RTC4Patrícia Marília da Conceição - p.18

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“Comprando o que parece ser” 1 : o discurso consumista na construção de subjetividades Patrícia Marília da CONCEIÇAO Graduanda em psicologia - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) /Brasil Em intercâmbio na Universidade do Minho (UM) /Portugal [email protected] Resumo Este artigo problematiza a produção de subjetividades no contexto da linguagem consumista, admitindo linguagem como práticas que criam e legitimam realidades. E, consumismo como o uso exagerado de produtos efêmeros e supérfluos. Assim, no âmbito da linguagem da internet, analisei três blogs, uma vez que o blog tem provocado uma revolução no acesso às informações, além de ser um espaço útil aos propósitos capitalistas de instiga ao consumismo. Um dos blogs é de uma pessoa famosa que se posiciona tanto como objeto de consumo, quanto veículo de produtos através de sua imagem. Outro, compartilha informações da marca Coca-Cola entre colecionadores e admiradores, por meio de um discurso que estimula o consumismo. No terceiro, embora o conteúdo divirja do consumismo, há espaços dedicados a publicidades, que anunciam a suposta completude dos indivíduos. Em todos os blogs, conforme a perspectiva analítica de Normam Fairclough (2001), o discurso consumista se posiciona como reflexo e construtor de realidades, intermediado por ideologias e exercício do poder, numa dialética social, que sinaliza contradições de sociedades em termos de política, economia, interação social. Palavras-chave: Blog, Consumismo, Linguagem, Subjetividade. Abstract This paper discusses the production of subjectivities in the context of consumerist language, considering language as practices which create and legitimate realities. And, consumerism as the overuse of ephemeral and superfluous products. So, within the language of the internet, I reviewed three blogs, because blogs have caused revolution in information access. Besides, blog is a useful space for the capitalist purposes of encourages consumerism. One of the blogs is from a famous person who positions herself as both object of consumption, and vehicle products through its image. Other blog shares information from Coca-Cola brand among collectors and fans, through a discourse that encourages consumerism. The third, although its content differs from consumerism, there are spaces devoted to advertising, 1 Em todo o artigo, inicio uma sessão com uma frase da música “Propaganda” de Nação Zumbi. Desde o título até às considerações finais.

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1 Em todo o artigo, inicio uma sessão com uma frase da música “Propaganda” de Nação Zumbi. Desde o título até às considerações finais. Resumo Palavras-chave: Blog, Consumismo, Linguagem, Subjetividade. Abstract Ainda conforme esses autores, a linguagem não serve para comunicar o que vemos, mas o que ouvimos. Isso porque o “ver” relaciona-se a uma realidade, enquanto que o “ouvir” Keywords: Blog, Consumerism, Language, Subjectivity. “Agitando a feira das vontades (...) Vendam, comprem” (Introdução)

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“Comprando o que parece ser” 1: o discurso consumista na construção de subjetividades

Patrícia Marília da CONCEIÇAO Graduanda em psicologia - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) /Brasil

Em intercâmbio na Universidade do Minho (UM) /Portugal [email protected]

Resumo

Este artigo problematiza a produção de subjetividades no contexto da linguagem consumista, admitindo linguagem como práticas que criam e legitimam realidades. E, consumismo como o uso exagerado de produtos efêmeros e supérfluos. Assim, no âmbito da linguagem da internet, analisei três blogs, uma vez que o blog tem provocado uma revolução no acesso às informações, além de ser um espaço útil aos propósitos capitalistas de instiga ao consumismo. Um dos blogs é de uma pessoa famosa que se posiciona tanto como objeto de consumo, quanto veículo de produtos através de sua imagem. Outro, compartilha informações da marca Coca-Cola entre colecionadores e admiradores, por meio de um discurso que estimula o consumismo. No terceiro, embora o conteúdo divirja do consumismo, há espaços dedicados a publicidades, que anunciam a suposta completude dos indivíduos. Em todos os blogs, conforme a perspectiva analítica de Normam Fairclough (2001), o discurso consumista se posiciona como reflexo e construtor de realidades, intermediado por ideologias e exercício do poder, numa dialética social, que sinaliza contradições de sociedades em termos de política, economia, interação social.

Palavras-chave: Blog, Consumismo, Linguagem, Subjetividade. Abstract

This paper discusses the production of subjectivities in the context of consumerist language, considering language as practices which create and legitimate realities. And, consumerism as the overuse of ephemeral and superfluous products. So, within the language of the internet, I reviewed three blogs, because blogs have caused revolution in information access. Besides, blog is a useful space for the capitalist purposes of encourages consumerism. One of the blogs is from a famous person who positions herself as both object of consumption, and vehicle products through its image. Other blog shares information from Coca-Cola brand among collectors and fans, through a discourse that encourages consumerism. The third, although its content differs from consumerism, there are spaces devoted to advertising,

1 Em todo o artigo, inicio uma sessão com uma frase da música “Propaganda” de Nação Zumbi. Desde o título

até às considerações finais.

announcing the supposed completeness of the individuals. In all blogs analyzed, according to Norman Fairclough's (2001) analytical perspective, the consumerist discourse is positioned as reflex and builder of realities. Moreover, it is intermediated by ideologies and exercise of power, in a social dialectic, which signals contradictions of societies in terms of politics, economy, interaction social.

