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RONALDO MENEZES DA SILVA O PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS À LUZ DA LEI MESTRADO EM DIREITO PUC/SP SÃO PAULO 2007 RONALDO MENEZES DA SILVA

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RONALDO MENEZES DA SILVA

O PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS À LUZ

DA LEI

MESTRADO EM DIREITO

PUC/SP

SÃO PAULO

2007

RONALDO MENEZES DA SILVA

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O PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS À LUZ

DA LEI

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para a obtenção do título de Mestre

em Direito, Das Relações Sociais - Direito do

Trabalho, sob a orientação do Professor

Doutor Renato Rua de Almeida.

PUC/SP

SÃO PAULO

2007

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Banca Examinadora:

______________________________________

______________________________________

______________________________________

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AGRADECIMENTO

Primeiramente agradeço a Deus por ter-me

disposto grandes desafios a ultrapassar e

habilitou-me a superá-los, por sua graça.

A meus pais "in memorian", Antonio

ensinando-me ser o caráter, o mais valioso

dos bens de um homem; Luiza, a mãe

sempre presente, seja levantando minha

moral e mostrando sempre que ser

deficiente não é ser diferente e meus

sonhos só não seriam alcançados caso não

lutasse por eles.

A Dra. Ivani Contini Bramanti, eminente

juíza do TRT da 02ª Região, por ter me

incentivado a iniciar o mestrado, nunca

deixando de dar uma palavra de incentivo.

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Ao grande mestre, Dr. Renato Rua de

Almeida, meu orientador em cujas aulas, por

sua elevada cultura, ensinou-me a trilhar o

caminho de aprofundamento nos estudos do

Direito do Trabalho.

A minha amada esposa Roserley, pela

paciência e dedicação, sem as quais não

chegaria à conclusão deste trabalho.

A minha querida filha Danielle, pelo imenso

amor, carinho e cuidado que sempre teve

por mim.

À amiga Marilene, incansável pesquisadora.

A PUC pela excelência de ensino, voltado

ao bem social.

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RESUMO

A legislação tem por objetivo eliminar a desinformação, preconceitos e

estigmas em relação à pessoa com deficiência mas a realidade não confirma

essa intenção. No Brasil contingente expressivo de pessoas com deficiência em

condições de ingressar no mercado de trabalho encontram-se fora dele. Embora

a sociedade organizada orientada para cuidados e desenvolvimento da pessoa

com deficiência tenha se fortalecido e conquistado espaço nessas últimas

décadas, o esforço ainda não é suficiente para debelar o preconceito que ronda a

imagem do portador de deficiência na sociedade. A partir de uma vivência muito

pessoal - o autor é portador de deficiência física - estruturou-se o presente

trabalho que tem por objetivo discutir a situação da pessoa deficiente no mercado

de trabalho, levantando toda proteção legal existente e chamar a atenção para

uma ação política ainda pouco discutida em nosso meio. Trata-se de conceder

imunidade tributária a equipamentos (informática, próteses, órteses, etc) que

auxiliam a conquista da autonomia e reabilitem a pessoa portadora de deficiência

para o mercado de trabalho.

Para conduzir essa reflexão estruturamos o trabalho em 5 capítulos. O

primeiro trata dos Direitos Fundamentais. O segundo aborda a questão da

deficiência, trazendo conceitos, a proteção legal, o impacto efetivo das normas no

mercado de trabalho e as cooperativas sociais. No terceiro capítulo procuramos

mostrar historicamente como o portador de deficiência foi tratado para se chegar

à construção da atual seguridade social, abordamos a Lei Orgânica da

Assistência Social - LOAS e o BPC - Benefício de Prestação Continuada. A

questão da imunidade tributária é tema do quarto capítulo. Diante do exposto

estabelecemos nossas conclusões no quinto capítulo.

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ABSTRACT

The legislation has for objective to eliminate the disinformation,

preconceptions and stigmata in relation to the person with deficiency but reality do

not confirm this intention. In expressive contingent Brazil of people with deficiency

in conditions to enter the work market one meets outside of it. Although the

society organized guided for cares and development of the person with deficiency

if has fortified and conquered space in these last decades, the effort not yet is

enough to subject the preconception that patrol the image of the carrier of

deficiency in the society. From a very personal experience - the author is carrying

of physical deficiency - the present work was structuralized that has for objective

to argue the situation of the deficient person in the work market, raising all existing

legal protection and to call the attention for an action politics still little argued in

our way. The equipment is treated to grant to immunity tax (computer science,

prosthesis, orthoses, etc) that they assist the conquest of the autonomy and

rehabilitate the carrying person of deficiency for the work market.

To lead this reflection we structuralize the work in 5 chapters. The first one

deals with the Basic Rights. As it approaches the question of the deficiency,

bringing concepts, the legal protection, the effective impact of the norms in the

social market of work and cooperatives. In the third chapter we look for to show

historically as the deficiency carrier was treated to arrive itself at the construction

of the current social security, we approach the Law of the Social Assistance -

LOAS and the BPC Organic - Benefit of Continued Installment. The question of

the immunity tax is subject of the fourth chapter. Ahead of the displayed one we

establish our conclusions in the fifth chapter.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 01

1. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................. 04

1.1 Conceito ..................................................................................................... 05

1.2 Gerações ou dimensões dos direitos fundamentais .................................. 08

1.3 Classificação dos direitos fundamentais na Constituição Federal ............. 10

1.4 Os direitos sociais como direitos fundamentais ......................................... 14

2. DA DEFICIÊNCIA ............................................................................................ 18

2.1 Conceito ..................................................................................................... 19

2.2 As deficiências tuteladas ........................................................................... 23

2.3 Os fundamentos da tutela especial ............................................................ 25

2.4 A proteção legal do trabalho do portador de deficiência ............................ 28

2.5 A efetividade das normas de proteção do trabalho das pessoas

portadoras de deficiência.......................................................................... 40

3. DA PROTEÇÃO SOCIAL E DO TRATAMENTO DISPENSADO À PESSOA

COM DEFICIÊNCIA ............................................................................................ 45

3.1 Evolução histórica ...................................................................................... 46

3.2 Seguridade social ...................................................................................... 59

4. INCLUSÃO SOCIAL E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ......................................... 74

CONCLUSÃO ...................................................................................................... 78

ANEXO I - EMPRESAS DESRESPEITAM PREVISÃO LEGAL DE COTAS

PARA DEFICIENTES, MODELO DE PEDIDO VISANDO RESPEITO À LEI ...... 82

ANEXO II - JURISPRUDÊNCIA .......................................................................... 87

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 97

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INTRODUÇÃO

A história da humanidade registra, desde os tempos mais remotos, a

existência de pessoas portadoras de deficiência, uma trajetória marcada pela

discriminação e pelo preconceito. É certo que as mudanças experimentadas

pela sociedade com o passar dos séculos não foi suficiente para eliminar o

preconceito e a exclusão sendo necessário estabelecer por meio de lei, regras

que pudessem buscar a igualização entre as pessoas, portadoras de

deficiência ou não. No entanto, estas normas, por si só, também não

garantiram a efetividade da igualdade, dadas as características constitutivas da

nossa sociedade, a de ser elitista, preconceituosa e discriminadora.

Nesse contexto, a questão das chamadas "pessoas portadoras de

deficiência" destaca-se como um singular caso de exclusão social, exclusão

entendida aqui como restrição ou impossibilidade de acesso aos bens sociais,

incluindo-se aqueles relacionados com uma vida independente e auto-

sustentada. Trata-se de um caso de dupla exclusão. A principal é típica dos

países periféricos capitalistas, que relega extensos contingentes populacionais

a uma condição de miséria absoluta ou, no máximo, de subsistência. A

segunda exclusão acontece porque a pessoa apresenta-se com uma diferença

restritiva nas áreas física ou sensorial ou cognitiva ou ainda comportamental,

em desacordo com os padrões estabelecidos como produtivos, eficientes,

funcionais ou mesmo de beleza. Note-se que essa questão da inconformidade

com os padrões não é específica para as pessoas com deficiência, ela também

atinge outros setores excluídos socialmente como os negros, as mulheres, os

homossexuais entre outros.

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Dada as limitações (decorrentes de um modelo idealizado) somadas à

inadaptação do meio social (espaço construído, meios de transporte, acesso à

educação, etc.), essas pessoas têm sua vida dificultada, sobretudo, por uma

visão e uma prática social assistencialista e paternalista com as quais as

questões de deficiência são tradicionalmente entendidas e tratadas são,

historicamente, objetos da ação e da piedade sociais.

Essa condição de "não-sujeito" da sua vontade, começa a ser superada

a menos de três décadas e ainda não é suficiente para obstaculizar um senso

comum arraigado há séculos, senão milênios. Foi necessário estabelecer

mecanismos assecuratórios, o Ministério Público e o Ministério Público do

Trabalho são então as instituições designadas para fazer valer os interesses

dos portadores de deficiência, visando garantir a sua cidadania, inclusão social

e dignidade.

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1. Dos Direitos Fundamentais

É no pensamento grego que encontramos a idéia da existência de um

Direito, baseado no mais íntimo da natureza humana, tanto como ser individual

quanto como ser coletivo. A partir do momento em que os pensadores gregos

percebem a existência de uma grande diversidade de leis e costumes nas

várias nações e povos, que eles colocam a seguinte questão: "existem

princípios superiores a estas normas específicas que sejam válidas para todos

os povos, em todos os tempos, ou a Justiça e o Direito são uma mera questão

de conveniência?" (*) MAGALHÃES, José, L.M. - Direitos Humanos Evolução

Histórica. http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/joselm.htm. 15/02/2007

Iniciamos esse capítulo mostrando que o conceito de Direitos

Fundamentais por vezes confunde-se com outras expressões como Direitos

Humanos, Direito dos Homens, Direito Natural. A expressão gerações de

direitos fundamentais pode ensejar visão errônea, de superação ou mesmo de

descarte. A idéia de dimensão nos parece mais adequada, pois resgata o

movimento de expansão, de acumulação, de fortalecimento. As várias

dimensões resultam de conflitos de interesses e violações sistemáticas dos

direitos fundamentais da pessoa humana. As primeiras Declarações de Direitos

foram de cunho individual e muito recentemente, no século XX, surge a idéia

de que a felicidade dos homens não se alcança apenas contra o Estado, mas,

sobretudo, através do Estado. Surge então, trazidos pela Constituição de

Weimar (1919) novos direitos fundamentais, os direitos econômicos e os

direitos sociais que foram introduzidos no constitucionalismo brasileiro, na

Constituição de 1934 e que se fizeram presente nas Constituições seguintes,

de 1946, 1967, EC 1/69 e na atual, Constituição de 1988.

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Quando a Constituição Federal de 1988 enumera, como objetivos

fundamentais a cidadania (art. 1º, inc. II), a dignidade da pessoa humana ( art.

1º, inc. III) e os valores sociais do trabalho (art. 1º, inc. III), está determinando

que todas as decisões judiciais, as decisões administrativas e a produção

legislativa sigam estes vetores. Sob o amparo da lei, todos os seres humanos

nascem livres e iguais em dignidade e direitos, direitos e liberdades individuais

devem ser respeitadas sem qualquer distinção. A Constituição deixa

absolutamente claro o direito à inclusão social das pessoas portadoras de

deficiência em seu art. 5º, o direito de igualdade de todos os cidadãos. A

deficiência, tradicionalmente dá origem a situações de discriminação, e assim é

preciso favorecer legalmente o desenvolvimento de ações e medidas visando

melhorar as condições de vida dessas pessoas e principalmente garantir o

direito ao trabalho.

1.1 Conceito

Direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa

humana. A definição envolve diferentes aspectos. Formalmente, são aqueles

direitos básicos do indivíduo e do cidadão, reconhecidos pelo direito positivo do

Estado, que exige deste ou uma abstenção ou uma atuação no sentido de

garanti-los. No Brasil, a expressão engloba vários direitos, tais como: os

individuais, os coletivos, os difusos, os sociais, os nacionais e os políticos.

Direitos fundamentais podem surgir na literatura sob diferentes

denominações e daí provocar certa confusão de significados. A título de

esclarecimento pontuamos algumas definições.

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Direitos humanos ou direitos do homem dizem respeito seriam aqueles

referentes à condição do indivíduo enquanto ser humano. Sendo assim, são

direitos que se estendem à toda humanidade, em todos os lugares, sem

limitação temporal. Tais direitos se baseariam no conceito de direito natural, os

quais não necessitariam de serem criados pelo direito positivo, mas tão

somente de serem reconhecidos e declarados.

Direitos do cidadão, a expressão pode abarcar dois tipos de direitos: os

direitos naturais, que seriam aqueles inerentes à própria existência humana; e

os direitos civis, que pertencem ao ser humano enquanto participante de uma

coletividade social civil.

Direitos políticos seriam aqueles direitos decorrentes da cidadania e

podem ser segmentados em direitos políticos positivos e negativos. Os direitos

políticos positivos concedem ao cidadão o poder de participar da vida política

do país por meio de diferentes formas, através de voto, o plebiscito, referendo,

a iniciativa popular de leis e por meio da propositura de ação popular. Os

direitos políticos negativos, também conhecidos como direito de elegibilidade,

permitem ao cidadão candidatar-se a cargos públicos em eleições

representando o povo.

Para o grande mestre José Afonso da Silva, os direitos fundamentais

“correspondem a situações jurídicas subjetivas de vantagem, sem as quais o

ser humano não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive, e

as mesmas são dotadas de eficácia jurídica mediante reconhecimento formal e

efetividade material em favor de seu titular”.

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Para Paulo Bonavides: “os direitos fundamentais devem “criar e manter

os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade

humana, eis o que os direitos fundamentais almejam”

Neste diapasão afirma ilustríssimo Professor Guilherme Braga Penã de

Moraes:

“os direitos fundamentais são “direitos” ou posições jurídicas subjetivas

asseguradoras de um campo de ação próprio e livre, impondo abstinência ou

limitação à atividade estatal ou privada, ou determinante da possibilidade ,

decorrente de sua titularidade, de exigir prestações positivas do Estado”

Já para Ieda Tatiana Cury os direitos fundamentais: “[...] podem ser

conceituados como o conjunto de normas que cuidam dos direitos e liberdades

garantidos institucionalmente pelo direito positivo de determinado Estado;

devem ser observados sob dupla perspectiva: objetiva - cabe ao Estado

garantir o exercício desses direitos - e subjetiva - as pessoas têm o direito de

exigir do Estado uma prestação (positiva ou negativa)”

De acordo com Alexandre de Moraes, os direitos fundamentais:

“[...] relacionam-se diretamente com a garantia da não ingerência do Estado na

esfera individual e a consagração da dignidade humana, tendo um universal

reconhecimento por parte da maioria dos Estados, seja em nível constitucional,

infraconstitucional, seja em nível de direito consuetudinário ou mesmo por

tratados e convenções internacionais”.

A história dos direitos fundamentais remonta ao século XVIII quando do

surgimento do constitucionalismo. Porém, já na Idade Média surgia a idéia de

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limitar o poder do Estado em favor do cidadão, o documento que marca a

época é a Magna Carta, de 1215, através da qual o rei da Inglaterra reconhecia

alguns direitos dos nobres, limitando assim o poder do monarca. Com a

Revolução Francesa, em 1789, se acentuaram os movimentos e documentos

escritos que buscavam garantir direitos elementares em face da atuação do

poder público. Um dos documentos mais conhecidos neste sentido é a

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão , de 1789. Pouco antes

disso, porém, outro documento entrava para a história, a Declaração de

Virgínia , elaborada em 1776, resultado da revolução americana trazia como

direitos fundamentais do povo norte-americano, a liberdade, a igualdade, a

eleição de representantes do povo, etc. Em 1948, logo após a 2a Guerra

Mundial, a Organização das Nações Unidas fazia editar a Declaração

Universal dos Direitos do Homem , estendendo para praticamente todo o

mundo o respeito e a proteção aos direitos fundamentais do ser humano.

As principais características doutrinárias atribuídas aos Direitos Fundamentais

são:

(1) Historicidade. São criados e se desenvolvem acompanhando o processo

histórico-social.

(2) Inalienabilidade. São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são

de conteúdo econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a

todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis.

(3) Imprescritibilidade. Os Direitos Fundamentais não prescrevem não se

perdem com o decurso do tempo são permanentes.

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(4) Irrenunciabilidade. Não se renunciam direitos fundamentais. Alguns deles

podem até não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite

sejam renunciados.

Em síntese, os Direitos Fundamentais resultam de reivindicações concretas

diante de situações de injustiça ou de agressão aos bens fundamentais e

elementares do ser humano. As dimensões se sucedem respondendo às

injustiças e ao estado de insegurança das pessoas como veremos a seguir.

1.2 Gerações ou Dimensões dos Direitos Fundamentais

Estudando a evolução doutrinário-positiva dos direitos fundamentais

verificamos três gerações ou dimensões de direitos próprios do homem,

traduzindo um processo sucessivo e cumulativo,

Essas gerações, numa primeira análise, representariam a conquista pela

humanidade de três espécies de direitos fundamentais, amparada nos ideais

divulgados especialmente na Revolução Francesa, resumidos no lema

“liberdade, igualdade e fraternidade”.

