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    Essa composio ideal preconizava as relaes racionais e no asrelaes sociais que tornam o espao concreto, que o espao vivo e dotado desentido de lugar. Prosseguindo, o homem perde as sensaes e percepes doambiente, tendo em vista que [...] o cosmo medieval imenso, porm infinito.(TUAN, 1980, p. 153). A viso axial, cuja predominncia a vertical, ainda na IdadeMdia, vai pouco a pouco sendo substituda pela predominncia da horizontalidade,especialmente com as descobertas cientficas, que para Tuan (1980) destituiu osambientes construdos das relaes espirituais, metafricas, msticas, etc.

    [...] o ciclo hidrolgico era concebido como tendo essencialmente uma nicadimenso, a vertical. AMeteorolgicade Aristteles e o cosmo lendrio daIdade Mdia lhe atriburam este vis. [...] O processo fsico transformou-sena imagem popular das transcendentes entre a alma humana e Deus. Aalma, como a gota do orvalho ou com a gua, procura ser alada eabsorvida no cu; e Deus nas alturas fornece o apoio espiritual para a almasedenta, como a chuva para a terra esquecida. Quando o ciclo hidrolgicoganhou sua dimenso horizontal perdeu seu poder metafrico tornou-se umprocesso puramente fsico, vazio de implicaes transcendentais esimblicas. (TUAN, 1980, p. 154)

    Assim, as cidades passaram a ser pensadas no pelatranscendncia, mas pela racionalidade, pelo extremo rigor geomtrico das relaesde proporo, como se a idealizao da vida humana estivesse resumida a crculos,

    retngulos e quadrados. [...] O crculo e o quadrado representavam a perfeio: acombinao dessas duas figuras eram realadas no planejamento idealizado.(TUAN, 1980, p. 181).

    A mudana mais radical entre a Idade Mdia e o Renascimento ailuso da terceira dimenso. pela iluso da profundidade que Tuan discorre sobrea mudana axial da sociedade europeia, conferindo ao plano bidimensional, aterceira dimenso por recursos geomtricos. O mundo vai se efetivando pela

    artificialidade da linha reta.[...] a natureza oferece poucas linhas retas. [...] as condies artificiais daperspectiva de um ponto de vista, onde melhor so encontradas nanatureza, num vale fluvial com suas vertentes convergentes e com adiminuio da largura da corente em direo da nascente. A luz e a corpodem ser exploradas para aumentar o efeito espacial do recuo. (TUAN,1980, p. 156)

    As proposies renascentistas no se concretizaram no espao real,tendo em vista no s sua racionalidade, mas tambm pela excluso de aspectossocioambientais e do cotidiano da populao. Entretanto, no perodo Barroco soefetivadas as intervenes racionais sobre o traado das cidades medievais, almda construo de cidades residenciais e palcios suntuosos. Versalhes e Kralsruhe

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    so exemplos notveis de cidades residenciais e de manses suntuosas queexpressaram o sentido de poder e de grandeza do perodo barroco. [...] (TUAN,1980, p. 182).

    As intenes poltico-administrativas moldaram as paisagens dessascidades pontuando o processo de institucionalizao, que caracterstica dodesenho urbano barroco, destacando-se conjuntamente a atividade comercial e aszonas porturias. pelo poder do rei que processa a construo do espao,modificando a estrutura csmica das cidades antigas, e, por conseguinte abrecaminhos para novos problemas urbanos. (figuras 33, 34, 35 e 36)

    [...] as intervenes do barroco frequentemente tomavam partido da

    abertura dos espaos de beira-rio para a utilizao pblica e oembelezamento urbano. O autor comenta que na Renascena, as cidadeseuropias quebraram o estrangulamento medieval nas reas de beira-rio ecriaram espaos abertos na orla, com bulevares, permitindo a entrada dosol, do vento e a vista. (MELLO, 2008, p. 128 apud MANN, 1973, p. 14)

    Figura 33: Planta do Palcio de Versalhes Figura 34: Croqui em perspectiva do Palcio doLouvre.

    Figura 35: Parc de Voux. Destaque para o edifcioresidencial, cercado por jardins geomtricos.

    Figura 36: Interveno em Paris s margens doRio Sena. Museu do Louvre.

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    A vida da cidade moderna se constri a partir das necessidades dasociedade do sculo XVII e se torna complexa com as alteraes do sculoseguinte, devido Revoluo Industrial, em que urbanizao e industrializaofundem-se nas cidades. Choay (1979) explica que pelo aumento exponencial dapopulao que as cidades sofrem os maiores impactos da industrializao, que, porsua vez, se processa devido concentrao da produo txtil prximas aos cursosdgua, quando a mquina de fiao, movida a energia hidrulica inventada e,sucessivamente a mquina a vapor.

    O adensamento populacional que se processa de forma maisconstante e efetiva em alguns pontos prximo ao surgimento de atividadesestruturais desencadeia e potencializa os problemas urbanos, principalmente aquesto da higiene coletiva e pessoal. O poder institudo no estava preparado paracompreender a necessidade da problemtica higinica quando a populao aglutinae se adensa no habitat . Em Londres e nas suas imediaes, como outras cidadesprximas, h relatos detalhando que havia [...] os montes de poeira e sujeira que se juntavam em todos os espaos abertos, dentro e fora de Londres., detalhando aindaalguns aspectos dos bairros residenciais:

    [...] o adensamento e extenso sem precedentes dos bairros operriostomam quase impossvel o escoamento dos detritos; ao longo das ruascorrem guas servidas e esgotos a descoberto, e qualquer recanto estcheio de amontoados de lixo e imundices. Os bairros residenciais soconstrudos preferencialmente prximos dos locais de trabalho, pelo que ascasas e as oficinas ficam amide em contato, alternando-se sem qualquerordem e perturbando-se mutuamente. (ABIKO; ALMEIDA; BARREIROS,1995, 39)

    O processo de urbanizao vinculado industrializao precede sleis, s discusses e a organizao racional do espao, atropelando todas as

    relaes anteriores, especialmente, pela perda da qualidade do ambiente urbano,com imagens de caos, desordem e epidemias.

    A era industrial foi marcada por um conjunto de fatores que conduziram desvalorizao e degradao dos espaos urbanos em margens decorpos hdricos. O planejamento urbano passou a ser preponderantementeregido pela economia da terra e pela especulao imobiliria. Lotes,quarteires e ruas padronizados multiplicavam-se extensivamente. Em facedo desenvolvimento tecnolgico, os contornos e elementos naturais norepresentavam grandes obstrues. Crregos e nascentes no erampoupados da ocupao desenfreada e sem critrios. (MELLO, 2008, p. 132)

    Historicamente, a modernizao do espao urbano tem seu beroem Paris, na segunda metade do sculo XIX, cuja industrializao foi acompanhadapelo aumento da populao, advinda do campo, pela interveno planejadora de

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    grande escala, com o sistema de bulevares, proposto pelo baro de Haussmann,com favorecimento ao capital financeiro e a especulao imobiliria (BENJAMIN,1985). (figura 37)

    As cidades europias tiveram um processo de industrializao,sobrepondo as formas medievais e barrocas, novos traados e novas propostas deocupao do territrio. Nesse momento, o urbanismo se institui e so formuladasvrias teorias a cerca do modelo urbano ideal. Como distingue CHOAY (1965), duasposies marcaram o incio do urbanismo como disciplina e cincia, que podem sercaracterizadas pelas vises prospectiva e retrospectiva. A essa primeiracorresponde o urbanismo progressista e a segunda o culturalista.

    Figura 37: Retificao do traado medieval. Plano de Hausmmann, Paris, sec. XIX.

    A formulao da cidade moderna no foi, portanto, proposta a partirde um pensamento linear, mas fruto de vrias experincias, em toda a Europa,devido s mudanas decorrentes da urbanizao acelerada. Nos primeiros anos dosculo XX, a cidade moderna ficou restrita teoria e sua experincia prtica s foipossvel no perodo entre guerras (1918-1939), pois com a destruio das cidades,houve espao para a consolidao do ideal moderno, visto que eram necessriasrespostas rpidas e eficazes para os problemas urbanos e a questo administrativados projetos estavam a cargo dos arquitetos.

    Sucedem-se, ento, em ritmo e quantidades at ento desconhecidos,

    bairros, grandes conjuntos e cidades novas desenham as hipteses damoderna urbanstica[...]. nesta alavanche de planos e projetos acabar porinstalar a rotina e a monotonia[...]. (LAMAS, 2000, p.299)

    Dentre os modelos urbanos, podemos citar: a cidade-jardim; a

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    unidade de vizinhana; as experincias holandesas, alems e austracas; oracionalismo e o funcionalismo da Carta de Atenas; as propostas de Le Corbusier eos postulados dos CIAMs7. So modelos aceitos e utilizados at meados da dcadade 1950. tinham, em comum, a recusa cidade tradicional. A cidade moderna [...]acabar por no ter conexo com a cidade tradicional, porque, em definitivo, toda amorfologia tradicional ser abandonada e dela nada restar. (Lamas, 2000, p.300)

    As premissas do urbanismo progressista foram postuladas na Cartade Atenas, que separava e isolava as funes das cidades entre habitar, trabalhar,circular e recrear. A cidade constituda, ento, por zonas, que por sua vez,geraram sistemas independentes e a diviso do espao feita em funo de cadaelemento: [...] as vias s servem o trfego; os edifcios servem para alojar pessoas[...] os equipamentos urbanos prestam servios e distribuem-se abstratamente, deacordo com grelhas e reas de drenagem [...].(Lamas, 2000, p.303).

