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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

UM MAR DE NEGÓCIOS

As relações entre romaioi e venezianos quando do ataque normando ao Império Bizantino

(século XI), a partir d’A Alexíada, de Anna Comnena.

Rafael José Bassi

UFPR - NEMED

Resumo

Muitos são os textos que nos falam da extrema capacidade de exercer excelente

“diplomacia” que Aleixo I Comneno (1081-1118) possuía. Este texto visa trazer um exemplo

com um acontecimento “diplomático” encabeçado por Aleixo logo que assume o cetro

imperial, o caso do ataque de Roberto de Guiscard, no comando dos normandos, e o pedido de

auxílio do imperador aos vizinhos venezianos. A fonte que utilizamos é A Alexíada, da

princesa Anna Comnena (1083-1153/54), filha do imperador Aleixo I Comneno. Aqui,

tentaremos fazer algumas considerações iniciais sobre o tema.

Aleixo Comneno assumiu o Império Bizantino em 1081; e o encontrou com

problemas, já que anos antes, com as diversas disputas entre os chefes militares e uma longa

guerra civil, muita destruição se deu nos territórios bizantinos. Ao subir ao poder, o império

estava dilacerado e passava por tantas dificuldades que muitos afirmavam ter os dias

contados, como nos mostra Speros Vryonis1. Por isso seu reinado foi marcado pelos seus

feitos, que mostram que, graças a estes, o império teve as bases dinamizadas para se manter

por mais três séculos e meio.

Não é de agora que temos essa visão de um império em crise, já que havia

desestabilização da moeda, ataques invasores por quase todas as fronteiras territoriais. Cabe

lembrar também que foi durante o seu reinado que tivemos o fenômeno das Cruzadas, que se

iniciaram a partir da ajuda por ele pedida ao Papa Urbano II. E como podemos observar, os

cruzados se mostraram uma ajuda inusitada a este Império e imperador, já que acabaram

saindo do propósito cruzadístico inicial2. Mas o que queremos neste texto demonstrar é como

1 VRYONIS, Speros. Bizâncio e Europa. Lisboa: Editorial Verbo, 1980. p. 140-142. 2 RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas: a Primeira Cruzada e o Reino de Jerusalém (vol. I). Rio de Janeiro: Imago, 2003.

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este “imperador-soldado” conseguiu manter seu império com a argúcia de sua “diplomacia”

sutil3; e para tanto, focaremos nosso trabalho no exemplo dado sobre o pedido de ajuda aos

venezianos, quando fora atacado pelos normandos no Adriático.

Foi logo após ascender ao trono púrpura que viu uma iminente invasão normanda.

Roberto de Guiscard, que já estava com suas bases formadas na Itália Meridional, resolvera

conquistar também a cidade de Constantinopla. Vale ressaltar que havia uma “bizantinização”

na cultura normanda logo após eles terem tomado aquela região do Império do Oriente.

Acabaram por adotar um estilo bizantino em sua arquitetura, em suas moedas – e, importante

ser lembrado aqui, o trilingüismo na cunhagem destas; como também existiam tanto traços

gregos, lombardos e árabes que prevaleciam em todas as atividades sociais daquela região4.

Império no tempo de Aleixo I Comneno.5

2. A Fonte

3 RUNCIMAN, Steven. A civilização bizantina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1961. 4 VRYONIS, S. op. cit. pp. 144. 5 Ambos mapas, o segundo um recorte do primeiro, foram retirados de: http://www.euratlas.com/history_europe/europe_map_1100.html com acesso em (3/25/2008).

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A fonte que utilizamos para este trabalho é A Alexíada, de Anna Comnena6. A autora é

a própria filha do Imperador Aleixo, que acabou incumbida da escrita de um livro de História

sobre o reinado de seu pai. Obra essa que havia sido pedida a Nicéforo Briênio, marido de

Anna, pela própria Imperatriz, Irene Ducas. Entretanto acabou falecendo antes mesmo de

concluir tais escritos7. Anna, então, assumiu o dever de finalizá-la8.

Não se pode deixar de salientar o caráter sempre presente na obra de uma afeição

muito grande pelos pais, fazendo com que Anna ressalte sempre a grandiosidade daqueles que

a rodeiam. Há sempre presente também a sua afirmação de porfirogênita, que é a

caracterização que os filhos de imperadores recebem quando nascem enquanto seus pais estão

no poder; essa denominação advém da cor da sala onde os nascimentos ocorriam, a sala

púrpura. Mas ainda que sempre notemos grandes descrições afetivas, podemos apreender que

Anna faz sim uma caracterização que não deixa de ser a de Aleixo9.

