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As imagens e as quase-imagens Hermes Renato HILDEBRAND Doutor Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP Programa de Pós-Graduação em Artes Brasil [email protected] Resumo Hoje, a noção de identidade estabelecida pelo modelo cartesiano e pela geometria com um ponto de fuga, dá lugar a um imaginário com várias possibilidades perceptivas e com uma grande diversidade de pontos de observação que podem ser estruturados pela teoria das redes e pelas imagens que servem como mediadoras em todos os ambientes. Os signos digitais e as tecnologias da informação e comunicação estabelecem novas perspectivas de relacionamentos e novas formas de conexões sociais, ambientais, políticas, psicológicas, entre outras, que nos obrigam a repensar o nosso olhar para o mundo. Deixamos de privilegiar os modelos centrados e passamos a privilegiar os acentrados e rizomáticos que primam pelos processos, redes e estruturas multilineares e multifacetadas com base nas quase-imagensque são aquelas produzidas pelos meios digitais e que permitem alterar nossas visualidades e mentalidades. O objetivo desse artigo é analisar as “quase-imagens” e como elas são produzidas. Palavras-chave: Imagem, Tecnologia, Matemática, Geometria, Redes e Sistemas. Abstract Nowadays, the idea of identity established by the cartesian model and the linear geometry has given place to an imaginary endowed with a variety of perceptual possibilities as well as a wide range of points of view based on the theory of networks and on the images that serve as mediators in all environments. Digital signs and information technology and communications create new perspectives on relationships and new forms of social connections, environmental, political and psychological connections which require a rethinking of our eyes to the world. Instead of privileged centralized models, we reflect on decentralized models and rhizomatic model which take into consideration processes, networks and multi-linear and multi-faceted structures based on “quasi-images” are those produced by digital media and allow our visual and mental change. The aim of this article is to analyze the "quasi-images" and how they are produced. Keywords: Image, Technology, Mathematic, Geometry, Networks and Systems.

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Resumo Keywords: Image, Technology, Mathematic, Geometry, Networks and Systems. Palavras-chave: Imagem, Tecnologia, Matemática, Geometria, Redes e Sistemas. Abstract Ao serem atualizadas através das mídias estas representações que são produzidas por códigos numéricos, linguagens de programação e pelos hardwares e softwares de hoje, apresentam-se 1. Introdução

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As imagens e as quase-imagens

Hermes Renato HILDEBRAND

Doutor Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

Programa de Pós-Graduação em Artes Brasil

[email protected] Resumo Hoje, a noção de identidade estabelecida pelo modelo cartesiano e pela geometria com um ponto de fuga, dá lugar a um imaginário com várias possibilidades perceptivas e com uma grande diversidade de pontos de observação que podem ser estruturados pela teoria das redes e pelas imagens que servem como mediadoras em todos os ambientes. Os signos digitais e as tecnologias da informação e comunicação estabelecem novas perspectivas de relacionamentos e novas formas de conexões sociais, ambientais, políticas, psicológicas, entre outras, que nos obrigam a repensar o nosso olhar para o mundo. Deixamos de privilegiar os modelos centrados e passamos a privilegiar os acentrados e rizomáticos que primam pelos processos, redes e estruturas multilineares e multifacetadas com base nas “quase-imagens” que são aquelas produzidas pelos meios digitais e que permitem alterar nossas visualidades e mentalidades. O objetivo desse artigo é analisar as “quase-imagens” e como elas são produzidas. Palavras-chave: Imagem, Tecnologia, Matemática, Geometria, Redes e Sistemas. Abstract Nowadays, the idea of identity established by the cartesian model and the linear geometry has given place to an imaginary endowed with a variety of perceptual possibilities as well as a wide range of points of view based on the theory of networks and on the images that serve as mediators in all environments. Digital signs and information technology and communications create new perspectives on relationships and new forms of social connections, environmental, political and psychological connections which require a rethinking of our eyes to the world. Instead of privileged centralized models, we reflect on decentralized models and rhizomatic model which take into consideration processes, networks and multi-linear and multi-faceted structures based on “quasi-images” are those produced by digital media and allow our visual and mental change. The aim of this article is to analyze the "quasi-images" and how they are produced. Keywords: Image, Technology, Mathematic, Geometry, Networks and Systems.

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1. Introdução

s imagens produzidas pelos homens sempre foram representações visuais de elaborações mentais. As representações imagéticas ritualísticas dos homens das cavernas, as imagens simbólicas nas paredes das catedrais, nas telas de pintura dos