    Essa separao simplifica a forma da cidade, o edifcio nonecessita de uma relao direta com a paisagem. A construo do espao urbano esua apropriao constituem-se de forma a eliminar a complexidade, a enaltecer asvias como elos de ligao entre as zonas. A formulao moderna extinguiu o que

    havia de mais tradicional do tecido urbano: o centro. Cada zona representa umrecorte da cidade e tem sua importncia vinculada a sua funo, sem que haja umespao que abarcasse o poder de induzir uma maior atratividade. A centralidadeocorre pela definio das atividades e dos fluxos que geram.

    A cidade reduz-se a uma mquina, que s tem sentido pelacomposio zoneada e pela distribuio espacial das funes definidas noplanejamento. A ocupao territorial institucionalizada, com administrao do

    Estado quanto compra e a venda dos parcelamentos. Essa nova modalidade deestruturao implica na formao de espaos descontnuos e expanso horizontal.As distncias aumentam e so necessrias novas vias de ligao.

    A partir da viso europeia e das discusses do urbanismo, comodisciplina, as cidades brasileiras, almejando crescimento e desenvolvimentoeconnimo atrelados urbanizao, recorrem a essas solues na configuraoespacial de algumas cidades, principalmente as capitais. Transpor uma realidade

    europeia para as cidades brasileiras, localizadas nos trpicos, no contribui e nem

    7 CIAM Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna.

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    corresponde na construo de habitats brasileiros arraigados a sua prpria histria,pois o territrio ainda dispunha de inmeras reas desabitadas, notadamente no seuinterior, o que demandava uma ateno mais direta s experincias locais, que,indentificadas, pudessem ser complementadas s reflexes do discurso europeu epossibilitar a construo de ambientes em equilbrio com as caractersticasfisiogrficas, evitando-se apenas a cpia e a repetio dos modelos da Europa.

    2.2.5. Civilizao em Redes e Fluxos Tecnolgicos

    A evoluo uma civilizao se reveste de caractersticas prprias decada regio, cujos comportamentos, tradies e atitudes no se mudam torapidamente como, por exemplo, no mundo contemporneo. Entretanto, em algumasregies que a consolidao das prticas urbansticas se apresenta de apresenta deforma notria, possvel a absoro de novas formas ou elementos que influem nohabitat . Nos ltimos 20 anos, com a evoluo tecnolgica e difuso da informaoinstantnea, muitas vezes, o tempo e o espao so anulados ou se revestem de

    uma instantaneidade, mesmo sem a materializao ou a prtica ainda noabsorvida. Em razo disso, podemos caracterizar o atual momento como umacivilizao em processo de redes e fluxos tecnolgicos, se esboando rapidamente,cuja absoro em vrios pontos do espao tambm tem sido de forma acelerada.

    O atual perodo, onde as revolues tcnico-cientficas, a rapidezdas informaes e da sua difuso tem contribudo para desenhar novos caminhos deforma acelerada, imprimindo a sua marca no territrio e nas cidades.

    Um mundo conectado por fluxos invisveis: uma aparentevirtualizao do espao e a eternidade do instantneo. Emerge, a partir de revoluoda microeletrnica, as sociedades em rede.

    H um sculo, o olhar que lanamos sobre as cidades moldado pelarepresentao que delas nos do o cinema e a fotografia, isto , pelaassociao da imagem e do percurso, da imagem e do tempo. [...] foramsubstitudos por outros ritmos e outras escalas. imagem do movimento [...]a imagem em movimento. (PANERAI, 2006, p. 25)

    Com o advento da microeletrnica, na dcada de 90, essas

    transaes se tornam mais volteis e especulativas, os fluxos, mais geis e virtuais.Nesse momento, o capitalismo se insere em sua esfera neoliberal, sendo que os

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    investimentos so constantemente distanciados desse jogo especulativo, regaladosa segundo plano, no cenrio econmico mundial. As barreiras deixam de existir, oEstado perde sua fora, o controle sobre as grandes corporaes banido e adesigualdade social se agrava mais e mais.

    A combinao e a disperso espacial e integrao global criou novo papelestratgico para as principais cidades. Alm de sua longa histria comocentros de comrcio e atividades bancarias internacionais, essas cidadesfuncionam em quatro novas formas: primeira, como pontos de comandoaltamente concentrados na organizao da economia mundial; segunda,como localizaes-chave para empresas financeiras e de serviosespecializados [...]; terceira, como locais de produo, inclusive a produode inovao nesses importantes setores e a quarta, como mercados paraos produtos e as inovaes produzidas. (SASSEN, 1991, p. 3-4)

    A revoluo tecnolgica e a microeletrnica levaram ao francodesenvolvimento da indstria do entretenimento, que gera o consumo em massa,atravs de seu maior veculo: a televiso, que funde a fonografia do rdio, com aimagem do cinema, estando presente em todos os lugares, emergindo a sociedadedo espetculo. A desregulamentao do mercado, a evoluo da microeletrnica e acultura de massa elevam a imagem como fator preponderante.

    Portanto, a cidade tambm um produto global, que deixou de sercompetncia do Estado para ser pensada por grupos empresariais atravs deoperaes de grande escala. (MUXI, 2004, p. 11). A autora observa tambm queesta realidade consiste em uma arquitetura e uma maneira de se fazer cidade, cujomodelo o que tem sido utilizado pela sociedade norte-americana para construir suaidentidade, sua tradio e sua histria. O processo no automtico, noinicialmente, mas pouco a pouco se tornam modelos de produo, da apropriaodo territrio e da criao, baseados na prpria imagem.

    Todas essas mudanas de comportamento e relaes sociaisdesencadeiam novas formas de habitar as cidades que tiveram uma quebra dentroda histria urbana com o [...] surgimento dos condomnios fechados, cujosresultados urbanos e sociais so visveis na dualidade, segregao e o abandono denumerosas reas urbanas.8 (MUXI, 2004, p. 118)

    [...] uma arquitetura de dimenses gigantescas que imposta fora aolugar e cidade, uma fortaleza em roupagem moderna. Surgirammegaprojetos com vrias outras formas: hectares de reas de lazer eparques temticos, imensosshopping center regionais deriva em maresde estacionamento asfaltado, gigantescos parques de escritrios bem

    afastados dos centros urbanos, complexos habitacionais inseridos emdensos tecidos urbanos [...]. (GHIRARDO, 2002, p. 42)

    8 Traduo nossa.

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    A partir dessa nova organizao econmico-social, o territriourbano apropriado sob o aspecto da fragmentao do tecido urbano e vriosncleos de atratividade, pois

    [...] o desenvolvimento da comunicao eletrnica e dos sistemas deinformao propicia uma crescente dissociao entre a proximidadeespacial e o desempenho das funes rotineiras: trabalho, compras,entretenimento, assistncia sade, educao, servios pblicos, governose assim por diante.[...] esto destitudas de sua necessidade funcional [...](CASTELLS, 2000, p. 419)

    [...] o mundo econmico global, ps-fordista e ps-industrial, imaginadocomo possuidor de fluxos transnacionais de populao e cultura e auto-estradas de informao. O movimento constante de turistas, refugiados,homens de negcios reflete-se na arquitetura, na qual, por exemplo, umarquiteto francs cria projetos para Bangkok, um arquiteto de Nova Jerseyvoa para Berlim para supervisionar a construo de um prdio e arquitetositalianos desenvolvem projetos em Houston e Galveston, Texas.(GHIRARDO, 2002, p.38)

    Discute-se muito se essa revoluo da passagem do sculo XX parao XXI, provocar o fim da cidade vazia de suas funes, em favor, da comunicaoestabelecida pelos meios da tecnologia da informao, tendendo-se a relaesvirtuais de convivncia em sociedade, mas para Castells (2000, p. 423), apesar dahabitao sugerir uma nova centralidade, os locais de trabalho, as escolas,

    complexos mdicos, postos de atendimento ao consumidor, reas de recreao elazer, ruas de comrcio,shoppings center , estdios de esportes e parque semprevo existir, haver o deslocamento de pessoas entre eles, devido ao aumento damobilidade e pela flexibilidade nas relaes de trabalho.

