Roma, 24 de julho de 1989....Inspetor em tempos difíceis Mas, eis que o Reitor Mor, padre Pedro...

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Roma, 24 de julho de 1989.

Caros Irmãos,

Convido-vos recordar com reconhecimento a figura do saudoso

PE. LUIS RICCERI

Sexto sucessor de Dom Bosco.

A notícia do seu falecimento no dia 14 de junho passado em Castellammare di

Stabia (Napoli), foi recebida com muita dor, seja em toda a Família Salesiana como

nos ambientes mais representativos da Igreja e da sociedade. Os solenes funerais

foram celebrados na basílica do Sagrado Coração de Jesus em Roma e os seus restos

mortais foram depositados na tumba da nossa comunidade nas Catacumbas de São

Calisto onde repousam com os “Salesianos em paz”.

Há poucos dias havia completado 88 anos. O seu mandato de Reitor Mor havia

terminado em dezembro de 1977; viveu ainda quase 12 anos, acolhido na

comunidade de São Calisto na via Appia Antiga. Foi um irmão benemérito, legado

estreitamente, especialmente no período do seu reitorado, a toda a vida da

congregação. Aqui fazemos memória sinteticamente segundo o gênero literário

próprio das cartas edificantes, destinadas a apresentar aos Salesianos o seu irmão

falecido. Um estudo mais atento da história de um período tão complexo da vida da

Congregação poderá falar dele, mais adiante, com maior adequação histórica.

A sua vocação floresceu na Sicília

O padre Luiz Ricceri nasceu em Mineo, um centro agrícola que surge sobre as

colinas na fronteira da planície de Catânia, no dia 8 de maio de 1901 e acompanhou

com suas atividades a maioria dos eventos do nosso século. Permaneceu sempre

ligado à sua terra e aos seus concidadãos, mas os recursos de seu temperamento

siciliano o ajudaram a adaptar-se com facilidade a todos os países, não só da Itália

onde ele tirou sua vida.

Chama a atenção na sua infância e em seus primeiros anos, incidentes e

situações, que diremos providenciais, que o fizeram descobrir pouco a pouco a

vocação e o ligaram para sempre à Congregação salesiana. Ele mesmo reconhece

nisso “os jogos misteriosos” do Espírito Santo.

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Ele conheceu Dom Bosco através da leitura do Boletim que chegava em casa por

meio de um irmão que frequentava o colégio de Catânia e no encontro de um clérigo

salesiano que animava alegremente os meninos da cidade. A amizade se estreitou

mais quando, para fazer os estudos teve que passar com os familiares em

Caltagirone.

A cidadezinha sícula, naquele momento, era um dos pontos de referência de

toda a vida política italiana, porque em torno do padre Luiz Sturzo ia se firmando o

movimento que deveria levar ao Partido Popular. Para o pequeno Luiz, porém, que

também conservou lembranças precisas das lutas locais entre os partidos, o

verdadeiro centro de interesse era o Oratório salesiano recentemente fundado, no

qual era acolhida a juventude da cidade. Ele foi envolvido num ambiente de simpatia

e da vida das associações: funções religiosas, catequese, teatro e música foram os

elementos que o viram participar com todo entusiasmo, enquanto prosseguia nos

estudos. Foram três anos de intensa e feliz vida oratoriana, durante os quais

amadureceram os sinais da vocação salesiana, tanto assim, que quando a mãe lhe

perguntou como queria orientar a própria escolha para os estudos superiores, o

menino sem hesitação respondeu: “Quero tornar-me salesiano”. É interessante

também entender a futura atitude do padre Ricceri, o surgir espontâneo nele a

capacidade de atração de Dom Bosco, quase tão natural razão de vida.

Tomada a decisão, em 1914 passou para o colégio São Gregório de Catânia para

continuar os estudos.

Presa la sua decisione, nel 1914 passo a S. Gregorio di Catania per continuare gli

studi.