retratos elaborados pelos pintores renascentistas representando os reis, cardeais, papas e burgueses, as representações realizadas em grandes murais, nos livros, em fotográficas, cartazes, nas telas dos cinemas e, hoje, nas telas de televisão e monitores de vídeos, enfim, em todos os suportes bidimensionais e tridimensionais sempre foram representações de nossas percepções mentais. Hoje, acrescentamos a este rol de representações as imagens produzidas pelas tecnologias da informação e da comunicação: as imagens produzidas pelas mídias digitais, as telas dos monitores de vídeo dos computadores, celulares, iphones e ipads todas elas mediando nosso mundo da visualidade através da percepção de muitos pontos de vista, registrando o passado, fixando o presente e simulando o futuro. Passamos a significar e representar os fenômenos mentais que percebemos usando as mídias digitais e utilizando os recursos tecnológicos ao nosso dispor. Assim, ao analisar as imagens geradas por estas tecnologias que estão associadas aos meios de produção e re-produção de informação, observamos e refletimos sobre questões relativas à visualidade e à mentalidade humana. As imagens mentais, por similaridade, unem-se às imagens visuais e, dado o seu caráter abstrato, podemos considerá-las como ícones puros do mesmo modo que o fez Charles Sanders Peirce, ao se referir à pintura. Ele diz que, ao observar uma pintura, “perdemos a consciência que ela não é a própria coisa, a distinção entre o real e a própria cópia desaparece e há um momento que a pintura é puro sonho ... não é uma existência em particular e, no entanto, ela não é geral” (CP 3.362). É exatamente a partir desta percepção abstrata que queremos destacar as “quase-imagens”. Elas são produzidas pelos meios digitais que se utilizam das atuais tecnologias e de suas linguagens para se atualizarem. Segundo Pierre Levy, em seu livro "O que é o virtual?" (1996), a virtualidade permite observar uma falsa oposição entre o real e o virtual. Para ele, o virtual deve ser considerado como algo que existe em potência. O virtual seria a potência de um “devir outro do ser humano”. Em suas próprias palavras, o virtual é um complexo problemático; um nó “de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução, a atualização." De fato, o virtual opõe-se ao atual e não ao real. Assim, a atualização seria como a resolução constante de tendências que constitui a virtualidade. É um fixo que, a cada momento e através de seu potencial, transforma-se em uma entidade em seu devir. Para ele, o real é semelhante ao possível que "está todo constituído, mas permanece no limbo. O possível se realizará sem que nada mude em sua determinação ou natureza. É um real fantasmático, latente. O possível é exatamente como o real, só lhe falta a existência" (Levy, 1996, p.16). Ao serem atualizadas através das mídias estas representações que são produzidas por códigos numéricos, linguagens de programação e pelos hardwares e softwares de hoje, apresentam-se

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sem qualquer referência direta com as coisas do mundo. Explicitam seus devires nas telas e interface de nossas mídias. Estes signos são ”imagens sem olhar” que são aquelas que se concretizam a partir de processamentos numéricos dos computadores, afirma Milton Sogabe (1996, p.113); são imagens que geram uma “ordem visual numérica”, diz Couchot (1982, p.42), ou ainda, podem ser chamadas de “imagens em potencial” e de “imagens sintéticas” herdeiras, ao mesmo tempo, da matemática e da arte (Poissant, 1997, p.89). Neste sentido, todas elas estão dando ênfase ao caráter abstrato, lógico, virtual e diagramático de nossas representações. As tecnologias da informação e da comunicação trazem embutidas em seus dispositivos e interfaces uma lógica de elaboração que privilegia a memória como forma de armazenamento e o processamento como algo estruturado em seu devir. Ele é algo em processo que, fundamentalmente, pode ser estruturado e está presente na ciência da matemática. (Hildebrand, 1994, p.137) Opera com modelos e padrões que atuam mediado por “máquinas semióticas” realizando o processo de ação do signo. Em nossos dias podemos dizer que estas máquinas processam as informações a partir da lógica binária, que, em última instância, deve ser observada como signo numérico ou impulso elétrico, onde o zero representa o instante que não passa energia nos cabos e circuitos elétricos e o um representa o oposto disto. Por outro lado, observamos também que uma das principais atividades da matemática é descobrir as relações internas dos modelos, sem identificar a que objetos os signos matemáticos se referem. Para isto, os estudiosos sempre estiveram preocupados com os tipos de representações que comportam a matemática, em particular, estiveram às voltas com as relações sígnicas no interior da própria ciência e de suas linguagens, preocupando-se com os estímulos visuais e mentais que recebemos. As imagens, diagramas em geral e metáforas, em particular aquelas utilizadas pela matemática, são representações que estruturam signos dos modelos que concebemos mentalmente, isto é, são signos que exteriorizam e concretizam nossos pensamentos.

A noção de diagrama em Peirce, também chamado de ícone diagramático, é de importância fundamental no raciocínio e linguagem matemáticos e lógicos: “o raciocínio deve estar especialmente relacionado com as formas que são os principais objetos do insight racional. Por isso mesmo, ícones são particularmente requisitados para o raciocínio” (CP 4.331). Além disto, os diagramas estão presentes em qualquer tipo de pensamento, até o ponto de podermos afirmar, a partir de Peirce, que todo pensamento é essencialmente diagramático. Sem ícones, seria impossível captar as formas da “síntese dos elementos dos pensamentos” (CP 4.544). São os ícones diagramáticos que constituem também o que se costuma chamar de padrões sintáticos, tanto na linguagem verbal quanto na musical e mesmo na visual, especialmente na arquitetura. (Nöth & Santaella, 1998, p.66).

Quando observarmos as relações entre visualidade e mentalidade somos conduzidos aos conceitos de diagrama e à noção de “hipoícone” e de “quase-signo”. Comecemos então nossa reflexão pela intuição e pelo pensamento. A consciência mostra-se lógica e contínua. As “categorias fenomenológicas” de Peirce mostram essa continuidade quando vão da percepção do fenômeno, em “primeiridade”, com a consciência em total liberdade, rompendo-se na “segundidade” através da alteridade e integrando as oposições em dualidade, mantendo suas características através da continuidade. Em seguida, a consciência, diante da observação do

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fenômeno, já em “segundidade”, busca a resistência no processo de mediação, e finalmente, em direção à “terceiridade” elabora uma síntese intelectual, em pura generalização, estabelecendo uma relação do signo que se traduz no pensamento. Vejamos este mesmo raciocínio no processo de semiose e nas palavras de Peirce. Para ele,

parece, portanto, que as verdadeiras categorias da consciência são: primeira, sentimento, a consciência que pode ser compreendida como um instante de tempo, consciência passiva da qualidade, sem reconhecimento ou análise; segunda, consciência de uma interrupção no campo da consciência, sentido de resistência, de um fato externo ou outra coisa; terceira, consciência sintética, reunindo tempo, sentido de aprendizado, pensamento” (Peirce, 1977, p.14).

