RODRIGUES, Madalena_Psicologia Educacional (a)

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2.2.3.FICHA CATALOGRFICA (Preparada pelo Centro de Cutaloguo-na-Forue. Cmara Brasileira do Liv ro. SP) R614p 76-0~!i7 Rodrigues, Marlene. Psicologia educacional : uma cronica do desenvolvimento humano. So Paulo. McGraw-Hill do Brasil. 1976. p. ilusl. Bi bliogr af'ia. I. Psicologia do desenvolvirnento s 2. Psicologia educa- cional I. Ttulo: Uma crnica do desenvolvimento humano. , .... ~ ClJl)-370.15 -155 ndice pur catlogo sistemuco : I. Desenvolvimento humano : Psicologia 155 2.PSicologia do desenvolvimento 155 Psicologia educacional 370. 15 MARLENE RODRIGUES ?ROFESSORA TITULAR DE PSICOLOGIA DA EDUCA- O E PSICOLOGIA GERAL E SOCIAL DA FACULDADE DE FILOSOFIA. CI:NCIAS E LETRAS DE SANTO ANDR PSICOLOGIA EDUCACIONAL Uma crnica do desenvolvimento humano McGRAW-HI LL SO Paulo e Rio de Janeiro e Lisboa e Porto. Bogot. Buenos Aires Guatemala .' Madrd Mxico. New York Panam. San Juan Santiago Aackland Hamburg Johannesburg Kuala Lumpur London Montreal 'ie1il.' Delhi Paris Singapore Sydney Tokyo Toronto SUMRIO INTRODUO XIU PARTE I - As Motivaes Humanas.. .. . . . . . . . . . . . .. .. . . . . . XV CAPTULO I - O Homem - Circunstncia ou Gen? . . . . . 1 Humanismo e Psicanlise 1 A Psicologia do Indivduo 4 Cultura e Personalidade 5 Gestao e Angstia ................................6 Instituies Sociais e Angstia 7 Os Motivos Naturais do Homem 8 PARTE 11 - A Infncia 13 CAPTULO 11 - A Criana 15 Desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 O Recm-Nascido 17 Empatia e Diferenciao dos Nveis da Conscincia. . . . . 18 CAPTULO 111 - Primeira Infncia: Movimento 21 Jogo e Estruturao Mental 22 Imitao e Curiosidade 25 Carncia Afetiva 28 A Mquina de Viver 29 A Fantasia 33 Desenvolvimento Fsico 34 CAPiTULO IV - Segunda Infncia: Fantasia 37 Sexualidade e Conflito 40 A Rebelio dos Seis Anos 42 Famlia e Identificao 42 Desenvolvimento Fsico 45 Privao Cultural 46 Involuo, Anestesia e Morte: Falta de F, Amor e Dig- nidade 48 x CAPTULO V - Terceira Infncia: Socializao 51 Os Sete Anos: a Autocrtica 52 Os Oito Anos: a Importncia dos Outros 53 Nove e Dez Anos: Independncia 54 Desenvolvimento Fsico 56 CAPTULO VI - Desenvolvimento Emocional nas Trs Infncias 59 O Amor '" 61 Eu te amo e quero ser amada 61 Clima Emocional do lar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 O Ardil 64 Bolas de Gude: Amor e Fuga 65 A Auto-Estima 65 Agressividade e Timidez: nada mais que obras sociais ., 66 A Compra Afetiva 67 As Exploses de Raiva 68 Medo e Angstia 68 Alegria e Liberdade andam juntas 71 CAPTULO VII - Brinquedo e Seduo 75 Eu sou o meu primeiro brinquedo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 A Fantasia prepara o controle da Realidade 77 O "faz-de-conta" .,.,................................ 77 "Boneca legal? S muda!" 79 Quem quer ser proprietrio? , ,.................... 81 Brinquedo e "Status " , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 CAPTULO VIII - Evoluo da lntel.qncta ' ... ,.............. 83 Natureza da Inteligncia , .. , , . . 84 Heranca ou Meio? . , . . . 84 Deterrnlnisrno Ambiental , " ,..... 88 O Processo Evolutivo da Inteligncia , . . . . . . . . . . . . . 90 Fases Evolutivas da Inteligncia . ,.... 91 Estgio da Inteligncia Sensrio-Motora 91 Estgio do Pensamento Intuitivo ou Pr-Operatrio..... 93 Estgio do Pensamento Operatrio Concreto 99 Estgio das Operaes Formais ..... " .. ,." .. ,...... 1 00 PARTE 111 - A Adolescncia , 103 CAPTULO IX - Adolescncia: A Vontade de Viver , . .. 105 A Revoluo Biolgica 111 O Sistema Endcrino ;.... 112 Caracteres Sexuais Primrios ,. 115 Caracteres Sexuais Secundrios 115 Crescimento, Estatura e Peso 116 XI o Crescimento em Geral 117 A Imagem Ideal ., _ 117 CAPTULO X - Adolescncia: Tempo de Contradies. . . . . . .. 123 Os Confl itos 128 A Emotivdade 131 O Amor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .. 132 Medo e Agressividade: A Violncia ... , . . . . . . . . . . . . . .. 133 As Reaes: Exploso ou Silncio? . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 133 O Medo.............. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 134 A Alegria 135 A Maturidade 136 CAPTULO XI - Adolescncia: Inteligncia e Emoo 137 Os Mitos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 139 A Fantasia 144 As Capacidades Mentais 150 Os Interesses 151 O Esprito Religioso e sua Evoluo 154 CAPTULO X" - Adolescncia: A Evoluo do Amor. . . . . . . . . .. 161 A Sexualidade .. :................................... 164 Os Prejuzos Sociais da Abstinncia Sexual 165 A Masturbao Reduz as Tenses 166 Tabus, Medo e Solido 166 Impotncia e Culpa: Inibio Moral e Social ,.... 169 PARTE IV - A Aprendizagem 171 CAPTULO XIII - O Processo da Aprendizagem 173 A Motivao para Aprender 173 Aprendizagem, Vida e Experincia 176 A Prtica 178 A Pertinncia 180 O "Insiqht " 184 Prmios e Castigos 186 O Espao Vital 190 A Perspectiva do Tempo 194 Recompensa e Punio 195 xito e Fracasso 196 Pessoa e Aprendizagem 199 Escolha Pessoal 200 CAPTULO XIV - As Mltiplas Dimenses da Aprendizagem. . . .. 203 O Professor: Quem ? 204 A Personalidade Operante 210 A Perspectiva de Si 210 Ensino Criativo 212 Educao e Humanismo 213 Xii PARTE V - O Homem. Esse Mgico 217 CAPTULO XV - A Auto-Expresso Criadora . . . .. 219 O Ato de Criar ., . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 222 A Natureza da Criatividade , ,..... 223 A Semente 224 A Evoluo do Poder Criador ,......... 226 Criatividade e Interao Social 229 A Criana Criativa ,............ 230 O Adolescente Criativo . . . .. 234 Castigos Fora Criadora . . . . . . . . . . .. 237 O Poder Criador: loucura ou Conscincia? ,.. . . . .. 239 A Armadilha , 242 CAPTULO XVI - A Expresso Emocional e Criadora nos De- senhos das Crianas e Adolescentes 247 A Evoluo Grfica . . . .. 248 A Figura mais Remota: o Homem . . . .. 250 A Insero do Homem no Mundo 252 A Conscincia do Outro 253 Esquecimento ou Omisso? 255 Distores Afetivas ,.... 256 CAPTULO XVII - Etapas da Auto-Expresso: o Rabisco, lingua- gem Psico-Motora ,............ 263 A Imagem Plstica: Os Pr-Conceitos Grficos 265 Os Conceitos Plsticos do Universo . . . .. 269 A Expresso de Experincias Subjetivas ,.... 275 A Descoberta do Espao . . . .. 276 A Radiografia 278 A Cor. Realidade e Emoo 279 Realidade e Conscincia do Eu 279 O Homem: um Boneco 281 O espao existe em toda parte: para alm do horizonte.. 281 Os Espectadores da Natureza ,..... 281 Sensibilidade. Conscincia e Participao: Emoo Plstica . . . .. 284 Adolescncia: A Hora da Deciso 285 CAPTULO XVIII - Ns, os Mutantes . . . .. 291 A Caricatura 292 A Plenitude . . . .. 293 E EU. QUEM SOU? , , ,............ 294 Bibliografia .,............................................. 297 ndice Analtico ,., ", ,. 301 INTRODUO Se, no dizer de McLuhan, a Educao est, hoje, programada mais para a descoberta e a autoconstruo do que para a aquisio de co- nhecimentos e habilidades pura e simples, a Psicologia Educacional ocupa, agora, um lugar especialmente relevante no embasamento terico e estrutural das tecnologias e filosofias contemporneas de ensino. Neste momento de acelerada expanso da tarefa educativa por todo O Pas, tornou-se indispensvel ao professor, mais que o dom- nio das Matemticas ou da Fsica, da Biologia ou da Histria, das Lnguas ou das Tcnicas, o conhecimento completo e integrado de tudo quanto compe um ser humano em formao. Isto significa que, antes de conhecimentos especficos, o profissional de ensino deve, necessariamente, saber das motivaes humanas, intuir as necessi- dades vitais do educando e conhecer com largueza as diversas fases da evoluo psico-fsica da criana e do adolescente para, enfim, ter condies de explorar suas potencial idades de uma forma sensvel e lcida. O mundo cresceu vertiginosamente nos ltimos vinte anos. O uso tecnolgico e cientfico do tomo no contribuiu apenas para a ocorrncia dessa exploso em termos de universalidade de conheci- mentos e aumento da demografia mundial. Nesse processo irrevers- vel e incontido, o tomo rompeu com os distanciamentos humanos. O que, h dez anos, era longnquo ou remoto, at misterioso, para a maior parte dos adultos de hoje, agora parte comum do dia-a-dia, invade o lar e a escola, a igreja e a indstria e se constitui parcela irremovvel do universo mgico das crianas contemporneas. Se as distncias, no tempo e no espao, nem sempre ocasiona- ram, no passado, o binmio ao-reao, atualmente qualquer ao humana, por mais simples e particular que seja, envolve uma resposta imediata e de natureza social. At mesmo a omisso constitui um envolvimento p3ICO!(lpCO e uma ao conseqente, muitas vezes periqcsa Nos nossos dias, "o homem pode viver com urna conscincia de si sem precedentes e seu dever faz-lo" (Arnheim, sobre a capaci- dade do ser humano de vincular-se artisticamente com a vida). E se h, na sociedade um indivduo virtualmente agenciador desta cons- cincia em termos coletivos, esse o profissional de ensino. Cons- ciente de si e dos outros, o professor deveria tornar-se o mais pro- missor agente de mudanas scio-culturais de um pas. Para tanto, alm da formao tcnico-cultural especfica e do esprito de investigao e aventura que devem condicion-lo a atua- llzar-se sempre num impulso natural, permanente e renovador, o pro- XIV fessor precisa transcender o carter profissional de sua relao com o aluno, tornando-a mais pessoal e mais humana. Para isso, o mestre deve estar apto a dirigir o desenvolvimento, a aprendizagem e o ajus- tamento indispensveis formao integral do educando, no s para elevar a qualidade de seu trabalho, mas sobretudo para, concreta e finalmente. tentar promover uma melhor qualidade de vida humana. Esta obra se destina diretamente a pais e mes. Tambm se destina, muito especialmente, aos mdicos pediatras, aos socilogos, aos psiclogos infantis, s assistentes sociais, aos orientadores edu- cacionais. aos sacerdotes, s religiosas, aos orientadores pedaggi- cos e a todos quantos, funcional, circunstancial ou espontaneamente lidam com crianas e adolescentes. Entretanto, este trabalho se prope, especificamente, a auxiliar os estudantes dos cursos de licenciatura em qualquer rea das Cin- cias ou das Artes, bem como aos estudantes dos Cursos de Psicolo- gia. especialmente na rea do desenvolvimento humano, a compreen- derem o comportamento do homem durante seus anos de formao. Mais ainda, esta obra pretende oferecer ao professor de 1. e 2. graus: primeiro, um conjunto de princpios psicolqicos amplo e integrado que explique o comportamento humano; segundo, uma srie de propostas que subsidie o estudo e a observao particular de cada estudante e possibilite determinar o seu comportamento em dada situao; terceiro, uma anlise, menos terica e mais realista, dos processos de ensino e da aprendizagem realizada nas escolas brasileiras e, quarto, uma colocao simples de temtica vinculada promoo e crescimento pessoais, cujo objetivo prioritrio o esta- belecimento de relaes humanas estruturadas na conscincia e nas incontveis possibilidades do ser humano. Apesar das metas ambiciosas. este um trabalho de simples in- formaco, descritivo e crtico, destinado reflexo, formaco, mu- dana 'e atualizao de todos os que se interessam pela criana, pelo jovem, pelo