Salesiano jovem

Em outubro de 1915 começou o noviciado e no dia 09 de maio de 1917 fez a

primeira profissão religiosa. Os três anos passados em São Gregório deixaram nele

uma lembrança indelével na sua memória e incidiram profundamente, e podemos

dizer, definitivamente, sobre sua formação. As páginas que ele escreveu nas suas

“Memórias” estão eivadas de um aprofunda nostalgia por aqueles anos felizes, mas

constituíram também uma admirável exaltação dos valores que ele viu realizados em

torno de si, especialmente pelos três irmãos verdadeiramente beneméritos da

tradição salesiana sícula: padre Luiz Terrone, mestre de noviços, padre Luiz Mathias,

futura magnífica figura de missionário e de arcebispo da Índia, e o padre Domingos

Ercolini, homem que se destacou na cultura e na sabedoria do conselho. Espírito de

família, forte empenho religioso e de trabalho, alegria festiva, confiança, sadio

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ativismo criativo nas primeiras experiências de oratório: encontramos nestas

características outros tantos aspectos da futura personalidade do padre Ricceri, que

lá recebeu os seus primeiros impulsos.

Enquanto isso, a mobilização da primeira grande guerra mundial arrancou muitos

irmãos das casas e o clérigo Ricceri, um dos poucos não chamados às armas teve que

deixar São Gregório e começar o tirocínio prático.

Os oratórios foram o primeiro campo da sua prova, quase uma continuação da

primeira e bem sucedida experiência de Caltagirone: o mais frutuoso sucesso foi no

florescente oratório S. Felipe Neri, em Catânia, onde se desenvolveram com grande

participação as típicas atividades tradicionais espirituais e recreativas dos nossos

oratórios, embora em tempo de guerra. A pobreza era dominante, mas a alegria da

vida salesiana superava as dificuldades, sob a guia de outro distinto salesiano, o

padre Antonio Orto.

De São Felipe passou por um breve período no oratório da Salete, sempre em

Catânia, bem mais difícil porque os jovens iniciados à violência, e depois em Módica.

É fácil imaginar as ocupações do jovem clérigo, que conseguiu também passar nos

exames de maturidade, aproveitando breves retalhos de tempo no vórtice dos

empenhos diários.

Em 1920 foi mandado para Randazzo, a primeira casa salesiana fundada na

Sicília, num florescente internato que constituía para ele um mundo novo de

trabalho. Adaptou-se seja porque a vida era rica e cheia de iniciativas como nos

oratórios, seja porque também aqui encontrou simpáticos testemunhos e mestres:

padre Paulo Scelsi e padre Francisco Platania. É significativo o fato de que o padre

Ricceri nas suas “Memórias” retorne sempre, com afeto, com reconhecimento e com

admiração a estes antigos salesianos e atribua ao seu testemunho o mérito da sua

formação. Foi uma escola prática e viva que supriu o estrago do estudantado.

Os anos passados em Randazzo foram também aqueles que, entre 1921 e 1925,

completou os estudos de teologia e não se pode dizer que, na multiplicidade das suas

ocupações, não tenha adquirido valores de reflexão de fé, de pastoral pedagógica e

de vida consagrada que o guiaram daqueles tempos, o estilo e o programa de

formação que Dom Bosco havia realizado desde os primeiros tempos do Oratório, um

pouco por necessidade das coisas e um pouco por uma escolha de peculiar realismo

formativo.

Em 1925 padre Ricceri foi ordenado presbítero. Ele mesmo afirma: como padre

“eu estava mais à vontade em um ambiente comunitário em que me sentia muito

bem integrado”. Começaram se expressar, com as primeiras responsabilidades,

aqueles dotes de animador entusiasta que logo lhe abririam novos caminhos.

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De fato, em 1927, a obediência o destinou para Randazzo para um novo trabalho

na casa de São Gregório, onde havia feito o noviciado, na qualidade de conselheiro

escolar do estudantado filosófico, professor de letra e de música: e, como feliz

apêndice, ao menos por algum tempo, também encarregado do oratório.