Relacionando passado ao futuro e construindo o presente, o pensamento permeia estes vários momentos, e determina-se contínuo. Os fatos vividos estabelecem o rumo de nossas ações tendo o futuro como modelador de nossa conduta e, assim, a noção de continuidade está presente, não somente no pensamento, mas em tudo que fazemos. A produção de conhecimento não é uma ação, exclusiva da mente humana, mas sim, de um processo que se origina na percepção dos fatos que são observáveis no mundo que, por sua vez, estimulam nosso raciocínio lógico, e que, apoiados em uma determinada linguagem, através de nossas ações e dos signos, geram conhecimento e novos fatos observáveis, num círculo interminável de produção de conhecimento. “Do ponto de vista cognitivo, a díade da primeiridade (mente, a fonte da cognição) e da segundidade (matéria, o objeto da cognição) precede a terceiridade, que é o processo dinâmico (evolucionário) da cognição e da semiose como mediação entre primeiridade e segundidade.” (Nöth, 1996, p.243) O processo de semiose como a ação do signo é composto por três constituintes que são relativos às três categorias universais de Peirce: o signo, a coisa significada e a cognição produzida na mente. (Nöth, 1995, p.67) Como queria ele, o processo sígnico deve ser constituído por três entidades relacionadas entre si: o fundamento, que é o primeiro, e se relaciona com um segundo, que é o objeto, ao qual o signo se refere ou está no lugar; os dois são capazes de determinar um terceiro, o interpretante. Assim, de modo unificado vamos encontrar as categorias universais peirceanas e a concepção de signo apoiada nos três correlatos do signo: o fundamento, o objeto e o interpretante, que estão totalmente relacionados a primeiridade, segundidade, e terceiridade, assim como toda a obra deste filósofo americano. Para Peirce, um signo por primeiridade é uma imagem de seu objeto e, em termos mais restritos, só pode ser uma idéia, ele deve produzir uma interpretação num determinado interpretante e, seu objeto, que é externo, excita uma ideia através de relações em uma mente. Contudo, em termos mais estritos ainda, “mesmo uma idéia, exceto no sentido de uma possibilidade, é um ícone puramente por força de sua qualidade, e seu objeto e só pode ser uma primeiridade. Mas, um signo pode ser icônico, isto é, pode representar seu objeto principalmente através de sua similaridade, não importa qual seja seu modo de ser.” Por fim, os hipoícones

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podem ser divididos de acordo com o modo de primeiridade que participem. Os que participam das qualidades simples, ou primeira primeiridade, são imagens; os que representam as relações, principalmente as diádicas, ou as que são assim consideradas, das partes de uma coisa através de relações análogas em suas próprias partes, são diagramas; os que representam o caráter representativo de um representamen através da representação de um paralelismo com alguma outra coisa, são metáforas (Peirce, 1977, p.64).

De fato, uma ideia mental só pode ser expressa através de um hipoícone que é uma imagem. Ela é pura qualidade. É um sentimento que não aparece, apenas se apresenta. Porém, se não aparece, também não pode representar algo para um interpretante qualquer, e deste modo, não é signo, mas é um “quase-signo”. As qualidades de nossos sentimentos e pensamentos são hipoícones. Quando sentimos algo muito intenso: amor, ódio, dor ou paixão, eles nos cegam. Nossa percepção é indivisível, não conseguimos notar nada além deste único sentimento. O insight, que é uma ideia, parece vir deste lugar; do nada, e, nos momentos de contemplação, ela surge num piscar de olhos. Assim, qualquer sentimento que é antes uma qualidade, tem o poder de estar no lugar de qualquer coisa que se assemelhe a ela. Quando observamos uma imagem abstrata produzida pelos dispositivos digitais e contemporâneos e não temos a mínima ideia do que ela representa e como foi produzida, não temos consciência do que ela significa e, por alguns segundos penetramos na imagem tal como num sonho; penetramos numa “quase-imagem”. Quando demonstramos um teorema matemático e chegamos a um raciocínio sintético, consistente e completo expresso através da sua prova, afirmamos que isto é um belo raciocínio dedutivo, pois, de fato, percebendo a qualidade e a beleza do raciocínio humano, expressa em uma fórmula ou em um conceito. Assim, podemos identificar um hipoícone como um sentimento de beleza, e, portanto, uma imagem que é um hipoícone é também uma formulação em si. É um diagrama, que, portanto, trata-se de um signo convencional. E ao contrário, quando estamos destacando uma formulação algébrica, assim com Peirce o fez, estamos construindo analogias entre o signo em si e o seu objeto e neste caso, o que devemos buscar são as verdades relativas que podem ser extraídas além das que são explicitadas pela observação direta. (Peirce, 1977, p.65) As características a serem observadas nos diagramas são as relações entre as partes que contém significado, e, mais do que isto, os elementos usados e suas possíveis relações de semelhança com seus objetos. Por exemplo, se tivermos uma seqüência de números representados pela expressão (a1, a2, a3,..., an,...), então, a seqüência de letras a, que aparece na expressão, são semelhantes entre si com coeficientes diferentes, são consideradas hipoícones. Em função disto, todas as expressões algébricas são hipoícones que, por sua vez, são diagramas. Elas exibem através de seus signos algébricos as relações existentes entre as partes. E o que estamos observando aqui é uma representação como sendo uma imagem. No terceiro caso, o hipoícone é metáfora quando ele mantém uma relação de paralelismo com algo que é outro, naquilo que está sendo representando, no devir da representação. Ele se refere a um segundo signo que é outro diante dele, e só o representa porque possui

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similaridade com o primeiro em algum aspecto. As metáforas são signos genuínos, que ao se referirem indiretamente ao objeto, transformam-se em hipoícones e possuem um grau de iconicidade menor. Elas representam o objeto porque possuem a mesma qualidade estrutural que eles. A metáfora é, por isso, “uma relação triádica na forma de paralelismo entre dois elementos constitutivos, paralelismo que se resolve numa terceira relação.” (Nöth, 1995, p.84)

