Rui Barbosa - Visita à terra natal

183

Transcript of Rui Barbosa - Visita à terra natal

Page 1: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 2: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 3: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 4: Rui Barbosa - Visita à terra natal

VISITA

Á ~'ERRA NATAL

BAHIATYP. E ENCADERKo\ÇÃO DO "DlARIO DAoBAHL\»)

101-Praç1 Castro Alve -101

01893

Page 5: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 6: Rui Barbosa - Visita à terra natal

A presente publicação tem por fim vulga­risar as doutrinas republicanas, magislral­mentc enfeixadas nas incomparaveis oraçõespronunciadas pelo Dr. Ruy Barbc,sa por oc­casião das manifestações que lhe foram feita.­nesta capital durante a sua ultima visita.

Com os discursos do notavel hon:em deestado publicamos egualmente os dos diver­sos oradores que nellas tomaram parte e al­guns artigos e noticias dos jornaes, que seoccnparam dessas festas, as quaes, pela espon­taneidade como se realisaram e pela rara 50­

lemnidade que as revestiu, assumiram asproporções de um facto singular e extraordi­nario.

Satisfazemos assim o desejo exlernado porgrande numero de pessoas, a quem uão foidada a venlura de assistir a essas manires­tações da alma popular qualificada' criterio­samente como «a apotheose tia Bahia,).

Na ordem desses factos eslão dispostos osdiscursos aqui colleccionados.

Não juntaremos uma palavra ao juizo deimprensa, que viu nas homenagens feitas aRuy Barbosa a glorificação de nome bahianoe a mais bella magnificação da obra repu­})licana.

Page 7: Rui Barbosa - Visita à terra natal

Em verdade foi isso o que affirmaram aquel­las milhares de pessoas, representando o quede superior existe nas classes que constituema nossa actividade social, nas ferventes ac­clamações com que saudaram des::le a che­gada do egregio estadista republicano, o seunome glorioso e immortal.

Entregando, pois, aos nossos concidadãos,as preciosas paginas que se seguem, presu­mimos cumprir um dever civico.

A verdadeira 'orientação da politica repu­blicana está ahi indicada com a sinceridadedaquelle espirito superior, que, não sabendomentir á religião do dever, põe a patria acimade todos os interesses, a liberdade acima detodas as causas.

Sobre as suas palavras medite o espiritoos homens de boa vontade, meditem aquelles

a quem as paixões não envileceram os senti­mentos de justiça.

Para esses é que se dirige a sua voz sin­cera e lampejante, solemne e convencida.

Para esses é que appelIamos nós, entregandoâ publicidade o presente lino.

Bahia, abril de 1893.

Page 8: Rui Barbosa - Visita à terra natal

A BARIA

RUY BARBOZA

Page 9: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 10: Rui Barbosa - Visita à terra natal

RUY BARBOSA

No paquele inglez Magdalena, esperadoamanhã pela manhã da capital federal, chegaem Yislia á sua lerra nalal e a seus nomero­sos amigos e admiradores o Dr. Ruy Bar­bo.a.

Não nos consideramos suspeitos, referin­do-nos ao illuslre cidadão, que esla nobrecidade vae por alguns dias hospedar. Se adesinteressada e diuturoa amisade, com queesse benemerito bahiano sempre honrou estafolha, oude, após seu lirocinio academico,fez as suas primeiras e sempre brilhantissi­mas armas, pudesse ser considerada comoum motivo de suspeição, então suspeito se­ria tambem o paiz inteiro, que lem sentidovivamente o impulso patriotico, ardente esempre democratico, com que a penna e apalavra inspirada de Ruy Barbosa têm feito'pulsar as fibras de toda a nação.

Sempre dedicado ás causas mais elevadas,collocando sempre seu prodigioso talento aoserviço de causas patrioticas a excepcional,a rarissima actividacle de seu espirito, quese tem gasto no estudo profundo e profi­cuo na meditação aturada e pertinaz, RuyBarbosa não deixou ainda, entre nós, desdeque se dedicon á vida publica, uma só dasquestões importantes que sedebatem e se de­bateram, sem levar a ellas o enorme contingen­te de sua palavra proficiente as luzes de suaconvicções arraigadas por estudo profundoe por cogitações ininterrompida sobre asnecessidades de nosso meio social.

Desde a questão religiosa em 1874 até a doelemento servil, póde-se garantir, em receiode contradicta, que ninguem no Brasil discu­tiu essas gra\"issimasquestões sociaes de altu­ra egual, com a certeza dos golpes e a larguezacios intuitos, que sómente é clado aos gran-

Page 11: Rui Barbosa - Visita à terra natal

II

des talentos, h<tbituados ao estudo e a apro­fundar, até esgolal-as, as questões de que seoccupam.

O parecer de Ruy Barbosa ácerca do pro­jecto do gabinete Danlas é um esludo com­pleto, feito em poucos dias, das origens daescravidão entre uós, de sua historia e da ne­cessidade impresciudivel, que a civilisaçãocontemporallea exigia da extirpação daquellevicio herdado, que corrompeu todas as fontesda vida nacional. Não ha pessoa que se de­dique, ainda que como amador, a essesassumptos, que não sénlisse naquella occasiãoa convicção profunda que aquelle trabalholhe incutia no espirito, e o fremito da in·dignação pela tristissima lncla que o projectocanson entre o'> proprios que deveriam con­sideraI-o como medida salvadora.