O padre Ricceri ficou em São Gregório por cinco anos, de 1927 a 1933, e foi outro

momento em que as ocupações estressantes e os novos encargos, um ambiente

invejavelmente juvenil, a colaboração de ótimos irmãos como o padre Nazareno

Camilleri, padre Vicente Miano, padre Vicente Scuder – para nomear somente alguns

– deram a ele possibilidade, com apenas 26 anos, de demonstrar sempre mais sólidas

e brilhantes qualidades que tinha.

Em 1933 foi catequista em Catânia, no colégio da Rua Cifali, onde, com outros

irmãos, trabalhou para a fundação do Liceu Clássico e fez com sucesso a experiência

das associações juvenis de Ação Católica. Era a última etapa antes das mais altas

responsabilidades.

Diretor empreendedor

Em 1935 foi chamado para dirigir o “Dom Bosco”, a grande obra salesiana de

Palermo.

Lendo suas “Memórias”, confirmadas por quantos tiveram a sorte de viver com

ele naqueles anos, é fácil constatar como, não obstante a jovem díade (3 anos) fosse

madura a personalidade do jovem diretor. Neste nível de responsabilidade teve como

manifestar aquelas qualidades de hábil organizador e dinâmico estimulador de

atividades que foi depois sempre sua prerrogativa. Trabalho em equipe e animação

dos irmãos, contato com os jovens e promoção das associações de Ação Católica,

relacionamentos com os pais, autoridades eclesiásticas e civis, prestígio do nome

salesiano nos ambientes de Palermo foram sua viva preocupação para uma ação

incisivamente cristã. Possuía a arte de fazer amigos, de criar laços de simpatia, de

cultivar tantas relações úteis. Até agora ele tinha sido líder em comunidades

salesiana tradicional; agora, por fidelidade a Dom Bosco, ele procura outras iniciativas

para inserir mais profundamente a nossa obra no ambiente, como quando adquiriu,

sempre em Palermo, o «Ranchibile» e deu vida promissora a um externato em função

mais imediatamente local.

Com sua atividade incansável e engenhosa sabia caminhar com as exigências dos

tempos e prevê-los. Um ano, por exemplo, no carnaval, para contrapor os perigos

morais que esta festa traz, contratou um circo equestre o alojou no colégio

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enlouquecendo os jovens de alegria. Tinha também a habilidade de encontrar o nicho

adaptado para cada irmão da casa: todos se sentiam realizados e contentes, também

aqueles que outros não saberiam o que fazer.

A ação do padre Ricceri no “Dom Bosco” se prolongou por cinco anos, até 1940,

quando foi mandado para Messina para dar vida a outra grande obra, o “Domingos

Sávio”, confiado aos salesianos pelo inesquecível reconstrutor da cidade, depois do

terremoto, que foi o bispo Dom Paino. Tratava-se de uma escola para externos, de

um oratório muito popular e uma igreja pública, concatedral da cidade. Padre Ricceri

soube harmonizar as atividades nas quais envolveu os membros da comunidade e

impôs com tal organicidade as coisas que se tornou proverbial a expressão: “A nossa

casa é um relógio”. Lamentavelmente, para perturbar a alegria serena do trabalho

vieram as operações militares da segunda guerra mundial, as incursões aéreas os

terríveis horas nos refúgios ante aéreos. De 1940 a 1942 padre Ricceri deu

continuidade à obra segundo as possibilidades da delicada situação.

Inspetor em tempos difíceis

Mas, eis que o Reitor Mor, padre Pedro Ricaldone, o chamou para confiar-lhe, na

qualidade de Inspetor, outra zona de fogo de guerra em Turim e no Piemonte: A

Inspetoria Subalpina.

Padre Ricceri desempenhou com eficiência este encargo por seis anos, de 1942 a

1948; foram os anos dos bombardeamentos aéreos, das lutas partidárias, das

disputas eleitorais do período pós-guerra. Visitas de risco repentinas à comunidades,

deslocamentos, repentinas blitz militares nas casas, destruições e incêndios

provocados pelos bombardeamentos foram para a Inspetor a aventura cotidiana.