As metáforas tratam das narrativas que constroem os nossos discursos e estruturam as nossas ideias. Elas são concebidas assim como as “quase-imagens”, por suas características mentais. Os diagramas são visualizações dos pensamentos idealizados através das linguagens de produção de conhecimento. Este tipo de signo pode ser considerado como uma representação mental e, como tais, são modelos de objetos que podem não existir no mundo real. No entanto, são possíveis de serem idealizados através de processos computacionais de simulações ou de atualizações. Hoje podemos dizer que estas representações adquirem vida e se materializam nas telas dos dispositivos digitais, como imagens em processo, pois são concepções realizadas através de procedimentos altamente complexos de programação e visualização que dependem das mídias para se realizarem. As metáforas, os diagramas e as imagens são, de fato, ideias ou imagens mentais que necessitam de algum suporte material para se concretizarem e, às vezes, se apresentam como pura qualidade. Peirce acreditava que o próprio pensamento em si é uma ideia e que os dois são fenômenos de mesma natureza; são partes integrantes de um único e complexo processo de semiose no qual o homem tem lugar e, ambos, homem e signo, estão em constante processo de transformação. 2. Raciocinar com imagem Paul Karlson, em seu livro "A magia dos números", apresenta uma idéia muito interessante. Para ele, o processo de representação do conjunto dos números reais pode ser elaborado através de uma imagem e, exemplifica seu raciocínio, construindo um pensamento que associa a imagem mental do conjunto dos números reais a uma imagem visual da reta, através do princípio de elaboração da fotografia. Vamos reproduzir na íntegra o texto de Karlson, dada a beleza e a riqueza da visualidade desta construção. Ele propõem que anotemos todos os números que conhecemos, "os inteiros e os fracionários, os positivos e negativos - mas todos” mesmos, frisa ele, sem deixar um único de lado. Em seguida ele propõem que tracemos uma reta e afirma que é “mais fácil fazer que dizer, marcamos um ponto 0 - o ponto origem - e um segundo ponto U - o ponto unitário”, conforme a imagem abaixo.

_____________________|________________|____________________ 0 U

Esta reta oferece a imagem fiel de todos os números que já conhecemos. Chegamos assim a um conceito de importância imensa, o conceito de imagem. Na realidade, a reta não se parece absolutamente com um número - não saberíamos, mesmo, que significado atribuir a esta

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afirmação. E, contudo, é realmente uma verdadeira imagem, embora de caráter simbólico. (Karlson, 1961, p.57).

Para o autor, o ato de fotografar se assemelha profundamente a esta concepção mental que acabamos de realizar com a reta dos números reais. Assim, ele afirma que a luz ambiente penetra na lente do fotógrafo indo concentrar-se num ponto que dá origem à chapa fotográfica no processo de elaboração de uma fotografia analógica. A imagem gerada por esta ação cria uma inversão da realidade. Em seguida, esta imagem será transportada para o papel fotográfico invertendo-se novamente, e assim gerando a imagem no papel fotográfico. Ele continua dizendo que não importa a natureza do mecanismo conversor e que a imagem não é um registro fiel do que ocorre na realidade. De fato, ela depende das lentes das máquinas que fazem o registro. E aí, fazendo uma relação direta de similaridade entre a geração de imagem da máquina fotográfica e aquela realizada pelos modelos matemáticos, o autor afirma que

a matemática se encontra na feliz situação de possuir o mais perfeito mecanismo de transmissão que se possa imaginar, absolutamente isenta de erros: o conceito. Com ele, não só se dispõe de imagens simplesmente perfeitas, mas, se está, além disso, em condições de retratar e de por em relação, praticamente, todas as coisas. (Karlson, 1961, p. 58)

Seguindo esse raciocínio ele mostra que a reta que idealizamos, não é tão concreta como poderíamos imaginar, e afirma que podemos projetar “um conjunto de conceitos inteiramente imateriais, os números que já conhecemos, sobre os pontos de uma reta, entidade que pende um pouco mais para o concreto, mesmo admitindo que, a rigor, a reta também nada mais é que criação do raciocínio; contudo, ela possui uma figuração material, se assim quisermos dizer.” (Karlson, 1961, p.57-58)

As imagens geradas pelas mídias atuais possuem a capacidade representar seus objetos de maneira hiper-realista e representar ambientes e situações que nunca existiram. De fato, podemos considerar estas imagens como “quase-imagens” colocando-as diante deste mecanismo de transformação de imagem pensamento nas imagens descritas por Karlson. A qualidade de visualização dos modelos produzidos pelas mídias atuais aproxima-se muito da descrição de nossas representações mentais, feita por ele. Obviamente, estão longe de serem iguais a elas, porém, muito próximas de serem simulações do mundo que concebemos. Para melhor compreender estas observações relativas à visualidade nas produções humanas contemporâneas, devemos considerar a Teoria Semiótica de Peirce, pois ela permite uma abordagem metodológica que observa os signos pelas suas características eminentemente visuais. A infografia - uma forma de organização do pensamento estruturada pelos desenhos, gráficos, mapas, metáforas, diagramas e imagens - pode ser investigada de maneira muito singular através desta teoria. Os insigths produzidos através deste modelo de percepção nos conduzem a alguns aspectos interessantíssimos e muito estimulantes sobre a forma de organização das imagens. Em várias ocasiões, Peirce ressaltou tipos de raciocínios lógicos que privilegiam a visualidade (CP 4.544, NEM 4.375, 4.213). Ele envolveu-se tão profundamente nesta concepção que chegou a

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construir um sistema lógico matemático baseado em signos visuais. Este modelo lógico, ao qual ele deu o nome de ”grafos existenciais”, é uma forma de estruturação dos signos que possibilitam o estudo da lógica através da infografia e, mais que isto, possibilita identificar os aspectos icônicos tão essenciais nas representações imagéticas. Ao descrever a teoria dos ”grafos existenciais” em seu artigo, “lógica dos relativos”, Peirce exibiu a qualidade que as imagens possuem de se organizarem através de suas características estritamente visuais. Comecemos então pela conceituação do que entendemos por visualidade à partir do pensamento de Peirce. Em seu texto "Consciência da Razão", publicado em "The New Elements of Mathematics", ele afirma que,

as expressões abstratas e as imagens são relativas ao tratamento matemático. Não há nenhum outro objeto que elas representem. As imagens são criações da inteligência humana conforme algum propósito e, um propósito geral, só pode ser pensado como abstrato ou em cláusulas gerais. E assim, de algum modo, as imagens representam, ou traduzem uma linguagem abstrata; enquanto por outro lado, as expressões são representações das formas. (NEM 4: 213).

