemplo de aplicação do conhecimento interdiscipli-nar entre a sociologia e a arquitectura foi, de facto, o estudo desenvolvidopor Nuno Portas sobre as preocupações sociais da habitação (2004), estudoesse que viria a dar origem à sua tese em Arquitectura. Ao expor um exem-plo de diálogo interdisciplinar, pretende este livro sobretudo corroboraro papel activo que a sociologia pode e deve assumir no exercício social-mente responsável da arquitectura. O diálogo interdisciplinar foi, na ver-dade, um critério decisivo no estudo e na elaboração do Plano de Porme-nor que a Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva(EDIA) confiou ao atelier Contemporânea Lda., no sentido de delimitare enquadrar o desenvolvimento urbanístico da Aldeia da Estrela (EDIA/Gestalqueva 2004). Em virtude do alagamento da terra arável, a Aldeia daEstrela confrontou-se com a drástica redução das possibilidades de acessoao seu principal meio de subsistência – a agricultura. Aos arquitectos co-locou-se então o desafio de elaborar um plano cujas propostas procuras-sem harmonizar de forma sustentável o parco património construído naaldeia, os modos de vida e expectativas face ao futuro da população resi-dente, a premente necessidade de repovoamento e as recentes transfor-mações a nível do sistema ecológico.

As soluções delineadas pelo plano deveriam não apenas adequar-se àescala da aldeia, mas também anunciar ainda as possibilidades do seucrescimento físico, tendo subjacente um compromisso entre a procuraturística e as oportunidades de adaptação de uma população a actividadesprofissionais sobretudo ligadas a este sector económico. O aproveita-mento das potencialidades turísticas da aldeia e envolvente foi, comefeito, considerado um eixo estratégico no projecto de desenvolvimentoda Estrela. Perante esta meta ambiciosa e delicada, revelou-se desde logoessencial auscultar uma população fortemente afectada pela subida donível das águas após o fecho da barragem de Alqueva por duas razõesfundamentais. Por um lado, um levantamento das suas condições devida – condições essas preexistentes ao alagamento da maior parte dasterras de cultivo – permitiria enquadrar objectivamente as carências e asexpectativas dos estrelenses; por outro lado, a realização de um inquérito

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sociológico poderia contribuir para estimular o envolvimento da comu-nidade no projecto de desenvolvimento a ser delineado no Plano de Por-menor. Com efeito, para o êxito deste projecto seria sempre fundamentalque a população da Estrela estivesse a par dos objectivos por ele traçados,reconhecendo os valores que se procura promover, valores de acolhi-mento face a visitantes e novos residentes – apelando à partilha das tra-dições e aos modos de vida locais –, mas também valores ambientais,consubstanciados numa redefinição do papel do agricultor – necessaria-mente exímio conhecedor da terra que trabalha – em «conservador danatureza» (Capucha 1996).

O trabalho de investigação sociológica levado a cabo proporcionou ainformação necessária para uma caracterização da vida na Estrela, per-mitindo um diagnóstico objectivo das implicações socioeconómicas doalagamento definitivo da terra arável. Foi precisamente este diagnósticoque constituiu a base do diálogo entre sociólogo e arquitectos no decursoda elaboração do Plano de Pormenor. No esforço de afinação das pro-postas delineadas pelo plano, pretendiam os arquitectos reunir os ele-mentos essenciais a uma interpretação sociologicamente fundamentadada relação que esta população estabelece com o espaço, relação essa nãoapenas manifesta nos elementos materiais que o compõem – ou seja, nopatrimónio construído, no traçado incerto e, dir-se-ia, espontâneo dasruas e vielas, na descontinuidade arquitectónica das casas de emigrantestemporária ou definitivamente regressados à aldeia, etc. –, mas tambémnos usos e apropriações da habitação, do espaço público e, em suma, daEstrela enquanto lugar impregnado de memória e dotado de sentido. Porsua vez, cabia ao sociólogo efectuar o levantamento e respectiva análiseda informação fundamental ao conhecimento objectivo das condiçõese modos de vida de quem habita na Estrela. Deveria igualmente contri-buir, partindo da sua experiência etnográfica, para a apreensão da aldeiaenquanto espaço que, ficando a dever ao modo como é apropriada a suaconfiguração, activa, no seu uso quotidiano, o conhecimento prático esensorial de quem o habita e percorre.

Resultante assim deste esforço colectivo de heuristicidade que carac-terizou o exercício interdisciplinar presente em cada etapa do processode elaboração do Plano de ormenor, a apreensão da Estrela enquantolugar cuja memória – enraizada nos recantos da aldeia em virtude da pró-pria configuração do espaço e respectiva metamorfose ao longo dotempo – acalenta a identidade local e denuncia a história e a estruturasocial de uma população, revelar-se-ia decisiva para definir o carácter dasfuturas intervenções da arquitectura, bem como os limites do cresci-

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Figura 3 – O «Grande Lago» visto a partir do terraço de recreio da escola primária, 2004

mento urbanístico da aldeia. O plano final decorre de um cruzamentoentre as espacialidades pressentidas no território e o desejo expresso pelapopulação, cruzamento esse a que se sobrepuseram as potencialidadescontidas no desenho, cujo objectivo último será antecipar-se às múltiplasvariantes da vida.

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Figura 5 – Alqueva Bar: a roulotte que teve de partir quando o pequeno outeiro sombreado se transformou numa ilha, 2004

Figura 4 – Debandada turística, depois de um dia a experimentar as águas do Alqueva, 2004

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Manuel Graça DiasEgas José Vieira

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Retrato de um processo interdisciplinar

Perante a proposta de elaborar um «plano» que criasse condições e de-finisse os limites para um desenvolvimento turístico «ligeiro» na Aldeiada Estrela, fomos desde logo confrontados com a geografia territorial ra-dicalmente nova a que aquele espaço comunitário tinha sido sujeito. O primeiro passo para enfrentar esse desafio seria visitarmos o lugar, so-zinhos, procurando que por ali fluísse a nossa intuição, o nosso registoacumulado da curiosidade das cidades, o nosso acervo de previsibilidadesde ligação e síntese que o treino, o conhecimento e o diálogo com outrasdisciplinas nos têm vindo a proporcionar, enquanto arquitectos.

Foi num domingo ou num sábado de Verão que, pela primeira vez,passeámos a pé pela pequenez do sítio. Captámos apenas duas fotogra-fias, que não nos cansámos depois de divulgar, pois revelavam a «pressão»turística que a água insólita, rodeando a antiga aldeia alcandorada, atraía.Enquanto assistíamos à debandada alheia, bebemos uma cerveja numaroulotte sob uma enorme azinheira na quase ilha solta que era uma terrasombreada e redonda já muito rodeada pela água.

Tornou-se para nós evidente que precisávamos de passar pelo menosum dia inteiro, um dia vulgar de semana, sem aquela presença «estran-geira», e na companhia da equipa que reuníramos para a elaboração doplano.

O dono da obra, a Câmara Municipal de Moura – através da EDIA,que nos contratou como parte das contrapartidas previamente negocia-das e assumidas –, havia estipulado apenas a necessidade de prever «pe-quenas» intervenções de apoio ao turismo que se adivinhava, evitandoque na sua quimera de El Dorado, as iniciativas turísticas exercessem umaviolência cega, tornando a nova pequena península irreconhecível.Temia-se, sobretudo, o que pudesse ser a violência da escala.

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A necessidade de trazer toda a equipa, sobretudo os engenheiros, sem-pre mais técnicos e práticos, prendia-se com a vontade de os sensibilizar,no enquadramento das suas especialidades – abastecimento de água, sa-neamento, alimentação eléctrica –, para os diversos pormenores que, emdiálogo, contribuiriam para pensar noutras soluções, noutros problemas,agudizando-lhes a atenção para a complexidade do tema que nos traziaàquele lugar. Prendia-se igualmente com a intenção de lhes emprestar àsensibilidade aquele suplemento de excepcionalidade que nós própriosleváramos dessa primeiríssima visita.

Precisávamos de os ter connosco; não na «obediência» cega ao que pu-dessem ir sendo as decisões dos arquitectos, mas numa verdadeira cola-boração investida da atenção recíproca. Colaboração que surgisse então,naturalmente, através de lembranças propositadas, empenhadas, envolvi-das, intencionais e capazes de acrescentar graus de justificação e razoabi-lidade a decisões que não se pretendiam aleatórias.

Figura 6 – Primeira visita da equipa à aldeia, 2004

Figura 7 – «A aldeia estava agoravazia, recolhida, fechadas as casasque se mostravam ‘à venda’», 2004

Figura 8 – Alguns barcos de pescaatravessados nos recortes da fronteira nova, 2004

Figura 9 – Casas ao longo da ruaprincipal da aldeia, 2004

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Entre os membros da equipa estaria, indubitavelmente, um jovem so-ciólogo recentemente admitido como professor do curso de licenciaturaem Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa, onde todos tra-balhávamos. Depressa o gelo se quebrara entre nós quando nos aperce-bemos do modo como tentava sensibilizar os novos candidatos a arqui-tectos, sem os massacrar, apenas lhes ajustando a capacidade de leiturado real com o apport das ciências sociais; longe da «ganga» decorada quea memória dos nossos cursos na antiga ESBAL (depois, FA/UTL) aindafantasmava...

O passeio, aldeia adentro, com toda a equipa a assistir ao dificilmentedescritível, ao invulgar de toda a água impressionante do Alqueva a acer-car-se do casario naquele final de Verão, irmanou o grupo de uma von-tade de entregar testemunhos novos, ali, onde outro modo de actuarteria necessariamente de nascer. As conversas informais eram mais entrenós, porque a aldeia estava agora vazia, recolhida, fechadas as casas quese mostravam «à venda». Apenas um ou outro vizinho atravessando olugar com «bons-dias» quase desconfiados – «o que quererão mais, estes,agora?» – e alguns homens à pesca nos recortes da fronteira nova.

Viemos encontrar um grupo maior no bar da Associação de Moradores,verdadeiro centro de encontro possível no final da manhã quente. Águas,cafés, cervejas, e a conversa foi surgindo solta, como se estivesse ali aprisio-nada, dentro do bar da Associação, há muito tempo. Emigrar, sair, diziamos antigos agricultores das encostas ou pescadores do Guadiana que nãocompreendiam – compreendiam, claro –, a estupefacção da rapidez da mu-dança; as águas ontem, lá em baixo, hoje acordadas em cima, inundado osterrenos, empapando os caminhos transversais, ocultando os talvegues.

«E os senhores o que vêm cá fazer?» «Um plano, para ver se isto muda, se se pode voltar a trabalhar aqui.»«Ah, isso já ninguém vai querer! Viver aqui; isto agora, só se for para

os turistas!» «Por isso é necessário fazer o plano. Havemos de voltar, para conver-

sarmos melhor, com mais calma, com todos, e perceber bem o que é quea maioria pensa...»

Saímos de novo para o sol da aldeia inóspita, de casas pobres afeiadascom o dinheiro dos subsídios e das expropriações dos terrenos agora de-baixo das águas; casas, apesar de tudo, alinhadas pelos ainda inteligíveistortuosos caminhos de ir e vir, pelos espigões entrando a água; quintaisrústicos e galinheiros, propriedades marcadas com pneus meio enterradosà volta. Voltámos, já tarde, ao «conforto» de Moura: um bom jantar elogo ali a discussão se iniciou.

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Dos sinais do estranho novo problema, cada «intuição» – umas maisdirigidas, as dos engenheiros, outras mais pânicas, as dos arquitectos, ado paisagista e a do sociólogo –, sentira mensagens próprias que, apro-priadamente, recordava deverem fazer-se afirmar. Excitante cacofonia dedesejos que se adiantavam, informados pelas suas múltiplas experiências,às decisões que tínhamos expressado (ao dono da obra) querer inquirirda população.1

Fez-se um «ponto de ordem» no meio da alegria. A arquitectura, comode costume (somos uma arte de síntese), definiria o quadro geral, onde de-pois as diversas especialidades se inseririam, tomando em linha de contamuito do que, com grande razoabilidade, tinha vindo a ser dito; mas,sobretudo, só depois de a «sociologia» entrar pelo terreno dentro, depoisde nos fazer chegar um qualquer primeiro relatório preliminar.

Nem sequer foi preciso um grande formalismo. O sociólogo, que for-mara uma pequena equipa, englobando uma estudante de Política Sociale um estudante de Antropologia, definiu os critérios do inquérito e, commuito tacto, foi repetidas vezes à aldeia até recuperar o maior númeropossível de vozes, das mais participativas às mais desconfiadas ou reco-lhidas. À noite telefonávamo-nos. A equipa já estava num restaurante ajantar ou a assistir aos noticiários televisivos num hotel de Moura.

Havia sempre novidades: «Sabiam que muitas mulheres referem ofacto de lavarem os tapetes, na Páscoa, lá em baixo, no rio, e que agora,com as interdições de não sujar as águas do Alqueva, não sabem ondeos poderão vir a lavar?»

Ou, noutro dia, «Já percebemos a questão em relação ao novo cemi-tério».2 «O problema não é o cemitério, até aceitaram, de um modo geral,o processo que envolveu a transladação; o problema é a capela mortuária!A nova capela mortuária fica dentro do recinto do cemitério; são todosmuito idosos e é-lhes difícil, nas noites de Inverno, galgar aquela estradatoda, a pé, para irem velar os seus familiares, parentes e amigos. Queriam

1 Os «processos participativos» não podem ser, nem acções populistas aparentementemoderadas por arquitectos desistentes ou sem vislumbre de desejo ou vontade, nem pas-sos burocráticos obrigatórios dados por «desfastio» para cumprir calendário e processos,driblando, pelo caminho, os destinatários com as opacidades das leis e as inevitabilidadesdos prazos. Para nós, sempre foi a nobre arte de ouvir e distinguir, de dialogar e perceber,de analisar e interpretar, em seguida, o que verdadeiramente se esconde sob as falas; pro-curar a resposta inteligente que absorva (contudo) o grosso dos desejos e das vontadesexpressas; procurando encontrar a qual quase certeza incerta que do acertar se acerca.

2 O novo cemitério à entrada alta da aldeia — o antigo situava-se na zona alagada —fora um processo complexo, ocorrido antes da adjudicação do plano, muito acompa-nhado por psicólogos, e que implicou a transladação dos corpos.

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que lhes abrissem a igreja para os velórios, mas o padre opõe-se... daí, arelutância para com o novo cemitério».

«Se arranjássemos, aqui na aldeia, perto da igreja, um espaço para umadiscreta capela mortuária, esse problema já não se colocava?», perguntá-mos. «Exactamente!», e o sociólogo entusiasmava-se perante a facilidadecom que o peso que trazia, parecia ver-se resolvido nos ecos que lhe re-tribuíamos.

Porque, afinal, trabalhávamos em paralelo. A nossa leitura, mais oumenos intuitiva, do sítio, das gentes, dos problemas, nas confirmaçõesou nas desarmantes surpresas que, quer o sociólogo quer os colaborado-res que com ele percorriam o terreno, completando os inquéritos, rela-tavam, tinham-nos, expressa ou informalmente, de tal modo motivado

Figura 10 – Primeiro esquema de ensaio de significação do território da Aldeia da Estrela, 2004

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que, quando o sociólogo nos visitou no atelier para a entrega de um pri-meiro provisório documento, ainda «em bruto», também nós tínhamos,«para a troca», uns desenhos esquemáticos que procuravam sintetizarglobalmente a informação que nos tinha sido a pouco e pouco transmi-tida.

«Há uma coisa muito curiosa que foi repetida por diversos entrevista-dos: havia necessidade de garantir espaços para venda de recordações eartesanato, que não deveriam, contudo, ficar logo à entrada da aldeia.Aperceberam-se da necessidade de não sobrecarregar aquele espaço comautomóveis, mas têm receio de que as pessoas de fora, os ‘turistas’, nemcheguem a ultrapassar a zona de chegada, mais então, se fizerem logo alimeia dúzia de compras. Como a estrada antiga termina, hoje, num im-passe à beira da água, sugerem um percurso que leve as pessoas a circularpor toda a aldeia e ninguém se quer sentir excluído desse movimentonovo...»

A proposta passou a incluir uma espécie de «marginal» ligeira e «pai-sagística» que, com origem na rua principal, herdada do caminho da cumeeira que atravessava o povoado, lhe garantiria, a partir daí, um sen-tido e uma «circularidade», bem como a obrigatoriedade de passar pelaextrema da aldeia; serviria, também, no enrolado simpático movimentosul pelos meandros da nova costa, de apoio às diferentes ocupações quecada pontão nos pareceria poder solicitar.

Este o verdadeiro entrosamento, o diálogo. O sociólogo, recordandoalguns dos temas mais recorrentes dos entrevistados, «Boa! Há um senhorque viveu na Suíça e que refere que gostaria de ter um passeio ‘marginal’ao longo desses pontões a sul, como em Genebra e em Zurique...»; nós,interpretando, nos limites da nossa disciplina, os modos, as soluções paraos englobar.

Mas estes diálogos não se verificaram apenas no cruzamento entre aarquitectura e a sociologia. Chamado à discussão, o paisagismo (a cargode João Gomes da Silva, que connosco também assina o plano), peranteo apontar por muitos entrevistados do desmazelo que representavam osquintais virados, agora a norte, à água («que bonito para quem andar debarco por ali!»), «inventou» os «muros transparentes». Os «muros trans-parentes» são uma espécie de «ovo de Colombo» que nos resolveu umdos problemas do plano. Por um lado, economicamente acessíveis, jáque não passarão de sobreposições de grelhas cerâmicas para caiar, com-porão mais disciplinadas traseiras por detrás do rendilhado que irão per-fazendo, não se compreendendo assim tanto os acrescentos, os desastra-dos galinheiros, a roupa a secar, os nabais abandonados; por outro lado,

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«transparentes», porque a visão, a partir de dentro dos quintais, conti-nuará alegrada pelo brilhar da água azul, atrás desses múltiplos quadradosou rectângulos vazados que construirão a malha miúda e serpenteantedos vários muros.

Dizem que «a juventude chega aqui e não encontra coisa nenhuma»,alertava-nos, noutra vez, o sociólogo. A juventude não encontrava nada anão ser o desperdício que seria o Verão, agora, com tanta água fresca emvolta da aldeia e a EDIA a proibir com veemência os banhos no Alqueva.Sugerimos, então, as piscinas; duas, relativamente pequenas. Uma, coberta,permitirá a moradores ou visitantes o conforto de um interior, no tempomais frio, mas a segunda, ao ar livre, quase mergulhada na água, fará pare-cer, a quem nadar, que o faz na albufeira que vê, larga, ao seu redor.

A partir das várias conversas e entrevistas, separámos também os ancora-douros: um será uma «marina», para barcos de recreio como solicitado na encomenda oficial; o outro, numa «baía» ao lado, será reservado a barcosde pesca, possibilitando o crescimento de uma actividade hoje pratica mentesó explorada por espanhóis, mais desligados do trauma da enchente.

O sociólogo, ao explicar-nos, a dado momento, que, na aldeia, «oshabitantes, ainda que confrontados com o abandono dos campos e como despovoamento», mantinham um forte vínculo de pertença, bem como«uma identidade local, produto da antiga condição generalizada de assa-lariados e dos laços de parentesco», e que, para além disso, se orgulhavamtambém da nova condição – um morador dissera-lhes, expressamente,«o problema não é a água, porque disso nós até gostamos; e a Estrelatem sido muito visitada; era uma terra que não tinha nome e agora temnome por todo o lado, até na internet» –, acabou por nos incentivar aavançar com a ideia da «Praça da Estrela».

A Praça da Estrela foi uma proposta que, desde o princípio, nos per-seguira sem que tivéssemos, até então, reunido argumentos que nos des-sem a certeza de não estarmos a desenhar apenas um capricho de arqui-tecto ou um gesto menos útil. A Praça da Estrela, à entrada, reproduzindona sua configuração física, vista de um ponto mais alto da estrada, quaseao chegar à aldeia, o desenho de uma estrela, e reunindo algumas das fun-ções cívicas requeridas pelo plano e pela vontade dos habitantes (postosda GNR e de turismo, sala de apoio comunitário, biblioteca), seria o pri-meiro momento de identificação e coincidência de uma nome que, seaté havia pouco «não existia», se veria agora reforçado e alegremente cra-vado no novo ponto de arranque pelas novas surpresas da aldeia.

Entre as «necessidades» mais referidas nas entrevistas, contava-se o pe-dido de um campo de futebol e de um recinto para a largada de touros. O pri-

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meiro contava com uma certa antipatia nossa, pela escala excessiva quesemelhante estrutura, ainda que mínima, poderia trazer àquele equilíbriotão ténue que procurávamos preservar; o segundo contava com umacerta oposição das entidades encomendadoras que não lhe adivinhavamo sentido, fora das festas anuais. Acabou por se resolver tudo a contento.O campo, desenhámo-lo para futebol de sete (45 x 25 m), numa plataformasimpática e arborizada, nas traseiras da «Pousada de Juventude», benefi-ciando de apoio logístico (balneários), no piso inferior do edifício e in-tegrando-se, paisagisticamente, entre muros de pedra que serão, também,bancadas informais. O recinto para as largadas de touros é apenas umdisco pétreo, cravado num dos pequenos «golfos» a sul, quase uma«praia» que alguns muros curvos de suporte e apoio depois sublinhamno recorte já existente da baía.

E será tanto um recinto de «touradas», como palco para concertos deVerão, como um largo eirado para bailes, como um sítio para onde se irsozinho ver o Sol desaparecer no lago e então chorar-se, no crepúsculo,a perda de alguém, ou para tudo aquilo que a imaginação da populaçãovier a descobrir aí poder fazer.

Uma invenção misturada, portanto. Uma invenção que partiu do queexistia para estabelecer o novo, o que pudesse vir responder à exigida trans-formação. Mas que não é ex-novo ou imposto, porque é parte do queexiste. E é uma invenção misturada que não tem só configuração física.São casas, palheiros, muros, cobertos, ruínas, troços de ruas, becos, es-tradas antigas, completadas com outros muros, outras casas agora novas,caminhos à beira de água, equipamentos necessários, pequenas praças,travessas, jardins, continuações e ligações, claro.

Mas são sobretudo pessoas; pessoas com desejos sobre aqueles espaços,pessoas com memórias daqueles espaços, pessoas com vontades paraaqueles espaços; pessoas que ouvimos e para quem projectamos espaçosa que possam vir fazer agarrar os desejos, as memórias, as vontades. Pes-soas para quem projectamos espaços a que possam vir fazer agarrar avida.

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Figura 11 – Habitantes da Aldeia da Estrela, 2004

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As partes e as secções do livroO presente livro está organizado em duas partes. A Parte I, da autoria

de Rodrigo Rosa (sociólogo), expõe o trabalho de investigação sociológicasobre a população da Aldeia da Estrela, contemplando as duas primeirassecções. Na primeira secção (Aspectos fundamentais de caracterização daaldeia), são abordados alguns aspectos cruciais para uma caracterizaçãodo povoado, procedendo-se à identificação dos equipamentos colectivos,à observação da evolução populacional e do perfil social dos inquiridos,à análise de alguns dos indicadores mais significativos da vida familiar e,enfim, a uma reflexão sobre o forte sentimento de identidade que distin-gue a comunidade. Uma abordagem do quotidiano da Aldeia da Estrelaapós o fecho das comportas da barragem de Alqueva abre a segunda sec-ção (Viver hoje na Estrela). Tem, de seguida, lugar uma análise das expec-tativas e atitudes da população face ao enchimento da barragem – pro -curando-se designadamente avaliar os significados que a água da lagoaassume –, bem como a auscultação das necessidades primordiais na pers-pectiva dos inquiridos. No desfecho da secção, é elaborada uma síntese eapresentado um conjunto de recomendações devidamente sustentadaspelos resultados do inquérito, recomendações essas respeitantes, ora auma configuração do espaço envolvente e afecto à aldeia, ora aos equipa-mentos colectivos dignos de serem contemplados no Plano de Pormenor.

A Parte II, da autoria de Manuel Graça Dias e Egas José Vieira (arqui-tectos), dá conta do resultado do estudo, apresentando uma síntese doPlano de Pormenor elaborado para a Aldeia da Estrela, síntese essa queengloba uma leitura de enquadramento e a proposta, propriamente dita,explicitadas através de texto, esquissos, fotografias do lugar e da maquetafinal, para além de algumas peças desenhadas.

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Figura 12 – Indecisão entre a pastorícia e a pesca, 2004

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Rodrigo Rosa

Parte I

Inquérito sociológico à população da Estrela

Um espelho recortado entre montes parcialmente submersos é a ima-gem da lagoa imensa que define a paisagem e surpreende o percurso docaminho – desvio da estrada entre Reguengos de Monsaraz e a vila deMoura – rumo à Aldeia da Estrela.