Uma falsa suspeita contra a comunidade religiosa levou também a uma aventura

dolorosa que lhe reservou vinte dias de prisão. Dessa escapou quase por milagre,

depois de ter feito uma experiência estressante e aviltante, porque o cárcere de

guerra é bem diferente do cárcere de tempos normais.

Não negligenciou a formação dos clérigos da Inspetoria, mesmo sendo tão difícil

a situação. Para não forçá-los a regime de fome acolheu, por dois anos, 25 estudantes

de teologia no colégio de Lanzo, onde as possibilidades de subsistência não faltavam;

evidentemente se industriou para encontrar ótimos formadores.

Depois veio a obra da reconstrução material e a ação de orientação e de sustento

na confusão pós-bélica. Padre Ricceri estava presente em tudo, apoia os irmãos com

coragem, foi engenhoso e decisivo na renovação. A Inspetoria duramente provada

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não só superou os estragos da guerra, mas foi por ele preparada para um maior

desenvolvimento.

Não seja esquecida neste período a participação ativa do padre Ricceri no

Capítulo Geral de 1947 quanto, quando com atitudes de previsão do futuro, se impôs

à atenção dos representantes de toda a Congregação.

Depois de Turim recebeu ainda dois encargos como diretor de grandes casas, em

Novara de 1948 a 1951, e em Milão de 1951 a 1952. Eram obras complexas pela

variedade dos setores e o número de irmãos. É supérfluo dizer que não foram

períodos de repouso para o padre Ricceri, mas como já era seu estilo, se distinguiu

pelo impulso dinâmico que deu às várias atividades... por ter talvez muito acionado o

acelerador, como escreveu ele mesmo mais tarde, quase pedindo desculpas.

A aceleração se fez sentir bem cedo sobre ele, porque em 1952 o novo Reitor

Mor, padre Renato Ziggiotti o nomeou novamente Inspetor, desta vez, na Lambardia

e Emília. Entregou-se dinamicamente à obra. Mas, apenas feita rápida visita às casas

da Inspetoria, o Reitor Mor o chamou para fazer parte do Conselho geral em

substituição ao padre João Resende Costa elevado pelo Santo Padre ao episcopado

numa populosa diocese do Brasil.

Membro do Conselho Geral

No Capítulo Superior (como se chamava então) ficou encarregado dos

Cooperadores Salesianos e da Imprensa e, para bem considerar o que realizou, é fácil

reconhecer que foi uma tarefa agradável ao seu dinamismo e às suas capacidades de

organização e às suas inclinações de comunicador; alguém, de fato, disse que ele era

um jornalista nato. Ele estudou o pensamento de Dom Bosco sobre estes dois setores

e tomou consciência de quanto precisava fazer para torná-lo atual e eficaz no nosso

tempo. Com Dom Bosco e com os tempos, foi seu princípio inspirador e é

surpreendente a paixão, a desenvoltura e o sacrifício pessoa com que atuou. Foi ele

que programou as novas estruturas dos Cooperadores: a descrever a renovada

identidade, a promover as iniciativas práticas para vitalizar as Uniões, para organizar

encontros formativos e todos os níveis, a inseri-los no campo mais vasto da vida

eclesial, a exortar e incentivar os responsáveis para que entrassem no seu novo

programa. Nós, conhecendo os desenvolvimentos sucessivos, vivemos ainda da

herança do seu dinamismo construtivo. Se pense, além disso, nas Voluntárias de Dom

Bosco, para as quais tomou inspiração do padre Rinaldi, mas a adaptou e atuou

segundo a impostação da vida consagrada secular promovida naqueles anos pela

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Igreja. A valorização dos leigos ao nosso lado e a integração do apostolado de Dom

Bosco foi um ponto em que relançou o pensamento do Fundador.