Peirce dá ênfase aos signos pelos seus aspectos diagramáticos e imagéticos a partir das imagens e das expressões matemáticas, cujos enfoques estão nas relações existentes entre os signos matemáticos e os visuais. A matemática traz em si uma perspectiva de percepção que sempre esteve presente nos modelos e nas formas de produzir conhecimento dos seres humanos, ela, historicamente, tem recorrido à visualidade para se organizar. O homem ao observar cientificamente o mundo que o cerca, sempre utilizou as representações visuais para representar seus pensamentos. As imagens são representações de objetos que concebemos mentalmente, isto é, são signos metafóricos e diagramáticos que exteriorizam nossas idéias abstratas, ou pelo menos são raciocínios da mesma natureza. Por outro lado, sabemos da complexidade do tema que propomos abordar, e, ao realizarmos reflexões sobre as relações entre as imagens mentais e visuais, não estamos tratando dos aspectos da visualidade e da mentalidade de maneira óbvia e nem tão pouco de modo trivial, como possa parecer. Ao afirmarmos que a partir de uma imagem mental geramos imediatamente uma representação visual, estamos, na verdade, observando o processo de elaboração de conhecimento identificado por Peirce, segundo o qual, o pensamento é um processo contínuo de elaboração de signos, isto é, um processo de semiose. Este processo tem início em um tipo de inferência lógica: a abdução que determinada de forma branda nossas estruturas, passa pela inferência indutiva que é aquela que nos auxilia na verificação de nossas hipóteses e se encerra num tipo de inferência precisa e bem determinada: a inferência dedutiva. E, assim, a multiplicidade está associada à “lógica abdutiva” e a unidade à “lógica dedutiva”, no mais, o restante é o “método de investigação científica” que está agindo, numa inferência “lógica indutiva”. De fato, diante destes três processos lógicos de percepção estabelecidos pela teoria peirceana – abdução, indução e dedução – transformamos os “quase-signos”, dados em primeiridade, em signos mais evoluídos em segundidade e terceiridade. A

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segunda inferência que é classificada como segundidade, estabelece o processo de interação e de elaboração de conhecimento. Para Peirce não deve haver separação entre a percepção e o pensamento e todo pensamento é um signo, assim como todo conhecimento se dá na percepção e se concretiza nas ações deliberadas, em forma de sínteses de pensamento. O processo cognitivo é contínuo e integralmente determinado e se constitui em um sistema de transformação de signos com início na percepção dos fatos que, por sua vez, aciona nossas mentes e coloca o nosso pensamento em ação, para finalmente, através de uma mente interpretante e de modo singular, estabelecer o repouso do pensamento, sempre subjugado pelos nossos hábitos e valores. Neste processo contínuo de semiose somos levados a produzir novos pensamentos ou novos fatos observáveis, e, assim, sucessivamente, o processo é realimentado. Assim, estabelecemos este processo contínuo de transformação dos signos e conseqüentemente do nosso conhecimento e neste caso estudado, transformando signos mentais em signos visuais. 3. As imagens como “quase-imagens” As novas tecnologias de comunicação aliadas aos processos de simulações e criação de ambientes virtuais alteram significativamente os nossos paradigmas de percepção. As mídias digitais associadas aos softwares e hardwares de hoje apresentam uma nova forma de representar imagens que, aqui, estamos denominando de “quase-imagens”. Hoje em dia, obter uma ótima visualização de um objeto qualquer, através dos computadores, e mais precisamente através das telas de alta resolução gráfica, torna-se algo comum. Por outro lado, estas representações transformam-se em verdadeiros simulacros do mundo real e são imagens hiper-realizadas dos fenômenos, por isso, aparentemente tão reais quanto os próprios objetos que elas representam. De fato, são imagens geradas pelos ambientes virtuais e, não imitam de forma mimética o real, mas sim, substituem-no através de modelos lógico-matemáticos que não simulam ambientes, pois geram imagens que permitem uma interpretação da realidade através de regras estabelecidas pelo raciocínio humano. O primeiro conceito, o de simulação, deve ser entendido aqui na amplitude das características que o organizam. Para produzir uma ambiente de simulação estático ou em movimento somos obrigados a simplificá-los a fim de poder concretizá-los. Em seu livro "Máquinas e imaginário", Arlindo Machado, aborda profundamente esta questão. Para o autor,

o simulacro vem demonstrar como são estreitas nossas categorias de interpretação; ele embaralha essas categorias, a ponto de comprometer sua operacionalidade. O simulacro já não é mais original, nem cópia, nem modelo, nem “reflexo”, nem qualquer dessas categorias. Não é mais a sombra do objeto, porque pode muito bem existir e funcionar sem ele, em alguns casos até tornar-lhe o lugar, mas não é tampouco o objeto, pois não é da mesma natureza. Ele desconcerta justamente pela fundamental ambigüidade: possui propriedades que são específicas dos objetos físicos - portanto, não poderia ser imagem - e outras que são específicas das imagens - portanto, não poderia ser objeto. (Machado, 1993, p.128-129)

