Rose e a Princesa Perdida de Holly Webb.

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Primeiro capítulo livro de Rose e a Princesa Perdida de Holly Webb.

Transcript of Rose e a Princesa Perdida de Holly Webb.

jovem

TraduçãoAlice Klesck

Holly Webb

e a princesa perdida

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Capítulo 1

Desfrutando do silêncio, Rose recostou-se à janela, olhando as úl-timas folhas marrons da trepadeira que subia pela parede, sentindo o frio suave do vidro em seu rosto.

Ela deu um salto quando uma cabeça branca insistente roçou em seu braço e Gus pulou em seu colo, amassando o avental com patas decididas.

– Está esfriando – observou ele, finalmente acomodando-se. – Posso sentir o cheiro da neve.

Rose piscou para ele, surpresa. – Você acha? Ainda é outubro. Não está um pouquinho cedo

para a neve?Gus se contorceu para trás e bocejou, mostrando a língua rosa

e os dentes parecidos com os de um tubarão. Sua barriga era arre-dondada e macia, emoldurada pelas patas que pendiam. Rose ficou tentada a afagá-lo, mas desconfiava de que Gus talvez a arranhasse, pela intimidade excessiva.

– Pode ir em frente, se quiser – ronronou ele, abrindo seu olho alaranjado por um momento. – Estou num humor tolerante.

Em vez disso, Rose afagou uma das patas aveludadas com as costas da mão e suspirou.

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Rose

– Qual é o problema? – perguntou Gus, dessa vez abrindo o olho azul, só por um segundo.

– Só estou cansada... – murmurou Rose.Gus fungou irritado e abriu os dois olhos para olhá-la. – Bem, a culpa é toda sua, por ser tão ridiculamente teimosa. Insis-

tir em trabalhar como empregada doméstica e em tentar ser aprendiz de feiticeira ao mesmo tempo está além da minha compreensão. Você tem de escolher um ou outro.

Rose não respondeu. Ele já dissera isso várias vezes, e hoje ela se sentia muito cansada para descobrir se estaria certo. Ele fre-quentemente estava, tendo a astúcia felina natural combinada a um bom tanto de magia. Mas ainda parecia estranho ser aconse-lhada por um gato.

– Está vendo! Eu estava certo – Gus miou triunfante, agora em pé, no colo da menina, com as patas dianteiras pousadas no vidro.

Rose, que estivera olhando pela janela sem realmente ver, sacudiu--se e olhou as árvores lá fora, no jardim da praça. A cor havia sumido do céu, e grandes flocos de neve caíam serpenteando.

– Está nevando! – Freddie irrompeu na sala, escancarando e baten-do a porta. – Está vendo? Está mesmo nevando. E está frio o suficiente para brincar.

Rose o olhou, surpresa. Os olhos escuros do menino reluziam de empolgação, e as bochechas estavam coradas, como se ele tivesse subi-do a escada correndo. Era apenas neve, e Rose não achava que gostava tanto assim. Era bonito, mas, de alguma forma, também era ameaçador: os flocos que caíam tinham algo de incontrolável. Como se fossem continuar a cair, independentemente do que acontecesse, cobrindo qualquer coisa que tentasse detê-los. Rose sacudiu-se. Isso era tolice. Isso era neve. Apenas o clima.

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– Você não está contente? – Freddie perguntou-lhe, franzindo ligei-ramente o rosto. – Está nevando! – O franzido sumiu do rosto dele con-forme disse a palavra, como se não pudesse mencioná-la sem sorrir.

Rose observou duvidosa enquanto ele pressionava a palma das mãos sobre a janela, olhando avidamente lá para fora, para os flocos dançantes. Por que ele estava tão empolgado? Até onde ela sabia, nevava todo ano. Para uma criança chata de orfanato, a neve não significava mimos. Significava apenas que seu dormitório ficava tão frio que era necessário entrar na cama com as meninas ao lado para que pudessem tremer juntas. E a água de lavar congelava. Quando as órfãs caminhavam até a igreja, na neve, ninguém atirava bolas; elas apenas ficavam com os pés molhados, já que a lama suja penetrava nas botas remendadas. Ela imaginou que essa fosse a diferença. Para Freddie, a neve provavelmente significava guerras de bola de neve e patinação num belo lago congelado. Depois ele voltaria para casa e to-maria um chocolate quente.

– Parece frio demais – Rose lhe disse, um tanto afetada, e ele ba-lançou a cabeça.

– Francamente, Rose, você é mesmo um balde de água fria horrível! – Freddie murmurou enquanto olhava os flocos de neve, sem conseguir desviar os olhos.

Rose sorriu. Às vezes, ela se irritava por Freddie não fazer a menor ideia de quanto era sortudo, privilegiado. Mas, na verdade, não era culpa dele. Ele por acaso tinha nascido dessa forma – numa família com um longo histórico de magia. E dinheiro. Da mesma forma que ela por aca-so nascera numa família tão pobre que não pôde mantê-la. Ou talvez não numa família, ela não sabia. Talvez apenas uma garota sozinha; uma garota que encontrara um velho cesto de pesca, em algum lugar, e abrigou o bebê que estava abandonado no pátio da igreja.

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Quando não estava exausta, Rose também se sentia privilegia-da. Ela havia sido resgatada do orfanato, com bem menos idade do que a maioria das meninas, para ser treinada como uma empre-gada doméstica, na residência londrina do sr. Aloysius Fountain, Mago Chefe Conselheiro do Tesouro Real e da Casa da Moeda. Rose adorava isso. Ela havia sonhado com isso – com um bom emprego; nada mais de caridade, mas ganhar seu próprio sustento. Então, ela descobriu que também tinha um pouquinho de magia, e tudo mudou novamente.

