RPG e Vigotski-libre
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RPG E VIGOTSKI: PERSPECTIVAS PARA A PRÁTICA
PEDAGÓGICA
SCHMIT, Wagner Luiz – UEL
MARTINS, João Batista – UEL [email protected]
Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: CNPq Resumo Neste artigo busca-se compreender como tem ocorrido o uso das obras do psicólogo russo L. S. Vigotski para analisar os role-playing games (RPG) em contextos educacionais. Para tanto analisamos de forma crítica diversos trabalhos acadêmicos que tem como objeto de estudo os RPG articulados com o referencial teórico de Vigotski. Com isto espera-se um aprofundamento teórico e o uso crítico do RPG na educação. Apresenta-se uma definição de RPG como jogo situado num cenário imaginário e com elementos de narrativa e evolução dos personagens. Contextualiza-se os trabalhos acadêmicos sobre RPG, especialmente RPG e educação, no Brasil e no mundo. Após buscar por publicações sobre RPG em diferentes bases de dados, analisamos estes a partir de três categorias: obras referenciadas de Vigotski; conceitos utilizados de Vigotski e articulação dos conceitos apresentados com a análise do objeto RPG. Constata-se que as principais obras referenciadas de Vigotski nos trabalhos analisados são Formação social da mente e Pensamento e linguagem apesar desta obras receberem críticas quanto a sua tradução e edição. Os principais conceitos utilizados foram zona de desenvolvimento proximal e jogo. Os autores destes trabalhos geralmente apontam os RPG como geradores de zonas de desenvolvimento proximal, mas muitos destes trabalhos não fazem uma análise do contexto social ou de forma sistêmica do desenvolvimento das funções psicológicas superiores ao utilizarem RPG num contexto educacional. Conclui-se que as obras de Vigotski são pouco exploradas para analise dos RPG em contexto educacional, apontamos assim outras obras e pesquisas que podem enriquecer a compreensão e o uso do RPG na educação. Palavras-chave: Role-playing games. Jogos. Vigotski.
Introdução
Neste trabalho pretendemos apresentar e problematizar algumas reflexões derivadas de
uma pesquisa de mestrado em educação sobre como pesquisadores e educadores brasileiros
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têm articulado as teorias do Psicólogo Bielo-Russo L. S. Vigotski com os RPGs (Role-playing
games - jogos de representação) na educação.
Para iniciarmos tal discussão, pretendemos apresentar uma definição de RPG
elaborada por Hitchens e Drachen (2008, pg.16) que acreditamos ser a mais adequada para
nossos interesses científicos:
Um role-playing game é um jogo situado num mundo imaginário. Os jogadores são livres para escolher como explorar o mundo do jogo, em termos do caminho escolhido através do mundo, e podem revisitar áreas previamente exploradas. O montante do mundo do jogo potencialmente disponível para a exploração é normalmente grande. Os participantes dos jogos estão divididos entre os jogadores, que controlam personagens individuais, e os mestres do jogo (que podem ser representados por software em exemplos digitais) que controlam o restante do mundo do jogo além das personagens dos jogadores. Jogadores afetam a evolução do mundo do jogo através das ações de seus personagens. As personagens controladas por jogadores podem ser definidas em termos quantitativos e/ou qualitativos e são indivíduos definidos no mundo do jogo, não identificados apenas como papéis ou funções. Essas personagens podem potencialmente se desenvolver, por exemplo, em matéria de competências, habilidades ou personalidade. A forma deste desenvolvimento está pelo menos parcialmente sob controle do jogador e o jogo é capaz de reagir a estas mudanças. Pelo menos um, mas não todos os participantes têm controle sobre o mundo do jogo além de um único personagem. Um termo comumente utilizado para esta função é mestre do jogo, embora existam muitos outros. O equilíbrio de poder entre os jogadores e mestres do jogo, e a atribuição dessas funções, pode variar, mesmo dentro de uma única sessão de jogo. Parte da função de mestre do jogo normalmente é para se pronunciar sobre as regras do jogo, embora essas regras não precisem ser quantitativas em qualquer forma ou se embasar em qualquer forma de resolução aleatória. Os jogadores têm uma ampla gama de opções configurativas para interagir com o mundo do jogo através das suas personagens, em geral, incluindo, pelo menos, o combate, o diálogo e a interação com objetos. Embora o leque de opções seja grande, muitas são tratadas de uma forma muito abstrata. O modo de interação entre o jogador e o jogo pode mudar de forma relativamente livre entre configurativas e interpretativas. Role-playing games retratam algumas seqüências de eventos no mundo do jogo, o que dá ao jogo um elemento narrativo. No entanto, dada a natureza configurativa do envolvimento dos jogadores, estes elementos não podem ser chamados de narrativa de acordo com a teoria narrativa tradicional. (HITCHENS e DRACHEN, 2008, p.16).