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Estes aspectos icônicos das imagens geradas por simulação, através das mídias digitais, estão intrinsecamente relacionados à nossa discussão. As imagens sintéticas produzidas pelas tecnologias da informação e da comunicação são feitas de pura qualidade que, aparentemente, não são realizadas; são aquelas que agora não depende mais de qualquer fato observável, ou seja, são “quase-imagens”. Assim, unimos estes dois conceitos sobre as imagens como simulacro e o conceito de ”quase-imagem”. De fato, elas não passam de números representados de forma binária que são armazenados na memória de alguma “máquina semiótica”. E, assim, afirmar que são imagens, nos parece ser apenas força de expressão, pois, na verdade, não passam de informações e dados codificados numa memória digital por matrizes numéricas. E, somente são visualizáveis através dos programas que processam os algoritmos e os dispositivos de armazenamento de informações digitais e que são visíveis nas telas e monitores de vídeo e interfaces digitais como: celulares, iphones, ipads, etc. São visualizadas como pontos de luz e simulam os modelos que concebemos mentalmente. Por isso, podemos chamá-las de “quase-imagens”. Na visão de Nöth e Santaella, de maneira simplificada, este processo de elaboração da “imagem infográfica”, trata-se, "antes de tudo, de uma matriz algorítmica, imagem que é produzida a partir de três suportes fundamentais: uma linguagem informática, um computador e uma tela de vídeo. Embora a manifestação sensível da imagem na tela do computador seja uma questão elétrica, sua geração depende basicamente de algoritmos matemáticos” (1998, p.159). Para eles, as "imagens pós-fotográficas", assim como as "imagens sintéticas" de Machado, são aquelas que possuem como princípios fundamentais os conceitos de modelagem através de algum sistema lógico-matemático de representação. De fato, verificamos que as questões que envolvem as "quase-imagens” ou como denominamos em outro momento “as imagens matemáticas" (Hildebrand, 2001) são de um grau de complexidade ímpar. Estas ”quase-imagens” produzidas pelas tecnologias de informação e comunicação carregam qualidades matemáticas em seu interior estabelecidas pelos espaços topológicos e pela escrita matemática que as estruturam. Abordamos este tema das estruturas matemáticas das “quase-imagens”, com mais profundidade, em nossa tese de doutorado. Aqui, concluímos apenas que, as qualidades lógicas e não-lógicas destas ”imagens matemáticas” deixam transparecer as estruturas diagramáticas às quais elas pertencem, e assim, podemos constatar a profunda característica icônica destas “quase-imagens”. Os computadores, as redes informatizadas globalmente conectadas, a realidade virtual e as vidas artificialmente concebidas, ao serem associados aos signos, em particular aos signos visuais, gerados pelas novas tecnologias põem à prova nossos métodos de análise, ação e compreensão dos fenômenos. E assim, constatamos que as novas tecnologias modificam nossas formas de planejamento e percepção que, em busca das similaridades e da interatividade entre os vários modelos sistêmicos, intensificam as possibilidades de simulação em todos os campos do conhecimento, transformando o ambiente que vivemos.

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As simulações ambientais realizadas hoje, em toda a sua amplitude de significação, parecem conduzir-nos a novos paradigmas de percepção. Temos a capacidade de planejar ambientes em todas as áreas do conhecimento, de criá-los e recriá-los, segundo parâmetros pré-estabelecidos. De fato, simular pode significar também a criação de ambientes que não existem, mas que podemos imaginar. Simulamos os ambientes, nossa mente, o mundo e a vida. As simulações que criamos estão associadas à idéia de simulacro que, por sua vez pode ser dita como “uma representação falsa, uma representação do que não existe ou do que não é verdade” (Machado, 2001, p.9). Simulamos imagens e simulamos o mundo e então mentimos com as imagens, segundo Umberto Eco. Para ele “a semiótica é, em princípio, a disciplina que estuda tudo que pode ser utilizado com o objetivo de mentir. Se algo não pode ser usado para mentir, inversamente, não pode ser usado para dizer a verdade: não pode ser utilizado, de fato, para dizer nada.” (Eco, 1976, p.7). E assim, estivemos a falar do processo de semiose, nos quais as imagens estão presentes, e nos ajuda a simular, a pensar e a mentir e a criar novas realidades virtuais. 4. As “quase-imagens” no contexto tecnológico A perspectiva renascentista com seu único ponto de fuga, hoje, dá lugar à diversidade de pontos de observação das redes. As formas de representação que há muito estiveram apoiadas no ponto fixo, em unidades discretas de espaço e tempo, na identidade dos objetos e dos sujeitos, dos conceitos e dos fenômenos, hoje, dão lugar à virtualidade das redes, à multiplicidade de conexões que são determinadas pela grande variedade de dispositivos sensórios que produzimos, às diferentes formas de compreender o espaço-tempo e ao conceito de identidade que transforma o sujeito cartesiano em um sujeito descentrado, mediado pela linguagem e é percebido pelos seus modos de subjetivação. Esses sistemas não se organizam apenas pelo modelo lógico clássico, mas sim, por modelos lógicos que melhor se adaptem aos fenômenos que são observados, entre eles encontramos os sistemas “lógicos paraconsistentes” (Costa, 1993) e a “lógica fuzzy” que Solomon Marcus utilizou para analisar questões relativas às identidades. (1997, p.7-12). Os conceitos de verdade-absoluta, certeza e tendências em direção ao centro são substituídos pelas verdade-relativa, incerteza da lógica probabilística e características periféricas de observação dos fenômenos. A Geometria Euclidiana, definida por cinco axiomas, gradativamente, deixa de ser o centro de nossas atenções e é substituída no imaginário dos artistas e cientistas por modelos de natureza topológica baseado nas Teorias das Redes e dos Grafos e nas “quase-imagens”. De fato, a noção de identidade forjada pelo modelo racionalista de René Descartes, que exige um distanciamento entre o sujeito que observa e aquilo ou aquele que é observado, é substituída pela noção de identidade multifacetada do ciberespaço (Santaella, 2004). Hoje, com a redução drástica do planeta e das distâncias em função das tecnologias da informação e da comunicação, a intensa troca cultural a que estamos sujeitos e a grande quantidade de