Parecia estranho que duas pessoas com infâncias tão diferentes pudessem acabar como aprendizes, juntas. Rose não estava na mesma classe social de Freddie, é claro. A maioria das pessoas jamais estaria. Mas, em muitos feitiços, ela era bem melhor do que ele. Isso também era difícil de acreditar. Quase com certeza significava que um de seus pais desconhecidos também havia sido mago. Como o sr. Fountain gentilmente frisara isso na primeira lição de magia, Rose vinha pen-sando bem mais nos pais, como jamais pensara antes. Agora ela sabia algo sobre eles. Ou, pelo menos, sobre um deles. Antes, tudo o que ela soubera era uma possível ligação com peixe. Ter herdado sua magia era bem mais interessante do que ter herdado peixe.

Ela nunca tinha devaneios sobre os pais quando estava no orfana-to, como acontecia com muitas de suas amigas. Não; era muito melhor depender de si mesma, como sempre fizera. Ela não deveria desper-diçar seu tempo imaginando, pois, de qualquer jeito, jamais saberia as respostas. A menos, é claro, que pudesse adivinhar, de alguma forma. Um de seus novos poderes era fazer que imagens estranhas surgissem em superfícies brilhantes. Algumas das imagens eram verdadeiras, e outras eram... Rose não tinha certeza o quê. Talvez todas tivessem al-gum tipo de verdade, ou não viriam a ela.

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Será que ela poderia ver seus pais? Se realmente se esforçasse o suficiente, e encontrasse o lugar certo para olhar? Será que ela queria mesmo? Rose não tinha certeza se queria saber por que eles a deixa-ram no memorial de guerra. E se apenas não tivessem gostado muito dela? Ou algo terrível tivesse acontecido com eles?

Porém, quanto mais Rose descobria sobre sua própria magia, mais intrigante se tornava a história de sua família. Deixada sozinha na sala de trabalho do sr. Fountain, ela se vira encarando espelhos, tigelas de prata, aquela folha de madrepérola... Ela sabia que poderia ver em tudo isso, se tentasse.

– Eu gostaria que ele se apressasse. Quero sair antes que escu-reça. Onde está ele, Rose, você sabe? Rose! – A voz de Freddie era aguda e Rose desviou o olhar dos flocos de neve hipnotizantes com um susto culpado.

– O quê?– Onde está o sr. Fountain? – perguntou Freddie, impaciente. – São

três e vinte. O que ele está fazendo? Ora, vamos, Rose... Lá embaixo, na cozinha, vocês sabem de tudo! Onde está ele?

– Ele recebeu um convidado para o almoço; alguém do palácio. A srta. Bridges estava em pânico, e Bill e eu tivemos de polir toda a prata ontem. Ela verificou. Até as pequenas peças que nunca usamos, como aquela caneca estranha, que tem o bigode.

Bill, o ajudante que fazia todas as tarefas estranhas na casa, tinha confidenciado a ela, no primeiro dia, que, embora devessem polir toda a prata semanalmente, ele nunca o fazia, exceto em ocasiões muito especiais. Visitantes do palácio, embora não fossem da realeza, claramente tinham de ser tratados como tal, e isso significava que tudo tinha de estar brilhando.

Freddie pareceu pensativo.

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– Eu gostaria de saber quem é. Meu primo Raphael é camareiro do palácio, então eu conheço alguns dos empregados.

Rose o encarou de olhos arregalados. – Seu primo trabalha para o rei? O que é um camareiro? Freddie fungou. – Segundo Raphael, um serviçal. Mas ele é meio idiota. Ele é do

lado da família da minha mãe. Rose não pôde deixar de rir. Alguém que Freddie achasse imbecil

tinha de ser totalmente atrapalhado. Freddie caía na escada de pro-pósito, para ver se conseguia voar. (Ele quase conseguiu; mesmo as-sim, era algo estúpido de se fazer. Ele disse que isso estava no espírito da pesquisa científica e que os cientistas tinham de estar dispostos a correr riscos. Rose apenas achava que ele tinha o miolo mole.) Mas Freddie levantou um ponto interessante.

– Então, a sua mãe não é feiticeira? – perguntou ela, curiosa. – Só o seu pai?

– Sim. – Freddie sorriu. – Mas a mamãe adora mágica. Meu pai a conquistou fazendo que surgissem rosas no carpete da sala dos meus avós e ela aceitou o pedido de casamento na hora. Não que ela fosse descartá-lo... – ele se apressou em acrescentar. – O papai tem costeletas muito bonitas.

Rose não conseguia parar de rir. Ela imaginou o pai de Freddie como o próprio Freddie: de pele lisa, miúdo e louro, mas com imen-sas costeletas.

– Pare com isso, Rose! Dá pra ouvir o Fountain chegando. – Freddie franziu o rosto para ela, que ainda ria na poltrona, perto da janela, e sacudiu a cabeça zangado.

Rose endireitou-se e tentou respirar fundo, mas a imagem de Freddie peludo não sumia. Finalmente, a maçaneta girando distraiu-lhe o su-

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ficiente, e ela deu um pulo, empolgada. Ela adorava as lições de ma-gia, por mais cansada que estivesse, e hoje o sr. Fountain tinha pro-metido ensinar-lhes um feitiço de verdade. Rose fincou as unhas na palma das mãos. Ela queria ser calma e contida como Freddie, que preferiria estar jogando bolas de neve em vez de aprender magia, mas ela quase não conseguia ficar parada. Ela percebeu que sentiu o cheiro do sr. Fountain, quando a porta se abriu. Uma mistura de fumaça de charuto, uma água de colônia muito boa e uma pitada de magia letal, poderosa e maravilhosa...

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