Tal definição é derivada de uma análise por parte dos autores supra citados das
diferentes definições de RPG existentes, pois existe um número crescente de estudos sobre o
RPG e sua aplicação como uma ferramenta educacional no Brasil e no exterior (SCHMIT,
2008). No Brasil localizamos mais de 36 dissertações e teses sobre o assunto, com vários
educadores utilizando o RPG com vários graus de sucesso por todo Brasil. Conforme Hyltoft
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(2008), uma escola dinarmarquesa, a Østerskov Efterskole1, criou sua metodologia
pedagógica a partir de jogos, principalmente RPGs, para ensinar (HYLTOFT,2008).
Esta discussão sobre essa relação RPG e Educação também foi objeto de eventos,
oportunidades em que os pesquisadores trocaram suas experiências. É o caso dos Simpósios
RPG & Educação no Brasil (o último realizado em 2006) e o Elin2 em 2010 na Suécia.
Cabe registrar que, apesar dos europeus estarem mais adiantados e serem mais
ousados quanto a aplicação prática do RPG na educação, ainda lhes falta uma maior base
teórica e uma avaliação mais sistemática dessas práticas. Isso se deve ao fato de muitos dos
escritos sobre RPG na Europa e Estados Unidos da América focarem mais em aspectos
artísticos ou de game design (MONTOLA, 2008; HOLTER, 2009).
Já no Brasil, apesar do crescente número de trabalhos publicados referentes a
utilização do RPG no contexto educacional ainda sentimos falta de pesquisas que se
preocupam com os aspectos teóricos da interface RPG e Educação. Entendemos que esta
ampliação do interesse dos pesquisadores pelo tema está relacionado com a falta de
conhecimento por parte dos educadores sobres as possibilidades do uso do RPG como uma
ferramenta de ensino/aprendizado. A falta de pesquisa, por sua vez, impede uma discussão
mais sistemática e um aprofundamento teórico (com suas implicações metodológicas e
epistemológicas) sobre esta interfacae, o que poderia promover a inserção do RPG num
contexto educacional de maneira mais crítica. (SCHMIT, 2008)
Isto significa dizer que, do ponto de vista educacional, nós entendemos que a prática
do RPG inserida no contexto escolar, não pode prescindir de uma reflexão teórica que
considere esta atividade como uma metodologia de trabalho educacional, assim como o seu
impacto no desenvolvimento dos estudantes. Nós não acreditamos que seja suficiente apenas
criar materiais e técnicas inspirados nos RPGs e aplicá-los com propósitos educacionais: são
necessárias reflexões mais profundas sobre o porquê e como isso pode ser inscrito no campo
educacional.