Antes de definirmos as gerações ou dimensões dos direitos

fundamentais esclarecemos a sua terminologia.

Segundo Willis Santiago Guerra Filho :

“em vez de gerações é melhor falar em “dimensões de direitos fundamentais”,

nesse contexto, não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações

anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas. Mais

importante é que os direitos “gestados” em uma geração, quando aparecem em

uma ordem jurídica que já traz direitos de geração sucessiva, assumem uma

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outra ordem de dimensão, pois os direitos da geração mais recente tornam-se

um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada - e,

conseqüentemente, também para melhor realizá-los”

A primeira geração ou dimensão dos direitos fundamentais estaria

associada liberdade dos indivíduos, às demandas dos cidadãos face ao poder

público buscando controlar e limitar os desmandos do governante no sentido

de respeitar as liberdades individuais. Significa, portanto, portanto, uma

limitação do poder público, ou seja, uma prestação negativa em relação ao

indivíduo. Assim, os direitos fundamentais correspondentes nessa primeira

geração são os direitos individuais da liberdade, os primeiros a constarem do

instrumento normativo constitucional, os direitos civis e políticos, que em

grande parte correspondem, pelo prisma histórico, à fase inaugural do

constitucionalismo do Ocidente.

A segunda geração ou dimensão dos direitos fundamenta is , fundada

no ideário da igualdade, estaria associada a exigir do poder público que atue

em favor do cidadão. Portanto, diferentemente da primeira geração o Estado

aqui tem obrigações e deveres para com o cidadão enquanto na primeira

geração trata-se de o Estado deixar de fazer alguma coisa. A prestação

positiva do Estado corresponderia aos chamados Direitos Sociais dos

cidadãos, direitos não mais considerados individualmente, mas sim de caráter

econômico e social, com o objetivo de garantir à sociedade melhores condições

de vida. Esta geração de direitos encontra-se diretamente associada com as

condições de trabalho. Com a evolução do capitalismo e as demandas da

sociedade foi necessário regular e garantir as relações de trabalho, postulando,

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portanto, salário mínimo digno, limitação das horas de trabalho, aposentadoria,

seguro social, férias remuneradas entre outros temas.

Por sua vez, a terceira dimensão corresponderia ao ideal da fraternidade

preconizado na Revolução Francesa. Seria uma evolução dos direitos

fundamentais no sentido de proteger direitos decorrentes de uma sociedade já

modernizada, industrializada e urbanizada. Uma sociedade como a atual

necessita que outros direitos sejam protegidos, agora dentro da perspectiva de

uma coletividade nacional e internacional. São os chamados direitos difusos

baseados na fraternidade e na solidariedade onde o sujeito não é mais o

indíviduo e sim a coletividade. É o direito à paz, o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, o direito à comunicação, os direitos do consumidor

e também os direitos relacionados aos grupos em vulnerabilidade social como

a criança, o idoso, os portadores de deficiências.

Dado o aspecto evolutivo dos direitos fundamentais fala-se hoje em uma quarta

dimensão que decorreria da atual globalização como a democracia, o direito à

informação e ao pluralismo.

1.3 Classificação dos Direitos Fundamentais na cons tituição Federal

A Constituição brasileira de 1988 é a Lei Maior vigente no Brasil, rege

todo o ordenamento jurídico do país. É a sétima (ou a oitava, para alguns,

considerando a Emenda nº 1, decretada pela Junta Militar à Constituição

Federal de 1967, como uma nova Constituição Federal de 1969) a reger o

Brasil desde a sua Independência. Surge após o período de ditadura militar no

qual direitos fundamentais foram violados sistematicamente. Fruto dessa

amarga experiência e sob influência de movimentos e documentos

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internacionais institui o Estado Democrático de Direito e assegura o exercício

dos direitos sociais e individuais.

Em seu Preâmbulo, a Constituição estabelece a liberdade, a segurança,

o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores

supremos da sociedade brasileira enquanto uma sociedade fraterna, pluralista

e sem preconceitos fundados na harmonia social e comprometidos na ordem

interna e internacional buscando solução pacífica das controvérsias.

Os princípios fundamentais estão dispostos no Art. 1º da Constituição

Federal: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático

e tem como fundamentos: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa

humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo

político.

Esclarece o professor Rizzato Nunes, que “os princípios constitucionais

são o ponto mais importante do sistema normativo, eles são verdadeiras vigas

mestras, alicerces sobre os quais se constrói o sistema jurídico, Os princípios

constitucionais dão estrutura e coesão ao edifício jurídico. Assim, devem ser

estritamente obedecidos , sob pena de todo o ordenamento jurídico se

corromper”.

Celso Antonio Bandeira de Mello, pontifica: “ violar um princípio é muito

mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica

ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo um

sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de

inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque

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representa a insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores

fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de

sua estrutura mestra. Isto porque, em ofendê-lo, abatem-se as vigas que o

sustém e alui-se toda a estrutura neles esforçada”

Portanto, os princípios constitucionais não são meros conselhos ou

orientações, são as verdadeiras diretrizes a condicionar a atuação de todos

quando se submetem ao império da Constituição.

Observamos que a Constituição Federal de 1988 trouxe no Título II, os

Direitos e Garantias Fundamentais, subdivididos em cinco capítulos:

A) Direitos individuais e coletivos

São os direitos ligados ao conceito de pessoa humana e à sua personalidade.

Dizem respeito ao direito à vida, à igualdade, à dignidade, à segurança, à

honra, à liberdade e à propriedade. Estão previstos no artigo 5º e seus incisos.

São também denominados de primeira geração, entendidos como direitos

fundamentais titularizados como sendo os exercidos pela pessoa humana

individualmente, característicos do Estado liberal democrático de Direito.

Podemos citar alguns que nos interessam como o direito à vida (art. 5º caput),

direito à integridade física e moral (art. 5º, III e X) entre outros.

Os Direitos Coletivos são direitos fundamentais titularizados e exercidos por

uma coletividade com a individualização de seus componentes. Podemos citar

o direito de receber informações de interesse coletivo (art. 5º, XXIII) entre

outros.

B) Direitos sociais

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O Estado Social de Direito garante as liberdades positivas aos indivíduos.

Esses direitos referem-se à educação, saúde, trabalho, previdência social,

lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância e assistência aos

desamparados. A finalidade última é a melhoria das condições de vida dos

menos favorecidos de maneira a concretizar a igualdade social. Estão

elencados a partir do artigo 6º.

C) Direitos de nacionalidade

Nacionalidade significa o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um

certo e determinado Estado, fazendo com que este indivíduo se torne um

componente do povo, capacitando-o a exigir sua proteção e em contra partida,

o Estado sujeita-o a cumprir deveres impostos a todos.

D) Direitos políticos

Permitem ao indivíduo, através de direitos públicos subjetivos, exercer sua

cidadania, participando de forma ativa dos negócios políticos do Estado. Esta

elencado no artigo 14. Estão inseridos nos direitos fundamentais de primeira

geração e são chamados de democráticos, de participação política e dos

cidadãos.

E) Partidos Políticos

Direitos relacionados à existência, organização e a participação em partidos

políticos: garante a autonomia e a liberdade plena dos partidos políticos como

instrumentos necessários e importantes na preservação do Estado democrático

de Direito e encontram-se no artigo 17.

1.4 Os Direitos Sociais Como Direitos Fundamentais

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Existe uma divergência entre os doutrinadores sobre a questão da

inclusão ou não dos direitos sociais no conceito de direitos fundamentais. Em

nosso entender, todos os direitos intimamente relacionados com a dignidade da

pessoa humana devem ser tratados como direitos fundamentais ou mesmo

como direitos humanos.

Para Ricardo Lobo Torres: “os direitos sociais e econômicos compõem o

que se convencionou chamar de cidadania social econômica, que é a nova

dimensão da cidadania aberta para o campo do trabalho e do mercado”

A justiça social encontra sua expressão constitucional no art. 6º,

complementada pelo art. 170, onde a ordem econômica, fundada na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por finalidade

assegurar existência digna a todos, realizando a justiça social através justa

distribuição de renda, protegendo os fracos, os pobres e os trabalhadores, sob

a diretiva de princípios como os da solidariedade e igualdade. No nosso país

isso não aconteceu.

Segundo Ricardo Torres, “nos países atrasados como o Brasil

postergou-se a distribuição de rendas em nome da necessidade do

desenvolvimento econômico, pois se apregoava ser preciso que primeiro o país

crescesse para que após se fizesse a redistribuição, no que ficou conhecido

como a “teoria do bolo” (deixar o bolo crescer para dividi-lo depois); o bolo não

cresceu e dele só comeram os mais próximos ou mais sabidos)”.

O termo direito social foi utilizado pela primeira vez na remota à École du

Droit Social Natural , sob influência do processo de industrialização que afetou

profundamente o modo de vida da sociedade e deu origem a uma nova classe

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social, o proletariado, submetida à vontade dos patrões, em conseqüência da

inércia do Estado. Os empregados, desprotegidos e acuados, passaram a

organizar movimentos em favor de seus direitos. A partir do século XIX

nasciam movimentos socialistas que reivindicavam melhores condições de vida

para as pessoas, forçando uma reflexão acerca do pensamento então

dogmatizado - laissez faire, laissez passer..

Em meio a essa situação, surgiu uma corrente que visava reconciliar o

proletariado com as outras classes e também com o Estado, representada pelo

posicionamento reformista do positivismo, do socialismo democrático e do

cristianismo social que conduziu aos direitos econômicos e sociais. Esse

movimento ganhou um grande apoio com a formulação da doutrina social da

Igreja, através da encíclina Rerum novarum, elaborada pelo Papa Leão XIII,

que enaltecia a tese do bem comum, da essência na vida humana digna, bem

como por meio da doutrina do direito natural e da dignidade do trabalho e do

trabalhador.

O principal documento da evolução dos direitos fundamentais para a

consagração dos direitos sociais foi a Constituição Francesa em 1848. As

primeiras Constituições que recepcionaram os direitos sociais e econômicos

em suas disposições foram em, 1917 a Constituição Mexicana e em 1919 a

Constituição de Weimar - Constituição da República Alemã a qual serviu de

modelo para várias Constituições européias e também para a Constituição

brasileira de 1934. Apesar dos direitos sociais terem sido consagrados desde

1919, somente foram reiterados após a segunda Guerra Mundial.

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16

Este processo evolutivo teve seu ponto culminante com a Declaração

Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela Assembléia Geral da

Organização das Nações Unidas em 1948, sendo uma síntese em que

paralelamente inscrevem-se os direitos fundamentais de primeira geração,

denominados de liberdades e os da segunda geração, chamados de direitos

sociais.

Com o processo de participação popular na elaboração da atual

Constituição Federal, as necessidades vivenciadas pela população passam a

ser reconhecidas como direitos sociais e estão enumeradas no artigo 6º. “São

direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, segurança,

a previdência social, a proteção à maternidade, à infância, a assistência aos

desamparados, na forma desta Constituição”

Para Alexandre de Moraes

“os direitos sociais caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas, de

observância obrigatória em um Estado social de Direito, tendo por finalidade a

melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando a concretização

da igualdade social, que configura um dos fundamentos de nosso Estado

democrático conforme preleciono o artigo 1º, IV da Constituição Federal de

1988”.

Quando descritos no artigo 6º os direitos sociais, o legislador destacou

alguns direitos inerentes à vida humana.

Para José Afonso os direitos sociais:

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“[...] como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações

positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em

normas constitucionais , que possibilitem melhores condições de vida aos mais

fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais

desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem

como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida que criam

condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que por

sua vez , proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da

liberdade”.

Como já mencionamos, os direitos sociais são denominados de direito

fundamental de segunda geração compreendidos como direitos da pessoa

humana situada na sociedade ou direitos relativos às relações sociais,

econômicas e culturais que o indivíduo desenvolve durante a sua vida. São

direitos que determinam prestações positivas do Estado, enunciadas na

Constituição Federal.

As Constituições do Brasil, ao longo do século XX trataram de direitos

sociais como o direito ao trabalho, à saúde e à educação, entretanto ignorava

os interesses das pessoas portadoras de deficiência. Desse modo, uma

parcela da população permaneceu excluída da cidadania. A partir da Carta

Magna de 1988 estendeu-se o direito à educação e ao trabalho para as

pessoas portadoras de deficiência e estabeleceu para o Poder Público uma

prestação mais específica, escapando a uma mera declaração de caráter

genérico.

2. DA DEFICIÊNCIA

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O termo "deficiência" significa uma restrição física, mental ou sensorial,

de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma

ou mais atividades essenciais na vida diária, causada ou agravada pelo

ambiente econômico e social.

O termo "discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência"

significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência,

antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção

de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir

ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas

portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades

fundamentais.

Nesse capítulo tratamos da questão da deficiência mostrando que o

conceito não é e nunca foi homogêneo quer tenha sido tratado pela legislação

internacional ou do Brasil. Portando estabelecer parâmetros e limites para

definir quem se enquadra parece que sempre será uma questão controversa.

Ter direito ao benefício de prestação continuada, por exemplo, garantido em

lei, depende de atestado de médico perito do INSS. Há inúmeras ações

procurando garantir o direito a quem não foi admitido pela peritagem.

Ao tratar do tema Deficiência, pretendemos chamar a atenção para os

avanços tecnológicos que estão modificando rapidamente a noção de

totalmente incapaz, como exemplo o físico Steven Hawkes com grande

produção intelectual ou mesmo os atletas brasileiros campeões da pára-

olimpíadas. Será que é muita pretensão defender o acesso a tecnologias

(apoios especiais, próteses, órteses, etc) diante da absurda situação de

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desigualdade social que impera no país? Pretendemos que as pessoas com

limitações alcancem melhores condições de qualidade de vida pessoal e

laboral.

A tutela jurídica está aqui exposta, com seus fundamentos a cronologia

das leis de proteção ao trabalho do portador de deficiência. Porém, como

veremos, os resultados em termos de inclusão no mercado de trabalho são

pífios (2% em condições de ingressar no mercado de trabalho têm empregos

formais), ou seja, praticamente não se emprega portador de deficiência no

Brasil. Leis existem, porém não são cumpridas. Diante de dois candidatos a

uma colocação, ambos com mesma qualificação, mas um deles é portador de

deficiência, certamente o empregador não optará por ele. As Cooperativas

Sociais também se mostraram um fracassso. Não conseguem viabilizar a

entrada das pessoas no mercado de trabalho e talvez nossos deficientes

necessitem de formação empreendedora para assumir que podem atuar dessa

forma. É muito provável que a mentalidade assistencialista e piedosa

alimentada e cultivada por milênios tenha fixado raízes não apenas na maneira

como sociedade olha e trata a pessoa com deficiência, mais principalmente

tenha deixado dúvidas profundas de auto-estima e capacidade de realização.

2.1 Conceito

O primeiro conceito de portador de deficiência no âmbito do Direito do

Trabalho surgiu em 1955 através da OIT - Organização Internacional do

Trabalho na Recomendação n. 99. Esse conceito foi repetido e aprimorado

posteriormente (Recomendação n. 168 e Recomendação n. 159 ambas de

1983 da OIT). O Brasil, através do Decreto Legislativo n. 51 de 28 de agosto de

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1989 ratificou a Recomendação 159 e adota então o primeiro conceito de

portador de deficiência no contexto normativo trabalhista brasileiro, qual seja:

Artigo 1º.: Para efeitos da presente Convenção, entende-se por “pessoa

deficiente” todo indivíduo cujas possibilidades de obter e conservar um

emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente

reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental, devidamente

reconhecida.

Foi necessário que transcorresse mais de três décadas após a

Organização Internacional do Trabalho (OIT) ter recomendado aos países

membro que o fizessem. É um exemplo cabal da morosidade que caracteriza

todas as ações relacionadas aos portadores de deficiências.

Note-se que o conceito acima enfatiza a barreira da deficiência (física ou

mental) enquanto impeditiva do ingresso das pessoas no mercado de trabalho.

Porém, ela não é a única. A capacitação profissional é outro fator limitante,

geralmente mencionado por empresas quando discutem o aproveitamento

dessa mão-de-obra em seus quadros.

Em outubro de 1989 foi editada a Lei Brasileira de n. 7.853

regulamentada apenas em 1993 pelo Decreto n. 914 que instituiu a Política

Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e que traz em

seu texto uma outra definição de pessoa portadora de deficiência:

“aquela que apresenta em caráter permanente, perda ou anormalidade de sua

estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gere

incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado

normal para o ser humano”.

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Esse decreto foi revogado por outro, em 1999, Decreto n. 3.298

atualmente em vigor e que de fato mostrou-se como um aprimoramento dos

anteriores na medida em que define claramente os diferentes tipos de

deficiência a partir da conceituação da OMS - Organização Mundial de Saúde,

bem como estabelece as diferenças entre deficiência, deficiência permanente e

incapacidade. No artigo 3 encontra-se assim definidos Deficiência e

Incapacidade:

Deficiência - “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função

psicológica, fisiológica, ou anatômica que gere incapacidade para o

desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser

humano”.

