Roteiro 3 - Despesas Públicas

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ROTEIRO DE ESTUDO Nº 3 - DIREITO FINANCEIRO - DESPESA PÚBLICA (PARTE 1/2) 1. CONCEITO O Estado prioriza a despesa sobre a receita, tendo em vista que é através daquela que ele vai estar cumprindo a sua principal função: proporcionar o bem-estar da população. Não se pode olvidar, porém, que os recursos são limitados, o que destaca a importância das prioridades eleitas. É interessante registrar a grande distinção entre as finanças privadas e as públicas, pois, nas primeiras, o comando está sempre vinculado ao binômio receita-despesa, ou seja, a pessoa deve estar sempre voltada para “arrecadar” (ganhar) dinheiro e só então pensar em como vai gastá-lo, enquanto nas segundas é diferente, pois o comando é o da despesa, isto é, o Estado verifica o quanto é necessário gastar para atendimento das necessidades públicas e só então determina a receita que será indispensável, utilizando dos meios colocados à sua disposição para auferir tal renda (intensificando a fiscalização, majorando os tributos etc.). De qualquer forma, em ambos os casos se procura um equilíbrio entre a receita e a despesa, mormente para se evitar a existência de dívida. No que se refere às finanças públicas, o que se observa é que o Estado, sobretudo no período de escassez de recursos, tenta amoldar as despesas às receitas, elegendo as necessidades públicas prioritárias, no afã de evitar o déficit público. No Brasil, infelizmente, tal objetivo ainda não foi alcançado, pois a cada ano se verifica novo déficit. Em 2014, o déficit primário 1 atingiu R$ 32,536 bilhões, enquanto que o nominal (abrangendo os juros) alcançou R$ 343,916 bilhões, equivalendo a 6,7% do PIB (disponível em: < http://www.valor.com.br/brasil/3886140/deficit- nominal-do-setor-publico-soma-r-3439-bilhoes-em-2014 > Acesso em 26.08.2015. Pode-se definir a despesa pública como “o conjunto dos dispêndios do Estado, ou de outra pessoa de direito público, para o funcionamento dos serviços públicos” (Aliomar Baleeiro). O referido autor ainda aponta outra definição: “aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente, dentro de uma autorização legislativa, para execução de fim a cargo do governo” “Despesa pública é o conjunto de gastos realizados pelo Estado no seu funcionamento. Noutras palavras, é a aplicação de recursos financeiros em bens e serviços destinados a satisfazer as necessidades coletivas” (Marcus Abraham). 1 Para entender melhor o que significam as expressões déficit primário e déficit nominal, há uma matéria simples e objetiva no site da G1 acerca do tema, disponível em: < http://g1.globo.com/economia/superavit-o-que-e/platb/ > Acesso em 26.08.2015.

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Roteiro do professor Dr. Alberto Gurgel de Faria sobre despesas públicas no âmbito do direito financeiro.

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ROTEIRO DE ESTUDO Nº 3 - DIREITO FINANCEIRO

- DESPESA PÚBLICA (PARTE 1/2)

1. CONCEITO

O Estado prioriza a despesa sobre a receita, tendo em vista que é através daquela que ele vai estar cumprindo a sua principal função: proporcionar o bem-estar da população. Não se pode olvidar, porém, que os recursos são limitados, o que destaca a importância das prioridades eleitas.

É interessante registrar a grande distinção entre as finanças privadas e as públicas, pois, nas primeiras, o comando está sempre vinculado ao binômio receita-despesa, ou seja, a pessoa deve estar sempre voltada para “arrecadar” (ganhar) dinheiro e só então pensar em como vai gastá-lo, enquanto nas segundas é diferente, pois o comando é o da despesa, isto é, o Estado verifica o quanto é necessário gastar para atendimento das necessidades públicas e só então determina a receita que será indispensável, utilizando dos meios colocados à sua disposição para auferir tal renda (intensificando a fiscalização, majorando os tributos etc.).