Keywords: Blog, Consumerism, Language, Subjectivity. “Agitando a feira das vontades (...) Vendam, comprem” (Introdução)

linguagem, além de ser útil à comunicação, é utilizada como forma de construção e constituição do sujeito, envolvendo, assim, todas as possibilidades de transações deste. Dessa forma, a linguagem dominante no contexto em que o sujeito vive, “em

diálogo constante com a multidão de outras vozes que também nos modelam, coloreiam e recheiam”, justifica suas escolhas, uma vez que durante toda a sua vida o sujeito transita num universo que é permeado pela linguagem, assim que, sem esta, não se pode falar de sujeito. (Paula Sibilia, 2008, p.31)

E, uma vez que a linguagem é social, o sujeito insere-se nesta a partir das interações estabelecidas com o outro, o qual é definido como tudo que o sujeito interage. Ou seja, todos os aspectos que influenciam sua aquisição, compartilhamento e produções de sentidos e saberes. Assim, nossas relações sociais num mundo que é, sobretudo, simbólico, não emergem apenas de nossas características biológicas. E, segundo Julia Kristeva (1969, p. 17), “todas as práticas humanas são tipos de linguagem visto que têm a função de demarcar, de significar, de comunicar”

Essa linguagem não se refere a um código lingüístico apenas, nem a uma função psicológica superior com implicações cognitivas, mesmo considerando-se que a cognição também seja construída culturalmente. Por linguagem, pois, entende-se uma prática humana influenciada por múltiplos aspectos culturais, a exemplo, só para melhor entendimento, da religião, da política e da economia. Lembrando que todos estes aspectos, considerados como constituições simbólicas que rodeiam o sujeito, também influenciam na cognição. Assim, consoante Sibilia (2008, p.16), “quando ocorrem mudanças nessas possibilidades de interação e nessas pressões históricas, o campo da experiência subjetiva também se altera, em um jogo por demais complexo, múltiplo e aberto.”

Ao nascer, o indivíduo é submetido, involuntariamente, a processos de socializações que o fazem apropriar-se dos discursos a sua volta. São esses discursos, pois, que constroem a realidade, corroborando o que disseram Guilles Deleuze e Félix Guatari (1997, p.13), a saber: a “linguagem não é a vida, ela dá ordens à vida; a vida não fala, ela escuta e aguarda.” É nesse ordenamento da vida que a linguagem não constrói apenas uma realidade, mas quantas realidades sejam necessárias, de acordo com os discursos existentes.

Ainda conforme esses autores, a linguagem não serve para comunicar o que vemos, mas o que ouvimos. Isso porque o “ver” relaciona-se a uma realidade, enquanto que o “ouvir”

A

refere-se a algo que fora construído. Nesse sentido, nenhuma linguagem está comprometida com a verdade, uma vez que esta, em estado absoluto, não existe. O que existe, entretanto, são verdades, a depender do ponto de vista. “A linguagem não é mesmo feita para que se acredite nela, mas para obedecer e fazer obedecer.” (Deleuze e Guatari, 1997, p. 12) Esse obedecer está relacionado à forma como vivemos, ou seja, seguindo o que consideramos melhor para nós, em termos de normas de conduta. E, conforme Friedrich Nietzsche ([S/D]2001, p.7),

a “coisa em si” *como sendo precisamente a verdade pura e sem conseqüência], enquanto objeto para aquele que cria uma linguagem, permanece totalmente incompreensível (...). Acreditamos possuir algum saber sobre as coisas propriamente, quando falamos de árvores, cores, neve e flores, mas não temos entretanto aí mais do que metáforas das coisas, às quais não correspondem absolutamente às entidades originais.

Dentro das possibilidades de realidades construídas e constituídas pela linguagem para serem obedecidas e entendidas como verdade, destaco o discurso consumista. Ao se falar de consumismo é necessário distingui-lo de consumo. Consumir, por sua vez, refere-se ao ato de adquirir objetos e serviços para que sirvam à satisfação de alguma/algumas necessidade/necessidades. Segundo Zygmunt Bauman (1999, p. 87), “(...) todos os seres humanos, ou melhor, todas as criaturas vivas “consomem” desde tempos imemoriais”.

No entanto, considerando-se todas as evoluções pelas quais o ser humano passou e vem passando, a exemplo da evolução biológica, histórica, econômica, psicológica, surgiram novas necessidades. Nesse sentido, destaca-se o consumismo, ou seja, uma ação cujo sentido não contempla apenas as demandas consideradas necessárias aos seres humanos, porque outras questões estão envolvidas na realização desse ato.

De modo geral, consumismo é o consumo exagerado, sobretudo, de objetos efêmeros e supérfluos. Dessa forma, a publicidade, corroborando a linguagem capitalista, assume a função de nos apresentar a indispensabilidade dos objetos, através da idéia de que os mesmos são a solução para sermos pessoas felizes e completas. Entretanto, a mesma publicidade que veicula a suposta completude, também está implicada na divulgação de tendências de moda e ordem para serem seguidas, afirmando o caráter retrógrado das coisas e, nesse caso, sendo necessário a aquisição de produtos da moda como forma de alcançar a felicidade. Segundo Guilles Lipovetsky (1989, p. 12), “a moda está nos comandos de nossas sociedades; a sedução e o efêmero tornaram-se, em menos de meio século, os princípios organizadores da vida coletiva moderna; vivemos em sociedades de dominante frívola, último elo da plurissecular aventura capitalista-democrática-individualista”

A história mostra que a prática do consumismo não esteve presente desde sempre, e teve seu auge após a revolução industrial. Segundo Bauman (1999), vivemos numa sociedade do consumo. Assim, como a prática consumista é fruto de todo um sistema, para extingui-la é necessário construir uma sociedade mais solidária e menos individualista, que leve em conta a alteridade, sem a proposta de impor às pessoas um modo de viver. Conforme Castor Ruiz (2006), a alteridade é um critério de discernimento ético, o qual deve mover toda prática humana. Ela é o limite das ações éticas, as quais perdem seu caráter à medida que ignora a existência do outro, direta e/ou indiretamente. Assim, é notório a importância do outro na

vida do sujeito. Quando a alteridade é negada, o outro passa a não ser reconhecido como igual, mas inferior ou superior. É dessa negação, pois, que surgem as desigualdades sociais.