Para a imprensa foi igualmente ousado e original e, se nos lembramos

particularmente o bem sucedido projeto de modernizar as “Leituras Católicas” com o

“Meridiano 12”, não podemos esquecer que deu vida ao Setor Imprensa, criou novos

instrumentos de informação dentro da Congregação e para o exterior da mesma,

estimulou à frequência de curós de comunicação social etc.

Talvez este período da sua vida, como membro do Conselho geral, foi aquele em

que pode exprimir com maior imediatismo e originalidade as suas energias

apostólicas na genuína interpretação do projeto das origens com o esforço de

atualizá-lo segundo as novas exigências.

Forse questo periodo della sua vita, come membro dei Consiglio generale, fu

quello in cui pote esprimere con maggior immediatezza ed originalità le sue energie

apostoliche nella genuina interpretazione dei progetto delle origini con lo sforzo di

riattualizzarlo secondo le esigenze nuove.

Reitor Mor por dois sexênios

Em 1965 foi eleito Reitor Mor com a idade de 64 anos no Capítulo Geral 19. Entre

os candidatos mais expressivos na primeira votação, padre Ricceri parecia o mais

indicado e idôneo para um cargo que se previa denso de consequências conciliares;

faltava ainda a última sessão do Vaticano II. O CG19 foi um primeiro laborioso

aprofundamento da natureza e do funcionamento próprios do CG, e um início da

reestruturação dos serviços centrais da Congregação para a animação e o governo

dos irmãos. Introduziu-se a nova tarefa dos Conselheiros regionais e foi proposto o

redimensionamento das obras.

Pela confiança dos capitulares no padre Ricceri e pela particular situação a que

chegava a assembleia, se confiou a ele a responsabilidade de escolher pessoalmente

os quatro novos Conselheiros gerais, cujo papel oficial foi aprovado depois das

eleições regulares.

Foi, pois, reeleito Reitor Mor por outro sexênio no grande Capítulo Geral Especial

de 1971. Assim, desempenhou os serviços de sucessor de Dom Bosco de 1965 até

1977.

O momento em que assume o governo da Congregação era particularmente

pungente porque abria um período denso de novidades que, se era rico de grandes

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valores e de fermentos vitais para a vida da Igreja, se apresentava também cheio de

dificuldades e de problemas inéditos. A tarefa reservada ao Reitor Mor era delicada,

onerosa e de grave responsabilidade. Ele o afrontou confiando no Senhor como um

dever de fidelidade para com Dom Bosco, para “viver, guardar, aprofundar e

constantemente desenvolver o seu carisma em sintonia com o Corpo de Cristo em

perene crescimento”.

Um irmão que viveu muitos anos ao seu lado, escreveu depois da sua primeira

eleição: “do padre Ricceri pode-se justamente afirmar o que Eugênio Ceria havia

falado de Dom Bosco, ‘é um volitivo de ideias claras e de coração puro’. Creio que ele

tenha tido de Deus também a vocação de ser guia”, porque dotado de especiais

qualidades de serviço para animar e governar.

No seu primeiro sexênio teve importantes tarefas de reestruturação para o

futuro: construir em Roma a nova Casa Geral para depois transferir o Conselho geral;

tornar operante a figura dos novos Conselheiros regionais; assistir as Inspetorias na

elaboração de um plano de redimensionamento; preparar e depois guiar o histórico

Capítulo Geral Especial, querido pelo Concílio e que provocou verdadeiro salto de

qualidade na vida da Congregação; preocupar-se com a delicadíssima tarefa da

reelaboração das Constituições; enfrentar as dificuldades dos anos chamados “de

chumbo”, com agudo senso de discernimento e com habilidade de governar, diante

das contestações, as crises de diminuição e as iniciativas de novidades de presença

salesiana.