Mas não foi sómente esse o grande serviço,serviço inestimavel e inexcedivel, que lhedeveria valer o reconhecimenlo da raçaescrava e o applauso eterno de lodos quantosse entregara lU, sem lazer,'a essa grande obrade sanificação publica. Morria José BonHacio,abafado ao peso dos enormes lriumphos quesua eloqueucia em favor dos caplivos arran­cara diariamente ás muIlidões, e Ruy Bar­bosa era o escolhido pela illustre patria dogrande orador para fazer-lhe o elogio fuue­bre em uma sessão commeLUoraliva,

O discurso que então pronunciou foi obrado mais eloquente qne já se ou viu nestaterra em favor dos caplivo·s, desde que elleexclama: «Morto, parece ainda maior doque vivo!» até que lembra o vuIlo de JoséBonifacio allumiando o horisonte, como alampada matutina dos caplivos,ll

Após essa campanha, em que o esforçadoe convicto bahiano tomou o primeiro logarna lucta abolicionista, dedicou-se a libertaros seus campatriotas da descentralisação fer­renha que alrophlava com as liberdades 10­caes o progresso do paiz inteiro.

Page 12: Rui Barbosa - Visita à terra natal

lU

Essa intemerata campanha do Dial'io deNoticias do Rio é um dos maiores tilulos degloria do grande apostolo de todas as liber­dades, do decidido e glorioso luctador de to­das as causas generosas.

Foi ella quem preparou o paiz para a evo­lução politica de 15 de novembro, e RuyBarbosa nesse movimento e no go, erno foia cabeça pensante, o pensamento dominanteda nova organisação politica.

Reformas radicaes, lei.;, regulamentos, eprincipalmente a constituição federal foramobra sua, exclusivamente sua; e ainda lherestava tempo para o complicado expedientedas repartições de fazenda, para os multi piosnegocios que della depcndem, e para e cre­vet longos relatorios, em qnc miudamentese referem os negocios da pasta qne lhe foiconfiada.

Ao valente soldado, ao patriota inexcedivele ao homem purissimo que proclamou arepublica, e foi ° chefe do governo proviso­rio,ouvil quem escreve estas linhas as maislisonjeiras e até enthusiasticas referencias aRuy Barbosa. Achava o marechal Deodoroqne se não fosse a acquisição de Ruy traba­lhador em excesso, entendido cm assumptospoliticas, sociaes e administrativos, homemde sua inteira confiança, porque era probo ehonesto como elle, mais dificeis lhe seriamos grandes tropeços que encontrou na trans­mutação politica por que snbitamente pas­samos.

Mas o talento exlraordinario, as faculdadesexcepcionaes de Ruy Barbosa não podem serpostas em duvida. Causal em favor da qualse pronuncie é causa del1nilivamente victo­riosa na opinião, onde houver opinião sincerae intelligente.

Por isso os invejosos, os que só poderiamde rastos admirar os vôos daquelIa pujançaintellectual, os que nunca censuraram osseus actos, como ministro do governo pro-

Page 13: Rui Barbosa - Visita à terra natal

IV

visorio, senão por allusões ou transcripçõesde indIviduas feridos' em seus interesses,vivem a propalar falsidades e calumnias, queo no so illustre amigo tem mais de uma vezdesafiado formalmente, sem que lhe appa­reça individuo algum que pl'Ocure seriamentee com factos empanar a probidade immacu­lada de Ruy Barbosa.

Releva agora lembrar um facto. Não snbe­IDOS se com isso melindramos a susceptibili­dade de um amigo. a quem sempre intima­mente presamos. E' necessario, porém, que­brar a arma da calumnia nos dentes dosdeshonestos que suppõem que a humanidadetem, como elles, os mesmos instinctos.

O Dr. João José Barbosa de Oliveira foium homem honradissimo. Demillido do cargode director da instrucçào publica, por mo­tivos politicos, cargo p3ra o qual tinha habi­litações corno nenhum entre nós naquelletempo, não fazendo da instrucçào arma po­litica, procurou montar uma fabrica, e paraisso contrahiu dividas. Morreu em pouco,sem poder resgataI-as.

Seu filho, que nada havia herdado, tomoua . i a responsabilidade das dividas do pae,honrou o nome de seu progenitor, traba­IhaI].do e resgatando-as. Isso é facto recente.

O Dr. Ruy Barbosa respeitou o nome deseu illustrado e quel'Ido pae, pagando-lhetodas as dividas.

Tessa occasiào não cra ministro de fazenda;pagou·as todas e com todos os premios porseu trabalho honesto e consciencioso deadvogado.

Quantos dentre os que se inculcam de pu­rilanos, de serios e de honestos, pagam assuas dividas, quanto mais as dos ascendentesque lhes não deixaram bens que as excedes­sem ou ao menos compensassem?