Nesse sentido, pode-se considerar as práticas consumistas como fuga à ética por não reconheceram a alteridade. A ética, mais do que códigos de normas e procedimentos a serem requeridos dentro de um determinado grupo, são práticas que influenciam o modo de ser do sujeito, sua ação no mundo, seus princípios, valores, ideais. E, a ética também influencia as relações do indivíduo com outros indivíduos, bem como com a natureza e as demais esferas do mundo. A ética, por ser uma linguagem, constrói verdades, as quais se naturalizam ao passar por processos de instituições. Assim, a ética é considerada como um conjunto de padrões e códigos implícitos e/ou explícitos que prescrevem ou problematizam determinadas condutas. Todavia, embora haja códigos de ética que organizam melhor a sociedade, a ação humana nunca será unânime, pois cada indivíduo é livre para interpretar o mundo conforme suas particularidades. Isso porque, diante das muitas subjetividades, o mundo só passa a existir da forma como é visto.

Ao contrário do que propõem as noções de alteridade, o consumismo tem se consagrado sobre as bases individualistas capitalistas, considerando o outro, na maioria das vezes, apenas como um consumidor, se não atuante, ao menos em potencial, de modo que as práticas éticas de solidariedade não são incentivadas.

Consoante Bauman (1999, p. 88-89), “se os nossos ancestrais filósofos, poetas e pregadores morais refletiram se o homem trabalha para viver ou vive para trabalhar, o dilema sobre o qual mais se cogita hoje em dia é se é necessário consumir para viver ou se o homem vive para poder consumir.” Nesse sentido, pode-se observar que, mais do que uma vontade individual de consumir, trata-se de um modelo, discursivamente legitimado e historicamente maior, no qual o indivíduo está inserido. É, segundo o autor, a sociedade do consumo.

Assim, como exemplo desses discursos, está a linguagem da internet, a qual, segundo Juliano Spyer (2007, p. 21), “é uma mídia diferente das outras porque possibilita a comunicação simultânea e de duas vias entre várias pessoas.” Essa característica da simultaneidade, bem como de uma maior velocidade das informações tem beneficiado o comércio. Segundo, Spyer (2007), houve um crescimento visível do acesso à internet a partir da década de 1990. A partir desse momento, além das trocas de valores e outros aspectos, a internet passou a ser palco de transações comerciais.

Uma das formas de perceber essas trocas simultâneas na internet, bem como a velocidade, é através dos blogs. Blog, pois, é a contração da palavra inglesa “weblog”, sendo log relacionado a diário e web à internet. Assim, blog é um diário mantido na internet, administrado por uma ou mais de uma pessoa.

Segundo Hugh Hewitt (2007), os blogs começaram a se difundir em 1999 e, tomando como parâmetro o período de escrita do livro, existiam mais de quatro milhões de blogs circulando na internet, fazendo parte do que se denomina blogosfera, ou seja, o conjunto de todos os blogs. Vale ressaltar que a blogosfera tem tido um crescimento exponencial, embora existam diversos segmentos da sociedade que ainda nem tenham acesso à internet.

Segundo o autor citado acima, os blogs tiveram amplo crescimento após o atentado de 11 de setembro, em 2001, uma vez que as pessoas tinham o interesse em uma rápida comunicação, o que ficava mais difícil se tivessem que esperar pelas edições dos jornais, ou dos programas televisivos. E, com os blogs, tinham-se notícias em tempo real, oriundas das pessoas que estavam presenciando os acontecimentos. “O segredo é a rapidez. Assim que o hábito é criado, é difícil acabar com ele, porque o tempo é algo muito precioso hoje em dia.” (Hewitt, p. 19).

O fato de muitas pessoas acessarem blogs em busca de notícias é um indicador de que a confiança em relação aos mesmos tem aumentado, em se tratando de comparação com outros tipos de mídia, aos quais, num movimento oposto, a confiança tem sido diminuída, devido ao seu caráter manipulador, sobretudo quando se fala de televisão. “A blogosfera tem a ver com confiança. (...) Como ninguém tem tempo para entender tudo, precisamos confiar em intermediários” (Hewitt, p. 21-22). Entretanto, por mais que a edição de informações nos blogs não seja tarefa apenas de grandes instituições, não se pode isentar os blogs da característica manipulativa.

Ainda conforme Hewitt (2007), as conseqüências advindas do blog em nossa sociedade têm provocado uma revolução social semelhante às conseqüências advindas da Reforma Protestante no século XIV. Isso porque durante toda a idade média as pessoas comuns, por não terem acesso aos textos sagrados, ficavam impossibilitadas de desafiar à autoridade da igreja católica. Ao contrário, viviam submetidas a essa instituição poderosíssima.

Todavia, com a Reforma Protestante as pessoas tiveram acesso aos textos sagrados e, assim, puderam fazer suas próprias interpretações acerca do que consideravam a vontade de Deus expressas naqueles textos, deixando de seguir o que se impunha como a vontade de Deus, sobretudo quando se tratava da compra de indulgências para remissão de pecados e ganho da vida eterna. Uma ressalva, no entanto, deve ser feita ao fato de que as livres interpretações da bíblia, embora tivessem alcançado uma maior flexibilidade e dinamicidade, não passaram a existir assim de uma hora para outra. E, ainda hoje, tais interpretações não são legitimadas por qualquer pessoa, existindo, ainda, o comportamento de submissão a uma interpretação considerada verdadeira.

Da mesma forma, atualmente os cidadãos comuns, sem acesso à informação, são manipulados pelas autoridades. O poder da blogosfera, no entanto, está em fornecer as informações a todos os que, minimamente possam ter acesso à internet e interesse pelo conteúdo que está sendo posto pelo blogueiro, proporcionando uma novidade, ou seja, comunicação com uma quantidade ilimitada de pessoas, assim como a criação da impressora proporcionou que muitas pessoas tivessem acesso aos textos sagrados.

Em se tratando de liberdade, o que a possibilitou, no tempo da Reforma Protestante, segundo Hewitt (2007), foi o surgimento da imprensa propiciado por Johannes Gutenberg, quando, em 1499, criou a primeira impressora. O autor argumenta que por causa das possibilidades causadas pela impressora a Reforma Protestante teve seu êxito, pois através das impressões as idéias de Martinho Lutero, principal ícone da Reforma Protestante, e demais reformadores, as quais se referiam a acusações ao comportamento da igreja católica

em desvirtuar o povo da do que eles consideravam a verdade de Deus presente na Bíblia, puderam ser espalhadas tanto pela Alemanha quanto pela Europa, com repercussão em todo o mundo. Assim como a Reforma Protestante, o blog tem provocado uma evolução e abertura no acesso à informação, sobretudo quando se trata da agilidade e facilidade que este proporciona. “O antigo monopólio da informação tinha uma enorme capacidade de decidir onde e quando as notícias seriam ‘notícias’”.