Após o encerramento das comportas da barragem de Alqueva, o vastoalagamento da terra arável veio afectar de forma considerável a Estrela,aldeia hoje situada nas margens dessa lagoa com uma superfície de 250 km2 e um perímetro de 1100 km que a subida do nível das águasoriginou. Ao contrário da antiga aldeia da Luz, a Estrela escapou à sub-mersão, apesar de os estrelenses terem igualmente testemunhado o ala-gamento total do seu cemitério e, portanto, todo o doloroso processode transladação dos corpos dos seus antepassados para uma nova infra--estrutura às portas do povoado.

Por não ter sido alagada a aldeia, nunca se lhe colocou a alternativade reconstrução fora das margens da lagoa de Alqueva. Contudo, a si-tuação de proximidade com a água constitui um aspecto claramente per-turbador para as populações desta região do interior alentejano, tal comoo demonstra a própria preferência dos habitantes da Luz pela construçãode uma nova aldeia face à hipótese inicial de construção de diques, quepermitiriam manter a velha aldeia no mesmo local. São, aliás, os própriosluzenses a lamentar a situação da Estrela, hoje quase totalmente cercadapela água da lagoa (Saraiva 2003).

No percurso do único acesso que permite a entrada na Aldeia da Es-trela insinua-se mais profundamente essa extensa e radical transformaçãodo espaço e da paisagem que, desde logo, suscita interrogações. Que fu-turo fica reservado à população da Aldeia da Estrela se o monte cercadode terra arável que viu nascer o povoado deu lugar a uma pequena pe-

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nínsula nas margens da lagoa de Alqueva? Que significado atribuem oshabitantes desta aldeia à água que apagou o campo da paisagem? Querelações identitárias estabelecem com um espaço de tal forma alterado?São interrogações tanto mais plausíveis quanto a esta transformação da

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Figura 13 – Estrada nas cercanias da Aldeia da Estrela, 2004

Figura 14 – Vista da aldeia sobre a lagoa de Alqueva. Aldeia da Estrela, 2004

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paisagem acresce o conhecido declínio da sociedade camponesa e, por-tanto, a perda progressiva de controlo da comunidade local sobre a suaprópria economia, ambos sintomas dos problemas socioeconómicos deuma região – votada, como tantas outras, ao isolamento e ao abandonodos campos – em que a própria Estrela se insere.

Os problemas sociais e económicos que, nas últimas décadas, têm afec-tado particularmente as zonas rurais mais isoladas não podem, na verdade,ser dissociados dos processos de produção e reconfiguração do espaçoque caracterizam a dinâmica das sociedades capitalistas contemporâneas(Harvey 2001). Se a reestruturação geográfica da actividade económica éhoje um factor determinante da globalização,1 ainda num passado recenteera o próprio funcionamento das economias nacionais decisivo nos pro-cessos migratórios, concentrando indústrias e serviços nos grandes centrosurbanos, transformando a agricultura no sentido da mecanização e damonocultura com objectivos de mercado e, em suma, originando a de-pendência económica das populações do campo. Dessa dependência sãosuficientemente elucidativos o declínio da agricultura tradicional e o as-salariamento agrícola, bem como as diversas estratégias de pluriactividade

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1 Sobretudo as nações dos países ocidentais são crescentemente confrontadas com aameaça do desmantelamento e da deslocalização dos seus tecidos industriais para paísesque proporcionam mais baixos custos de produção.

Figura 15 – Preparando uma queimada. Aldeia da Estrela, 2004

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das famílias no campo e o êxodo rural (Sobral 1999a; Wall 1998; Almeida1998 [1993]; Almeida 1999 [1986]; Pinto 1985). A este cenário de depen-dência económica à qual as condições de vida na Estrela não são, eviden-temente, alheias – tal como demonstra o progressivo despovoamento daaldeia – acresce hoje o desafio resultante do alagamento da terra arável.Importa sublinhar que, para o povoado, esta foi a consequência inevitáveldo fecho das comportas daquela que é a maior barragem da Europa. A construção da barragem de Alqueva constitui uma componente centralnuma obra de vasta envergadura – o Empreendimento de Fins Múltiplosde Alqueva – que, para além da produção de energia hidroeléctrica e doregular abastecimento de água às populações, conta entre os seus princi-pais objectivos, precisamente, o combate ao despovoamento desta regiãorural recuada através da dinamização dos diversos sectores de actividade,entre os quais se destaca o turismo.

Ora, o Plano de Pormenor da Aldeia da Estrela veio enquadrar-se nosobjectivos de valorização dos recursos e redução das implicações sociaise económicas dessa súbita proximidade da água decorrente do fecho dascomportas da barragem. À execução do plano colocou-se o desafio deorientar o desenvolvimento urbanístico futuro desta aldeia hoje cercadapor uma mega-albufeira, desafio esse ao qual não é obviamente alheiauma responsabilidade social, ou não tivesse a concretização desta propostaimplicações seja nas condições e modos de vida dos habitantes da Estrela,seja na própria revitalização da comunidade aldeã. Tendo presente essaresponsabilidade social, considerou-se de importância decisiva acrescentara sociologia à diversidade de especialidades vulgarmente implicadas naexecução de um plano de pormenor (arquitectura, engenharia, paisa-gismo, desenho urbano). Um inquérito sociológico à população da Estrelafoi então elaborado com o principal objectivo de fazer o levantamentodas condições e modos de vida dos habitantes, levantamento esse funda-mental ao enquadramento e à compreensão das suas atitudes e expectati-vas face à recente transformação do cenário que circunda a aldeia. Pre-tendia-se assim que as soluções delineadas viessem ao encontro dasdiversas necessidades impostas pelo enchimento da barragem de Alquevaa esta população, contribuindo particularmente para atenuar as tensões aque os processos de (re)apropriação do espaço aldeão estão sujeitos.

A informação relevante foi captada através de um inquérito por ques-tionário aplicado aos habitantes da Estrela. Foram inquiridos 24 homense 34 mulheres, perfazendo um total de 58 indivíduos. A par da aplicaçãodo questionário, os inquiridos foram também solicitados para uma en-trevista, que teve por objectivo o esclarecimento e o aprofundamento de

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algumas questões dificilmente captáveis através da exclusiva aplicaçãodo questionário. A duração das entrevistas foi, contudo, muito variável,entre 30 e 120 minutos. Por outro lado, foram decisivas as reuniões in-formais com informantes privilegiados, sobretudo para captar alguns as-pectos da história da aldeia e dos percursos dos seus habitantes. O pe-ríodo de recolha de dados decorreu entre Outubro e Dezembro de 2004.Embora o nosso objectivo fosse, à partida, aplicar os questionários à to-talidade da população presente, o inquérito a todos os habitantes tor-nou-se impraticável em virtude, quer da inacessibilidade da populaçãoemigrada e apenas temporariamente residente na Estrela, quer da recusados demais em responder ao inquérito. A amostra reunida contempla,ainda assim, mais de metade da população.2 A grande maioria dos in-quiridos é casada, contando-se somente nove pessoas solteiras, duas di-vorciadas e uma viúva. Mesmo que nem sempre tenha sido possível en-trevistar os dois cônjuges, recolheu-se a informação necessária a umacaracterização de trinta e um casais, com ou sem filhos.

Para os habitantes da Aldeia da Estrela, o fecho das comportas da bar-ragem de Alqueva teve duas consequências imediatas. Por um lado, tra-duziu-se no alagamento da maior parte das terras de cultivo que pos-suíam ou arrendavam. Por outro lado, veio impor a esta população umcontacto inédito com a água. Com efeito, quinze das trinta e uma famí-lias entrevistadas possuíam ou arrendavam terras entretanto alagadas. Nototal, a dimensão de terra submersa que era propriedade dos habitantesinquiridos ronda os 140 ha. Já mais de 300 ha de terra alagada estavamarrendados a três famílias inquiridas. À excepção de dois casos, em quea área submersa é inferior ao restante da propriedade,3 a dimensão daterra alagada é, grosso modo, bastante superior à área de terra que as famí-lias actualmente possuem. Duas famílias sem propriedade arável e cujasubsistência dependia do cultivo de terra arrendada hoje totalmente sub-mersa, e uma outra família à qual resta apenas 1 dos 40 ha de terra quepossuía antes da subida do nível das águas, constituem as situações maisdramáticas. Que consequências advêm desta drástica mudança na vidada população da Estrela? Como vêem os habitantes da aldeia esta trans-formação com profundas implicações nas suas condições de vida? Num

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2 De acordo com o recenseamento de 2001 (INE), a população residente na Estrelaera de 119 indivíduos. Já em 2004, data de realização do inquérito, a população rondavaos 100 indivíduos, de acordo com a informação obtida junto dos habitantes.

3 Um casal proprietário de 10,5 ha de terra possuía 3,5 ha de terra alagada; outro casal,hoje proprietário de 29 ha, arrendava 130 ha de terra alagada.

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cenário de tal modo alterado, quais as suas expectativas face ao futuro?São questões cujas respostas exigem um enquadramento só devidamenterealizado através de uma caracterização social e de uma análise aprofun-dada das condições, dos percursos, experiências e modos de vida da po-pulação desta aldeia.

Aspectos fundamentais de caracterização da aldeia

A compreensão das implicações do fecho das comportas da barragemde Alqueva obriga necessariamente à auscultação das condições e modosde vida que, pese embora a subida do nível das águas, constituem aindaos aspectos fundamentais de caracterização da Aldeia da Estrela. Comefeito, uma agricultura de subsistência é praticamente o que resta a estepovoado situado numa região rural onde o tecido produtivo apresentaclaras desvantagens económicas face a outras áreas mais próximas doscentros urbanos. O declínio demográfico, o progressivo isolamento geo-gráfico e o subdesenvolvimento que caracterizam a região têm, como sesabe, na sua origem o apelo das zonas urbanas, lugar por excelência deexpansão da indústria e dos serviços. Nesta aldeia que testemunhou a re-cente e drástica redução das possibilidades de trabalhar a terra, as opor-tunidades de emprego na indústria sempre apelaram ao abandono doscampos. Sem perspectivas de trabalho, pois são praticamente inexistentesas actividades terciárias, os jovens que restam na Estrela delineiam pro-cessos migratórios. Por sua vez, os emigrantes que retornam, fazem-nounicamente com o objectivo de gozar a reforma. A esta clara ausênciade dinamismo económico de um povoado que há muito perdeu o esta-tuto de freguesia acrescem carências marcantes a nível das infra-estruturas,designadamente a nível dos equipamentos colectivos e da rede de trans-portes. Todavia, porventura à semelhança de tantas outras nesta regiãodo país, esta é uma aldeia cujos habitantes, mesmo que confrontadoscom o abandono dos campos e o despovoamento, ou talvez por essarazão, ostentam um forte vínculo ao colectivo de pertença e uma iden-tidade local compósita, produto da partilha generalizada de uma condi-ção assalariada, de laços de parentesco e de uma relação com o divinofeita de compromissos entre práticas pagãs e crença religiosa. É sobre esteconjunto de aspectos culturais e sociais da Estrela que a presente secçãose debruça.

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Uma independência relativa

Termo da freguesia da Póvoa de São Miguel, a Aldeia da Estrela per-tence ao concelho de Moura, distrito de Beja. Tem cemitério, igreja,4 es-cola primária e associação de moradores, onde encontramos um dos cafésda aldeia e a sala de convívio dos homens e de reuniões.

Próximo da associação, o posto de saúde é visitado semanalmente porum médico. É também aí que os habitantes podem encomendar medi-camentos. Há ainda uma padaria e outro café, com sala para refeições,do outro lado da rua. O comércio, por sua vez, não abunda no povoado,pois o consumo da população não é sequer suficiente para o sustentodas duas mercearias, hoje ameaçadas pelas incursões dos habitantes aoshipermercados de Moura ou Beja.

O uso do automóvel diminuiu as distâncias e alterou, assim, os hábitosde consumo de grande parte da comunidade. A uma das mercearias cabeainda o serviço postal. Aí se entrega e se recebe correspondência. Os ha-bitantes da aldeia que não possuem automóvel próprio podem contarcom um táxi sempre que necessitam de sair da aldeia fora do horário do

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4 A construção da igreja matriz da Estrela data do século XVII, embora se desconheçauma data precisa.

Figura 16 – Aldeãos jogando dominó no café, que é a sala de convívio dos homens. Aldeia da Estrela, 2004

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autocarro, que pára na Estrela unicamente durante o período escolar, nohorário de ida e regresso das aulas.

Este conjunto de serviços e equipamentos colectivos proporciona àvida quotidiana na Estrela alguma independência face ao exterior. Porém,

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Figura 17 – Aldeãs em passeio ao entardecer. Aldeia da Estrela, 2004

Figura 18 – Conversando com António da Conceição Pereira. Aldeia da Estrela, 2004

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esta é uma independência relativa, já que todos os assuntos burocráticos,necessidades relacionadas com a saúde, bem como o acesso à maior partedos bens de consumo, estão situados fora da aldeia, nomeadamente emMoura, onde se concentram os diversos organismos administrativos, osbancos, a câmara municipal, a escola secundária, o hospital, o hipermer-cado, as lojas de vestuário, a repartição de Finanças, etc.

Desvalorização da terra e declínio populacional

A dependência face ao exterior tem obviamente na sua origem o pro-gressivo despovoamento da aldeia. A Estrela conta actualmente compouco mais de cem habitantes, sendo que parte da população ou estáemigrada ou passa temporadas, mais ou menos prolongadas, fora da al-deia. Trata-se de uma população envelhecida, como se observa na estru-tura etária da amostra (quadro 1.1). Com efeito, enquanto menos de umquarto dos habitantes nasceu depois de 1960, a data de nascimento demais de um terço é anterior a 1940, estando estes últimos praticamentetodos na reforma.

A escola primária é unicamente frequentada por dois alunos, um fla-grante sintoma do gradual despovoamento da aldeia. Um entrevistadocom apenas dezoito anos de idade recorda: «no meu tempo, estavam láquinze». Ao longo dos anos, a população da aldeia tem flutuado bastante,mas entrou em franco declínio nas décadas mais recentes. De acordocom o Dicionário Geográfico de 1758, habitavam na então freguesia daNossa Senhora da Estrella mais de duzentos indivíduos. Entre o recensea-mento de 1911 e o de 1960, elevou-se o número de habitantes, evoluçãoà qual não terá sido alheio o crescimento generalizado da população por-tuguesa (quadro 1.2).5 Já em 2001, o número de residentes na Aldeia daEstrela constituía, no entanto, pouco mais de um terço da população re-censeada em 1960. Este decréscimo progressivo da população aldeã queos censos posteriores a 1960 evidenciam denuncia um processo de des-povoamento consideravelmente mais amplo, que tem na sua origem oabandono do trabalho agrícola resultante da possibilidade de emigração– sobretudo para França, Suíça e Alemanha – ou de migração para des-tinos como a Área Metropolitana de Lisboa, apelativa devido à oferta deemprego na indústria e no sector dos serviços.

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5 Os dados a nível do lugar, resultantes dos recenseamentos de 1911, 1940, 1960, 1970,1981, 1991 e 2001 foram cedidos pelo Instituto Nacional de Estatística.

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É já conhecida a relação entre a decadência do sector agrícola e a pro-gressiva desvalorização da terra nesta região, bem como conhecidas sãoas dificuldades a que a aridez da terra e um clima de Verões secos e quentese Invernos frios sujeitam povoações alentejanas como a Estrela (Cutileiro2004 [1971]). A estas dificuldades acresce a imprevisibilidade das condi-ções climatéricas, permitindo frequentemente apenas o cultivo de algunscereais – a cevada, o centeio, mas sobretudo o trigo –, da azeitona, da bo-lota, ou a criação de gado lanígero, suíno, caprino e bovino, que constituisobretudo um complemento da economia doméstica.

Para o declínio populacional da aldeia foram determinantes a desva-lorização da terra e, sobretudo, a dureza imposta pelas condições de vidano campo a uma população que, assim, cedeu ao apelo da emigração nadécada de 1960. Com efeito, mais de metade dos casais entrevistados(16) optou por emigrar para países como a Suíça, a França, a Alemanhaou a Holanda em busca de empregos que proporcionavam a estabilidadee a remuneração intangíveis a quem vivia apenas da agricultura e da pe-cuária. A emigração que a Aldeia da Estrela conheceu nas décadas de 60e 70 deu mais recentemente lugar às migrações internas, um comporta-mento demográfico que acompanhou o da população portuguesa emgeral (Ferrão 1996). Cerca de um terço dos casais entrevistados tem filhosa residir e a trabalhar em aldeias, vilas ou cidades alentejanas (Amareleja,Granja, Mourão, Moura ou Évora), e só entre as famílias que emigraramencontramos alguns casais com filhos emigrantes (quadro 1.3).

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Quadro 1.1 – Ano de nascimento dos entrevistados (N)

Antes de 1940 20 Entre 1940 e 1960 24 Depois de 1960 14

Total 58

Quadro 1.2 – População da Aldeia da Estrela entre 1911 e 2001

Ano do censo População*

1911 187 1940 268 1960 319 1970 154 1981 160 1991 126 2001 119

* Todos os valores são referentes à população residente, à excepção dos anos de 1911 e 1940, cujorespectivo valor se refere à população presente.

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Quanto aos casais ex-emigrantes com filhos emigrantes, será difícilavaliar se estes virão no futuro também a instalar-se na aldeia. Com efeito,estes emigrantes de segunda geração são, grosso modo, mais escolarizadosque os seus pais (quadro 1.4), e estão casados com cidadãos dos paísesde destino, onde exercem a sua actividade profissional.

O retorno dos emigrantes de segunda geração é, de facto, improvável,se recordarmos que, ao contrário dos seus progenitores, o sentimento depertença dirige-se sobretudo ao país de destino, que os acolheu desde ainfância ou mesmo o nascimento, reduzindo-se portanto as recordaçõesque guardam da Estrela aos períodos de férias e à participação anual nafesta da aldeia, pese embora esta repetição ritualizada que evoca o pas-sado aldeão funcione como memória (Connerton 1993 [1989]).

Estratificação social, propriedade e emigração

Uma maior frequência da escola, nomeadamente do ensino primário,proporcionou as condições necessárias para alguns habitantes se empre-

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Quadro 1.3 – Local de habitação dos filhos dos casais entrevistados com filhos (N)

Casal Reside Reside Reside na Reside

Total noutro país na AML região alentejana na Estrela

Emigrante 6 0 2 6 14Trabalhou na AML* 0 1 0 0 1Trabalhou no Ribatejo 1 0 0 0 1Viveu sempre na Estrela 0 0 8 4 11

Total 7 1 10 10 28

* Área Metropolitana de Lisboa

Quadro 1.4 – Escolaridade do filho mais escolarizado do casal (N)

2.º ano 1 4.º ano 4 5.º ano 1 6.º ano 3 7.º ano 1 10.º ano 3 11.º ano 2 12.º ano 2 Licenciatura incompleta 2

Total* 19

*Foram excluídos os casais com filhos de idades inferiores a 20 anos

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garem na indústria ou nos segmentos menos qualificados do sector dosserviços. Com efeito, os recursos escolares são tanto mais elevadosquanto mais jovem o indivíduo. Enquanto três em dez dos entrevistadosnascidos antes de 1940 não sabem ler nem escrever – limitando-se maisde metade quando muito à frequência do ensino primário – a maioriados que nasceram entre 1940 e 1960 completou a 4.ª classe, e me-ta de dos que nasceram depois de 1960 fez, pelo menos, o 5.º ano (2.º ciclo do ensino básico), estando mesmo um deles (uma mulher) afrequentar um curso superior (quadro 1.5). A escolarização dos habitantesda Estrela reflecte, afinal, o movimento generalizado de escolarização dapopulação portuguesa, mas desenvolve-se ao ritmo que o isolamento daaldeia permite.

O contraste de recursos escolares entre os mais novos e os mais velhosvai de par com a recomposição socioprofissional. No quadro 1.6 pode-mos observar que enquanto mais de metade dos entrevistados já refor-mados (15) trabalhava na agricultura por conta própria (camponeses) ouem regime assalariado (operários agrícolas), os indivíduos cuja agriculturaé hoje a sua actividade principal (7) não chegam a representar um terçodos entrevistados activos. Por outro lado, os indivíduos activos distin-guem-se dos reformados pela inserção em empregos pouco qualificadosdo sector dos serviços (varredores, empregados de mesa, cozinheiros).Mesmo quando trabalham por conta própria (trabalhadores indepen-dentes) a sua actividade insere-se quase sempre6 nos segmentos menos

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Quadro 1.5 – Escolaridade segundo o ano de nascimento (N)

Antes 1940-1960

Depois Total de 1940 de 1960

Não sabe ler/escrever 6 3 1 10Sabe ler/escrever – não completou 1.º ciclo

do ensino básico 11 2 0 134.º ano (1.º ciclo do ensino básico) 3 14 5 225.º-6.º ano (2.º ciclo do ensino básico) 0 4 2 67.º-12.º ano (3.º ciclo do ensino básico/

ensino secundário) 0 1 5 612.º ano ou mais (ensino secundário/ensino

superior) 0 0 1 1

Total 20 24 14 58

6 A excepção vai para um ex-operário industrial especializado (soldador de alumínio eaço inoxidável), actualmente operador de máquinas por conta própria.

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qualificados desse sector (cozinheiras e empregadas de mesa ou de balcãoem negócios familiares: restaurante, café ou mercearia). Entre os operáriosindustriais, contam-se trabalhadores da construção e operários da indús-tria pesada (soldador, torneiro, pintor de chapa, trabalhador na monta-gem de linhas eléctricas de alta tensão) ou transformadora (queijeiro).

Todavia, convém sublinhar que nove indivíduos se encontram desem-pregados, ou seja, menos de dois terços dos activos exercem actualmenteuma actividade económica.7 Por outro lado, menos de metade dos de-sempregados tem como fonte de sustentação económica o subsídio dedesemprego. Os restantes já não usufruem ou nunca chegaram a usufruireste direito, recorrendo à família ou às suas próprias poupanças. Refira--se ainda que os indivíduos desempregados têm quase na sua totalidadeidades compreendidas entre os 54 e os 64 anos, sendo, no entanto, doisbastante mais jovens, com 33 e 18 anos de idade.

Em suma, dos cinquenta e oito entrevistados, apenas catorze exercemactualmente uma actividade profissional (quadro 1.7). Para além dos quese encontram em situação de desemprego, os restantes trinta e cinco en-trevistados que não exercem profissão repartem-se entre estudantes (6),domésticas (7) e reformados (22). É entre estes últimos que encontramosalguns membros da associação de moradores da Estrela, em regime devoluntariado, desde o presidente da Assembleia ao responsável pelo café.Os baixos rendimentos auferidos pela generalidade dos entrevistados sãoreflexo de um contexto onde às frequentes situações de reforma se acres-

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7 O facto de a maioria dos desempregados serem mulheres (cinco contra três homens)poderá ser apenas o resultado de um desequilíbrio na distribuição dos sexos na amostra:seis em dez entrevistados são do sexo feminino.

Quadro 1.6 – Activos e reformados segundo o grupo socioeconómico (N)

Activos Reformados Total

TI 6 0 6 PTEI 0 1 1 ENQ 5 2 7 OI 4 4 8 C 0 1 1 OA 7 14 21

Total 23 22 44

TI – Trabalhadores independentes; PTEI – Profissionais técnicos de enquadramento intermédio;ENQ – Empregados não qualificados; OI – Operários industriais; C – Camponeses; OA – Operáriosagrícolas.

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centa o desemprego: dos trinta e nove entrevistados com rendimentospróprios, mais de metade dispõe de um rendimento líquido inferior a375 euros/mês.

A posse de terra e, sobretudo, a dimensão da terra possuída são tambémindicativos das condições de vida na Estrela (quadro 1.8). A abertura dascomportas da barragem implicou o alagamento de explorações agrícolas,afectando metade das famílias (15), que possuíam ou arrendavam parcelasde terra hoje submersas: enquanto parte da propriedade de dez famílias foialagada, a propriedade de duas famílias ficou totalmente submersa, omesmo acontecendo às parcelas de terra que, arrendadas a um pro prietário,permitiam o sustento de três famílias. Ao alagamento das propriedadesagrícolas dos empregadores de alguns habitantes veio acrescentar-se estaprivação da terra própria ou arrendada, cuja exploração para autocon-sumo constituía um complemento essencial da economia doméstica,quando não era mesmo o seu único meio de subsistência.8

Apesar de quase metade das famílias (14) possuir terra, a condição deproprietária quase nunca se traduz numa independência das famílias face

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8 Tal como constava já num inquérito realizado para a EDIA em 1996, antes, portanto,do enchimento da barragem do Alqueva, «quase todos os que possuem parcelas de terradeclaram que o rendimento que obtêm das explorações agrícolas é inferior a metade doseu rendimento total.».