    As cidades tornam-se dispersas com mltiplas centralidades, vaziosurbanos mesclados a atividades econmicas que geram os novos fluxos, sendo,portanto, destituda de forma (CASTELLS, 2000). O territrio perde a caracterstica

    de apropriao do espao e toma-se o fluxo, que muito dinmico, como fatorfundamental e determinante da organizao dessas sociedades (comunicao,Internet, etc). No se relacionam com seus recortes, com sua regio geogrfica, mascom o tecido urbano em escala planetria. Forma-se a estrutura em redes9, nopalpvel, mas estabelecida pela comunicao das partes das empresas, localizadasem diferentes regies do globo.

    9 Manuel Castells (2000) define redes como um conjunto de ns interconectados por um processoque no mais se estabelece num mesmo espao fsico, podendo expandir-se de forma ilimitada,formando novos ns que compartilham os mesmos cdigos de comunicao. Produzem umaconcentrao de poder descentralizada e em escala planetria.

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    Esse fenmeno vem sendo estudado dentro da corrente doNewUrbanism , em que elucida o conceito de cidade global (SASSEN, 1991), ametropolizao dos grandes centros urbanos e os mecanismos de definio dopatrimnio cultural, histrico e construdo da cidade e os enclaves urbanos. Panerai(2006) nos lembra de que essas estruturas quase autnomas no so formasinovadoras, o que se distingue das fortalezas medievais e as propriedadesaristocrticas do sculo XVII so as dimenses de superfcie que passam a exigir.

    Estaes de triagem, aeroportos, campos militares, portos, complexosindustriais ocupam vastos terreno, por vezes to mais extensos que oprprio centro urbano. [...] suas dimenses o so, e a amplitude dofenmeno nos desconcerta, visto que tais enclaves aparecem como reasisoladas em que todos os mtodos de leitura do espao experimentadosfracassam. (PANEIRAI, 2006, p. 45)

    A natureza e seus elementos, notadamente a gua e a vegetaoso reapropriados e reinseridos nos enclaves urbanos. As solues de infraestruturatambm so diferenciadas pelo extenso territrio, no conferindo a cidade umauniformidade, como os aquedutos romanos ou as pontes medievais. No se pode teruma leitura da totalidade da cidade sem recorrermos a mapas e imagens areas,pois a diversidade do tecido urbano predomina sobre a superfcie terrestre.

    A cidade global se caracteriza por um conjunto articulado decidades, territorialmente distante umas das outras e que integram um modelo deinvestimentos, de uma rede global de locais estratgicos no mundo. Sassen (2001)afirma que indispensvel desempenhar funes de produo centrais em vriasreas poltica, economia, cultura e at estilos de vida com cheiro cosmopolita.

    2.3. PERMANNCIAS, RUPTURAS EDINMICAS DAPAISAGEMURBANA

    Das tipologias apresentadas, podemos avaliar a relao dafenomenologia existencialista pela articulao entre ambiente e sociedade, emfuno das permanncias e transformaes aferidas aos tecidos histricos,especialmente pelas vrios mapas e plantas que nos permitem uma rpida epanormica visualizao sobre os espaos construdos ou ainda em processo deconstruo, ou tambm, em seu estado natural.

    A articulao dos elementos naturais e a sobreposio dos artefatosculturais evidenciam objetos remanescentes e as novas formas de uso e apropriao

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    do territrio, expandindo ou retraindo suas fronteiras. Se observarmos atentamenteesse processo dinmico, pelos diversos recursos iconogrficos, constataremos queos ncleos urbanos esto diretamente vinculados aos corpos dgua, quer sejamrios, lagos ou mares. A relao do uso e ocupao nos revelam as funes utilitriasou metafricas atribudas aos rios, quando retomamos a contextualizao daconstruo de cada uma das tipologias apresentadas.

    Mumford (1998), na sua obraA cidade na histria, aborda bem osurgimento das primeiras civilizaes que foram determinadas pelas condicoesgeogrficas. Mello (2008) apoiando-se em Mumford (1998) faz um destaque e umacrtica construo de cidades prximas aos rios.

    [...] no Egito, as condies eram mais suaves, cu sem nuvens, o Niloapresentava uma enchente anual previsvel e uniforme; na Mesopotmia,predominava um ambiente turbulento, catastrficas torrentes e inundaes.[...] Enquanto o Egito se caracterizava pela cidade aberta, sem muros, epela permanncia da maior parte da populao em pequenas cidades ealdeias, onde a vida era mais prxima natureza, a cidade mesopotmicaera uma espcie de priso, caracterizada por portentosas muralhas,reflexo de uma cultura fundamentada no absolutismo arcaico, nainsegurana e intimidao. (MELLO, 2008, p. 101)

    A expanso e o crescimento das cidades para uma determinadadireo, seu carter linear ou fragmentado tambm so fisionomias intrnsecas apresena dos rios, ou da confluncia dois afluentes de uma Microbacia maior,determinando uma rea de ocupao, como na Mesopotmia, entre os Rios Tigres eEufrates e no norte paranaense, entre os Rios Tibagi e Iva. Do mesmo modo, aocupao da faixa litornea uma constante na historiografia urbana, em quepodemos destacar a formao de cidades na confluncia do rio com o mar, como ocaso de Londres, Rio de Janeiro e Salvador.

    Os rios possibilitam lgicas que podem se adaptar aodesenvolvimento urbano, seja sob a tica positiva ou negativa, quando a agressohumana torna sua presena nas cidades indesejveis. Mello (2008, p. 102) expeque as foras que os rios possuem ante a evoluo urbana [...] manifestam-sesegundo padres universais presentes em distintos contextos histricos egeogrficos e padres peculiares a determinadas culturas, regies e localidades.

    De modo geral o desenho urbano exclui ou incorpora em seutraado a sinuosidade dos leitos dos corpos dgua, sendo um elemento perifrico

    ou central da configurao urbana. A gua, ainda que no envolvida na trama dasvias e quadras das cidades, moldam-se em suas margens, recorrendo-se a ela como

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    fonte de abastecimento. Desse modo, podemos ter aglomeraes urbanas voltadaspara o rio ou moldadas de costas para os mesmo, mas medida que vo seexpandindo direcionam-se para seus talvegues.

    As cidades que notadamente priorizaram as vias de circulaoartificiais em detrimento dos leitos naturais, apresentam problemas e conflitosambientais, principalmente pela [...] impermeabilizao do solo, o rebaixamento deleitos, as reverses e canalizaes de cursos dgua intensificaram e tornaramfrequentes as inundaes. (MELLO, 2008, p. 107-108)

    Os novos paradigmas discusses socioambientais so fundamental,pois buscam, em suas reflexes, reestabelecer a valorizao dos espaoslocalizados s margens dos corpos dgua, de forma a incorporar na gesto urbana,as questes relacionadas gua, tais como saneamento e hidrologia. No entanto,como bem ressalta Mello (2008) necessrio discernir o limiar entre as prticasambientais e os discursos domarketing city.

    [...] a cidade passou a ser objeto de iniciativas de embelezamento e quedeterminados espaos passaram a ser valorizados, como atributos dediferenciao local. Os elementos naturais de destaque como os corposdgua assumiram papel relevante neste processo, como referncias deidentidade regional e local. (MELLO, 2008, p. 109)

    A nossa pesquisa, desse modo, tentou resgatar sinteticamente aimportncia dos corpos dgua e seu papel nas cidades, em sentido oposto asimples valorizao dos mesmos como mercadorias. Refletimos que o planejamentourbano e sua gesto devem se orientar pela dimenso socioambiental visando areversibilidade dos corpos dgua e no pelo discurso da mera valorizao doselementos naturais.

    Retomando as nossas impresses sobre a historiografia urbana, a

    presena dos rios foram ponto chave para o desenvolvimento da agricultura, pormeio das tcnicas de irrigao desenvolvidas. Nas cidades romanas, conjugaram-sea tcnica da engenharia com a construo de monumentos regionais para que adistribuio de gua atingisse as reas mais continentais do Imprio. Em seguida, nareestruturao das cidades medievais, obtiveram maior destaque aquelas cujafuno mercantil foi determinada pela construo de canais vias fluviais para acirculao dos produtos agrcolas (figura 38).

    Alm disso, ao expandir para fora dos muros, as cidades medievais,principalmente os bairros fundados pelas corporaes de oficio, ocupavam as

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    margens dos cursos dgua, criando os subrbios, na maioria das vezes, bem maiorque o prprio burgo. (MORRIS, 2001), criando-se pontes para transpor os limitesque os cursos dgua impunham, e ao mesmo tempo, protegiam.

    Figura 38: Presena dos corpos dgua nas cidades, configurando-se como elemento de organizaoespacial. Fonte: Mello (2008, p. 110)

    Mello (2008) tendo como referncia Guillerme (1990) evidencia queas [...] intervenes de saneamento dos terrenos alagadios pelodesenvolvimento de tcnicas de dragagem e de elevao do nvel dgua (p. 111)

    ocorreram para regulamentar e dirimir os conflitos que iam surgindo, em funo docrescimento desordenado da periferia. As tcnicas desenvolvidas priorizavam aformao de novas reas para ocupao, que pela drenagem dessas reas, criavama fora hidrulica para o funcionamento dos moinhos.