Incapacidade - “uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração

social com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos

especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou

transmitir informações necessárias ao seu bem estar pessoal e ao

desempenho de função ou atividade a ser exercida”.

Encontramos em âmbito internacional outras conceituações. Em 1975, a

ONU proclama a Declaração das Nações Unidas dos Direitos das Pessoas

Portadoras de Deficiência, Resolução n. XXX/3447, que traz em seu artigo 1º.

A seguinte definição:

“O termo `deficiente' designa toda pessoa em estado de incapacidade de

prover por si mesma, no todo ou em parte, as necessidades de uma vida

pessoal ou social normal, em conseqüência de uma deficiência congênita ou

não de suas faculdades físicas ou mentais”.

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No final da década de 90 (1999), os EUA através da Convenção

Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra

as pessoas portadoras de deficiência definiram no art.1º. inciso I, o termo

“deficiência” da seguinte forma:

“O termo `deficiência' significa uma restrição física, mental ou sensorial, de

natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou

mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente

econômico e social”.

No Brasil, a Lei 8.742/93 em seu art.20, § 2º. Define que “... a pessoa

portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para

o trabalho”.

Para o INSS (*) Ordem de Serviço n. 562/97, item 1.2 citada por

Maranhão, Rosane de Oliveira. O Portador de Deficiência e o Direito do

Trabalho, São Paulo, LTr, 2005, p. 35 a pessoa portadora de deficiência é

“aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho em razão de

anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou

adquiridas, que impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do

trabalho”.

Ainda no âmbito do INSS (*) Obra citada p.40 a Ordem de serviço

Conjunta n. 90, expedida pela DAF (Diretoria de Arrecadação e Fiscalização e

do Seguro Social) em 1998 apresenta uma classificação que admite três

formas de deficiência: a física, a sensorial auditiva e visual e a mental, além

das múltiplas deficiências.

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Na obra de ALVES, ( *) Alves, Rubens Valtecides. Deficiente Físico -

Novas dimensões de proteção ao trabalhador, São Paulo, LTr, 1992, pág 33). o

autor aborda a questão da classificação ou “categorias” mencionando que

outros países adotam diferentes categorizações. Na Grécia, lista-se 11

categorias de deficiências. A grande maioria adota duas categorias, as de

natureza física e as mentais. Itália, Alemanha e Holanda adotam também o

temo psíquico e a Holanda vai mais além definindo os “deficientes por

desordem de caráter” e os “incapacitados sociais”. (*) ALVES, obra citada, pág.

34

Diante do exposto, é correto afirmar que são vários os conceitos de deficiência

encontráveis nas obras e nos textos relativos ao tema, no Brasil e em outros

países. Ademais, as pessoas portadoras de deficiência não formam um grupo

homogêneo e nesse sentido demandam políticas e ações específicas.

No próximo capítulo conheceremos as deficiências tuteladas pela legislação

brasileira.

2.2 As deficiências tuteladas

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a proteção aos portadores

de deficiência e a legislação infraconstitucional determinou quais deficiências

são objeto de proteção legal

Para o Direito do Trabalho, o que realmente importa é o impacto da

deficiência sobre a capacidade de trabalho do indivíduo e de que forma elas

podem comprometer sua integração social. O Decreto n. 5.296 de 2.12.2004,

alterou a redação do art. 4º. do Decreto n. 3.298 de 20.12.99 e assim a

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legislação considera a pessoa portadora de deficiência aquela que se enquadra

nas seguintes categorias:

I - deficiência física (*) Excetuam-se as deformidades estéticas e as que não

produzam dificuldades para o desempenho de funções. - alteração completa ou

parcial de um ou mais segmentos do corpo humano acarretando

comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de

paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia,

triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência

de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidades congênita

ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam

dificuldades para o desempenho de funções;

II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um

decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500 Hz,

1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000 Hz;

III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor

que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que

significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho com a melhor

correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida de campo visual

em ambos os olhos for igual ou menor que 60º.; ou a ocorrência simultânea de

quaisquer das condições anteriores;

IV - deficiência mental - funcionamento intelectual significativamente inferior à

média, com manifestação antes dos dezoito anos (*) Acredita-se que se

pretendeu incluir apenas as síndromes de Down e outras ligadas a oligofrenia e

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limitações associadas a duas ou mais áreas de habilitadades adaptativas, tais

como:

a) comunicação;

b) cuidado pessoal;

c) habilidades sociais;

d) utilização dos recursos da comunidade;

e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas;

g) lazer;

h) trabalho;

V - deficiência múltipla - associação de duas ou mais deficiências.”

O médico, diante da necessidade de enquadrar a pessoa em dado

conceito de deficiência utilizada o descrito acima que na verdade se mostra

bastante restrito, pois não contempla a questão dos superdotados, por

exemplo.

2.3 Os fundamentos da tutela especial

Entendemos o princípio da igualdade como a base dos direitos das

pessoas portadoras de deficiência, pois Constituição de 1988 adotou o

princípio da igualdade como princípio fundamental para a criação de uma

sociedade justa e solidária.

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A idéia de igualdade está intimamente associada à idéia de democracia.

Trata-se de princípio que norteia a discussão de como compreender o Estado

Democrático de Direito. É bastante pertinente ressaltar, debater e defender o

princípio da igualdade enquanto condutor da democracia na medida em que o

desenvolvimento da sociedade capitalista nos levou ao neoliberalismo, doutrina

que prega a desigualdade como um valor em si mesmo e contaminou todas as

relações econômicas e políticas nas últimas décadas no país e no mundo.

A discussão acerca da igualdade entre os homens não é recente, está

há séculos na agenda política dos povos. Deita raízes na filosofia grega, nos

fundamentos do cristianismo, toma corpo na Revolução Francesa e ganha

nova forma quando a sociedade e o mundo do Direito começam a falar e a

defender a isonomia material - não é mais suficiente considerar todos iguais

perante a lei; agora é preciso tratar os iguais igualmente e os desiguais

desigualmente, na exata medida de sua desigualdade.

A igualdade, diferentemente da liberdade, é um conceito relativo. Uma

pessoa só é igual (ou desigual) se houver outra a ser comparada com ela.

Ninguém é absolutamente igual ou desigual, apenas relativamente. A igualdade

pressupõe a existência do outro, o seu reconhecimento enquanto pessoa,

enquanto ser humano. Podemos afirmar, portanto, que o princípio da igualdade

está intimamente vinculado à idéia de solidariedade; exatamente neste sentido

dispôs a Constituição Federal de 1988. Ao dizer, em seu art. 3°, I que é objetivo

fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade

livre, justa e solidária, entende-se que na justiça e solidariedade se encontram

os pressupostos para se efetivar a igualdade, que será mencionada no caput

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do art. 5°. Sem compreensão de justiça que carregue em si a necessidade da

igualdade e sem solidariedade, não se estrutura uma sociedade igualitária.

Ao abordar distintamente a ordem econômica e a ordem social, o

legislador constituinte ressaltou a importância da ordem social para o

desenvolvimento da nação. Nesse contexto, estabeleceram-se as diretrizes

para a inclusão social dos portadores de deficiências no mercado de trabalho,

tratando de direitos e garantias também em educação, saúde, assistência

social, lazer, cultura e esporte.

A constituição deixa claro o princípio isonômico em seu art. 5º, caput:

“todos são iguais perante a lei sem distinção”. E garante no inciso XII que “é

livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as

qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Encontramos mais adiante,

no art. 7º., inciso XXXI, a reafirmação desse princípio na “proibição de qualquer

discriminação no tocante a salário e critério de admissão do trabalhador

portador de deficiência”.

A Lei 7.853/89 regulamentada pelo Decreto n. 3.298/99 que trata do

apoio às pessoas portadoras de deficiência reafirma o princípio isonômico no

art. 1º , § 1º. “na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os

valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social,

do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados

na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito”.

Apenas podemos entender as normas jurídicas voltadas para a proteção

dos trabalhadores portadores de deficiências se associadas a outras normas

que tem por fundamento e finalidade cumprir a ordem social

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constitucionalmente estabelecida, a qual tem como base o trabalho e por

objetivo o bem estar e a justiça social.

2.4 A Proteção Legal do Trabalho do Portador de Def iciência e a

jurisprudência.

A Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988 foi um

marco para os direitos sociais no Brasil, entre eles a proteção daqueles dos

grupos considerados em condição de vulnerabilidade, em posição

desvantajosa quer por questões raciais, socioeconômicas ou por portar algum

tipo de deficiência.

Em nosso estudo ressaltaremos os dispositivos que visam a inserção da

pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho., apesar de existirem

outros dispositivos visando a integração social da pessoa portadora de

deficiência, assegurando educação, saúde, acesso ao lazer, esportes e vida

cultural, determinando ademais acesso aos meios de transporte, aos edifícios

públicos e privados. Assim, fica evidente a intenção do legislador constituinte

de assegurar às pessoas portadoras de deficiências um conjunto de normas

programáticas, as linhas básicas do processo de integração do deficiente físico

à sociedade e ao mercado produtivo nacional.

O princípio da igualdade, sem dúvida, é o esteio de todas as garantias e

prerrogativas de que goza a pessoa portadora de deficiência. (art. 5º, “caput”).

A Constituição estabelece que todos, União, Estado, Distrito Federal e

Município são envolvidos para cuidar da saúde e assistência pública, da

proteção e garantias das pessoas portadoras de deficiência (art. 23, II).

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O art. 24, XIV determina que compete a União, Estados e Distrito

Federal legislar sobre a proteção e integração das pessoas portadoras de

deficiência, entendendo assim que o tema é nacional e estadual, e não de

interesse local.

A Constituição. no art. 37, VIII, reserva vagas aos portadores de

deficiência para ingresso no serviço público através de concursos. Não trata da

iniciativa privada, que mereceu lei ordinária específica para tratar da reserva de

cotas.

O art. 203, inciso IV, inclui entre os deveres da assistência social "a

habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção

de sua integração à vida comunitária". É um avanço, pois até então o acesso à

habilitação e reabilitação era permitido apenas aos segurados.

O inciso V, do mesmo artigo dispõe que os deficientes e idosos

incapazes de se manter, pelo próprio trabalho ou por auxílio da família, terão

direito a uma renda mensal vitalícia equivalente a um salário mínimo, mediante

regulamentação de norma específica, que veio pela Lei n. 1 8.742, de 7 de

dezembro de 1993 (art. 21, inciso V, arts. 20, 21 e parágrafos).

Ações no sentido de criar uma jurisprudência para casos semelhantes

fazem parte do jurídico. O Supremo Tribunal Federal determinou que o INSS

pague um salário mínimo mensal de pensão para um portador de paralisia

cerebral. A decisão é do ministro Ricardo Lewandowski. O INSS recorreu ao

Supremo contra a decisão da Justiça Federal de Mato Grosso do Sul. O

argumento foi o de que a primeira instância teria dado interpretação ao artigo

20, da Lei 8.742/93, o que foi proibido pelo Supremo no julgamento da Ação

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Direta de Inconstitucionalidade 1.232. Lewandowski negou o recurso. O relator

afirmou que o paciente sofre de “paralisia cerebral, prejuízo nas funções

vegetativas, alteração no sistema sensório motor oral e retardo no

desenvolvimento psicomotor” e, por isso, tem direito de receber o benefício do

INSS. “As informações constantes dos autos apontam a existência de uma

renda familiar de apenas R$ 536,60 `não tendo dados sobre a natureza do

trabalho exercido, se temporário ou por prazo indeterminado' e despesas

comprovadas de R$ 500 limitados, esses gastos, ao mínimo, o que resulta em

condições de vida bastante modestas”, considerou Lewandowski. Diante das

circunstâncias e dos “graves riscos à subsistência do interessado, decorrentes

da eventual supressão do benefício”, o relator negou o pedido do INSS por

entender que, no caso, o perigo na demora (periculum in mora) “milita em favor

do interessado”.

O art. 208, inciso III, arrola entre os deveres do Estado na órbita da

atividade educacional, o atendimento especializado para portadores de

deficiência, preferencialmente na rede pública de ensino, como forma de

sociabilizar as crianças e não excluí-las do convívio com outras não portadoras

de deficiências.

O artigo 227 trata da proteção das crianças e adolescentes, visando a

integração à coletividade, promovendo a eliminação de preconceitos e

obstáculos. A eliminação das barreiras arquitetônicas, adaptação de

logradouros públicos, edifícios, veículos de transportes coletivos estão

previstos no art. 227, II, parágrafo 2º. De fato, a dificuldade de locomoção e

acesso às ruas e prédios configura um grande entrave para a integração

dessas pessoas.

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A Constituição, portanto, é bastante claro quanto à igualdade de

trabalhadores portadores de deficiência ou não. O Brasil dispõe, ainda, de uma

legislação infraconstitucional que vem tratando do tema a desde 1989, um ano

após a promulgação da Constituição Federal. Apresentaremos em ordem

cronológica as leis que diretamente nos interessam nesse trabalho mostrando

assim a evolução normativa.

a) A Lei 7.853 de 24 de outubro de 1989

No art. 1º., § 1º. da referida Lei encontramos os valores básicos que

devem ser considerados em sua aplicação e interpretação, quais sejam,

igualdade de tratamento e oportunidades, justiça social, respeito à dignidade da

pessoa humana.

O art. 2º. Deixa claro que é de responsabilidade do Poder Público e seus

órgãos assegurarem às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de

seus direitos básicos, inclusive dos direitos à saúde, educação, ao trabalho,

lazer, à previdência social, ao amparo à infância e maternidade e outros que

propiciem bem estar pessoal, social e econômico.

A lei tratou de medidas nas áreas de educação, saúde, formação

profissional e trabalho, recursos humanos e edificações.

No âmbito da formação profissional e trabalho merece destaque: apoio e

garantia de acesso aos cursos regulares voltados à formação profissional;

empenho do Poder Público na criação e manutenção de empregos; promoção

de ações de inserção nos setores públicos e privados; a intenção de adotar

legislação própria para reserva de mercado de trabalho, tanto na Administração

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Pública quanto no setor privado e a regulamentação da organização de oficinas

e congêneres integradas ao mercado de trabalho.

Procurou, ainda, criar o suporte necessário para formar professores de

nível médio para a educação especial, de técnicos de nível médio

especializados na habilitação e reabilitação, de instrutores para formação

profissional, incentivar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico de todas as

áreas do conhecimento relacionadas à pessoa portadora de deficiências.

Essa lei atribuiu ao Ministério Público a defesa dos interesses coletivos e

difusos das pessoas portadoras de deficiência, com a possibilidade de se

ingressar com ação civil pública e instaurar inquérito civil. Também tipificou

como crime as condutas que obstem ou negue, injustificadamente o acesso de

alguém a qualquer cargo público, emprego ou trabalho, por motivos derivados

de sua deficiência.

Por fim essa lei reestruturou como órgão autônomo, a Coordenadoria

Nacional para a Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE que tem como

funções: coordenar ações, elaborar planos, programas e projetos, acompanhar

sua implantação, coordenar com Estados, Municípios, Territórios, Distrito

Federal e Ministério Público as ações destinadas à integração social,

acompanhar contratos e convênios, promover e incentivar a divulgação e o

debate das questões concernentes à pessoa portadora de deficiência, visando

a conscientização da sociedade, entre outras atribuições.

Com base nessa lei e no art. 227 da Constituição Federal, em 1999, o STJ -

RO-MS 9613 de São Paulo, 1ª T, tendo como Relator o Min. José Delgado

concede mandado de segurança em favor de deputada estadual portadora de

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deficiência física para que sejam criadas condições materiais, com a reforma

da tribuna de modo a permitir acesso e exposição de idéias em condições de

igualdade com seus pares. Segundo o parecer, “a filosofia do desenho

universal neste final do século inclina-se por projetar a defesa de que seja feita

adaptação de todos os ambientes para que as pessoas com deficiência

possam exercer, integralmente, suas atividades”.

b) Lei n. 8.112 de 11 de dezembro de 1990

Essa Lei trata do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das

Autarquias e das Fundações Públicas Federais. Inclui no texto o sistema de

reserva de vagas às pessoas portadoras de deficiência, reservando um

percentual de até 20%. A lei serviu de paradigma para que Estados e

Municípios adotassem disposições similares.

No entanto, observa-se que muitas das vagas deixam de ser

preenchidas, principalmente aquelas que exigem nível superior e de melhores

salários. Isso nos mostra que a reserva de vagas não é suficiente para integrar

a pessoa portadora de deficiência ao mercado de trabalho. É preciso

intensificar o trabalho de base, de formação acadêmica. É preciso investir em

educação, habilitação e reabilitação. É preciso favorecer o acesso a

tecnologias e apoios especiais que facilitem o desempenho de atividades

básicas em especial aquelas úteis ao mercado de trabalho.

c) A Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991

A lei fixa percentuais para a admissão dos portadores de deficiência no

setor privado. Toda empresa está obrigada a ter dentro do seu quadro de

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funcionários pessoas portadoras de necessidades especiais, obedecendo a

seguinte proporção:

No. de empregados Percentual de deficientes

Até 200 2%

De 201 a 500 3%

De 501 a 1.000 4%

De 1001 em diante 5%

Não se trata de dispositivo novo, pois a lei 3.807 de agosto de 1960 já

estabelecia previsão semelhante em seu art. 55, havia a obrigação da reserva

de cargos em empresas com 20 ou mais empregados, porém não havia a

obrigação de admitir.