Por esse motivo ainda Ruy Barbosa é umhomem digno desta terra. Se pela intelligen­cia não póde recear-se de confrontos entre

Page 14: Rui Barbosa - Visita à terra natal

v

os que mais a ilIuslraram, pela dedicação ádemocracia desde seus verdes annos peloassiduo e constante trabalho para levar árealisação um dos ideaes de lodos os libe­raes da America, pelo desassombro comquepóde oflcrccer sua vida inleir<t, parliculare publica, ao exame de todos, pela elevaçãode vistas que o leva a ser patrocinador des­interessado de cidadãos que o oJlenderamgravemente, mas que estavam sofTrendo emsua liberdade, por um princfpio prelel'idose por outros motivos não fosse elle credor<las maiores sympathias, do mais decididoafleclo desta folha, que se honra com tel-otido como redactor durante annos, tem di­reito completo a ser visto por nós comoaquella persona C1em allegorica de que nosfallou na magninca oração que produziu nocelltenario de um seu collega, immortal cornoelle, porque é impossivel que os erros dosinteressfldos ou os caprichos politieos pos­sam diminuir a figura gigantesca de homenscomo esse, no scenariu politico, desde queelle assomou, impondo-se com as fulguraçõesele seu grandissimo talento, e com a perse­verança de seu caracter profundamente de­mocratico.

Quando tratou-se de decennario de CastroAlves, o Ruy Barbosa da poesia, o oradoroffieial foi o nosso hospede. Fazendo urnaallegoria epica da evolução de nossa especie,concluiu elle:

«Esse disco de baça claridade e de rellexossangrentos, que pouco a pouco se vae reco­lhendo para o occidente, sob o manto davictoria, é a tradicção da conquista, da vio­lencia e da escravidão, emquanto Alhené apersonificação da arte e da sciencia, da hu­manidade e ela paz, ergue-se no orienteentornando ao 1011j!(', por toda a p~rt(' fi be­nevolencia, o espirita e a liberdade entre oshomcns. Felizcs, abel1ço~dos e grandes os

Page 15: Rui Barbosa - Visita à terra natal

VI

que, como Castro Alves, podem ser um dosraios dessa alvorada!»

Ruy Barbosa póde ser incluido entre essesfelizes; com Castro Alves, o immorredoiropoeta dos escravos, o coração sensibilissimoe a alma enorme de poela e de cidadão, Ruynão foi sómente um dos raios foi a luz prin­cipal das grandes alvoradas, emancipação.dosescravos e republica. Se Castro Alves fossevivo abraçal·o-hia mais urna vez, irmãos nas~raDdes idéas. Infelizmente o poela ínorto nãoviu suas esperanças realisadas; deixou umcollega e um con terraneo que recebeu-lhenobremente a herança e galhardamente des­empenhou-a.

E' o libertador dos escravos, é o legisladorda republica que a Bahia vae receber hojecom braços de mãe amorosa, que revê suasglorias antigas em prole que ainda mais adignifica.

A Ruy Barbosa, o nosso companheiro decerca de 20 anuos de luctas, que tem provadoa lealdade, a correcção e a hombridade comque sempre nos maulivemos nos prelios dademocracia; a Ruy Barbosa, a quem deve­mos os melhores anuos de nossa existenciajornalistica, as nossas melhores e mais cor­diaes saudações.

Seja bemvindo entre nós o apostolo de todasas idéas generosas, o imperlerrito trabalhadorem favor da alforria dos escravos é das maisadiantadas idéas democraticas.

Convictos de sua correcção politica, e desua acrisolada probidade parlicular, lhe pre­stamos daqui o culto que nos merece uma vidaexclusivamenledestinadaao progresso de seuscompatricios, quando não é desse culto fervo­roso distrahido pGr oulro, não menos elevado:a sagração de todas as horas que o serviçopuLlico lhe deixa ao cullo immaculado dafamilia.

Que seus filhos sejam o que foi o pae" oque foi o avô, e teremos com cerleza ahi

Page 16: Rui Barbosa - Visita à terra natal

.'.

VII

nesse ninho patriarchal e amoroso a semen­leira fecunda de cidadãos que illuslraram apatria, e que elevaram esla pobre Athenas áaltura dos louros, que ella já mais de umavez colheu.

Bemvindo seja entre nós o nosso illustree sempre venerado companheiro de lrabalhosRu) J\Barbosa.

(Diario da Bahia de 25 de Janeiro) .

Page 17: Rui Barbosa - Visita à terra natal

SEJ.Â. BEMVINDO!

Se, inspirado em sentimentos de politicamais elevada, o povo bahiano não esti\ essetrabalhado por fortes dissenções partidarias,se outra fosse a sua educação civica, ao pizaramanhã o Dr. Ruy Barbosa esta terra, quelhe é berço glorioso, as palavras que dãotitulo a estas linhas, seriam certamente a sau­dação que de todos os labios irromperiam,dando as boas vindas ao eminente cidadão,cujo nome vale um seculo, onde a Bahia vêem brilhantes relevos as palmas mais vi­rentes, os loiros mais preciosos que a pa­lavra escripta e filiada no parlamcnto e naimprensa, ainda conquistou entre nós!

Seja, porém, como for, por mais acell­dradas que estejam as paixões, por mais dis­crimin:ldas que se apresentem as agremia­ções politicas, acima de tudo isto !la de pai­rar, como um docel de luz, a grande almaelo povo bahiano, acolhendo carinhosa e amo­ravel, affectuosa e agradecida, aqueIle que,fazendo da penna um ariete e da palavrauma catapulLa, feriu renhidas pugnas, emdefeza desta terra, quando a anarchia dasruas pretendeu retalhar-lhe as entranhas.