Quadro 1.7 – Condição perante a actividade económica (N)

Estudante 6 Exerce profissão 14 Desempregado 9 Doméstica 7 Estudante 22

Total 58

Quadro 1.8 – Propriedade actual segundo a propriedade alagada (N)

Actualmente,

Actualmente,

tem propriedade não tem Total

propriedade

Toda a propriedade foi alagada 0 2 2Parte da propriedade foi alagada 8 2 10Era arrendatário de terra alagada 1 2 3Não era proprietário ou arrendatário de terra alagada 4 11 15Outra situação 1 0 1

Total 14 17 31

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ao assalariamento (quadro 1.9). O assalariamento tem sido, efectiva-mente, a condição preponderante dos agricultores da Estrela, pois quemexerce uma actividade por conta própria não trabalha nem explora a terra.Uma das implicações do alagamento das terras foi assim o reforço da de-pendência face ao assalariamento. É verdade que só uma minoria (4) dosque hoje não possuem propriedade (17) era proprietária de terra alagadano momento do alagamento. No entanto, entre aqueles que actualmentepossuem propriedade (14), mais de metade (8) viu as suas terras seremalagadas. Hoje a economia doméstica não pode depender tanto da ex-ploração agrícola familiar, na medida em que o dinheiro obtido com asindemnizações muito dificilmente proporciona a aquisição de terra nasredondezas, terra essa entretanto inflacionada pela sua súbita escassez.

Ainda assim, não deixa de ser importante sublinhar as diferenças entreagregados familiares no que respeita à dimensão das suas propriedades.Tal como podemos verificar no quadro 1.10, se adicionarmos a dimensãoda propriedade alagada à dimensão da propriedade actualmente pos-suída, obtemos um indicador suficientemente elucidativo das diferençasno que toca ao património agrícola das famílias. Assim, se dois terçosdos agregados (20) nunca possuíram mais do que quatro hectares deterra,9 menos de um quarto (7) chegou a ser proprietário, ou ainda o é,de dez a quarenta hectares de terra.

Por outras palavras, se parece óbvio que não encontramos na aldeianenhum agregado familiar constituído por grandes proprietários – osproprietários das herdades habitam na Póvoa de São Miguel ou emMoura, e não na Estrela –, as diferentes dimensões das parcelas de terrapossuída apontam, ainda assim, para o desafogo de alguns. A prosperi-dade económica que se depreende da dimensão das propriedades per-tencentes a alguns agregados familiares explica-se predominantementepela poupança e pelo investimento que a emigração proporcionou. Comefeito, quase todos os proprietários das maiores parcelas de terra (entre

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Quadro 1.9 – Situação na profissão principal (N)

Trabalhador por conta de outrem 38 Trabalhador por conta própria 6 Nunca trabalhou 14

Total 58

9 Mais de metade destes (13) não possuía terra antes do alagamento, nem possui ac-tualmente.

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dez e quarenta hectares) são emigrantes reformados, tendo estado a vivere a trabalhar fora do país – na Suíça, em França ou na Alemanha. Umaescolaridade mais elevada que as restantes da sua geração (no mínimo,quase todos frequentaram a escola primária) permitiu a estas pessoas, quesaíram do país «em busca de uma vida menos dura», o acesso a empregosem fábricas e nos segmentos menos qualificados dos serviços. O inves-timento realizado nas habitações que ergueram na aldeia, bem comotoda a simbólica da casa, visam, afinal, atestar o seu bem-estar material,denunciando claramente uma estratégia de distinção social no interiorda comunidade: casas construídas na rua mais exposta e em parcelasmaiores, permitindo um pequeno jardim com a função quer de espaçode transição para a rua, quer de representação de um ideal de estetizaçãoda natureza; vedações que, em consonância com a lógica apalaçada damoradia, se impõem como barricadas pretensamente inexpugnáveis (oferro fundido terminando em seta); anexos construídos a posteriori dupli-cam a cozinha e a sala de estar da casa inicial, à qual é hoje atribuído oexclusivo papel de recepção; alpendres elevados e proliferação de mate-riais (azulejos, mosaicos, mármore) e de divisões com áreas amplas emedifícios mais altos (a construção do primeiro andar e do sótão é sufi-ciente para produzir imponência, fazendo sobressair a moradia da gene-ralidade das habitações, de piso térreo); etc.

De resto, estes emigrantes regressaram porque, uma vez reformados, asaudade, confessam, pesou. Os problemas de saúde ou mesmo as dificul-dades de emprego no país de destino foram a causa do retorno apenaspara uma minoria. Afinal, os investimentos em terra e nas casas que di-versos emigrantes construíram têm, muito simplesmente, por objectivoo reconhecimento social do seu desafogo. Por outro lado, também reve-lam o empenho de quem fez questão de vir terminar os seus dias no lugaronde nasceu. No investimento depositado nestas habitações interferemassim diferentes lógicas. Não sendo uma prioridade neste estudo averiguarqual destas lógicas pesou mais na decisão do retorno, importa sublinharque elas são intrinsecamente elucidativas de que o sentimento de pertençados primeiros emigrantes sai incólume do processo de emigração.

A família na Estrela: namoro, casamento e divisão sexual do trabalho

O isolamento da Estrela constitui um constrangimento decisivo na es-colha do cônjuge. A grande maioria dos casamentos realiza-se entre in-divíduos que se conhecem desde a infância. Porém, não são raros os

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casamentos com alguém de fora da aldeia. Situações há em que os côn-juges se conheceram «na lavoura», quando um deles veio de fora paratrabalhar nas herdades situadas nas imediações. Mais comuns são aindaos encontros amorosos proporcionados pelas festas das aldeias, mas sãosempre as festas do lugar que a mulher habita, pois só os homens fazemincursões às festas das aldeias vizinhas. Tal como se pode constatar noquadro 1.11, assim se explicam quer as uniões entre mulheres da Estrelacom homens que vieram de fora à festa da aldeia, quer as uniões entrehomens do povoado e mulheres que estes conheceram numa festa dasaldeias circundantes.

Seria, portanto, pouco rigoroso concluir que o casamento entre au-tóctones traduz um fechamento da aldeia face ao exterior, pois são tam-bém frequentes os casamentos entre habitantes da Estrela e habitantesde outros lugares. Todavia, é o primeiro tipo de casamento que, sem som-bra de dúvida, prevalece. Não surpreende assim que seja pouco provávelencontrar na Estrela alguém sem qualquer laço de parentesco com osrestantes habitantes da aldeia. Excepcionais são os casamentos em queos parceiros não têm ascendentes comuns, não sendo invulgares asuniões conjugais entre primos em segundo grau ou mesmo primos di-reitos. Por isso, a frequente expressão «somos todos uma grande família»deve ser levada à letra.

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Quadro 1.10 – Dimensão da propriedade dos agregados (N)

Não possui terra actualmente, nem possuía terra alagada 13 No máximo, 4 ha (propriedade actual e propriedade alagada) 7 10 a 40 ha (propriedade actual e propriedade alagada) 7 Não sabe/Não responde 4

Total 31

Quadro 1.11 – Circunstâncias em que os cônjuges se conheceram (N)

Sempre se conheceram 21 Lavoura 3 Festa de outra aldeia 3 Festa da Estrela 2 Através de um familiar* 1 Num local público fora da aldeia** 1

Total 31

* Esta é uma situação particular, em que uma mulher já divorciada e com filhos encontra numamigo do seu filho o novo companheiro.** Esta é a única situação em que uma mulher se enamorou por alguém que ela própria conheceufora da aldeia, mais concretamente no jardim de uma vila do concelho. Mas a excepção só confirmaa regra.

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Os casamentos realizam-se quase por regra pela Igreja, apesar de seiscasais serem apenas casados pelo Civil (quadro 1.12). É muito pouco fre-quente o casal começar por habitar em casa própria. Mais de metade (18)não prescindem do apoio logístico fornecido pela família (quadro 1.13).Sucede vulgarmente os pais, ou outros familiares, cederem uma casa aonovo casal (8), mas são diversas as situações (10) de coabitação entre osrecém-casados e os progenitores de um dos cônjuges. Uma generalizadaausência de desafogo financeiro é assim evidente no início da vida con-jugal, mas a frequente prontidão da família em fornecer este tipo deapoio é também resultado da consanguinidade que, em maior ou menorgrau, caracteriza o laço conjugal, transformando o casamento mais numassunto de família do que numa aliança entre famílias.

Em todos os casais entrevistados, o homem é mais velho do que a mu-lher, numa média de 5 anos. Os namoros começam quando a mulhertem, em média, 18 anos, sendo contudo este um indicador pouco escla-recedor, dado o elevado desvio-padrão (3,3). Ou seja, a idade com que agrande maioria das mulheres inicia o primeiro namoro é muito variável,entre os 15 e os 21 anos. Esta variação repercute-se compreensivelmentena duração dos namoros, que tanto podem ser curtos (1-2 anos) – quando a mulher inicia o primeiro namoro com uma idade próximada maioridade – como podem prolongar-se até dez anos. O facto deserem frequentes os namoros longos não surpreende, se atendermos quenão são raras as situações em que a mulher começou a namorar muitojovem (constitui uma excepção o primeiro namoro da mulher não ter-minar em casamento). Por outro lado, os casais só se casam quando ohomem está em condições de assegurar a independência económica danova família. Assim se poderá explicar o facto de nenhum dos homensentrevistados ter casado antes dos 21 anos de idade.

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Quadro 1.12 – Formalização da união conjugal (N)

Casamento pela Igreja 25 Casamento pelo Civil 6

Total 31

Quadro 1.13 – Alojamento no início da vida conjugal (N)

Com os pais da mulher ou do homem 10 Casa dos pais ou familiares 8 Casa própria 5 Casa alugada 8

Total 31

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Observamos, portanto, diferenças entre os sexos que não se resumem àliberdade aparentemente apenas conferida aos homens de frequentar as fes-tas de outras aldeias. Estas diferenças evidenciam-se também na própria di-ferença etária a favor do elemento masculino, que não é senão o resultadoda importância atribuída à superioridade etária do homem, à partida commais condições de assegurar o sustento de uma nova família – ou não fosseo rendimento das mulheres aqui entendido apenas como complemento deuma economia doméstica que tem na sua base o salário do homem.

O modo como as tarefas domésticas são divididas entre cônjuges as-sinala outra diferença entre homens e mulheres e constitui um indicadordo funcionamento das famílias da Estrela. Quando perguntámos aos en-trevistados como deve ou deveria ser a divisão destas tarefas, as opiniõesrevelaram-se diferentes entre os dois sexos (quadro 1.14). Os homens ten-dem mais a pensar que só à mulher cabe realizar estas tarefas – quandomuito, podendo contar com a ajuda deles –, enquanto a maior parte dasentrevistadas é da opinião que as tarefas devem ser repartidas de formaequitativa entre os cônjuges.

A prática da divisão sexual das tarefas vem, no entanto, alinhar muitomais pela opinião dos homens (quadro 1.15). De facto, em mais de vintedos trinta e um casais entrevistados, cabem exclusivamente à mulher ascompras, as refeições, a lida da roupa, levar os filhos ao médico (quandoo homem acompanha, nunca entra no consultório) e ainda dar a devidaassistência quando há deficientes ou pessoas idosas dependentes doapoio da família. Aos homens restam os assuntos administrativos (os «pa-péis») e as pequenas reparações em casa. Nalguns casos, a mulher podecontar apenas com a ajuda da(s) filha(s). Seja como for, estas tarefas sãopredominantemente exercidas no feminino. No que toca ao apoio a fa-miliares idosos ou deficientes (apoio logístico, cuidados de saúde, higienee alimentação) esta necessidade atinge actualmente três famílias, mas sãodiversos os agregados familiares que já passaram por essa situação (ca-torze, ao todo). Tirando o caso de um idoso que não pode prescindir deum funcionário da Junta que vem todos os dias da Póvoa prestar os de-vidos cuidados, as famílias com este tipo de encargo fazem questão deque o apoio seja prestado pela própria família.

O facto de a grande maioria das mulheres exercer ou ter exercido umaactividade profissional pode explicar o contraste entre, por um lado, estadelegação quase exclusiva das tarefas domésticas à mulher e, por outro,uma atitude feminina demarcadamente mais a favor de uma divisão re-partida das tarefas domésticas. Como demonstra bem o relato de umamulher que esteve emigrada, a influência de modelos culturais – mais

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igualitários no que toca à divisão sexual do trabalho – cujo contacto aemigração proporcionou é a hipótese mais plausível para explicar esteideal modernista defendido pela maioria das mulheres.

Eu bem vejo pelo meu filho, que casou lá e lá vive agora com a minhanora francesa. Julga que ele chega a casa do trabalho e tem o jantar na mesa?Qual quê, que a moça também trabalha. E lá elas trabalham fora e todostêm de trabalhar em casa, que eu bem vejo pelo meu filho, que até engomacamisas, lava a louça e limpa a casa quando falta a empregada. Parece queela tem menos vagar que ele.

Metade das entrevistadas reconhece que a opinião do homem tem maispeso nas decisões, uma diferença entre homens e mulheres que se inverteapenas junto de três entrevistadas, que declaram ser a sua própria opiniãoa mais decisiva. Da prevalência que muitas mulheres atribuem à palavrado homem não deve, todavia, concluir-se uma atitude feminina passiva,pois não é raro estas mulheres sublinharem que «a mulher tem de saberlevar o homem». Finalmente, as diferenças entre os sexos revelam-se noquotidiano da relação conjugal. Se em mais de metade dos casais (17) cabea um dos cônjuges apaziguar as discussões, as diferenças sobressaem a níveldas justificações apresentadas. Quando a mulher declara ser ela quem tende

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Quadro 1.14 – Norma de divisão sexual do trabalho (N)

Homens Mulheres Total

Deve ser a mulher a cuidar da casa 8 7 15O homem deve ajudar a mulher na lida da casa 8 10 18A mulher e o homem devem dividir igualmente as tarefas

domésticas 5 12 17

Total 21 29 50

Quadro 1.15 – Divisão do trabalho doméstico e do poder no casal (N)

Mulher Homem Ambos Total

Faz a maior parte das compras 22 1 8 Trata das refeições 25 0 6 Trata da roupa 26 0 5 Dá apoio quando há familiares idosos/deficientes 14 – – Trata das tarefas administrativas 20 0 11 31Faz pequenas reparações 3 17 11 Tende a apaziguar as discussões 8 9 14 Toma as principais iniciativas 1 7 23 Toma as grandes decisões 1 8 22 Tem opinião com mais peso 3 15 13

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a serenar as discussões do casal, é frequente ouvi-la confessar que «a mulherestá um pouco abaixo do homem», sendo assim a mulher quem se curva:«eu abaixo-me mais». Já quando é normalmente o homem a apaziguar asdiscussões, a mulher justifica tal situação com a sua personalidade, maisdifícil: «eu sou mais má».

Uma rígida divisão sexual do trabalho na família, a atribuição de umpapel masculino determinante nas decisões familiares, uma economiadoméstica sobretudo dependente do salário masculino e a preponderân-cia do casamento pela Igreja são indicativos de famílias e relações que seorientam de acordo com uma lógica de estatutos e papéis pré-atribuídosao homem e à mulher e não tanto como uma lógica de negociação ediálogo conjugal, mais observada nos meios qualificados em contextosurbanos (Wall 2005). Contudo, a posição dos habitantes em relação aodivórcio vem contrastar com este funcionamento estatutário da vida fa-miliar (quadro 1.16). Com efeito, a maior parte aceitaria o divórcio comoa melhor solução para um mau casamento.

Esta surpreendente aceitação do divórcio, contudo, revela menos umaabertura da comunidade a supostas exigências individuais no que toca àvida amorosa do que o recente confronto com duros processos (de ondenão se excluem o álcool e a violência) de separação e divórcio vividospor alguns casais mais jovens. Refira-se que a consanguinidade presenteno laço conjugal introduz uma particular complexidade no modo comoa comunidade aldeã vive este processo. Se o casamento raramente cons-titui uma aliança entre famílias, o divórcio é, portanto, um assunto defamília, no sentido em que é sempre vivido como um golpe infligidonum só «corpo familiar» (Pina-Cabral 1996) que antecede a própria rela-ção conjugal. Não surpreende, por isso, que o divórcio esteja na origemde algumas das principais cisões no interior da comunidade.

Identidade e pertença

A consanguinidade revela-se então um dos traços mais decisivos nosentimento de identidade, que contudo não deixa também de encontrar

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Quadro 1.16 – Atitude face ao divórcio (N)

Não aceitaria o divórcio 12 Teria muita dificuldade em aceitar o divórcio 5 Aceitaria o divórcio como uma situação difícil, mas necessária 3 Aceitaria o divórcio como a melhor solução 22 Não sabe/Não responde 16

Total 58

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raízes na relação que os habitantes estabelecem com a divindade. Peseembora a grande maioria tenha casado pela Igreja e considere que esta éuma comunidade «muito religiosa», tal como se observa no quadro 1.17somente uma minoria de mulheres assiste aos serviços religiosos, taiscomo a missa celebrada aos domingos à tarde. De resto, nenhum doshomens entrevistados se declarou católico praticante.

Contudo, se a grande maioria não segue as práticas oficiais da Igreja,também é verdade que os estrelenses não são indiferentes aos favores di-vinos. Simplesmente, solicitam mais esses favores por outras vias, sobre-tudo quando confrontados com a adversidade do clima. Tal como nosesclarece um dos entrevistados, são, com efeito, recorrentes os pedidosde auxílio e protecção divinos em anos de seca:

Já temos saído outras vezes com a procissão em anos de seca. Nós somosreligiosos e temos fé com a santinha. Já saímos daqui uma vez, estava umsol de rachar, não havia uma nuvem, não havia nada. Saímos só com a san-tinha. Aí não saem mais santos nenhuns. Normalmente, sai a Senhora daEstrela, sai a Senhora do Rosário, a Senhora do Carmo e o Santo António.Mas quando é essa procissão que fazemos, que é a Procissão da Seca, só saia Senhora da Estrela. E essa vez que saímos com ela, aqui mesmo, começa-ram a aparecer umas nuvens que, quando chegámos aqui à baixa, estavamescorrendo água. Isto parece incrível. Um dia de sol de rachar! Começou achover, e choveu todo o dia.

A adoração dirigida a Nossa Senhora da Estrela, cuja imagem perma-nece na igreja, próxima do altar, demonstra bem o papel do orago da aldeia na relação que os habitantes estabelecem com a divindade. O factode o santo padroeiro da Póvoa (São Miguel), freguesia da qual a Estrelaé termo, não gozar da popularidade da Senhora da Estrela poderá even-tualmente explicar-se pelo estatuto que a aldeia detinha até deixar de serfreguesia. A invocação da santa da aldeia impõe-se sempre que as águasda chuva tardam, realizando-se para esse fim a Procissão da Seca. Mas a«fé com a santinha» é anualmente exacerbada na festa da Senhora da Es-

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Quadro 1.17 – Religião segundo o sexo (N)

Homens Mulheres Total

Sem religião 1 0 1 Católico/a não praticante 23 26 49 Católico/a praticante 0 8 8

Total 24 34 58

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trela, que envolve uma procissão, seguida de uma largada de vacas etouro. A separação entre os ritos religiosos (missa e procissão) e as cele-brações profanas que a festa envolve (largada, fogo preso, rancho folcló-rico) é quebrada no momento em que à santa é oferecido um animalmacho – o «touro da senhora» –, cuja carne é distribuída pelos habitantes.Esta é uma forma de os homens manifestarem a devoção à santa, pois alargada é um ritual introdutório, para os rapazes, e performativo da mas-culinidade. Com a procissão, é costume as imagens da Senhora do Ro-sário, da Senhora do Carmo e de Santo António acompanharem a dasanta padroeira, porém sublinhe-se que só a esta é oferecido o touro.

Deste modo, a exaltação do orago a pretexto da qual a festa da aldeiaé celebrada permite acalentar o sentimento de identidade. Apesar de nãonegarem as ligações de amizade, e mesmo familiares, que encontram naspovoações das redondezas – nomeadamente, na Póvoa de São Miguel –,os entrevistados dizem-se da Estrela. Contudo, este sentimento não sealimenta apenas da religiosidade manifesta nas cerimónias dedicadas àsanta da aldeia e dos laços de consanguinidade unindo toda a comuni-dade num corpo familiar. A identidade da Estrela alicerça-se também nofacto de a todos ser comum a origem rural, pouco desafogada e predo-minantemente assalariada. Além disso, e independentemente do desa-fogo que a emigração tenha permitido a alguns, a proximidade socialentre os habitantes decorre ainda hoje da preponderância da condiçãode trabalhador assalariado, proximidade essa que não se faz observar ape-nas no contacto quotidiano entre os habitantes, mas na participação ac-tiva dos emigrantes nos ritos da aldeia, tal como atesta a realização dafesta da Senhora da Estrela no mês de Agosto, precisamente «para apa-nhar os emigrantes».

Seria, contudo, precipitado concluir que esta identidade resultante daconsanguinidade, da partilha de uma via quase exclusiva de contac to coma divindade e da proximidade social se reflecte num fechamento da co -munidade sobre si própria. Na realidade, a identidade da Estrela vai cadavez mais sendo o produto do modo como a comunidade reage à mu-dança. Sobretudo a emigração permitiu a muitos habitantes o contactocom outras culturas, como se lê desde logo na diversidade de fachadasdas casas que constroem. Neste sentido, a fachada das habitações cons-truídas pelos emigrantes da Estrela demonstra claramente que as frontei-ras espaciais não são simplesmente obstáculos separando doméstico eprivado, mas também elementos de comunicação entre interior e exterioratravés da justaposição de elementos decorativos que simbolizam a tra-jectória de emigração (Villanova et al. 1995). A emigração veio propor-

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cionar a alguns casais um desafogo inacessível aos que ficaram na aldeia,confrontando-os simultaneamente com a probabilidade de os filhos op-tarem pela instalação definitiva no país que os acolheu desde o berço. Aemigração revela ainda a permeabilidade a modelos culturais mais igua-litários do ponto de vista da partilha das tarefas domésticas. De igualmodo, o recente divórcio de alguns casais contribui para que hoje a maio-ria dos habitantes considere o divórcio a melhor solução para um maucasamento.

Mas a vontade de deixar a aldeia em busca de oportunidades e a even-tual prosperidade económica não se traduziram, entre os primeiros emi-grantes, num desejo de permanecer no país de acolhimento – ainda queseja em grande parte dos casos esta a opção dos seus filhos –, da mesmaforma que a suposta abertura a valores mais modernistas adquire poucaexpressão no quotidiano da Estrela. Os primeiros emigrantes regressaram,a divisão das tarefas rígida e desigualitária permanece, ao homem cabe oprincipal papel no sustento da economia doméstica, assim como preva-lece um modelo familiar que atribui maior peso à opinião masculina, in-dependentemente da sabedoria prática que permite à mulher «levar» oparceiro.

O contacto que os emigrantes estabelecem com as culturas exteriorespossibilita uma leitura do modo como as famílias lidam com a mudança.O seu regresso revela sobretudo o vigor do sentimento de pertença à Es-trela. Família, religião e assalariamento são as palavras-chave para com-preender este sentimento e, assim, a forma como a comunidade vem rea-gindo à mudança.

Viver hoje na Estrela

Feito o levantamento das condições e dos modos de vida na Aldeiada Estrela, destina-se esta secção à análise da situação desta populaçãoapós o alagamento das terras de cultivo que constituíam a paisagem cir-cundante. Esta análise tem subjacente a observação quer das atitudes eexpectativas dos habitantes da Estrela face ao enchimento da barragemde Alqueva, quer do significado da recente proximidade da água e dovalor atribuído à enorme lagoa desde então omnipresente na paisagem,quer ainda da mobilidade dos habitantes e dos seus hábitos de consumo.Com efeito, estes indicadores revelaram-se decisivos para uma avaliaçãoobjectiva das necessidades desta população, avaliação essa fundamentalna formulação de um conjunto de recomendações tendo em vista o es-

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tudo e a elaboração do Plano de Pormenor. Os dados obtidos através daaplicação do inquérito sociológico não pretendiam simplesmente obterum retrato rigoroso da vida na Estrela, mas também proporcionar umaauscultação das expectativas, anseios, receios e angústias dos estrelensesno que ao futuro da aldeia diz respeito, tendo particularmente presenteas atitudes face à presença definitiva da lagoa de Alqueva. Procura-se,nesta secção, sublinhar que a apropriação rotineira do espaço aldeão eas relações aí forjadas não se processam sem a interferência de emoçõesvárias, como sejam: o orgulho ferido com o alagamento do espaço ondea memória colectiva construiu raízes; o sentimento de claustrofobia de-corrente da súbita proximidade da água e esvaecimento de uma paisagemque constituía o mapa cognitivo de uma população progressivamentevotada ao isolamento, pouco familiarizada com concepções espaciaisabstractas e, sobretudo, vinculada ao contexto de experiência directaconstituído pela aldeia e envolvente; o stresse resultante da redução dasoportunidades de trabalho; a angústia do confronto com o despovoa-mento galopante; a apreensão face a um futuro incerto em virtude daausência de perspectivas de revitalização do povoado; e, enfim, a indife-rença ou o receio porventura na origem da resistência de alguns habitan-tes em colaborar no inquérito.