Nossa pesquisa identificou também que alguns pesquisadores brasileiros utilizaram
para subsidiar seus trabalhos, a teoria do psicólogo Lev. S. Vigotski. No entanto, tais
pesquisas mais têm levantado questões do que desenvolvido e aprofundado o uso desta teoria,
e isto se deve a vários fatores, tais como: um hiato de mais de 40 anos para a chegada de suas
1 http://osterskov.dk/?page_id=213 2 http://www.edu-larp.org/
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obras ao país (FREITAS, 1994, p.38); a influência ideológica americana nas políticas públicas
educacionais brasileiras (SAVIANI, 2004, p.41); os problemas na tradução e divulgação das
obras de Vigotski mais referenciadas (FREITAS, 1994, p.73; TULESKI, 2000, p.1;
ELHAMMOUMI, 2002, p.98; SILVA; DAVIS, 2004, p.649; VEER e YASNITSKT, 2011).
Diante de tais considerações, além do fato do RPG aplicado ao campo da educação ser
um objeto de estudo relativamente novo e das dificuldades encontradas nas apropriações de
Vigotski, identificamos a necessidade de uma análise crítica e um aprofundamento dessa
tríplice relação RPG/Educação/Vigotski. É o que pretendemos fazer ao longo deste trabalho..
Os usos das teorias de Vigotski por pesquisadores de RPG no Brasil
Para a análise a seguir selecionaram-se dissertações e teses sobre RPG com Vigotski
em seu referencial teórico a partir de três fontes: o banco de teses da CAPES3, o portal de
busca Google Acadêmico4 e as indicações na lista de discussão RPG em Debate5, no período
de janeiro a dezembro de 2007. Estes textos foram fichados, e da análise destes fichamentos
surgiram algumas unidades de análise: principais obras referenciadas; principais conceitos
abordados e operacionalização dos conceitos.
O uso das teorias de Vigotski por parte dos autores dos textos analisados varia muito,
desde apenas constar de uma obra em suas referências, como Pavão (2000), ou apenas citar
uma frase descontextualizada em todo o texto, como Mulatinho (2005, pg. 32) até articulações
com conceitos e livros pouco utilizados de Vigotski, como o livro Psicología infantil
(VYGOTSKY, 1996) e o conceito de adolecência em Vigotski abordados por Braga (2000)
ou a atualização de conceitos do autor para o contexto contemporâneo brasileiro, como a
questão do bilingüismo apresentada por Pereira (2003).
Principais obras referenciadas
Em concordância com os apontamentos de Elhammoumi (2002) e das análises de
pesquisas ainda em andamento, as obras de Vigotski mais referenciadas foram Formação
social da mente (VIGOTSKI, 2003a) e Pensamento e linguagem (VIGOTSKI, 2003b). No
entanto a obra La Imagination y el arte en la Infância (VIGOTSKII, 1987) também é
3 http://servicos.capes.gov.br/capesdw/ 4 http://scholar.google.com.br/schhp?hl=pt-BR 5 http://games.groups.yahoo.com/group/rpg_em_debate/
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referenciada com freqüência, porém em alguns trabalhos que esta obra é referenciada os
autores não fazem citações deste trabalho, como é o caso de Pavão (2000) e Vidal (2006).
Outras obras referenciadas pelos autores são Obras escogidas (VYGOTSKY, 1991) por Silva
(2004) e Psicologia pedagógica (VIGOTSKI, 2001) por Alves (2005).