Seja bemvindo o Dr. Ruy Barbosa!A sua recepção, se mr na altura de seu

merito,_ na extensão dos seus serviços, no,brilhantismo do sen talento, na profundeza

de sua erudição, fará lembrar a daquellescelebres conquistadores romanos, não fal,lando no grande parlamentar, no maxirnoescriptor, nem os apodos que o -escravo ro­mano, jungido ao carro triumphante, dirigiaaos grandes vencedores_

E eIle, o Dr. Rny Barbosa, entra como umtrinmphaclor; mas, ao contrario deste, nãovem receber os despojos da concluisla, vem,sim, filho amanlíssimo, depôr no seio da

Page 18: Rui Barbosa - Visita à terra natal

IX

terra natal os laureis, que lhe pendem emfestões da fronte, esmaeciaa em continuas "i­gilias e profundas meditações.

Recolhe-se, como o famoso grego, á suaquerida tenda, para ahi recobrar alento, buiras finas armas, que magistralmente térça, eapparelhar o escudo, onde mais tarde in­screva novos combates e, conseguintemente,novas victorias.

Nós, associando-nos peIo espirito e pelocoração, aos festejo,; que. se projectam emhomenagem ao egregio bahiano, fazemol·ocom a certeza de que concorremos para aglorificação do mais illustre publicista ba­hiano, do mais notaveI parlamentar brazi­leiro e de uma das mais robustas mentaIi­clades da raça latina.

(Diario de 1\ alicias de 25 de Janeiro.)

Page 19: Rui Barbosa - Visita à terra natal

o GRANDE BAHIANO

Depois de uma ausencia de cerca cje cincoannos, pisou o grande bahiano 'a sua terradilecta, aquella ljue se desvanece de lhe terouvido o prImeiro grito da vida e as primei-

. ras palavras de orador e jornalista. Todo esse.fulgor de gloria por justo titulo adquiridapelo eminente Olho da Bahia, reflecte se nafronte deste povo, que aiuda hontem lhetransmilliu, numa eJTusão espontanea de alfe­cto, um beijo consolador de mãe com movidae carinhosa.

A «antiga metropole do espirito brazileiro»sente-se remontar as culminações de outr'ora,aos tempos de seu primado intellectual, mo·ral e polilico, ao contemplar orgulhecida ovulto deste bahiano, cuja -grandeza vale bemo passado preeminente da velha capital brazileira.

Quando não tivesse ella presentemente nemum ornamento, nem um só continuador desuas tradições de hpgcmonia, bastar-lhe·iapossuir este noJ)re filho para a Bahia rei vin­dicar a supremacia de outras eras e poderdignamente cingir o diadema luminoso comque brilha na historia.

EiI·o que recebe, coração transido de do­ces emoções, os afagos malernacs qne à suaalma delicada e sensivel «sabem á sincerida­de do primeiro leite da ,'ida.»

Merecido preito, esse fervor de festa comque acaba de ser acolhido em sna terra na­talo preclaro brazileiro, deve compensar asinjustiças que de longa data lhe magôam agrande alma e os dissabores gue ás vezes têmsido o preço de tanta benemerencia.

Gçneroso, forte, sereno como um philoso­pho, pairando altivo em esphera superior ~IS

paixões e as miserias que a politica desenca­deia e apascenta, vemol-o sempre o mesmo

Page 20: Rui Barbosa - Visita à terra natal

Xl

espirito rebelde ás suggestães dos pequenossentimentos, a cuja influencia não raro ce­dem os homens injustamente malsinados. Aseus olhos a Bahia é sempre a mesma credo­ra de seu amormais puro, de sua ternurafilial, da gratidão e do sacrificio.

Elle bem compreheude quanto não é per·mitLido confundir os preconceitos e os odiosparticulares com o sentimento collectivo dapatria.

E foi esta, sem dLlvid~, em manifestaçãomodesta, mas eloquente, quem sagrou a boavinda do organisador da republica.

Na vida dos grandes homens ha momentosque são antecipações da justiça por vir. Hon­tem, naquella solfreguidãó com que centeuasde bahianos saudaram a chegada do seu n­lustre co-estaduano, bem se podia presentir° conceito que do seu admiravel caracter evasto merecimento fará a geração futura, aquem Ruy Barbosa está dando desde ° seuapparecimento na vida publica os exemplosmais bellos de patriotismo, de energia civica,de inteireza e rectidão de espirito, de eleva­ção e nobreza d'alma.

A mocidade, cuja inexperiencia é compen­sada pela intuição do que é bel lo, respeita­vel e digno de hOlllenagem, mostrou-se ain­da uma vez- alheia dos ruins estimulos, quedenegam ás ·vezes a civilisação moral de umpo,o. -

Victoriou o com o symbolo das aspiraçõesdemocraLicas dos brazileiros, como o incor­ruptivel e intransigente campeão das Iiberoa­des, coroo a encarnaç,ào mais pura da idéarepublicana.