No segundo sexênio lhe tocou gerenciar o salto de qualidade sem quebra de

pernas. Guiou o complicado processo de renovação, introduzindo sem traumas, toda

a Congregação na órbita do Concílio, trabalho verdadeiramente difícil se si pensa à

forte mudança de mentalidade que se devia promover entre os irmãos. Iniciou “as

visitas de conjunto”; estimulou as Inspetorias a se organizarem para viverem como

“comunidade”; afrontou o sofrido problema dos Salesianos Coadjutores; estudou a

urgência de novas presenças; cuidou da identidade salesiana na formação

permanente e inicial, fazendo conhecer e interiorizar o texto renovado das

Constituições; iniciou a reestruturação da Universidade; deu vigor e impulso à Família

Salesiana; insistiu sobre a importância do empenho da Congregação na “comunicação

social”; acompanhou atentamente a delicada empresa da descentralização na

unidade; preparou o CG21 para que fosse complemento do CGE; etc.

Esta visão sumária dos compromissos no reitorado do padre Ricceri, mesmo

sendo rápida e sucinta, nos faz perceber a mole, a complexidade, a árdua seriedade e

a projeção de futuro do seu trabalho como Reitor Mor. Certamente ele não trabalhou

sozinho; o acompanharam vários colaboradores; o inspiraram o Concílio e as

diretrizes da Igreja; o apoiaram e orientaram dois Capítulos Gerais; contribuíram

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nestes empenhos os Inspetores e tantos irmãos; mas é a ele, como o guia e o

primeiro responsável que vai o reconhecimento de todos.

O seu mandato de Reitor Mor foi uma bênção para toda a Família Salesiana.

Testemunha luminoso na velhice

De 1978 a 1989 o padre Ricceri acumulou admiravelmente a experiência da

ancianidade. A sua saúde passou por fases alternadas, enquanto conservou sempre

lúcido o conhecimento e o juízo das coisas.

Na Exortação Apostólica de João Paulo II sobre os Leigos se fala também da

missão dos anciãos na Igreja. Podemos ver descritos a valiosa contribuição dos

últimos anos de vida salesiana do padre Ricceri. O Papa afirma que os anciãos são

chamados a continuar “a sua missão apostólica e missionária, não só possível e

necessária nesta idade, mas a partir desta idade torná-la de algum modo específica e

original. A Bíblia gosta de apresentar o ancião como símbolo da pessoa rica de

sabedoria e de temor de Deus. O (seu) papel na Igreja a na sociedade não para em

determinada idade, mas só conhece novas formas. Como diz o Salmista: “Eles ainda

dão fruto na velhice” (CL 48).

Assim foi a última etapa da existência do padre Ricceri: contemplação da

misericórdia de Deus, vida de oração, de conselho, de desejosa, mesmo se humilde

colaboração, de redação das próprias “Memórias” para um testemunho bonito da

esperança salesiana vivida desde a infância, de participação ativa no CG22 de 1984,

de reconhecimento pela Congregação e pelos Irmãos, especialmente com aqueles

que foram os seus mais diretos colaboradores nos anos difíceis (entre outros são

lembrados, sobretudo, o padre Caetano Scrivo, padre Pilla e padre Fiora). Podem ser

colhidos seus nobres sentimentos numa significativa carta que quis me escrever: “O

momento do grande encontro, caríssimo Reitor Mor, se aproxima rapidamente. É

Justo e é dever dizer a ti, que representa toda a Congregação uma palavra: essa quer

dizer adeus, obrigado, perdão. O meu primeiro pensamento – é natural – vai para a

Congregação que a bondade do Senhor me chamou a servir desde minha primeira

juventude. Devo agradecê-la por tudo o que ele me tem dado, enquanto renovo a

expressão da minha a expressão da minha pena e humilhação por não ter sabido dar

– nos meus tantos anos de serviço e de responsabilidade de governo (de 1935),

especialmente como Reitor Mor – tudo quanto ele tinha de necessidade. Penso nas

muitas falhas devido minhas deficiências, insuficiências, negligência. Estou cada vez

mais convencido de que só a fixação fiel nas ideias, na vida e na ação, ao espírito do

nosso Pai, a nossa amada Congregação, a nossa mãe, encontrará a fonte de uma

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intransponível, vigorosa e fecunda juventude... Espero que a intercessão da

dulcíssima nossa mãe, Maria Auxiliadora e do nosso amantíssimo pai, Dom Bosco –

em cujo espírito me parece ter sempre procurado alimentar e defender – que me

obtenham tanta misericórdia do bom Deus. Ajuda-me também o senhor com

lembrança de sufrágio: não me esqueça. Eu farei quanto estiver em meu poder para

retribuir. "In te, Domine, speravi; Mater mea, fiducia mea"!