A partir de 1991 todo empregador cuja empresa se enquadre no padrão

estabelecido fica obrigado a contratar portadores de deficiência, sob pena de

se considerar prática discriminatória caso não o faça. Em caso de demissão, o

cargo vago deverá ser substituído por uma outra pessoa também portadora de

deficiência.

Trata-se de medida totalmente justa face à proteção constitucional

assegura ao deficiente e as decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do

Trabalho jurisprudência a respeito. O Diário da Justiça publica em 04/04/20003

decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2º Região (TRT-SP),

tendo como relator o ministro Carlos Alberto Reis de Paula, determinando a

reintegração de empregado deficiente físico, por não ter o empregador agido,

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quando do momento da despedida, em conformidade com o que dispõe o art.

93, § 1º, da Lei 8.213/91 (646.255/2000).

Em outro caso, a Sexta Turma do TST tendo por relator o Aloysio Corrêa

da Veiga, confirmou o direito de um trabalhador portador de deficiência física à

reintegração no emprego. A decisão unânime do TST negou agravo de

instrumento à Telemar Norte Leste S/A. O argumento jurídico utilizado pela

defesa do trabalhador levou à concessão de seu pedido. A conduta da

empresa resultou em violação da Lei nº 8213, de 1991, que, dentre outros

temas, prevê a porcentagem mínima de cargos para deficientes físicos em

empresas com mais de cem empregados (artigo 93) e restringe a possibilidade

de dispensa. De acordo com o parágrafo 1º do artigo 93 da lei, “a dispensa de

trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo

determinado de mais de 90 dias, e a imotivada, no contrato por prazo

indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição

semelhante”. Como não foi provada a admissão de outro portador de

deficiência em substituição ao porteiro dispensado, foi determinado seu retorno

à empresa. Além da ordem de reintegração, num prazo de oito dias, a primeira

instância determinou o pagamento dos salários correspondentes ao período de

afastamento, 13º salário, férias acrescidas de um terço e os depósitos do

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Posteriormente, a questão foi

submetida ao TRT fluminense que confirmou os efeitos da sentença.

e) Ordem de Serviço Conjunta INSS/DAF/DSS n. 90, de 27 de outubro de 1998

A Ordem de Serviço foi publicada pelas Diretorias de Arrecadação e

Fiscalização e de Seguro Social do INSS que definiu as modalidades de

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deficiências e estabeleceu os procedimentos de modo a dar cumprimento ao

art. 93 da Lei n. 8.213/91. A Ordem de Serviço é anterior ao Decreto n.

3.298/99 que regulamentou a Lei 7.853/89. Muitos dos seus conceitos foram

repetidos no Decreto. Os procedimentos para a contratação de pessoas

portadoras de deficiência estão dispostos nessa norma.

Dispõe que cabe à Unidade Executiva de Reabilitação Profissional - UERP,

receber denúncias sobre empresas que violam as normas legais. A UERP é

também responsável por identificar empresas, beneficiários reabilitados e

pessoas portadoras de deficiências habilitadas, para que se efetive a

fiscalização do cumprimento de cotas.

No corpo dessa OS encontra-se um texto que muitas vezes é utilizado por

empresas para justificar a inexistência ou o não preenchimento das vagas

destinadas aos portadores de deficiência. O item 6.2 diz: “A empresa cujo

quadro de recursos humanos já esteja preenchido, sem no entanto atender ao

percentual de reserva de vagas que se refere o item 4, promoverá o

preenchimento do mesmo, de forma gradativa, a medida em que surjam as

vagas.”

Esse item deve ser assim interpretado: nos casos de inexistência de

vaga, não resulta violado o art. 93 da Lei n. 8.213/91 desde que a empresa

tenha criado políticas específicas voltadas para a contratação de pessoas

portadoras de deficiência na medida em que forem abertas vagas no quadro de

pessoal.

f) Lei n. 9.867, de 10 de novembro de 1999

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A Lei cria as Cooperativas Sociais com a finalidade de inserir “pessoas

em desvantagem” no mercado de trabalho. O conceito de “pessoas em

desvantagem” inclui: deficientes físicos e sensoriais, deficientes psíquicos e

mentais, pessoas que necessitam de acompanhamento psiquiátrico

permanente e os egressos de hospitais psiquiátricos, dependentes químicos,

os egressos de prisões, os condenados a penas alternativas e à detenção e os

adolescentes em idade de trabalho e em situação familiar difícil do ponto de

vista econômico, social ou afetivo.

Para que essas pessoas façam parte de Cooperativas Sociais é necessário

atestado proveniente de órgãos da Administração Pública. A exigência tem por

objetivo evitar que as cooperativas sejam utilizadas como meras intermediárias

de mão-de-obra.

Às cooperativas sociais cabe desenvolver e executar programas de

treinamento com vistas a melhoria da qualificação profissional.

g) Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999

O Decreto foi promulgado para regulamentar a Lei n. 7.853/89 (dez anos

depois). Nele estão definidos os conceitos de deficiência e incapacidade.

Tratamos em detalhes do teor desse Decreto no 2. Capítulo Da Deficiência.

h) Portaria n. 1.199 de 28 de outubro de 2003

Por intermédio dessa Portaria, o Ministério do Trabalho e Emprego aprovou

normas para imposição de multa administrativa prevista no art. 113 da Lei n.

8.213/91, pela infração ao sistema de cotas implantado pelo art. 93 da mesma

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Lei. A partir dessa Portaria os fiscais puderam aplicar penalidades aos

infratores.

i) Decreto Federal n. 5.904 de 21 de setembro de 2006

Regulamenta a Lei n. 11.126, de 27-06-2005, que dispõe sobre o direito

da pessoa com deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de

uso coletivo acompanhada de cão-guia e dá outras providências.

j) Outros diplomas legais (*) LOPES, obra citada, p.80

Alguns outros diplomas legais tratam da proteção do trabalho dos

portadores de deficiência. É o caso do art. 66 da Lei 8.069/90 que institui o

Estatuto da Criança e do Adolescente e que assegura ao adolescente portador

de deficiência o trabalho protegido.

Com a alteração sofrida pela Medida Provisória n. 2.164-41 de 24.08.01

e pela Lei n. 8.859/94, a Lei n. 6.494/77 conhecida como “Lei do Estágio”

ampliou o estágio profissionalizante às escolas de qualquer grau.

A Lei 8.666/93 que trata das Licitações e Contratos da Administração

Pública incluiu entre as hipóteses de dispensa de licitação a “contratação de

associação de portadores de deficiência física sem fins lucrativos e de

comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Administração Pública,

para a prestação de serviços ou fornecimento de mão-de-obra, desde que o

preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.”

Na CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas: o empregado portador de

deficiência terá direito a perceber salário igual a qualquer outro empregado da

empresa que fizer serviço equivalente ou o que for habitualmente pago para

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serviço semelhante, sendo irrelevante a questão da deficiência (art. 460). O

empregado portador de deficiência terá direito a equiparação salarial, desde

que preenchidos os requisitos legais (função idêntica, trabalho de igual valor,

mesmo empregador, mesma localidade, inexistência de quadro de carreiras e

tempo na função inferior a dois anos) a um paradigma com salário superior (art.

461). Também nesse artigo consta a proibição de que o empregado portador

de deficiência seja utilizado como paradigma para fins de equiparação salarial

quando readaptado em nova função por conta da deficiência.

A Lei n. 10.098/2000 traça normas gerais e critérios básicos para

acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade

reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e

espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e

nos meios de transporte e de comunicação. Acessibilidade é condição

indispensável para o sucesso das políticas de inserção do portador de

deficiência no mercado de trabalho.

Outras iniciativas louváveis da área pública: Estados e Fundações

passam a exigir das empresas que concorrem em licitações que estejam

cumprindo a cota de pessoas portadoras de deficiência no quadro funcional.

Exemplo disso é o Estado do Rio de Janeiro, espera-se que essa atitude se

alastre para toda área pública do Brasil.

2.5. O mercado de trabalho e o impacto das normas d e proteção

Bem antes do desemprego que assola o país, proveniente das crises

econômicas, o direito ao trabalho já era negado à grande maioria das pessoas

especiais, por preconceito, ignorância e discriminação. Acreditamos que a

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exclusão tem início já no sistema educacional, pois as instituições de ensino

não estão abertas para acolher e lidar com as necessidades específicas das

pessoas com deficiência. Explicando melhor, as crianças e jovens podem

freqüentar as escolas públicas mas se elas não oferecem condições de acesso,

se não desenvolvem métodos de ensino não se pode afirmar que lidam direta e

efetivamente com a inclusão.

Disso resulta uma das maiores dificuldades para a inserção no mercado

de trabalho: a baixa ou nenhuma qualificação profissional. Assim, é expressivo

o contingente de pessoas especiais (cegos, surdos, deficientes congênitos,

deficientes mentais, acidentados reabilitados, etc.) em busca de uma

oportunidade de trabalho para sua própria manutenção e de seus familiares,

sem que se lhes abram as portas do mercado de trabalho.

Diante do mercado refratário às suas necessidades, podem contentar-se

com postos de trabalho aquém de suas capacidades porque precisam, como

todos nós, sentirem-se úteis, produtivos, independentes e inseridos no convívio

social.

Nega-se emprego a muitas pessoas portadoras de deficiência, ou somente se

dá a elas empregos subalternos e mal remunerados. E isso ainda acontece

embora já se tenha demonstrado que, com um trabalho adequado de

valorização, treinamento e colocação, a maior parte das PPD's pode realizar

uma ampla gama de tarefas de acordo com as normas em vigor. Em períodos

de desemprego e de crise econômica, as PPD's costumam ser as primeiras a

serem despedidas e as últimas a serem contratadas. Em alguns países

industrializados que sentem os efeitos da recessão econômica, a taxa de

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desemprego entre as PPD's que procuram trabalho é o dobro da taxa que

ocorre entre os não deficientes.

(NASCIMENTO: 1992, p. 15). NASCIMENTO, Rui Bianchi. Programa de Ação

Mundial para pessoas com deficiência. Publicado no site do Centro de

Documentação e Informação do Portador de Deficiência. 1992 - CEDIPOD.

Disponível em www.cedipod.org.br. Acesso em fevereiro/2007.

É finalidade primordial da política de emprego a inserção da PPD no

mercado de trabalho ou sua incorporação ao sistema produtivo mediante

regime especial de trabalho protegido.

Como modalidades de inserção laboral da PPD, consideram-se:

I- colocação competitiva: processo de contratação regular, nos termos

da legislação trabalhista e previdenciária, que independe da adoção de

procedimentos especiais para sua concretização, não sendo excluída a

possibilidade de utilização de apoios especiais;

II- colocação seletiva: processo de contratação regular, nos termos da

legislação trabalhista e previdenciária, que depende de adoção de

procedimentos e apoios especiais para sua concretização;

III- promoção do trabalho por conta própria: processo de fomento da

ação de uma ou mais pessoas, mediante trabalho autônomo, cooperativado ou

em regime de economia familiar, com vista à emancipação econômica e

pessoal.

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A pessoa portadora de deficiência, beneficiária ou não do Regime Geral

de Previdência social, tem direito às prestações de habilitação profissional para

capacitar-se a obter trabalho, conservá-lo e progredir profissionalmente.

Em diversos países, têm-se implantado programas tomando medidas

com vistas à criação de empregos para as pessoas com necessidades

especiais. Entre essas medidas estão as oficinas protegidas de produção,

oficinas terapêuticas, contratação preferencial ou seletiva, sistema de quotas,

subvenções aos empregadores que oferecem formação profissional e em

seguida contratam trabalhadores deficientes, sociedades cooperativas

regulares para a promoção do trabalho autônomo etc.

No entanto, o número real de trabalhadores portadores de deficiência

empregados está muito aquém daquele correspondente ao número das que

são capazes de trabalhar. É necessário que seja dada oportunidade para que

essas pessoas possam participar da construção da sociedade, em vez de se

eternizarem como beneficiários de políticas assistencialistas e da Previdência

Social, o que lhes ofende a dignidade e arremessa fora suas forças de

trabalho, tão sólidas e produtivas quanto as de qualquer outra pessoa.

No Brasil, o Censo Demográfico 2000 indicou que aproximadamente

24,5 milhões de pessoas, ou 14,5% da população total têm algum tipo de

deficiência. Os cinco Estados com maiores taxas de deficiência são Paraíba

(18,76%), Rio Grande do Norte (17,64%), Piauí (17,63%), Pernambuco

(17,40%) e Ceará (17,34%). A região Sul concentra 18%, Centro Oeste 16%,

Norte 14% e Sudeste 12%. Os cinco Estados com menores taxas de pessoas

portadoras de deficiências são São Paulo (11,35%), Roraima (12,50%), Amapá

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(13,28%), Distrito Federal (13,44%) e Paraná (13,57%). (*) Retratos da

Deficiência no Brasil (PPD) / Marcelo Néri...[et al.] - Rio de Janeiro: FGV/IBRE,

CPS, 2003. 250 p. disponibilizado no site www.fgv.br/cps

Num universo de 26 milhões de trabalhadores formais ativos, 537 mil

são pessoas com deficiência, representando 2,05% do total de empregados.

Nos países desenvolvidos, o percentual de empregabilidade no mercado formal

fica entre 30% e 45%. (*) LOPES, obra citada, pág. 105. Rio Grande do Sul,

São Paulo e Distrito Federal apresentam as maiores taxas de empregabilidade

respectivamente 3,10%, 2,73% e 2,19%. Por sua vez, Rondônia (0,52%),

Tocantins (0,55%) e Piauí (0,63%) são os Estados que menos empregam

PPDs.

No que tange ao número de funcionários, a pesquisa mostra que as

empresas com menos de 100 funcionários e que a legislação não determina

cotas é a que mais vem empregando pessoas com deficiência. Como se pode

observar no quadro a seguir, empresas com 101 a 200 funcionários são as

únicas que realmente estão agindo de acordo com a lei.

No. FUNCIONÁRIOSTAXA MÉDIA DE

EMPREGABILIDADE (%)

COTA DEFINIDA EM

LEI (%)

Menos de 100 1,05 não exigida

101 a 200 2,7 2

201 a 500 2,9 3

501 a 1000 2,8 4

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Mais de 1000 3,6 5

Ainda segundo a pesquisa, a chance de encontrarmos uma pessoa com

deficiência com as mesmas características (sexo, idade, escolaridade, etc)

trabalhando em empresas com menos de 100 empregados, não sujeitas às

cotas, é duas vezes maior do que naquelas com mais de 1000 trabalhadores.

Assim, fica claro que a lei de cotas vigente de 1999 não é cumprida. Caso as

empresas finalmente assumissem a responsabilidade que lhes cabe o mercado

formal de empregos para as PPDs criaria 518.012 vagas, o que praticamente

dobraria o contingente atual. Seriam as empresas com mais de 1000

trabalhadores as grandes contratadoras, apenas elas abririam 310.081 vagas.

Os dados demonstram que, a despeito da regulamentação legal trazida

pelo Decreto n. 3.298/99, não houve aumento expressivo do percentual de

empresas que cumprem cotas, pois antes de 1999 a taxa de empregabilidade

era de 1,91% e hoje é de 2%.

Os mecanismos para inserção dos portadores de deficiência têm, ainda,

o desafio de estimular a contratação de trabalhadores em todas as faixas

etárias para que equilíbrio da distribuição hoje existente: 62,3% dos

trabalhadores portadores de deficiência têm entre 25 e 45 anos; 17,9% entre

15 e 25 anos; 17,4% entre 45 e 60 anos e 2% mais de 60 anos.

Urge, ainda, tratar dos trabalhadores portadores de deficiência do meio rural.

Segundo dados do CENSO 2000 do IBGE, apenas 2,33% dos portadores de

deficiência no mercado de trabalho formal estão na zona rural. É importante

que o governo, no mínimo, subvencione ou forneça material para que os

trabalhadores possam se estabelecer em cooperativas agrícolas artesanais ou

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em pequenas fábricas. Sabemos que o estímulo ao trabalho no campo é bem

mais complexo por envolver obras de infra-estrutura nos locais de trabalho e

nas cidades, nos meios de transporte, a criação de postos de atendimento

especializado e centros de reabilitação, etc. No entanto, os problemas ligados

ao trabalho na zona rural não afeta exclusivamente os portadores de

deficiência, apenas 3,41% dos trabalhadores formais concentram-se no campo.

É particularmente importante e merece destaque a atuação do Ministério

Público do Trabalho na promoção da igualdade de oportunidades pessoa

deficiente no mercado de trabalho. Em parceria com o Ministério do Trabalho e

Emprego, com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, Corde/MJ e com a

sociedade civil organizada, o Ministério Público está conseguindo fazer cumprir

a reserva legal de vagas, como também conscientizar o empresariado sobre os

potenciais da pessoa portadora de deficiência e a necessidade de se investir

em sua formação adequada.