Assim como através dos blogs os indivíduos estão mudando seus hábitos (deixando e/ou criando novos) em diversas áreas de sua vida, haverá, também, novos hábitos de consumo, publicidade e marketing, de modo que é preciso refletir sobre a relação do ser humano com o consumismo nesse contexto revolucionário proporcionado pela blogosfera e seu poder sobre a sociedade. Segundo Hewitt (2007, p. 160) “o blog é uma oportunidade quase gratuita de estabelecer e defender uma marca, introduzir novos produtos ou produzir agitação, por um tempo indefinido.”

Além disso, segundo Sibilia (2008) as pessoas estão cada vez mais deixando as práticas de leituras e assumindo a posição de consumidores de aparelhos eletrônicos, e, conseqüentemente, do que advém destes. Desse modo é que a internet tem sido um alvo de consumo de todas as pessoas e, o que parece ser bem interessante é que, além de consumir a internet, as pessoas a estão utilizando como veículo para consumirem outras coisas e efetivarem outros desejos.

É nesse ponto, pois que deve ser levado em consideração o risco que se corre ao julgar como desnecessário o que outras pessoas têm como imprescindíveis. Isso é que torna difícil visualizar o momento em que as práticas de consumo ultrapassam o que se considera necessário para se tornarem consumismo. Dessa forma, ao pontuar a relação entre o ser humano e as coisas frívolas, Guilles Lipovetsky (2008, p. 346) questiona-se: “quais consumos deveriam ser “sacrificados”? A quê seria preciso renunciar? (...) o que é útil e o que é supérfluo nesse domínio? Onde fica a fronteira que separa as verdadeiras das falsas necessidades?”

O autor conclui que a solução para o hiperconsumismo não está em, radicalmente, deixar de consumir, uma vez que também é preciso levar em consideração o prazer humano em consumir o que outros possam considerar besteiras. Assim,

Uma vida frugal e “racional”, sem luxo nem frivolidade de espécie alguma, é realmente aquilo que aspiramos? Isso é esquecer que não consumimos apenas para satisfazer necessidades “primeiras”, mas também para sonhar, distrair-se, aparecer, descobrir outros horizontes, “aliviar” a existência cotidiana. Evitemos perder de vista essa “recreação psicológica” que marca nossos modos de consumo. (Lipovetsky, 2008, p. 347)

Todavia, voltando às reflexões a respeito do modo como a linguagem estrutura o ser humano, é preciso considerar não o que deve e o que não deve ser consumido, mas, no entanto, a relação entre o consumidor e seu objeto de consumo, refletindo sobre as possíveis alienações nesse consumismo, sobretudo pelo o que Bauman (1999) pontua sobre a sociedade do consumo.

Diante de todas as considerações realizadas, o objetivo desta pesquisa é problematizar a relação do ser humano, em se tratando se sua constituição pela linguagem, com o consumismo, bem como o reflexo que isso ocasiona em seu estado psicológico. Como linguagem a ser analisada, escolhi a linguagem da internet, mais especificamente, a linguagem dos blogs, nos quais será possível observar discursos que perpetuam o consumismo.

A escolha de blog foi devido ao fato deste instrumento está sendo muito utilizado para transmitir as informações de forma cada vez mais veloz. Diferentemente dos outros meios de comunicação, o blog tem algumas peculiaridades, dentre as quais, além da agilidade, destaca-se o fato de uma mesma pessoa poder assumir o papel tanto de emissora da informação quanto de receptora. Isso é evidente quando, por exemplo, diante de algum post (mensagem deixada pelo dono do blog – blogueiro) lido em algum blog, o leitor tem a facilidade de, imediatamente, comentar sobre o que leu. E, nesse comentário, tanto pode conter o conteúdo de uma resposta a alguma pergunta que por ventura fora feita, ou uma nova informação. Nesse último caso, fica nítido que o receptor também pode atuar como emissor.

“Proteja-se do que você vai querer”

Segundo Norman Fairclough (2001), o discurso é um modo de ação, operando dialeticamente através de um reflexo da sociedade e construção da mesma. A frase acima nos adverte à proteção de nossos desejos, uma vez que estes não são frutos apenas de nossa vontade, mas produzidos pela realidade na qual estamos inseridos. Assim, baseando-se em tal dialética social, tanto nosso querer é construído pela sociedade do consumo, quanto construtor da mesma, processo realizado através de influências mútuas. Diante disso, utilizarei a Análise Crítica do Discurso de Fairclough como ferramenta analítica para problematizar o consumismo nos blogs. Tal perspectiva concebe o discurso como uma prática social que influencia e é influenciada pela sociedade, através de um mecanismo dialético marcado por ideologias e poder.

Ao analisar a blogosfera restringi-me aos seguintes tipos de blogs: blogs de pessoas comuns que, através de seus discursos, estimulam ao consumismo, além de observar se nesses blogs existem espaços dedicados a anúncios de algum produto ou marca, como se o blogueiro estivesse vendido seu espaço no blog para a publicidade de empresas. Outro tipo de blog é de pessoas famosas que usam sua imagem para comercializar algum produto. E, ao mesmo tempo, se vendem como coisas através do blog, uma vez que no sistema capitalista é possível que tudo assuma um valor e seja comercializado; “Necessidades adquiridas na sessão da tarde (...) Vendo tudo reluzente”

A escolha dessas duas frases serve para exemplificar que, em meus resultados e discussões, percebi que necessidades são construções sócio-históricas, ou seja, são adquiridas, uma vez

que os produtos são veiculados pelos “tentáculos do mercado” (Sibilia, 2008) e mostrados como sendo reluzentes através das habilidades da publicidade.