De qualquer forma, em ambos os casos se procura um equilíbrio entre a receita e a despesa, mormente para se evitar a existência de dívida. No que se refere às finanças públicas, o que se observa é que o Estado, sobretudo no período de escassez de recursos, tenta amoldar as despesas às receitas, elegendo as necessidades públicas prioritárias, no afã de evitar o déficit público.

No Brasil, infelizmente, tal objetivo ainda não foi alcançado, pois a cada ano se verifica novo déficit. Em 2014, o déficit primário1 atingiu R$ 32,536 bilhões, enquanto que o nominal (abrangendo os juros) alcançou R$ 343,916 bilhões, equivalendo a 6,7% do PIB (disponível em: < http://www.valor.com.br/brasil/3886140/deficit-nominal-do-setor-publico-soma-r-3439-bilhoes-em-2014> Acesso em 26.08.2015.

Pode-se definir a despesa pública como “o conjunto dos dispêndios do Estado, ou de outra pessoa de direito público, para o funcionamento dos serviços públicos” (Aliomar Baleeiro). O referido autor ainda aponta outra definição: “aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente, dentro de uma autorização legislativa, para execução de fim a cargo do governo”

“Despesa pública é o conjunto de gastos realizados pelo Estado no seu funcionamento. Noutras palavras, é a aplicação de recursos financeiros em bens e serviços destinados a satisfazer as necessidades coletivas” (Marcus Abraham).

2. CARACTERÍSTICAS (ELEMENTOS CONSTITUTIVOS)

Os elementos constitutivos da despesa pública podem ser assim elencados:a) DE NATUREZA ECONÔMICA - Em regra, toda despesa pública pressupõe o emprego de dinheiro.

Inobstante, há quem admita o dispêndio em natureza, quando paga encargos por meio de vantagens materiais, como, por exemplo, a utilização de veículos oficiais por parte de algumas autoridades, o direito de habitação de prédios públicos etc. Há, ainda, resquícios dos tempos da Idade Média no que se refere aos serviços que independem de gasto público (gratuitos), como o serviço eleitoral e o de jurados, sendo importante observar que, nos dias de hoje, são raros tais casos, pois a regra a ser respeitada é que o Estado gasta numerário para poder realizar a sua função;

b) DE NATUREZA JURÍDICA - A despesa apenas pode ser efetuada se estiver previamente autorizada em lei orçamentária, daí a importância do estudo da elaboração dos orçamentos, a ser realizado em momento oportuno no decorrer do nosso curso;

c) DE NATUREZA POLÍTICA - Quando o governante elege a necessidade pública a ser atendida pelo Estado, tal ato, ao acarretar uma despesa pública, corresponde a uma decisão política. De acordo com o que já foi dito, em face das dificuldades financeiras do Estado, esse ato ganha em importância, principalmente se a despesa for realizada sem o atendimento de uma efetiva necessidade pública, caracterizando um gasto improdutivo, um desfalque no patrimônio público. Não é preciso apenas gastar, mas saber como gastar. No Brasil, os inúmeros “elefantes brancos” existentes e a descontinuação administrativa de obras imprescindíveis são exemplos de prejuízos ao patrimônio público.

1 Para entender melhor o que significam as expressões déficit primário e déficit nominal, há uma matéria simples e objetiva no site da G1 acerca do tema, disponível em: < http://g1.globo.com/economia/superavit-o-que-e/platb/> Acesso em 26.08.2015.

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Apesar da liberdade “política” dos mandatários na escolha das despesas públicas, não se pode deixar de lembrar que há exemplos, na Constituição Federal, de limites mínimos a serem aplicados em determinados setores, condicionando a elaboração do orçamento público, como ocorre com a educação (“Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”) e com a saúde (art. 198, § 2º).

Interessante assinalar que, apesar da decisão a respeito de como gastar seja eminentemente política, o controle jurisdicional das despesas públicas vem se intensificando nos últimos tempos. Exemplo bastante recente pode ser verificado no julgamento da Repercussão Geral no RE 592.581/RS, ocorrido em 13.08.2015, quando se firmou a seguinte tese: “É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes” (Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp> Acesso em: 26.08.2015).