Segundo a publicação do Instituto Ethos distribuída gratuitamente aos seus

associados - O que as Empresas podem fazer pela Inclusão das Pessoas com

Deficiência - a contratação é apenas uma das etapas da inclusão da pessoa

com deficiência na empresa. A permanência no cargo requer outras medidas

também importantes. Não excluir as pessoas com deficiência do convívio com

o restante da empresa e não isolá-las em setores criados para portadores de

deficiência são medidas fundamentais para que ocorra um real processo de

inclusão. Buscar trazer a diferença para dentro da empresa, combatendo o

preconceito e reconhecendo a igualdade essencial entre as pessoas, é uma

atitude que faz parte da postura ética a ser adotada como valor e prática nos

negócios

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Em todo o mundo, cresce a consciência de que a inclusão dessas

pessoas é uma questão de ética, cidadania e redução da desigualdade social e

as empresas podem ajudar muito.

Num quadro social marcado por discrepâncias profundas, fica cada vez

mais clara - também para as empresas - a importância estratégica de criar uma

realidade social inclusiva, que absorva as demandas e necessidades de todos

os segmentos sociais. Afinal, a vida longa dos negócios está intimamente

relacionada à criação de um modelo sustentável de desenvolvimento para toda

a sociedade.

2.5.1 Cooperativas Sociais

O modelo cooperativo tem sido usado para viabilizar negócios em vários

campos de atuação. Temos Cooperativas Agropecuárias, de Consumo, de

Crédito, de Habitação, Educacionais e as Cooperativas Especiais compostas

por cooperativas constituídas de pessoas que precisam ser tuteladas.

A Lei n. 9.867, do dia 10 de setembro, de 1999, criou a possibilidade de

se constituírem cooperativas sociais para organização e gestão de serviços

sócio-sanitários e educativos, mediante atividades agrícolas, industriais,

comerciais e de serviços, contemplando as seguintes pessoas: deficientes

físicos, sensoriais, psíquicos e mentais, dependentes de acompanhamento

psiquiátrico permanente, dependentes químicos, pessoas egressas de prisões,

os condenados a penas alternativas à detenção e os adolescentes em idade

adequada ao trabalho e situação familiar difícil do ponto de vista econômico,

social ou afetivo.

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As cooperativas sociais organizam o seu trabalho, especialmente no que

diz respeito às dificuldades gerais e individuais das pessoas em desvantagem,

e desenvolvem e executam programas especiais de treinamento, com o

objetivo de aumentar-lhe a produtividade e a independência econômica e

social. A condição de pessoa em desvantagem deve ser atestada por

documentação proveniente de órgão da administração pública, ressalvando-se

o direito à privacidade. O estatuto da Cooperativa Social poderá prever uma ou

mais categorias de sócios voluntários, que lhes preste serviços gratuitamente,

e não estejam incluídos na definição de pessoas em desvantagem.

As Cooperativas Sociais constituem hipótese viável de inserção da

pessoa portadora de deficiência no mundo do trabalho, desde que baseada na

colaboração recíproca e tendo por objetivo principal proporcionar o exercício

profissional aos seus associados. Constitui forma de trabalho por conta própria

(art. 35, III, do Decreto 3.298/99). Aplica-se às cooperativas sociais,

subsidiariamente, a Lei n. 5.764/71, que prevê como condições essenciais a

adesão voluntária e aberta, a gestão democrática e participação econômica

efetiva dos cooperados, autonomia e independência, educação, formação e

informação dos cooperados, cooperação entre as cooperativas e interesse pela

comunidade.

No entanto, as Cooperativas Sociais são inexpressivas. Até o mês de

dezembro de 2003 o Brasil contava apenas com sete cooperativas, número

inexpressivo diante da repercussão social pretendida. O debate sobre as

cooperativas de trabalho apresenta pelo menos duas óticas contrapostas: a

que considera o trabalho cooperativo uma real alternativa perante as agruras

derivadas das mudanças econômicas recentes e a que enxerga no

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funcionamento das cooperativas um exemplo da crescente precariedade das

relações de trabalho. A pesquisa bibliográfica empreendida para levantar

maiores informações sobre as cooperativas de trabalho geridas e mantidas por

trabalhadores portadores de deficiência mostrou-se inócua ensejando a

oportunidade de sugerir novos estudos nessa área para que se compreenda

profundamente quais questões inibem o avanço.

3. DA PROTEÇÃO SOCIAL E DO TRATAMENTO DISPENSADO À PESSOA

COM DEFICIÊNCIA

No capítulo anterior apresentamos o arcabouço legal destinado à proteção do

trabalho da pessoa deficiente. Vimos, também que embora a Constituição

Federal de 1988 tenha avançado significativamente na proteção à pessoa

deficiente, especialmente com relação ao trabalho, os resultados são pífios na

medida em que 98% delas em idade de trabalhar estão fora do mercado

produtivo.

Nesse capítulo discutiremos os mecanismos de proteção social estabelecidos

para chegar ao entendimento do que hoje é destinado às pessoas deficientes

no âmbito da Seguridade Social, Previdência e Assistência Social. Antes,

porém, os diferentes modelos de tratamento e compreensão dessas pessoas

ao longo da história intentando melhor compreender o momento presente.

Pretendemos mostrar que a legislação existe, mas que a seguridade apresenta

alguns problemas. Primeiro, por ser meramente assistencial não emancipa ou

mesmo capacita para a entrada no mercado de trabalho. Por outro lado, a

entrada e permanência da pessoa portadora de deficiência na seguridade

social dependem de um laudo com médico perito. Essa simples condição

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somada ao sem número de processos contestando esses laudos já nos mostra

que o sistema assim conduzido será cada vez mais inviável. Ademais, as

despesas com o benefício assegurado de um salário mínimo, por um lado é

aquém das necessidades de uma pessoa portadora de deficiência e por outro

está se mostrando cada vez mais uma sobrecarga para as despesas do

Estado.

Nesse sentido, queremos concluir sobre a necessidade de o Estado favorecer

a entrada das pessoas com deficiência no mercado de trabalho viabilizando o

acesso a equipamentos e apoios (prótese, órtese, computador, etc) através da

imunidade tributária como forma de incentivar a integração social e laboral da

pessoa portadora de deficiência.

3.1 Evolução histórica

A história da humanidade sempre foi marcada pela segregação e exclusão

econômica, política, social e cultural das pessoas com deficiência, afetando,

principalmente, aquelas pertencentes às classes exploradas. Ao longo da

história encontramos diferentes modelos de tratamento que evoluíram do

extermínio e abandono para institucionalização ou segregação e bem

recentemente para integração e da inclusão.

Otto Marques da Silva (*) SILVA, Otto Marques da. A epopéia ignorada:

a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e hoje, São Paulo: Centro

São Camilo de Desenvolvimento em Administração da Saúde (CEDAS), 1986

estuda o tratamento dispensado à pessoa deficiente ao longo dos tempos e

menciona, como exemplo de aceitação e integração as civilizações inca, (*)

SILVA, obra citada, pág 46 os hindus e alguns povos africanos, o deficiente

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visual teria contato com divindades e por isso eram importantes na pescaria

(incas) e nos ritos religiosos (hindus).

Nos primórdios, o homem nômade lutava para sobreviver em meio à

natureza, migrando em busca de alimento e abrigo. "(...) em função desta

prática, abandonavam aqueles que não pudessem mover-se com agilidade, ou

que tivessem alguma diferença que impedisse sua mudança de um lugar para

outro com rapidez" (*) BIANCHETTI, L. Um olhar sobre a diferença. Campinas.

Papirus, 1998, pág. 27. O comportamento de abandono (de pessoas

deficientes e certamente de doentes e de idosos) não era motivado por

sentimentos de raiva ou desprezo, mas tão somente agiam sob impulso da

necessidade de garantir a sobrevivência, individual e coletiva.

Na Antiguidade, os exemplos mais importantes - e que influenciaram a

cultura ocidental - são trazidos por gregos e romanos. Nessas sociedades, há

uma supervalorização do corpo perfeito, da beleza e da força física, visto que

dedicavam-se predominantemente à guerra, com a finalidade de conquistar

escravos e manter a ordem vigente. Nessas sociedades, amparados em leis e

em costumes, se uma criança apresentasse, ao nascer, algum "defeito" que

viesse a se contrapor de alguma forma ao ideal proposto era eliminada ou

abandonada sem que isso fosse considerado crime.

Em Roma a lei dava ao pai o direito de decidir sobre a sorte do filho

nascido “monstruoso”. Porém, não raro eram poupados por famílias para

explorá-los como pedintes, um bom negócio na Roma Antiga (*) SILVA, Obra

citada, p.130. Na Roma dos Césares, em tempos mais sofisticados, onde

"deficientes mentais, em geral tratados como 'bobos', eram mantidos nas vilas

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ou nas propriedades das abastadas famílias patrícias, como protegidos do

pater famílias" (SILVA, 1986, p. 130).

Ainda conforme o autor, em Roma “cegos, surdos, deficientes mentais,

deficientes físicos e outros tipos de pessoas nascidas com malformações eram

também de quando em quando ligados a casas comerciais, a tavernas, a

bordéis, bem como a atividades dos circos romanos, para serviços simples e às

vezes humilhantes, costume esse que foi adotado por muitos séculos na

História da Humanidade” (SILVA, 1986, p. 130).

Em Atenas, Platão, assim como outros filósofos da época, acreditava

que a eugenia seria o melhor caminho para a construção de uma sociedade

ideal. "... e no que concerne aos que receberam corpo mal organizado, deixa-

os morrer (...). Quanto às crianças doentes e as que sofrerem qualquer

deformidade, serão levadas, como convém, a paradeiro desconhecido e

secreto” (PLATÃO apud SILVA, 1986, p.124).

A idéia de pureza da raça, editada monstruosamente por Hitler no século

de XX, ainda hoje pode ser encontrada em diretrizes de grupos e partidos

políticos, ou mesmo em comportamentos e atitudes relativos ao modo de

perceber e tratar a pessoa deficiente.

Paradoxalmente foram exatamente os gregos que legaram à

humanidade o princípio da isonomia, esteio de toda legislação de proteção à

pessoa deficiente. É ainda na civilização grega que encontramos “um exemplo

mitológico da concepção anti-assistencialista e profissionalizante” (*)

FONSECA, idem. através do mito de Hefesto, filho de Zeus e Hera.

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Hefesto, descrito como “coxo e de aparência disforme”, possuía

habilidades extraordinárias na forja e ourivesaria (é considerado protetor da

metalurgia). A partir desse talento é reconhecido e convidado a habitar o

Olimpo de onde havia sido expulso por sua mãe, Hera, inconformada com a

aparência do filho.

O mito de Hefesto mostra uma história de vida onde estão presentes

rejeição, desenvolvimento de habilidades, reconhecimento profissional e

integração ao meio, não muito diferente da história que pessoas deficientes

poderiam contar sobre suas próprias vidas.

Sólon (640 a 558 a.C.), legislador considerado reformista à época,

estabeleceu em lei que “Soldados feridos gravemente e os mutilados em

combate serão alimentados pelo Estado”. (*) SILVA, Otto Marques da. Obra

citada, pág 121 e ss. Podemos inferir que o mecanismo de proteção social

destinado às pessoas deficientes tenha aí suas origens surgindo a partir do

reconhecimento do Estado quanto à necessidade de cuidar dos soldados que

atuaram nas guerras.

Segundo FONSECA (*) Ricardo Tadeu Marques da Fonseca. Revista

de Direitos Difusos n. 4 - "Proteção Jurídica dos P ortadores de

Deficiência" . São Paulo, IBAP - Instituto Brasileiro de Advocacia Pública &

Editora Esplanada ADCOAS, Dezembro de 2000, p. 481/486:

“Os atenienses, por influência de Aristóteles, protegiam seus doentes e os

deficientes, sustentando-os, até mesmo por meio de sistema semelhante à

Previdência Social, em que todos contribuíam para a manutenção dos heróis

de guerra e de suas famílias. Assim também agiam os romanos do tempo do

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império, quiçá, por influência ateniense. Discutiam estes dois povos, se a

conduta adequada seria a assistencial, ou a readaptação destes deficientes

para o trabalho que lhes fosse apropriado.”.

Gregos, romanos e hebreus contribuíram para aumentar o contingente

de pessoas com deficiências a partir da aplicação de penas mutilatórias

estabelecidas com a Lei de Talião.

“A aplicação de penas mutilatórias atuava no sentido de aumentar o número de

portadores de deficiências, o que atravessou a Idade Média, passou pelo

Estado Absolutista e permaneceu até o final do Século XVIII, quando, então,

consolidou-se uma nova mentalidade. (*) O ESTADO E AS PESSOAS

PORTADORAS DE DEFICIÊNCIAS OLNEY QUEIROZ ASSIS

http://www.advogado.com/index1a.htm acesso em 20.02.07.

As religiões também impuseram modos de tratamento das pessoas com

deficiências.

Uma das mais antigas culturas religiosas da Antiguidade, o Judaísmo

nascida com o povo hebreu, abordou a existência das pessoas com deficiência

através dos escritos de Moisés, Para os seguidores desta cultura religiosa,

"tanto a doença crônica quanto a deficiência física ou mental, e mesmo

qualquer deformação por menor que fosse, indicava um certo grau de impureza

ou de pecado" (*) SILVA, obra citada, p.74. A elas era vedado praticar ou

conduzir cerimônias religiosas.

Homem algum da linhagem de Abraão, o sacerdote, que for deformado,

oferecerá os sacrifícios consumidos pelo fogo sendo vítima de uma

deformidade, ele não poderá apresentar-se para oferecer o pão de seu Deus.

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Mas poderá comer o pão de seu Deus, proveniente das ofertas santíssimas e

das ofertas santas. Não se aproximará, porém, do véu nem do altar, porque é

deformado. Não profanará meus santuários, porque eu sou o Senhor que os

santifico" (BÍBLIA SAGRADA, 1995, Levítico, 21:1723).

O cristianismo, pensamento teológico predominante no ocidente, mostra

em diferentes passagens bíblicas Jesus “curando” pessoas com deficiências.

As deficiências, para os cristãos, poderiam ter origem em possessão de

espíritos malignos, também poderiam significar castigos por pecados próprios

ou de ancestrais. As demonstrações de “cura” serviam para que a obra divina

tivesse oportunidade de se manifestar, através de “milagres”.

A abordagem mística, ao atribuir a causa das deficiências às forças

metafísicas, torna o indivíduo e a sociedade impotentes diante da situação e

gera uma visão fatalista a respeito da existência das pessoas que as possui,

além de conferia conotação extremamente negativa e humilhante aos

deficientes. Esse entendimento ainda hoje se encontra presente no imaginário

social, devido às influências do pensamento religioso no seio da sociedade.

Na Idade Média, sob influência do Cristianismo, “apesar de todas as

concepções místicas e muito misteriosas... em muitas partes da Europa e do

Oriente Médio, os casos de doenças e de deformações das mais diversas

naturezas ou causas passaram aos poucos a receber mais atenção”. (Da

SILVA, obra citada, pág. 130). Os senhores feudais, juntamente com a Igreja,

construíram asilos e casas de assistência para amparar miseráveis e pessoas

deficientes.

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Em 1601, foi promulgada na Inglaterra, a Lei dos Pobres, cuja prestação

de auxílios a pessoas necessitadas encontrou sua primeira disciplina jurídica.

Essa lei impunha que a contribuição recolhida pelas paróquias seria aplicada

em programas profissionalizantes para as crianças e as pessoas com

deficiência.

Segundo Russomano (*) RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de

Previdência Social. Rio de Janeiro: Forense. 1978, p. 6

(...) essa oficialização da caridade tem importância fundamental, pois colocou

o Estado na posição de órgão prestador de assistência àqueles que, por idade,

saúde e deficiência congênita ou adquirida, não tinham meios de garantir sua

própria subsistência.

PEREIRA JR, citando MARTINEZ (Wladimir Novaes. Novas

contribuições na seguridade social : entidades de fins filantrópicos. São

Paulo: Ltr, 1997. p. 115-116) : “ (...) a assistência social pública aos carentes e

indigentes, ganhou status jurídico, com a edição de leis, por toda a Europa

Ocidental, de cunho nitidamente assistencial no decorrer do século XVII, tendo

como precursora a chamada Lei dos Pobres Londrina de 1601 (12), que teve

impulso, inclusive, numa das mais graves carestias da história inglesa”.

Crê-se que a partir desse momento o Estado assumiu a obrigação em

participar do custeio dos programas de previdência social, no entanto, foi no

decorrer dos anos que de forma lenta chegou-se ao campo da Seguridade

Social.

Autorizadas por essa lei, “velhos abandonados” e “pessoas portadoras

de defeitos físicos graves” poderiam pedir esmolas. A respeito dessa licença,

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Montesquieu (1962: 123) assim se pronunciou:. “Algumas esmolas que se dá a

um homem nu pelas ruas não preenchem de modo algum as obrigações do

Estado, que deve a todos os cidadãos uma subsistência, alimentação, uma

vestimenta conveniente, e um gênero de vida que não seja contrário à saúde”.