    As teorias hidrulicas, no processo de estruturao das atividadesindustriais tambm mudaram as posies quanto a gua, o que para Mumford(1998) implicou em acelerar o ciclo hidrolgico natural para uma dinmica em favordo desenvolvimento econmicos, em curso. A gua como fonte de energia notrouxe impactos to negativos quanto prpria indstria, que elegeu as margens dorio como o local ideal na ocupao do ambiente urbano, por razes diversas:

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    [...] a grande quantidade de gua exigida pelos novos processos deproduo (para abastecer caldeiras, resfriar superfcies, preparar solues);a associao ao transporte ferrovirio da matria prima e dos produtos(tendo em vista a deficincia da locomotiva a vapor em vencer aclives

    acentuados, as reas planas dos vales eram as mais apropriadas para alocalizao de vias frreas); a necessidade de proximidade a depsitosminerais (tambm predominantes nos vales); enfim, os rios eram os locaisonde se podiam lanar grandes volumes de efluentes, de modo maisconveniente e econmico. (MELLO, 2008, p. 121)

    Como j comentamos anteriormente, as descobertas cientficas e asnovas posturas em relao s guas, as quais foram responsabilizadas pelaproliferao de epidemias, destituindo a gua de suas funes e representaes.Em consequncia, as cidades foram destitudas de gua, aterrando-se as reas

    alagadias e acelerao do escoamento das guas, bem como as redes enterradas.A gua deixou de ser um componente dos ambientes urbanos para se dedicar aosprocessos de desenvolvimento, ressaltando-se no final do sculo XVIII sua funoutilitria. Uma das principais intervenes foi a retificao dos leitos dos rios, comomedida contra as inundaes e, ao mesmo tempo, a distncia de suas margensfacilitavam a navegao. Os cursos dgua que no serviam atividade econmicapassaram a cumprir a funo de recepo de excrementos. (MELLO, 2008, p. 112)

    As postulaes modernas tornaram o desenho urbano mais abstratoe geomtrico, cujo processo desemboca na desvalorizao dos corpos dgua. Oprojeto de cidades novas ou as intervenes em suas partes tendem a manipular oespao e dot-lo de qualidades que afirmem o desenvolvimento econmico comomola propulsora das aes humanas. No interessa mais o sentido csmico doselementos naturais e sua insero no ambiente urbano, prevalecendo o sentidoeconmico e utilitrio dos corpos dgua, como recursos a ser explorados.

    Assim, percebemos que os rios, ao longo das diversasmanifestaes da civilizao foram perdendo sua fora para o conhecimento tcnico-cientfico, imperando o domnio do homem sobre a natureza, numa iluso da criaode ambientes totalmente artificiais. Com emergncia das questes ambientais, duasvertentes ressoam nas aes atuais: uma exclusivamente urbanstica, em quegrandes incorporaes imobilirias devolveram o valor aos rios, mas numaestratgia de consumo, que pauta a sociedade urbana; e outra, oposta, pautada naviso sistmica, sendo os elementos naturais parte do processo do desenho urbano.

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    CAPCAPCAPCAPTULOTULOTULOTULO 3333

    A GNESE DA ESTRUTURA A GNESE DA ESTRUTURA A GNESE DA ESTRUTURA A GNESE DA ESTRUTURA REGIONAL NA FORMAO DA REDE UREGIONAL NA FORMAO DA REDE URBANREGIONAL NA FORMAO DA REDE URBANREGIONAL NA FORMAO DA REDE URBAN

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    O processo de implantao e crescimento da cidade de Londrina seinsere no contexto do processo de expanso capitalista da ocupao brasileira. Oprvio conhecimento da regio, por meio de levantamentos cartogrficos foifundamental no planejamento dos empreendedores ingleses, influindodecisivamente no desenho, na configurao e distribuio de cidades, lotes rurais eurbanos no norte do Paran, tendo em vista que foram definidos a partir doselementos naturais.

    3.1 CAPITAL INGLS, CAFEICULTURA ETERRAS ROXAS: FORMAO DAREDE NORTEPARANAENSE

    Os primeiros mapas cartogrficos do Paran so datados do final dosculo XIX (ente 1876 e 1911), cuja preocupao se respaldava em definir suasfronteiras e os limites do pas, aps a Guerra do Paraguai (1864-1869), e, tambm,evitar a perda de territrio para Santa Catarina, conforme os registros do Instituto deTerras, Cartografias e Geocincias do Estado do Paran (ITCG).

    O levantamento dos aspectos fisiogrficos da provncia tambmtinham por objetivo permitir estudos de viabilidade da implantao de eixosferrovirios pelo territrio paranaense, bem como destacavam os caminhos fluviais eterrestres existentes, sendo representados com destaque nas cartas da poca(figura 39). A amplitude das bacias hidrogrficas com os respectivos afluentes eribeires definiam as fronteiras entre as provncias imperiais de So Paulo e Paran Rio Paranapanema; como tambm entre Paran e Mato Grosso Rio Paran; e

    entre Paran e Rio Grande do Sul, pelo Rio Uruguai.A representao cartogrfica de 1876 a 1911 destacava a rea de

    Curitiba, no sendo considerada a poro norte nos planos de implantao de linhasfrreas, rea de difcil acesso a sul, devido as Serras Gerais, sem registro de vilasou povoados, ainda que tivessem conhecimento da hidrografia dessa rea. A oeste,havia apenas a indicao de reas indgenas, na divisa com o Paraguai e MatoGrosso do Sul. A preocupao de desenvolvimento da Provncia focava a

    interligao leste-oeste, sem que coubesse a regio norte algum papel de destaque.O norte paranaense ganhou destaque na cartografia oficial, somente

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    na primeira dcada do sculo XX, que se tornou uma rea estratgica que precisariaser ocupada, quando o governo do Estado fez uma srie de concesses a empresasestrangeiras e nacionais. No mapa virio, de 1908, (figura 40), elaborado pelaSecretaria de Obras e Viao, no havia nenhum projeto de implantao de trechosfrreos no sentido leste-oeste na atual regio norte paranaense e, tampouco,quaisquer direcionamentos para a criao de novas vilas ou cidades.

    O caminho entre a capital e o norte do estado se estruturava smargens do Rio Tibagi. Esse caminho se comprova pelas cidades dispersasindicadas no mapa. A cidade de Jatahy aparece como um ponto isolado no norteparanaense, sendo este o limite de ocupao da regio.

    O mapa de 1912 (figura 41), elaborado pelo governo do estado doParan destaca a localizao dos ncleos, que so classificadas em cidades, vilas,povoados e assentamentos indgenas, alm da capital, Curitiba. A maioria dascidades e vilas est distribuda ao longo das estradas, enquanto que os povoadosesto s margens dos caminhos. Os caminhos e estradas se estruturam ao longonas margens dos rios, direcionando-se para Curitiba, enquanto que os caminhos quepartem dos povoados, localizados no norte, se desenvolvem pelo espigo, partindo,

    por exemplo, de Jatahy at Tibagi, onde se encontrava com a estrada de ferro j empleno funcionamento (trecho entre So Pedro do Itarar divisa com So Paulo eUnio da Vitria, a sul). (ITCG, s/d).

    Pela situao geopoltica, a rea de cerca de 515.000 alqueires,adquirida pela Companhia de Terras Norte do Paran (CTNP), se encontrasse noterritrio do Paran, a macia migrao da populao, principalmente de So Paulo,Minas Gerais e estados do Nordeste, inicialmente se localizou na rea rural de mais

    de 60 ncleos fundados pela CTNP, estimulando uma rpida ocupao,principalmente distribuda em reas do planejamento regional da CTNP. A Influnciapaulista foi decisiva no s na ocupao como tambm no processo de urbanizaoe nos fluxos comerciais e de servios que, inicialmente, tinham muito mais relaointerregional com So Paulo do que com o sul do Paran. Podemos afirmar, dessemodo, que a ocupao e a urbanizao do norte paranaense se efetivaram porinteresses econmicos do que por uma interferncia pblica preocupada com o

    desenvolvimento da regio.

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    Figura 40: Mapa Virio do Paran destaque para as ferrovias e caminhos existentes noterritrio, em 1908. Apenas a poro noroeste era povoada, com pequenos ncleos prximosa So Paulo. Fonte: ITCG, 2009.

    Figura 39: Mapa Geral da Provncia do Paran, 1876. Destaque para o norte paranaense: desabitado.Fonte: ITGC, s/d. Org.: Pantaleo, 2010.

    Figura 41: Mapa do Estado do Paran localizao das cidades, vilas, povoamentos eassentamentos indgenas. Na regio entre os Rios Tibagi e Iva no h nenhum registrodessas localidades. Fonte: ITCG, s/d.