Atitudes e expectativas face ao enchimento da barragem de Alqueva

A avaliação das implicações da subida do nível das águas resultantedo fecho das comportas da barragem exige conhecer o modo como apopulação da Estrela responde aos desafios da mudança. A este respeito,a observação da experiência dos emigrantes pode ser particularmente elu-cidativa. Tal como observámos, a emigração constitui um aspecto forte-mente marcante da história recente da Estrela. Com o retorno dos pri-meiros emigrantes fica de certo modo demonstrado o vigor do vínculodos habitantes à aldeia, bem como o peso da identidade colectiva. Masa observação da experiência da emigração é sobretudo importante porqueas actuais esperanças desta população no que respeita ao espaço abran-gido pelo Plano de Pormenor podem, de certa forma, comparar-se às an-teriores expectativas perante o horizonte de possibilidades que lhes abriua oportunidade de emigrar para o estrangeiro ou partir rumo a regiõesdo país mais promissoras a nível da oferta de emprego.

Se a dureza e a incerteza da vida a que a dependência do trabalho agrí-cola sempre sujeitou a população da Estrela explicam as elevadas expec-

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tativas perante aquelas possibilidades, levando muitos a deixar a aldeia,é no vigor das referências identitárias que se entrevê uma explicação parao modo como viveram essa experiência. Durante as temporadas em queas famílias estiveram emigradas, o seu quotidiano reduzia-se praticamenteao trabalho e à poupança tendo por objectivo o regresso definitivo. A saudade dos primeiros emigrantes é também subjacente ao desejo deque os seus descendentes retornem à terra, mas nem por isso se traduz,sublinhe-se, numa incompreensão pela opção destes, aceitando-se, enfim,a pertença que os filhos sentem a um lugar – a um país – que semprelhes proporcionou uma vida mais desafogada.

O sentimento de pertença à Estrela encontra, como vimos, raízes naconsanguinidade dos laços conjugais, na proximidade social e na formaaldeã de viver a fé religiosa, raízes que provavelmente se vão dissipandoà medida que a instalação no país de acolhimento permite aos emigrantesde segunda geração: uma aposta maior nas qualificações e, assim, a as-censão social; uma escolha do cônjuge que, mais dificilmente controladapela rede de parentesco e sem os constrangimentos do isolamento, tendea recair menos sobre o conterrâneo (Rosa, 2013); uma fé na santa da terraexclusivamente reavivada na festa da aldeia que ocorre no período de fé-rias. Por isso não surpreende que entre os primeiros emigrantes o senti-mento de pertença apresente um vigor sem paralelo entre os seus filhos.Mais adaptados ao país de acolhimento, estes optam quase sempre porficar.

Na origem da emigração esteve um subdesenvolvimento agrícola queimpunha difíceis condições de vida e instabilidade económica a quemtrabalhava na terra, subdesenvolvimento esse que foi também uma dasrazões da construção da barragem de Alqueva. Ora, no que toca a estaobra de grande envergadura, podemos, em primeiro lugar, identificarjunto desta população uma expectativa de algum modo semelhanteàquela com que partiram os primeiros emigrantes, embora a actual con-figuração social da Aldeia da Estrela seja francamente distinta da que estaassumia no passado.

Por um lado, encontramos uma população envelhecida, em que pre-valecem os indivíduos reformados, sendo o envelhecimento um resul-tado directo da forte adesão à emigração e à migração para áreas maisdesenvolvidas. Que tenhamos encontrado junto dos entrevistados maisjovens a invariável necessidade de procurar o futuro profissional fora daaldeia não é surpreendente, já que as suas expectativas de emprego difi-cilmente se enquadram numa vida no campo a trabalhar a terra. Descor-tinamos aqui, por outro lado, uma diferença crucial entre o presente ce-

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nário social da aldeia e a situação em que esta se encontrava antes de seapresentar aos habitantes a possibilidade de emigração. É que, em virtudedo alagamento das terras, são hoje bastante mais precárias as condiçõesquer das famílias cuja economia doméstica dependia total ou parcial-mente da exploração de terra hoje submersa, quer da população que tra-balhava em regime assalariado nas propriedades alagadas. Ou seja, emconsequência do alagamento da terra que circundava a aldeia surge a ne-cessidade de procurar emprego noutros lugares, não tanto as condiçõesque uma vida no campo não proporciona, mas o emprego que quem vivena Estrela pura e simplesmente não encontra.

Em segundo lugar, estamos hoje perante uma comunidade para a qualo alagamento representa a erradicação de lugares da memória colectiva(Halbwachs 1968). A elaboração da memória colectiva é indissociável daconstrução da identidade, sendo esta de alguma forma alicerçada num«sentido de permanência do semelhante» que tem subjacente a recordação(Sobral 1999b). Não se estranha, portanto, que o esvaecimento do queconstituía o mapa cognitivo – a paisagem como elemento fundamentalna incessante estruturação da memória – desta população tenha sido vi-vido como um abalo identitário: «Tínhamos as terras como pontos de re-ferência, onde brincávamos quando éramos crianças, e já não temos.» A lagoa de Alqueva veio engolir diversos recessos carregados de memórias:«Nós que nascemos aqui, que tivemos aqui a nossa infância é comodisse… todas as pedrinhas do Guadiana, os recantos, aquelas rochas,aquilo ainda está na nossa memória.» Em particular, a experiência de trans-ladação dos corpos do antigo cemitério para o actual é eleita como tendosido «a maior dor», na medida em que permitiu reviver lutos. Da con-frontação entre estes sentimentos de ameaça à identidade colectiva e osactuais constrangimentos na oferta de emprego só poderia resultar um re-ceio generalizado em relação à própria sobrevivência da comunidade: «A juventude chega aqui e não encontra coisa nenhuma. [...] Eles têm quefazer alguma coisa na Estrela, senão isto chega a um certo ponto que ficadesabitado em todo o lado.»10 Por outras palavras, mais do que os abalossofridos na identidade colectiva, paira a ameaça de uma aldeia-fantasma.

Em terceiro lugar, confrontada com a crescente carência de emprego,ameaçada na sua identidade e, sobretudo, «apreensiva» quanto à sua pró-

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10 Um receio bem realista, como se observa pelo discurso de um dos desempregadosmais jovens: «Gosto de estar aqui, mas uma pessoa pode casar, e pensar em ir para outrolado... para Moura, Beja, Évora... um sítio maior... são cidades, há mais emprego. Ali emReguengos, há muito emprego. Nas obras, então...»

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pria sobrevivência, esta comunidade revela uma posição ambivalente pe-rante o modo como se processaram as negociações das indemnizaçõesrelativas às parcelas de terra alagada. Por um lado, sente-se globalmente«injustiçada» com os montantes, e são os próprios habitantes a culpar-sede não terem sido mais «unidos». Por outro, procura-se sublimar o queafinal não se pôde evitar. Tal como refere um dos entrevistados, «nós po-deríamos ter sido mais unidos e, se calhar, tínhamos beneficiado algumacoisa em relação à expropriação das terras, porque... fizemos questão denão dizer de facto nada ao vizinho do lado». As indemnizações pelaperda de terrenos alagados passam então a ser «um mal que virá porbem», num futuro em que se deposita esperança: «nós somos pessoaspacatas e, se calhar, alguns de nós tiveram em consideração que íamosficar sem as nossas terras por pouco dinheiro, mas que era quase um in-vestimento que ia melhorar a vida dos nossos vindouros». Em suma, àapreensão desta comunidade, envelhecida e actualmente a braços comínfimas possibilidades de se empregar sem sair da aldeia, acrescenta-seum sentimento de cedência em relação ao acto de expropriação tendo em vistauma recompensa no futuro, projectada no desejo de que as infra-estruturascontempladas no plano de pormenor permitam revitalizar o povoado.Todas estas razões permitem concluir que as expectativas dos habitantes daEstrela face ao enchimento da Barragem de Alqueva são hoje bastante elevadas.

À inicial esperança de desenvolvimento agrícola depositada na águada lagoa de Alqueva vem substituir-se a crença junto da população deque o único desenvolvimento viável é o turismo. O problema já não é avida dura associada ao trabalho agrícola e que levou a que tantos tenhamprocurado fora da aldeia uma vida melhor. O desaparecimento dos cam-pos de cultivo reflectiu-se infalivelmente na própria oferta de empregona agricultura, não existindo também nas imediações da aldeia infra-es-truturas industriais capazes de absorver a procura de emprego observadaentre esta população. A única solução que esta vislumbra consiste naaposta em equipamentos destinados ao turismo na zona do rebordo dalagoa, onde a aldeia se encontra situada.

O futuro desta aldeia passa exactamente pelo turismo. Tem de ser, porquenão temos outra solução. Esta pequena península tem tudo para ser um pólode atracção ao turismo, se forem criadas as condições.

São palavras de um habitante entrevistado que desde logo se destacoupelo assumido esclarecimento face aos desafios que uma futura apostano turismo pode apresentar à aldeia:

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Penso que se houver um acompanhamento das entidades, nomeada-mente da EDIA, em termos de darem um aval junto da banca, um aval fi-nanceiro que poderá passar por juros mais baratos, que talvez haja aqui, nãomuitas porque o povo é pequeno e as possibilidades financeiras também sãopoucas, mas penso que haverá aqui duas ou três pessoas na disposição deinvestir. É preciso é que lhes seja dada oportunidade e acompanhamentoem termos jurídicos e bancários.

Porém, a expectativa face a ao enchimento da barragem de Alquevaque se depreende da esperança depositada numa aposta no turismo faz--se acompanhar de uma atitude apreensiva no que respeita ao local deimplantação das infra-estruturas. O receio basicamente reside num even-tual aproveitamento da zona ribeirinha que venha impossibilitar aos vi-sitantes a passagem pela aldeia.

A nossa preocupação é no sentido de que, se essas infra-estruturas foremfeitas para nascente (e serão bem a nascente, quer dizer, a alguma distância),os futuros utilizadores e utentes dessas infra-estruturas servem-se delas e, pro-vavelmente, nem sequer olham para o lado da Estrela. E isso é darem-nos aimpressão de que se estão a esquecer que nós precisamos de viver do turismo.[...] Se essas infra-estruturas ficarem distantes da aldeia, e as pessoas nem se-quer precisarem de cá vir, a Estrela ficará votada à visita dos pescadores defim-de-semana, exclusivamente. Portanto, nós queríamos pedir, apelar às en-tidades que têm a responsabilidade de «desenhar» o Plano de Pormenor, quetenham de facto em consideração o sentido da população no que diz res-peito à localização dessas infra-estruturas.

Sublinhámos anteriormente que a forte identidade da Estrela não deveser lida como um fechamento da comunidade sobre si própria, mas tam-bém seria abusivo entrever na disposição para acolher visitantes o sin-toma de uma voluntária abertura da comunidade ao exterior. Na verdade,esta disposição para «abrir» as portas da aldeia aos visitantes demonstrao receio pela sobrevivência da comunidade. Por isso, faz-se questão queaqueles não se fiquem apenas pelo usufruto dos elementos da paisagem circundante.No gosto pela afluência de visitantes deve precisamente ler-se a percepçãode que a sobrevivência económica da aldeia não prescinde do desenvol-vimento de qualidades anfitriãs, tal como testemunham os discursos dealguns entrevistados:

No Verão, chegaram a estar aqui duzentos carros ou mais. Chegavamaqui, davam a volta e iam-se embora. Nem há parques ali ao pé do café. Sehouvesse, ainda deixavam cá algum dinheiro. E um restaurante que funcio-

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nasse tinha que meter três ou quatro pessoas. Isso eram empregos. E por aífora. Assim, todos tinham trabalho. Agora? Só a apanha da azeitona.

O problema não é a água, porque disso, nós até gostamos. E a Estrelatem sido muito visitada. Era uma terra que não tinha nome e agora temnome por todo o lado. Até na internet. Nesse aspecto, tem sido mais...pronto, há muita gente a ver a aldeia, e no Verão isto é concorrido.

Eles, quando pensaram em encher isto de água, deviam pensar logo quea Estrela é um povo pequeno, mas é o povo que melhores condições tempara o turismo. Isso é que eles deviam desenvolver.

Enfim, a consciência de que a própria aldeia corre o risco de se extin-guir não se traduz apenas numa expectativa no que respeita à aposta noturismo do rebordo da lagoa de Alqueva, mas também no desejo de queas pessoas de fora – ou seja, gente que, para esta comunidade até entãosujeita a um considerável isolamento geográfico, sempre teve o estatutodo estranho – não se limitem à aquisição de habitações secundárias, usu-fruídas apenas pontualmente aos fins-de-semana, de quinze em quinzedias, etc. De acordo com uma entrevistada, a proliferação da procura de«segundas residências» na aldeia prende-se com a actual situação de au-sência de oferta de emprego que permitiria a essas pessoas instalarem-sedefinitivamente na Estrela.

Gostava de ver pessoas novas, não me fazem mal. Mas como é quepodem vir para aqui? Só aos fins-de-semana. Só pode ficar aqui quem játenha de comer e beber, porque aqui não há trabalho, só pessoas reformadas.A minha filha tinha casa aqui e comprou uma em Moura. Aqui não há tra-balho. As pessoas vêm para aqui fazer o quê?

Claro que outros entrevistados, aparentemente mais informados,11 nãoidentificam nesta opção pela residência secundária um constrangimento

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11 Um dos entrevistados parece-nos bastante informado sobre esta questão, esclarecendoque «Muita gente de fora, e de escalões médios/altos da sociedade portuguesa, alguns aindacompraram aqui casas e reconstruíram, outros tentaram comprar terrenos, apalavraram ter-renos, acordaram verbalmente as verbas e, quando foram à Câmara saber o que é que podiamconstruir, depararam-se com uma situação em que não podiam construir, porque não haviao Plano de Pormenor. Então, esses negócios, essas transferências que, nessa data eram terrenose casas que valiam muito dinheiro, porque a procura nessa altura inflacionou, ficaram semefeito. E o que as casas e os terrenos valiam nessa altura não é o que, infelizmente, valemhoje. A partir do momento em que os possíveis investidores começaram a ver que não podiamconstruir, porque não havia o Plano de Pormenor, deixaram. Neste momento, nem sequerprocura há. Há aí casas, como já deve ter visto, que estão à venda e as pessoas não compram.Os terrenos, então, deixaram de ser procurados, porque não se sabe o que se pode construir».

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da ausência de oferta de emprego, mas independentemente da leituraque os habitantes possam fazer dos comportamentos dos novos proprie-tários da Estrela, parece ficar clara a receptividade, não só face aos visi-tantes, mas também a «pessoas novas» que venham a habitar permanen-temente na aldeia.

Da ameaça de desertificação nasce esta crença nas capacidades de pro-dução identitária inerentes ao próprio acto de viver na aldeia. À partida,a ideia de que a continuidade da comunidade pode ser feita à custa de«pessoas novas» que venham a repovoar a Estrela não seria porventurapouco adequada a uma comunidade que, em virtude da preponderânciade sucessivos casamentos entre autóctones e consanguíneos, quase sereduz a um corpo familiar. Porém, esta predisposição é hoje uma reali-dade, pois antes da identidade colectiva vem a preocupação com a pró-pria sobrevivência da comunidade. Afinal, este desejo de repovoamentotraduz uma cedência forçada no próprio sentimento de pertença, fa-zendo-se provavelmente no futuro menos questão em distinguir entreaqueles que «são» da Estrela e os que «vêm de fora».12

Para os habitantes, a aposta no turismo tem assim na base a concreti-zação de dois objectivos. Por um lado, visa criar empregos apelativospara os habitantes da Estrela que entretanto saíram da aldeia, precisa-mente à procura de emprego noutros lugares. Por outro lado, trata-se deprocurar criar emprego para os que permaneceram na Estrela, nomeada-mente para os desempregados e os mais jovens, que não encontram saí-das profissionais nas imediações da aldeia. Quando interrogámos os ha-bitantes sobre a sua disponibilidade para o exercício de uma actividadeprofissional, nomeadamente perante um hipotético cenário de oferta deemprego no sector do turismo, foram vários os indivíduos empregadosa declarar-se disponíveis, confessando o desejo de uma actividade quelhes permita estarem mais próximos da aldeia (quadro 1.18). Para umamelhor avaliação da disponibilidade para trabalhar em empregos que ve-nham a ser criados na área circundante da aldeia, pensámos que seria útilfazer uma caracterização dos indivíduos disponíveis.

Assim, entre os desempregados disponíveis, deparámos com os seguin-tes casos. Um primeiro caso é o de um homem e uma mulher com, res-pectivamente, 18 e 33anos de idade, o 4.º ano (1.º ciclo do ensino básico)e o 9.º ano (3.º ciclo do ensino básico) de escolaridade. Ambos têm como

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12 É sistemático ouvirmos dizer, quando alguém fala de um do casal em que um dosmembros só veio morar para a aldeia quando casou, que «ele é da Estrela, mas ela não é,vem de fora».

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única experiência profissional o trabalho no campo; o primeiro recusa--se a trabalhar na agricultura e confessa a intenção de aprender o ofí -cio de servente na construção;13 a mulher, que nunca pôde auferir o sub-sídio de desemprego, frequentou os cursos de iniciação à informática quetiveram lugar na aldeia, e mostra-se bastante disponível («tudo é melhorque o campo») para o trabalho que o turismo possa vir a oferecer. Umsegundo caso é o de uma mulher na casa dos 40 anos de idade, com o6.º ano (2.º ciclo do ensino básico), que trabalhava com o marido a terraque arrendavam até ao alagamento, frequentou um curso de formaçãode cozinha e bar, tendo mais recentemente tomado conta de um doscafés da aldeia. Um terceiro caso refere-se ao de uma mulher e de umhomem na casa dos 50 anos de idade com, respectivamente, o 4.º ano(1.º ciclo do ensino básico) e o 9.º ano (3.º ciclo do ensino básico) de es-colaridade. A mulher trabalhava na agricultura numa herdade das redon-dezas, tendo recentemente frequentado o curso de iniciação à informá-

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Quadro 1.18 – Disponibilidade para exercer uma actividade profissional ligada ao turismo na Estrela

Condição perante o trabalho

Disponível para exercer actividade profissional

Exerce profissão* 8

21 Desempregado 7 Doméstica 3 Reformado 3

Exerce profissão* 2 Desempregado 2 Indisponível para exercer actividade profissional Doméstica 3 32 Reformados 19 Estudante 6

Não responde 5

Total 58

* Entre os habitantes disponíveis, encontrámos quem exercesse hoje uma actividade profissional e,simultaneamente, se mostrasse disponível para exercer outro tipo de actividade.

13 A descrição de um dos jovens entrevistados serve de exemplo do quotidiano a queestão sujeitos os desempregados neste lugar: «Acordo e, se não tiver nada para fazer,deito-me. Não tenho nada para fazer. Tomo o pequeno-almoço e deito-me outra vez...depois levanto-me e faço o meu almoço. Almoço sozinho. Depois lavo a louça, voubeber um cafezinho, outras vezes vou à pesca... depois venho para jantar e vou outra vezaté lá acima beber café ou jogar snooker até às 23, 24 horas. E depois volto, deito-me aver TV até às 2, 3 da manhã e durmo.»

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tica. Está disponível para trabalhar, sublinhando a sua apetência para tra-balhos de costura e renda. O homem, que já teve um restaurante na al-deia onde «cozinhava para o pessoal que trabalhou na desmatação», pre-fere as actividades relacionadas com a restauração. Um último caso é ode dois operários com pouco mais de 60 anos de idade. Ambos têm o4.º ano (1.º ciclo do ensino básico). Um foi operário na construção, en-quanto o outro foi operário industrial (especializado em pintura dechapa) no país onde esteve emigrado.

Entre as mulheres domésticas disponíveis para trabalhar, deparámoscom duas situações. A primeira refere-se a duas mulheres na casa dos 40 anos. A primeira tem o 4.º ano (1.º ciclo do ensino básico) e uma dis-ponibilidade relativa devido a problemas de saúde. A segunda tem o 6.º ano (2.º ciclo do ensino básico) e está sobretudo disponível para tra-balhar num emprego no ramo da restauração. A segunda situação é a deuma mulher com 60 anos de idade e o 4.º ano (1.º ciclo do ensino básico)que foi empregada de lavandaria e de limpeza no país onde esteve emi-grada, sendo contudo os trabalhos relacionados com costura e a rendaaqueles para os quais mais se mostra disponível.

Entre os reformados, contam-se três homens com idades superiores a70 anos. Nenhum tem uma escolaridade superior ao 4.º ano (1.º ciclodo ensino básico). Um deles foi agricultor e espera poder vir a semear asterras que possuí. Outro foi pedreiro e mostra-se disponível para exerceralgum trabalho na construção. O terceiro foi agricultor, estando apenasdisponível para exercer trabalhos leves.

No que toca aos indivíduos que não estão disponíveis para trabalhar,convém esclarecer a situação dos dois desempregados. Trata-se de duasmulheres. Uma delas confessa não ter «vagar», dada a permanente assis-tência (cuidados alimentares e de higiene) que tem de prestar à mãe; asegunda justifica a sua indisponibilidade com o facto de estar actual-mente a trabalhar para o fundo de desemprego, varrendo as ruas da al-deia. De resto, já era de esperar que a grande maioria dos indivíduos in-disponíveis fosse constituída por reformados.

A importância da água

Uma das reacções ao alagamento traduz-se num sentimento de exclu-são e clausura que se depreende do discurso dos entrevistados: «fomosempurrados para este cantinho». De facto, antes do alagamento da terrahavia outros caminhos, hoje submersos, de acesso à Estrela: «Ficámosaqui enlatados. Só temos aquela saída para a Póvoa.» Este sentimento é

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exacerbado pelo uso residual que fazem da água da lagoa. São raros osentrevistados que declaram utilizar esta água. Na lagoa abundam lagos-tins e peixes de rio, mas os habitantes deixam a pesca dos primeiros paraos espanhóis – que se instalam nas margens com material apropriadopara uma captura mais massiva – preferindo o peixe, que pescam à canano rebordo do lago, porque se «o peixe comem, lagostim não apreciam».

A água da lagoa de Alqueva não é própria para beber, nem tão-poucoé utilizada para cozinhar ou na higiene pessoal. Esta água serve, contudo,para a rega de terrenos e quintais, mas raros são os habitantes que a uti-lizam para matar a sede ao gado. Quando isso acontece, faz-se questãode sublinhar que o gado não bebe directamente da lagoa, mas de um be-bedouro. Em geral, os habitantes parecem sensibilizados para as precau-ções a tomar no sentido de preservar a qualidade da água, mas mostram-se indignados, não compreendendo estas preocupações, uma vez que ospróprios esgotos da aldeia desaguam na lagoa:

Há alguma coisa mais nojenta que as descargas todas de um povo paradentro da albufeira do Alqueva? Então não querem que as pessoas que têmgado o levem a beber a água por causa da poluição, e isto é o quê?, perguntoeu. Será que os senhores não vêem isto? Só vêem aquele que tem um animal,uma vaca, uma ovelha? Isso faz mal à água, os animais beberem... mas aspessoas tinham furos, tinham poços, agora não têm nada e os animais têmque beber em algum lado.

Anseiam, deste modo, por uma solução que, obviamente, só encon-tram na instalação de uma ETAR: «Não há uma ETAR, está o esgoto aítodo para dentro.» Ainda assim, há quem prefira esquecer as descargase, quando o calor aperta, faça de algumas margens praia fluvial. São fre-quentes os entrevistados que confessam não resistir a um mergulho nalagoa. Por isso, também se reivindica uma praia para a Estrela nas margens dalagoa.

A água é boa, mas faz falta uma praiazinha que também diziam que fa-ziam. Até para as pessoas que vêm aí, dava jeito. Assim vêm aqui fazer oquê? Podiam fazer aqui uma praia fluvial.