A escolha dos blogs, inicialmente, partiu dos 100 blogs mais acessados, segundo o ranking estabelecido em 2007, pelo Technorati, o qual é um site de busca por determinados assuntos ligado à blogosfera e, além disso, funciona como uma ferramenta que indica quais blogs estão ocupando as melhores posições no quesito popularidade, maior quantidade de links que outros sites fazem respectivamente a algum blog. Através desse método, escolhi um blog: “Jesus, me chicoteia!”, o qual estava na posição 63. Os outros dois foram escolhidos aleatoriamente, um porque representa o consumo de pessoas famosas e o outro no qual todo o seu conteúdo refere-se ao consumismo de uma marca. Antes de chegar à escolha desses blogs, visitei muitos outros, dentre os quais nem todos tinham o conteúdo consumista.

Abaixo estão os blogs selecionados, todos analisados no segundo semestre de 2009.

Jesus, me chicoteia! Link: http://www.jesusmechicoteia.com.br/

Nas palavras do autor deste blog, Marco Aurélio, “O Jesus, me chicoteia! nasceu em fevereiro de 2002 como fruto da combinação de dois fatores: a pressão de uma ex-namorada para que eu escrevesse um blog e a minha recente falta de fé. Deu nisso: um espaço confuso, que mistura sátira da Bíblia com confissões pessoais e muita, muita lamentação.” Este blog está dentro da esfera prevista de blogs nos quais existem espaços dedicados a anúncios de algum produto ou marca, como se o blogueiro estivesse vendido seu espaço no blog para publicidade de empresas.2 Coca-cola conversations Link: http://www.coca-colaconversations.com/

O criador deste blog é Phil Mooney, historiador e arquivista para Coca-cola nos últimos 30 anos.O objetivo do blog é compartilhar informações da história da marca em questão para colecionadores da mesma. Este blog está dentro da esfera de blogs de pessoas “comuns” que, através de seus discursos, estimulam ao consumismo.

Carolina Dieckmann Link: http://bloglog.globo.com/blog/blog.do?act=loadSite&id=170&mes=10&ano=2009#

Esta é uma atriz da rede globo, um canal de televisão brasileiro, que atuou em diversas novelas. Segundo seu perfil, ela “é um dos maiores talentos da nova geração de atrizes. Com muito carisma e transparência, Carolina é sempre Carol (...)”. Como o perfil está em terceira pessoa, entende-se que não fora ela quem construiu o blog, embora haja textos no blog de sua autoria. Este blog está dentro da esfera: pessoas famosas que se vendem enquanto coisas e que usam de sua imagem para comercializar objetos.

2 Ao entrar no link do blog em 10 de abril de 2011, percebi que o mesmo já não existe e que, em seu lugar, tem

a seguinte página: http://marcurelio.wordpress.com/. E, o mais interessante é que não encontrei espaços

dedicados a publicidade.

No blog “Jesus, me chicoteia!”, embora o conteúdo central não seja de estímulo ao consumismo, é possível observar tal estímulo como conteúdos periféricos em diversas páginas, tais como anúncios do Google (empresa destinada a desenvolver serviços online, cuja sede localiza-se nos Estados Unidos da América. Um site de busca semelhante ao Technorati). Há também a existência de links que direcionam o leitor para páginas do site Submarino, um dos principais sites de comércio online do Brasil, mostrando a interatividade entre o usuário e o vendedor. Não tenho informações suficientes para afirmar se estes espaços do blog “Jesus, me chicoteia!” foram vendidos ou se, de qualquer forma, a depender do tipo de blog, o blogueiro não consegue impedir que os anúncios estejam presentes em seu blog, mesmo que não ganhe dinheiro por isso. Talvez o ganho seja ter este espaço gratuitamente na internet. Nesse sentido, vale comentar que muitas empresas que desejam ter seu produto veiculado pela blogosfera costumam localizar um blogueiro, cujo conteúdo de seu blog esteja relacionado com o produto em questão, e pagar-lhe uma determinada quantia para que tal produto seja anunciado numa das margens do blog.

Num dos espaços do blog, no dia 19 de novembro de 2009 (é preciso ressaltar que existe uma rotatividade nos anúncios), havia a seguinte frase: “o natal é nosso”. Ao clicá-la, entrei numa página de publicidade de notebook do submarino. Vários modelos foram apresentados, com muitas opções de pagamento, possibilidades de comprar outros produtos (mouse, webcam, mochila) num pacote único junto ao notebook e com desconto. Existe a possibilidade de se fazer download do manual do notebook, observar as opiniões de outros compradores a respeito do produto, espaço para esclarecimento de dúvidas, links explicativos sobre forma de pagamento. Além disso, há o espaço para procura de outros produtos pelo site, tais como MP4, sandálias, camisas, livros, etc. Então, o que inicialmente se apresentava como um blog com conteúdos satíricos da bíblia, direciona o leitor ao mundo das compras.

Anúncios em blogs oferecem links para que o leitor interessado no produto possa, apenas com um clique, entrar numa página na qual contenha várias explicações a respeito do produto em questão. “(...) os anúncios em blogs estão entre os mais eficazes e baratos anúncios no mundo para atingir um público de alta renda e/ou alto nível intelectual com visibilidade instantânea. (...) os anúncios de blog oferecem oportunidades visuais, além de produtos específicos ao alcance de um clique, que rapidamente irão superar a antiga mídia. (Hewitt, 2007, p. 164, 165).”

Como exemplo de outros anúncios do blog analisado em questão, está um MP10, apresentado de um modo que o usuário possa se convencer que, de fato, precisa deste produto: “Sinal de TV grátis; câmera digital 2 MP; 2 chips ativos; MP3 e Bluetooth 2.0”. Ou seja, trata-se de um discurso que tem por objetivo fazer os indivíduos acreditarem que tudo o que precisam está contido neste objeto. Isso é a insatisfação pregada pelo capitalismo. Além da facilidade para o pagamento, podendo, pois, ser parcelado, através de cartões de crédito, o que tem sido uma realidade constante. Por outro lado, comprar à vista, minimamente por um preço correspondente ao que o produto vale, transformou-se num prêmio, pois tal compra é sempre anunciada em tom promocional, fazendo os consumidores não se importarem em estar comprando parcelado e pagando mais caro. E, como o desejo

de comprar é intenso, as pessoas têm preferido comprar muitas coisas ao mesmo tempo do que uma por vez e tendo a possibilidade de economizar dinheiro e valorizar mais o produto.