ensino e por um pouco mais de felicidade para todos. Sua publicao deve-se confiana que a Ora. Wilma Alves Penteado, das Faculdades Metropolitanas Unidas, depositou em mim, apresentando-me Editora McGraw-Hill do Brasil. Devo extrema gra- tido aos vrios autores e editoras de cujos livros pude apreender e distinguir casos e idias; aos meus alunos da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Santo Andr que, de 1973 a 1975, fizeram inte- ressante levantamento de dados sobre interesses juvenis e outros assuntos pertinentes adolescncia; aos estudantes da Faculdade de Belas-Artes de So Paulo, meus ex-alunos, que realizaram cuidadosa e sistemtica observao da expresso plstica infantil e juvenil du- rante os ltimos quatro anos; Srt," Maria Olvia Nascimento de Jesus, cuja dedicao total a mim e aos meus filhos permitiu-me. afinal, achar tempo para a execuo do trabalho e, por fim, s crian- as e adolescentes que vitalizaram o livro, ilustrando-o com seus desenhos e sua vida. MARLENE RODRIGUES PARTE I: As Motivaes Humanas "Comea-se a observar que tudo o que existe interdependente e circunstancial; que todas as normas se modificam constantemente e perecem; que a troca e a interao so o modo natural de vida; que o indi- vduo e o ambiente exercem influncias recprocas; que nada estvel; que tudo vive em estado de pro- cesso". uuz REISSIG CAPTULO I o Homem - Circunstncia ou Gen? Como a personalidade humana se estrutura e quais as motivaes e necessidades decisivas na ao-reao dos indivduos so duas das mais importantes questes colocadas pela PSicologia no decurso de suas explicaes sobre o comportamento humano. Se o homem simples organismo conduzido por impulsos instinti- vos, ou se ele todo um processo cumulativo de experincias circuns- tancialmente preparadas pelo meio ambiente ou se, ainda, toda a estru- tura humana consiste nica e exclusivamente num arcabouco afetivo e intelectual construdo e .. acabado n pelos mecanismos hereditrios ou se tudo no homem se organiza na concepo e durante a gestao, merc da situao bioqumica pr-natal, so interrogaes atualssi- mas, apesar de sua imemorial idade. Desde que o homem se tornou pensante e que pde, afinal, sentir- se vivo, agente de um destino e de uma histria, tem-se perguntado com insistncia as razes de suas origens e de seu fim, estabelecen- do entre o intervalo do seu nascimento sua morte, prioridades e valores nem sempre coerentes com sua ao e, no raro, nem sequer com suas necessidades mais vitais. O que conduz o homem primazia da inteligncia sobre os impul- sos da vida afetiva, o que o torna mais racional e menos sujeito s pretensas fatalidades deste universo e o que o determina, enfim, a agenciar o prprio destino, so foras mentais de extraordinrio poder movidas em interao com o ambiente externo, social, poltico, econ- mico e cultural, por sua vez tambm de decisiva e incalculvel in- fluncia. Humanismo e Psicanlise Foi o audacioso Dr. Freud quem, no incio deste sculo, empreen- deu a fascinante conquista do inconsciente humano. Sua teoria, des- crita na poca pelos nazistas como uma" imunda literatice pornogr- fica judia ". foi a primeira grande explicao completa do homem, em 2 PSICOLOGIA EDUCACIONAL termos de interao indivduo-sociedade, indivduo-vontade e emoo e sociedade - valores e regras. O Dr. Freud defendia a profunda humanidade e dignidade do homem, negando-lhe qualquer moral idade intrnseca: o ser humano essencialmente arnoral e, como tal, a liberdade lhe absolutamente necessria. Nada existe que estabelea quaisquer fronteiras entre a normalidade e quaisquer limites e quaisquer pudores do homem lhes so impostos de fora para dentro pelas instituies de controle e for- mao do comportamento. O homem sempre foi, desde suas razes e origens mais remotas, emoo e coerncia (embora possa parecer paradoxal). A sociedade, ao contrrio, sempre foi valor, juzo e mltiplas contradies. Para aquele, nenhum outro objetivo existe seno o de viver; para esta, no h nenhum outro caminho seno o de delimitar a plenitude do indiv- duo, em favor de um virtualssimo equilbrio social. Para o Dr. Freud, a personalidade humana construda sobre uma base psquica inconsciente (ID). da qual a conscincia emerge gradual e naturalmente. O Id - o Eu mais profundo do nosso ser - tal qual um arquivo das numerosas experincias do homem vividas desde o momento de sua concepo at o de sua morte. A toda essa histria, junta-se a fora dos instintos, as necessidades mais vitais e imperiosas, todo o contedo gentico e ancestral do homem e uma energia psquica pri- mria - a que o Dr. Freud chamou de libido - que dirige e regula toda e qualquer atividade humana. O Id - base estrutural da personalidade - caracteriza-se por um amplo movimento de expanso. O que ele busca ao agir instintiva- mente pela satisfao dos seus impulsos, desejos e necessidades na- turais no nada mais do que o equilbrio. Oualquer organismo vivo em estado de tenso permanente desor- ganiza-se. Oualquer organismo vivo reage natural e prontamente em funo do restabelecimento do equilbrio perdido e da instalao de uma situao homeosttica desejvel. o que sucede com o inconsciente humano quando as circuns- tncias de vida do indivduo o impedem de suprir suas necessidades bsicas. Negada a satisfao, estabelece-se a tenso, orgnica e ps- quica, que s ser eliminada quando o indivduo atingir seus objetivos e, caso no o seja, tende a se minimizar biopsicologicamente atravs de mecanismos mentais redutores de tenses. Mesmo assim, o equi- lbrio desejvel no alcanado e surge a frustrao, clula psquica das angstias e das neuroses. As necessidades humanas bsicas, tais como a nutrio, a sede, o sono, a defesa e o sexo, so imperativos vitais urgentes, caracteri- zados pelo lrracionalisrno e pela violncia de suas manifestaes. Ne- nhum ser humano pode presclndlda satisfao a qualquer uma dessas necessidades, sem ter ameaada a sua integridade fsica e mental. o HOMEM - CIRCUNSTNCIA OU GEN? 3 Todas elas so absolutamente necessrias evoluo do ser humano, sua sade e sua qualidade como gente, parte de uma espcie animal racional e afetiva, dona do seu destino. Todas elas so absolu- tamente desvinculadas de qualquer sistema moral e, portanto, sua satisfao est desprovida de qualquer valorao exterior, normativa. O Dr. Freud certificou-se, logo no incio de seu trabalho psiqui- trico na Clnica de Salpetrire, em Paris, que no havia moral idade conflitante ligada satisfao do sono, da fome e da sede, a no ser no que diz respeito preguia e gula, pecados no to capitais assim. Entretanto, os motivos naturais humanos de defesa e de pronto aten- dimento s urgncias do sexo, foram energicamente combatidos pelos sistemas morais das sociedades, sobretudo as crists. Agressividade-defesa constitui binmio afetivo-motor natural e, no entanto, a agressividade tem sido vista e controlada pela maioria das sociedades como absolutamente indesejvel e perniciosa ao ho- mem como ser social. O Cristianismo proclamava a passividade e o perdo como instrumentos de organizao social. Para o homem nor- mal e sadio responder defensivamente a um estmulo de agresso significava e ainda hoje significa no partilhar dos mandamentos reli- giosos e, de certa forma, contribuir para a involuo social. Quanto ao sexo, nunca houve nada to difamado, to censurado, to 'conspurcado. controlado e reprimido. Tambm nunca houve nada to cultuado. O Dr. Freud afirmava, com demasiada sirnplicidade para o ano de 1900, que todo ser humano sexuado desde a concepo e que, da por diante, uma fantstica e maravilhosa sexualidade est destinada a se desenvolver. Esta sexualidade condio humana, inerente natureza humana e, portanto, castssima, tal qual o raciocnio ou a genial idade, capaci- dade e condio exclusiva do animal humano. Assim, para preservar a integridade do homem e salv-lo dos eventuais absurdos sociais capazes de frustrar seus anseias mais vitais, emerge do inconsciente, sob a inftuncia poderosa e definitiva do meio ambiente, um outro Eu, consciente, inteligente, ligado reali- dade objetiva da natureza humana, propiciando ao homem condies racionais, inteligentes, razoavelmente satisfatrias, para a concretiza- o de seus desejos e impulsos instintivos. o Ego que emerge, forte, dinmico e criativo, com a funo de imprimir direo adequada e sadia aos impulsos inconscientes. E no poderia ser de outra forma, pois o Ego a natureza inteligente e racional do homem, constituindo-se de todos os processos mentais superiores, tais como a percepo, o pensamento e a capacidade de deciso. Uma vez que as normas, os valores e os interesses sociais podem ser freqentemente antagnicos natureza humana, o Ego age no sen- tido de prevenir conflitos e ansiedades, procurando impedir a margi- nalizao do indivduo pelo grupo como decorrncia de seu compor- tamento predominantemente instintivo e contrrio s convenincias organizadas socialmente em sua poca e cultura. 4 PSICOLOGIA EDUCACIONAL Mas o controle e os bloqueios sociais s necessidades de defesa e de sexo tm sido, ao longo do tempo, to ferrenhos e sistemticos, quando no crudelssimos, que um terceiro Eu aparece na estrutura da personalidade - um Eu ideal, um Super-Eu, destinado perfeio. o Super-Ego, um supersistema todo-poderoso de inibio dos instintos e necessidades humanas vitais, infelizmente identificados pela socie- dade como perigosos e ameaadores. O Super-Ego a censura interna e externa, os sistemas morais vigentes, todo o corpo de regras, normas e valores sociais, incorpo- rados pelo homem nos seus primeiros sete anos de vida, atravs da educao no lar, nas escolas e na igreja, mediante os prmios e os castigos. Esses trs sistemas energticos coexistem no ser humano nem sempre (ou quase nunca) pacificamente, criando tenses, conflitos e angstias muitas vezes insuperveis. Ouando, no indivduo, h a predominncia do inconsciente, ele , em geral, impulsivo, irracional e agressivo, primrio, irrefletido e emo- cional. Quando sua ao sublinhada pelos poderes conscientes, tende a ser um indivduo (salvo influncias ambientais contrrias) ajustado e emocionalmente sadio. Quando o predomnio o da censura, toda a estrutura mental do indivduo estar seriamente comprometida por limitaes e bloqueios externos fortemente internalizados. Toda a sua ao ser marcada por valores sociais e desenrolada entre o Bem e o Mal, o que o tornar fcil objeto de manipulao social. Assim, o ideal para o ser humano no a predominncia de um ou outro sistema, mas a integrao harmnica dos trs. A Psicologia do Indivduo Ao contrrio do Dr. Freud que, melancolicamente, no acreditava nas possibilidades do homem ser inteiramente livre, o Dr. Alfred Adler, seu discpulo e secretrio, postulava que o homem o nico respon- svel pelo seu destino e que nada, inerente ou no sua natureza ou prprio do meio ambiente, poderia comprometer e sobrepujar a fora e o domnio da inteligncia. Adler no negou a importncia dos instintos e da hereditariedade gnica na formao do homem. Mas ele cr firmemente que, acima de toda a fatalidade instintiva, gentica, histrica e social, existe um nico elemento, bem mais forte, mais ativo, mais decisivo e poderoso na formao e desenvolvimento do indivduo: a conscincia. Ele a identifica como o uso pleno de todas as potencial idades inteligentes do homem. Esta conscincia se