Deve sentir-se consolado da animosidadede seus inimigos aquellé que pelas mãos dosmoços recebe as corôas que mais lhe sabem,-«aquellas com que o ingenuo ciesvaneci­mento da patria afaga a dedicação de seustrabalhadcres.ll

Póde clle repousar tranquillo na terra ha

Page 21: Rui Barbosa - Visita à terra natal

"XII

'lanto tempo deserta de seu maior represen­tante. A Bahia não sabe repudiar quem lhegrangeia as mais legitimas glorias, quem ahonra com tão desinteressada dedicação, am­parando-lhe, contra a decadencia desLes tem­pos, por si só, com a sua genial mentalidadee a inteireza invlllneravel de seu carl'cLer, onome conquistado por uma geração de ba­hianos.

O povo que um dia sagrou o merito de JoséBonifacio no exilio, a que o condemnara oimperio, não será menos justo para com avicLima dos odios impotenLes, que, na l-epu­blica, tanto se acirraram; e saberá medir nasproprias affrontas que lhe atiram a estaturasuperior desta extraordinaria individualidade.

Saudamos o batalhador indefesso e inven­civel que hoje, pisando a terra de seu berço,lhe traz o deslumbramento daquellas (calmasfortes» que a Iliada celebra.

(Diario da Bahia de 28 de Janeiro.)

Page 22: Rui Barbosa - Visita à terra natal

RUY BARBOSA

Hontem ás 9 horas da manhã entron nonosso porto o paquete inglez Magda/ena es­perado do Rio àe Janeiro, trazendo a seubordo o Dr. Ruy Barbosa, que, em c(,mpa­nhia de sua estremecida familia, vem Yi i­tal' a terra de sen berço, a que tania temsabido honrar.

A's 6 horas da manhã já era avultadissi mo onumero de correligionarios e amigos do pre­claro bahiano que estacionavam na ponle daCompanhia Bahiana e lagares adjacenles,aguardando a entrada do vapor inglez.

Ao dar o forte de S. Marcello signal deenlrada de vapor do sul, partiram do arse­nal de marinha e da ponte da CompanhiaBahiana Ires vapores embandeirados e treslanchas, conduzindo os empregados da fa­zenda federal, a familia e admiradores doDr~ Ruy Barbosa e os membros do partidorepublicano federalista, que foram esperarna liuha o vapor que conduzia o emeritobahiano, cuja visita a esta terra era anciosa­menle desejada por todos quanlos sentem oespirita impulsionado pelas suggestões dopatriotismo.

Acompanhando o Magda/ena, enthusiasti­cas saudações eram dirigidas desses vaporesao Dr. Ruy Barbosa, que a eilas correspon­dia, acenando, da amurada do navio.

Em e caleres dirigiram-se para bordo dopaquele inglez os amigos e admiradores donolavel estadista, que os recebeu com aquel­la distincção que o caraclerisa.

Convidado pelos empregados de fazenda,encaminhou-se S. Ex. para o salão do paque­te, sendo·l~e ahi dirigida a palavra pelos Srs.Francisco de Magalhães Moreim Sampaio, eCandido Seraphim Alves, que, em nome deseus coilegas da thesouraria e da alfandega,

Page 23: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XIV

significaram eloquentemenLe a gratidão deque se acham possuidos para com o Dr.Ruy Barbosa, autor do decreto da creaçãodo monte-pio dos empregados da fazendafederal, sendo feita nessa occasião entregade dous lindos ramaU1etes de flores naLuraes,dos quaes pendiam largas fitas com franjade oiro, um offerecido ao illustre bahiano eouLro á sua virtuosa consorte

Agradecendo aquella inequivoca e honro­sissima prova de estima por parte dos di­gnos fUllccionarios, respondeu, com palavrasque lbe Lrabiam a enorme commoção deque era presa, o Dr. Ruy Barbosa, que, ma­nifestando o seu pensamento na gestão dapasta da fazenda, no periodo glorioso dogoverno provisorio, disse que relativamenteaos empregados das repartições dependen­tes daquelle ministerio, procurou prestar omesmo desinteressado apoio que prestariaa seus proprios filhos.

O seu discurso foi ouvido com a mais reli­giosa atlenção por parte de quantos se acha­vam presentes, sendo, ao terminar, viva ecalorosamente saudado.

Dirigindo-se ao eminente homem de esta­do, em companhia de uma commissão dopartido federalista, o Dr. José Gonsah es,saudou o egregio brazileiro, honra da repu­blica, a quem cabia-lhe a satisfação de aper­tar em estreito abraço, recebendo o calordaquelle peito, onde bulham os mais 1J0bressentimentos civicos; sendo S. Ex. abraçadopor seus amigos poliLicas.

Por essa occasião o Dr. ManoeI VicLorino,abraçando o notavel bahiano, ergueu umviva, que foi calorosamente correspondido,-á gloria mais pura e Ie~itima da Babia.

Tomando U111 dos vapores especiaes, diri­giram-se todos para terra, sendo o nossoilIustre bospede abraçado e festejado pelaspessoas que alli o esperavam, dos quaes umgrupo, tendo como seu representante o ci-

Page 24: Rui Barbosa - Visita à terra natal

xv

dadào Salles Sousa, entregou-Ibe um riquis­simo bouquel de flores naturaes, em cujasfitas lia-se esta inscripção em leltras de oiro-Os federalistas da Sé ao Dr. Ruy Barbosa.