Juntamente com a carta recebi também seu escrito com as reflexões e os

propósitos feitos nestes anos de ancianidade nos retiros mensais, trimestrais e nos

exercícios anuais. Certamente padre Terrone teria ainda reconhecido nele o seu dócil

e avantajado noviço. Uma fidelidade, de interioridade simples e convicta, que traz até

à tumba os valores assimilados no ano de iniciação à consagração apostólica

salesiana. É um exemplo luminoso de crescimento homogêneo, sem corte ou

rupturas, na via herança espiritual do Fundador.

A mensagem que nos deixa

Numa hora de avanço eclesial e cultural, movida pela visita extraordinária do

Espírito Santo à Igreja e dos sinais dos tempos que fermentam o futuro humano, é

benéfico olhar para a vida do padre Ricceri como exemplo de fidelidade dinâmica;

como ele mesmo disse na primeira boa noite dada como Reitor Mor: “com Dom

Bosco vivo, hoje, diante das exigências do nosso tempo e às expectativas da Igreja”.

Certamente, como já disse, coube a ele viver num período histórico de acelerada

evolução na qual a Congregação mesmo, juntamente com toda a Igreja, está imersa

num vasto processo de renovação que poderá ser julgado só à certa distância de

tempo: se trata de um gradual e complexo tornar-se que supera as condições

existenciais de toda pessoa e que exige não só a perspectiva de distância, mas

também de inteligente análise histórica, sobretudo de concreta visão de fé.

Aqui nos interessa perceber nele um testemunho edificante da sua vida e tirar

uma mensagem que nos estimule todos a crescer na mesma fidelidade dinâmica.

Brilha no padre Ricceri uma convicta sinceridade de adesão ao fascínio

emocionante do Fundador, considerado sempre como pai amantíssimo. Isso o

habilitou a guiar a tarefa pós conciliar de esboçar a figura do Salesiano novo, sem

saudades de modalidades antigas, mas com adesão clara e decidida aos valores

substanciais do carisma, evitando cedências nocivas.

Atitude difícil que envolve um todo e de forma inseparável, para ele e para a

Congregação: ductilidade e firmeza, investigação e tradição, identidade e pluralidade,

descentralização e unidade. Portanto um gigantesco empenho de reflexão, de escuta,

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de diálogo, de projetação, de experimento, de revisão, aceitando sem depressão

diante de variadas reações, as contrariedades, as deserções as segundas intenções.

Em tempos difíceis é necessário coragem e também um pouco de sangue frio;

sobretudo há necessidade ter forte interioridade, de adesão à Igreja em caminho, de

fé na força do Espírito, de submissão ao mistério de Cristo, de filial confiança em

Nossa Senhora. Dom Bosco é um modelo para tais tempos, e o referir-se

cotidianamente a ele foi a escolha quase espontânea do padre Ricceri.

A simplicidade da sua via interior pareceria, à primeira vista, um contraste com a

sua habilidade de condutor; mas é justamente esta uma característica do espírito

salesiano: uma espiritualidade profunda e substancial que anima uma caridade

operativa, atenta às exigências dos tempos, rica de inventivas pastorais,

acompanhada da metodologia da ação e da capacidade organizativa.

A isto precisa acrescentar uma dedicação sacrificada e incansável ao trabalho

durante as horas do dia e também até tarde hora da noite.