mostraria na ao humana atravs das conquistas individuais e do progresso social. O homem, segundo o pensamento de Adler, age motivado por um permanente e angustiante sentimento de inferioridade diante do uni- verso. justamente este sentimento que o conduz a atingir estgios de evoluo maiores em todas as reas de seu ser. o HOMEM - CIRCUNSTANCIA OU GEN? 5 Como conseqncia desta profunda motivao do indivduo para a grandeza, surge a agressividade, no de natureza instintiva como a reconhecida pelo Dr. Freud, mas consciente, racional e planejada, in- dispensvel defesa da integridade e da evoluo total do indivduo e caracterizada pelo esprito de iniciativa, pelo arrojo da imaginao e pela incansvel capacidade de aventura. Assim, o homem tem um nico grande motivo para a sua exis- tncia: a liberdade e, lutar por ela, significa usar a conscincia; desen- volver seus potenciais inteligentes at a plenitude; amar desde as profundezas at a grandeza e o esgotamento; traar, enfim, sua hist- ria e o destino do seu tempo. Cultura e Personalidade A Cultura tem sido sentida e considerada pelos estudiosos das mais variadas reas do conhecimento como uma poderosssima m- quina de desenvolvimento das potencial idades humanas. J se tornou comum dizer e constatar que ela, quase onipotente, tanto pode dimen- sionar o ser humano e suas possibilidades, como atrofi-Ios ou at mesmo us-los para este ou aquele fim, os mais diversos e contra- ditrios. Margareth Mead mostrou, durante toda a sua fascinante vida dedi- cada Antropologia, que a agressividade e o aprecivel esprito de conquista de muitos povos primitivos no tinham suas origens mais remotas nos instintos, nem decorriam de elaboraes mentais cons- cientes. Tanto o esprito de agresso e violncia quanto o de aventura, de amor e de paz, eram valores assimilados, incorporados numa e nou- tra cultura com a mesma fora e tenacidade. . Os mundugumor, habitantes do sul do Pacfico, desenvolveram, como valores aparentemente originais, a violncia, a belicosidade, a audcia e o desprezo e horror fragilidade. Entre eles, tanto o homem quanto l mulher so igualmente guerreiros audazes, fortes e aventu- reiros. A unio sexual acontece em clima de luta e violncia, despo- jada de elos afetivos. Os filhos nascem indesejados e rejeitados, cons- tituindo-se num peso vida belicosa e livre das mes. Raramente a me mundugumor amamenta seu filho e raramente ela o ama. As crianas crescem debaixo dos poucos e precrios cuidados dos velhos, por sua vez tambm indesejveis nessa sociedade que, no raro, os expe s intempries. Assim, sem nenhum calor humano, vivendo a indiferena e a crueldade, os meninos incorporam, j durante o curso da primeira infncia, valores altamente negativos e destrutivos. Os arapesh, ao contrrio, estudados por Margareth Mead na Nova Guin, no conhecem, nem acreditam na violncia. Seus valores so o amor, a beleza, a alegria e a paz, o que os faz crer sem reservas nas pessoas, dotando-os de comovente ingenuidade e de uma castssima forma de vida em grupo. 6 PSICOLOGIA EDUCACIONAL Para eles, nada h de mais desejvel do que o respeito humano. Assim, eles se amam com intensa alegria e profundidade. O amor livre entre homem e mulher e todos os fatos da vida, desde o mais simples namoro at a cpula, a gestao, o nascimento e a morte, so presenciados naturalmente pelas crianas. No h, nessa comunidade, .. crises" da adolescncia, porque ela no se constitui, ali, num perodo de mistrios, indagaes e escolhas. Tudo natural e simples decor- rncia de fases anteriores. Raramente, entre os arapesh, a me deixa de amamentar seu filho e, quando o faz, suas razes so justssimas e, nesse caso, outra mulher o amamentar espontnea e naturalmente, assim como basta criana olhar para qualquer lado que encontrar sempre um homem disposto a servir-lhe de pai ou irmo, enquanto seus familiares esto ao largo ou na caa. Nessa comunidade primitiva, todos os homens e mulheres adultos so pais e mes de todas as crianas. Todos so igualmente amados, porque so bons. No porque a generosidade lhes tenha sido incutida como desejvel e moral, mas porque o ser humano lhes , de todas as expresses da Natureza, a mais bela, completa e perfeita. O homossexualismo respeitadssimo a e os artistas e artesos dedicam longo tempo de seu trabalho confeco de vesturio e adornos capazes de conferir aos invertidos a beleza que a Natureza lhes negou. Os arapesh acreditam que nada h de mais belo que o corpo de um homem ou de uma mulher e, assim, procuram compensar a indefinio do homossexual, atribuindo-lhe beleza, uma vez que a Natureza, to sbia, no caso dele negligenciou. Os velhos merecem toda a venerao e so respeitados como O templo vivo da sabedoria. As casas no tm paredes, porque no h necessidade de isolamento, quando as pessoas se amam e nada h de mau, nem de feio, nem de injusto no pensamento delas. Tambm no existe entre os arapesh qualquer temor divindade, da qual o homem extenso legtima. Tambm no h o medo da morte, pois ela constitui passagem natural para mundos ainda mais perfeitos e promissores. Gestao e Angstia Se o ambiente, os valores e a cultura de um povo so os alicerces estruturais da personalidade humana, em geral, tambm no resta dvida que so justamente esses mesmos elementos os agentes dire- tos de formao da angstia individual e coletiva. Os estudiosos da vida pr-natal, em todo o mundo, mostram que j no ambiente intra-uterino o homem afetado diretamente em suas condies bioqumicas gestacionais pelas influncias ambientais ex- ternas. Alm disso, a somatizao das emoes da me gestante, ou seja, os reflexos somticos conseqentes das perturbaes emocionais da me, tambm podem alterar o estado de gestao, montando um o HOMEM - CIRCUNSTANCIA OU GEN? 7 quadro clnico fortemente marcado por uma predisposio do feto angstia de nvel puramente reflexo. Phyllis Greenacre demonstrou, em trabalho recente de grande se- riedade, que a gestante em estado de comoo intensa ou em perma- nente situao de perturbao emocional tem, via de regra, fetos mais ativos do que a me tranqila (1). Esta hiperatividade manifesta-se no s na maior freqncia de movimentos e de batimentos cardacos, mas tambm na superexcitabi- lidade do feto aos estmulos sonoros exteriores ao ventre materno. Sontag, outro estudioso contemporneo, ao afirmar que me e filho constituem, durante a gestao, um nico organismo, acredita que a emoo daquela incorpora-se ao filho, no evidentemente em termos afetivos, mas atravs de alteraes biofsicas do seu estado metablico e endcrino normal. As crianas, cuja vida pr-natal afetada pelas emoes da me, so mais ativas tambm aps o nascimento, mais agitadas e irritveis, apresentando maiores dificuldades de alimentao, sono e adaptao. Por outro lado, estas crianas atingem controle motor eficiente e/ou precocemente perfeito, o que lhes d alguma vantagem no desenvol- vimento da inteligncia. Instituies Sociais e Angstia Se apenas o ambiente uterino fosse inadequado ao desenvolvi- mento do indivduo, a felicidade individual e o equilbrio da sociedade seriam facilmente preservados pelas instituies sociais destinadas ao desenvolvimento dos potenciais humanos. Acontece, porm, que o homem, a partir do seu nascimento, desenvolvido conforme as possibilidades e os limites dos seus agen- tes de formao, na maioria das vezes, em situao de extrema pre- cariedade. Tais agentes, o lar, a escola, a igreja e as sociedades cons- tituem-se atualmente em instituies francamente' falidas" (Horney), sem nenhum poder de conduo do homem para uma existncia real- mente digna de ser vivida. A famlia a cada dia se fragmenta mais, desorientada em seus objetivos mais claros, imatura para o amor e a assuno de mtuas responsabi I idades. Incapaz de assumir os deveres que lhe so inerentes na formao dos novos indivduos, o casal atribui escola direitos inalienveis. Esta, por sua vez, mal-formada, improdutiva, falaz, rotineira, abusiva, pauprrima e miseravelmente criadora, pouco ou nada acrescenta formao do ser humano, reduzindo-se sua tarefa quase que, com ex- clusividade, transmisso de conhecimentos e, fatalmente, induo (1) Blum, G. S. - "Teorias Psicoanaltlcas Contemporaneas", Editorial Paids, Buenos Aires, 1966. 8 PSICOLOGIA EDUCACIONAL dos meninos uma srie interminvel de regras, normas, preconcei- tos, valores, recompensas e castigos. As religies, por sua vez, tambm pouco tm feito para a felici- dade autntica do homem. Ao contrrio, a elas cabe mais a responsa- bilidade pelos profundos temores divindade, pelos preconceitos far- tamente arraigados do indivduo, pela dor do homem diante de um futuro imaterial ameaador e pelas muitas promessas de intangvel bem-aventu rana. A elas cabe toda a responsabilidade pelo injustificvel sentimento de culpa que a maioria das pessoas tm a respeito de si mesmas, de sua natureza, de seu sexo e de sua interao com os outros. Para dizer da sociedade, basta lembrar as odiosas manifestaes de injustia social cometidas diariamente. em todas as partes do mun- do, contra a integridade humana, a sade, a inteligncia e a paz a que tm direito todos os homens. Na sia e na frica, 20.000 crianas ficam cegas anualmente e em carter permanente por carncia de vitamina A. No Brasil, o nvel de inteligncia das populaes nordestinas situa-se aqum das expec- tativas mdias justamente por falta de alimentos. Em So Paulo, o maior centro industrial da Amrica Latina, o ndice de mortalidade infantil durante o primeiro ano de vida assustador, sobretudo quando se sabe que a "causa mortis " nada mais nada menos que o sarampo, uma doena facilmente curvel. suportvel e superada por quem bem alimentado. Na ndia, 80 das crianas sofrem de nanismo provocado pela desnutrio e, de modo geral, dois teros dos bitos ocorridos nos pases em desenvolvimento so de crianas entre um e quatro anos. Em todo o mundo, as condies de vida das socie- dades tecnolgicas prejudicam a sade humana, produzindo doenas psico-somticas de conseqncias imprevisveis. A alimentao arti- ficial, os corantes, os sabores qumicos esto motivando o homem para uma descarga maior da agressividade e o comportamento esquizopa- ranide tem se mostrado mais freqente justamente nos centros de maior poluio. Os Motivos Naturais do Homem Enquanto natureza biofsica, o homem um animal, tal qual os demais, dotado de instintos e necessidades fisiolgicas urgentes, vio- lentas e irracionais. Como animal que , a satisfao destas necessi- dades absolutamente desvinculada de qualquer sistemtica moral- religiosa. No que respeita sua natureza racional, consciente, afetiva e criadora. o homem um processo constante de transformaes e con- quistas. E justamente aqui, dotado destas mltiplas possibilidades, que ele empreende uma viagem fantstica: a da sua prpria evoluo. Nessa longa, audaz, fascinante e dolorosa caminhada, ele se torna. a cada dia, mais humano. no sentido de que a ao transcende os limi- o HOMEM - CIRCUNSTANCIA OU GEN? 9 tes do indivduo, transformando-o num ser em interao com outros e sem os quais, ele perderia totalmente o sentido e a humanidade. Se os motivos biofisiolgicos, como a fome, a sede, o sono, o sexo e a defesa, o conduzem satisfao de sua vida animal, os motivos pslcolqlcos constituem a sua maior paixo e estabelecem os objetivos e as diretrizes de sua existncia. E viver significa, para