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    As primeiras reas de ocupao do norte paranaense, para almdos limites do atual Estado de So Paulo, se situavam nordeste do Paran,prximo cidade de Ourinhos, destinando-as ampliao da cafeicultura (TOMAZI,1989). A regio tornou-se atrativa pela fertilidade de suas terras, provocando aexpanso da fronteira agrcola dos fazendeiros paulistas e mineiros, que utilizavam orio Paranapanema como meio de transporte de suas safras, ou ainda as precriasestradas dos tropeiros at o porto de Santos.

    Em So Paulo, a construo de vias frreas significou a soluopara o escoamento da produo agrcola, especialmente do caf, e colocava aexpanso do transporte ferrovirio no Brasil como uma meta de progresso e geraode riquezas, sendo eles prprios os financiadores das primeiras linhas implantadasno interior paulista. As ideias de desenvolvimento e progresso, condicionadas construo de ferrovias, comearam a ter mais fora, especialmente pelaurbanizao de So Paulo, financiada pela cafeicultura e pelas mudanas polticas,iniciadas no final do sculo XIX, com a Repblica.

    Diferentemente do processo de ocupao da faixa litornea, quetinham nos portos o meio de operacionalizar a produo agrcola para o exterior, o

    interior no dispunha de infraestrutura adequada para que essa circulao fossegarantida, pois as estradas abertas pelos tropeiros eram precrias e, quantomais se deslocavam para oeste, maiores dificuldades encontravam para transporsua produo at o porto de Santos. A soluo encontrada pelos fazendeiros decaf foi investir na construo das linhas frreas, ligando o oeste paulista ao portode Santos.

    Em comparao com os mapas anteriores, o mapa datado de 1919

    (figura 42) apresenta a ocupao da poro nordeste do territrio paranaense, comoextenso das reas destinadas cafeicultura paulista, limitando-se ao planalto entreos Rios Paranapanema e Tibagi, por volta de 1910, conforme explica Tomazi (1989).No entanto, ainda que a fertilidade do solo fosse um ponto chave para os pioneiros,esbarravam-se nas dificuldades de escoamento da produo.

    Essa dificuldade, devido distncia e a falta de infraestrutura,motivou a expanso dos trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana, pela Estrada de

    Ferro Noroeste do Paran, depois Companhia Ferroviria So Paulo-Paran composta pelos prprios fazendeiros, que se estabeleceram na margem esquerda

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    do Tibagi, na regio conhecida como Norte Pioneiro. De Ourinhos partiram os trilhosda ferrovia para o territrio paranaense at a cidade de Cambar10, com quase 29km de extenso (figura 43). Esse pequeno trecho no foi suficiente para sanar osproblemas dos bandeirantes paulistas, pois outros ncleos urbanos se direcionavampara o Rio Tibagi: Bandeirantes (1921); Santa Mariana; Cornlio Procpio (1924) eJatahy. (figura 44).

    No entanto, o capital desses investidores no era suficiente para aampliao que este prolongamento alcanasse o Rio Tibagi, levando-os a buscarinvestimentos na Misso Montagu11 (1923), solicitada pelo presidente ArthurBernardes. Tomazi (1989) explica que a incurso de Simon Joseph Frazer (LordLovat) ocorreu em 1924, no mais pela Misso Montagu, mas, em busca de reaspropcias para a produo inglesa de algodo e madeira, atendendo os interessesda Sudam Cotton Plantations Syndicate , que explorava terras no Sudo.

    Como atrativos, os fazendeiros apresentaram a fertilidade do solo deuma extensa rea de mata nativa a qual poderia ser apropriada para os interessesdos ingleses, que, em contrapartida, construiriam a estrada de ferro, facilitando oescoamento da produo cafeeira at o Porto de Santos e, ao explorar a terra de

    forma racional (plano de colonizao), seus investimentos se converteriam emlucros. H um depoimento de Gasto Mesquita Filho, que acompanhou Lord Lovatna viagem s terras roxas do norte do Paran, no qual foram relatadas vantagens doinvestimento nessa regio, que esto expressas nas seguintes colocaes:

    [...] eu falava a Lovat das vantagens da colonizao, apoiada na construode estradas de ferro e na repetio inteligente das terras por elasatravessadas. E no havia melhor ilustrao para as minhas palavras doque as reas colonizadas em Cambar, para onde se dirigiam os trilhos daferrovia que eu estava construindo, vilazinha at ento pertencia ao

    municpio de Jacarezinho. [...] quando a notcia de aproximao da estradade ferro, comearam a circular, os preos dessas terras foram subindo [...] natural, portanto, que Lovat se mostrasse deslumbrado diante de umavalorizao de mil por cento, quando na Inglaterra os bons negcios sefaziam na base de cinco por cento ao ano. Estou convencido que estaoportunidade de lucro, possvel com a aproximao da ferrovia e atravs deum plano inteligente de divididas, constituiu a semente da Companhia deTerras Norte do Paran (CMNP, 1975)

    Esses argumentos denotassem como um atrativo maior que a

    10 A ocupao de rea de Cambar iniciou-se em 1904; reconhecido como distrito pelo estado s em1920 e elevado a municpio em 1923. (FERREIRA, 2006)11 A Misso Montagu estava vinculada a questes econmicas e financeiras, uma vez que visava aliquidao de dvidas com o Banco do Brasil. Tambm objetivava minimizar o excessivo controle dogoverno brasileiro sobre as estradas de ferro inglesas, o que onerava o escoamento do caf.(TOMAZI, 1989, p. 87).

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    prpria fertilidade das terras, fundou-se aBrazil Plantations Syndicate Limited , comsede em Londres, em 1924, adquirindo reas para o cultivo de algodo em SaltoGrande e Birigui, no interior de So Paulo. Esse investimento no se mostrouvantajoso devido conjuntura internacional, seja pelos preos do mercado, ou pelabaixa qualidade das sementes. Com isso, restava ao grupo ingls aplicar seusinvestimentos no norte paranaense, que fundou, em 1925, aParan PlantationsLimited , com sede em Londres, responsvel pelas despesas do plano imobilirio e aCompanhia de Terras Norte do Paran (CTNP), com sede em So Paulo, designadaa execuo dos planos colonizadores e imobilirios. (REGO, 2009).

    A CTNP adquiriu os ttulos de propriedade das terras, mesmo emreas ocupadas por posseiros irregulares, perfazendo um total de 415 mil alqueiressob seu domnio (figura 45), e, posteriormente, outras reas fracionadas, totalizando515.017 alqueires12 de terras muito ferteis, cobertas por densa mata nativa, e, j soba denominao Companhia Melhoramentos Norte do Paran (CMNP), em 1951, area total era da ordem de 545.048 alqueires paulista (figura 46).

    Segundo relatos publicados pela Companhia Melhoramentos Nortedo Paran (CMNP) em 1956, a rea escolhida no foi aleatria, mas visualizada pela

    cartografia da poca. Antes mesmo da construo da ferrovia, foi necessria aabertura de vias para que o acesso fosse facilitado, que se constituram em sistemasvirios interseccionando a gleba adquirida pela CTNP.

    Essa rede viria possibilitou a comunicao entre os ncleosurbanos, alm de atrair possveis e potenciais compradores, conforme o projetocolonizador desenvolvido. Nesse sentido, a rodovia (1930 partindo de Jacarezinho)se concretiza antes mesmo da ferrovia (1932-1935), sendo uma escolha criteriosa

    em relao aos aspectos naturais da regio, em especial aos recursos hdricos epontos de maior altitude (figura 47).

    12 Conforme dados do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Londrina IPPUL, em Perfil deLondrina, 2003.

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    Figura 42: Mapa do Estado do Paran, de 1919.Registro da ocupao da regio nordeste do Paran. Fonte: ITCG, s/d.

    Figura 43: Esquema de localizao das ferrovias existentes (linha tracejada) efuturos prolongamentos (pontilhada). Posio da regio em relao a Capital doBrasil - Rio de Janeiro, So Paulo, Santos e Curitiba. Fonte:National Archives ,1934.

    Figura 44: Linha frrea a partir de Ourinhos, at Jatahy. Passando pela regio nordeste do Paran, com destaque s cidades Cambar,Bandeirantes, Santa Mariana, Cornlio Procpio e Jatahy, para implantao das estaes de parada. Destaque a rede hdrica da regio. Fonte: National Archives, 1934.

    Figura 46: Estado do Paran com delimitao da rea totalcolonizada pela CTNP e CMNP. Fonte: CMNP, 1975. Org.:Pantaleo, 2010.

    Figura 45: Estado do Paran com delimitao da rea total colonizadapela CTNP e CMNP. Fonte: CMNP, 1975. Org. Pantaleo, 2010

    Figura 47: Estrada de Rodagem para prolongamento daestrada de ferro.Org. Pantaleo, 2010

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    Pelo mapeamento (figura 47), foi construda uma estrada derodagem principal, ao lado da futura ferrovia, o que j facilitaria a sua prpria

    implantao, bem como permitiria o acesso aos principais ncleos projetados pelaCTNP e, perpendicular a essa via principal, foram previstos caminhos secundriospara a circulao entre os lotes rurais e os ncleos urbanos. Com isso, aespacializao inter-regional se conforma linearmente pelo espigo principal e demaior rea, hierarquizando o espao e a distribuio de reas rurais e urbanas,sendo as primeiras a de maior predomnio.