MONTESQUIEU (1962). Do espírito das leis . São Paulo, Abril Cultural

More (1972: 173) também se posicionou sobre os deficientes mutilados de

guerra: “aqueles que perderam um ou vários membros a serviço do rei ou da

pátria, o Estado deveria assegurar sua existência porque se tornaram fracos

demais para exercer o antigo ofício e velhos demais para aprenderem outro”.

(*) MORE, T. 1972. A Utopia. In: Os pensadores . São Paulo, Abril Cultural.

Na Idade Moderna podemos perceber um tratamento mais específico e

diferenciado das atitudes sociais e mesmo no plano jurídico com relação às

pessoas com deficiências. A preocupação com a locomoção e o trabalho

dessas pessoas leva à invenção da cadeira de rodas, bengalas, bastões,

muletas, coletes, próteses, macas, veículos adaptados, camas móveis. Louis

Braille cria o Código Braille viabilizando assim o acesso dos deficientes visuais

ao mundo da linguagem escrita.

Marco significativo passagem da era dos deveres para a era dos direitos

é a Revolução Inglesa (1640-1688) que estabelece mudanças nas relações de

poder na sociedade e abre caminho para o livre desenvolvimento do modo de

produção capitalista. A Revolução Americana (1776) trouxe idéias ligadas à

cidadania - o direito à vida, à liberdade, à felicidade e à igualdade entre os

homens. O artigo XV da Declaração dos direitos do homem e dos cidadãos, de

1793, manifesta em seu artigo XXI que “os auxílios públicos são uma dívida

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sagrada. A sociedade deve a subsistência aos cidadãos infelizes, quer seja

procurando-lhes trabalho, quer seja assegurado os meios de existência

àqueles que são impossibilitados de trabalhar”.

A partir da Revolução Francesa (1789) até o Século XIX, emerge o

modelo da deficiência como questão médica e educacional, encaminhando o

deficiente para viver em convento ou hospícios. Esse modelo tem raízes no

final da Antigüidade foi aprofundado na Idade Média e se tornou predominante

na quase totalidade do modo de produção capitalista, principalmente em

relação àquelas pertencentes às classes exploradas da sociedade.(*) Pessoa

com deficiência: aspectos teóricos e práticos. Organizador: Programa

Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais

(PEE). Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), 2006. Acesso

em 25.02.07

www.unioeste.br/pee/arquivos/pessoa_com_deficiencia_aspectos_teoricos_e_

praticos.doc.

Para MARQUES (*):

“A prática do internamento das pessoas portadoras de deficiência em

instituições filantrópicas representou uma espécie de condenação, uma vez

que veio favorecer a identificação do desvio, criando uma espécie de máscara

ou rótulo que só fez fortalecer ainda mais o estigma da inferioridade em relação

às pessoas entregues ao isolamento dos asilos, das clínicas, dos educandários

etc. “ (*) MARQUES, Carlos Alberto. The political implications of the

institutionalization of deficiency. Educ. Soc. , Campinas, v. 19, n. 62, 1998.

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Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-

73301998000100006&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 24 Feb 2007. Pré-

publicação. doi: 10.1590/S0101-73301998000100006

A nova tendência de organização social reedita o modelo funcionalista

manifestado no pensamento cartesiano, de onde o corpo humano bem como

suas funções orgânicas são equiparadas às funções de uma máquina. Nas

palavras de RIBAS (1983, p. 15), (*) RIBAS, João B.C. O que são pessoas

deficientes? São Paulo, Brasiliense, 1983."Um corpo com órgãos `deficientes'

não é um 'corpo social' bem-estruturado e em ordem”.

Reafirmando essa idéia, ASSIS observa: “ Ora, uma sociedade com

essa concepção encontra campo fértil para o desenvolvimento do preconceito

de que a pessoa com deficiência não se ajusta à engrenagem que o sistema

exige por tratar-se de uma `máquina defeituosa', portanto, plenamente

descartável. “ ASSIS, artigo citado

Essa idéia ainda hoje se faz presente na sociedade que associa pessoas

com deficiência enquanto incapazes ou inúteis para o trabalho. “O resultado

deste preconceito é que, mesmo habilitados a exercerem uma profissão

compatível com a sua deficiência, esbarram em objeções, claras ou

disfarçadas, que lhes impedem a integração ao mercado de trabalho” (ASSIS,

idem)

Consolidado o poder econômico da burguesia, surge a revolução

industrial, período em que a sociedade experimenta um desenvolvimento

econômico sem precedentes. Explorada, a classe trabalhadora se vê à mercê

do poderio econômico da burguesia. As concepções liberais da época

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destinavam ao Estado uma posição inerte, de mero espectador das relações

firmadas entre os particulares, sem estabelecer quaisquer limites à autonomia

dos indivíduos. (*) CASTRO, C. A. P.; LAZZARI, J. B.; Manual de Direito

Previdenciário. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 32, apud PEREIRA JR., Aécio -

Evolução histórica da Previdência Social e os direitos fundamentais SITE

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6881 acesso 31.01.07

Segundo PEREIRA JR, :

Os menos favorecidos não detinham instrumentos jurídicos capazes de

promover a melhoria das condições de vida (...)Sem mecanismos eficientes

para compelir o Estado ao cumprimento das prestações positivas, ainda que

meramente assistenciais, ficavam reféns da idiossincrasia de cada governo. Os

trabalhadores tinham que se acobertar por conta própria, por meio de seguros

privados, ou valer-se das associações de classe, sem qualquer ingerência

estatal.

No entanto, os “fundos privados mutualistas” contavam com

contribuições de trabalhadores com melhores condições econômicas e assim

não atendiam a massa trabalhadora. Por outro lado, os crescentes problemas

nas indústrias com os acidentes de trabalho e o fortalecimento das idéias

socialistas exigiam uma nova postura do Estado acossado por movimentos e

reivindicações populares. Fazia-se necessário criar o Direito do Trabalho e um

sistema de Seguridade Social, com atividades assistenciais, previdenciárias e

de atendimento à saúde, bem como de reabilitação dos acidentados. Surge,

então, na Alemanha a instituição dos seguros sociais com o Bismarck.

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Desta forma, o nascimento do seguro social obrigatório deu-se por força de

condições fáticas, especialmente da preocupação dos dirigentes das nações

com a condução de suas administrações e não especificamente com os

interesses diretos dos proletariados (...)a manutenção da estabilidade do

Estado foi motivo igualmente determinante para o início da instituição da

Previdência Social. É por isso que o plano de Bismarck, embora tenha o mérito

da instituição dos seguros sociais, de caráter geral e obrigatório, a ponto de se

atribuiu ao Chanceler a responsabilidade pela formação da Previdência Social,

não lhe pode atribuir "um profundo sentimento solidarista". (PEREIRA JR, texto

citado)

Bismarck institui o seguro-doença, logo depois, em 1884, o seguro

contra acidente do trabalho e, em 1889, o seguro-invalidez e a velhice. O

custeio das prestações tinha sustentação nas contribuições dos empregados,

empregadores e do Estado. O plano do Chanceler rapidamente foi adotado por

outros países. Porém, destinava-se unicamente aos trabalhadores e não à

sociedade de modo geral. Cobria acidentes de trabalho que deixavam seqüelas

resultando em pessoas deficientes, mas não atendia ao conjunto das pessoas

deficientes da sociedade ficando elas sob a responsabilidade exclusivamente

familiar, quando não abrigadas, ou melhor, isoladas em instituições.

Porém, “o desenvolvimento e progressivo aperfeiçoamento dos sistemas

de seguros sociais obrigatórios cresceram tão rapidamente, que logo exigiram

uma nova roupagem”. (*) (PEREIRA JR, texto citado)

Em 1919 Celebra-se o Tratado de Versalhes, cria-se a Organização

Internacional do Trabalho (OIT). A Primeira Guerra Mundial impôs mais

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pressão à necessidade da Reabilitação. Os soldados feridos na guerra

necessitavam de treinamento e de assistência para assumir, com sucesso,

uma ocupação rentável. Gradualmente, começaram a ser aprovados e

institucionalizados Atos Constitucionais, garantindo ações e suporte financeiro

para programas de Reabilitação.

Em 1921, a OIT publica um informe recomendando aos Estados-

Membros iniciativas no sentido de amparar, legalmente, os mutilados de

guerra. Ainda por iniciativa da OIT, em 1925, a Conferência Internacional do

trabalho adotou a Recomendação nº 22 que representou o primeiro

reconhecimento, por parte da comunidade internacional, das necessidades dos

portadores de deficiência.

Não podemos nos esquecer que as Constituições do México de 1917 e a

Constituição Alemã de 1919 (Weimar) representaram enorme avanço ao

atribuir aos direitos sociais o status de normas constitucionais. Também não

podemos deixar de mencionar a importância do Social Security Act, de 14 de

agosto de 1935, editada nos Estados Unidos como uma das medidas do New

Deal, do governo Roosevelt, onde se empregou pela primeira vez a expressão

seguridade social. (*) (PEREIRA JR, obra citada)

Segundo PEREIRA Jr, foi a partir daí que que a “seguridade social

passou a ser entendida como um conjunto de medidas que deveria agregar os

seguros sociais e a assistência social” sob coordenação do Poder Público

“visando atender o desenvolvimento de toda a população, e não só os

trabalhadores”. Haveria, então, “o compromisso do Estado democrático com

um nível de vida minimamente digno aos seus cidadãos”.

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Em 1941, o economista inglês William Beveridge elabora um relatório

sobre a seguridade social da Inglaterra que acaba por influenciar a evolução

dos sistemas de proteção social vigentes no mundo. Tem como pressuposto

que o poder público devia assegurar a eficaz proteção ao povo, não se

limitando sua abrangência apenas aos trabalhadores.

Foi mesmo com a Segunda Guerra Mundial que a questão da pessoa

com deficiência ganhou vulto e novos rumos. Essa guerra colocou em pauta o

interesse pela reabilitação e emprego por um lado, em virtude do grande

número de mutilados de guerra que pressionavam por uma política séria no

sentido de reabilitá-los para o mercado de trabalho; por outro lado, em virtude

da pressão dos civis portadores de deficiências que desejavam permanecer

ativos, uma vez que haviam ocupado, com bons resultados, os postos vagos

na indústria, comércio e serviços deixados por aqueles que haviam sido

convocados.

Resultado disso, a Recomendação nº 71 da Conferência Internacional

do Trabalho de 1944 sugere aos países-membros que criem condições de

trabalho para as pessoas com deficiência, independentemente da origem da

sua deficiência, facilitando a formação profissional, a reeducação funcional e

profissional e colocação em emprego útil, retomada e ampliada através da

Recomendação n. 99, em 1955, no Convênio n. 159 (1984) e na

Recomendação n. 168.

Em 1975, a ONU - Organização das Nações Unidas aprovou a

Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência. Em 1992, a

Assembléia Geral das Nações Unidas estabeleceu um do ano - Dia

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Internacional das Pessoas com Deficiência, sempre em 3 de dezembro, com

objetivo de sensibilizar e mobilizar a sociedade para o respeito aos direitos

dessas pessoas.

A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência reafirma que elas

têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais

pessoas e que esses direitos emanam da dignidade e da igualdade, inerentes a

todo ser humano.

Vejamos alguns aspectos da proteção social no Brasil.

3.2 SEGURIDADE SOCIAL

Nossa Constituição, em seu artigo 203, artigo V, garante o benefício

assistencial para idosos e pessoas portadoras de deficiência, que preencham

as seguintes condições:

- que comprovem não possuir meios de prover à própria subsistência;

- que comprovem não possuir meios de ter sua subsistência provida por sua

família, conforme dispuser a lei.

A Lei Orgânica da Assistência Social, que veio regular tal dispositivo, deveria

ter trazido disposições referentes ao que seria a ausência de meios de prover à

subsistência. Mas não foi isso o que ela fez. Vejamos.

No artigo 20, § 2º, ao invés de definir ausência de meios de subsistência para

se saber quem seriam as pessoas com deficiência que fariam jus ao beneficio,

a LOAS definiu o termo pessoa portadora de deficiência, como se esta

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definição fosse necessária e já não constasse de outros diplomas legais e

infralegais.

Fez muito mal, pois definiu pessoa portadora de deficiência, para efeito deste

benefício, como aquela incapacitada para a vida independente e para o

trabalho (art. 20, § 2º).

Tal definição choca-se frontalmente com todo o movimento mundial pela

inclusão da pessoa portadora de deficiência. Num momento em que o mundo

inteiro , pessoas com e sem deficiência, esforça-se para ressaltar os potenciais

e as capacidades dos portadores de deficiência, por esta lei, ela deve

demonstrar exatamente o contrário.

Nem se alegue que esta definição é válida apenas para efeito de concessão do

benefício assistencial. Nossa Constituição estabeleceu este beneficio para a

pessoa com deficiência e não para a pessoa inválida ou incapaz, termos que

não são sinônimos e não deveriam ser associados para qualquer fim, sob pena

de se estimular a não preparação dessas pessoas para a vida em sociedade

como está acontecendo na prática, no Brasil, em razão dessa disciplina da

LOAS.

A exigência de nossa Constituição para conceder o benefício apenas

para certas pessoas com deficiência era, e ainda é, tão somente a ausência de

meios de subsistência. A execução prática disto para deferimento ou não do

pedido de benefícioO INSS para saber se a pessoa é incapaz para a vida

independente e para o trabalho, submete a mesma a uma série de perguntas,

algumas até vexatórias, tais como: cuidar de sua própria higiene, controle dos

esfíncteres.

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Não fosse o requisito de INCAPACIDADE previsto apenas na LOAS,

bastaria verificar se a deficiência encaixa-se nas definições legais já existentes

(Lei 7.853/89, Decreto 3.298/99, atualmente também na Convenção

Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra

as Pessoas Portadoras de Deficiência, recém promulgada no Brasil pelo

Decreto Presidencial nº 3.956/2001). Se positiva a verificação da deficiência,

passar-se-ia à análise das condições pessoais e das condições do ambiente

externo que estariam levando ao não acesso a qualquer outra fonte de renda.

Mas não, atualmente, uma pessoa dita "apenas cega", acaba não fazendo jus

ao benefício de prestação continuada porque esta deficiência, apesar de

muitas vezes impedir a pessoa de trabalhar e de ter qualquer fonte digna de

renda, não a incapacita para a vida independente. O que acontece, na prática,

infelizmente, é que tais pessoas acabam mentindo no momento de pedir o

benefício, dizendo que não são capazes para qualquer atividade da vida diária,

porque simplesmente precisam daquele dinheiro enquanto não conseguem

nada melhor.

Em outros casos, quando o benefício é concedido para uma criança ou

adolescente com deficiência, os pais impedem esses filhos de fazer

tratamentos e de estudarem, pois do contrário, passarão a ser considerados

"capazes" para alguma coisa, e o benefício poderá ser cortado antes que

efetivamente consigam algum emprego.

Fica bastante claro, portanto, que a atual disciplina da LOAS, ao definir pessoa

portadora de deficiência, ao invés de ausência de meios de subsistência, está

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fazendo com que o benefício de prestação continuada, perversamente, seja um

instrumento de exclusão da cidadania e não da sua promoção.

É realmente uma lástima que a lei ordinária, que deveria apenas

disciplinar o ACESSO ao benefício, tenha praticamente inviabilizado este

acesso, ou quando não, transformado a obtenção do benefício num

ATESTADO de incapacidade.

Deve-se ter cumprimento efetivo do disposto no artigo 24, § 2º da Lei

Orgânica da Assistência Social, segundo o qual, os programas voltados ao

idoso e à integração da pessoa portadora de deficiência serão devidamente

articulados com o benefício de prestação continuada estabelecido no artigo 20

desta lei. Para tanto, as Secretarias de Assistência Social de cada Município

devem ter um cadastro para controle de cada pessoa que recebe o benefício

assistencial, com a finalidade de inseri-la nos demais programas que venham a

propiciar a sua inclusão social.

A Previdência Social, instituição de natureza tão importante à manutenção da

paz social, vê-se hoje atravessada por uma série de problemas que, por vezes,

impossibilitam a consecução dos fins a que se destina.

São cotidianas as notícias referentes à violência contra os peritos

médicos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), agentes responsáveis

pela verificação da situação de incapacidade dos segurados e que os habilita

ao recebimento de algum benefício.

Os exames médico-periciais, de fato, são momentos de extrema

importância para o segurado, e também ao INSS, pois os resultados dos

exames definem a situação do segurando perante a autarquia.

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A questão relacionada às pessoas com deficiência tardou a ser discutida

com seriedade no Brasil, efetivamente isso vem acontecendo apenas a partir

da Constituição de 1988 embora se registre um processo de desenvolvimento

da atenção e da proteção social para esse segmento.

As determinações da OIT mencionadas acima, por exemplo,

repercutiram na legislação do Brasil, tanto que a partir da década de 50,

aparecem as primeiras leis tratando de tema: em âmbito federal, o Decreto-Lei

nº 44.236 de 1958 institui a Campanha Nacional da Educação e Reabilitação

dos Deficiente Visuais; em âmbito estadual (SP), o Decreto n.º 24.606-A de

1955 dispõe sobre o funcionamento de cursos de especialização de ensino de

cegos; em âmbito municipal (SP) o Decreto n.º 1.964 de 1954 dispõe sobre a

educação de crianças com deficiência auditivas.