Na ponte da Companbia Bahiana, que es­tava enfeitada de palmas e galhardetes e ondese elTectuou o desembarque, extraordinariaera a massa de povo que aguarda"a a che­gada de Ruy Barbosa, que foi aLi saudadocom prolongadas salvas de palmas, ao passarentre as duas extensas alas de cidadãos allireunidos.

Acompanhado da immensa multidão, na qualse viam representadas as diversas classessociaes, tendo á fren: e a banda do regimentopolicial, seguiu S. Ex. pelas ruas ConselheiroDantas, Santa Barbara, Homem de MelIo,Praça Castro Alves e ruas de S. Bento, S.Pedro e Portão da Piedade, onde hospedou­se na casa de residencia dos Drs. FranciscoVialllla e Augusto Vianna.

De uma das janellas do predio ergueu S.Ex. vivas-á idéa repub1icana, ao povo ba­hiano, á mocidaíÍe, que concretisa em sitodas as grandes esperanças do fu tura, e aopartido republicano federalista da Bahia;sendo ao assomar á janella saudado RuyBarbosa por uma extensa salva de palmas.

Durante o trajecto do enorme prestito, queera fechado JJela corporação dos emprega­dos de fazen a federal, foram erguidos inn u­meros vivas ao senador Ruy Barbosa, geniodas finanças brazileiras ao immortal bene­merito da classe de fazenda, á gloria maislegitima da Babia, ao grande legislador darepublica, ao interncrato defensor das liber­dades publicas, ao Dr. José Gonsalves daSilva, chefe do partido federalista, etc.

De diversas casas foram atiradas flores so­bre a cabeça do egregio babiano; subindo aoar muitas girandolas de fo~uetes ao passar oprestito em frente ao edlficio desta folba,que se acbava adornado festivamente.

Page 25: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XVI

, commissão do partido federalista foramolferecidos para os festejos de recepção quea Bahia acaba de fazer ao seu benemeritofilho, o vapor Ilap'lrica, da Companhia Ba­hiana, pelo seu digno gerente o Sr. generalSousa Dan tas, e·o vapor União, da Compa­nhia Transportes Marítimos, por tres dis­tinctos membros da classe commercíal, osquaes em carta dirigida á com missão mani­festam de um modo honroso a sua admira­ção por alJuelle nosso presado amigo.

Durante o dia de bontem e á noite foi S.Ex. constantemente visitado por muitos ami­gos e correligionarios.

Eis em rapidos traços o que foi a brilhantec expressiva recepção que teve no seio deseus amigos, na terra de seu nascimento, onosso antigo e desinteressado companheirode lides jornalisticas, a quem jamais desfal·leceu o animo para as luctas em prol dascausas grandes e generosas.

A Bahia, em cuja parLe sã nuuca poudemedrar a intriga torpe e baixa dos interes­ses pequeninos, soube honrar dignamente onome puro e ímmaculado de Ruy Barbosa,que ha de ser para as novas gerações brasi­leiras o incentivo nobre que as levará á con­quista da liberdade e da paz.

(Diario da Bahia de 28 de Janeiro).

Page 26: Rui Barbosa - Visita à terra natal

RUY BARBOSA

o assumpto principal do dia foi, hoje, achegada e recepção do Dr. Ruy Barbosa, nestaca~ital.

Esle homem notavel, que enche e illustrapor si só a historia nacional dos ultünostempos creando, suggerindo e vencendo com)Sua organisação complexa de jornalista, fi­nanceiro, jurisconsulto, estadista, litterato epolitico, as situações mais variadas e maLprofundas da nossa evolução social, este no­lavei bahiano, dizemos, teve uma prova soolemne e viva da resurreição dos antigos pre­dicados civicos desta terra no modo por quevimol-a hoje manifestar-se por occasião doseu desembarque.

Isto que a parte selecta da capital bahianaacabou de realisar hoje, não é uma destasmanifestações de apreço urdidas com o arrierepensée dos politicos e com a ajuda incon­sciente da turba·multa dos curiosos; isto dehoje foi uma explosão solemne e edificantedos sentimentos babianos de outro tempo,quando inda se cria nos homens e se tinhaconfiança nos princi pios; isto de hoje foinma demonstração publiea dos enthusiasmosdesta terra pelo merecimento real de umfilho glorioso, uma sagração civica, em quetomaram parte os elementos mais distinctospela posição na sociedade, pela cultura in­lellectual, pela influencia qne exercem o ca­racter e as demais qualidades de eleição.

(Correio de Noticias de 27 de Janeiro),

Page 27: Rui Barbosa - Visita à terra natal

RUY BARBOSA

Passados annos de luctas renllidas á ma·neira brava dos lengendarios, volveu hoje áterra natal o Dr. Ruy Barbosa, de quem sepóde dizer que é a culminancia do talento e<1a erudição neste paiz.

Guia da cruzada republicana 110 jornalismofluminense, onde os seus artigos opposicio­nislas foram brilhos ainda não resplandeci·dos em imprensa de combate, o eminenlebahiano desenvolveu nos prfmeiros dias doseu ideal victorioso tal actividade e tal exu­herancia de forças intellecluaes, como nãose lhe deparam superiores na hisloria univer­sal das revoluções.

Todo o paiz, entre surpreso e orgulhoso,convergiu attenções para essa cabeça hu­mana de Minerva, de onde irrompiam, aper­cebidas e aptas, as grandes reformas liberaesque o espirito nacional sonhara.