o homem, desenvolver e esgotar todas as suas infinitas e desconhecidas potencial idades: descobrir a si mesmo, valorizar-se, saber que um universo nico entre milhares de outros tambm distintos, reconhecer o outro como extenso de si mesmo e a mtua interao que existe entre todos, amar com avidez, esponta- neidade e alegria em qualquer nvel de relao humana e, finalmente, aprimorar ao mximo sua inteligncia e seu extraordinrio esprito de criao. Na medida em que o lar, a escola, a religio e a sociedade forem capazes de facilitar o atendimento a essas necessidades psicolgicas bsicas do homem, na mesma medida ser possvel sonhar com a sade, o equilbrio e a paz. Esse tambm o posicionamento de Erich Fromm ao afirmar que a Gultura mais tem feito por obstar as profundas satisfaes psquicas do que propici-Ias. Ao amor, essa extraordinria capacidade que o homem tem de unir-se aos demais, sem perder nem lesar a integri- dade e a liberdade prpria e/ou alheia, a Cultura contrape e exalta as relaes humanas em que prevalece a ao de um indivduo sobre outro. Na relao me-filho e na relao educacional, pais e professo- res, na sua maior parte, no crem sinceramente nas mltiplas possi- bilidades que a criana tem de autodirigir-se e, afetivamente, agem como se fossem donos dela, de sua inteligncia, de suas emoes e de sua vida. Em casa, ela dirigida e automatizada para responder satisfatoriamente a um determinado tipo de expectativas coletivas de comportamento. Na escola, ela conduzida a saber, conhecer e pensar coisas que um organismo scio-educacional inteiro acredita que ela deva saber, conhecer e pensar, a fim de conformar-se a um padro . comportamental. Para a relao conjugal, a Cultura tambm estabelece padres afetivos. Nela, quase que invariavelmente, um dos cnjuges tido como o chefe, o produtor, o condutor, o melhor dotado, o mais forte, com maiores direitos, privilgios e autoridade. Ao outro, cabe o sacri- fcio, a submisso, o altrusmo, as renncias. A ambos, o dever. Jamais a espontaneidade e a alegria. ,r Quando algum U ama" flagelando-se ou deixando-se manipular, frgil, indefeso, temeroso e estacionrio, provavelmente no est amando. Est simplesmente cultivando a dor. Por outro lado, aquele que s U ama" o que parte dele, que nada v nem sente alm das prprias percepes e limites, que manifesta seu" afeto " pela autori- dade e o poder, o comando e o jugo, tambm est muito longe do amor. Est apenas se enganando, acreditando que se possuem pessoas como se possuem coisas, como se a vida fosse tere no ser e deixar ser. 10 PSICOLOGIA EDUCACIONAL Alis, uma atitude nada rara atualmente, nesta sociedade contempo- rnea de consumo em que tudo existe para ser usado j, posto fora agora e substitudo imediatamente. Coisas e pessoas. s tentativas humanas de reconhecimento da identidade pessoal como valor insubstituvel e nico neste universo, a Cultura contrape uma "educao" de massas, uma conformao dos indivduos a uma mesma maneira de pensar, a um mesmo tipo de motivaes e anseios, a um igual nvel de aspiraes, a uma mesma" forma". A televiso e os demais meios de comunicaes s massas tm servido para a obteno destes objetivos de maneira extraordinariamente eficiente e a escola, apesar de sua precariedade e de sua extrema lentido, no tem deixado de cumprir a mesma funo. A este propsito, a figo 1, desenho de criana brasileira da escola elementar, projeta com fide- lidade essa triste realidade. As tentativas naturais, biolgicas e psquicas, de expanso huma- na so" convenientemente" sufocadas pelas regras e normas sociais, as convenes e os esteretipos. Ningum pode ser eu mesmo, livre, sem fronteiras de qualquer espcie, sem receitas de personalidade e comportamento. O que se deve ser Jos de tal, brasileiro, universitrio, catlico, casado e ban- crio. Ou Maria de tal, brasileira, casada, professora, protestante. O importante pertencer a um grupo, a uma associao, a um credo, ter um status ", subir na vida", ser igual aos outros, pensar, sentir e agir do mesmo modo. Felizmente, a angstia nascida da to insuportvel que algumas pequenas libertaes vm surgindo. At h bem pouco tempo as crian- as eram obrigadas, no lar e na escola, a pintarem seus desenhos de forma a mais" real" possvel, conforme a "natureza". Hoje, o menino j pode dizer" eu sei que o mar azul, mas o meu vermelho" (2). Esta liberao da criatividade infantil na rea da expresso pls- tica, embora simples e at primitiva, constitui o primeiro passo para a liberao do esprito inventivo e da inteligncia geral em todas as outras reas do conhecimento e da atividade humana. Tambm na propaganda j se faz alguma coisa no sentido de va- lorizar-se a identidade pessoal. J no se impem tanto os artigos como "o melhor", .. o mais econrnico ", .. o mais durvel". J no h tantas ordens: compre isto ou aquilo. O que prevalece so as suges- tes ou as indues, o que na verdade no exclui a possibilidade de serem ordens, agora inteligentes: Beba Guaran Antrtica. Seja voc mesmo". E, nos grandes centros mundiais de estudo, anlise e interpretao da ao humana, algumas vozes contemporneas repetem outras mais antigas, contando a histria do homem e incentivando-o libertao. O maravilhoso Erich Fromm diz veementemente que "no sculo XIX, o problema era o de Deus estar morto e no XX o do homem estar morto. No sculo XIX desumanidade significava crueldade; no (2) Jornal" Arte e Educao, Rio, 1973. 2. o HOMEM - CIRCUNSTNCIA OU GEN? c -- 4... ~ {j 11 o I 12 PSICOLOGIA EDUCACIONAL sculo XX significa auto-alienao. O perigo do passado era o do ho- mem tornar-se escravo. O perigo do futuro o do homem se tornar um rob (3). A alienaco e automaco crescente do homem retira da vida o seu slqniflcado. o prazer, a f e a realidade. "Todos so 'felizes' - apenas ningum sente, ningum raciocina, ningum ama:' (4). O homem est, atualmente, diante da escolha mais fundamental de sua vida e sua histria: no a escolha entre ideologias poltico-sociais, mas a opo pela sua natureza, pela expanso do seu ser e de seus valores e motivos intrnsecos. Marshall McLuhan, analisando o poder das comunicaes em nos- so tempo, outra inteligente e poderosa voz que se levanta para mostrar que, .. independentemente de qualquer ponto de vista, de qual- quer filosofia, educao e situao de vida, esta a Idade da Angstia que, por fora da imploso eltrica, obriga todos os homens ao com- promisso e participao" (5). As funes sociais e polticas vm sendo de tal modo aglutinadas pela velocidade eltrica contempornea que, como conseqncia, a conscincia humana se eleva a um grau de responsabilidade dos mais intensos. Hoje, afirma McLuhan, .. ao e reao ocorrem quase ao mesmo tempo. Assim, uma das caractersticas do nosso tempo a rebelio contra os padres impostos. Como que subitamente passamos a ansiar porque as pessoas e as coisas explicitem seus seres total- mente. Nesta nova atitude h uma profunda f a ser procurada - uma f que se refere harmonia ltima de todo ser" (6). E da Universidade da Flrida, o poderoso pensamento de Thomas Hanna manifesta uma extraordinria f no ser humano, justificando sua luta pela conquista da sociedade tecnolgica contempornea no sentido de que sempre foi lcito ao homem lutar pela criao de um meio ambiente cada vez mais rico e estimulante. Entretanto, nessa conquista o homem sacrificou-se a si mesmo, obstando o clamor de suas necessidades mais ntimas e naturais. Agora, descoberto e cons- trudo um novo mundo, compete ao homem contemporneo, alm de vencer os terrveis inimigos que criou - as guerras e a poluio - regressar a si mesmo e, finalmente, deixar prevalecer a sua natureza, inaugurando um futuro de maior compreenso de si, de mais profunda simpatia para com os outros, de maior interao social e de mais grandeza. (3) Fromm, Erich, .. Psicanlise da Sociedade Contempornea ". Editora Zahar, Rio, 1973. (4) Id., ibidem. r5) McLuhan, Marshall - .. Os Meios de Comunicaco como Extenses do Homem", Editora Cultrix, So Paulo, 1969. . (6) Id .. ibidem. PARTE 11: A Infncia "Na roda do mundo, mos dadas aos homens, l vai menino, rodando e cantando cantigas que faam o mundo mais manso, cantigas que faam a vida mais doce, cantigas que faam os homens mais crianas ". THALLES DE MEL LO CABRAL CAPTULO 11 A Criana Viver como uma criana o ideal quimrico e inatingvel de todos os homens h milhares de anos. Viver como uma criana significa permanecer fiel natureza hu- mana, ser eu dilatadamente, ser eu em expanso e movimento con- tnuos, ser eu em permanente processo de mutao. Isto inclui a sintonia com o mundo em extrema profundidade, desde os processos mentais mais primrios e desde as emoes mais indiferenciadas e menos sujeitas s influncias ambientais e aprendizagem. Viver como uma criana um vir-a-ser eterno, cheio de surpresas e maravilhas. E uma delas, no h dvida, a honestidade, radical. purssima, de existir em plenitude, de acordo consigo mesmo, com as suas necessidades mais vitais, com seus interesses e motivaes mais ntimas e essenciais. Viver, para uma criana, no se trata de acontecimento passageiro, previsto e limitado. Viver, para uma criana, um transbordamento de alegrias, uma exploso de mil potencial idades e feitos, um caudal ininterrupto de expectativas, assombros e sofrimentos. Viver, para uma criana, simplesmente ser eu. S se pode amar e interagir sadiamente com os outros quando o eu valorizado e distinguido pelo prprio indivduo. Isto o que a criana faz. Desde pequenina, ela se reconhece como uma individualidade, um ser desti- nado a uma existncia prpria, nica. Ela no sabe, mas intui estar em desenvolvimento e mutao e, assim, para ela, o amor um pro- cesso e a felicidade, nunca definitiva. Do egocentrismo para a assimilao do outro, a criana percorre um longo caminho de compreenso, de singularidade e empatia. Se ela for livre, chegar ao sociocentrismo, fraternidade e ao entendi- mento autntico e completo do outro. Se for moldada pela sociedade e dirigida para padres de comportamento, sua vida ficar empobre- cida e, fatalmente, ela vai conhecer o altrusmo que, na verdade, no significa empatia nem fraternidade, mas apenas mais .. um projeto social atravs do qual o indivduo suprime as prprias percepes e respostas somticas a uma situao em favor das respostas de todos 16 PSICOLOGIA EDUCACIONAL os outros" (7). A longo prazo, solapa a individualidade e destri o poder criativo e a autenticidade, desestimulando a responsabilidade e conduzindo conformao. O que, afinal, caracteriza uma existncia plena a integridade com que o ser, originalssimo desde os primrdios, se mantm ao longo de toda a sua cronologia. Isto torna perfeitamente legtima e desejvel a defesa do homem e de sua natureza original contra os bloqueios e represses criados pela Cultura. Thomas Hanna, em outras palavras, afirma que .. os homens normais que vivem na sociedade ocidental so meios-homens, cuja ansiedade em relao ao que o mun- do e as pessoas podem dizer ou fazer, fez com que eles reprimissem o ncleo central do seu ser" (8). Em 1840, Kierkegaard dizia a mesma coisa ao observar que "os seres humanos tm possibilidades inditas de crescimento, mudana e desenvolvimento dentro de si mesmos e, alm disso, que estas pos- sibilidades ocultas e internas poderiam ser melhor realizadas na me- dida em que o indivduo aprendesse a livrar-se a si mesmo