    A estrutura, portanto, da rea adquirida pela CTNP apresenta, em

    termos de configurao espacial (figura 48), uma linearidade no sentido leste-oeste,em que esto localizados os ncleos urbanos, perpendicular aos principais rios daregio o Rio Tibagi e o Rio Iva, uma vez que a ocupao ocorreu pela espinhadorsal do projeto colonizador: a ferrovia implantada no ponto mais alto: no divisordas bacias hidrogrficas da regio, tambm denominado por espigo(NAKAGAWARA, 1980).

    Figura 48: rea situada entre os Rios Iva e Tibagi, planalto Apucarana: rea escolhida pela CTNPpara seu projeto imobilirio. Mapa elaborado pelo Estado do Paran, em 1919, destacando o relevoe a hidrografia e as vias de circulao Fonte: ITCG, 2009. Org.: Pantaleo, 2009.

    Ao compararmos a configurao dos Rios Tibagi e Iva com o valedos Rios Tigre e Eufrates (figura 49), sem considerar o relevo e suasespecificidades, apenas sob o ponto de vista da representao cartogrfica(bidimensional), podemos, analogicamente, afirmar que no norte paranaense poder-se-ia desenvolver uma civilizao baseada na agricultura, aproveitando-se dosrecursos naturais existentes, tendo em vista que uma rea rica em gua possui

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    fertilidade para uma produo comercial e no simplesmente de subsistncia.Isso nos permite afirmar que a escolha da rea considerou a gua

    no como um elemento mstico ou de ligao com o cosmos, como nas sociedadesda Antiguidade, mas sim o potencial financeiro que tal caracterstica natural poderiaoferecer aos sitiantes, que, por sua vez, reverteriam em lucros, os investimentos docapital em ingls em estradas e trilhos, ao adquirir essas terras frteis.

    Figura 49: Vale dos Rios Tigres e Eufrates, Mesopotmia: bero da civilizao ocidental.

    Ao apontar essas semelhanas conclumos que a escolha da reada CTNP ocorreu de forma que o investimento aplicado revertesse lucros sem quehouvesse riscos de perdas. Cabe, tambm, lembrar que este perodo entre guerrasestimulava a conquista de novos territrios por parte das naes maisindustrializadas da poca (Inglaterra, Frana, Alemanha), cujo foco de explorao

    voltou-se tanto para os pases africanos, quanto latino-americanos, reconfigurando ageopoltica europeia.

    A explorao de novas reas ainda seguia os objetivos dasprimeiras civilizaes colonizadoras, que se aventuraram na travessia do OceanoAtlntico em busca de pedras preciosas no sculo XV e XVI. Diferente desseperodo, a ao imperialista da segunda dcada do sculo XX se respaldava nomais na acumulao de riquezas, mas sim no aumento da mais-valia. importante

    tecer tais consideraes, pois o norte paranaense se insere nesse contexto, viaproduo cafeeira e explorao do transporte ferrovirio pelo capital ingls.

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    Com isso, a relao Sociedade e Natureza se efetiva pelaexplorao de seus recursos, em prol de um progresso e gerao de capital para asociedade, cujo processo de urbanizao enfraquece e, at certo ponto, destri asrelaes harmnicas, caractersticas das civilizaes cosmo-msticas eantropocntricas, citadas no captulo 2. So os aspectos econmicos que regem aapropriao e ocupao do norte paranaense, substituindo a paisagem natural demata virgem, por uma rede de cidades, a qual estava calcada no capital ingls e nacafeicultura, moldada pelos valores civilizatrios, presentes nos discursosurbanistas para as cidades industriais.

    O rebatimento espacial se configura, portanto, como um projetoimobilirio-colonizador (NAKAGAWARA, 1984), em que a terra representa um valorde troca e fonte de lucros. Possibilita tambm a utilizao de estratgias de domniode territrios ainda no ocupados em prol do progresso e do desenvolvimento que aRevoluo Industrial, do sculo XVII e o conhecimento cientfico difundido peloIluminismo, do sculo XIX, avanam sobre as terras devolutas.

    A atuao da CTNP, em escala macro regional, tinha a ferrovia e arodovia como eixos estruturadores, previa lotes urbanos, rurais e chcaras,

    baseados em levantamentos topogrficos, identificao das bacias hidrogrficas e alocalizao das estradas nos espiges. Essa soluo tornava o empreendimentomenos dispendioso para os ingleses, ao mesmo tempo em que permitia aos lotesrurais acesso s estradas escoamento da produo agrcola e circulao at osncleos comerciais e a gua, elemento primordial para a irrigao das terrasfrteis, garantindo a produo agrcola, sem grandes recursos tecnolgicos. Naspalavras de Barnab (1989), cada uma das pequenas bacias hidrogrficas foram

    divididas em [...] lotes compridos e estreitos, cujas extremidades atingissem, de umlado o rio, de outro, a linha de cumiada [...].(BARNAB, 1989, p. 6). (figura 50).

    Observa-se que o percurso de expanso orienta-se sobre esse vetorde desbravamento e incurso pelo serto, em que a ferrovia torna-se o marco inicialde explorao e modificao do ambiente natural, que passa a ter feiessocioculturais na conformao da espacialidade tanto como eixo estruturador fsicoquanto disseminador de vrias culturas que se instalam nas suas adjacncias

    (Figura 51).

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    Figura 50: Parcelamento da rea rural, com limites entre as vias e os corpo d'gua. A direita e no alto,ncleo urbano de Londrina. Fonte: CMNP, 1975.

    Figura 51: Perfil esquemtico do parcelamento da rea rural. Fonte: CMNP, 1975.

    Em relao ao uso e ocupao das terras da CTNP, o predomnio da

    estrutura espacial rural, cabendo aos ncleos urbanos, s atividades comerciais ede servios, alm do controle sobre a produo agrcola. Se compararmos a readestinada aos lotes rurais em relao s datas urbanas, na diviso territorialproposta pela CTNP, verificaremos o predomnio dos primeiros o que evidencia umainteno de uso da terra: a cafeicultura, mesmo que o papel dos ncleos urbanosseja mais importante para o gerenciamento de toda a atividade econmica.

    O stio urbano das cidades projetadas pela CTNP est emtopografias elevadas, com pelo menos um dos lados em declive, favorecendo adrenagem e a salubridade. Todo o processo de ocupao e apropriao do territriono involuntrio, mas parte de uma viso amadurecida de planejamento urbano e

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    regional, que se insere na economia capitalista moderna (Barnab, 1989). Ainda, deacordo com a CMNP,

    [...] as cidades ao se tornarem ncleos econmicos de maior importnciaseriam demarcadas de cem em cem quilmetros, aproximadamente. Entreestas, distanciados de 10 a 15 quilmetros um do outro, seriam fundados ospatrimnios, centros comerciais e abastecedores intermedirios. Tanto nascidades quanto nos patrimnios, a rea urbana apresentaria uma diviso dedatas residenciais e comerciais. Ao redor das reas urbanas se situariam oscintures verdes, isto , uma faixa dividida em chcaras que pudessemservir para a produo de gneros alimentcios de consumo local [...] a rearural seria cortada por estradas vicinais, abertas de preferncia ao longo dosespiges, de maneira a permitir a diviso da terra da seguinte maneira:pequenos lotes de 10, 15 ou 20 alqueires, com frente para a estrada deacesso e fundos para um ribeiro [...] na parte alta plantaria o caf [...] nabaixa, construiria a sua casa e um pequeno pomar. A gua seria obtida doribeiro [...] (CMNP, 1975, p. 77-79)

    Interessante tambm observar que no se tratam de grandeslatifndios, como em outros momentos da agricultura de monocultura no Brasil. Solotes de propores modestas, pois destinavam-se a formao de uma estruturaregional, o que demandava a previso de um maior contingente populacional. Naspalavras de Rego (2009, p. 110): [...] aParana Plantations se ocupou da promoodas virtudes do desenvolvimento regional como forma de agregar valor terra eprovocar um apelo maior junto a possveis compradores [...].

    Ao tomarmos os relatos de Monbeig (1998), verificamos que essaconcepo espacial se difere do grande latifndio do oeste paulista, pois

    [...] a grande fazenda contava com recursos para ser autossuficiente epossua o capital necessrio para prover o seu prprio meio de transporte;nelas, sempre havia a oferta de moradia, escola, capela, alm da presenado mdico, do farmacutico, do comerciante; por vezes, outros serviosdemandados pelos seus trabalhadores rurais vinham at eles, enquanto ostio do pequeno produtor dependia mais da cidade prxima para contarcom esses servios. Entre pequenas propriedades, a proximidade dasestradas de rodagem e da ferrovia trazia a vida urbana ao alcance do

    agricultor [...]. (MONBEIG, 1998, p. 229)Entendemos, tambm, que, para a viabilidade do transporte

    ferrovirio, principal mote de rendimento para os ingleses, tendo em vista que o ferroera um material importado, se concretizaria pela circulao de pessoas emercadorias, pois, sendo concessionria da Estrada de Ferro, o investimento dostrilhos se converteria em lucros pela cobrana de fretes e passagens. A demandapopulacional era, portanto, tambm um elemento importante para os interesses dos

    ingleses, o que se rebate na diviso territorial de lotes de menores dimenses e nodistanciamento entre os ncleos urbanos ou patrimnios.