Anna Comnena é, pois, uma figura exemplar dentro da História Bizantina. Uma

mulher que tem acesso a uma educação privilegiada e que entra na gama de mulheres que

gozaram de grande valor dentro desta sociedade. Era, portanto, uma mulher letrada, que se

utilizou de seus conhecimentos advindos desta educação, que era voltada aos clássicos, para

escrever sua Alexíada10. E com seus escritos retratar a história de seu pai, formulando, dessa

forma, a construção de uma imagem imperial.

3. A confrontação com Roberto di Guiscard.

6 COMNENO, Anna. La Alexíada. Tradução e estudo preliminar y de Emílio Diaz Rolando. Premio Nacional de Traducción 1990. Sevilla: Editorial Universidad de Sevilla, 1989. 7 Anna dice: “Ante todo, ha venido a historiar las acciones de mi padre por la seguiente razón. El césar Nicéforo, descendiente del tronco familiar de los Brienio, hombre que largamente sobrepasaba a sus coetáneos por la exageración de sua belleza, la agudeza de su inteligência y por la exactitud de sus palabras, se había convertido en mi legítimo esposo. (…) Era, pues, el hombre más esclarecido de todos y acompañó a mi hermano, el soberano Juan, cuando organizo una capaña contra diversos bárbaros, cuando se lanzó contra los sírios y puso de nuevo bajo su autoridad la ciudad de Antioquia. Pero el césar, que no podia desatender su aflición por las letras, incluso entre dificultades y trabajos, desactaba también otros tipos de escritos dignos de mención y recuerdo, y se encargo ante todo, por orden de la emperatriz, de describir los hechos de Alejo, soberano de los romanos y padre mio, y de llevar a las páginas las acciones de su reinado, cuando, alejado momentáneamente de las armas y la guerra, el tiempo le permitia dedicarse a sus escritos y a sus labores literárias. (…) cuando tenia pergeñada su obra y nos la remetía inacabada desde la frontera, contrajo al tiempo !ai de mí! Una enfermedad mortal, tal vez originada por las innumerables fatigas, tal vez por las demasiado frecuentes campanas, o por su indecible dedicación a nosotros.” Ana Comn.,Alex.,proêmio, pp. 81-83. 8 “Pero soy consciente de que me aparto de mi propósito (…)”.Ana Comn.,Alex.,proêmio, pp. Pág. 84. 9 RIVEROS, José Marin. Ana Comneno en el Panorama de la Cultura Bizantina. In: Byzantion Nea Hellás, n. 23. Facultad de Filosofia y Humanidades, Universidad de Chile, 2004. Pág. 117. Além desse trabalho podemos contar com alguns artigos da revista Porfira, que dedicou seu número 5 exclusivamente à dinastia dos Comnenos e que traz, entre outros: RAVEGNANI, Elisabetta. Anna Comnena Principessa di Bisanzio. Porfira, n. 5, 2005; e MOLA, Alessandro. Anna Comnena, lo stato degli studi. Idem. 10 Para maiores informações sobre o modo do fazer histórico de Anna voltado aos clássicos gregos, ver: BASSI, Rafael José. “De vossas fontes bebi: A presença do pensamento de Heródoto, Tucídides e Políbio na concepção de História d’A Alexíada de Anna Comnena (Séculos XI e XII)”. In: Atas da VII Semana de Estudos Medievais. Rio de Janeiro: PEM – UFRJ, 2008.e RIVEROS, José Marin. Op. Cit.

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Aleixo era membro de uma família que originária da região de Adrianópolis. Nesta

região sua família possuía diversas propriedades e, quando Basílio II era imperador, os

Comneno conseguiram ascender a mais alta camada da sociedade bizantina. Muitos

integrantes da família haviam já entrado na vida política do império, e também conseguiram

uma enorme distinção dentro do exército. O próprio Aleixo havia sido um militar renomado,

conseguindo, pois, que as famílias nobres ficassem ao seu lado ao ter ascendido ao trono

imperial; principalmente o apoio dado pela família Ducas11.

Como nos demonstra Franz Maier em seu livro Bizancio, mesmo sendo positiva a

situação do poder durante o reinado de Aleixo, justamente por causa desta grande influência e

suporte familiar, as questões referentes à política exterior do império eram “catastróficas”12.

Um dos fatores que contribuíram para que o império encontrasse-se dessa forma foram as

diversas disputas pelo trono, que acabaram por causar vários distúrbios sociais, resultando em

enfrentamentos civis. Com isso, vários rivais do poder bizantino dominaram diversas regiões,

como os seljúcidas, que tomaram a Ásia Menor; os pechenegos, ao sul do Danúbio; e os

normandos, na região de Epiro com a intenção de apoderar-se da coroa imperial bizantina13.