Se olharmos para a História do Brasil, partindo do período colonial,

veremos que “não havia políticas públicas voltadas para atender as pessoas

portadoras de deficiência” (*) LOPES (obra citada, pág 19) A responsabilidade

por cuidar, educar e manter ficavam a cargo de cada família e as pessoas com

deficiência “na maior parte das vezes eram alijados do convívio social quer por

crenças, preconceitos ou vergonha.” (idem)

Ainda segundo a autora, o poder público começa a atuar atendendo

solicitações específicas de indivíduos “que usaram dos meios de influências

disponíveis, para obter suporte que lhes permitisse melhorar as condições de

vida de pessoas de suas relações”. Essas pessoas, via de regra, eram

encaminhadas e mantidas em instituições.

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Em termos de Seguridade Social, nos diz PEREIRA Jr (*) texto citado, o

Brasil acompanhou a evolução registrada no ambiente mundial que

descrevemos anteriormente, “tendo primeiramente passado pela simples

caridade, após pelo mutualismo de caráter privado e facultativo, depois pelo

seguro social e, atualmente, tenta-se implementar o sistema de seguridade

social, como consagrado na Constituição de 1988”. (PEREIRA JR, texto citado)

Da caridade e espírito cristão o autor menciona as Santas Casas de

Misericórdia fundada pelo Padre José de Anchieta, no século XVI a Santa Casa

de Misericórdia de Santos, fundada por Brás Cubas, em 1543, e a Santa Casa

de Misericórdia do Rio de Janeiro de 1584, com a finalidade de prestar

atendimento hospitalar aos pobres. (*) Idem

A transição da beneficência para a assistência pública no Brasil, diz

ainda, demorou aproximadamente três séculos, “pois a primeira manifestação

normativa sobre assistência social, surge com a Constituição Imperial de 1824”

que traz no seu art. art. 179, inciso nº XXXI: A Constituição também garante os

socorros públicos. Constituição que, “embora tenha seu valor histórico”, “nada

de concreto assegurava-se aos cidadãos”, enquanto, nesse mesmo período,

“no velho mundo, por sua vez, já se assegurava tal medida, ao menos em nível

normativo, desde a lei dos pobres londrina do século XVII”. (*) PEREIRA JR,

TEXTO CITADO

Em 1854, segundo ALVES, (*) Obra citada, pág. 30 a construção do

Asilo dos Inválidos da Pátria foi “um marco do nascimento das relações de

trabalho propriamente ditas em nosso Direito do Trabalho para as `pessoas

portadoras de deficiências físicas' ”. O Asilo abrigava soldados com seqüelas

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da guerra do Paraguai que ali trabalhavam em hortas e recebiam parte dos

produtos vendidos. Também ficavam obrigados a contribuir para a manutenção

do local dando parte do soldo que recebiam do Tesouro Nacional.

A primeira lei de conteúdo previdência surgiria em 1888 para atender

exclusivamente os funcionários públicos, trabalhadores de estradas de ferro,

correios, imprensa e ministério (Fazenda). (*) Pereira Jr, citada

A Constituição de 1891 reconhece, pela primeira vez, o direito da pessoa

portadora de deficiência estabelecendo aposentadoria a funcionários públicos

em caso de invalidez (Art. 75). Segundo Pereira Jr (*) texto citado, até 1919

foram “inúmeros instrumentos legislativos instituindo seguros sociais a diversas

categorias de funcionários públicos” dada as características de Brasil agrícola e

industrialização incipiente. Com o crescimento da industrialização do país

vivemos os mesmos problemas registrados na Revolução Industrial: jornadas

de trabalho extenuantes, péssimas condições de trabalho e aumento crescente

de acidentes de trabalho.

Sobrevém, em razão disso, o Decreto Legislativo n. 3.724, de 15 de

janeiro de 1919, tratando da proteção aos acidentes do trabalho, logo

acompanhado da edição da Lei n. 4.682, de 24 de janeiro de 1923, chamada

"Lei Eloy Chaves", tendo esse último ato legislativo criado as Caixas de

Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários, que funcionaram, em todo o

território nacional, por muitos anos. (PEREIRA Jr)

A Constituição de 1934, assim como as anteriores, consagrou o princípio

da igualdade e trouxe novidades ao instituir a previdência com contribuição

igual da União, empregado e empregador a favor da velhice, da invalidez, da

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maternidade e para os casos de acidentes de trabalho e morte. Segundo

MARANHÃO (*) obra citada, pág 78, citando ARAUJO, (Luiz Alberto David. A

proteção Constitucional das pessoas portadoras de deficiência. Brasília:

CORDE - Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa portadora de

deficiência, 1994, pág 33) “podemos encontrar um embrião do conteúdo do

direito à integração social da pessoa deficiente no art. 138”, quando assegura

no item a amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e animando

os serviços sociais, cuja orientação procurarão coordenar. Porém, assinala a

autora, embora esse dispositivo revele a importância crescente de amparo aos

desiguais, “deixa transparecer uma visão assistencialista”.

PEREIRA Jr (*) texto citado assinala que o “ponto marcante” da

Constituição de 1934 é “a consagração do modelo tripartide de financiamento

do sistema de previdência social”, com recursos advindos da União, dos

empregadores e dos empregadores, “sistema contributivo que se encontra

inserto na vigente Constituição Federal (art. 195, caput)”. Observa, também,

que “no plano constitucional, deixava-se o estágio da assistência pública para

adentrar na era do seguro social”, considerando que “não poderia ser diferente,

vez que em todo o mundo, mesmo em sociedades industriais mais avançadas,

não se tinha afastado a concepção do seguro social”.

O autor observa, ainda, que a Carta de 1934 foi a primeira a utilizar o

termo "Previdência", “sem o adjetivo social, referindo-se ao tema proteção

social em outros dispositivos.”

BALERA (*) BALERA, Wagner. A Seguridade Social na Constituição

de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 22 considera essa

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Constituição “o melhor de nossos modelos constitucionais” em virtude dos

“limites amplos da proteção social conferidos”. Para o autor, “as conquistas

sociais posteriores só vieram a reforçar as diretrizes traçadas por este Estatuto

Fundamental”.

A Constituição de 1937 não trouxe novidades expressivas com relação

aos portadores de deficiências, embora tenha reafirmado o princípio da

igualdade e não tenha deixado de “enumerar os riscos sociais cobertos pelo

seguro social. Porém, não disciplinou a forma de custeio do sistema, muito

menos se cogitou sobre a possibilidade de aporte de recursos advindos dos

cofres da União” . (PEREIRA JR, texto citado)

A Constituição de 1946, promulgada após o final da Segunda Guerra

Mundial, segundo PEREIRA Jr, foi a primeira constituição brasileira a trazer a

expressão "Previdência Social" em substituição do termo "Seguro Social".

Trouxe as normas sobre Previdência Social no capítulo que versava sobre os

Direitos Sociais, cujos riscos protegidos foram elencados nos incisos do art.

157. Estabeleceu a obrigatoriedade, pelo empregador, da instituição do seguro

por acidente de trabalho e também a assistência médico-hospitalar preventiva

para o trabalhador.

Sob a égide da Carta de 1946, assinala, “houve avanços significativos”

na legislação infraconstitucional: um projeto de lei que previa a proteção social

a toda a população, resultou na edição da Lei n. 3.807, de 26 de agosto de

1960, denominada de Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). Em 1953 foi

editado o Decreto nð 34.586, de 12 de novembro, determinando a fusão de

todas as Caixas em única entidade, justamente, no intuito de unificar o sistema,

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tanto do ponto de vista legislativo como administrativo. A criação do Instituto

Nacional de Previdência Social (INPS), pelo Decreto-lei n. 72, de 21 de

novembro de 1966.

Para o autor, (PEREIRA JR, Texto citado) “a LOPS foi o maior passo

dado ao rumo da universalidade da Previdência Social” .

A Constituição de 1967 manteve os direitos já conquistados do

trabalhador e da assistência social, “trazendo como novidade a previsão de

colônias de férias e clínicas de repouso, recuperação e convalescença,

mantidas pela União” (LOPES, obra citada, pág. 20)

Por sua vez, MARANHÃO (obra citada, pág. 80) considera que “tanto a

Constituição de 1967, bem como sua Emenda de n. 1, de 17.190.69, foram

omissas em relação aos direitos dos portadores de deficiências”. A despeito

dessa omissão, observa a autora, a Emenda trouxe “uma grande inovação, que

podemos considerar como a primeira referência expressa à proteção dos

portadores de deficiência” ao dispor no art. 175 § 4º. Lei especial disporá sobre

a assistência à maternidade, infância e à adolescência e sobre a educação de

excepcionais. (Grifo nosso).

LOPES, (*) LOPES, obra citada, pág 21 concorda, “é a primeira vez que

um texto constitucional menciona expressamente a assistência educacional às

pessoas portadoras de deficiência”, embora “utilizando-se de expressão que

hoje é considerada inadequada”.

Em termos de evolução da previdência social, PEREIRA Jr (*) assinala

que a Carta de 1967, com a Emenda n. 1 de 1969, “não destoa das demais que

lhe antecederam, tendo sido previstos os mesmos riscos sociais arrolados

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desde a Constituição de 1934”. Porém, o autor ressalta a inclusão do salário-

família “que fora instituído em norma infraconstitucional, no texto fundamental”.

E complementa: “ todo vigor legislativo infraconstitucional continuava

efervescente em matéria de previdência social, dispensando-se a enumeração

cansativa das disposições legais pertinentes, bastando ressaltar a constante

ampliação do rol de beneficiários e de qualidade das prestações, traçando o

caminho para a construção de um sistema de seguridade social, como

pretendido pela Constituição de 1988”. (*) PEREIRA Jr, texto citado

MARANHÃO, (*) MARANHÃO, obra citada, pág. 80 pontua que o maior

avanço em relação à proteção específica da pessoa portadora de deficiência

surgiu em 17.10.1978, através da Emenda Constitucional n. 12. Essa emenda,

em artigo único (I a IV) assegurou aos deficientes a melhoria de sua condição

social e econômica mediante educação especial e gratuita, assistência,

reabilitação e reinserção na vida econômica e social do País, proibição de

discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço público e

salários e possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos. Esclarece

a autora que até então não havia nas Constituições Brasileiras previsão

expressa quanto a normas para incluir socialmente o portador de deficiência.

A Constituição de 1988 dedicou vários dispositivos, trazendo uma

quantidade significativa de normas protecionistas e garantias de integração

social das pessoas portadoras de deficiência, considerando a cidadania, a

dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Já os discutimos

no Capítulo Da Deficiência. Passemos a olhar um pouco mais atentamente

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sobre a questão da seguridade social sob a perspectiva das pessoas

portadoras de deficiência.

A seguridade social é um conjunto de ações estatais que compreende a

proteção dos direitos relativos à saúde, previdência e assistência social (art.

194 da Carta Constitucional). Funda-se no princípio da solidariedade, pelo qual

indivíduos detentores de maiores riquezas devem auxiliar os menos abastados.

Essa a premissa mestra que deve guiar qualquer iniciativa no sentido de

organizar políticas no campo da seguridade social.

Com relação à pessoa portadora de deficiência, alguns aspectos

chamam a atenção e diferenciam o tratamento da questão, quais sejam: a) o

direito à habilitação e reabilitação profissional; b) o direito à renda mensal

vitalícia e c) o enfoque diferenciado da tutela previdenciária.

O artigo 203 da Constituição Federal trouxe duas importantes novidades

a respeito da questão, a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de

deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária (IV) e a garantia

de um salário mínimo de benefício mensal àquela que comprove não possuir

meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Em que pese às críticas que a seguir vamos expor a respeito de certos

aspectos da norma, ela, sem dúvida, representou efetivo avanço em relação ao

tema.

Em primeiro lugar, quanto à habilitação e reabilitação da pessoa

portadora de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária,

houve importante progresso, tendo em vista que, anteriormente, apenas os

segurados da previdência - ou seja, aqueles que contribuíam para o sistema -

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possuíam tal direito. Com a nova ordem constitucional, o direito se estendeu a

toda e qualquer pessoa portadora de deficiência, como um direito de natureza

assistencial e não mais exclusivamente previdenciária.

A Lei n. 8.742, de 07.12.93 (LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social),

silenciou a respeito do tema, fazendo-nos concluir pela aplicação, à matéria,

das disposições análogas contidas na lei de benefícios da previdência social,

que traz os seguintes preceitos:

Art. 89. A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão

proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho,

e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de

(re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de

trabalho e do contexto em que vive.

Parágrafo único. A reabilitação profissional compreende:

a. o fornecimento de aparelho de prótese, órtese e

instrumentos de auxílio para locomoção quando a

perda ou redução da capacidade funcional puder ser

atenuada por seu uso e dos equipamentos

necessários à habilitação e reabilitação social e

profissional;

b. a reparação ou a substituição dos aparelhos

mencionados no inciso anterior, desgastados pelo

uso normal ou por ocorrência estranha à vontade do

beneficiário;

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c. o transporte do acidentado do trabalho, quando necessário.

Art. 90. A prestação de que trata o artigo anterior é devida em caráter

obrigatório aos segurados, inclusive aposentados e, na medida das

possibilidades do órgão da Previdência Social, aos seus dependentes.

Art. 91. Será concedido, no caso de habilitação e reabilitação

profissional, auxílio para tratamento ou exame fora do domicílio do beneficiário,

conforme dispuser o Regulamento.

Art. 92. Concluído o processo de habilitação ou reabilitação social e

profissional, a Previdência Social emitirá certificado individual, indicando as

atividades que poderão ser exercidas pelo beneficiário, nada impedindo que

este exerça outra atividade para a qual se capacitar.

Em que pese o artigo 89, em seu parágrafo único, defina o que

compreende o benefício de reabilitação profissional, parece-nos que o

benefício tenha um alcance muito mais amplo. A reabilitação, s.m.j., não se

resume à concessão de aparelhos e transporte para a pessoa portadora de

deficiência; além disso, ela deve englobar um conjunto de providências aptas a

reintrodução da pessoa no mercado de trabalho e do contexto em que vive. E

isso passa, sem dúvida, por um programa de educação, conscientização e

preparação quanto à nova realidade a ser enfrentada.

Importante anotar que a restrição contida no artigo 90 supra transcrito,

que prevê como beneficiários apenas os segurados e dependentes, não se

aplica ao caso, tendo em vista a norma constitucional é clara ao ditar que "a

assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente

de contribuição". Então, o benefício de habilitação e reabilitação arrolado entre

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o conjunto de ações assistenciais, é obrigatório para com todos que dele

necessitarem, independente da qualidade de segurado ou não da previdência.

No tocante à renda mensal vitalícia, tornou-se ela um direito de toda

"pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais, desde que

comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la

provida por sua família". Representou, também, um importante avanço de

nossa nova ordem constitucional. Porém, um tímido avanço, devido aos

exagerados requisitos e à parca renda concedida.

Primeiramente, deve-se dizer que o benefício é inacumulável com

qualquer outro benefício de natureza previdenciária. Salvo engano nosso não

há qualquer justificativa para tal vedação. Aliás, ela contraria o pensamento

dominante de que as prestações assistenciais devem primar pela integração do

deficiente à sociedade.

Sobre o tema, é oportuno transcrever passagem de artigo de lavra do

Prof. Celso Barroso Leite, no qual faz análise de um estudo sobre "O problema

da assistência social na Alemanha: o dilema da reforma", de autoria de

Christian Thimann.

No referido artigo o professor informa que: "Daí resulta, segundo

Thimann, que 'o sistema tributário e assistencial desestimula os alemães a

aceitar trabalhos de baixa remuneração ou empregos de meio expediente

enquanto estiverem recebendo assistência social'; ou seja, a exercer atividade

remunerada que lhes dêem direito aos benefícios da previdência social. Isso

leva, então, ao que chama de 'armadilha previdenciária'. Ele considera difícil

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estabelecer comparações no nível internacional, mas a seu ver 'o problema do

desincentivo ao trabalho é o mesmo em todos os países' ".

Com a vedação de acumular o benefício, algumas pessoas

simplesmente se acomodam com a renda auferida, desistindo da possibilidade

de se reintegrar no mercado de trabalho ou, quando o fazem, optando pela

clandestinidade, para permanecer com a renda do benefício assistencial.

Estamos, sem dúvida, diante do que o alemão Christian Thimann

denominou de "armadilha previdenciária". Por isso, mostra-se equivocada a

previsão de que o benefício é inacumulável com qualquer outro.

A garantia de um salário mínimo, também, nos parece por demais

aquém das necessidades. É preciso considerar, no ponto, os gastos efetuados

por essas pessoas com remédios, aparelhos ortopédicos, deslocamentos e

outras necessidades decorrentes da deficiência.

A colocação de apenas parte desses gastos numa planilha levará à

conclusão de que a renda de um salário mínimo é insuficiente para cobri-los e

irrisória para garantir uma existência digna.

Como ensina o Prof. Celso Barroso Leite, a assistência social "deve ter

como finalidade apenas o atendimento das suas necessidades básicas,

proporcionando-lhes o que a legislação considera os mínimos sociais".