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informação que produzimos, permitem que geremos novos signos obrigando-nos a entrar em contato com uma infinidade de possibilidades mediadoras. Esta densidade de mediação pode ser entendida como um processo expressivo intensamente dependente dos dispositivos tecnológicos complexos como computadores, sensores eletro-eletrônicos e redes telemáticas. Esses processos recebem um nome genérico que acaba dando conta de uma ampla possibilidade de tipos de mediação. Tratam-se das interfaces, termo bastante em uso, cuja definição teórica ainda está em processo de formulação. Como já vimos, os elementos da visualidade, assim como as expressões abstratas, são relativas ao tratamento matemático e, de fato, de algum modo, as imagens e as “quase-imagens” representam, ou traduzem, as linguagens abstratas, enquanto as expressões são representações destas formas. (Peirce, 1976). Por outro lado, iniciemos está última parte de nosso trabalho identificando três grandes áreas de estudo das representações topológicas matemáticas, são elas: a Geometria Métrica que é aquela que herdamos de Euclides; a Geometria Projetiva que trata das projeções e das transformações invariantes no espaço e a Topologia que observa as representações espaciais matemáticas na sua forma mais geral. De fato, as “imagens matemáticas” (Hildebrand, 2001) produzidas na cultura ocidental estruturam-se por algoritmos extraídos, inicialmente, da Geometria de Euclides, depois das Cônicas de Poncelet, das Transformações Afins de Möbius e Klein, passando por Lobachevsky, Bolyai e Riemann e pelas Geometrias Não-Euclidianas, chegando hoje, às diversas estruturas topológicas: Combinatórias, Algébricas e Diferenciais abrangendo grande parte do conhecimento matemático. Newton Costa define Topologia como "a estrutura global da totalidade dos objetos que estão sendo considerados" (1996, p.113), e assim, ampliamos significativamente os estudos sobre os problemas topológicos, em particular, os estabelecidos para as redes matemáticas com base nas “qase-imagens”. Pierre Rosenstiehl afirma que se alguma forma de conhecimento marca a época em que vivemos essa com certeza será o fenômeno das redes. Segundo ele,

como todos os fenômenos morfológicos profundos, de caráter universal, o fenômeno da rede pertence não só à ciência, mas também à vida social. Cada um de nós se situa em redes, correspondendo cada rede a um tipo de comunicação, de freqüência, de associação simbólica. (1988)

A definição matemática de rede é muito genérica. Elas estão associadas aos objetos matemáticos pela sua natureza topológica. Uma rede é conjunto de vértices ou nós que podem ser: lugares, memórias, elementos nos bancos de dados, pontos de conexão, pessoas na fila de espera, casas de um tabuleiro de xadrez, enfim, tudo aquilo que se caracteriza como fixo. Os fixos são elementos aos quais atribuímos ou reconhecemos características que neles se sedimentam. Porém, o que transforma este sistema em uma rede são as ligações efetuadas entre estes nós, são as arestas, as conexões, os relacionamentos, os fluxos, que são informações que podem circular tendo estes fixos como baliza e catalisadores. As redes são modelos matemáticos estudados pela Topologia Combinatória que, por sua vez, vão buscar referências na Teoria dos Grafos. Já, os Grafos, geram modelos a partir de um conjunto abstrato de pontos sem propriedades, e de um conjunto de linhas que possuem a propriedade de unir dois pontos

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sem se cruzarem. Isto demonstra o grau de liberdade axiomática dos modelos estruturados como rede. Diante de conceituações teóricas onde novas categorias se formulam ou se evidenciam, as Teorias das Redes e dos Grafos, baseada na Lógica Combinatória, apresentam-se como uma solução sistêmica contemporânea que tratam entre outras coisas das “quase-imagens”. A importância desta formulação lógica cresceu com a informática e permitiu solucionar problemas antigos como o Famoso Teorema das Quatro Cores, onde a demonstração não se constitui mais de uma dedução puramente lógica, ela necessita do uso dos computadores para se efetivar. A Lógica Combinatória também permitiu analisar os Problemas das Configurações das Amizades e dos Matrimônios ou das Afinidades Eletivas que lidam com as estruturas sociais, formalizando relações e comportamentos. Os ecossistemas constituídos pela capacidade que possuem de gerar relacionamentos entre os “nós” fluindo pelas “arestas”, determinam também a multiplicidade dos ambientes percebidos e o caráter dialógico das linguagens apresentadas pela diversidade dos sistemas semióticos. Abandonamos o centro e passamos a atuar em todas as partes e em todas as direções, a partir de informações locais que se associam as globais. Nesta dinâmica dos processos de mediação cada vez mais densos e complexos, verificamos que as interfaces digitais, hoje, permitem novas formas de conexão entre todas as áreas do conhecimento humano, em particular, com os elementos da cognição humana através desta associação entre imagens e “quase-imagens”. As Ciências e as Artes na contemporaneidade portam-se como se estivessem esfacelados, mas, na verdade, deixam claro que se organizam em modelos que, ainda, não estão totalmente determinados. Buscamos pensar a tecnologia digital para além de uma simples ferramenta de produção de conhecimento e passamos a observá-la em seu potencial de virtualização com dimensões filosóficas que adquire estruturas e que, por sua vez, produz “modelos” em devir que se organizam como nossas mentalidades. De fato, a virtualização dessas estruturas tecnologias digitais apresentam potenciais de transformação e de desterritorialização que nos fazem pensar o espaço-tempo de maneira diferente, aberta e ampla. Entretanto, não podemos desconsiderar que essas mesmas tecnologias também nos reduzem aos sistemas fechados de conservação e de exclusão. Conforme Lévy (1999) e Flusser (2007) indicam, as tecnologias não são boas nem más, e nem neutras, não podem ser olhadas isoladas do contexto histórico em que são criadas, mas em seus modos de estabelecer modos de subjetivação, de produzir velocidades e reduzir distâncias, de provocar mudanças qualitativas e quantitativas na ecologia dos signos. De fato, identificamos particularidades na forma de uso das tecnologias digitais que possibilitam, pela interação e pela mediação, a interferência e alteração do conteúdo apresentado. Para Pierre Lévy, o modelo digital não é lido ou interpretado como um texto clássico em sua linearidade, ele deve ser explorado interativamente através das relações que gera e, portanto, pode ser visto pelas suas características de rede.