Aleixo parte, primeiramente, para a luta contra os normandos.

Esse período é retratado por Anna Comnena em seu livro IV, onde ela fala sobre os

primeiros encontros bélicos entre os bizantinos comandados por Aleixo e os normandos.

O principal objetivo normando ao adentrar a cidade de Durazzo era preparar um

levante para conseguir a tomada do cetro de Aleixo I14. Anna descreve a boa preparação de

Roberto, afirmando que ele contava com muitos soldados que estavam em terra; tantos outros

que se encontravam nos navios e que eram experientes nas batalhas navais15. A autora salienta

11 “Estaban todos expectantes, aguardando el futuro y deseando ver que era proclamado emperador el que esperaban. La mayoría rezaba para que Alejo asumiera el poder (…). También se encontraban presentes entonces junto a Alejo personas a él por su parentesco: el arriba citado césar Juan Ducas, hombre capaz de dar buenos consejos y hábil en el momento de actuar, a quién yo misma hace tiempo alcancé a ver brevemente; estaban asimismo sus cuñados Miguel, Juan, los nietos de éstos, y, no menos aun, su también cuñado Jorge Paleólogo, quienes se coordinaban, trabajaban y encauzaban las opiniones de la gente en el sentido de sus deseos”. Ana Comn.,Alex.,livro II, pp. 156. Aleixo também era casado com uma Ducas. Irene era oriunda dessa família, e como podemos notar pelo texto de José Marín Riveros, o casamento entre os dois foi um conluio, mas, após casados, conforme a fonte, os dois viveram “felizes”. 12 MAIER, Franz Georg. Bizancio. Historia Universal Siglo XXI. Buenos Aires, Córdoba: Siglo XXI Argentina, S. A., 1974. pág. 232. 13 Idem. Pág. 232-233. 14 Há algumas discussões se essa empreitada de Roberto não seria uma pré-cruzada. Para uma boa base sobre os textos que o discutem, ver: GALLINA, Mario. “La ‘precrociata’ di Roberto il Guiscardo: un’ambigua definizione”. Porfira, n. 5, 2005. pp. 18-35. 15 “(…) el continente ya acogía a Roberto (…) con jinetes y fuerzas de infantería en número muy notable y de terrible aspecto por sus características y su disposición estratégica (…). En cuanto al mar, por él navegaba su flota, que estaba integrada por toda clase de navios con una tripulación de soldados experimentados en el combate naval”. Ana Comn.,Alex.,livro IV, pp. 209.

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neste ponto que a reação dos habitantes da cidade foi desoladora ao notarem-se em perigo

pelas frentes terrestre e naval, e que o exército normando superava qualquer cálculo por eles

jamais visto.

Jorge Paleólogo, que Anna descreve como sendo um amplo conhecedor da “arte das

guerras”, até mesmo por ter participado de diversos enfrentamentos no leste bizantino,

começa a formular uma defesa e fortificar a entrada da cidade, conforme as ordens do

soberano, fazendo com que fossem postas diversas catapultas ao longo das muralhas. A

historiadora também salienta que ele reconfortava os soldados abatidos, fazendo com que eles

se animassem novamente; além de ele próprio inspecionar a cidade, para certificar-se de que

os homens ficassem em guarda durante o dia e a noite. Paleólogo escreveu, além, uma carta a

Aleixo, relatando a situação da cidade e as intenções de Roberto16.

A reação dos habitantes, afora o medo, foi a percepção de que, ao ver a cidade toda

tomada por exércitos e materiais bélicos, a real intenção de Roberto de Guiscard era não

apenas saquear a cidade e as regiões próximas e voltar, mas sim tomar para si, como diz Anna

Comnena, “o trono imperial dos romanos”17. Para este fim, assediaria a cidade de Durazzo

como ponto de partida para sua empreitada.

Jorge Paleólogo, em uma cena magistralmente descrita pela autora, manda emissários

com o intuito de saber quais eram as intenções políticas do normando. Ao que este responde

que é retomar o posto que pertenceria a seu parente Miguel18. Paleólogo diz então para que

Miguel venha à cidade que seria recebido e aceito como o real merecedor do cargo;

entretanto, ao aparecer ao público com todo um cerimonial – grandioso cortejo, diversos

instrumentos musicais e címbalos – foi recebido com diversos insultos. Roberto, segundo

Anna comenta, não deu muita importância a essa reação dos habitantes da cidade. E na

construção desse personagem em seu livro de história, não se pode deixar de notar que a

imagem que Anna tem de Roberto é a de um homem com caráter enérgico e inteligência, além

de um “temperamento insaciável”, e, dessa forma, conseguiu superar-se de uma origem pobre

e obscura, fazendo-se senhor de diversas regiões e cidades da Lombardia e da Apulia,

acabando tentado a conseguir outras partes territoriais para o seu domínio19.