Ora, se o salário mínimo em nosso país, sabidamente, não se presta à

garantia de uma vida digna, não pode ele servir de referencial ao cálculo do

benefício.

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A respeito do requisito da comprovação de que a renda mensal da

família per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo (art. 20, §3º,

da L. 8.742/93), estamos plenamente de acordo com a Dra. Walküre Lopes

Ribeiro da Silva, quando sustenta a sua inconstitucionalidade. Ao analisar a

decisão do Plenário da Suprema Corte, que concluiu pela constitucionalidade

da referida norma, no julgamento da ADIMC 1232-DF, a professora manifestou-

se, de forma corajosa, dizendo que "a linha de argumentação do Supremo

Tribunal Federal é falaciosa, pois reduz a eficácia do dispositivo constitucional

sob o pretexto de garantir a sua aplicação.".

De fato, parece-nos que a disposição da LOAS é inconstitucional. A

nosso ver, aliás, o deficiente físico deveria fazer jus à percepção do benefício

pelo só fato de ser portador de deficiência, sem que houvesse qualquer outro

requisito e independentemente da renda que ele ou sua entidade familiar

auferisse. Pouco adianta estabelecer/prever um benefício assistencial e depois

criar uma série de requisitos que praticamente impossibilitam o seu gozo.

Com relação ao financiamento dos benefícios assistenciais, entendemos

que a sua responsabilidade é da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, conforme expressa previsão dos artigos 12 e 28 da LOAS.

O INSS, no caso, possui apenas a estrutura e os meios físicos e

humanos necessários à concreção dos programas. Por isso, a

responsabilidade do Instituto Previdenciário diz respeito apenas à

operacionalização, na esfera administrativa (art. 43 do Decreto n. 1744/95)

sendo todos recursos relativos à concessão dos benefícios repassados pelos

entes públicos mencionados. Todavia, o INSS vem respondendo em demandas

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aforadas por pessoas portadoras de deficiência, sendo, inclusive,

responsabilizado pelo pagamento das despesas relativas aos benefícios.

Quanto ao benefício de renda mensal vitalícia, a questão já foi por

demais discutida em nossos pretórios, tendo o Superior Tribunal de Justiça

uniformizado o entendimento a respeito da matéria, no sentido de que o INSS é

parte legítima para figurar no pólo passivo das referidas demandas junto com a

União Federal.

No mesmo sentido se posicionou o TRF da 4ª Região, através da edição

da Súmula de n. 61.

Sobre a tutela previdenciária da pessoa portadora de deficiência, parece-

nos que há muito a discutir. O tema ainda não mereceu preocupação por parte

da comunidade e, muito menos, do legislador pátrio. Não há como negar que a

realidade de uma pessoa com deficiência é diversa, mais desgastante e

onerosa, o que enseja, sem dúvida, especial proteção de seus interesses.

Sabemos que a previdência social tem por finalidade precípua a

substituição da renda auferida pelos indivíduos em virtude das contingências e

condições previstas em lei. Dentre tais contingências enquadram-se aqueles

eventos que retiram a capacidade do trabalhador.

E a perversa realidade das pessoas portadoras de deficiência,

submetidas a esforços físicos e psicológicos brutais durante a sua vida

laborativa, sem dúvida, autoriza-nos a sugerir o fomento da discussão de novas

perspectivas, como, por exemplo, a redução do período laborativo, com

antecipação do direito ao jubilamento.

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Com certeza, vários argumentos seriam levantados contra tal proposta,

especialmente aquele da necessidade de cuidar do lado econômico do sistema

previdenciário, mesmo que isso custe alguns sacrifícios do lado social. A

palavra do Prof. Celso Barroso Leite, novamente, serve de lição. Comentando

este falacioso argumento, o mestre ensina que:

"O empenho de corrigir erros e aperfeiçoar deve ser permanente e é sempre

legítimo, na previdência social como em tudo mais. O que não se justifica é

pretender subordinar a discutíveis interesses econômicos conquistas sociais

que amenizam as agruras da existência humana. Várias delas estão mais uma

vez na alça de mira e todo cuidado é pouco."

Parece-nos que por esse caminho deve trilhar a discussão, colocando-se em

primeiro plano a necessidade de tutelar os interesses sociais.

Sem dúvida, a qualidade e a quantidade das prestações de seguridade social

serão cada vez melhores na medida em que a sociedade tenha capacidade de

se organizar para estabelecer um regime de solidariedade e igualdade entre os

cidadãos.

O ordenamento normativo constitucional não é perfeito, mas certamente

representa um grande avanço em termos de Constituição de um Brasil

moderno, já que se adota como ideário um modelo de proteção social

assentado na proposta da Seguridade Social.

CAP 4 - INCLUSÃO SOCIAL E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Nesse capítulo procuraremos mostrar que a imunidade tributária de

equipamentos e produtos destinados a melhoria das condições de vida da

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pessoa portadora de deficiência poderia ser entendida de maneira semelhante

ao que já ocorre com veículos adquiridos por pessoa com deficiência física.

A Organização das Nações Unidas - ONU - estima em 82% o total de

pessoas com deficiência vivendo abaixo da linha da pobreza nos países em

desenvolvimento, inclusive o Brasil. O Banco Mundial também estuda a relação

deficiência-pobreza e estima que 2/3 da população com deficiência no mundo

vive nessa situação. (boletim eletrônico site pessoa portadora de deficiência)

As péssimas condições de vida ajudam a agravar o problema, como a

falta de água, comida e nutrientes; educação e sistema de saúde precários;

falta de oportunidades de emprego e o acesso praticamente nulo aos meios de

comunicação e à informação em geral. Quem vive em situação de risco social

tem mais probabilidade de adquirir deficiência por enfrentar gravidez e parto

traumáticos, trabalhar em piores situações de segurança e saúde, habitar

casas precárias e com condições mínimas de higiene. Além disso, são

submetidos à má nutrição ou à fome e frequentemente são atingidos por

violência, conflitos armados em suas comunidades.

De acordo com o European Disability Fórum, nos próximos 30 anos a

população com deficiência nos países em desenvolvimento aumentará em

120% contra 40% nas nações desenvolvidas. Em alguns países de renda

média e alta, a prevalência da deficiência vem oscilando entre 15% e 20% do

total da população. Os números dos estudos demonstram que existe um ciclo

vicioso de causa e efeito entre ser uma pessoa pobre e ser uma pessoa com

deficiência. Aqueles que nascem com problemas de formação congênita e são

socialmente desfavorecidos enfrentam um risco maior de continuar nessa

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condição e ter filhos com as mesmas características. De acordo com

estatísticas da ONU, a má-nutrição é a causa da deficiência em ¼ da

população com deficiência.

Apoiado no princípio de que o vínculo pobreza-deficiência é

inquestionável, o enfoque de desenvolvimento inclusivo determina a

necessidade de elaboração e implementação de políticas públicas de combate

simultâneo de ambos os problemas. No qual é necessário criar mecanismos

para o fim da pobreza e elaborar meios contra a discriminação. De acordo com

especialistas, atualmente, muitos governos, empresas e organizações de

cooperação internacional entendem - de maneira equivocada - que é preciso

buscar primeiro soluções para a pobreza e, só depois, para a deficiência.

O enfoque de desenvolvimento inclusivo é a solução, embora

tenha sido solenemente ignorado, apesar da percepção de que a diversidade

inerente à espécie humana é um valor, não um problema extra para as políticas

públicas. Para os especialistas, atender as necessidades específicas de

pessoas com deficiência é, na maioria das vezes, considerado custo, e não

investimento.

Especialistas denominam esse erro histórico de 'ciclo de invisibilidade',

que segue a seguinte lógica: pessoas com deficiência não conseguem sair de

casa e, portanto, não são vistas pela comunidade; assim, deixam de ser

reconhecidas como parte dela; por esse mesmo motivo, não são consideradas

suas garantias de acesso a bens, direitos e serviços; desta forma, não há como

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serem incluídas na sociedade e, conseqüentemente, continuam invisíveis,

público-alvo de constante discriminação.

O Brasil tem empreendido esforços no sentido da inclusão social

estabelecendo leis e mecanismos de aferição do cumprimento das mesmas,

porém ainda estamos longe de atender o universo, as estatísticas mostram, por

exemplo, que 98% da população portadora de deficiência do país em idade de

trabalhar encontra-se fora do mercado.

Em nosso entendimento um salto qualitativo importante para melhorar as

condições de vida das pessoas com deficiências de modo geral e impulsionar o

processo de inclusão seria facilitar o acesso a equipamentos e tecnologia,

como ocorre, por exemplo, com a aquisição de veículo.

A competência para tributar e para isentar cabe ao poder legislativo.

“Portanto, vale lembrar que ao legislador compete dimensionar a carga

tributária em função da essencialidade do produto, obedecendo o critério de

seletividade. (*) MARANHÃO, obra citada, pág 132

Em outras palavras, produtos considerados essenciais devem ter menor

tributação. Ora, claro está que há uma série de produtos destinados às

pessoas portadoras de deficiência que poderiam gozar de menor tributação ou

mesmo produtos que poderiam ser adaptados para o uso.

Assim como MARANHÃO, (*) obra citada, pág 133, entendemos que

produtos ortopédicos, próteses, equipamentos de informática, poderiam ter

baixa tributação. A título de exemplo, no Estado de São Paulo, conforme

Decreto n. 34.471/91, produtos ficaram isentos de ICMS, desde que adquiridos

por entidades assistenciais ou instituições financeiras.

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A Lei Federal nº 10.690 de 16 de junho de 2003 e a Lei Federal nº

10.754 de 31 de outubro de 2003, estenderam a isenção do IPI (Imposto sobre

Produtos Industrializados) às pessoas portadoras de deficiências física, visual,

mental severa ou profunda, aos autistas, diretamente ou por intermédio de seu

representante legal. Assim, veículos com características especiais ficam

isentos de IPI.

Em relação ao IPVA (Imposto Sobre a Propriedade de Veículos

Automotores) um imposto estadual pago anualmente, a Lei n. 6.606/89

concede isenção aos veículos adaptados de propriedade de deficientes físicos.

Quanto à isenção de Imposto de Renda, a legislação contempla apenas

os portadores de deficiência mental, como podemos comprovar pelo Art. 1º. Da

Lei n. 8.687/93.

A Lei n. 8.383/91, no inciso IV, do art. 72, isenta do IOF (Imposto sobre

Operações Financeiras) as operações de financiamento para a aquisição de

automóveis de passageiros de fabricação nacional de até 127 HP de potência

bruta, quando adquiridos por pessoas portadoras de deficiência.

Os impostos convergem para facilitar o acesso do deficiente físico a um

meio de transporte, visto que uma das barreiras que o impede de ingressar no

mercado de trabalho é exatamente a dificuldade de locomoção e em meio de

transporte adequado.

Defendemos, portanto, a possibilidade de ampliar a isenção para outros

produtos também considerados de grande necessidade para a pessoa

portadora de deficiência.

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5. CONCLUSÃO

Através desse trabalho procuramos mostrar que a vida da pessoa com

deficiência em todas as sociedades, desde o início dos tempos, foi uma vida de

desafios e superações. De início relegada ou mesmo exterminada, confinada

ou institucionalizada, conseguiu proteção legal desde que a deficiência fosse

resultado de seqüelas de serviços prestados à pátria como soldado ou como

trabalhador - o que deixou de fora o deficiente “natural”, aquele geneticamente

comprometido. Muito recentemente é que se estabeleceu e ganhou força e

status legal a idéia de proteger e integrar todo e qualquer deficiente à vida

social e laboral, garantindo direito à cidadania e plena realização.

A legislação define quais são e como são os tipos de deficiência tuteladas e

cabe a peritos médicos concluir quais pessoas portadoras de deficiência tem

direito ao benefício da assistência social, por exemplo, ou quais têm direito a

aposentadoria por invalidez, quais estão aptas para o trabalho. Porém, a

questão de estar ou não incapacitado para o trabalho está intimamente

associada ao acesso a tecnologias, uma pessoa que poderiam ser declarada

totalmente incapaz no passado hoje não mais seria, exemplos estão presentes

nos meios de comunicação. O Brasil é campeão das pára-olimpíadas, o

sucesso dos atletas está diretamente ligado ao acesso a tecnologias. O mesmo

acontece com o físico Stephen Hawkes, que apenas pode apresentar sua

produção intelectual porque tem acesso a tecnologias.

Entendemos que a, a despeito de toda evolução legal aqui apresentada, a

tutela do Estado não está acompanhando a evolução tecnológica, haja visto as

atitudes dos políticos e congressistas - que representam o pensamento da

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sociedade - que deixam de debater e aprovar leis orientadas para facilitar o

acesso a tecnologias das pessoas com deficiência tendo por objetivo a inclusão

no mercado de trabalho. Defendemos apaixonadamente a idéia do ingresso no

mercado de trabalho por entender que com a emancipação econômica vem a

emancipação política e social. O trabalho traz a dignidade de vida que a

pessoa com deficiência procura. Ela deseja sim fazer parte da sociedade de

consumo, tornar-se cidadão, crescer profissionalmente nos limites de suas

possibilidades como as demais pessoas. E a tecnologia está disponível e

poderá ser ainda muito mais desenvolvida se a sociedade se convencer da

importância e do direito à inclusão social de todo portador de deficiência.

A imunidade tributária é uma nova luta que propomos a partir desse trabalho. É

preciso começar a pensar que, assim como o transporte era uma questão vital

para o deficiente físico e daí facilitar o acesso através de isenção tributária nos

impostos, há outros equipamentos tão vitais quanto como computador e

impressora em Braille, por exemplo, para os deficientes visuais, órteses e

próteses para os deficientes físicos e que poderiam gozar de imunidade

tributária. Mesmo considerando que a sociedade tem uma contribuição

importante na inclusão da pessoa com deficiência, cabe ao Estado conduzir as

grandes políticas e realmente consolidar mudanças.

Nosso trabalho mostra que a despeito da lei de cotas, a imensa maioria das

pessoas com deficiência em idade e em condições de trabalhar está fora do

mercado. Por um lado, temos que lidar com uma barreira que não é física que

o empregador estabelece para contratação. Do ponto de vista de negócios é

válido exigir o máximo em qualificação do pretendente a um posto de trabalho

na organização, mas será justo socialmente falando exigir isso também de uma

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pessoa portadora de deficiência, dado o conhecimento que se tem da realidade

educacional e social do nosso país? Não caberia aí uma atitude mais

socialmente responsável do empregador no sentido de capacitar, reabilitar,

promover o acesso a tecnologias, fazer a sua parte na promoção da igualdade

social? Hoje, o empresário quer contratar aquela pessoa deficiente que cause o

mínimo de “transtornos” ao ambiente físico e organizacional. As políticas e as

práticas da área de recursos humanos terão que enfrentar novos desafios no

que tange à integração dos trabalhadores. Chefias terão que se adaptar,

equipes de trabalho serão desafiadas e novos convívios. Mas não será isso

produtivo? A empresa e todos que dela fazem parte ganhariam muito em

tolerância, convívio com o diferente,

flexibilidade, respeito à diversidade, pluralidade. Não serão esses os atributos

essenciais de uma democracia, de um estado democrático de direito? Por outro

lado, nos perguntamos, desses 98% que estão fora do mercado de trabalho

quantos poderiam ser auxiliados por equipamentos que poderiam suprir suas

limitações e ao mesmo tempo reabilitá-los para o trabalho? Facilitar o acesso

não seria uma outra maneira de promover a inclusão social?

Infelizmente as estatísticas apontam para o crescimento da população de

deficientes, não tanto por doenças mas por seqüelas de acidentes de trânsito e

de armas de fogo. Ou seja, independente da classe sócio-econômica, o

contingente de deficientes tende a aumentar. Se não houver espaço e

possibilidade de ampliar o mercado de trabalho haverá uma população que

dependerá cada vez mais de benefícios assistenciais. Por certo, um país como

o Brasil não terá recursos suficientes. O benefício de um salário mínimo que

hoje é destinado aos portadores de deficiência sofre vários questionamentos, é

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assistencialista, portanto não emancipa mas acomoda, é um valor aquém das

necessidades e embora tenha sua importância, não deve ser compreendido

como uma ação que poderá ser expandida ao limite das necessidades da

população. Portanto, o destino da pessoa com deficiência é o mercado de

trabalho e não o assistencialismo.

Pretendemos com esse trabalho contribuir para a reflexão sobre as

formas de inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.

Propomos imunidade tributária para equipamentos, próteses, órteses, etc, de

modo a facilitar o acesso a tecnologias que venham realmente a melhorar a

qualidade de vida do cidadão portador de deficiência e facilitar seu ingresso no

mercado de trabalho.

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Nesse sentido, Paulo. Curso de Direito Constitucional.8.ed.São Paulo:

Malheiros, 1999.pp.516-524.

GUERRA FILHO, Willis Santiago.Op. cit.,p.40. Nesse mesmo sentido,cf.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes,Op.cit.,pp362-

363;bonavides,Paulo,Op.cit.,p.525

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SILVA.op.cit.p.287

no prelo - Gráfica UNIOESTE - 30/05/06

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