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    Podemos afirmar que a ocupao da regio estava vinculada aoescoamento da produo, via frrea, a distribuio fundiria das terras adquiridaspela CTNP, sendo as cidades apoio para as reas rurais (local da produo), emque cada uma delas tinha seu papel dentro do conjunto. Londrina coube sediar aCTNP, sendo o local administrativo das atividades produtoras cafeeiras, e,geograficamente, seria o acesso a todo o empreendimento colonizador, conformepodemos visualizar, na planta de 1938 (figura 52).

    Figura 52: Organizao Regional e distribuio dos ncleos urbanos: Londrina, Nova Dantzig(Camb), Rolndia, Arapongas, So Pedro, Lovat, Marialva, Sarandi e Maring. A linha frrea oelemento estruturador da organizao regional, situado na cota mais elevada, entre as nascentes dosrios e crregos que constituem as bacias hidrogrficas da regio. Fonte, IPPUL, 1995.

    O mapa de Colonizao da CTNP dividiu a rea em vrias glebas,com a indicao dos crregos prximos. Apresentamos a planta parcial das glebasdos Ribeires Trs Bocas, Jacutinga, Vermelho e Bandeirantes do Norte, AlexandreRazgulaeff, definiu as parcelas fundirias rurais e urbanas, j representadas em

    escala macro regional por Londrina e Nova Dantzig (Camb).Nessa planta (figura 53), verificamos que o primeiro ncleo urbano

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    dentro dos limites da rea adquirida pela CTNP seria Londrina, localizada no divisordas microbacias do Ribeiro Camb e Quati. Os lotes rurais pertencentes aopatrimnio, primeiramente definido por Trs Bocas, depois Londrina, circundavam asseguintes microbacias hidrogrficas: a norte, Crregos Quati e Lindoia; a sudeste, oCrrego Limoeiro; a sul, o Ribeiro Camb, Esperana e Cafezal, afluentes doRibeiro Trs Bocas. O parcelamento proposto, portanto, atribua aos rios a funode limites fsicos entre cada um dos patrimnios, alm de servir como fonte deabastecimento, favorecendo as atividades pretendidas na regio.

    A lgica, portanto, de parcelamento seguia um planejamentoregional, com a definio das reas de cada patrimnio, com seu ncleo urbano e adistribuio dos lotes rurais ao longo das vertentes, transformando a grande da reada CTNP em reas racionalmente projetadas, geometricamente desenhadas,garantindo juridicamente e espacialmente, a parcela fundiria adquirida.

    Do mesmo modo, vislumbramos o rebatimento das solues dascivilizaes colonizadoras: as estradas localizadas nos pontos mais altos do relevo,definindo as artrias de circulao e, posteriormente, as conexes de uma redelinear, orientada e direcionada; o parcelamento geomtrico dos lotes rurais em

    contraste com as linhas sinuosas das bacias hidrogrficas e os ncleos urbanos comseus quarteires quase quadrados, abraando a sinuosidade da estrada e daferrovia.

    So solues experimentadas pela Roma Imperial, posteriormente,normatizadas pelos tratados renascentistas, e aplicada pelos colonizadoresespanhis, principalmente (GOITIA, 1992). H tambm o rebatimento da relaoentre urbano e rural preconizada pelas comunas medievais quanto administrao

    da produo agrcola e a concentrao das atividades comerciais na cidade(MORRIS, 2001), teorizadas por Howard pautadas no equilbrio entre campo ecidade. Por outro lado, a organizao espacial e a majorao do valor da terra quese define a estrutura macro regional.

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    A CTNP parcelou a rea adquirida no norte paranaensepelas bacias hidrogrficas principais, marcados no mapa: emamarelo, o Ribeiro Jacutinga; em laranja, os rios Vermelho eBandeirante do Norte e em rosa, o Ribeiro Trs Bocas, sendoque a diviso das lotes rurais era feita a partir de uma linhaperpendicular entre o ponto mais alto, ou cumeada, at o pontomais baixo, o fundo de vale. Com isso, o curso dgua acabadasendo privatizado, servindo como fonte de abastecimento de

    cada proprietrio.

    Percebemos, tambm, pela anlise do mapa que a readestinada aos ncleos urbanos era quase nula, se comparada aquantidade de lotes rurais, que se conformavam entre o ponto dacumeada rodovia e o fundo de vale, definindo uma estruturaurbana em escala regional.

    O prvio levantamento da rea, indicando os cursosdgua e a topografia, permitiu que esse traado regional fossedefinido, marcando a fundao de ncleos cuja funo primordialera a de entreposto comercial, se assemelhando as aes decolonizao de espanhis e portugueses, tanto na Amricaquanto na frica. Essas constataes reafirmam o projetoimobilirio colonizador (Nakagawara, 1980), aplicado no nortedo Paran.

    Figura 53: Planta parcial da Colonizao da CTNP. A diviso das glebas foi orientada pelo divisor das Microbacias hidrogrficas. Os lotesassemelham-se a faixas estiradas entre o espigo e o fundo de vale. Fonte: Museu Histrico, 2007. Org. Pantaleo, 2010.

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    Os preceitos urbansticos, discutidos no cerne das sociedadesindustriais europeias, no foram totalmente transferidos para essa estrutura espacial,tendo em vista que a ocupao e a apropriao do territrio foram feita por milharesde migrantes paulistas, mineiros e nordestinos, e imigrantes japoneses, alemesitalianos, entre outros, como proprietrios de cada parcela fundiria. Podemosapenas vislumbrar a escala macro regional como influncias dos preceitos deHoward, pois a atividade econmica empreendida era rural e no urbana, aocontrrio da teoria das cidades-jardins; tais preceitos aparecem mais claramente nascidades da CMNP, a exemplo de Maring, cuja preocupao urbanstica clara noplano da cidade. Para Trevisan (2009), as cidades vinculadas expanso das linhasfrreas no oeste paulista e norte paranaense se aproximam das concepes ideaisde cidade linear:

    A regularidade destas cidades, dispostas ao longo da linha frrea, permite-nos fazer um paralelo com o tipo deCidade Lineardo espanhol Arturo Soriay Mata (1844-1920). [...] foi possvel verificar a presena da ferrovia comoelemento estruturador da escala urbana e regional. Se, no caso espanhol, aidia de expanso urbana foi trabalhada atravs da linha frrea interligandoduas cidades existentes; nas CNs [cidades novas] do oeste paulista e norteparanaense, a implantao de cada cidade era gerenciada pela ferrovia esuas estaes (quase sempre eqidistantes uma das outras). [...](TREVISAN, 2009, p. 99-100).

    Caberia, portanto, no aos colonizadores empreender a construode uma paisagem singular, pois definiram elementos pontuais para que aconfigurao norte paranaense se estruturasse, com nfase a acessibilidade ecirculao.

    O sentido de lugar, explicitado por Tuan (1980), no sentido depermanecer, de demorar-se e de edificar um elo com o espao se conformaria pelosmigrantes, os quais fincaram sobre a estrutura fundiria da CTNP, sua cultura. Noentanto, no podemos desvincular a percepo desses empreendedores, pois osentido de localizao, direo e constituio dohabitat humano se estabeleciapelos elementos da estrutura regional: os lotes rurais eram definidos por limitesfsicos: a estrada, no ponto mais alto e a gua, na parte mais baixa.

    A paisagem do norte paranaense estava implantada, ainda que nodetivesse da atmosfera, a que se refere Norberg-Schulz (1980), pois os caminhos ea presena da gua detinham o sentido de orientao e presumiriam a forma de

    ocupao e apropriao deste espao, por meio das relaes de espaos internos eexternos, a ser conferida pelos colonos, provenientes de diversas partes do mundo,

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    buscando transpor para a este lugar traos da sua cultura. Assim, a articulao entrea estncia e a circunstncia atribuda a estes elementos para que o espao tivesse,em si mesmo, o sentido de lugar aos futuros sitiantes.

    Em termos de espacialidade inter-regional, a apropriao da rea daCTNP estabeleceu uma relao antagnica entre Sociedade e Natureza, ao sedestruir a densa mata virgem e substitu-la por uma paisagem precisa epreestabelecida: as linhas sinuosas dos rios foram confrontadas com as linhas retasdas propriedades rurais e, no alto do espigo, ainda que os trilhos da ferrovia seespelhassem no traado do prprio relevo, que era o principal espigo do norte doParan. Havia a interrupo pela malha ortogonal, em que se estabeleceriam osncleos urbanos, dispostos hierarquicamente, ao longo da ferrovia, que tambm foiacompanhada pela rodovia principal, instalada no norte do Paran, paralelamente ferrovia, hoje BR-369: cada um desses ncleos seria um ponto de parada, de partidaou de chegada de desbravadores, migrantes, pioneiros e toda gente disposta aconstruir o progresso e a civilizao moderna.