16 “También empleó aquel tiempo en informar con una carta al soberano de la irrupción de Roberto y de su presencia en Dirraquio con intención de asediar la ciudad”. Ana Comn.,Alex.,livro IV, pp. 209. 17 Ana Comn.,Alex.,livro IV, pp. 210. 18 “Para restablecer em el puesto que le pertenece a mi pariente Miguel, que ha sido expulsado del trono, y para vengar los ultrajes a que ha sido sometido y hacerle justicia”. Ana Comn.,Alex.,livro IV, pp. 210. 19 “(…) Roberto, tras conquistar desde una extrema pobreza y un oscuro origen, gracias a su carácter enérgico y su gran inteligencia, convertirse en su señor, como el libro tercero ha demostrado [livro terceiro d’A Alexíada], ambiocionó muy pronto mayor poder, hecho que es frecuente en los temperamentos insaciables; entonces llegó a la conclusion de que debía intentar apoderarse de las ciudades del Ilírico y, se los asuntos se iban de acuerdo con sus planes, consumir las seguientes etapas de su camino”. Ana Comn.,Alex.,livro IV, pp. 211.

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Região da batalha.

4. Aleixo e as negociações com os venezianos.

Conforme se configurava o contexto do império diante destes acontecimentos, Aleixo

se viu obrigado a dirigir-se contra os normandos. Já que, conforme havia feito com os

pechenegos, entregou os territórios invadidos pelos seljúcidas, para que tomassem posse e se

estabelecessem. A idéia de Aleixo era de manter intactas as retaguardas, já que manteria a

supremacia nesses territórios com a acolhida que o império daria aos invasores20. Como

demonstra Maier, com os normandos não se poderia haver nenhum tipo de negociação21.

Para conseguir meios de suprir as necessidades confiscou diversos bens da igreja e

também os adornos de ouro e prata dos ícones; já que foi uma das instituições sociais que

havia ajudado Aleixo a subir ao poder, conseguiu com que o Sínodo aceitasse essa medida. A

isso resultou naquilo que Maier explicita como um semblante das velhas crises iconoclastas

de tempos anteriores dentro do Império bizantino22. Mas também agiu Aleixo pelas vias

diplomáticas. Conforme relata Anna Comnena, o imperador, notando que, afora todas as

dificuldades que já enfrentava, muitos dos habitantes de Durazzo penderam para o lado de

Roberto, crendo que o imperador era Miguel, pediu auxílio aos turcos do oriente,

comunicando esse pedido ao sultão23.

Tentou acordos também com os venezianos, fazendo-lhes promessas de concessões e

oferecimentos de alguns benefícios, acaso fossem até Durazzo com toda a frota e lutassem

contra os normandos em nome do império. A fonte nos mostra que a proposta de Aleixo era

20 Para uma contextualização mais aprofundada, ver: MAIER. Op. Cit. Capítulo 5: “A época de los Comnenos”. 21 Idem. Pág. 233. 22 “Por largo tiempo pareció así que iba a volverse a la lucha iconoclasta de los primeros tiempos del Imperio bizantino”. Ana Comn.,Alex.,livro IV, pp. 211. 23 “(…) juzgó entonces que era preciso hacer llamar a los turcos de oriente y le comunicó este deseo al sultán”. Ana Comn.,Alex.,livro IV, pp. 212.

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calcada na obediência da frota às instruções do imperador; sendo, pois, que, assim agindo,

lhes era garantida a recompensa inicial, mesmo que o resultado da batalha fosse a derrota24.

Ao fim das explanações de recompensas, estavam dispostos a conceder aquilo que os

venezianos desejavam, caso isso não fosse inconveniente ao “império dos romanos”, como

salienta a autora da fonte.

Tendo partido a frota em direção à cidade para acompanhar os bizantinos, Boemundo,

filho de Roberto, é encarregado negociar com os venezianos e tentar com que eles

aclamassem a Miguel e se aliassem aos normandos. Os venezianos, cumprindo seu acordo

com Aleixo travam uma batalha contra os normandos, que acabam recuando. Ao invadir a

cidade e lutar contra o exército de Roberto, os venezianos se uniram aos homens da cidade,

liderados por Paleólogo, que saíram de suas muralhas e travaram nova batalha contra os

normandos. Muitos normandos, conforme mostra a fonte, foram atacados até mesmo fora do

acampamento de Roberto e muitos outros acabaram sendo vencidos pelos dois grupos,

venezianos e bizantinos, unidos25.