A actual relação que os habitantes da Estrela estabelecem com a águareveste-se de tensão, em virtude dos ressentimentos face ao alagamentoda terra circundante, que constituía o sustento de muitos e o espaço ondese encontra cativa grande parte da memória colectiva. Até porque não étanto na utilização directa que possam fazer da água que os habitantes depositam

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a esperança, mas antes na possibilidade de a presença da lagoa proporcionar umaaposta no turismo e, consequentemente, a criação de postos de trabalho. Nestesentido, é muito forte a expectativa em relação à água, a julgar pelos dis-cursos dos entrevistados, que insistem em todo um conjunto de equipa-mentos vocacionados para o turismo: uma marina para barcos de recreioe de pesca nas margens da lagoa, infra-estruturas destinadas à restauraçãoe ao alojamento dos visitantes, rampas de protecção junto às margens,um barco para passear, um caminho junto à margem, estaleiro para re-paração e recolha de pequenas embarcações, etc.

Aqui há um restaurantezito que às vezes até está fechado, não é? Faziafalta aqui uma pensão onde as pessoas pudessem dormir, um hotel... coisasdessas, que atraíssem as pessoas e que as fizessem voltar. Aqui temos a água,mas mais nada que possa atrair as pessoas, que as faça voltar.

Gostava de ver uma marina, um bom barco para passear, até São Marcos,porque estamos aqui isolados.

Fazia falta aqui um parque de turismo com bicas, com duches... as pes-soas chegavam aqui, acampavam, tomavam um duche...

Faltava aqui um hotel, uns restaurantes, uma marina que diziam que fa-ziam... nunca mais essa marina se fez. Faltam uns diques. Lá em baixo, nomeu terreno, para as pessoas passarem... a água já chega aos quintais. Tantacoisa... um corte de ténis... Falta um caminho à beira do rio como eu já viem Genebra e em Zurique. Se tivéssemos esse caminho, sempre dávamosuma volta.

Corroborando o que se afirmou anteriormente, a expectativa desta po-pulação face ao desenvolvimento da agricultura que o enchimento dabarragem de Alqueva prometia veio dar lugar à crença de que só na água– mais propriamente no turismo que esta pode atrair – se encontra a so-lução para o principal problema da aldeia: a quase inexistência de postosde trabalho capazes de atrair as camadas mais jovens.

Mobilidade e hábitos de consumo

Como vimos, a vida quotidiana da Estrela é, de certa forma, condi-cionada pela falta de equipamentos que os habitantes só encontram noexterior, nomeadamente na Póvoa de São Miguel e, sobretudo, na vilade Moura. Com efeito, uma escola primária, um posto de saúde sema-nalmente visitado por um médico e onde é possível encomendar medi-

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camentos, uma padaria e duas mercearias, uma das quais permite enviare receber a correspondência postal, são equipamentos colectivos que sa-tisfazem a algumas necessidades básicas do quotidiano da aldeia, masnão respondem à procura de outros bens e serviços, apenas disponíveisfora da aldeia.

Nesta comunidade, onde prevalecem os idosos e os reformados, estãoem minoria os indivíduos que saem frequentemente da aldeia. Com efeito,só doze declaram ter de sair todos os dias (para a escola ou para trabalhar),enquanto mais de metade confessam que raramente saem da aldeia ou,quando muito, saem uma a duas vezes por mês (quadro 1.19). Mas o factode quase metade dos casais entrevistados não possuir automóvel própriotambém contribui para a fraca mobilidade geral dos habitantes da Estrela.

São, com efeito, vários os entrevistados que dependem da disponibili-dade de outros familiares para uma boleia. No caso de não encontraremninguém que lhes ofereça uma boleia, recorrem ao autocarro ou ao únicotáxi disponível. O autocarro, que vem à Estrela levar os mais jovens paraa escola, é o meio de transporte mais utilizado a seguir ao automóvel (qua-dro 1.20). Se a maioria dos entrevistados utiliza o automóvel quando temde sair da aldeia, são bastantes aqueles que dependem do autocarro, uti-lizado por dezoito entrevistados, seis dos quais dependem exclusivamentedeste meio de transporte público para sair da aldeia. O autocarro parte demanhã e só regressa no final da tarde, pelo que o táxi pode surgir comoúltima alternativa para os que não conseguem boleia quando precisamde sair – numa urgência, por exemplo – fora do horário do autocarro.

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Quadro 1.19 – Frequência com que os habitantes se ausentam da aldeia (N) Todos os dias 12 Uma ou mais vezes por semana 14 Uma ou duas vezes por mês 16 Raramente sai da aldeia 16

Total 58

Quadro 1.20 – Meio de transporte utilizado para sair da aldeia

Número de vezes que os itens são citados pelos entrevistados

Automóvel (próprio ou da família) 32 Autocarro 8 Boleia 9 Motorizada 7 Táxi 5

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Uma vez que só existe escola primária na Estrela, quem pretenda pros-seguir os seus estudos tem de se ausentar todos os dias da aldeia duranteo período escolar. O facto de o autocarro partit de manhã cedo e regressarapenas no final da tarde não coloca problemas quando os estudantes fre-quentam a escola durante todo o dia. Mas é razoável que quem frequenteo 12.º ano, necessariamente numa escola secundária fora da aldeia, ouquem esteja a concluir somente algumas disciplinas em atraso, sinta anecessidade de uma circulação diária mais frequente deste meio de trans-porte público. Não é, de facto, invulgar encontrarmos habitantes parti-lhando a opinião de que o autocarro deveria passar com maior frequência naEstrela. Mesmo nas famílias que possuem transporte próprio, algumasdas mulheres ficam na aldeia dependentes do autocarro, porque os ma-ridos levam o automóvel para o trabalho.14

Assim, os habitantes que declaram sair todos os dias da Estrela, fazem--no por exigências relacionadas com a sua actividade profissional ou es-colar. Contudo, os motivos relacionados com o trabalho e a educação(deixar ou recolher um familiar de um estabelecimento de ensino situadolonge da Estrela) estão entre os menos citados, menos ainda que as razõesrelacionadas com o lazer: passeio, convívio com amigos ou namorada,visitas a familiares (quadro 1.21). O facto de os estudantes e os activoscom emprego estarem em minoria na amostra explica que sejam estes osmenos invocados. Pelo contrário, os assuntos relacionados com a saúde(consultas clínicas, compra de medicamentos15) estão entre os motivosmais citados, logo seguidos dos assuntos de natureza burocrática (recebera reforma, tratar de documentação e assuntos nas Finanças, na Junta ouna Câmara Municipal).

Tal como os assuntos burocráticos ou afectos à saúde, o consumo fazparte do conjunto de necessidades para cuja satisfação os equipamentosda Estrela são claramente insuficientes. Não se estranhe por isso que osmotivos mais invocados tenham o consumo como denominador

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14 O elevado custo do táxi faz com que este seja um recurso muito raramente utilizado,e a possibilidade de encontrar uma boleia é muito reduzida durante o horário de trabalho,porque os habitantes que trabalham fora da aldeia levam o automóvel da família: «Hápessoas como eu, que não têm carta. E se os homens andam a trabalhar e precisamos desair, como é que fazemos? Vamos no autocarro dos rapazes que vão para a escola. Senão há, não podemos ir.»

15 Há sempre a possibilidade de se encomendarem os medicamentos no posto médicoda aldeia, mas no caso de maior urgência num medicamento, esclarece uma entrevistada,«tem que o ir buscar à Póvoa, que só tem a farmácia aberta até às 13h, ou a Moura».Menos problemáticas parecem ser as hospitalizações de urgência: «Vêm de Moura, massão rápidos.»

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comum: aquisição de produtos para a casa, vestuário ou cabeleireiro.Para grande parte das famílias da Estrela, não é estranho o hábito, emgrande parte associado às populações dos subúrbios das grandes cidades,de realizarem as «grandes compras» nos hipermercados.

Grosso modo, pode dizer-se que só metade das famílias faz as comprasexclusivamente na aldeia (quadro 1.22). Entre as restantes famílias podemosdistinguir aquelas que fazem as compras «na Estrela e fora da Estrela», quetendem a ir pontualmente ao hipermercado (de Moura, sobretudo),«quando se dá o caso de irem para esses lados», das famílias que se confes-sam clientes assíduas dos hipermercados e das cooperativas – que, obvia-mente, ficam fora da Estrela – apenas adquirindo «as faltas» na aldeia.

Os resultados revelam que o próprio padrão de consumo já não é prin-cipalmente local. De outra forma, não teríamos ouvido o desabafo dodono de uma das mercearias, cujo «dinheiro da venda nem sequer chega

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Quadro 1.22 – Local de aquisição dos diversos produtos

Na Estrela

Na Estrela Fora da Não compra

Total (N)* e fora da Estrela Estrela

Carne 15 7 6 0 Peixe 16 6 6 0 Batatas 17 6 5 0 Arroz 17 6 5 0 Legumes 17 6 5 0 Azeite 15 6 7 0 28Vinho 17 6 5 0 Produtos de higiene 16 7 5 0 Livros 8 5 12 3 Produtos de papelaria 9 5 12 2 Roupa 16 8 4 0

Média global 14,8 6,2 6,5 –

* No total, foram excluídas três famílias de pequenos comerciantes (mercearias e café/restaurante),que se abastecem sobretudo através do seus fornecedores.

Quadro 1.21 – Motivos que levam os habitantes a sair da Estrela

Número de vezes que os itens são citados pelos entrevistados Consumo 21 Saúde 20 Burocracia 17 Lazer 14 Trabalho 9 Educação 7

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para pagar a electricidade da arca congeladora». O automóvel veio, ob-viamente, proporcionar às famílias maior mobilidade e contribuir parauma alteração dos próprios hábitos de consumo. Mas os novos hábitosnão são o simples efeito do aumento da mobilidade. Resultam sobretudode uma maior procura da diversidade 16 e de um crescente espírito de cál-culo que afectam a solidariedade entre conterrâneos, indiciando a fragi-lização da coesão social. Os entrevistados que declaram consumir sobre-tudo fora da aldeia lamentam o problema dos pequenos negocianteslocais, mas o seu argumento da poupança é suficientemente esclarecedorde um comportamento que, resultando menos de um constrangimentomaterial do que de uma livre opção, se traduz na prorrogada falência dasmercearias da aldeia. Pese embora o mútuo auxílio existente em caso denecessidade, há quem lamente a perda progressiva de «lealdade» entre osmembros da comunidade aldeã.

Já não é como era antigamente, no tempo da minha mãe ou dos meusavós, que era tudo mais leal. Mudou tudo. Não é como num sítio grande,mas não somos como antigamente. Mas ainda hoje, se souberem dum pro-blema na minha casa, corre tudo aqui. Por exemplo, se uma pessoa estádoente e não tem como ir ao médico, qualquer pessoa se oferece para a levarde carro.

Aplicado ao consumo da aldeia, este sentimento parece servir de jus-tificação para consumir a mais baixo preço fora da aldeia.

Esta água comprei eu no hipermercado por 40 cêntimos. Se a comprasseaqui na Estrela custava-me 80 cêntimos. As coisas são todas assim.

Avaliação das necessidades da aldeia

As necessidades desta população não se circunscrevem apenas à cria-ção de emprego. Prendem-se igualmente com a vida quotidiana na Es-trela. Ou seja, há também necessidades da própria aldeia cuja satisfaçãoos habitantes gostariam que fossem levadas em linha de conta na exe -cução do Plano de Pormenor. Em primeiro lugar, os habitantes em geraldiscordam sobretudo que a capela construída dentro do novo cemitériotenha a função de casa mortuária. Por um lado, consideram que o novo

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16 O caso do vestuário é paradigmático desta procura, sobretudo entre os mais jovens,que encontram nas vilas e nas cidades da região (Moura, Beja, Évora) uma oferta muitomais diversificada e actualizada comparativamente à dos «tendeiros» que visitam a aldeia.

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cemitério, que fica fora da aldeia, é «muito melhor do que estava aí, queera pequenino e velho», mas discordam que as mulheres – por norma,são elas quem permanece durante a noite a velar o corpo – se sujeitem acaminhar por uma estrada sem luz e pouco abrigada. O desejo da popu-lação é que se construa uma casa mortuária junto da igreja, onde seja possívela realização dos velórios sem esse desconforto. Tal como esclarece umentrevistado:

A capela foi feita no cemitério com a missão de velar lá os corpos. Istofica muito longe. No Inverno com as chuvas... aqui há o hábito de as pes-soas se renderem no velório. Não fecha à meia-noite, ficam a noite toda.Vêm uns, vão outros. Normalmente são as senhoras que ficam mais a velaros corpos durante a noite. Não é praticável, porque nem sequer há ilumi-nação daqui para lá. Nós vamos apelar às nossas entidades, nomeadamenteao Sr. Padre, à Câmara, à EDIA, e se for possível, ao Sr. Bispo, para quenos seja concedida a possibilidade de continuarmos a velar os nossos corposaqui na igreja enquanto não for feita uma casa mortuária nas proximidadesaqui da aldeia. A capelinha está lá muito bem, mas para missa de corpopresente.

Por outro lado, todos desejam que a a igreja da aldeia seja requalificada– «amanhada» –, se bem que esse desejo se revele mais forte entre as mu-lheres, o que aliás não surpreende, pois são elas quem essencialmente as-siste às celebrações da missa ao domingo, cabendo-lhes ainda a limpezae manutenção da igreja. O visível estado de degradação em que se en-contra este edifício chega mesmo a inibir quem queira assistir às cerimó-nias religiosas: «A igreja, há três anos que tem aquelas rachas. [...] Eu atéjá tenho medo de lá ir.»

Outras necessidades estão relacionadas com o próprio espaço público.Por um lado, há o problema do pavimento betuminoso em praticamentetodas as ruas da aldeia. Este tipo de pavimento dificulta o escoamentodas águas pluviais e, simultaneamente, contribui para a descaracterizaçãoda aldeia, tal como corroboram as palavras de um entrevistado: «não temnada a ver connosco». A este propósito, vale a pena sublinhar a memóriaque alguns recantos preservam, tal como sucede com a calçada exteriorà entrada da igreja, feita «ainda os nossos avós não eram nascidos» compedras do Guadiana. Se alguns recessos do espaço público podem possuiresta carga afectiva, o que dizer das próprias casas, onde a maioria cresceu?A este respeito, há quem compare a situação da Estrela com a da Luz, efique aliviado: «Não tivemos que largar as nossas casas, que têm um valorsentimental muito grande, por serem as casas onde nascemos.»

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Por outro lado, há o largo em frente da igreja, o Largo 1.º de Maio,todo ele preenchido pelo pavimento betuminoso e que, na prática, émais um entroncamento de passagem de automóveis e peões do que umespaço que convide a estar. No entanto, este é considerado o centro daaldeia. Afinal, é aí que se situa o único monumento do povoado: a igrejamatriz da Estrela. No passado, os bailes de Verão decorriam no largo.Actualmente, por altura da festa da Nossa Senhora, monta-se um palco«onde toca um conjunto e as pessoas dançam». De resto, este é um largode bancos ou árvores inexistentes que os habitantes quotidianamentetrocam por um pequeno recanto à entrada da aldeia, onde um bancopor baixo de uma das poucas árvores plantadas nas ruas quase nunca ésuficiente para o número de homens que aí se concentram.

Muitos são também aqueles que anseiam por ver cumprida a promessade restauro das ruas e de outras obras públicas: «As ruas deviam ser ar-ranjadas, os fios escondidos, como disseram que faziam.» No quadro1.23, são expostas as acções que recolheriam maior apoio por parte doshabitantes. O restauro das ruas e do largo, bem como a plantação de árvoresna aldeia, contam-se efectivamente entre as necessidades mais apoiadaspelos habitantes, só ultrapassadas pela construção de um campo de futebol ede um recinto para a largada de touros. A quase total unanimidade dos ha-bitantes no que toca à construção quer de um campo de futebol, querde um recinto para a tourada resulta da primazia que todos parecem atri-buir, por um lado, às preferências dos mais jovens – que passam, inva-riavelmente, pelo desporto e pela tourada – e, por outro, ao evento tau-romáquico anual cujo convívio e a festa que envolve alimentam osentimento de identidade local e pertença à Estrela.

O vasto apelo a este tipo de necessidades não pode fazer esquecerque a grande maioria dos entrevistados também reconhece existirem ca-rências relacionadas com a saúde. O facto de a grande maioria citar as ne-cessidades relacionadas com a saúde – necessidades essas resultantes dainexistência de uma farmácia ou da «falta de assiduidade» do médico 17 –deve ser visto como um reflexo da preponderância de idosos na popula-ção aldeã, ainda que todos estejam de acordo com a falta de condiçõespara a abertura de uma farmácia: «sabemos que o povo é pequeno». Noque toca à instalação de uma biblioteca, a importância atribuída por maisde metade da amostra indicia um reconhecimento do significado da cul-tura letrada na formação dos mais novos. Por último, refira-se a minoria

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17 Segundo uma entrevistada, o médico «Só vem uma vez por semana, que é à terça--feira, mas há semanas que não vem. Ainda agora não veio por umas três semanas».

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defensora de que a brigada da GNR deveria patrulhar mais frequentemente aaldeia, um resultado porventura surpreendente num povoado onde«nunca acontece nada». Contudo, a criminalidade que assola a segurançade outros povoados é hoje prontamente divulgada nos media, despertandosuspeitas, por vezes infundadas, de insegurança. De referir que, face a umahipotética ameaça à segurança na Aldeia da Estrela, são sobretudo as mu-lheres a revelar-se apreensivas, apreensão esta – «nunca se sabe» – tantomaior quanto as melhores expectativas sobre o futuro da aldeia envol-vem, necessariamente, o contacto permanente com estranhos à comu-nidade.

Por último, falta alertar para as necessidades mencionadas pelos en-trevistados que não foram contempladas entre as categorias da perguntafechada. Em primeiro lugar, e no mesmo sentido das «falhas» que os ha-bitantes identificam no espaço público, encontramos quer o problemada largura das ruas, insuficiente para – tal como sucede actualmente –comportar os dois sentidos da circulação automóvel, quer a inexistênciade um acesso à Estrela alternativo, de modo a evitar a tortuosa inversãode marcha a que os autocarros são forçados após cada largada e tomadade passageiros no largo da igreja. A solução que reúne mais adeptos juntoda população reside na construção de uma estrada alternativa passando entrea margem da lagoa e a aldeia. Esta solução não é entendida como benefi-ciando exclusivamente os habitantes da aldeia, como se lê no discursode um dos entrevistados:

Eu achava bem que fizessem a outra estrada para os carros passarem. E que fizessem o pavimento das ruas. Não sei se fazem, se não. Estamos naesperança. Essas coisas e outras que interessassem às pessoas, que as pessoasgostassem e voltassem.

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Quadro 1.23 – Avaliação que os habitantes fazem das necessidades da aldeia

Faz falta Não menciona

Total* (N)

Construção de um recinto para a tourada 50 7 Construção de um campo de futebol 50 7 Plantação de árvores dentro da aldeia 48 9 Restauro do largo e das ruas 46 11 Instalação de uma farmácia 43 14 57Uma maior assiduidade do médico 38 19 Instalação de uma biblioteca 29 28 Instalação de um marco do correio 24 33 Maior presença da GNR 19 38

* Uma entrevistada não respondeu a estas questões.

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Em segundo lugar, vários entrevistados apontam a inexistência de casasde banho públicas na aldeia. Trata-se também aqui da importância atri-buida à qualidade do serviço que a própria aldeia venha a prestar aos vi-sitantes. Em terceiro lugar, mais preocupados com a função de convíviodos espaços colectivos estão aqueles para quem se «tornava bonito» nãosó «umas árvores à volta do lago, à volta do povo», mas também uns«banquinhos e parque de merendas». Em quarto lugar, encontramosquem sublinhe a importância de «um lavadouro para as mulheres»:

Um lavadouro não muito grande, mas só para cinco, sete mulheres lava-rem ao mesmo tempo [mas individuais]. Porque as mulheres, no Verão, iamlavar os lençóis, os cobertores, no rio. E agora proibiram-nos de lavar, defazer tudo na lagoa. As pessoas já disseram que, se não fizerem um lava-douro, vão lavar as mantas na lagoa.

De resto, refira-se a importância para muitos que um passeio pedonal,bem como uma ciclovia, teriam numa reconfiguração da envolvente daEstrela, equipamentos esses destinados tanto à utilização dos visitantescomo ao usufruto dos habitantes, muitos deles já familiarizados com estetipo de infra-estruturas em virtude do contacto com outras culturas pro-porcionado pela emigração. Como sugere a descrição que um ex-emi-grante faz daquilo que foi observando no país de acolhimento:

Se você for ao estrangeiro, à Alemanha, que eu conheço, você vê aquelescanais para as pessoas passearem a pé ou de bicicleta e terem aqueles recantoscom uns bancos feitos para as pessoas se sentarem com as árvores plantadas,não digo todas juntas, mas uma aqui outra além...

Síntese e recomendações

Com base nos resultados deste estudo de que agora fazemos uma sín-tese, apresentaremos seguidamente um conjunto de recomendaçõessobre todos os aspectos cuja contemplação se impõe ao Plano de Por-menor da Aldeia da Estrela. Tal como foi observado, esta é uma popula-ção ainda afectada pelo isolamento e particularmente condicionada pelodéfice de equipamentos colectivos locais. A estas limitações acresce o en-velhecimento gradual, que tem o êxodo rural na sua origem. É uma co-munidade onde estão em minoria tanto aqueles que exercem uma pro-fissão quanto os estudantes. Face ao alagamento e à consequente reduçãona oferta de emprego nas imediações do povoado, há razões para acre-ditar que os desempregados só encontrarão empregos se deixarem a al-

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deia, da mesma forma que os jovens que optam por apostar mais nos es-tudos dificilmente vêem o seu futuro profissional ligado à Estrela. Glo-balmente, trata-se de uma população pouco escolarizada onde predomi-nam os baixos salários ou rendimentos (mais de metade aufere umrendimento inferior a 375 euros), o que não surpreende, já que se, porum lado, prevalecem na aldeia os idosos, que vivem exclusivamente dareforma, por outro, aqueles que exercem uma profissão estão empregadosem regime de assalariamento na agricultura, na indústria ou nos segmen-tos menos qualificados dos serviços. Nem mesmo a prosperidade eco-nómica daqueles que emigraram se traduziu numa alteração na sua con-dição de trabalhador assalariado. A proximidade entre os habitantesassenta assim numa identidade de assalariado.

Por sua vez, a consanguinidade reforça obviamente a identidade co-lectiva. A preponderância de casamentos entre consanguíneos locais é arazão para que possamos definir a aldeia como uma família alargadaonde as diferenças entre homens e mulheres são bem delineadas e pouconegociadas. Em casa, a mulher executa praticamente todas as tarefas, ca-bendo--lhe ainda os cuidados dos filhos e de eventuais familiares depen-dentes, sendo pouco frequente o convívio feminino no espaço público.Cabe ao homem contribuir com o principal salário na economia domés-tica, pertencendo a ele, em muitas famílias, a última palavra nas grandesdecisões. É o homem que participa na largada, onde um touro macho éoferecido à santa padroeira. Uma forma de os habitantes pedirem pro-tecção divina num lugar onde a participação assídua nas práticas oficiaisda Igreja se reduz a poucos. O sentimento de pertença à terra alicerça-sebastante nesta forma profana de relação com o divino, que obviamentenão dispensa a festa e o convívio.

O enchimento da barragem de Alqueva e consequente alagamento daenvolvente da Aldeia da Estrela provocaram sentimentos ambivalentesentre os habitantes, já que a quantidade de terra submersa veio diminuirdrasticamente as possibilidades de encontrar trabalho nas imediações daaldeia. Da análise das entrevistas retira-se, grosso modo, o sentimento deapreensão de uma comunidade envelhecida e actualmente confrontadacom a improbabilidade de os seus activos se empregarem sem sair daterra. Por outro lado, com o enchimento da barragem desapareceu todoum cenário físico indissociável da memória colectiva da Estrela, atin-gindo o âmago da identidade colectiva. Por último, o abandono da aldeiapor parte dos mais jovens paira sobre a população como uma ameaçaplausível, pois é cada vez mais a própria sobrevivência da comunidadeque está em risco. Este complexo de afectos é vivido com o ressentimento

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de quem, apesar de tudo, não perde a esperança. É aliás nesta ambiva-lência emocional que se encontra a raiz das elevadas expectativas depo-sitadas no futuro que as propostas delineadas pelo Plano de Pormenorprocuram orientar.