As obras Formação social da mente (VIGOTSKI, 2003a) e Pensamento e linguagem
(VIGOTSKI, 2003b) apresentam algumas questões referentes recortes feitos aos seus textos
originais por seus tradutores americanos durante a guerra fria, como apontam René van der
Veer e Anton Yasnitsky (2011, p.6):
Que Vygotsky (1962)6 é inaceitável como uma tradução tem sido observado por muitos e nem precisa se discutir. Basta dizer que todo o livro contém 168 páginas, magro em comparação com as 324 páginas do original (…). Como um todo, a tradução de 1986 do Pensamento e Linguagem é incomparavelmente melhor e muito mais completa do que a edição de 1962, mas o tradutor "desviou do texto de Vygotsky, quando este se repete" e manteve grande parte da tradução de 1962. O resultado é que o livro ainda contém muitos erros e que várias frases e passagens não foram traduzidas. A Citação de Vygotsky na página final de seu livro a partir de A Ideologia Alemã, por exemplo, foi deixada não identificada e muito incompleta (cf. Van der Veer, 1987). Assim, defendemos que as duas traduções (Vygotsky 1962, 1986) são abreviadas e como tal impróprias para o estudo científico genuíno. Sabemos de apenas uma edição Vygotsky que se qualifica como uma compilação e que é a Formação social da mente (Vygotsky, 1978). Este livro tem desfrutado de grande popularidade entre os psicólogos interessados na teoria histórico-cultural e serviu um papel muito positivo na introdução de leitores americanos ao pensamento de Vygotsky. No entanto, do ponto de vista histórico, é um livro muito insatisfatório. Como os editores explicaram em seu prefácio, eles "resumiram" os principais pontos teóricos, e eles "inseriram material de outras fontes" (incluindo textos de alunos de Vygotsky ou colaboradores). No entanto, com base na explicação dos editores, não foi possível identificar os textos históricos que estão na base do resultado final. Em suma, os editores fundiram em caminhos desconhecidos vários textos de Vygotsky e seus colaboradores em um todo coerente e fácil de entender. Considerar o texto resultante como um texto de Vygotsky seria incorreto. Formação social da mente, portanto, viola o princípio que afirma que os textos de autores históricos devem ser traduzidos em sua totalidade, ou, se somente trechos são publicados, deve estar claramente indicado quais partes são deixadas de fora, onde termina o autor do texto e o texto dos outros começa, e assim por diante.
E são exatamente estas obras, Formação social da mente (VIGOTSKI, 2003a) e
Pensamento e linguagem (VIGOTSKI, 2003b), as principais obras referenciadas em relação
ao trabalho de Vigotski no Brasil. Já foram lançadas no Brasil diversas obras do autor
6 Thinking and speech – a tradução brasileira conhecida como Pensamento e Linguagem é uma tradução da edição de 1987 de Thinking and Speech e a mesma redução no número de páginas pode ser observada comparando as obras “Pensamento e Linguagem” e “Construção do Pensamento e linguagem”.
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traduzidas direto do russo, como a Pensamento e linguagem (Michliênie i rietch no original
russo) que tem o nome de A construção do pensamento e da linguagem (VIGOTSKI, 2009).
Talvez estas obras ainda sejam pouco referenciadas pois só começaram a ser lançadas em
2001, quando os trabalhos de Pavão (2000), Braga (2000) e Zuchi (2000) já haviam sido
publicados. Mesmo no trabalho de Alves (2005) na qual a obra Psicologia pedagógica
(VIGOTSKI, 2001), também traduzida direto do russo, é referenciada, a autora não faz
nenhuma citação de conceitos do livro.
Principais conceitos abordados
Os principais conceitos abordados nos trabalhos analisados foram os conceitos de
Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), de jogo e que o jogo promove o desenvolvimento
e o aprendizado. Braga (2000) é a que apresenta um número maior de conceitos á partir de
textos do próprio Vigotski como ZDP, imaginação, funções psicológicas superiores, leitura,
escrita, adolescência e mediação. Pereira (2003) também apresenta uma série de conceitos da
teoria vigotskiana, como importância da linguagem e da cultura no desenvolvimento do
indivíduo, mediação, desenvolvimento de funções psicológicas superiores, relação do
desenvolvimento entre pensamento e linguagem, internalização e ZDP, mas geralmente a
partir de outros teóricos como Sacks, Skliar e Lopes. Outros conceitos abordados são
afetividade por Zuchi (2000), criação por Mulatinho (2005), internalização, formação de
conceitos e desenvolvimento da linguagem por Alves (2005).