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Nesses modelos digitais dá-se a produção de sentido através de interatores que criam suas próprias narrativas, produz uma estrutura virtual que não se opõem à real, mas torna-se um real virtual abalando as fronteiras e limitações entre o que é interior e exterior, o que é materialização e o que é virtualização e sendo estruturado pelos modelos topológicos. Essa virtualização, materialização e atualização do modelo digital implicam em outras formas de representação que exigem que abordemos as questões pertinentes à própria tecnologia: interatividade, interconexão, imersão e simulacro que são questões que se referem à metodologia dos sistemas transmidiáticos, identificados como sistemas hipermidiáticos por Manovich (2006). 5. Conclusão Concluindo este trabalho, verificamos que, no começo do século XX, a “Ciência dos Padrões” (2002) está preocupada com a teoria da probabilidade e com o cálculo diferencial e integral, refletindo as certezas e incertezas dos padrões gerados pelos elementos da natureza e da cultura. A partir deste instante, os fenômenos que nos cercam, passam a serem percebidos como sistemas em processo e, portanto, em constante movimentação e mutação diante de uma infinidade de contradições que geram vários modelos lógicos. De fato, na teoria das incertezas: a probabilidade observa os eventos pelas repetidas vezes que eles acontecem, traduzindo em quantidades numéricas as possibilidades de ocorrência de um fato ou de um fenômeno. Esse conceito, se levado às últimas conseqüências e aos dias de hoje, apresenta um pensamento fundamentado por teorias axiomáticas e por conceitos sistêmicos que nos permitem construir modelos absolutamente abstratos e vinculados aos códigos numéricos. As tecnologias digitais, como equipamentos coletivos de subjetivação, colocam-nos alguns desafios que somente podem ser pensadas a partir de abordagens transdisciplinares das relações entre homem-máquina, homem e meio. Uma fabricação transdisciplinar via agenciamentos maquínicos de saberes e fazeres coletivos como produto e produtor de múltiplas subjetividades. Construção de subjetivações que fogem aos modelos identitários presos às verdades absolutas e determinações a priori e que transformam o sujeito em um observador interno do sistema, dando fim à polaridade sujeito-objeto. Há uma realidade virtual acontecendo e definindo outros modos de subjetivação que pertencem a cultura digital. Finalizando, devemos dar ênfase às conexões, às arestas e a fluidez das bordas, aos espaços vazios e ao sujeito mediado pelo “Outro” na linguagem e na cultura. Todos estes modelos não enfatizam a idéia de ponto fixo, de tempos e lugares determinados, de sujeitos e objetos com identidades bem definidas. Buscamos sim, a multiplicidade das formas que se interconectam, as soluções dos problemas que descrevem dinamicamente um grande número de unidades cooperantes, embora individualmente livres, e ainda tratam da simulação dos sistemas complexos e de uma infinidade de temas onde o paradigma acentrista tem lugar. Ao olhar para as produções de hoje percebemos que o perfil produtivo do momento em que vivemos está apoiado nos conceitos e procedimentos lógicos matemáticos de nossos

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dispositivos eletrônicos e digitais, e, obviamente produz as muitas formas de representação através das diferentes formas de linguagens. Porém, destacamos que os signos matemáticos, cada vez mais, fazem parte e organizam os fundamentos lógicos destas nossas formas de representação, em particular, destacamos que as “quase-imagens” unem as imagens visuais com as imagens mentais, a visualidade com a mentalidade e ao criar simulacros que se atualiza, através da ciência da matemática, produzimos as ”quase-imagens”. Referências COUCHOT, Edmond (1982) La synthèse numérique de l’image vers un nouvel ordre visuel, In: Traverses n.26, octobre, p.56-63. COSTA, Newton C. A. (1990) Ensaios sobre os fundamentos da lógica, Hucitec, São Paulo. _______ (1993) Sistemas formais inconsistentes, Editora da UFPR, Curitiba. DEVLIN, Keith (2000) The language of mathematics: making the invisible visible, New York, W. H. Freeman & Company, ECO, Umberto (1976) A theory of semiotics, Macmillan, London. ROSENSTIEHL, Pierre. (1988) Lógica Combinatória, In: Enciclopédia Einaudi, Casa da Moeda- Imprensa Nacional, Portugal, Vol.13, p.228-246. HILDEBRAND, Hermes Renato (1994) Umatemar: uma arte de raciocinar, (Texto inédito) Dissertação de Mestrado apresentada no Departamento de Multimeios da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, São Paulo. ________ (2001) As imagens matemáticas: a semiótica dos espaços topológicos matemáticos e suas representações no contexto tecnológico, (Texto inéditoTese de Doutorado apresentada no Departamento de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, São Paulo. KARLSON, Paul (1961) A magia dos números: a matemática ao alcance de todos, Editora Globo, Rio de Janeiro. LEVY, Pierre (1996) O que é o virtual?, Editora 34, São Paulo. ___________ (1999) Cibercultura, Editora 34, São Paulo.

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