da tirania do ambiente" (9). ', A defesa do ser humano e a crtica da sociedade o que, a partir daqui, me proponho a fazer, ao demonstrar ao leitor o desenvolvi- mento fsico, mental e afetivo da criana e do adolescente. Desenvolvimento Definir desenvolvimento e caracterizar o processo da evoluo humana em termos gerais e particulares torna-se indispensvel. Desenvolvimento todo o conjunto de variaes que se manifes- tam em um indivduo por fora de disposies interiores e da ao do ambiente. Tambm pode ser descrito como a srie de mudanas ocorridas no organismo como resultado de aprendizagem e das in- fluncias ambientais. Cada indivduo tem sua prpria frmula de desenvolvimento e de ritmo de desenvolvimento. Entretanto, as fases evolutivas e os pro- cessos de desenvolvimento so universais. A diferenciao de traos potencialmente existentes no indivduo ocorre por maturao, de for- ma absolutamente independente e desvinculada de qualquer expe- rincia, resultando que as mudanas no comportamento humano so ordenadas e ocorrem mais ou menos na mesma poca para todos os indivduos, de maneira universal. A aprendizagem, outro fator de desenvolvimento, refere-se s alteraes no comportamento em decorrncia de influncias externas, o que, evidentemente, dar ao desenvolvimento de cada indivduo o seu carter particular, dada a diversidade histrica de cada um. (7) Hanna, Thomas -"Corpos em Revolta", Editora Mundo Musical. Rio, 1972. (8) Id., ibidem. (9) Id .. ibidem. A CRIANA 17 o processo do desenvolvimento humano abrange todos os aspec- tos do indivduo de uma forma intimamente inter-relacionada. Tudo nele, o crescimento fsico, a evoluo afetiva e da sensibilidade, os. interesses, as motivaes e o desenvolvimento intelectual esto indis- soluvelmente ligados. Entretanto, no h um paralelismo absoluto entre os desenvolvi- mentos fsico, emocional e mental, embora se possa apreciar com nitidez as relaes de mutualidade entre eles. So elas que permitem identificar um indivduo quando em face de um processo de desen- volvimento acelerado ou retardado para a sua idade cronolgica. O ritmo de desenvolvimento caracterstico de cada indivduo, uma vez que os fatores ambientais - sobretudo a nutrio e a esco- laridade - podem provocar maior ou menor acelerao. Quanto continuidade do desenvolvimento, sabe-se que ele segue de forma ordenada, regular e serial para todos. Isto torna vivel aos estudiosos dividi-lo em fases evolutivas universais, embora se saiba' tambm que h grandes diferenas nos padres de desenvolvimento, sobretudo de um sexo para outro. o Recm-Nascido Ao nascer, o ser humano nada mais do que um desprotegido ser dotado de mil e uma potencial idades de crescimento e desen- volvimento. Ele ainda no emocional e nem sequer inteligente. Ele existe como possibilidade e como germe. S com a adaptao forada e gradativa ao meio ambiente exterior, que o indivduo vir a experi- mentar aes e reaes afetivas e a manifestar condutas inteligentes iniciais extraordinariamente organizadas. 'A princpio, o neonato movido por impulsos instintivos e aes inatas totalmente automticas denominadas reflexos, cujas funes, alm da preservao da vida (suco) e a defesa do organismo (re- flexo palpebral). estruturam importantes conquistas posteriores do ser humano como a bipedestao e a locomoo. Seu peso e sua altura mdios so de 3 kg e 49 cm para a me- nina a 3,500 kg e 51 cm para o menino. Ele dorme praticamente o tempo todo e atravs do sono que seu organismo se organiza fisio- logicamente para as inmeras e inevitveis atividades adaptativas fu- turas. Seus reflexos de suco so espantosamente adestrados e atravs dos exerccios de suco do seio ou da mamadeira que se estruturam as primeiras condutas intel igentes. A criana .. descobre" rapidamente como fazer e acomodar-se para que o leite flua com maior facilidade e rapidez. Nesse seu incio de vida extra-uterina, ela desconhece emoes e, portanto, no produz respostas sociais afe- tivas. Alm de toda a herana gentica e ancestral que o ser humano traz consigo ao nascer, coexistem nele um princpio de diferenciao 18 PSICOLOGIA EDUCACIONAL dos nveis de conscincia e uma condio original chamada narcisis- mo, que imprime direo sua libido, uma energia psquica primria que regula e dirige toda a vida humana, tomada individualmente (JUNGJ. Esta energia, ao nascimento, dirigida totalmente para o pr- prio indivduo, o que caracteriza o narcisismo. S a existncia desta condio original, inata, garante nos seres humanos a diferenciao gradativa do inconsciente para os estados de expresso consciente. Apenas a percepo dos outros seres vivos e, especificamente, dos de sua Espcie, sustenta, no homem, as bases fundamentais e diferenciadoras da emoo e da inteligncia. Empatia e Diferenciao dos Nveis da Conscincia A distino entre o Eu e o ambiente, incontestavelmente uma conduta inteligente, ocorre exclusivamente sobre a dinmica de satis- fao e privao .do ser nascente. ~ neste contexto e sentido que o choro se torna a primeira reao tpica de defesa e, como conseqn- cia do rpido desenvolvimento da conscincia, tambm uma forma de manifestao e resposta sociais que, j na criana pequena, eviden- cia um flagrante sentimento e/ou reao de desagrado. desse narcisismo que emergem, gradualmente, por fora da evoluo pslco-soclal, os trs eus que, em interao, constituem a personalidade: o Eu inconsciente (ID), primitivo e instintivo, cuja exis- tncia caracterizada, segundo o mestre de Viena, por um .. ocenico sentimento de onipotncia" totalmente voltado para si mesmo; o Eu consciente (EGO), real, inteligente e afetivo, que no prescinde da existncia dos outros seres humanos para enriquecer-se e evoluir e, finalmente, um terceiro Eu ideal (SUPEREGO), capaz de levar o homem a transcender a sua prpria humanidade. Na medida em que estes sistemas se diferenciam, o Eu passa de um estado de absoluta centrao em si mesmo para um outro estado de interesse pelo outro, o que o conduz do egocentrismo para o socio- centrismo, do Eu para o Ns, situao humana em que o outro cons- cientemente reconhecido, valorizado, desejado e amado, dependendo da interao social a sanidade do Eu. A primeira evidncia de que novo ser humano captou a existn- cia do outro ocorre mais ou menos entre cinco e sete meses, pela identificao do beb com o corpo da me. Ele percebe, j nessa idade, que a me a fonte de calor, nutrio, aconchego e conforto da qual ele no pode prescindir. Este reconhecimento da me d ori- gem empatia, capacidade que todos os seres humanos tm, em maior ou menor nvel de profundidade, para se identificar com os outros seres humanos. H quem diga (Erik Erikson, da Universidade de Harvard, um dos mais preeminentes estudiosos que defendem esse ponto de vista) que um indivduo ser mais ou menos emptico ou mais Ou menos humano, como conseqncia do tipo de relaciona- mento que a sua me manteve com ele nos anos mais tenros de sua A CRIANA 19 existncia. Se ela foi, no apenas veculo de alimentao e de confor- to fsico, mas tambm fonte frtil de calor, segurana e conforto ps- quico, com toda a certeza seu filho assimilar condies de empatia e desenvolver atitudes emocionais positivas. Na abordagem do mesmo problema, tambm OUo Rank e Melanie Klein condicionam a maior ou menor capacidade de amar e de ajuste dos indivduos aos cuidados que a me lhes tenha prodigalizado du- rante o primeiro ano de vida. O bom e o mau seio (RANKJ, a boa e a m me (KlEIN) seria, enfim, a origem mais remota da maior ou menor expresso de humanidade e empatla manifestadas pelas pessoas (10). (10) Rank. Otto -- U EI Trauma deI Naclrnlento", Editorial Paids, Buenos Aires, Hl61. CAPTULO 111 Primeira Infncia: Movimento A primeira infncia, demarcada pelos estudiosos entre O e 3 anos de idade, caracterizada sobretudo pelo movimento, o esprito de aventura e descoberta, a necessidade de expanso, o egocentrismo e a fantasia. A criana desta idade uma exploso permanente de alegria e vivacidade. Ela jamais em toda a sua vida estar to interessada na investigao e na descoberta das coisas quanto agora. Ela est "nas- cendo" e este nascimento da iniciativa, da curiosidade e da capaci- dade de maravilhar-se com o universo exterior que a torna um ser em permanente "ebulio" de idias e de movimentos, de expectati- vas e aprendizagens. Todo o seu desenvolvimento intelectual, afetivo e social decorre da sua evoluo motriz. Tanto a sua adaptao ao ambiente quanto seu auto-ajustamento esto ligados basicamente ao seu desenvolvi- mento motor. Aos seis meses, quando o indivduo passa a sentar-se sozinho, o mundo toma para ele uma nova configurao. Ele j no mais o v na horizontal, mas pode, agora, perceb-lo com amplido e magnitude. Esta percepo maior do ambiente torna compulsiva no novo ser uma nova atitude: a da explorao exterior, que ele empreende, inicial- mente, atravs da relao mo-boca. Tudo ele pega nas mos e tudo ele leva boca para experimentar, perceber e sentir a textura, o volu- me, a forma, a cor. As relaes afetivas e sociais tambm so altamente caracteri- zadas por esta fase oral e motriz de reconhecimento do mundo. As manifestaes afetivas no s para com a me, mas para com todas as outras pessoas ocorrem atravs de gestos e atitudes motrizes de agrado e desagrado, surpresa e medo. Esta primeira fase de diferen- ciao das emoes , tambm, conforme observaes do Or. Freud, a primeira fase de desenvolvimento da sexualidade humana, nitida- mente marcada pelos prazeres orais. A identificao do novo ser humano com sua me, o conforto e o calor que ela lhe assegurar durante a amamentao ou o aleita- 22 PSICOLOGIA EDUCACIONAL mento artificial tm, na evoluo psico-afetiva do indivduo, a mesma capital importncia. E, se aleitar psicologicamente bem uma criana decisivo para a sua formao e equilbrio, desmamar adeqadamente tambm o em igual medida. Ao analisar o momento do nascimento, RANK configura-o como um instante penoso e violento. Gradativamente, o novo ser lanado para fora de seu tranqilo universo uterino. Em alguns casos, em tempo mnimo e sem grandes dificuldades. Em outros, aps horas de sofrido trabalho de parto e, no raro, com agravantes biofsicos. Entretanto, o trauma do nascimento no to intenso e penoso por causa das dificuldades para nascer, mas o pela separao que ocorre, necessariamente, entre me e filho. Aps nove meses de total interao biofsica em que um se cons- tutua extenso natural do outro, o novo ser radicalmente separado do corpo da me e esta imagem violenta e dolorosa a primeira que se instala no inconsciente humano nos primrdios da vida psquica, agora desencadeada pelo nascimento (RANK). Este fato produz no ser humano um permanente sentimentJ de perda e separao que, por sua vez, constitui-se na fonte de toda a angstia humana, liberada durante a existncia de cada um. As dificuldades ocorridas durante o trabalho de parto ou as apre- sentadas pelas condies biopsicolgicas da parturiente ou, ainda, intrnsecas ao prprio feto, concorrem para agravar o trauma do nas- cimento e o sentimento de perda originado com o corte do cordo umbilical pode ser reforado, mais tarde, durante o desmame que, outra vez, se constituir numa nova separao do corpo materno. O indivduo que, por quaisquer motivos, no tenha sido conve- nientemente amamentado e/ou adequadamente desmamado, poder apresentar