Para as recomendações que deixamos à consideração do Plano de Por-menor da Estrela contribuiu a conclusão de que é na súbita proximidadeda água que, simultaneamente, se encontra a origem e a solução para osproblemas actuais de quem vive nesta aldeia. O alagamento da terra veioabalar a identidade colectiva e a sobrevivência da comunidade, na medida em que fez desaparecer as propriedades que empregavam mão--de-obra. Ora, em primeiro lugar, é nos sentimentos de ameaça à identi-dade e à própria sobrevivência da comunidade que encontramos, respec-tivamente, um desejo de qualificação e requalificação do espaço aldeão,por um lado, e uma receptividade à instalação de «pessoas novas» na Estrela, por outro. Em segundo lugar, perante a problemática ausênciade emprego nas proximidades, é compreensível não só o entusiasmo noque respeita à aposta que venha a ser feita no turismo do rebordo da

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Gráfico 1.1 – Consequências do alagamento

Alargamentoda terra circundante

Ruptura com hábitosancestrais e memórias

cativas na terra submersaIdentidade ameaçada

Alargamento daspropriedades que

absorviam mão-de-obraDesemprego

Comunidadeameaçada

Qualificação e requalificação

dos espaços

Apoio na apostano turismo

(criação de postosde trabalho)

Receptividade a visitantes (potenciais

consumidores)

Receptividade face a novos

visitantes

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lagoa e na subsequente criação de novos postos de trabalho, mais apete-cíveis pela sua proximidade em relação à aldeia – e, porventura, pela al-ternativa que constituem à dura vida do campo –, mas também a cons-ciencialização da importância da receptividade dos habitantes face aoseventuais visitantes, pois estes são considerados potenciais consumidoresdos produtos e serviços que a aldeia possa ter para oferecer.

A contemplação que o Plano de Pormenor fará de todo um conjuntode equipamentos, bem como das fronteiras entre os diferentes tipos deintervenção – questionando-se até que ponto terão a aldeia e, assim, aprópria vida na Estrela de estar sujeitas a imiscuir-se num eventual cenárioturístico –, terá em consideração quer esta dupla receptividade à gentede fora e ao apoio no turismo por parte dos habitantes, quer o desejo dequalificação e requalificação dos espaços afectos à aldeia.

Assim, em primeiro lugar, e de acordo com os resultados do inquéritoà população, há um conjunto de equipamentos que podem ser instaladosna área do rebordo da lagoa, visando sobretudo o turismo e proporcio-nando a criação de emprego: um bar; um restaurante; um parque decampismo; uma pousada; uma pousada de juventude; uma ciclovia. Talcomo verificámos, trata-se de equipamentos propostos pelos habitantes.Alguns deles implicariam postos de trabalho para os quais encontrámospessoas com disponibilidade e apetência. De facto, são vários os entre-vistados que se mostram disponíveis, ou que sentem mesmo ter formaçãosuficiente para exercer uma actividade em ramos de actividade como oda restauração. Esses equipamentos, tal como tantos outros, contribui-riam assim para colmatar a actual ausência de oferta de emprego da re-gião.

Em segundo lugar, compensando a actual ausência de infra-estruturas,parece-nos fundamental a requalificação do espaço aldeão e da sua en-volvente, designadamente: a reconfiguração do espaço do largo da igreja;o restauro da igreja; a construção de uma casa mortuária nas proximida-des da igreja; a substituição do pavimento betuminoso por empedrado;um desvio que evite o duplo sentido dos automóveis nas estreitas ruasda Estrela; a construção de infra-estruturas para electricidade, gás, depó-sito de água e TV por cabo; uma estação de tratamento das águas, pondotermo ao escoamento dos esgotos para a lagoa. Estes equipamentos são,por outro lado, tanto mais necessários quanto se trata de capitalizar a re-ceptividade dos habitantes que o inquérito revela, estimulando com estasacções a instalação de novos habitantes na Estrela. Com efeito, tal comoapontam os resultados deste estudo, a criação destas infra-estruturas e arequalificação do espaço aldeão não deixariam também de ser reconhe-

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cidas pela população como verdadeiras contrapartidas do alagamento daterra envolvente.

Em terceiro lugar, encontram-se os equipamentos expressamente des-tinados a recompensar a população pelo abalo identitário e alteraçõeslogísticas consequentes do alagamento. Como vimos, muitos dos espaçoshoje submersos são inseparáveis da memória colectiva. Por outro lado,o alagamento provocou rupturas significativas a nível dos hábitos e dasrotinas da população, entre os quais se encontram o costume de lavar aroupa no rio ou o recurso das famílias à água de um furo existente noslimites das suas propriedades, hoje submersas. Entre os equipamentosdestinados a reduzir essas implicações sociais do alagamento, encontra-ríamos: um memorial, actualmente inexistente na aldeia; um espaço re-servado à largada de vacas e touros; uma fonte destinada àqueles que sesocorriam de um furo ou de um poço; um lavadouro público, permi-tindo de alguma forma compensar o hábito ancestral de lavar a roupano Guadiana.

Em quarto lugar, há um vasto conjunto de equipamentos que tantose destinam ao usufruto dos visitantes como podem contribuir para di-namizar a vida quotidiana na Estrela: um pontão de pesca de recreio;um clube náutico; um campo de futebol; uma piscina em substituiçãoda praia fluvial, desaconselhável, apesar de desejada;18 um parque de es-tacionamento à entrada da aldeia; embarcadouros de pesca e de recreio,com respectivos estacionamentos de apoio; locais para usufruto da pai-sagem com que o enchimento da barragem de Alqueva presenteou estapopulação (um miradouro, uma marginal junto à margem para bicicletase peões); estruturas de protecção entre a lagoa e a margem; espaços deconvívio como o parque das merendas, tão falado entre os habitantes,ou um parque infantil fora da escola primária, para as crianças visitantes;um posto da GNR e de turismo; um parque de bicicletas; um restaurantecentral, no largo.

Por último, não queríamos deixar de sublinhar a importância de reunircondições para que a vida na aldeia não seja absorvida, como forma deatracção, no cenário turístico. Por todas as razões invocadas, é de factofundamental a aposta no turismo na zona do rebordo da lagoa que en-volve a Aldeia da Estrela. No entanto, é também verdade que a percepçãoda importância da proximidade com a água que observámos junto dapopulação, bem como a predisposição desta para receber visitantes nãoautorizam uma acção de intervenção que venha impor uma interacção

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18 Uma praia fluvial contradiria o interesse de preservação da qualidade da água da lagoa.

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forçada e, portanto, artificial entre a dinâmica própria do lugar – a aldeiaenquanto repositório de memória que, habitado e apropriado no quoti-diano pelos habitantes, orienta os seus modos de vida, constituindo destemodo o principal alicerce da identidade colectiva – e a lógica do turismo.Enfim, esta ressalva parece-nos tanto mais adequada quando se trata deuma comunidade que, mesmo à custa de um repovoamento protagoni-zado por habitantes provenientes do exterior, se manifesta predispostapara o desafio de revitalização da própria aldeia:

As casas que têm sido vendidas são de pessoas que só vêm cá passar 15dias, um fim-de-semana. Gostava que fossem pessoas que viessem mesmoviver para aqui. Se forem vender isso tudo a pessoas assim, chega a um pontoem que não há aqui ninguém.

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Manuel Graça DiasEgas José Vieira

Parte II

Plano de Pormenor da Aldeia da EstrelaPreâmbulo

O projecto como um lugar, um mirante, de onde se possaver a realidade, antes de tudo, como uma projecção futura.

Paulo Mendes da Rocha

O objectivo principal deste plano consistiu, sobretudo, na criação dealgumas balizas, de modo a enquadrar o crescimento e o desenvolvi-mento urbanístico da Aldeia da Estrela, harmonizando o embate entrea preservação e valorização das qualidades paisagísticas e a curiosidadeturística que o sítio, transformado em península nas margens do Alqueva,tem vindo a suscitar.

Haverá ainda que considerar, no desenvolvimento futuro que o planopermite, anuncia e limita, a sustentabilidade e o equilíbrio, quer da pre-cária estrutura urbana hoje existente, quer do novo sistema ecológicoque a rodeia, quer, ainda e sobretudo, da população que já a habita e da-quela que se espera venha a curto prazo repovoá-la.

A escala da intervenção e um saudável balanço e mistura de activida-des, foram, então, os factores mais presentes na elaboração do plano.

Pretende-se que as diversas peças de equipamentos (do hoteleiro aorestaurativo, do lúdico ao cultural, do diário ao mais excepcional) adqui-ram uma escala adequada à dimensão do aglomerado hoje existente, maisdo que aquela que resultasse de uma previsão muito optimista de capa-cidades de atracção. Resumidamente, e como exemplo da filosofia quepresidiu à elaboração do trabalho, diríamos ser preferível uma pequenapousada (com cerca de 12 quartos) permanentemente ocupada, e inclusivecom lista de espera ao longo do ano, que uma maior estrutura hoteleiraque viesse a ter taxas de frequência variáveis entre o quase completo e o

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Figura 19 – Localização da Aldeia da Estrela [marcação sobre extracto da planta de síntese do Plano de Ordenamento das Albufeiras do Alqueva e Pedrógão (POAAP)]

Figura 20 – Um dos novos promontórios da Aldeia da Estrela, 2004

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quase vazio. Do mesmo modo os restaurantes, do mesmo modo a(s) pis-cina(s), do mesmo modo os ateliers para artesãos.

Se o sucesso se instalar entre os visitantes da Estrela, isso será bompara o sítio e para os seus habitantes, mas esse sucesso deverá ficar semprea dever-se à firme manutenção de uma determinada dimensão e de umaqualidade urbanas, equilíbrio que, grandes enchentes ou romarias, cer-tamente, poderia vir a destruir.

Ainda dentro do espírito que norteou a intervenção e em ordem à sus-tentabilidade futura da actividade principal que se adivinha hoje poder vira constituir a matriz económica da aldeia — e referimo-nos ao turismo —,pensamos que também a materialização do plano deverá concorrer para acriação de outro tipo de vantagens nesse campo.

É sabido como, actualmente, muitas cidades e aglomerados urbanos poressa Europa fora encaram a arquitectura como o ponto principal de atracçãopara o chamado «turismo cultural». Existe, inclusive, hoje, uma expressão,corrente entre os autarcas, os arquitectos e todos aqueles que estudam ofenómeno urbano, que define este tipo de valores: «o efeito Bilbao» – comreferência explícita ao facto de o arquitecto Frank O. Gehry ter assinado oprojecto do Museu Guggenheim de Bilbao, inaugurado em 1997, facto queterá, mediática e estatisticamente, impulsionado expressivamente a activi-dade turística na antiga «capital da indústria do ferro e do aço» do País Basco.

Apontando, obviamente, para escalas muito mais delicadas, este plano,partilha, contudo, da veleidade de supor que a qualidade arquitectónicados projectos que forem sendo levados a cabo, bem como o nome dosarquitectos convidados para os interpretar, poderá vir a constituir-se numfortíssimo contributo, quer para um quotidiano mais rico das populaçõesda Estrela quer para a manutenção de um fluxo contínuo de curiosidadee interesse por parte de um tipo de turismo, não só mais exigente, mastambém, e sobretudo, com grande capacidade de divulgação e influênciana opinião pública.

Enquadramento 1

Estrela é a aldeia ribeirinha que estabelece a mais estreitarelação com o plano de água da albufeira. Localizada no

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1 Este texto seguirá de muito perto o «Relatório» de enquadramento e justificação dasprincipais medidas e disposições propostas no Plano de Pormenor da Aldeia da Estrela.Omitiram-se muitas das citações referidas ao «Inquérito sociológico à população da Al-deia da Estrela», por redundantes, nesta publicação, onde figurariam lado a lado com otrabalho da sociologia.

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troço central da sua zona livre, configura-se como uma pe-nínsula proeminente, no extremo da cumeada que dividea confluência da ribeira de Alcarrache, a norte, da ribeirado Zebro, a sul, o que lhe permite estabelecer uma relaçãovisual alargada com as margens da albufeira.2

A Aldeia da Estrela, pequeno aglomerado populacional no concelhode Moura (a cerca de 6 km da Póvoa de São Miguel, freguesia a que per-tence), até há pouco tempo de características quase exclusivamente rurais,foi profundamente abalada geográfica, social e economicamente comoresultado da subida das águas do Alqueva.

Instalada sobre a linha de festo e alguns promontórios de um conjuntode montes, a partir dos quais a população dominava visualmente todo oterritório agrícola em volta, a pequena aldeia viu-se transformada, no pe-ríodo de um ano, numa península, rodeada de água por todos os ladosexcepto por aquele que significativamente, apesar de tudo, ao longo dostempos a tinha ligado às aldeias e cidades da região – o istmo coincidindocom o caminho municipal 1005, que sempre conduzira ao (e para forado) povoado.

O resultado deste acontecimento – colateral em relação aos objectivosque estiveram na génese da construção da barragem de Alqueva –, se, porum lado, se saldou numa extraordinária mais-valia paisagística que veiotrazer à aldeia um enquadramento a todos os títulos excepcional é, poroutro, responsável pela disfunção social que hoje ocorre na Estrela, so-mada a uma (no mínimo) difusa sensação de desconforto em relação aofuturo que atravessa grande parte das preocupações dos seus habitantes.

Objectivos gerais

Foi objectivo da EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estru-turas do Alqueva), ao contratar este Plano de Pormenor (no âmbito dascontrapartidas estabelecidas por protocolo com a Câmara Municipal deMoura),3 que, «face à excepcionalidade da situação e à radical mudançapaisagística (mas também ambiental e social) [...] surgisse uma resposta

Aldeia da Estrela

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2 Plano de Pormenor da Estrela: Consulta para a Elaboração do Plano; Caderno de Encargos.EDIA/Gestalqueva, Março de 2004, 3.

3 Na realidade, foi a Câmara Municipal de Moura, única entidade competente para arealização de estudos de suporte à gestão territorial, a promover a elaboração do Planode Pormenor, ainda que, por uma questão obrigacional decorrente da execução da bar-ragem do Alqueva, tenha sido a EDIA a lançar o concurso e a contratar, posteriormente,o desenvolvimento do plano.

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igualmente excepcional e [...] exemplar em termos de metodologia e re-sultados, no modo de lidar com problemas semelhantes». 4

Um plano de pormenor que possa orientar o futuro crescimento daaldeia, enquadrando a previsível procura turística que já se faz sentir, demodo a acudir às problemáticas que esse novo destino trará ao povoado,reencaminhando, em simultâneo, uma população sem grandes horizon-tes de trabalho (a maioria ocupava-se da agricultura nos campos hoje ala-gados), para uma actividade nova, cujo êxito também muito dependeráde um dinâmico apoio de proximidade.

Por outras palavras, um plano que possa, realisticamente, desenhar(em todos os sentidos), um futuro próximo para a aldeia, onde uma novaactividade – o turismo – venha a produzir a riqueza necessária para lhegarantir sustentabilidade.

Avaliação

Entre o relativo conforto económico do regresso da emigração e a aus-tera actividade agrícola hoje impossibilitada, a aldeia foi permanecendopraticamente imóvel e deserta até à chegada das águas do Alqueva.

Como refere o sociólogo, neste momento a aldeia conta com poucomais de 100 habitantes, «sendo que parte da população ou está emigrada

Plano de Pormenor da Aldeia da Estrela

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Figura 21 – Placa fixada no alçado de uma das casas da aldeia, 2004

4 Plano de Pormenor da Estrela: Consulta para a Elaboração do Plano; Caderno de Encargos.EDIA/Gestalqueva, Março 2004, 2.

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ou passa temporadas, mais ou menos longas, fora da aldeia». Mais deum terço desta população encontra-se na reforma, já que terá hoje maisde 70 anos.

Não terão sido estranhas ao lifting que a aldeia tem vindo a sofrer, maisrecentemente, algumas das indemnizações que os pequenos proprietáriosreceberam como compensação pela subida das águas por sobre os seuscampos, pomares e hortas.

Um certo credo generalizado de que a chegada de forasteiros iria seracompanhada por procura de casas na aldeia — sobretudo junto daquelesa quem a idade e os filhos estabelecidos noutras paragens levariam a pen-sar que a Estrela já nada mais lhes tinha para dar — terá, provavelmente,feito surgir a ideia da venda do pequeno património como uma soluçãointeressante no rescaldo da trágica mudança de paradigma. As indemni-zações terão ajudado, então, a um certo impulso «modernizador» queatravessa toda a aldeia. Para outros, ou para alguns dos mesmos, a «mo-dernização» das casas terá correspondido a um desejo profundo e antigoe a pequena indemnização surgido como a oportunidade, até aí semprenegada, de um maior conforto, higiene, «beleza» e status. Certo é que amaioria das casas (cerca de 60%), apresenta hoje um aspecto quase novoou recém-construído.

Extraídos do reduzido catálogo da simbólica de representação con-temporânea portuguesa, amadurecidos por muitos anos de incómodos

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Figura 22 – O novo vernáculo popular, 2004

Figura 23 – Mais uma casa vazia à venda, 2004

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pés direitos, frágeis coberturas estruturadas a madeira por cima das peri-gosas lareiras e de repetitivos cuidados de perpétua caiação, chegaram osmúltiplos sinais exteriores que, aos nossos olhos ávidos de arquitectura«popular», soam com agressividade: os panos de azulejo em vez da cal,desperdícios de mármore a compor laváveis envazamentos, as tintas deóleo texturadas «para durarem mais»; em vez da que considerávamosmodesta, mas «exacta» proporção alentejana, os pés direitos suburbanosda «vivenda de dois pisos, quatro frentes e jardim»; em vez dos (imagi-nados) honestos telhados de aba e canudo balançando em beiral simplessobre a rua, a espessura das grossas lajes de betão sobre as quais se deitamas múltiplas águas resplandecentes de «telha lusa», ou onde sobressaemchaminés novas e com desenhos ao desafio, simbolizando esse virar depágina de existências difíceis que, agora, a água e o vazio que instaurou,vieram tornar de novo absurdas.

Foi neste registo realista, no entanto, que nos interessou iniciar a pro-posta de intervenção.

A Aldeia da Estrela e o seu construído, não constituem um conjuntonotável. O que resta de um modesto povoado alentejano, pobre, de raizrural, não é suficiente, sequer, para se instituir como colecção; um registo

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Figura 24 – «Múltiplos sinais exteriores que, aos nossos olhos ávidos de arquitectura ‘popular’, soam com agressividade», 2004

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que pudesse transmitir memória; um agrupamento que, por qualquerrazão, surgisse exemplar.

A rede de ruas, muito esquemática, tem um carácter quase só funcio-nal, com a rua principal caminhando por sobre o festo dos montes, es-pinhando-se, tentativamente, por sobre os promontórios a sul que hojeapontam à água. Nenhum espaço público com alguma notoriedade apontua; nem uma praça, nem um largo, nem um pequeno jardim.

As modernizações de carácter já muito (sub)urbano dominam o perfilestabilizado da aldeia com os quintais desmazelados e pobres a escreve-rem, numa vista da água, uma imagem tão pouco interessante comopouco consistente do todo.

Nada, a não ser o enorme espelho líquido agora em volta, contribuipara uma identificação, uma sinalização, uma caracterização da aldeia,que a torne distinta de outras, mais ou menos anónimas, que povoam oPortugal mais recente.

E no entanto é assim que vive aquela população, naquele espaço físicoque se habituaram a amar, naquele construído de que são autores colec-tivos, naquela situação mais real que imaginária, mais pragmática que pi-toresca.

Nada, também, nos autorizou a questionar os caminhos pessoais queconduziram ao existente.

Tudo, no entanto, tentámos fazer para que o que existe pudesse vir aadquirir outro(s) brilho(s) no contágio com o novo, para que a impres-

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Figura 25 – O perfil quase estabilizadoda rua principal da aldeia, 2004

Figura 26 – «Quintais desmazelados e pobres», 2004

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cindibilidade da sua urgência, para salvar economicamente o lugar, pu-desse vir a produzir novos sentidos, encontros, significados.

Procurámos uma perspectiva inclusora, ao invés de uma mais sobran-ceira ou culturalista. Como referem Venturi, Scott Brown e Izenour(1977),

Os arquitectos perderam o costume de contemplar sem espírito de crítica oambiente, porque a moderna arquitectura ortodoxa é progressista, para nãodizer revolucionária, utópica e progressista; não está satisfeita com as condi-ções existentes. A arquitectura moderna tem sido tudo menos tolerante. Osarquitectos preferiram mudar o meio ambiente a valorizá-lo.

Ou, como José Pedro Vicente (1979),

O projectar, qualquer que seja o plano factual do entendimento, sempre teráque ser inclusor, jamais se situando por exclusão – ou na exclusão. Construir– porque habitar – é fazer parte e ser parte; não o estar à parte.

Olhámos o existente como se olha a nobreza de um casco históricovivo; em volta, a água e o resto; o «resto» resgatando possibilidades decompletamento.

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Figura 27 – Divisão cadastral da aldeia, 2005

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Estrutura da propriedade

Verifica-se, na área de intervenção do plano de pormenor, a existênciade 165 propriedades correspondendo a 108 proprietários, com as seguin-tes participações a nível da implementação do plano:

• 108 propriedades manterão os seus limites;• 17 propriedades serão expropriadas na totalidade (cinco das quais

fazem parte do processo de realojamento junto ao Largo 1.º deMaio);

• 26 propriedades serão parcialmente expropriadas;• 14 propriedades farão parte do processo de reparcelamento.

Relativamente às propriedades que farão parte do processo de repar-celamento, elas perfazem 105 644 m2, o que representa 41,20% da áreatotal do plano.

Levantamento urbanístico

Foi realizado um levantamento que englobou todas as cons -truções/edifícios da área de intervenção (não individualizado cadastral-

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Figura 28 – Ficha de Inquérito Arquitectónico do Plano: Parcela A33, 2005

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mente, mas «construção a construção»), tanto das zonas mais consolida-das como nas mais dispersas, de forma a ser entendida a importância decada uma no conjunto do aglomerado.5

Procurou-se, com esta metodologia, ir mais além de uma mera classi-ficação da importância arquitectónica das edificações, aproximando-nosda forma de organização espacial, social e económica da aldeia.

Proposta

A nossa proposta de plano tenta sintetizar três momentos em relaçãoà Aldeia da Estrela.

Em primeiro lugar, uma leitura do sítio, do território que contém a al-deia e onde a aldeia se contém e daquilo para que o construído e o espaço

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5 O levantamento abrangeu as seguintes variáveis: tipologia/função do edifício ou daconstrução; número de pisos; número de frentes; usos; caracterização dos logradouros;qualidade das espécies vegetais incluídas nos logradouros; estado de conservação do edi-fício; materiais e cores das paredes e coberturas; materiais e cores de caixilharias e portas.Para cada construção/edifício identificada no levantamento foi elaborada uma ficha in-cluindo fotografias do estado (à data) do mesmo.

Figura 29 – Ficha de Inquérito Arquitectónico do Plano: Parcela A36, 2005

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físico apontam, face à procura das principais linhas de crescimento e de-senvolvimento do povoado; chamámos-lhe o que o sítio pede.

Em segundo lugar, a leitura que a sociologia nos deu dos desejos maisprofundos da população, as recorrências, as faltas pressentidas, as suges-tões de quem habita hoje a aldeia e imagina um futuro construído ondese pudesse sentir bem; chamámos-lhe o que as pessoas desejam.

Finalmente, e em terceiro lugar, a nossa própria intuição, bebida noprograma entretanto esquematizado e que procurou prever a melhor lo-calização para as várias hipóteses de uma ocupação centrada num tu-rismo – tão «ligeiro» quanto a escala da aldeia –, entre iniciativa privada(local ou mais alargada) e pública (camarária ou ligada a programas na-cionais ou comunitários); chamámos-lhe o que o plano potencia.

Tentámos, assim, cruzar o pedido (do território) com o desejo (das po-pulações), sobrepondo, a esse inicial cruzamento, as diversas potenciali-dades contidas num desenho suficientemente aberto, no sentido de sevir a antecipar às variantes da vida.

Descrição geral

Do ponto de vista da estruturação que propomos, o plano6 conta-seem poucas palavras. Ao longo da actual rua principal (que segue pelalinha de cumeada e acaba hoje em impasse no extremo poente da pe-nínsula) serão criados três pontos fortes, três pequenas praças que recen-trarão funcionalmente o povoado no sentido nascente/poente: Praça daEstrela (chegada), Largo da Igreja e Praça do Sol ou dos Ofícios (vendase artesanato). Destas praças será dada nota mais à frente.

A rua principal será prolongada, a partir do terceiro ponto (Praça doSol ou dos Ofícios), transformando-se numa «marginal», numa «via deronda», seguindo o capricho de uma linha afastada 30m da curva 152(cota limite de enchimento da albufeira).

Esta «marginal» reencontra a rua principal no ponto de partida (Praçada Estrela) permitindo (com um único sentido de trânsito), a quem venhade fora, um claro circuito pela aldeia.