3. REQUISITOS

Para garantir uma correta decisão política da despesa pública, a doutrina elegeu os seguintes requisitos:

a) UTILIDADE - assim consideradas as despesas que realmente são realizadas em atendimento às necessidades públicas, a partir daquelas mais reclamadas, como educação, saúde e segurança;

b) LEGITIMIDADE - quando, além da utilidade, a despesa é efetuada em respeito ao real desejo daqueles que serão beneficiados com o serviço. O “orçamento participativo”, introduzido por alguns Municípios, mas que, na verdade, ainda está mais no “papel”, será de suma importância para a perfeita observância deste pressuposto, pois, de acordo com tal orçamento, a comunidade elege as obras e serviços a serem priorizados pela Administração;

c) LEGALIDADE - a despesa tem que estar prevista em lei, regularmente votada e aprovada através dos representantes do povo;

d) TRANSPARÊNCIA (PUBLICIDADE) - as despesas públicas realizadas têm que ser levadas ao conhecimento da população. A respeito desse tópico, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04.05.2000), destina um capítulo específico para cuidar do tema, a partir do seu art. 48, o que foi reforçado com a Lei nº 12.527, de 18.11.2011, art. 8º, III.

e) FISCALIZAÇÃO - que há de ser feita pela própria Administração, através do controle interno, bem como pelo Poder Legislativo, que exerce o controle externo com o auxílio dos Tribunais de Contas.

4. AUMENTO PROGRESSIVO DAS DESPESAS - CAUSAS

A partir do surgimento do Welfare State, passando o Estado a intervir na economia, as despesas públicas tiveram um acentuado crescimento, sendo importante estudar as “causas” desse aumento:

a) CAUSAS APARENTES - podem ser elencadas cinco causas de aumento ilusório das despesas, mas que, na prática, não acarretam tal crescimento: 1) inflação; 2) forma de escrituração; 3) acréscimos territoriais; 4) crescimento da população; 5) transferência de atividades privadas para o setor público;

b) CAUSAS REAIS - descontadas as aparências, podem ser observadas os seguintes motivos reais de aumento: 1) incremento da capacidade econômica da população; 2) melhoria no nível intelectual, moral e político do povo, a exigir mais serviços públicos; 3) o estado de guerra, seja efetivo ou possível, a exigir um investimento maciço em equipamentos militares;

c) CAUSAS MÓRBIDAS - correspondem às despesas ocorridas sem as cautelas devidas: 1) descontinuação administrativa nas obras iniciadas em governos anteriores; 2) obras suntuárias ou desnecessárias, para atender a vaidade dos governantes ou a “interesses políticos”, deixando de lado as prioridades.

5. EFEITOS

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A repercussão que a despesa pública causa no meio econômico pode ser observada: a) NA PRODUÇÃO - a despesa pública influi na capacidade econômica, elevando-a e incrementando a

produção quando direcionada para a exploração de novas atividades econômicas (irrigação, reflorestamento, transporte etc.);

b) NA DISTRIBUIÇÃO E NA CIRCULAÇÃO - acontece quando se operam as “receitas de transferência”, isto é, quando o governo concede benefícios às famílias como compensação ao desnível econômico. Ex.: benefícios sociais como o bolsa família;

c) NO CONSUMO - opera-se o mesmo fenômeno ocorrido na produção, pois, com a elevação de renda das pessoas, há um natural aumento no consumo, que deve ser ordenado sob pena de ocasionar a inflação.

6. LIMITES

Embora doutrinariamente se defenda que o único limite da despesa pública seja o benefício social, as crises econômico-financeiras estão a exigir uma limitação técnica, de modo que se observe efetivamente a previsão e a respectiva dotação orçamentária para cada atividade (v. arts. 167 e 169, CF, como também a Lei Complementar nº 101/2000), o que deverá ser objeto de aula própria no momento oportuno do curso.

Professor: Luiz Alberto Gurgel de FariaBrasília/DF, Agosto/2015

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