Para dar-lhe pagina rutila na historia pa­lria, bastaria essa phase assombrosa de suavida de cidadão.

Em torno á individualidade do minisleriodas finanças do governo provisorio silvamyerdadeiros odios, que nada lhe perdoam;mas lambem vibram acclamações á sua po­derosa mentalidade, que l'al·o incontestavel­mente legitima gloria do Brasil.

Assim o consideramos nós, apresentando­lhe as nossas saudações pela sua chegada.

A Bahia, na recepção brilhante com quesoube acolher hoje o seu mais illustre filho,<ligniflcou-se quanto era necessario para~emplo vivissimo da geração hodierna.

O Dr. Ruy Barbosa teve, á sua chegada,

Page 28: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XIX

lisongeira prova de apreço por parte dosseus conterraneos qte vêem em S. Ex. umaverdadeira gloria nacional.

A sua recepção engrandece-.o dnplamente,pois não foi tributada simplesmente poraquelles que de ha muito já o admiravam,mas tambem 1)01' outros cidadãos que vi"iamafastados do i lustrado bahiano, por motivosde politica diversa. .

Todos, na maior communhão de senti­mentos, concorreram hoje para o brilhan­tismo da sua chegada, de que vamos darligeira noticia.

(Jornal de J\ alicias de 27 de Janeiro).

Page 29: Rui Barbosa - Visita à terra natal

RUY BÁRBOSA

o parlido republicano federalista "ae hojenum aeLo de espontanea justiça, juntar o seumodesto preito ás homenagens cultuaes quetenl sabido merecer de seus compatriotasmais edncados e justos-o egregio brazileiroRuy Barbosa.

Com o partido federalista podemos dizer,fraleroisa a alma bahiarua, sempre eolhu­siast"l cio que é grande e nobre, nesta manifes­tação de apreço que sobremodo a honra, ele­vando-a no c.onceito dos povos ci ,'ilisadosque têm por caracteristko, entre oulras qualidades, a estima e a gratidão a suas legiti­mas ~lorias.

As IDcensadelas da baixa e interesseira li­sonja aviltam o thuribulario e não hOO1ramo lisongeado. Ao contrario, os lribu los daadmiração juslificada, do louvor conscientee merecido, exaltam por egual quem os rendee quem os recebe.

ão se discute mais o valor moral e intel­lectual dessa individualidade, que pela suagrandeza alem do commnm, provaria, contraBukle, que ao lado da nossa estupenda natu­reza, de montanhas gigantescas, rios sober­bos e florestas impenetraveis ha tambemlagar para o homem.

E quem bem o sabe é a Bahia, berço afor­tunado de tão grande filho; a Bahia, que temassistido á evolução desse espirita de elite,desde o seu auspicioso inicio na carreira pu­blica, como soldado valenle e leal das idéasgenuinamente liberaes, a té ao seu estadiopresente, de franca e decidida convicção re­publicana.

Lustrando com inexcedivel lJrilho todas asprovincias da sciencia poliLico-social, jus­tando com pulso de athleta pela realisaçãodos mais puros principias, vig-o esta terra,

Page 30: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XXI

desvanecida, logicamente se ir encaminhandopara o termo appetecido das aspirações na­cionaes.

Emquanto a monarchia não embaraçou onatural desenvolvimento deste vasto corpode nação, elIe esteve com eIla servindo a pa­tria, sem servilismo oe aulico, mas com toda:01 independencia de um caracter que se presa.Sempre considerando á parte o interesse dy­nastico e o interesse propriamente do povo,jámais o vimos transigir em detrimento doultimo. Foi assim que nas luctas pela abo­lição da escravatura, não se deixou influen­ciar, como outros tantos estadistas, do espi­rito conservador de resistencia á reformasoci~l, prevendo, entretanto, o enorme vasioque a escravidão, UlUa vez abolida, ia cavarna pea.oha do throno. Vae por cinco annosouvimos-lhe nós estes rasgos propheticos,que dalú a pouco tempo echoavam no sena­do brazileiro, enchendo de terror to'da abanda esclavagista: «Mas, em summa, senho­res, a grande transformação approxima-sedo seu termo. A cordilheira negra esborôa­se, abalada pelas comlUoções que operam amudança dos tempos nas profundezas da his­toria; e por esse rasgão immenso, que seabre, entra em cheio o azul dos novos bori-ontes, o oxygenio poderoso da civilisação

americana. Os velhos partidos, cooperadoresirregenera,'eis do passado, rolam, desaggre­gados, para o abyslUo, entre os destroços deuma era que acabon; e pelo espaço, que atempestade salvadora purifica, os ventos donorte e do sul trazem, suspendem e disper­sam, para cahirem sobre a terr~, as idéasvivificadoras da nossa reha1.Jilitação: a liber­dade religiosa, a democratisação do voto, aa desenfeudação da propriedade, a rlesol·­garchis3ção do senado, a federação do" esta­dos unidos bJ-azileiros .. com a corôa, seesta lbe fôr propicia, contra e sem eIla selhe tomar o caminho.»