Por trás dessa teia de consumismo, a qual envolve todos, uma vez que estamos submersos nesse mar capitalista, existe uma linguagem que a legitima, sobretudo através de veículos que transmitem necessidades de consumo. No caso em questão, o veículo é o blog. Nesse sentido, as propagandas são exemplos típicos de discurso que impulsionam ao consumo, as quais têm o objetivo de mostrar a carência e incompletude dos indivíduos em relação a um determinado produto, de modo que a solução está em consumir o que elas estão veiculando. A sensação que nos dá, diante de uma propaganda, é que, de fato, precisamos consumir o que ela está veiculando.

Segundo Sibilia (2008, p.25)

é impossível desdenhar a relevância dos laços incestuosos que amarram essas novas tecnologias ao mercado, instituição onipresente na contemporaneidade e muito especialmente na comunicação mediada por computador. Laços que também as prendem a um projeto bem identificável: o do capitalismo atual, um regime histórico que precisa de certos tipos de sujeitos para alimentar suas engrenagens (e seus circuitos integrados, e suas prateleiras e vitrines, e suas redes de relacionamentos via web), enquanto repele ativamente outros corpos e subjetividades.

No blog “Coca-cola conversations”, havia um post, publicado em 13 de novembro de 2009, que justificava o consumo de Coca-cola através da história de um atleta que se teve êxito numa competição de sua modalidade, além do depoimento do mesmo a seguir: “Quando eu fui para uma corrida de seis dias peguei uma jarra de Coca-cola e levei para New York comigo e a bebi durante todo o tempo em que estive lá. Depois desta experiência, eu nunca fico sem Coca-cola porque ela me mantém fresco (...).” 3

Nesse exemplo, percebe-se o discurso como “um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros” (Fairclough, 2001, p. 91). Assim, mesmo que, de forma aparentemente neutra, o objetivo seja comunicar que um determinado corredor costumava beber coca-cola numa freqüência considerável, é preciso refletir sobre a capacidade de ação que o discurso tem, ou seja, sua capacidade de poder. No caso em questão, existe um estímulo para que se consuma Coca-cola, através de um discurso que visa mostrar esta bebida como sendo capaz de manter o consumidor num estado de bem-estar.

Em outro post, publicado em 16 de novembro de 2009, o autor do blog publica fotos do casamento de um dos comentadores assíduos de seu blog (Ray). Após as fotos, eis a frase: “vamos todos levantar um brinde a Coca-cola e dar a Ray e Dianna nossos melhores desejos!” 4 Tal homenagem a este leitor advém do fato deste estar usando a marca Coca-

3 “When I first went into a six-day race took a jug of Coca-cola to New York with me and drank it all the time I

was there. After that experience, I have never been without Coca-cola because it keeps me fresh (…)”

4 “lets all raise our glasses in a Coca-cola toast and give Ray and Dianna our Best wishes!”

cola na decoração de seu casamento, o que, mais uma vez, mostra o estímulo ao uso desta marca. Assim, verifica-se que “o discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado.” (Fairclough, 2001, p. 91).

Como colecionador, o autor deste blog presta-se a divulgar a marca Coca-cola de forma bastante criativa, discurso que converge com o posicionamento político da marca. E os comentários dos leitores refletem uma parcela da sociedade que também admira a marca em questão.

Ao me debruçar sobre o blog de “Carolina Dieckmann” escolhi analisar um post, publicado em 26 de julho de 2009, e os comentários advindos deste. No post escolhido Carolina comentava a morte do cantor Michael Jackson, o qual morreu em 25 de julho de 2009. Meu objetivo nesta escolha era perceber se, pela grande quantidade de comentários, havia uma interatividade entre o que Carolina tinha escrito e os comentários seguintes. Assim, pude perceber que de 263 comentários seguidos ao post apenas 31 são referentes ao assunto postado. Os demais comentários são de exaltação e admiração dos fãs à Carolina, característica típica deste tipo de blog, como nos exemplos a seguir: “vc é surpreendente”; “vc ta linda na foto,ou melhor,em todas as fotos...Ta mtu PERFEITA.” ; “CAROL FIQUEI ARRASADA QUANDO EU SOUBE QUE A NOVELA SÓ VAI COMEÇAR EM JANEIRO PORQUE SEM VC NÃO EXISTE TV, NÃO EXISTE CINEMA, NEM TEATRO RESUMINDO NADA EXISTE SEM VC, EU NÃO QUERO NEM PENSAR QUANDO ACABAR A REPRISE DE SENHORA DO DESTINO5. MILHÕES DE BEIJOS DA SUA ETERNA FÃ Nº1 QUE VAI ESTAR SEMPRE DO SEU LADO, QUE TE ADORA THAÍSSA”6

Esta confiança muito grande por parte dos fãs evidencia o que Fairclough (2001) afirma sobre a função do discurso em contribuir às relações sociais entre as pessoas. Assim, tem-se esse tipo de relação na qual o outro é alvo dos desejos consumistas. Nesse sentido, ainda conforme o autor em questão, a linguagem não pode ser considerada como um movimento que parte apenas do indivíduo, desconsiderando o contexto social em que está inserido. Antes, o discurso tem o caráter social, de modo que numa fala estão presentes muitos outros, mesmo que seja apenas um indivíduo falando.