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6 O plano de pormenor é compatível com o PDM de Moura conforme publicado emDiário da República – I Série-B de 23 de Fevereiro de 1996, e nomeadamente com os ar-tigos 25.º e 28.º onde são estabelecidos os índices para o enquadramento das áreas habi-tacionais, sendo a Estrela considerada um aglomerado inserido nas «Áreas turísticas» ede baixa densidade populacional (40 habitantes por ha). Quanto ao enquadramento, oreferido PDM considera como coeficiente bruto de ocupação do solo o valor de 0,4, ad-mitindo ainda que o coeficiente líquido possa atingir um índice máximo de 0,8.

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Os diversos promontórios que avançam sobre a água foram nomeadosem função dos equipamentos aí distribuídos, possibilitando uma cons-trução separada também no tempo, sem o constrangimento de «nuncamais se sentir a intervenção terminada». Serão, por exemplo, o promon-tório do Memorial (frente ao antigo cemitério), o da água (piscinas pú-blicas), o do pontão de pesca (ligado à pesca de lazer), o das Pousadas(de Juventude e Sénior), o dos apoios (aos embarcadouros).

Também as enseadas vão adquirindo nomes, com a localização depretextos e equipamentos (a do Bar Pôr-do-Sol, a das Touradas ou doEmbarcadouro de recreio, a do Porto de Pesca).

Uma ligeiríssima passadeira em madeira dará a volta a toda a aldeia, àcota 153 m, permitindo a peões e ciclistas um percurso paisagístico in-vejável bem como um remate «sólido» e «visível» sobre a linha de água.«Falta um caminho à beira do rio como eu já vi em Genebra e em Zuri-que. Se tivéssemos esse caminho, sempre dávamos uma volta», como re-fere um dos entrevistados pela sociologia.

Entre este passeio marginal, pedonal e ciclável e a linha non-aedificandidos 30 m, será estabelecido um «Parque de Ronda», uma peça paisagísticamuito apostada nos contrastes entre coberto vegetal endémico, caminhosde peões e zonas arborizadas, entrecortado, aqui e ali, pela manutençãode hortas privadas que hoje chegam até à linha de água.

Uma série de «muros transparentes» (grelhas em tijolo, sobrepostas eposteriormente caiadas) deverão rodear os quintais mais expostos a partirda água, a norte e a nascente, garantindo transparência aos moradores ealguma sistematização visual para quem se aproxime por barco ou passeiepelo «Parque de Ronda».

Uma zona de expansão, maioritariamente localizada ao longo do pro-montório das pousadas e do promontório dos apoios, permitirá à aldeiauma «frente» de construção, propositadamente pequena (cerca de 60 «lotes» no total, destinados a outros tantos fogos unifamiliares), nosentido de permanecer fiel à sua escala, articulando, no entanto, estasáreas, com a zona mais central e já regularmente densa da Estrela.

Falemos agora, mais detalhadamente, dos momentos estruturantesda proposta, das pequenas praças que animam o troço do arruamentoprincipal que pretendemos reequilibrar, bem como dos pólos principaisde equipamento e estadia que bordarão alguns dos promontórios e en-seadas.

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Figura 30 – Plano de Pormenor da Aldeia da Estrela (esquisso de trabalho, 2005)

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Praça da Estrela

Situada bem à entrada da aldeia, esta pequena praça pretende, noplano simbólico, dotar o povoado de uma curiosidade urbana, de umaespecificidade arquitectónica que possa, de um modo simples, fazer per-durar o nome Estrela no imaginário dos seus visitantes. Os edifícios quedefinem este espaço completam, então, entre si, um desenho de uma es-trela de cinco pontas que os pavimentos depois deverão sublinhar e ani-mar. Como refere Lynch (1982 [1960]),

A força de uma imagem aumenta quando o elemento marcante coincidecom uma associação. [...] Mesmo a doação de um nome tem um determi-nado poder, desde que esse seja um nome conhecido e aceite. De facto, sepretendermos tornar o nosso ambiente significativo, temos necessidade deuma tal coincidência de associação e de imaginabilidade.

Do ponto de vista funcional, esta praça de chegada agregará o postoda GNR (base para a vigilância da albufeira), um pequeno posto de in-formações e turismo, uma «casa» para aluguer de bicicletas, o centro cí-vico da aldeia, bem como uma pequena biblioteca, equipamento sentido

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Figura 31 – Praça da Estrela (troço da maqueta final, 2006)

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em falta pela população como detectado pelo inquérito sociológico (maisde metade da amostra), indiciando «um reconhecimento do significadoda cultura letrada para a formação dos mais novos.»

Será a partir desta praça de chegada que os visitantes escolherão dar avolta à aldeia em automóvel ou, pelo contrário, estacionarem-no, atrás,numa zona discreta, sob uma sombra amiga (parque automóvel paracerca de 140 viaturas), partindo, depois, a pé ou de bicicleta à descobertada verdadeira Estrela.

Largo da Igreja

Para este Largo, propõe-se uma metodologia um pouco mais radical:o seu aparecimento ficará a dever-se mais a demolições na envolventeda igreja que a uma construção muito evidente. Propomo-nos alargar oespaço de estadia no coração da aldeia, construindo, simultaneamente,um ponto de encontro para os mais idosos sob as árvores, no centromesmo dos hábitos já arreigados, junto da velha igreja onde é guardadacom tanto carinho e estima a imagem da Senhora da Estrela.

Em termos construtivos, neste espaço central será possível fazer erguer,sobre um chão plano e ligeiramente destacado dos arruamentos em volta,muito arborizado (plátanos), com os previsíveis apoios (bancos, mesaspara jogos, papeleiras, iluminação, etc.), o «Jardim Público» que a aldeianunca conheceu.

Para este recentramento simbólico da vida do povoado, será necessáriocontar desde já com a demolição de um grupo de cinco casas que hojeapertam a igreja, reduzindo o seu desafogo ao adro e ao pequeníssimoLargo 1.º de Maio, em frente.

A população considera a capela mortuária, construída à entrada donovo cemitério, pouco praticável, sobretudo no Inverno porque muitolonge do povado; habituada a velar os seus mortos na igreja, a recenteproibição fá-la desejar uma casa mortuária no centro, obstando ao su-plementar incómodo das noites tristes. A nova capelinha está muito bemjunto ao cemitério, dizem, «mas para missa de corpo presente».

Uma capela mortuária, então, mas também um lago/tanque para la-vagens colectivas, que será durante o resto do tempo, sobretudo, umapeça decorativa e de refrescamento do ambiente (porque as mulheres noVerão iam habitualmente lavar as mantas e os cobertores ao rio, situaçãoagora proibida no grande lago que os rodeia), uns discretos sanitários pú-blicos, um marco do correio, um terminal ATM, um restaurante/café,uma paragem coberta para as camionetas, completarão, com um sentido

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urbano e de encontro, o equipamento do Largo, fazendo convergir paraele o movimento da vida da aldeia.

Saliente-se que as camionetas deverão dar a volta a todo o novo cir-cuito que se propõe para a aldeia (rua principal mais rua marginal); 7 paratal, será necessário «alargar» a confluência do espaço em frente ao adroda igreja com a rua principal.

Propôs-se um pequeno «corte» em duas das casas que ajudam a definiro triângulo do actual «Largo do Cruzeiro» (1.º de Maio), com reposicio-namento final da peça escultórica.

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7 Cremos que deva, ainda, ser estudado um horário que garanta maior frequência aestas camionetas durante o dia, já que foi um dos desejos detectados na população.

Figura 32 – Largo da Igreja: situação actual, com marcação das propriedades a demolir, 2006

Figura 33 – Largo da Igreja: proposta do plano, compreendendo a reedificação, 50 m para nascente, das propriedades a demolir, 2006

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Figura 34 – Largo da Igreja: situação actual, 2004

Figura 35 – Uma das propriedades a demolir, de modo a «abrir» o novo Largoda Igreja, 2004

Essas duas casas onde será necessário intervir, coincidentemente, po-derão vir a beneficiar com a operação. Na casa a sul, até há pouco àvenda, é desejo do novo proprietário a instalação de um restaurante, oqual poderá vir a articular-se com as casas contíguas, propriedade do

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mesmo. Quanto à actual mercearia, situada a norte do triângulo, poderáanexar uma construção abandonada, ao lado, mantendo e expandindo,assim, ligeiramente, o seu negócio.

Localizámos ainda, perto deste largo principal da aldeia, junto ao edi-fício da Associação de Moradores (nos terrenos do antigo parque infantilque será substituído por um novo, maior, mais no coração do povoado),o posto médico e de enfermagem bem como a farmácia ambulatória, jáque esta é também uma grande aspiração referida pela população.

Praça do Sol ou dos Ofícios

Insistentemente referida, também, pela população, a necessidade de queas novas infra-estruturas a criar, se pudessem vir a localizar dentro de aldeia,sob risco de os visitantes não passarem da «entrada», caso estas, por «faci-lidade», fossem em grande parte previstas no começo do povoado.

A Praça do Sol ou dos Ofícios assinala o ponto mais a poente da ruaprincipal, antes de esta se transformar na já descrita marginal de regressoao princípio da Estrela.

Será uma pequeníssima estrutura que possibilitará o trabalho artesanale pontos de venda, reunindo sob uma arcada circular uma série de mi -crooficinas/ateliers que – propusémos à população – deverão ser consa-grados a diversas actividades muito centradas na própria designação daaldeia (Estrela) e cujo resultado será formalmente associado a uma figura-ção estrelada. A saber: venda de queques em forma de «estrela» (o seu fa-brico poderá ficar ligado à existente padaria muito perto desta praça),venda de queijos em forma de «estrela», fabrico e venda de almofadasem forma de «estrela», de brinquedos de lata e cartão (reciclagem de em-balagens industriais), incluindo moinhos de vento, em forma de «estrela»,bonecas de saia em forma de «estrela», cestaria (incluindo pisa-quentesem forma de «estrela»), rebuçados em forma de «estrela», marroquinariaem forma de «estrela», barros em forma de «estrela» ou, mais simples-mente, apenas venda de produção ou recolha local, como azeite, mel,lagostins de rio, hortícolas, frutas, etc.

A Praça do Sol tem, do ponto de vista funcional, dois objectivos: porum lado, criar um «sítio» ligado a algumas das actividades locais passíveisde ocupar, sobretudo, os mais idosos, constituindo-se numa microeco-nomia de subsistência; por outro, vocacionada para a curiosidade turís-tica, obrigar os forasteiros a percorrer a aldeia, embrenhando-se nas suas(poucas) ruas, mas atravessando-a e descobrindo-a, com o pretexto dacompra de recordações, gadgets ou guloseimas. O medo de que a maior

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Figura 36 – Praça do Sol ou dos Ofícios (troço da maqueta final, 2006)

Figura 37 – Sugestão de forma [fôrma] para a confecção de bolachas «Estrela»,2006

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parte dos visitantes se fique pela zona de entrada e pela costa marginalsul, não percorrendo a aldeia, está na base das referências à necessidadede manter os automóveis de fora a circular por toda a Estrela, quase pre-ferindo, a população, esse movimento, à sensação de que nada se passaou de que algumas «oportunidades de negócio» não vingarão por estaremdemasiado periféricas do que se imagina poder vir a constituir o atractivomaior (sobretudo os ancoradouros e as zonas mais voltadas para o espe-lho de água a sul).

Ancoradouro de pesca 8

O ancoradouro de pesca, na nossa proposta, ocuparia a primeira en-seada voltada a sul (a contar de nascente), por trás da Praça da Estrela.

Seria um ancoradouro destinado a recolher os barcos, sobretudo espa-nhóis, que hoje («clandestinamente») se ocupam da pesca do lagostim derio no Alqueva. Tratar-se-ia quase simplesmente de um longo pontão flu-tuante, cruzado por uma série de tabuleiros de amarração que pro curariam,na zona mais profunda da enseada, acolher as embarcações de pesca.

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8 As descrições que se seguem, relativas aos três tipos de ancoradouro propostos (pesca,recreio e emergência) respeitam à primeira versão desta proposta de plano. Durante olongo e burocrático processo da sua aprovação, contudo, a EDIA encomendou, a umafirma «especializada na construção de embarcadouros», uma solução para ocorrer àgrande procura que a enseada gerava entre pescadores e turistas. Vimo-nos, assim, obri-gados a retirar estes equipamentos do plano; os desenhos aqui apresentados, contudo,ilustram ainda esta versão, já que continuamos a considerá-la mais apropriada e elegante.

Figura 38 – Ancoradouro de pesca (troço da maqueta final, 2006)

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Em terra, a chegada dos automóveis deveria vir a ser facilitada, permi-tindo cargas e descargas; nesse sentido, foi previsto um pequeno arma-zém, parcialmente enterrado (sob a ligeira encosta do parque de estacio-namento, não se constituindo em «obstáculo» às vistas sobre o lago),com múltiplas portas/cacifos para arrumação de material (redes, isco,bóias, caixas de recolha), bem como uma guarita para a GNR, e um postode abastecimento de combustível junto à água.

Um pontão sólido (rampa varadouro), inclinado sobre a água, permi-tiria reparações informais das embarcações bem como o seu arrasto de/epara a albufeira.

Ancoradouro de recreio

Situado na segunda enseada sul (a contar de nascente), este ancora-douro deveria ser uma peça flutuante, circular, apoiada nas margens daenseada e aberta a meio, permitindo a entrada de embarcações de lazer.A amarração das embarcações seria feita ao longo da peça de circulação,permitindo também a ligação pedonal entre as margens.

Uma estrutura ligeira de apoio (sanitários, duches, comércio específicoe pequeno quiosque de informações e café) a ser construída no promon-tório nascente, deveria articular-se, a poente, com a zona das pousadas.

Imaginava-se este equipamento, a partir do momento em que fosseconstruído, como aquele que mais contribuiria para a vinda de visitantes,tornando a Estrela num local muito mais movimentado, alegre e variado.Apostou-se então numa estrutura (tendo em vista, em todo o caso e como

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Figura 39 – Ancoradouro de recreio (troço da maqueta final, 2006)

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já várias vezes referido, a introdução de escalas que não alterassem os frágeisequilíbrios da aldeia), com alguma capacidade (cerca de 35 embarcações).

Uma «língua» inclinada, à beira da estrada marginal, faria as vezes devaradouro, possibilitando reparações e entrega à água das diversas em-barcações. Um posto de abastecimento de combustível, perto, comple-taria o apoio a este embarcadouro.

Ancoradouro de emergência

Continuando a permitir a recolha de embarcações em caso de descidadas águas que, em anos mais excepcionais, poderá recuar até à cota 130 m,deveria ainda vir a ser criado um engenho flutuante, constituído por váriaspeças em rampa, articuladas entre si, que possibilitasse a conexão dos pro-postos atracadores móveis, quer do ancoradouro de pesca quer do de recreio.Em ligação com um pequeno pavilhão circular de apoio, este engenho deemergência apenas seria posto em funcionamento por ordem das entidadescompetentes, a partir do momento em que fosse sabido que as águas pudes-sem vir a recuar em relação à cota de uso mínimo habitual (cota 145m).

Recinto de touradas

Um pequeno recinto para vacadas e touradas, bem como para festas,concertos ou outros espectáculos com possibilidade de ar livre (no fundo,uma arena/palco e um discretíssimo anfiteatro pétreo em semicírculofrente à imensidão de albufeira) inscreve-se sobre uma enseada do perí-

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Figura 40 – Recinto para touradas, anichado na enseada do embarcadouro derecreio (troço da maqueta final, 2006)

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metro de água da aldeia. Perto, encostada a uns muros existentes, umaestrutura metálica fixa poderá receber sazonalmente a animação das bar-racas de feira, das festas ou de outras actividades culturais.

Procurou-se, com esta intervenção, dar uma resposta mais genérica(em termos de uso), a um dos pedidos mais insistentes da população, anecessidade da previsão de um recinto para a largada de touros, pedidoque radicará, sobretudo, como salienta a sociologia, na necessidade «dealimentar o sentimento de pertença».

Promontório das pousadas

Não existe nenhuma espécie de apoio hoteleiro na aldeia. Não há gran-des possibilidades, então, de captar um «turismo» mais estável, que possabasear-se ali, na Estrela, alguns dias, voltando, de quando em vez, porcontraste com os forasteiros «de algumas horas», que não chegam a esta-belecer laços, nem com o sítio nem com os seus habitantes.

Aquele que designámos como Promontório das Pousadas (onde sesitua o ponto mais alto da aldeia e o respectivo marco geodésico), remata,simultaneamente, a principal zona de expansão da Estrela; aí, propomosa instalação de um pequeno café-miradouro sobre a paisagem que umarruamento em elipse faz depois conduzir à Pousada de Juventude (dolado poente) e à Pousada, propriamente dita, do lado nascente.

Acessíveis às camionetas de turismo (sobretudo a Pousada de Juven-tude) ou às cargas e descargas de abastecimento, a partir do arruamentomarginal, as pousadas surgem-nos assim anichadas nas dobras do pro-montório, observando a água e rematando esta extrema da aldeia; sobre-tudo, atribuindo-lhe significado.

A Pousada de Juventude terá uma capacidade para cerca de 50 camas(divididas por quartos triplos ou quádruplos para criançada e quartos du-plos para professores) e poderá receber turmas das escolas secundárias emregime de «campo de férias», com base na Estrela para posterior reconhe-cimento da região. Nos terrenos afectos à Pousada de Juventude, por entreas árvores, será possível, na Primavera e no Verão, desdobrar a sua capaci-dade através de um pequeno parque de campismo (com as zonas de apoio– sanitários e duches –, englobadas no edifício da própria pousada).

Um pequeno campo desportivo (possibilitando várias práticas, inclusivefutebol de sete, outra das reivindicações da população) anicha-se numsocalco no tardoz da pousada com algumas bancadas informais, empedra, distribuídas pela encosta, e servindo-se dos balneários/instalaçõessanitárias de apoio ao campismo.

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Figura 41 – Promontório das pousadas (troço da maqueta final, 2006

Figura 42 – Promontório das pousadas (esquisso de trabalho, 2005)

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A Pousada Sénior será uma estrutura muito mais ligeira, com um má-ximo de 12 quartos duplos, vocacionada para fins-de-semana de descon-tracção e lazer.

Deverá possuir um restaurante muito familiar, de apoio, tornando-se,assim, num must da Estrela, permitindo uma ocupação tendencialmenteplena e muito procurada, precisamente pela sua quase exclusividade.

O pequeno parque de estacionamento anexo é dissimulado sob o ter-reno do promontório, de um modo que procurámos discreto e eficaz.

Memorial

No primeiro promontório norte (a contar de nascente) perto de ondese localizou o antigo cemitério da Estrela, entretanto transferido parafora da aldeia dada a sua proximidade da cota 152 m, propomos a edifi-cação de um memorial, muito simples, quase só uma plataforma abrigadae recolhida, que possibilite o olhar a norte, que assinale aos visitantes eaos vindouros o antigo sítio desta memória colectiva, certamente dolo-rosa, mas hoje já perfeitamente apaziguada.

Uma obra de arte pública contemporânea, a encomendar a um artistaplástico, deverá vir a situar-se sobre esta plataforma, dedicada à meditação.

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Figura 43 – O antigo cemitério, antes do enchimento completo da albufeiraque o viria a cobrir, 2004

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Figura 44 – O caminho que conduzirá ao Memorial, 2004

Promontório das piscinas

Foi um dos equipamentos mais solicitados (a par com o desejo de umcampo de futebol...), o de poder ser utilizada a água do Alqueva comouma praia que a aldeia nunca conheceu.

Figura 45 – Promontório das piscinas (troço da maqueta final, 2006)

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Os inconvenientes para a saúde pública daí advindos desaconselhamesse tipo de utilização da água demasiado vizinha.

Propusémos, então, duas piscinas (uma interior, para o Inverno, e outraao ar livre, para o Verão) que, quase sobre a água, nas margens, possaminscrever a ilusão de um banho no Alqueva, refrigério nada dispiciendotanto para os moradores como para os visitantes.

Também as aulas de canoagem (que poderão envolver sobretudo osvisitantes em regime de «campo de férias»), terão aqui cabimento, pre-parando mais largos passeios futuros na albufeira.

Uma discreta estrutura de apoio e sombra fará as vezes das construçõesde praia, convidando a um estar descontraído e colaborando para maisum lugar na Estrela.

Pontão de pesca desportiva

Um pontão voltado a poente, alongado sobre a água no extremo oci-dental da península, permitirá aos pescadores (outros pontos, dentro dolimite da água o possibilitarão, nomeadamente o circuito de ronda parapeões e bicicletas, que é todo ele também vocacionado para a estadia epara a pesca) demoradas competições, para além de se constituir noutrolocal de passeio/peregrinação.

Bar Pôr-do-Sol

Propõe-se ainda que, na parte sul poente, se venha a inserir uma es-trutura de bar, vocacionado para o fim de tarde/noite, com a sua locali-zação, quase já fora da aldeia, a convidar a um tipo de ocupação maisruidoso ou boémio.

Zona de expansão habitacional

Trata-se de uma zona de colina (para um e outro lado do largo pro-montório que termina sobre as pousadas), para onde propomos o com-pletamento de uma estreita rua já existente, sobre o festo, com duas ti-pologias de ocupação.

Uma, em dois pisos, mas com o térreo quase todo vazado, permitindo,a quem caminhar na rua, uma vista, para um e outro lado, da água e doslogradouros interiores, bem como, aos moradores, uma visão desafogadapor sobre o descer lateral do promontório.

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A segunda tipologia construir-se-ia mais abaixo (também de um e dooutro lado), com casas de um só piso, mais uma pequena porção alteada(o contrário das de cima), em mirante, com acesso automóvel a partir doarruamento marginal e também com logradouro nas traseiras.

Um conjunto, então, com algum desafogo de áreas (falamos de casascom cerca de 200 m²) e com enorme abertura sobre as paisagens ilumi-nadas do Alqueva.

No promontório vizinho, a nascente, algumas bandas de casas-pátiocompletarão a ocupação residencial já aí esboçada, cosendo, entre si,ruas, travessas e ruelas.

Parque de Ronda

Toda a zona contida entre o caminho das bicicletas e a linha/limitedos 30 m, para dentro da cota 153, será objecto de tratamento paisagís-tico específico, muito cuidado, transformando essa faixa marginal numgrande espaço público e aberto, à volta da aldeia, com eventual manu-tenção de alguns espaços privados (hortas hoje existentes) pelo meio.

João Gomes da Silva, que connosco delineou o desenho da paisagemvegetal da aldeia, descreveu deste modo o futuro Parque:

Parque de Ronda – faixa envolvente ao aglomerado, que estabelece ocontacto e a transição com e para o plano de água. É contido pela via deronda ao aglomerado e pelo passeio de ronda sobre estacaria (bicicletas epeões). A sua tipologia é a de um espaço predominantemente vegetal queacolhe estadias e deambulações bem como pequenos equipamentos deapoio a actividades colectivas, construídos em materiais e sistemas ligeiros.Tendo uma função ecológica importante, no que respeita à fixação do limiteinstável determinado pela cota de contacto com o plano de água, a sua ve-getação será seleccionada de forma a garantir resistência às variações dos ní-veis desse plano, com as características de um bosque ribeirinho. São admis-síveis os sistemas espaciais de «Freixial com prado sob coberto», «Salgueirale Tamargal em bosque aberto», «Prado», «Canavial com charcas temporárias»e «Zambujal com Loendro em mata aberta». Estas tipologias dependerão dascaracterísticas ecológicas, do maior ou menor afastamento ao plano de água,da topografia mais ou menos declivosa, do tipo de solo e de outras configu-rações de Arquitectura de Paisagem a definir.

Temos assim, finalmente, um conjunto de ideias/localizações que dãoconteúdo a este Plano de Pormenor e que fizémos avançar sem medo,pelo meio do existente, de modo a que viessem a servir de base a umadiscussão mais alargada.

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Discussão que teve de tomar em linha de conta, em todo o caso, tam-bém, o que o espaço nos parecia «querer ser», o que os seus ocupantesgostariam que fosse, e as oportunidades reais (económicas, turísticas, cul-turais) que o desenho conseguisse, neste balanço, potenciar.

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Figura 46 – As zonas de expansão habitacional ao longo dos promontóriosmais salientes (troço da maqueta final, 2006)

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Figura 47 – Aldeia da Estrela (levantamento do existente, 2006)

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Figura 48 – Plano de Pormenor da Aldeia da Estrela (implantação, 2006)

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Figura 49 – Plano de Pormenor da Aldeia da Estrela (maqueta global, 2006)

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Ficha técnica

Plano de Pormenor da Aldeia da Estrela, Alqueva, Moura (2004-2013).

Concurso limitado por convites (1.º classificado). Promotor: EDIA/Câmara Municipal de Moura.