    3.2 O DESENHO DONCLEOSEDE: RAZES DAFORMAURBANA

    A histria de Londrina confunde-se com a prpria ocupao do norteparanaense e representa uma colonizao diferenciada na histria brasileira,ocorrida no incio do sculo XX. Como sede administrativa da CTNP, o traadourbano de Londrina antecedeu at mesmo o parcelamento das glebas em lotesrurais (BARNAB, 1989). As atividades administrativas dos empreendedores de

    capital privado eram necessrias para que o processo de colonizao se efetivasse.A gnese do ambiente construdo de Londrina se constitui pelo

    parcelamento desencadeado em todo o norte paranaense, de leste para oeste, cujosistema de organizao espacial pautava-se nos preceitos modernistas, no apenaspela diviso cidade/campo, mas tambm pela diviso em lotes voltados ainvestimentos de cunho especulativo a terra como mercadoria.

    Ao retomarmos os primeiros registros referentes construo da

    cidade de Londrina, verificamos que o processo de consolidao das pretenses daCTNP se tornou possvel a partir de um projeto urbano de magnitude no pensadas

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    para a poca, tendo em vista a localizao geogrfica da rea distante das reaslitorneas e incrustadas numa rea ainda no povoada e nem tampouco inseridanas pretensas exploraes do Estado Novo (1937), que visava a expanso econsolidao das reas a oeste do pas.

    Londrina, desse modo, no foi um projeto poltico isolado como foraa construo de Goinia e Braslia, pois a formao de uma rede urbana, ainda queligada apenas pela extenso dos eixos rodovirios e ferrovirios, corroborava para aformao de uma regio mais prxima economicamente de So Paulo, do quepropriamente com a incluso nos projetos de desenvolvimento do Estado do Paran.Essa afirmao pode ainda ser validada se observamos que a constituio dasociedade da regio ocorreu pela migrao de povos estrangeiros, bem como demigrantes paulistas, mineiros e nordestinos, que buscavam nas frteis terras roxas apropagao do cultivo do caf. (PANTALEO, 2008).

    Verificamos, a partir dessas colocaes, que a formao da regionorte paranaense teve influncias internacionais (interesse de um grupo ingls),nacionais (governo Estado do Paran) e regionais, pela desestruturaosocioeconmica do estado paulista, baseada na cafeicultura encontrou nas terras

    norte paranaenses um prosseguimento dessa atividade comercial, agoraempreendida principalmente pela fora dos imigrantes e migrantes, ao lado dosempreendedores. A gua e as condies climticas e hipsomtricas, ao lado dafertilidade das terras roxas, configuram-se como importantes elementos, que juntamente com os desejos dos migrantes e imigrantes que tiveram na cafeiculturasua principal atividade, so responsveis pela historiografia do norte paranaense.

    A Londrina delegou-se o papel de sede administrativa, social,

    cultural e econmica na consolidao do projeto urbano-regional para a formao deuma espacialidade moderna e progressista em pleno serto, at ento abandonadoe desconhecido pelo restante do pas e, at mesmo, da capital paranaense.(RIBEIRO, 2006). Londrina era a principal referncia como sede da organizao eformao do espao norte paranaense, pois passou a ter praticamente a funoadministrativa do planejamento ingls.

    A escolha, portanto da rea de implantao do ncleo sede da

    CTNP no foi aleatria e tampouco se diferenciou, quanto configurao espacial,das demais cidades, prevalecendo a malha ortogonal com um eixo central, destinado

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    as atividades comerciais no sentido noroeste-sudeste, pelo prprio sentido daestrada frrea; e no sentido norte-sul, identificamos a formao de um eixo cvico epblico, sobre o qual, estavam definidas algumas atividades, fossem para o lazer,atividades religiosas, administrativas, educacionais, entre outras (figura 54). Aprimeira cidade: [...] era pequena, com 86 quadras ao redor da Igreja em uma rearetangular de 2,00 x 1,65 km [...]. (REGO, 2009, p. 122). (figura 55)

    Antes de adentrarmos na escala intraurbana, precisamos observar aposio geogrfica dessa parcela de 3,3 km, quanto aos aspectos do stio,corroborando as colocaes de Serra (1987) sobre as cidades planejadas no Brasil,que foram fundadas, em sua maioria em locais desabitados, normalmente,sobrepondo-se as aos espaos naturais: [...] a localizao determinada pela redeurbana na qual se insere e por sua funo produtiva (SERRA, 1987, p; 85), isto ,h uma intencionalidade na escolha do stio para implantao de uma cidade nova.No entanto, a localizao, quando analisada por si s, se define tambm pelascondies do espao natural, como colocado pelo autor:

    [...] algumas caractersticas bsicas sero sempre levadas em considerao, dentreelas as declividades excessivas, as reas inundveis e os cursos dgua, os ventosdominantes e a orientao das encostas, etc. Contudo, a partir de um certo ponto, apaisagem que conta aquela construda, aquela formada pelo conjunto, agoradenso, das adaptaes. Esse espao, agora urbano, ento visto a partir de outrascategorias; percebido em funo de outras variveis. (SERRA, 1987, p.86)

    O espao natural , portanto, adaptado para servir o espao urbano,mas alguns de seus elementos so fundamentais para a constituio de cidades, detal forma que se inserem na paisagem, com destaque para a hidrografia e o relevocomo determinantes da forma urbana. Serra (1987) explica que a construo daforma urbana inicia-se pela adaptao do stio s necessidades dos pioneiros.

    Tomando como estrutura macro regional, a ferrovia, locada no altodo espigo, em funo de demandar menores investimentos por parte da CTNP, emtermos de infraestrutura, observamos que a topografia foi um elemento naturalenftico no apenas na configurao regional como tambm na definio da formaintraurbana. Desse modo, j podemos antever que as cidades novas tambmestariam localizadas no alto do espigo, acompanhando a prpria forma linear daferrovia (figura 56).

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    O traado ortogonal, conhecido como tabuleiro de

    xadrez, marca a forma urbana de Londrina, o qual se distribui sobre

    limites de escala regional: a ferrovia e a rodovia eixos de estruturao

    regional, no sentido leste-oeste, acompanhando a hipsometria. Em

    contraposio, na escala intraurbana, forma-se o eixo norte-sul, sobre o

    qual se distribuem os equipamentos pblicos. Este eixo se define a partir

    do ponto de entrada da cidade: a estao ferroviria, prolongando-se at

    o cemitrio, a sul.

    A figura 55 ilustra a numerao das quadras

    realizadas pela CTNP, em que se verifica a numerao a partir da

    ferrovia, reforando a organizao espacial intraurbana, bem como a

    concentrao das primeiras quadras entre o eixo da ferrovia e da

    rodovia, local destinado ao uso comercial. As quadras mais distantes, e,

    consequentemente, de maior numerao localizam-se a sul. Nesta

    imagem, tambm podemos verificar a expanso da cidade para oeste,

    tendo como limites a rodovia, a norte e o Ribeiro Camb, a sul.

    Na figura 56, observvamos a interligao do ncleo

    urbano com regio, permitindo a formao de um eixo secundrio, no

    sentindo norte-sul, responsvel pela comunicao com o patrimnio de

    Heimtal e a regio sul do estado do Paran.

    Figura 54: Parcelamento urbano de Londrina.

    Figura 55: Numerao das quadras de Londrina. Fonte: Pantaleo, 2005. Figura 56: Estradas de rodagem e ncleo urbano de Londrina.Fonte: IBGE, 1962. Org. Pantaleo, 2008.

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    No obstante, cabe ainda analisar a posio do ncleo, isto ,entender a preferncia por uma determinada posio geogrfica e no outra, j queo parcelamento urbano em malha ortogonal poderia ser implantado sobre qualquersuperfcie plana, ngreme ou levemente acentuada.

    Diferentemente do traado dos lotes rurais, o desenho urbano possuicaractersticas mais geomtricas, abstratas, e, mesmo assim, os aspectos fsicosno foram desconsiderados: o encontro entre os eixos noroeste-sudeste e norte-sulcircunscreve uma elipse, uma forma geomtrica pura contrastante com o restante dodesenho quadriculado (figura 57).

    Figura 57: Localizao do ncleo urbano em relao s Microbacias.

    Ao sobrepormos o traado de Razgulaeff (1934) carta topogrfica(figura 58), vislumbramos uma justaposio entre ambos, pois na marcao daelipse central que temos o topo mais alto do espigo. No s este aspecto que

    explicita a posio do centro elptico do traado urbano de Londrina, pois, a

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    interseco da rodovia, anterior a ocupao da regio, tambm contribuiu para essaconformao. Desse modo, os aspectos fsicos foram determinantes