Quanto aos 31comentários sobre a morte de Michael Jackson, todos foram superficiais, sem posicionamento crítico, sendo, quase em sua maioria, finalizados com elogios à atriz, desviando a atenção da morte do cantor para se concentrarem mais no que se poderia chamar de consumismo de pessoas como objeto. Como no comentário a seguir: “Concordo plenamente ! Sempre que ouvirmos as musicas dele, ele estará presente e sempre vivo em nossa memoria e coracão...Mudando de assunto (radicalmente), eu to adorando ver a reprise de senhora do destino...gosto muito da sua personagem... Beijo grande !”

5 “Senhora do Destino” foi uma telenovela brasileira exigida pela emissora de televisão Globo, no período de 28

de junho de 2004 a 12 de março de 2005.

6 O texto em letra maiúscula foi tirado do blog exatamente como estava nos comentários.

Outro ponto interessante é perceber o quanto as pessoas sentem necessidade em acompanhar a freqüência de posts do outro, desejando o máximo de informações variadas, ou seja, fotos, vídeos, palavras. Além de demonstrar insatisfação caso o artista não se apresente da forma esperada. Assim, um fã comentou: “pq não posta mais vezes no blog linda ? Pooooxa pensamos q agora q entrou de ferias iria aproveitar para "blogar" um pouquinho mais...” Nesse sentido, segundo Bauman (1999, p. 91), “os consumidores não devem nunca ter descanso. Precisam ser mantidos acordados e em alerta sempre, continuamente expostos a novas tentações, num estado de excitação incessante – e também, com efeito, em estado de perpétua suspeita e pronta insatisfação”. Ainda sobre a necessidade de acompanhar a vida do artista, percebi vários comentários que versavam sobre as fofocas da suposição de Carolina ter realizado uma cirurgia no corpo com o propósito de colocar silicone.

Com a ampla utilização dos novos meios de comunicação, as pessoas estão cada vez mais descobrindo e inventando formas de utilizarem seu tempo em consumismo. Esses novos meios de comunicação criam novas identidades sociais, o que se constitui como uma das funções que Fairclough (2001) atribui ao discurso. É interessante pensar que antes do massivo uso da internet os fãs enviavam cartas pelos correios e apenas o artista e/ou quem ele desejasse poderia ver. Pode-se dizer que o mesmo acontecia e acontece com os e-mails. Entretanto, o uso dos blogs tem propiciado uma configuração diferente, ou seja, qualquer pessoa, e em qualquer lugar onde se tenha acesso à internet, pode entrar num blog e ver tudo o que é dito. Nesse sentido, levanta-se o questionamento se, ao entrarmos em um determinado blog , estamos nos aproximando da intimidade dos outros ou se, para se adequar às tecnologias, as pessoas estão criando novas identidades, a saber: as identidades virtuais.

É interessante refletirmos que sob a influência da modernização das sociedades industriais, a vida ganhou aspectos mais privados. Como exemplo, as pessoas começaram a ter quartos próprios. Inicialmente os homens e depois as mulheres. Entretanto, atualmente as pessoas têm aberto mão dessa privacidade e exposto suas vidas nas páginas da internet, seja em sites de relacionamentos, em blogs, etc. Ou, o que também é provável, ao invés de mostrarem quem são, os indivíduos estão se mostrando através de identidades virtuais criadas e modificadas em curtos intervalos de tempo.

As pessoas divertem-se acompanhando a vida dos outros em todos os detalhes, sempre desejando mais informações, esclarecimentos. Estando na sociedade de constante controle, tal como pontuou Deleuze (apud Rogério da Costa, 2004), as pessoas são prontamente submersas a uma lógica do poder. Diferentemente da sociedade disciplinar foucaultiana, em que as pessoas seguiam padrões ordenados, sobretudo, pela arquitetura dos prédios que propiciavam instituições, na sociedade de controle as pessoas vivem numa prisão a céu aberto. São controladas o tempo todo e em todas as áreas. E, desse controle, advêm-se a vigilância constante e o estímulo à exposição. É nesse caso, pois, que se posicionam os fãs, sobretudo pelas influencias do que Bauman (1999) denominou de sociedade do consumo.

Em nossa sociedade está havendo transformações significativas entre as esferas do público e do privado. Atualmente, mesmo com possibilidades para se desfrutar das características de ambientes privados, as pessoas têm exposto suas intimidades de modo cada vez mais enfático, através, sobretudo, da prática de revelar quem são nas páginas da web. E, por outro lado, existe um exército ávido por novidades e atualidades dos outros, o que Sibilia pontua como uma “avidez de bisbilhotar e consumir vidas alheias.” (Sibilia, p.78).

Também observei a característica do artista veiculando produtos e marcas através de sua imagem, conforme coloquei na metodologia. No exemplo a seguir uma fã pede para que Carolina informe a marca dos óculos que costuma usar: “Sou sua fã!! fã do seu jeito de ser...voce como sempre linda!! mas me tira uma duvida... QUAL A MARCA DO OCULOS QUE VC TEM USADO ULTIMAMENTE?? UM BEM GRANDE...SEMPRE VEJO NAS FOTOS NO EGO E ACHO PERFEITOOOOOOOOOOOOOOOOOOO.”

No exemplo acima, percebe-se o poder exercido pelas marcas nas subjetividades, o qual, numa de suas facetas, propaga a idéia de que usufruir uma determinada marca é indicativo do alcance de status e reconhecimento como pertencente a um determinado grupo. Além disso, existe a associação entre a imagem da atriz, que é divulgada como um padrão de beleza, e o objeto que usa/veicula. Assim, o padrão de beleza associado à marca constrói o entendimento de que o ser bela é, dentre outras coisas, uma conseqüência do uso de tal marca. E, como reflexo na sociedade e, mais especificamente nas pessoas que já são fãs da artista, há o aumento da freqüência de consumo da marca em questão.