distrbios, estranhezas e at mesmo aberraes quanto ao comportamento pslco-afetlvo adulto, notadamente na esfera sexual. Pacheco e Silva F." faz correlaes clarssimas entre o desmame e o alcoolismo, o vampirismo, a homossexualidade e a predominncia do erotismo oral (11). provvel. tambm, que o uso da chupeta em idades mais avanadas que a do beb e o hbito de roer unhas e chupar o dedo sejam decorrentes de inadequaes vividas pelo indi- vduo durante essa fase. Jogo e Estruturao Mental O brinquedo, neste primeiro ano de vida, assume importante papel na evoluo psico-afetiva da criana. Aos dois meses, ela" descobre" os prprios dedinhos e passa a brincar com eles, examinando-os longamente e acompanhando o jogo com movimentos de fala. (11) Silva Filho, A. Pacheco - "O Mitil (Complexo) dos Vampiros: si importncia psicolgica e patolgica". Jornal de Psicanlise, So Paulo, 1972, 6, 18. PRIMEIRA INFNCIA: MOVIMENTO 23 Logo a seguir, aos quatro meses, ela rola sobre si mesma e ja no a contenta mais o exame meticuloso dos dedos, mos e ps que, invariavelmente, ela leva boca visivelmente encantada. Agora, ela est interessada no corpo todo como objeto de satisfao. RolanJo inmeras vezes e finalmente, mantendo a cabea erguida sem apoio, a criana se apercebe, curiosa e vivamente interessada, de um mundo fascinante exterior a ela, ao bero e aos chocalhos. Esta descoberta leva-a a incorporar o universo que, nesta idade de acentuado egocen- trismo, introjectado para atender necessidades e atividades prprias. Aos seis meses, porm, j capaz de sentar-se sem apoio e de alcanar sozinha objetos acessveis que lhe despertem o interesse, a criana j no , ela mesma, o nico motivo para brinquedo e o mundo tambm deixa de ser um brinquedo puramente passivo para se tornar o tumultuante campo onde o indivduo se desenvolve motora, afetiva e mentalmente. exatamente neste momento que a criana inclui pessoas nos seus jogos pela primeira vez, e tudo ocorre entre risadas e gritos francamente prazerosos, ora com o jogo de escondf- esconde em que o adulto se oculta para reaparecer logo a seguir, ora com o arremesso, mais notado aos nove meses e que tem especial destaque no aperfeioamento perceptivo-espacial e da ateno, dois dos processos mentais bsicos no desenvolvimento da inteligncia e da criatividade humanas. atravs do arremesso dos objetos que, ao cair, so devolvidos criana pelo adulto, que o menino amplia sua percepo do espao em redor de si e tambm atravs dele que a criana dirige sua aten- o para um determinado objetivo. Isto, aparentemente de pequena significao, no s propicia grande desenvoltura da criana nas re- laes afetivas para com o adulto que com ela brinca, mas tambm a induz a sair de si mesma rumo ao entendimento de que fora de si existe um universo exterior que no faz parte dela, mas que a contm. Estes fatos talvez possam constituir-se na mais remota causa do dis- tanciamento do indivduo de seu mundo egocntrico e da eliminao de seu sentimento de onipotncia diante desse mesmo universo. A partir da e dos movimentos iniciais para engatinhar, a ativi- dade exploratria motivao essencial na vida da criana. Tudo e qualquer coisa, qualquer situao e qualquer pessoa, so razes de interesse, de assombro, de investigao e atividade criadora. Charlotte Bhler, aps extensos anos de observao sistemtica de crianas durante o primeiro ano de vida. acredita que, ao segundo ms, j se esbocem na criana o talento e a imaginao, to nume- rosos e diversificados so os seus movimentos durante o jogo com os prprios dedos. Tambm observa-se correntemente os primeiros ind- cios de adaptao ao meio j ao segundo ms, quando ocorrem simul- taneamente as primeiras manifestaes de alegria e contrariedade (sorriso e choro enrgico). Aos cinco meses, a criana socialmente ativa e os contactos sociais so procurados espontaneamente no s atravs do contacto fsico. mas tambm pelo balbucio que se, inicialmente, constitui uma 24 PSICOLOGIA EDUCACIONAL auto-diverso, passa a ser um meio de comunicao eficaz aperfei- oado, depois, pela imitao e aprendizagem dos sons. J nessa idade a observao pela criana dos gestos e expresses fisionmicas alheios flagrante e, logo mais, aos oito meses, o ser humano apre- sentar, extraordinariamente desenvolvida, uma notvel capacidade de interpret-los e assimil-los. Bhler registrou inmeros casos em que crianas dessa idade procuravam, do bero, consolar crianas maiores que choravam. Mas ainda mais notvel a constatao de que o ser humano percebe significados emocionais antes dos objetos e que a percepo do rosto humano tambm precede a dos objetos. E, ainda, que o beb percebe primeiro um rosto sorridente, primeiro a alegria e, s depois, um rosto triste. Aos seis meses, a linguagem tende para a vocalizao e a sila- bao ocorre logo a seguir, aos oito meses (ma-ma, pa-pa, da-da, ta-ta). Entre nove e doze meses a criana compreende palavras e frases in- teiras, e ainda mais sensvel s expresses emocionais alheias. Durante esse fertilssimo percurso dos seis meses ao primeiro aniversrio, gradativamente o menino intensifica o uso das mos, atende a ordens sociais elementares como bater palmas e acenar, revela extraordinria memria, engatinha, reconhece e gosta das pes- soas familiares, diferencia a me e tudo quanto a ela se refere (seus passos, por exemplo), reage com violncia s contrariedades, no gosta de estranhos, determinado, incansavelmente ativo, fica em p, ensaia os primeiros passos e faz surpreendentes relaes dele prprio com o espao exterior. Entre doze e quinze meses, o mundo para a criana um fants- tico e fascinante brinquedo que, agora, j capaz de andar, ela explora com desassombrada alegria. Aos dois anos, o menino mostra aprecivel coordenao motora, seus movimentos so firmes e acha-se sempre em permanente ativi- dade e movimento. Tem perfeito controle sobre os esfncteres, alta- mente egocntrico, embora seja capaz de participar de pequenos grupos infantis, cnstri frases curtas, geralmente de duas palavras, fala com euforia, j conclusivo e extremamente obstinado. nesta idade que as crianas descobrem a existncia do seu sexo e, intuitivas como so, orgulham-se de sua singularidade, compor- tam-se como indivduos separados e autnomos, reconhecem a auto- ridade adulta a contragosto e U aprontam li j aos dois anos, a primeira crise de oposio ao mundo adulto. Esta fase, chamada sdico-anal pelo Dr. Freud, corresponde ao segundo estgio de desenvolvimento da sexualidade humana. Ultra- passada a fase oral. em que o objeto de prazer do ser humano era exterior a ele (o leite materno, o seio da me, a me inteira, segundo RANK), ele prprio se torna intrinsecamente detentor de prazer. O que lhe interessa, agora, so suas produes excretrias e o prazer deri- vado de sua reteno e eliminao. Como em geral as necessidades naturais psicofisiolgicas desta PRIMEIRA INFNCIA: MOVIMENTO 25 fase colidem com as regras sociais de controle higinico, a criana apresenta-se agressiva, verdadeiramente belicosa e orgulhosa de si. Afinal, suas excrees so produto dela, originam-se e so eliminadas pelo mesmo conjunto de rgos que, maravilhada, ela descobriu ser o seu sexo. O controle mrbido das fezes e da urina de uma criana feito por sua me, a repreenso, os insultos sofridos por causa da lndlsci- plina higinica, as ameaas e os castigos so extremamente negativos para a evoluo psico-sexual sadia do indivduo que, magicamente, passa a associar ao seu sexo e s atividades sexuais normais e pos- teriores do ser humano, a idia de sujeira e de que tudo que se refira a sexo ser virtualmente ameaador e pernicioso. Alm disso, o controte demasiado severo pode levar o indivduo a sofrer uma inibio de sua agressividade normal, como tambm pode, mais tarde, conduzi-lo a preocupaes obsessivas de ordem e asseio ou, ao contrrio, por razes claramente defensivas, a um irri- tante e sistemtico desleixo. Em casos mais extremos, a condenao do adulto pode ocasionar perverses ligadas s funes de excreo, a enurese e as tendncias para o sadismo e o masoquismo (MAUCO). Aos trs anos, a agressividade e o movimento apresentam-se no- vamente constantes e ainda mais fortalecidos. Imitao e Curiosidade Idade especialmente ldica, os trs anos so fortemente marca- dos pela fantasia e pela curiosidade. A fantasia tem, daqui por diante, at os seis anos, uma notvel importncia, uma vez que o pensamento infantil , nestas idades, abso- lutamente mgico, todo impregnado por elementos do "fantstico" e do "maravilhoso ". A criana no faz discriminaes entre a realidade externa e os produtos de sua fantasia. Para ela, realidade o que ela est vivendo, o aqui e o agora. Para ela no existe o que foi nem o que ser. O tempo no tem para ela a menor significao, no h passado nem futuro. A vida o momento presente. O mgico funciona positivamente no indivduo tanto na esfera emocional quanto na intelectual. Se, por um lado, a fantasia transporta a criana para o desenvolvimento de curiosidades maiores de forma intencional, por outro lado, tem funo catrtica, no sentido de que permite a liberao de tenses. Isto a torna intangvel e toda-pode- rosa. Fora do espao em que vive e distante do poder exercido pelos adultos, ela se organiza num mundo prprio, isento de conflitos inter- pessoais. Contraditoriamente, a imitao tambm notvel nesta poca e age no sentido da elaborao mgica e da descarga conflitual. Silvinha, trs anos, cuja me jamais a ameaou com castigos cor- porais, mas que a cada travessura da criana isola-a num canto da 26 PSICOLOGIA EDUCACIONAL r sala, voltada para a parede, tambm adota em suas brincadeiras o mesmo tipo de agresso. Sozinha em seu quarto repleto de bonecas e bichos os mais diversos e numerosos, ela brinca de "mame" e, no raro, dispe todos os brinquedos voltados para a parede, incluin- do no castigo os quadros e enfeites. Nesta idade de intenso magicismo, a criana apresenta uma pro- digiosa capacidade para maravilhar-se e sobre esta sensibilidade que se estruturam suas insistentes perguntas sobre os porqus: por que os gatos nascem vestidos? - por que as nuvens so fofas? - por que os nens so enrugadinhos? por que as pessoas tm tantos dedos? - por que elas ficam velhas? - por que Deus no aparece? - por que os pais fazem nens? - por que eu nasci? - por que menina diferente? - por que a gente no nasce vermelha? Patrcia, dois anos, jamais havia visto a noite at essa idade. A famlia habitava um pequeno apartamento que, aps o nascimento de um novo filho, foi trocado por uma casa ampla. A mudana durou uma tarde inteira e, ao seu final, uma noite fria, escura e chuvosa esboou-se j s 18 horas. Maravilhada, a menininha sentou-se porta e, depois de muito tempo, disse, encantada: "Que bonitinho o escuri- nho, mame ", No dia seguinte, explorando o jardim, arrancou todos os brotos das roseiras, um a um, .. para ver o tamanho e a cor das rosinhas l dentro" . Os companheiros imaginrios tambm so produtos deste final da primeira infncia e a eles a criana devota grande amor e lealdade, embora, paradoxalmente. manifeste pouco ou nenhum interesse por outras crianas. Bhler relatou que, ao observar meninos conversando, no notou nenhum interesse especial da criana em comunicar-se com outras. Embora juntas, elas conversam consigo mesmas, configurando o que Piaget chama de "monlogo coletlvo ". Apenas 