5. Algumas considerações.

Acerca dessa “diplomacia” de Aleixo, podemos dispor de algumas considerações

sobre as relações de compromissos que ocorriam durante a Idade Média. Enquanto havia as

mediações feitas por embaixadores, o imperador negociava com aqueles que poderiam lhe

trazer certos benefícios; como no caso verificado na Alexíada, a ajuda dos venezianos contra

os normandos. Com acordos de liberações de benefícios, e, também, com um adendo feito

pelos venezianos, estes aceitaram lutar a favor do império. Ou seja, feita uma proposta por

Aleixo, houve uma contraproposta dos venezianos.

Toda essa relação de acordo podia resultar em melhoramentos para os grupos

envolvidos. Mesmo no caso de Aleixo, que acabou sendo derrotado posteriormente por esses

normandos, em um primeiro momento conseguiu a vitória que estava no acordo. O mesmo 24 “Recurrió tanbién a los venecianos (…) con promesas y obsequios; tanbién les anunció la concesión de unos beneficios y el ofrecimento de otros, con sólo aparejar la flota completa de su país, arribar con rapidez a Dirraquio para defenderla, y trabar un violento combate con la escuadra de Roberto. Si actuaban conforme a las instrucciones del emperador, recibirían, tanto si obtenían la victoria con la ayuda de Dios, como si (hecho que suele ocurrir) eran derrotados, idéntica recompensa que el en caso de uma victoria total, según lo prometido. Además, todos aquellos de sus deseos que no fueran perjudiciales para los intereses del imperio de los romanos serían concedidos y garantizados mediante crisóbulos”. Ana Comn.,Alex.,livro IV, pp. 212. 25 “Como los venecianos habían librado combate con mayor arrojo e más valerosamente, lograran poner a los normandos en fuga y los perseguieron hasta el campamento de Roberto. Tan pronto como estuvieron próximos a tierra firme, saltaron a ella y trabaron un nuevo combate con Roberto. Al verlos, Paleólogo hizo tanbién una salida de la fortaleza de Dirraquio y emprendió la lucha contra ellos. Así pues, se produjo un violento combate que alcanzó a llegar hasta el propio campamento de Roberto; muchos de sus soldados fueron perseguidos más allá de este y otros muchos cayeron víctimas de laespada”. Ana Comn.,Alex.,livro IV, pp. 213.

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podemos ver pelo lado dos venezianos que, após esse conluio com Bizâncio, puderam ter em

suas possessões vários territórios que lhes permitiram grande hegemonia e prosperidade em

suas relações comercias, que mais a frente se tornariam tão famosas.

Anna Comnena fala que, passados alguns dias da batalha, os venezianos enviaram

emissários para informar ao imperador o que havia ocorrido. Conforme a autora, Aleixo os

acolheu “amistosamente”, honrando-os com seus obséquios e enviando ao duque de Veneza e

seus magistrados diversas riquezas26. Como afirma Speros Vryonis, a necessidade que Aleixo

tinha de auxílio naval e que o fez pedir ajuda aos venezianos, fez com que esses privilégios

propostos e cumpridos “constituíram os alicerces do seu empório comercial no Oriente”27.

Mesmo com a derrota normanda ou com outras disputas territoriais, com a própria

Veneza, posteriormente, em um primeiro momento essa “diplomacia” de Aleixo, a qual tanto

a comentam os diversos autores, fez com que as relações fossem estabelecidas e os acordos

cumpridos. A própria fonte nos mostra que, após a primeira derrota de Roberto de Guiscard, a

frota veneziana, juntamente com a bizantina, ficaram vigilantes na região durante certo

período28.

26 “Tras descansar unos días, los venecianos enviaron emisarios ao soberano para informe de lo sucedido. Él los acogió amistosamente, como es natural, los honró con innumerables obsequios y los despacho con numerosas riquezas para el dux de Venecia y sus magistrados”. Ana Comn.,Alex.,livro IV, pp. 214. 27 VRYONIS. Op. Cit. Pág. 144. 28 COMNENO. Op. Cit. Pág. 214.

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WALTER, Gérard. A vida quotidiana em Bizâncio no século dos Comnenos (1081-1180).

Lisboa: Edição “livros do Brasil”, s/d.

Mapas:

http://www.euratlas.com/history_europe/europe_map_1100.html (3/25/2008)