Arquitectura e desenho urbano: Manuel Graça Dias + Egas José VieiraCoordenação: Amílcar Duarte (I Fase) e Ricardo Garcia Pereira (II Fase).Colaboração: João Caria Lopes, Carlos Sequeira, Sofia Sanches, VascoTeodoro, Marta Quinaz (projecto); José António Aires Pereira, JoãoCaria Lopes, Vasco Lopes, Carlos Sequeira, Marta Matos Chaves, Do-mingos Domingues, Tomás Antunes, Sofia Sanches (levantamentos ar-quitectónicos).Maquetas: José António Aires Pereira, Vasco Teodoro.

Inquérito sociológico: Rodrigo Duarte Rosa.Estudo económico: João Almeida Carvalho.Infra-estruturas viárias e redes: Miguel Vilar (Betar).Instalações eléctricas: João Fernando Caetano Gonçalves (Joule).Desenho de paisagem: João Gomes da Silva (Global).

Fotografias (Aldeia da Estrela): Contemporânea.Fotografias (maqueta): Fernando e Sérgio Guerra.

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prensa de Ciências Sociais.

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Inquirido n.º _______ Entrevista realizada por __________________________________ Em ___/____/ 2004

Rua ________________________________________ N.º _________

1. Nome completo do inquirido______________________________________________________________________________

2. Sexo Masculino Feminino

3. Estado Civil

1. Casado/a2. Solteiro/a3. Viúvo/a4. Divorciado/a

4. Ano de nascimento 19______

5. Por que razão habita nesta casa?______________________________________________________________________________

6. É proprietário de alguma outra casa na Estrela?

Sim 6.1. Que casa(s) são essa(s)? _____________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________

6.2. Por que razão tem essa(s) casa(s)? _____________________________ ______________________________________________________________

Não

7. É proprietário de alguma casa fora da Estrela?

Sim 7.1. Que casa(s) são essas? _____________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________

7.2. Por que razão tem essa(s) casa(s)? _____________________________ ______________________________________________________________

Não

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Anexos

Anexo 1Inquérito por questionário à população da Aldeia da Estrela

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8. Para si, o que faz falta na Estrela? 1. Centro de saúde…………………... 4. Farmácia…………………………… 5. Estação dos CTT…………………. 6. Posto da G.N.R……………………. 7. Largo maior e só para peões…….. 8. Pólo desportivo……………………. 9. Praça de touros…………………… 10. Biblioteca…………………………. 11. Árvores……………………………. Onde fazem mais falta? ____________________________________________________ 12. Comércio…………………………. Que tipo de comércio? _____________________________________________________ 13. Outra(s)…………………………… Qual (quais)? ____________________________________________________________ 9. Das componentes que apontou, indique quais as três mais importantes? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________ 10. Alguém aqui de casa utiliza frequentemente a água da lagoa para... 1. Beber ...................................................................... 2. Cozinhar .................................................................. 3. Banho diário ............................................................ 4. Regar o quintal, jardim ............................................ 5. Regar os seus terrenos ........................................... 6. Dar de beber ao gado (bebedouro) ....................... 7. Dar de beber ao gado (directamente) ................... 7. Tomar banho na lagoa ............................................ 8. Passear de barco .................................................... 9. Pescar lagostins ...................................................... 10. Pescar peixe ......................................................... 11. Outras utilizações .................................................. Quais? _______________________________________________________ Caracterização geográfica 11. Nasceu aqui, na Estrela? ________

Se respondeu Não, passar à pergunta 13. 12. Já viveu noutro(s) lugar(es) Sim 12.1. Quais? _____________________________________________________________

___________________________________________________________________________ 12.2. Por que motivo(s) foi viver para esses locais? ______________________________ _______________________________________________________________________ 12.3. Quando é que regressou à aldeia? _________ (ano) 12.4. Por que motivo regressou? ____________________________________________

Não

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Anexos

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13. É natural de que aldeia/lugar? ___________________________ 13.1. Freguesia ____________________________ 13.2. Concelho__________________________ 13.3. Em que ano veio morar para a Estrela? _________________ 13.4. Por que motivo veio morar para a Estrela? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Origem geográfica e social Qual a naturalidade dos seus pais?

14. Mãe 15. Pai

Aldeia/lugar 14.1. 15.1.

Freguesia 14.2. 15.2

Concelho 14.3. 15.3.

Escolaridade Condição perante o trabalho Profissão principal Situação na

profissão

16. Mãe 16.1. 16.2. 16.3. 16.4.

17. Pai 17.1. 17.2. 17.3. 17.4.

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Caracterização social 18. Grau de escolaridade

19. Completou o grau de escolaridade que referiu?

Não sabe ler/escrever Sim Sabe ler/escrever Não

Ensino básico

I Ciclo

1º ano Não se aplica 2º ano 3º ano 20. Continua a frequentar a escola, o liceu ou a faculdade? 4º ano

II Ciclo 5º ano Sim 6º ano Não, mas pensa voltar a frequentar

III Ciclo 7º ano Não, nem pensa voltar a frequentar 8º ano 9º ano 20. 1. Porquê? _______________________________________

Ensino secundário 10º ano 11º ano ______________________________________________________ 12º ano ______________________________________________________

Curso médio ____________________________________________________ Licenciatura incompleta _______________________________________________________ Licenciatura _______________________________________________________ Pós-graduação, mestrado, doutoramento ____________________________________________________ 21. Frequentou ou frequenta algum curso de formação profissional? Frequenta e/ou já frequentou 20.1.Porquê? ______________________________________

____________________________________________________ ____________________________________________________

Nunca frequentou, mas gostava de frequentar Nunca frequentou, nem pensa frequentar Não se aplica

Se respondeu nunca frequentou, nem pensa frequentar, passar à pergunta 21. 20.2. Que curso(s) frequentou, frequenta? _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 20.3. Onde frequentou, ou frequenta, a formação profissional? _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 20.4. Que benefícios pensa retirar, ou já retirou, desse(s) curso(s)? _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Anexos

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21. Condição perante o trabalho

1. Estudante ........................................................................... 2. Exerce profissão ................................................................ Observações: 3. Trabalhador e estudante .................................................... 4. Desempregado .................................................................. 5. Doméstica .......................................................................... 6. Doméstica c/ algum trabalho remunerado ......................... 7. Reformado/pensionista com actividade profissional ......... 8. Reformado/pensionista sem actividade profissional ......... 9. A cumprir serviço militar obrigatório .................................. 10. Incapacitado permanente para o trabalho ....................... 11. Emprego temporário ........................................................ 12. Outra situação ................................................................. 22. Se é reformado/pensionista, diga-me 22.1. Precisa que venha alguém cá a casa dar-lhe algum apoio? __________ 22.2. Que tipo de apoio tem mais necessidade ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 22.3. Quem costuma dar-lhe esse apoio? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Se é Doméstica, Estudante ou Incapacitado, passar à pergunta 27. 23. Qual é a sua actividade profissional principal (actual ou última)? (descrever com o maior detalhe possível) _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 23.1. Onde exerce/exercia essa actividade? _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 24. Qual é, actualmente, a sua situação na profissão principal? 1. Assalariado por conta de outrem 2. Isolado/trabalhador por conta própria 3. Patrão Com _______ pessoas a cargo 4. Trabalhador familiar não remunerado 5. Outra Qual? __________________________

Se é reformado/pensionista, passar à pergunta 29.

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25. Actualmente, exerce alguma outra actividade profissional para além da que referiu? Sim 25.1. Que outra(s) actividade(s) exerce? ________________________________________

_________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 25.2. Por que razão exerce essa(s) actividade(s)? ________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________

Não 26. Já exerceu outro tipo de actividade profissional? Sim 26.1 Que outra(s) actividade(s) já exerceu? ____________________________________

___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ 26.2. Por que razão deixou de exercer esta(s) actividade(s)? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________

Não 27. Quantas horas reserva para as suas restantes actividades? _________ Quanto ao futuro... 1. Estou disposto a exercer qualquer outro tipo de actividades 2. Não estou disposto a exercer nenhum outro tipo de actividades 3. Depende do tipo de actividades 27.1. Se respondeu Depende do tipo de actividade, diga quais os tipos de actividade que estaria disposto a exercer? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 28. Exerce alguma actividade artesanal? Sim 28.1. Que actividade(s) exerce? ______________________________________________

________________________________________________________________________ 28.2. Por que motivo exerce essa(s) actividade(s)? _______________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 28.3. Como produz? Por encomenda? __________________________________________ 28.4. Qual a proveniência das matérias-primas? __________________________________ _________________________________________________________________________

Não

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Anexos

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29. Actualmente, quais são as suas fontes de rendimento ou de sustentação económica? 1. A sua actividade profissional principal ......................... 2. A(s) sua(s) actividade(s) secundária(s) ....................... 3. Actividade artesanal .................................................... 4. Rendimentos de propriedades .................................... 5. Pensão/reforma ........................................................... 6. A minha família ............................................................ 7. Subsídio de desemprego ............................................. 8. Subsídio de acidente de trabalho ................................ 9. Assistência social ........................................................ 10. Outras fontes ............................................................. Quais? __________________________________ 29.1. Das fontes que referiu, qual (quais) a(s) principal(ais)? _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 30. Qual o seu rendimento mensal líquido? 1. Não tem rendimento .................................................... 2. Até 375 € - (75 contos) ................................................ 3. De 376 e 500 € - (de 75 a 100 contos) ........................ 4. De 501 a 850 € (de 100 a 170 contos) ........................ 5. De 850 a 1250 € (de 170 a 250 contos) ...................... 6. De 1251 a 1750 € (de 250 a 350 contos) .................... 7. De 1751 a 2500 € (de 350 a 500 contos) .................... 8. Mais de 2500 € (mais de 500 contos) .........................

Se respondeu 2, 3 ou 4, passe à pergunta 32. 31. Para que entidade trabalha? _____________________________________________________________________________ 32. Actualmente, é arrendatário de alguma parcela de terra? Sim 32.1. Qual a dimensão total? ___________(ha)

32.2. Como explora essa terra? _____________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________

Não

33. É proprietário de alguma parcela de terra? Sim Não

Se respondeu Não, passar à pergunta 35.

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Propriedade (terra) 34. Qual é a área total da(s) sua(s) parcela(s) de terra? __________ha 34.1. Onde se situa(m) a(s) sua(s) parcela(s) de terra? ______________________________________________________________ 34.2. A que se destinam a(s) sua(s) parcela(s) de terra? _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 34.3. Algumas dessas parcelas de terra estão arrendadas a terceiros? Sim Não 34.4. No conjunto da sua propriedade, as suas parcela(s) de terra são... Herdadas 34.4.1.De quem herdou essa(s) parcela(s)? ___________________________________

34.4.2. Qual a área total dessa(s) parcela(s)? _________________________________

Adquiridas 34.4.3. Quando é que a(s) adquiriu? _________________________________________ 35. Em relação ao alagamento, diga qual a sua situação 1. Toda a minha propriedade foi alagada Área total (ha) 2. Parte da minha propriedade foi alagada Área total (ha) 3. Era arrendatário de terra alagada 4. Não era proprietário, nem arrendatário de terra alagada 5. Outra situação Qual? _______________________________________

Se não era proprietário ou arrendatário de terra alagada, passar à pergunta 36. 35. Como explorava essas terras? _____________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Anexos

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35.21 De que forma foi indemnizado/a pela inundação dos terrenos? Recebeu terra 35.1.1. Qual a área total? ___________(ha)

35.1.2. Como explora hoje essa terra? __________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 35.1.3. Onde se situa essa terra? ______________________________________

Dinheiro 35.1.4. Qual o montante da indemnização? _______________________________ 35.1.5. Como aplicou esse dinheiro? ____________________________________ 36. Possui algum tipo de gado? Sim Não

Se respondeu Não, passar à pergunta 37. 36.1. Que tipo de gado possuí? 1. Vacas leiteiras Quantidade2. Vacas de carne Quantidade3. Cabras Quantidade 4. Ovelhas Quantidade5. Porcos Quantidade6. Outros Qual? _____________________ 37. Dedica-se a algum tipo de produção? Sim Não

Se respondeu Não, passar à pergunta 38.

37.1. Dedica-se a que tipo produção:

37.2. Quais os produtos mais importantes para o seu sustento? (Indique por ordem)

1. Produtos agrícolas Quais? _____________________________ _______________________ 2. Produtos pecuários Quais? _____________________________ _______________________ 3. Produtos florestais Quais? _____________________________ _______________________ 4. Outros Quais? _____________________________ _______________________ _______________________ _______________________ Não se aplica 37.2. Dos produtos que especificou, indique qual o seu destino:

Produto Autoconsumo

Venda directa a consumidores

Quais? Venda a comerciantes

Quais?

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38. Onde adquire os seguintes produtos:

Na aldeia

Fora da aldeia

Onde?

1. Carne 2. Peixe 3. Batatas 4. Arroz 5. Legumes 6. Azeite 7. Vinho 8. Outros produtos alimentares 10. Produtos de higiene 11. Livros 12. Papelaria 13. Outros Quais? ______________________________________________ 39. Para si, é importante que a casa tenha um espaço exterior?

Sim 39.1. Porquê? ________________________________________________________ ____________________________________________________________________

Não ____________________________________________________________________ Mobilidade 40. Quem do seu agregado doméstico possuí carro próprio? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 41. Quando tem de se ausentar da aldeia, que meio de transporte utiliza? _________________________________ 42. Com que frequência se desloca para fora da aldeia? 1. Várias vezes por dia 2. Todos os dias da semana 3. E fins-de-semana 4. 3 a 4 dias da semana 5. E fins-de-semana 6. 1 a 2 dias da semana 7. E fins-de-semana 7. Só ao fim-de-semana 8. Outra situação Qual? _____________________ 43. Geralmente, quais os motivos o/a levam a sair da aldeia? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Anexos

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44. Com que frequência acha que devia passar um autocarro pela aldeia? 1. De dois em dois dias 2. Dia sim, dia não 3. Todos os dias 4. Mais de uma vez por dia

Se não vive em união conjugal, passar à pergunta 57. Escolha do cônjuge e formação do casal 45. Como conheceu o seu marido/a sua mulher? ____________________________________________________________________________________________________________ 46. Que idade tinha quando começaram a namorar? ________ (anos) 47. Que idade tinha quando começaram a viver juntos? ________ (anos) 47.1 O que fazia tinha quando começaram a viver juntos? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 47.2. Quando começaram a viver juntos (casados ou não), foram viver.... 1. Para a vossa própria casa 2. Para casa dos seus pais 3. Para casa dos seus sogros 4. Para casa de outros familiares Quais? ________________________________________ 5. Outra situação Qual ? ________________________________________ 48. Do ponto de vista da religião, considera-se: Sem religião Católica não praticante Católica praticante De outra religião Qual? ________________________________________________________________________ 49. Os senhores são.... 1. Casados pela Igreja 2. Casados só pelo civil 3. Não são casados

Se respondeu Não são casados, passar à pergunta 53.

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Aldeia da Estrela

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50. Começaram a viver junto sem casar?

Sim Porquê? ____________________________________________________________ ____________________________________________________________________

Não 51. Que idade tinha quando casou? ________(anos)

52. Se houvesse problemas no seu casamento... 1. Não aceitaria o divórcio ............................................................. 2. Teria muita dificuldade em aceitar o divórcio ............................ 3. Aceitaria o divórcio como um situação difícil, mas necessária .. 4. Aceitaria o divórcio como a melhor solução .............................. 5. NS/NR ........................................................................................ Dinâmica familiar 53. Nesta casa, quem é que...

Sobretudo

Ego Cônjuge Filha(s) Filho(s) Outro

familiar Quem?

Não se aplica

1. Faz a maior parte das compras de casa ................................... 2. Trata das refeições .................................................................... 3. Trata da roupa ........................................................................... 4. Faz pequenas reparações em casa .......................................... 5. Quem ajuda nos trabalhos rurais .............................................. 6. Quem cuida/dá apoio às pessoas idosas na família ................. 7. Trata das tarefas administrativas ............................................... 8. Leva os(as) filhos(as) ao médico ............................................... 9. Costumar tomar as grandes iniciativas ...................................... 10. Tem a opinião com mais peso ................................................. 11. Decide sobre as grandes compras (carro, casa, TV, ...) ......... 12. Tende a apaziguar as discussões ...........................................

54. Acha que: Deve ser a mulher a cuidar da casa ................................................ O homem deve ajudar a mulher na lida da casa ............................. A mulher e o homem devem dividir igualmente as tarefas da casa.. 55. O/A senhor/a: Sim Nem

por isso Não

Procura estar a par da realidade política e económica do país ............................... Convida frequentemente os amigos para virem cá a casa ...................................... Costuma ir conversar com os amigos para o café .................................................. Prefere passar o tempos livres aqui em casa, com a família .................................. Gosta que as pessoas venham cá a casa (almoçar, conversar, etc.)...................... Gosta de se envolver e discutir com os outros sobre os assuntos da aldeia ..........

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Anexos

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56. No que toca à vida em casal, vocês os dois: Sim Nem

por isso Não

Passam habitualmente os tempos livres juntos ....................................... Passam habitualmente os serões juntos ................................................. Põem o casal à frente de todas as outras relações ................................. Desabafam um com outro sobre os vossos problemas pessoais ............ Têm mais amigos em comum do que cada um os seus .......................... Têm o dinheiro num bolo comum ............................................................

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Anexos

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Guião da Entrevista (Com a construção da barragem de Alqueva, a água ficou muito próxima da aldeia) Conte-me um pouco como tem vivido tudo isto.

Até que ponto esta situação veio alterar a sua vida?

O alagamento das terras veio alterar a sua actividade profissional?

Era proprietário ou arrendatário de terras que foram alagadas?

Como foi indemnizado?

Acha que a sua indemnização foi justa? (Experiência do alagamento ao nível do colectivo da aldeia) Conte-me um pouco como as pessoas aqui na aldeia têm vivido tudo isto.

Acha que esta água traz vantagens para aldeia?

Acha que o alagamento alterou as relações entre as pessoas da aldeia? Que tipo de mudança é que acha que é preciso fazer aqui na aldeia?

Ao nível do conjunto das casas:

Dos carros que chegam à aldeia, dando preferência aos locais; Acha que aldeia devia ser fechada ao trânsito automóvel?

Das ruas e da relação entre as ruas;

Do comércio e da relação das pessoas com o comércio;

Das actividades para as pessoas realizarem. Que apreciação faz do actual cemitério da aldeia? Na Estrela estão à venda várias casas. Como vê a presença dos novos moradores na aldeia? Actualmente, quais são os maiores problemas para quem vive na Estrela? Para si, quais são as principais vantagens de morar na Estrela?

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Anexos

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Como vê a aposta do turismo nesta região?

Acha que vai trazer benefícios à aldeia?

Porquê?

Como é a sua vida, aqui na Estrela? Pode descrever-me um dos seus dias da semana? Quantos dias por semana reserva para descansar? O que costuma fazer nos tempos livres (indicar os locais)? Com quem costuma partilhar os seus tempos livres? (nome, apelido e laço com Ego) Quais as pessoas com quem desabafa quando tem problemas pessoais (nome, apelido e laço com Ego). As pessoas com quem convive mais vivem na sua rua? Até que ponto as pessoas aqui na aldeia ajudam-se umas às outras:

nas actividades rurais;

nas reparações em casa;

na manutenção ou construção de equipamentos colectivos; etc.

Há familiares seus idosos a viver aqui na aldeia? Vivem consigo? Precisam de apoio domiciliário? Quem presta esse apoio?

Fim da Entrevista

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Anexos

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Habitação - 101 fogos novos................................................................................................................................... 21 030,00 m2

População:

- Actual (resultados provisórios/ censo 2011)............................................................................................................83 - Previstal (actual + 101 fogos novos x 2,5 pax/fogo = 83 + 253)............................................................................336

Equipamentos Públicos - Praça da Estrela (inclui Biblioteca, Posto GNR, Posto de Turismo, Centro Cívico

e Casa p/ aluguer de bicicletas)...............................................................................................................1 025,00 m2 - Largo da Igreja (inclui Capelas Mortuária, I.S. Públicas, Tanque/Lavadouro Público e Jardim Público).....................................................................................................................................1 970,00 m2

- Praça do Sol (inclui Oficinas/Ateliers/Lojas para artesãos)........................................................................619,00 m2 - Piscinas municipais (inclui equipamento p/ aulas de canoagem)............................................................1 150,00 m2 - Edifício dos Serviços Sociais (inclui Posto médico, Posto de Enfermagem, - Farmácia e Refeitório Social)....................................................................................................................350,00 m2 - Recinto para Touradas........................................................................................................................... 3 000,00 m2 - Memorial.....................................................................................................................................................380,00 m2

Outros Equipamentos - Pousada da Estrela (inclui Bar Miradouro) ............................................................................................ 3 015,00 m2 - Pousada da Juventude........................................................................................................................... 3 130,00 m2 - Edifícios de Apoio aos Embarcadouros (de Recreio, de Pesca e de Emergência)..................................................................................................................... 531,00 m2 - Restauração/Cafetaria (4 unidades)..................................................................................................... 1548,00 m2 - Pontão de Pesca.............................................................................................................................................125 m/l - Parque da Ronda...................................................................................................................77 267,00 m2 (7,73 ha)

Estacionamento Público - Adjacente à via pública p/ veículos ligeiros...................................................................................146 lugares - Em parque p/ veículos ligeiros......................................................................................................144 lugares - Em parque p/ autocarros de Turismo................................................................................................4 lugares - Em estacionamento coberto..............................................................................................................6 lugares

Anexo 2

Principais números do plano

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Rodrigo R

osa/Manuel G

raça Dias/Egas José Vieira

Ald

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strela

A Aldeia da Estrela encontra-se entre os povoados alentejanoscujas condições de vida sofreram alterações profundas após oenchimento da barragem de Alqueva. Encerradas as comportas, aágua veio cobrir grande parte da terra arável e cercou esta aldeia,reduzindo-a a uma pequena península. Contribuir para atenuar osefeitos sociais da implantação da barragem foi o desafio lançadoaos arquitectos responsáveis pelo Plano de Pormenor da Aldeiada Estrela. Projectar uma outra organização do aglomerado exigia,porém, conhecer a vida na Estrela, bem como identificar asnecessidades e as expectativas face ao futuro de uma populaçãoamplamente despojada das fontes de rendimento queasseguravam a sua subsistência. Reconhecendo as virtualidades daarticulação entre competências sociológicas e arquitectónicas, osautores deste livro procuraram derrubar os obstáculos que acrescente especialização de saberes ergue ao conhecimentointerdisciplinar, elaborando uma proposta de reconfiguração daEstrela capaz de traduzir a relação que os seus habitantesestabelecem com o espaço. A fundamentação dessa propostaconstituiu, justamente, o objectivo da investigação sociológica edo estudo para o plano de pormenor apresentados no livro.

Capa: Plano de pormenor da Aldeia da Estrela (implantação)

UID/SOC/50013/2013

Rodrigo Rosa é doutorado emSociologia (ISCTE-IUL, 2009) einvestigador do ICS-UL. É professorauxiliar convidado do DA/UAL. Temrealizado investigação quer no âmbitoda sociologia urbana, quer no âmbitoda sociologia da família e do género.Em 2004 foi responsável peloInquérito Sociológico à População daAldeia da Estrela.

Manuel Graça Dias, arquitecto(ESBAL, 1977), é professor auxiliar daFAUP, onde concluíu o doutoramento(2009), e professor catedráticoconvidado do DA/UAL, que tambémdirigiu (2000-2004).

Egas José Vieira, arquitecto(FA/UTL,1985), foi professor auxiliarconvidado da ESTGAD, Caldas daRainha (1997-2001), sendoactualmente professor auxiliarconvidado do DA/UAL.

Autores do polémico estudo dereconversão urbana do Estaleiro daLisnave, em Almada, Manuel GraçaDias e Egas José Vieira ganharam oPrémio AICA/MC (arquitectura), em1999, pelo conjunto da obra que têmvindo a construir em comum, desdeo Pavilhão de Portugal em Sevilha(1992) ou a sede da Ordem dosArquitectos, em Lisboa (1994), aosmais recentes Museu da Oliveira e do Azeite, em Mirandela (2014) ouMuseu da Resistência e Liberdade(Aljube), em Lisboa (2015).

Outros títulos de interesse:

«Querem Fazer um Mar...»Ensaio sobre a Barragem de Alqueva e a Aldeia Submersa da Luz

Fabienne Wateau

Viver no Parque das NaçõesEspaços, Consumos e Identidades

Maria Assunção Gato

Criatividade e InstituiçõesNovos Desafios à Vida

dos Artistas e dos Profissionais

da Cultura

Vera BorgesPedro Costa(organizadores)

ICSwww.ics.ulisboa.pt/imprensa

ICS

Rodrigo RosaManuel Graça Dias

Egas José Vieira

Aldeia da EstrelaSociologia e Arquitectura

ao Serviço de uma População

Apoio:

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