30 destas con- versas apresentam alguma nebulosa indicativa de interesse pelo esta- belecimento de contacto social. Estes fatos denunciam o egocentrismo como mais uma caracte- rstica natural destas idades marcadas por uma vida afetiva intensa, em que o inconsciente predomina basicamente. Aos dois anos. a criana expressa vontade e impulsos possessi- vos em suas relaes com os adultos e insiste em seus prprios direitos. Aos trs, ela vive penoso conflito causado pela sua depen- dncia dos pais, indivduos que ama porm aos quais ope resistncia e dos quais deve defender-se para fazer prevalecer seus pontos de vista. A criana ama a si mesma, as pessoas imediatamente .ao seu redor e o mundo que se configura para ela como algo extraordinaria- mente interessante. Sua paixo est voltada para si mesma, sua vida psquica evolui conforme as suas necessidades e a interpretao ana- ltica que a criana faz das pessoas decorre de suas prprias moti- vaes. Este, egocentrismo, entretanto, no exclui a pcssibtltdade de uma intensa tendncia em direo aos outros (BHLER). PRIMEIRA INFANCIA: MOVIMENTO 27 5.A criana est to profundamente imersa em si mesma que no pode sequer perceber o tempo. Ela no pensa nem pode admitir que as coisas e as pessoas existem h muito tempo, e que a existncia comeou antes dela prpria ter nascido. Nada que no faa parte da sua experincia pode ser adequadamente apreendido por ela: nem fatos, nem acontecimentos, nem pessoas (PIAGET). Assim, so imen- sas e insuperveis as dificuldades que a criana apresenta para repre- sentar duraes ou espaos de tempo e estabelecer cronologias. O .. antes" e o .. depois" no existem: s h o .. agora". Tambm o espao no percebido de modo adequado nesta fase de eqocentrismo. Espao o que est fora de ns e a criana est to voltada para si que no pode perceber o que est fora dela. Esta ausncia de percepo espacial se revela ntida nos desenhos desta idade: tudo representado como a criana pensa que , de forma desordenada e sem evidncias relacionais ou de associao. A criana projeta-se, ela prpria. no desenho, muito maior do que os demais elementos, e., GIII: ." iiii~WI! Fig. 2 - Ela o ncleo do universo (Fbio. 7 anos). o animismo outra das manifestaes egocntricas da criana. Agora em nvel fsico, ela acha que as coisas tm propriedades e qua- lidades semelhantes s suas. No raro ver uma criana que ao es- barrar numa porta, por exemplo, volta-se furiosa para ela, chamando-a de "malvada": "Feia! Machucou eu!". 28 PSICOLOGIA EDUCACIONAL Na vida social, o egocentrismo observado em vrias oportuni- dades: nas conversas, nas brincadeiras, na dificuldade que a criana tem de enxergar os outros de vrias formas e sob vrios ngulos e na apreciao que ela faz dos outros em relao a si prpria: sem condies de identificar-se com o interlocutor, ela no toma o lugar dele e, portanto, no pode dialogar com ele, donde as conversas infan- tis, como j mencionei, resultarem em verdadeiros monlogos para- lelos. A criana no se v como um elemento nas brincadeiras e, assim, no pode brincar em grupo, uma vez que lhe impossvel assi- milar regras. Tambm lhe difcil ver sua me ou seu pai ou quem quer que seja como simultaneamente me dela e professora de outras crianas; pai e mdico, acumulando dois ou mais papis soclal-, Na linguagem, o emprego inadequado dos pronomes pessoais re- vela o eqocentrismo. A criana fala de si acentuando a terceira pes- soa: "Nen quer brincar" - "Mim vai dormir". Carncia Afetiva As atitudes afetivas da me determinam, durante a infncia, no s a qualidade e o ritmo de desenvolvimento fsico, intelectual e afe- tivo da criana, como tambm, em casos extremos, a sua morte. Enquanto beb, a me a fonte vital da qual fluem as experin- cias e as satisfaes mais primrias e, depois, durante toda a infncia, ela ser um centro permanente de estmulos e de segurana. fcil, portanto, compreender que qualquer atitude afetiva da me em termos de indiferena e rejeio desencadeia perturbaes afetivas na criana. Acresce, ainda, que estas perturbaes no ocor- rem apenas no plano das emoes, mas inclusive em termos fsicos e intelectuais. SPITZ forneceu um quadro j considerado clssico sobre as rela- es entre a atitude materna e a reao da criana: Atitudes Maternas Manifesta repulsa afetiva Rejeio ativa Solicitude ansiosa excessiva Hostilidade-Angstia Oscilao entre mimos e hostilidade Saltos de humor cclicos Hostilidade recalcada - atitudes compensatrias Privao afetiva parcial Privao afetiva total Efeitos na Criana --7 Coma do recm-nascido --7 Vmitos e doenas respiratrias --7 Clicas --7 Neurodermatite infantil --7 Hipermotibilidade (abalos e ritmos anormais) --7 Jogos fecais --7 Hipertimia agressiva --7 Depresso --7 Marasmo Quadro n." 1 - Efeitos das atitudes maternas sobre a criana (12). (12) Spitt, R., em trabalho sobre privao afetiva no livro de Morse e Wingo, "Leitu- ras de Psicologia Educacional", Cia. Edit. Nac., S. P., 1968. PRIMEIRA INFNCIA: MOVIMENTO 29 A carncia afetiva poder causar leses irreparveis. Tanto o abandono afetivo como a separao podem provocar a apatia, a de- presso, a indiferena, a angstia e at mesmo a morte. Inversamente, os cuidados exagerados e a superproteo, no fundo compensatrios, denunciam uma ansiedade mesclada de culpa, o que pode originar na criana perturbaes digestivas, enurese, insegurana e angstia. So bastante freqentes os casos de insnia infantil, anorexia, enurese, atrofias musculares. e atrasos motores originados de uma situao carencial. Quanto ao comportamento, as crianas apresen- tam-se ora hiperativas e agressivas, ora inertes, apticas e indife- rentes (NOVAES). A "Mquina de Viver" A carncia afetiva materna no s determina conseqncias ime- diatas graves mas tambm uma progressiva desintegrao da perso- nalidade. o caso de "Zezlnho, o Menino Mecnico", assim conhecido em sua escola porque durante muito tempo s se relacionou com os outros atravs de mquinas imaginrias, atribuindo s suas relaes um carter impessoal, mecnico e automtico. Rejeitado desde a gravidez por ambos os pais, Zezinho foi ges- tado em clima de absoluta indiferena afetiva. Tanto o pai quanto a me ignoravam a sua existncia de modo radical. Um complexo e trgico" isolamento psquico in utero" verificou-se. A me portava-se como se no estivesse em estado de gestao: usava roupas ajustadas, alimentava-se como sempre, no interrompeu jamais suas atividades costumeiras, nem profissionais, nem de lazer, manteve relaes se- xuais at o final da gravidez e no providenciou absolutamente nada para o beb, como se ele no fosse nascer. Aps o nascimento, Zezinho foi imediatamente entregue aos ve- lhos avs paternos, sem que a me o tivesse visto. Na ocasio, ela negou-se a v-lo e, como o marido, portou-se como se, finalmente, houvesse se livrado de algo extremamente desagradvel. Zezinho teve desenvolvimento normal at os quatro anos, quando seu av morreu. A av, inconsolvel, passou a apresentar comporta- mentos regressivos que a incapacitaram de continuar com a criana. Zezinho foi entregue aos pais que, finalmente, o conheceram e, de imediato, contrataram uma enfermeira para cuidar dele e da qual exi- giam tratamento absolutamente "cientfico", sem quaisquer manifes- taes de afetividade.O contacto deles com a c(iana sempre foi mnimo, superficial e indiferente. Dez meses depois, Zezinho, de in- teligncia normal, sofreu violenta regresso: esqueceu tudo quanto sabia, no falou mais, perdeu a motricidade conquistada, deixou de andar, no mais controlava as excrees e alheou-se a tudo. Na escola para crianas anormais em que seus pais o colocaram, a Escola Ortognica Sonia Shankman, da Universidade de Chicago, Ze- zinho mostrou-se passivo, sem reaes, movimentos; alegrias ou sofri- 30 PSICOLOGIA EDUCACIONAL 6.7.8.mentos. S depois de intenso tratamento psico-motor, foi reconquis- tando as capacidades perdidas, recusando-se, porm, a comunicar-se oralmente com os outros. Sua forma de comunicao era atravs de mquinas a princpio imaginrias e, depois, construdas engenhosa-. mente com canudos de refrigerantes. Ele as usava para tudo. S de- pois de lig-Ias numa tomada eltrica imaginria, Zezinho podia comer, andar, excretar, brincar e dormir. Freqentemente, demorava-se tanto na construo de suas" mquinas de viver" que, ao terminar, j havia perdido o interesse pela brincadeira antes projetada. Seu primeiro desenho foi um auto-retrato, para o qual ele projetou uma criana mecanizada, feita de fios eltricos e ligada a uma tomada. S assim ele chegava s pessoas. Tinha medo. Parecia que o contacto humano era, para ele, sumamente doloroso. l (.,\ C (C.J \ .. ::) C.Y) -'J -----1 Fig. 3 ~ Zezinho, o Menino Mecnico (8 anos). 9.Aos nove anos, aps srio tratamento orientado pelo Prof. Bruno Bettelheim, em que todos os funcionrios da Clnica, desde os mdicos e terapeutas at os de funo mais modesta, entraram no seu jogo mgico como medida para atingi-lo, Zezinho era declarado "normal "; apresentava desempenho escolar bom, inteligncia mdia e uma pro- digiosa engenhos idade para a construo e manipulao de maquin- rios. Talvez se possa apreciar o grau de recuperao desta criana ao saber-se que Zezinho construiu um carro alegrico para um desfile escolar e nele colocou uma faixa em que dizia: "Os sentimentos so o que de maior existe debaixo do sol" (13). Outro caso de privao afetiva total o de Frik, um menino holan- ds abandonado desde nen num orfanato. Foi adotado duas vezes: os primeiros pais adotivos no se adaptaram criana e a devo/ve- ram ao orfanato. Depois desta cruel experincia, Frik foi adotado novamente. O casal, bem ajustado conjugal e socialmente, amou e foi amado pela criana desde logo. A nova me, sensvel e intuitiva, percebeu, de imediato, que a desastrosa vida afetiva anterior de Frik poderia refletir-se numa excessiva dependncia do garoto sua figu- ra e, ento, colocou-o numa escola pr-primria. No jardim, o menino retraa-se, era tmido e medroso e parecia, segundo a professora, um retardado mental. Coisa que lhe causava verdadeiro pnico era o jogo de esconde-esconde e em todos os seus desenhos predominava o mesmo tema: navios amarrados casas, casas amarradas a rvores. Nos jogos com materiais diversos, ele primeiro fazia uma cerca com os blocos, para brincar, depois, exata- mente no meio deles (BHLER). PRIMEIRA INFNCIA: MOVIMENTO 31 li I Fig. 4 - U Amarro-as para que no fugam ... " (14) (Frik, 5 anos). (14) Bhler, Charlotte - A Professora, o Aluno e Seus Problemas", Editora Fundo de Cultura, Rio, 1967 (adaptao do desenho original). (13) De Scientific American Review, n,? e ano ignorados. 