Operacionalização dos conceitos
Geralmente Vigotski é citado como mais uma opção teórica, como no caso de Bolzan
(2003), ou para justificar ou confirmar uma afirmação do autor da pesquisa ou de outro
teórico presente em seu texto. Como na obra de Zuchi (2000) que tem Piaget como um de
seus principais referenciais teóricos para abordar a aprendizagem:
Vygotsky, em seus estudos sobre afetividade, critica a separação que muitas vezes é feita na psicologia tradicional entre os aspectos intelectuais e afetivos. Para ele, que preferia adotar o termo funções mentais à cognição, não há como, de maneira simples, compreender pensamento, memória, percepção e sensação isoladamente; os aspectos intelectuais e afetivos devem ser considerados como unidade (ver Oliveira, 1992). Vygotsky menciona que o pensamento é originado pela motivação, incluindo nesta as inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção. Neste
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contexto estaria a razão última do pensamento e, deste modo, para compreender por completo o pensamento humano seria necessário compreender sua base afetivo volitiva. Com suas próprias palavras: “A análise em unidade indica o caminho para a solução desses problemas de importância vital. Demonstra a existência de um sistema dinâmico de significados em que o afetivo e o intelectual se unem (...) Permite-nos ainda seguir a trajetória que vai das necessidades e impulsos de uma pessoa até a direção específica tomada por seus pensamentos, e o caminho inverso, a partir de seus pensamentos até o seu comportamento e a sua atividade” (ver Oliveira, 1992). (...) Assim, podemos dizer que, tanto para Vigotsky quanto para Piaget, não existe afetividade sem inteligência nem inteligência sem afetividade. (ZUCHI, 2000, pg. 51).
Este tipo de correlação entre autores pode sugerir aos educadores que ambas as teorias
são próximas ou complementares, no entanto Vigotski faz uma série de críticas das primeiras
teorias de Piaget (VIGOTSKI, 2009, pg.19). Ambos os autores constroem suas teorias em
contextos históricos diferentes, com diferentes objetivos e com fundamentações filosóficas
diferentes. Não é objetivo deste trabalho discorrer sobre as implicações de articular de forma
sincrética conceitos de diferentes abordagens, nem se aprofundar nas divergências e
correlações entre as obras de Piaget e Vigotski. No entanto é fundamental compreender que
diferentes autores possuem diferentes visões de homem e de ciência, e que estas concepções
devem ser consideradas ao se articular suas teorias e muito mais ao aplicá-las no contexto
educacional devido suas implicações.
Algumas autoras, como Bolzan (2003) e Silva (2004), apenas apresentam os conceitos
de Vigotski em seu referencial teórico, mas não fazem operacionalizações destes conceitos em
suas metodologias e em suas análises.
Braga (2000) trás contribuições teóricas importantes, pois apresenta de maneira muito
clara muitos conceitos na teoria de Vigotski, alguns muito pouco explorados na literatura –
como o conceito de adolescência - e obras pouco utilizadas do autor como Psicología Infantil
(VYGOTSKY, 1996). Além disso, a autora articula muito bem esses conceitos em suas
análises, possibilitando ao educador compreender os processos psicológicos subjacentes a
prática de RPG e à partir disso elaborar intervenções. Interessante notar que ao falar de ZDP,
a autora não coloca apenas que o RPG promove essas ZDP, como ocorre em muitos dos
textos estudados, mas como e porque elas ocorrem e quais funções psicológicas superiores
estão sendo trabalhadas:
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No decorrer do jogo o elemento principal de sua execução é a linguagem oral, que acaba contribuindo para que o sujeito se expresse cada vez mais e com maior facilidade, pois suas palavras são os instrumentos de que precisa para realizar a interpretação exigida pelo jogo. Por trás delas está um enredo, no caso do Mestre, e um histórico, no caso do jogador. E permeando ambos está o sistema jogado e sua vivências. Como uma fala mais elaborada, os históricos dos jogadores ampliam seu repertório cultural na medida que lêem para produzi-los, aumentando o próprio vocabulário, expressando-se melhor oralmente e conseqüentemente na escrita. É aí que a escrita se evidencia, na construção desses enredos e históricos. Como na interação grupal, temos diferentes idades e escolaridades, ocorre uma constante “troca” entre os sujeitos favorecendo o processo de aprendizagem. Durante as observações foi possível constatar situações de leituras e correções “ortográficas” de históricos de jogadores pelo Mestre, mas sempre de uma forma bem humorada. Isso leva novamente a uma reflexão acerca da concepção de zona de desenvolvimento
proximal, onde as 'trocas' com parceiros mais capazes ajudam nas funções ainda não desenvolvidas. O processo ocorre nos grupos de RPG observados em que uns ajudam os outros inclusive no processo da escrita. Na confecção dos históricos o Mestre orientam os jogadores a descreverem, a vida do personagem em detalhes, com riqueza de elementos para que a interpretação seja fiel e coesa, e nesse processo uns auxiliam aos outros, seja no empréstimo de livros, na correção ortográfica ou na conclusividade das histórias individuais. (BRAGA, 2000, pg. 71)
Pereira (2003) contextualiza as teorias de Vigotski sobre os surdos para a
contemporaneidade através de Skliar e Sacks. Depois de apresentar os conceitos da
abordagem sócio-interacionista, o autor usa destes conceitos para elaborar seus artefatos para
intervenção e para fazer uma análise dos dados. Apesar de não aprofundar muito suas análises
e não apresentar novos conceitos acredito que a articulação RPG e educação especial já é um
avanço teórico e metodológico importante com boas perspectivas de pesquisa e intervenção:
Para Skliar uma proposta bilingüista não pode ser diretamente encontrada nos escritos específicos de Vygotsky sobre a educação para surdos, mas pode ser inferida dos princípios gerais da teoria sócio-interacionista, principalmente naqueles relacionados à aquisição, ao desenvolvimento e ao papel que cumpre a linguagem na formação dos processos psicológicos superiores e em determinadas passagens de sua teoria "defeitológica" que propõe uma pedagogia compensatória que enfatizaria os pontos fortes da criança ao invés de suas deficiências. Para Skliar (1997), as reservas de Vygotsky em relação à Língua de Sinais podem ser derivadas do contexto histórico e científico em que ele viveu, o qual não lhe teria sido possível superar. Assim, toda a conceituação feita por Vygotsky sobre a linguagem oral pode ser aplicada a linguagem de sinais, uma vez que ambas são equivalentes. (...) Sacks discorre sobre os textos de "Defectologia" de Vygotsky, colocando que o autor russo opunha-se veementemente à avaliação das crianças portadoras de deficiências com base nestas, seus "menos", propondo em vez disso uma avaliação com base no que elas tinham de intacto, seus "mais". Vygotsky veria as crianças portadoras de incapacidades como sendo representantes de tipos diferentes de desenvolvimento. Era esta diferença que qualquer esforço educacional deveria privilegiar. (PEREIRA, 2003, pg. 119).
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Pouco menos da metade dos autores das dissertações e teses analisadas, incluindo
aquelas publicadas em forma de livro, fazem uma reflexão com o contexto social na qual se
insere sua pesquisa, o que no nosso entendimento é uma das características principais da
Psicologia Vigotskiana considerando que para este as funções psicológicas superiores tem
origem social (VIGOTSKI, 2009, pg.149). Os autores que fazem esta reflexão são Pavão
(2000), Braga (2000), Pereira (2003) e Alves (2005). Isso pode ser decorrente do fato de
Vigotski não ser o principal referencial teórico adotado por alguns pesquisadores, como
Bolzan (2003).