Aquele “êxtase da ação” descrito por São Francisco de Sales e tão cara a Dom

Bosco se pode considerar como uma das características quotidianas do padre Ricceri;

a sua operosidade algumas vezes infundia um pouco de medo aos seus colaboradores

diretos por aquilo que poderia exigir deles.

Quando a ancianidade não mais lhe permitia tanto esforço, emergiram mais

claras nele as motivações da ação; também na paixão e na verdade ainda mais

explícita e mais forte, se manifestam os valores da caridade. Como escreveu o Papa: a

caridade “não conhece folga devido à idade, mas sim, conhece novos caminhos”.

Assim padre Ricceri continuou testemunhar a caridade pastoral do espírito

salesiano olhando serenamente para a morte com o comportamento do justo, sem

preocupação e nem surpresa: o amor que nutria no coração o fazia parecer

consciente da espera, do “momento do grande encontro”. E isso nos faz pensar na

espessura da sua interioridade.

Entre as suas cartas circulares me alegra, para concluir, recordar a da urgência da

Direção Espiritual na Congregação (“Temos necessidade de especialistas de Deus”

ACS 281, janeiro-março de 1976), porque vai à raiz do segredo desta sua atitude que

era já há muitos anos a sua preocupação pela vida da Congregação. Na circular ele

sublinha a importância de formar nos irmãos consciências maduras, de renovar em

profundidade a tarefa do diretor e do confessor, de preparar válidos animadores:

“Cresce a persuasão – escreve – que o agitar-se, o programar, o discutir, o fazer pro

fazer não bastam: “se o Senhor não edifica a casa, em vão trabalham os

construtores”; sem Maria, toda fadiga é estéril, porque, como disse Dom Bosco, “é

para Ela que existe e prospera a nossa Congregação”.

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Ele, dinâmico e cheio de iniciativas, insiste em apresentar Dom Bosco como

criador em torno de si, de um clima de intensa espiritualidade: “O Oratório – afirma –

é uma família de forte coesão espiritual;... uma direção que resulta de uma

comunidade inteligente, articulada, de programada animação espiritual fundada

sobre a Palavra, os Sacramentos, o culto”.

E recorda aos inspetores e aos seus Conselhos que são necessários com urgência

guias espirituais renovados: “na hierarquia dos valores e das atuações práticas, a

formação espiritual, pessoal, íntima, venham seja colocada em primeiro lugar, sem

possíveis discussões ou distorções. Uma grande ciência que não seja a serviço de uma

consciência iluminada e fiel, pode deliberar sobre o plano religioso numa catástrofe.

Não sabemos se Deus quer multiplicar o número dos Salesianos na sua Igreja; é certo,

porém, que os quer espiritualmente adultos e maduros. “Deus – diz Dom Bosco – nos

quer todos santos” (ivi p. 41-42).

Eis a mensagem que nos deixa o padre Ricceri: sinceridade de adesão a Cristo

imitando Dom Bosco, interioridade apostólica, dinamismo e trabalho, sabedoria

metodológica, capacidade organizativa, audácia e pesquisa na fidelidade, mas, à raiz

e ao vértice como síntese do todo, pessoal e madura experiência da vida no Espírito:

a Congregação tem necessidade de “especialistas de Deus”.

Caros irmãos, admiramos o testemunho do padre Ricceri e escutemos esta sua

mensagem!

Ele nos pediu uma lembrança fraterna de sufrágio, acrescentando: “eu farei

quanto é e estiver em meu poder compensá-los”.

Rezemos, então, por ele, e confiemos na sua intercessão, especialmente para o

aumento das vocações.

A todos a minha saudação com augúrios de bem. Cordialmente no Senhor,

DADOS PARA O NECROLÓGIO

P. LUIZ RICCERI

*Mineo (Catania) It. 08/05/1901

†Castellamare di Stabia, 14/06/1989 com

88 anos de idade

72 anos de profissão religiosa salesiana,

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63 anos de presbiterado.

Foi por 7 anos inspetor, por 12 anos Conselheiro geral e por 12 anos Reitor Mor.