Neste blog percebi, como características de blogs de modo geral, o fato do leitor ser, também, um emissor, isto é, produtor de informações. Alguns fãs utilizaram o espaço para enviar links de outros blogs, tanto de fãs quanto de outras temáticas, a exemplo do comentário a seguir: “Olá, Carol! Tenho 2 amigas (Dri e Gabu) que vendem os vestidinhos mexicanos que você A-D-O-R-A direto de Oaxaca! O blog delas é o http://www.mexdress.blogspot.com/. Dá uma conferida, Carol! Tenho certeza de que você vai amar! Beijos”

Após ler todas as mensagens escritas até o dia 29/10/09, contando que o post foi remetido no dia 26/07/09, não encontrei nenhum comentário de Carolina, mesmo diante das perguntas mais diretivas que lhe eram feitas. O espaço dos comentários também foi utilizado para pedir ajuda financeira, oferecer produtos para venda, marcar entrevistas.

De modo geral, após as três análises acima, percebi a presença do discurso consumista invadindo diversos espaços. E, conforme o pensamento dialético de Fairclough (2001) a respeito de discurso, é possível observar que, assim como as práticas individualistas são fomentadas pela linguagem capitalista, esta, por sua vez, ganha espaço pelos valores da cultura na qual o modo de produção capitalista está inserido. Isto é, práticas consumistas não se resume a apenas um reflexo do sistema capitalista.

“Sua propaganda não vai me enganar”

Em termos de considerações finais, pontuo que, devido ao fato da sociedade viver sobre bases do individualismo, na maioria das vezes a busca por prazeres, privilégios e acumulação de riquezas suplantam a busca por participação política e democrática. Falar de sociedade de consumo não se resume a uma posição determinista na qual os indivíduos são marionetes do sistema, do qual não conseguem se desarticular. Ou seja, como se a sociedade existisse desvencilhada dos seres sociais, de nossos atos, linguagem, conceitos, pré-conceitos e preconceitos.

Nesse sentido, parece haver uma crença compartilhada de que a busca por resolução de problemas sociais é sempre dever do outro, sobretudo do Estado, e, dessa forma, pouco se observa um esforço no desenvolvimento de práticas de sociabilidade e compartilhamento. Do contrário, observa-se mais lutas por bens materiais e/ou simbólicos. Ou seja, mesmo diante das contradições e deficiências de nossa sociedade, poucos são os que assumem a responsabilidade em lutar por realização de perspectivas melhores. Todavia, na maioria das vezes, os indivíduos vivem em torno de si mesmos buscando realizar sonhos, os quais, em sua grande maioria, são influenciados pela sociedade de consumo.

Dessa maneira, nossas práticas acabam por refletir um possível esquecimento de que mudanças significativas estão intimamente associadas ao compartilhamento mútuo, reconhecimento da alteridade, ação que seqüencia e pode ser conseqüência de comportamentos de resistência a formas de conduta impostas, tais como o consumismo.

No entanto, para não cair no determinismo inverso, baseando-me na perspectiva analítica de Fairclough, os comportamentos citados acima não são inerentes ao indivíduo, visto que são influenciados pela sociedade. Ou seja, deve-se considerar o caráter dialético do consumismo, uma vez que tanto é um reflexo da sociedade como construtor da mesma.

Atrelar consumismo e internet, por sua vez, proporciona uma visão de como o ser humano tem se constituído no contexto contemporâneo, isto é, numa configuração na qual imperam fragmentações e quebra de valores. Ao se pensar em internet, é possível perceber o quanto ela tem crescido em alta velocidade ultimamente, constituindo o que Sibilia (2008) denomina de consumidores da web 2.0. “É precisamente esse grupo que tem liderado as metamorfoses do que significa ser alguém – e logo ser eu ou você – ao longo da nossa história recente.” (Sibilia, 2008, p.26)

Por isso, é perceptível a importância desse trabalho no que se refere à reflexão sobre a realidade do universo consumista. Como atitude política, acredito que o tema do consumismo deva ser expandido para diversas outras áreas, alcançando, pois, todos os segmentos da sociedade. Não apenas o acadêmico, como é de costume o fato de os debates terem dificuldades para atravessar os muros das universidades. Por outro lado, faz-se necessário um debate no qual haja troca de conhecimentos e conseqüente produção de novos saberes mutuamente entre a universidade e as outras esferas da sociedade.

A psicologia, por sua vez, tanto a prática quanto a teórica, ou as duas juntas se pensarmos que é difícil separar teoria e prática, precisa estar mais implicada com esses tipos de

questões, uma vez que lida diretamente com o ser humano, o qual atribui sentido ao mundo e a si próprio, constituindo-se subjetivamente, através do contexto no qual está inserido.

Referências

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COSTA, Rogério (2004) Sociedade de controle. São Paulo em perspectiva, 18(1): 161-167.

DELEUZE, Guilles & GUATTARI, Félix (1997) Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. vol. 2. Tradução de Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. São Paulo: Ed. 34.

FAIRCLOUGH, Norman (2001). Teoria social do discurso. In: Discurso e mudança social. Coordenação de tradução, revisão técnica e prefácio de Izabel Magalhães. Brasília, Editora Universidade de Brasília, p.89-131.

HEWITT, Hugh (2007 Blog: entenda a revolução que vai mudar seu mundo. Tradução de Alexandre Martins Morais. Rio de Janeiro: Thomas Nelson.

KRISTEVA, Julia (1969) História da Linguagem. Tradução de Maria Margarida Barahona. Lisboa: Edições 70.

LIPOVETSKY, Guilles (2007) A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras.

____________________ (1989) O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras.

NIETZSCHE, Friedrich. Verdade e mentira no sentido extramoral. (S/D) [Em linha] Apresentação por Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: Comum, jul./dez.2001. v.6 – nº17 – p. 05 a 23. Disponível em: <http://operigodobelo.files.wordpress.com/2008/03/nietzsche-verdade-e-mentira.pdf> [10 de abril de 2011].

RUIZ, Castor. M. M. Bartolomé (2006) Autonomia e alteridade, possibilidades e fragilidades da ética como práticas de subjetivação. In: Desafios éticos e políticos da cidadania. Ensaios de ética e filosofia política II, PIRES, Cecília. & PIZZI, Jovino. (orgs). Rio Grande do Sul, Ijuí: Unijuí.

SIBILIA, Paula (2008) O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

SPYER, Juliano (2007) Conectado: o que a internet fez com você e o que você pode fazer com ela. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.