Sob nosso ponto de vista, de todas as obras analisadas, apenas as obras de Braga
(2000) e Pereira (2003) avançaram teoricamente através da articulação de conceitos da teoria
vigotskiana aplicada ao uso do RPG na escola, expandindo os limites da teoria para analisar
este objeto de estudo. Apesar de não utilizar das teorias de Vigotski, o trabalho de Pavão
(2000) por trabalhar com Bakhtin, também colabora muito para se entender o RPG sob uma
perspectiva sociohistórica. Os trabalhos acima citados mostram que os estudos sobre o RPG
que se utilizem desta perspectiva não precisam se limitar às possibilidades de aplicação do
jogo na ZDP.
Sobre as apropriações das teorias de Vigoski no Brasil pelos pesquisadores de RPG, os
trabalhos analisados apontam para conclusões bem próximas das de Tuleski (2000) em sua
pesquisa, ou seja, as teorias de Vigotski ainda são pouco conhecidas e aprofundadas no Brasil.
Possibilidades de aprofundamento da relação RPG/Vigotski
Uma possibilidade para estreitar e aprofundar esta relação entre Vigotski e RPG seria
buscar melhores traduções de suas obras em Português, como é o caso do texto Construção do
Pensamento e Linguagem (VIGOTSKI, 2009) no lugar do Pensamento e linguagem
(VIGOTSKI, 2003b) e do texto A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da
criança (VIGOTSKI, 2008) no lugar do O Papel do brinquedo no desenvolvimento – sendo
este o principal texto citado do livro Formação Social da Mente (VIGOTSKI, 2003a).
Outra possibilidade seria buscar outros textos de Vigotski além dos “clássicos”
Formação social da mente (VIGOTSKI, 2003a) e Pensamento e linguagem (VIGOTSKI,
2003b) e ir além da articulação RPG/ZDP, com conceitos como “vivência” – do russo
Perejivanie. Além disso ao falar de desenvolvimento, imaginação, criatividade e afins
geralmente são citados os trabalhos de Vigotski sobre a infância, no entanto este possui textos
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sobre essas questões sob a perspectiva da adolescência como apontados por Koshino (2011)
em sua dissertação de mestrado sobre o desenvolvimento na adolescência.
Neste mesmo trabalho Koshino (2011, p.37) expõe uma questão central nas teorias de
Vigotski a cerca do desenvolvimento a partir de 1930:
Neste sistema em que se inscrevem e se desenvolvem as funções psicológicas superiores, há, segundo Vigotski, dois fundamentos: a unidade de análise e o princípio explicativo necessários para uma investigação ligada às intervenções sobre a realidade. Considera-se a unidade a integração entre as funções mentais e a natureza como um todo. Esta unidade conduz a interpretação de que o homem é uma totalidade psíquica, física, mental, biológica e cultural. As totalidades compõem um processo dialético. Elas existem em relação umas as outras, contradizendo e, ao mesmo tempo, se compondo mutuamente uma dinâmica de funções para formar o todo. (...) O segundo fundamento, princípio explicativo, para Martins (2005), é um conceito que reflete certa realidade que determina fenômenos mentais e torna possível sua reconstrução. “Assim, a unidade de análise circunscreve um campo teórico-metodológico de análise, e o princípio explicativo permite relacionar uma determinada realidade com uma determinada elaboração teórica” (MARTINS, 2005, p. 36). Nos sistemas psicológicos mais amplos e complexos como a personalidade, consciência e autoconsciência humana, para Vigotski, o que muda não são as funções psicológicas, a sua estrutura, a sua parte de desenvolvimento; mas “o que muda e se modifica são precisamente as relações, ou seja, o nexo das funções entre si, de maneira que surgem novos agrupamentos desconhecidos no nível anterior” (VIGOTSKI, 1930/2004a, p. 109). Isto é, qualquer função do desenvolvimento pode estabelecer novas relações com outras funções, entrando em complicadas combinações novas, que atuam em conjunto para surgir um sistema novo. A conexão inicial entre as funções, normalmente, se desintegra para surgir uma nova conexão. Vigotski considerou este fenômeno como geral. Por isso é importante denominá-lo, pois “cada passo que damos é reforçado com uma palavra nova, cada nova regularidade exige um termo e esclarece o significado e o valor de uso dos termos novos. A escolha dos termos e dos conceitos predetermina o resultado da investigação”