32 PSICOLOGIA EDUCACIONAL A professora, insensvel II criana, perguntou-lhe irritada porque amarrava todas as coisas umas s outras. lO Casas no andam", disse- lhe ela, referlndo-se aos desenhos, ao que Frik respondeu: U As pes- soas fogem .... O afastamento da me nas primeiras idades tambm causa da indiferena afetiva e da incapacidade que algumas pessoas tm para amar. Jos, um menino afastado de sua me tuberculosa aos treze meses, foi adotado logo depois, mas era de uma lO anestesia afetiva" total. No criava elos com ningum e apresentava-se completamente insensvel a elogios, ameaas, punies e recompensas. Desde peque- nino, mentia habitualmente e, j na escola primria, cometia pequenos furtos, embora seus pais gozassem de privilegiada situao econ- mica (CARDOSO). Comparando crianas criadas em orfanatos e crianas criadas no lar de origem at os trs anos de idade, Goldfarb conclui que as lti- mas apresentavam resultados invariavelmente superiores quanto ao nvel de inteligncia. tinham maior capacidade de estabelecer relaes sociais e manifestavam maior desenvolvimento da linguagem. Dos dois grupos, cada um com quinze crianas, Goldfarb relacio- nou entre as criadas em orfanatos: nove com intensa necessidade de afeto, oito com problemas mrbidos de medo e nove intensamente agitadas. Do grupo criado com a me. de quinze apenas uma mostra- va-se sistematicamente agitada, apenas uma manifestava temores mrbidos e apenas uma tinha necessidade neurtica de afeio (15). As principais caractersticas da criana criada em meios emocio- nalmente frios e carentes de estmulos so a falta de ateno. o de- snimo, o emagrecimento, a palidez, relativa imobilidade.' mutismo, apetite indiferente. incapacidade para aumentar apropriadamente de peso, ausncia de reao aos estmulos afetivos como um sorriso ou palavras carinhosas, evacuao freqente, sono insuficiente, aparn- cia de infelicidade, propenso para episdios febris e ausncia de suco (BAKWIN). A rejeio da criana por parte dos pais. sobretudo da me. apontada, ainda. como uma das provveis causas do comportamento esquizofrnico. Sem apoio emocional. abandonada pela famlia em termos afetivos, a criana torna-se incapaz de contactos humanos sa- tisfatrios (DOURADO). "Fecha-se em si mesma. Corta relaes com o mundo que se transforma para ela em deserto hostil e rido. Foge autisticamente desse mundo e contra ele se revolta; com esse mundo se desentende e o atravessa cautelosa ou agressivamente, com a alma vazia de amor" (16). Da o fato de o esquizofrnico ser indiferente. vio- lento e imotivado. (15) Goldfarb, W. - "Emotional and Intellectual Consequences of Psychologic Depri- vation in Infancy; a He-evaluatlon." Em Hoch. P. e Zubing, "Psychopathology of childhood", N. Y.: Gurne & Stratton. 1955. (16) Dourado, Luiz A. - "Ensaio de Psicologia Criminal", Editora Zahar, Rio, 1969. PRIMEIRA INFNCIA: MOVIMENTO A Fantasia 33 A fantasia aparece desde cedo no ser humano e constitui-se na expresso mental dos instintos, representando o contedo psquico e particular dos impulsos ou sentimentos que dominam a mente num preciso momento (lSAACS). Quando o beb est com fome, toda a sua ansiedade, suas rea- es e postura diante da me so de, muito alm do simples" quero mamar", um .. quero com-Ia toda". Esta fantasia se converte senso- rialmente em atitudes motrizes: chupar o dedo , de certa forma, substituir a me. Essas fantasias primrias so representantes psquicas dos im- pulsos bsicos de desejo e agressividade e existem muito antes que a criana possa expressar-se em palavras ou manifestar pensamento relacional consciente (lSAACS). Um caso interessante o relatado por Murphy. Uma criana de dois anos foi deixada no jardim de infncia pela primeira vez. Ansiosa por causa da separao da me e do ambiente estranho, sentindo-se abandonada e sozinha, apenas um brinquedo a interessava e confor- tava: a caixa do correio que, aparentemente, no comportava nenhuma projeo afetiva. Atravs de um orifcio existente na tampa da caixa, a criana deixava cair pequenos cubos que desapareciam de sua vista. mas eram retirados por ela logo a seguir com o simples abrir a caixa. Com esse jogo, a criana capacitava-se a superar seus sentimentos de perda da me, usando a caixa na qual perdia e achava novamente os objetos. O Dr. Freud j em 1922 contava caso semelhante: o de um garo- tinho de ano e meio que jamais chorava quando a me saa e o dei- xava em casa, aps longas horas juntos: "ela no s o amamentara, mas cuidara pessoalmente dele e o criava sem qualquer ajuda alheia". Ocasionalmente, porm, essa criana bem comportada manifestava o hbito perturbador de amontoar nos cantos da casa ou debaixo dos mveis todas as pequenas coisas que tinha. Essa operao era acom- panhada de uma expresso de interesse e gratificao e a criana emitia um prolongado e fundo "o-o-o-oh " que, na opinio da mestqn- ficava "foram-se embora". Percebi, finalmente, que se tratava deurn jogo e que a criana usava todos os seus brinquedos para com e1es brincar de . ir-se embora" (fortsen, em' alemo, "estar sumido" e "fazer saudade "I. Portanto, era esse todo o seu jogo, desaparecimento e retorno, sendo o primeiro ato o nico geralmente observado pelos circunstantes e o que era infatigavelmente repetido pelo menino como um jogo, embora o maior prazer estivesse indiscutivelmente associa- do ao segundo ato. O significado do jogo no era preciso procurar muito longe. Es- tava relacionado com a grande realizao cultural da crianca ~ a antecipao da satisfao de um instinto - em resultado da qual podia deixar a me sair sem causar rebulio. A criana se compen- 34 PSICOLOGIA EDUCACIONAL sava por isso, por assim dizer, representando o mesmo desapareci- mento e regresso com os objetos ao seu alcance (17). Desenvolvimento Fsico o recm-nascido parece ter o peso concentrado na parte superior do corpo e, conforme o princpio cfalo-caudal de desenvolvimento, a criana cresce num ritmo acelerado no sentido da cabea para os ps, o que significa que existem ritmos diferentes de crescimento para cada parte do corpo: a cabea e a parte superior do tronco desen- volvem-se mais rapidamente que a parte inferior e as pernas. A cabea do menino, ao nascer, j tem 60 do tamanho que ter na idade adulta. At os dois anos o crebro ter duplicado suas di- menses e o tronco ter atingido a metade do comprimento adulto. Os msculos, os ossos e maioria dos rgos internos crescem com rapidez. desenvolvimento do sistema genital lento e o do sistema nervoso surpreendentemente acelerado. Aos seis meses, irrompe o primeiro dentinho, iniciando a dentio "de leite". Paralelamente a essa direo cfalo-caudal do desenvolvimento, ocorre a direo prximo-distal, que se manifesta no desenvolvimento dos segmentos corporais a partir do eixo principal oara as extremida- des. Isto tem vasta importncia no desenvolvlrnern motor: os movi- mentos dos braos antecedem os movimentos dos pulsos e dos dedos. Tal qual o desenvolvimento fsico, tambm a evoluo motriz acontece rapidamente na infncia inicial. Nas primeiras semanas de vida, a maioria dos movimentos do beb casual e sem coordenao, abrangendo vrias partes do corpo. Entretanto, medida que o sistema nervoso vai amadurecendo, a ati- vidade de massa desenvolve-se em movimentos coordenados volun- tariamente, originando respostas especficas. Obtido o controle sobre os diferentes msculos do corpo, a criana pode sentar-se, engati- nhar, andar, falar, comer sozinha, excretar e correr, habilidades funda- mentais que ela adquire no decorrer dos primeiros trs anos de vida. O controle muscular depende das estruturas neurais e do desen- volvimento geral do organismo. Se essas estruturas no estiverem suficientemente desenvolvidas, a criana no ter a maturao neces- sria para controlar seus movimentos. Isto significa que a aprendi- zagem de determinadas habilidades no pode ocorrer sem a necess- ria base maturacional. Referindo-se ao controle dos esfncteres, Elizabeth Hrlock afirma que o treino forado da criana ocorre quando as mes esto dema- siadamente ansiosas para serem socialmente reconhecidas como "boas mes" ou quando elas se apresentam demasiadamente vulner- veis s opinies alheias. (17) Freud, Sigmund, em "Klein, M. and Heiman, P., Isaacs, S. and Riviere, J. - "Os Progressos da Psicanlise", Editora Zahar, Rio, 1969. PRIMEIRA INFNCIA: MOVIMENTO 35 o treino precoce e/ou severo torna as crianas nervosas, com problemas de enurese, hbitos de roer unha e chupar o dedo, defeitos de fala e excessiva preocupao com elegncia e limpeza. Tanto quanto a prontido para aprender depende basicamente da maturao das coordenaes musculares, o desenvolvimento motor est intrinsecamente correlacionado com a evoluo mental e afetiva: o desenvolvimento da inteligncia depende, nos primeiros anos, das atividades sensrio-mataras e a motivao para o desenvolvimento de maior e mais complexa atividade motriz depende, por sua vez, dos avanos e progressos intelectuais. As atividades motoras desta idade esto, tambm, intimamente ligadas vida afetiva da criana: a destreza motriz est diretamente correlacionada com a caracterstica emotiva normal desta fase, que a dependncia, fator de decisiva importncia na organizao psico- lgica da criana de um a trs anos (FINCH). O desenvolvimento motor, como todos os demais, progride de modo seqencial e ordenado. As diferenas individuais manifestas so devidas s influncias ambientais ou de natureza gentica. Para exemplificar bastante elucidativo o estudo comparativo entre bebs africanos e americanos descrito por Hrlock: os bebs de Uganda mostram-se superiores durante o primeiro ano de vida. Aos quatro meses, sentam-se sem ajuda; aos oito, ficam em p sem apoio e aos dez, andam sozinhos. A criana ocidental, em geral, faz as mesmas conquistas com dois a cinco meses de atraso. Hrlock justifica essa precocidade com o fato de que os meninos africanos ficam com a me permanentemente antes do desmame. Durante todo esse pero- do, ela no se ausenta nunca e brinca o tempo todo com eles, incen- tivando seus movimentos. ESCALA DE DESENVOLVIMENTO MOTOR Meses Movimentos para engatinhar Cabea ereta e firme Rola da posio de lado para a de costas Senta-se com apoio Senta-se com ligeiro apoio Rola sobre si mesmo Senta-se sozinho Completa oposio do polegar Engatinha Ensaia os primeiros passos com ajuda Pe-se de p sozinho Anda com ajuda Anda sozinho Anda na ponta dos ps Sobe escadas alternando os ps 2 3 3 3 4 5 6 7 8 9 10 11 13 30 35 Ouadro n.' 2 - Simplificao da Escala Infantil de Desenvolvimento Motor da Califrnia (MUSSEN). CAPTULO IV Segunda Infncia: Fantasia "Cor de rosa? um vermelho, sabe? Mas muito devagar ... Esta resposta de um menino de cinco anos para o Prof. Augusto Rodrigues, da Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro, caracte- riza definitiva e maravilhosamente a criana: sensvel e afetiva, ela mil e um potenciais em desenvolvimento e isso quer dizer que ela est em movimento permanente e que este vir-a-ser contnuo mani- festa-se naturalmente abrangendo todas as partes do seu ser. Se ela est em franco crescimento fsico e em pleno processo de maturao biolgica e se esto ocorrendo nela mutaes e aperfei- oamentos acelerados de suas caractersticas fsicas e de suas fun- es orgnicas, tambm no menos verdadeiro o prodigioso desen- volvimento das suas emoes, agora mais enriquecidas pelas ambi- va/ncias e o imprevisvel. Tambm extraordinria a evoluo do pensamento, a constante modificao das idias e o crescimento quantitativo e qualitativo do campo perceptual, da ateno, da mem- ria, da imaginao e do raciocnio. Esta" ebulio" geral do organismo que marca a segunda infncia (dos trs aos seis anos) ocorre igualmente em todas as reas do desenvolvimento humano: o crescimento fsico, a expresso emocio- nal e os processos mentais superiores. A criana vive em movimento contnuo, externa e interiormente. Tomada de uma verdadeira euforia de viver, ela se deslumbra diante do mundo e suas perguntas e suas explicaes j no mais se apre- sentam totalmente desligadas da realidad