Assim identificamos mais um problema nas pesquisas brasileiras que utilizam de
VIgotski como referencial de análise do RPG como promotor do desenvolvimento
psicológico: além de muitas delas não levarem em consideração o contexto social, como
apontado anteriormente, geralmente estas também analisam o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores de forma isolada, sendo que para Vigotski o mais interessante é
justamente a mudança que ocorre na relação entre essas funções proporcionando assim saltos
qualitativos de desenvolvimento. Em seu texto Sobre o problema da psicologia do trabalho
criativo do ator de 1932, Vigotski (VIGOTSKI, 1999, pg.21) deixa isso bem claro em suas
conclusões:
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(...) não é nas emoções tomadas de uma forma isolada, mas em conexões com sistemas psicológicos mais complexos, que a solução do paradoxo do ator reside. Esta solução, como pode ser esperada ainda agora, conduzirá os investigadores a uma posição que tem uma significância fundamental para toda a psicologia do ator. As experiências7 do ator, suas emoções, aparecem não como funções de sua vida mental pessoal, mas como um fenômeno que tem uma significância e um sentido social objetivos, que servem como um estágio de transição da psicologia à ideologia.
Cabe notar que na época de Vigotski ainda não existia o RPG, no entanto seus textos
sobre arte e teatro – como o acima citado – podem ser de grande valia para aprofundar as
análises sobre o RPG e podem ser extrapoladas para sua aplicação na educação, como
proposto por Lindqvist e apresentado por Nilsson (2010, pg.15):
Lindqvist toma como ponto de partida a teoria de Vygotsky de jogo, que, ressalta, é uma teoria do brincar como atividade criativa. Lindqvist quer reinterpretar a teoria de Vygotsky jogo, que, segundo ela, deve ser baseada em seus pensamentos originais em Psicologia da arte e suas investigações sobre a criatividade e a imaginação como dois tipos básicos de atividade. De acordo com Lindqvist, as idéias de Vygotsky dão origem a uma abordagem pedagógica criativa. Ela chama sua contribuição para uma abordagem deste tipo de "pedagogia criativa de jogar" e "mundo lúdico". Ela investiga como as atividades estéticas podem influenciar a brincadeira das crianças, mas também a natureza das conexões entre o brincar e as formas estéticas de teatro e literatura. Pedagogia criativa de jogo é uma atividade pedagógica para creches, pré-escola e escola, onde crianças e adultos participam conjuntamente de um mundo criado e compartilhado de ficção, um mundo lúdico.
Tal proposta para a educação infantil, como exposta acima, poder ser expandida para o
ensino de jovens com os textos de Vigotski sobre adolescência como suporte.
Conclusão
Há muito a ser explorado nas concepções de Vigotski referentes à imaginação, ao
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, e a arte, o que pode contribuir muito
para o avanço dos estudos sobre o RPG e mesmo das teorias sobre jogos sob perspectivas
sociohistóricas. Mas para tanto é necessário buscar novas perspectivas, como a apontada por
Lindqvist, bem como explorar outros textos de Vigotski, e não somente para confirmar ou
validar as idéias de outros autores. Tal postura se torna cada vez mais viável com o
lançamento de obras traduzidas de Vigotski diretamente do Russo, a disponibilidade de um
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grande número de textos na internet e um número cada vez maior de textos de Vigotski
disponíveis ao publico a partir de seu legado como suas cartas e anotações pessoais.
Precisamos ir além da já saturada articulação RPG/ZDP e, tais quais jogadores de RPG, nos
aventurar por novas paisagens, enfrentar novos desafios e assim ganhar experiência.
REFERÊNCIAS
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