Page 31: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XXII

Quando, abalido o capliveiro, a sociedadeexperimentou a urgencia de proseguir na se­rie de reformas, que a abolição trazia nobojo, e logo encontrou, quer na corôa, querem realistas mais que o rei novos obstacu­los á sua evolução necessaria, vimol·o outravez, empunhando a pi.::arcta destruidora,preferir o partido da nação ao partido dadynastia. Ahi tivemos occasião de presen­cear a transição brilhante do liberal monar­chi~o para o democrata repu~)lícano.A corôatomara o caminho á nação; elle decidira-sepor esta sem a corôa.

Desde então pelejou francamente pela fe­deração republicana, vibrando os mais pro­fundos e certeiros golpes nas instituições doimperio, que tiuha a pretenção de deter ocurso logico e fatal dos acontecimentos. Aopasso que os Josués do prometlido segundoreinado mantinham a estulta esperança deinverter as leis do movimento, o futuro ar·ganisador da republica seguia rota balida,avigorado pela fé na sciencia e no progresso,annunciando o proximo transbordamento dacorrente, cuja directriz ingenuameute acre­ditavam outros poder desviar por meio defrageis comportas.

A revolução não se fez esperar. O elementosoberano, contrariado em seu indomavel ar­roj9, avolumou-se e arrastou os diques nasua triumphal defluição.

Coube ao nosso eminente patricio. querpelo 'seu papel na gloriosa propaganda de­mocratíca, quer pelo seu merito inquestiona­vel,flgurar na primeira linha dos aconteci­mentos que dahi por diante tiveram por sce­na rio a nascente republica.

Nesta synthese incompleta de suas diver­sas phases polilicas, impC'ssivel nos é resu­mir o que tem produzido a acliviciade in­comparavel do estadista bahiano, a datarde sua elevação ao governo provisoriu, qualtem sido a sua norma de acção, qual o rumo

Page 32: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XXIII

de suas idéas e o objectivo de suas incessan­tes luctas.

Basta-nos salientar que o terriyel demoli­dor dos fins do imperio, o revolucionariaintransigente do primeiro governo republica­no, uma vez illstaurado o regi meu constitu­cional, foi e contil1úa a scr o propugnaculomais forte da ordem legal, Yigilante guardaayançada do systema federativo sabia, es­crupuloso e leal defensor da autonomia dosestados federados. O seu amor ás liberdadesafflrma-se de continuo e na mesma rasãoem que augmenta o seu adio ás injustiças.Quando, 11a bem pouco, pelo tel'ritorio dapatria se espalhavam aquellas novas colu­mnas lllfernaes, a depor governos constitui­<ias, corno se estes encarnassem o espiritainsurreccional da 'endéa, não se cOllleve avibrante palavra do impolluto "patriota, e ou­"imol-a conjemnar aquella campanha de de­posições em que elle denunciava «a escola eo embl'yão da guerra' civiL l)

«Eu creio na lei, dizia cm seu ~1anires­

lo á nação, e não creio senão nella, mas nalei em sua verdade, em sua inteiraa, em seuespirita desinteressado, sem cumplicidadescom as conveniencias dos amigos, nem capi­tulações ás exigencias do poder_ll

«Creio no desem olvimento da republica,se ella se estrib~r na le&alidade ... ,> «Creioque é necessario consoliaar a União pelassyrripathias dos estados ... » «Creio que a or­dem não pude fl,)rescer senão no seio da es­tabilidade e da justiça.» E por fim esta divi­sa, digna do escudo de todo republicano sin­cero e patriota: «Com a lei, pela lei e dentroda lei; p0rqlle fóra da lei não ha salvação.»

. .. ..... .O caracter politico da festa de hoje não

póde excluir a solidariedade do povo bahia­no, cujo espir,ito de ordem e legalidade seencontra um interprete no partido federalis­ta, tcm um sustelltaculo inabalavel na con-

Page 33: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XXJv

vicção e nas opiniões do grande estadista re­publicano.

A Bahia, que amargou por longos dias aalI'ronta de um governo de usurpação, teve-opor si, pelos seus direitos e creditos, juntoaos altos poderes da União, fallaudo-Ihe estalinguagem altiva e repassada de nobres senti­mentos.

«Como brazileiro, como fundador da con­stituição federal e como bahiano, me consi­dero vilipendiado, e vilipendiados se consi­deram os meus conterraneos, pela usurpa­ção provocadora que alli se acaba de estabe­lecer..,

E' justa, portanto, a' homenagem que opartido federalista, devemos dizer que aSa­hia, presta hoje ao insigne patriota, ao no­tavel polilico e homem de estado, abstrahin­do mesmo dos muitos outros aspectos poronde se impõe o seu merecimento sobreex­ccllente.

Se elle merece pela estoicidade de seli ca­racter, de energias .nunca abatidas, de crys­talina pureza jamais empanada; pelo vigorde sua mentalidade, de um talento lnxuri"an­te, multifario e genial; pela opulencia de eru­dição que em todos os assumptos lhe temgrangeado uma competencia indiscutivel,­egual direito conquistou ante a nação, e es­pecialmente perante este estado, pela suaacção benefica, prodigiosamente util, na or­dem social e politica, nesta esphera de acti­vidade tão abrolhana de difficuldades e espi­nhos, e onde o glorioso paladino da demo­cracia tem incessantemente demonstrado.

cc ••• amor da patria não movido,cOe premio vil, mas alto e quasi eterno."

(Diario da Bahia de 7 de Fevereiro).

Page 34: Rui Barbosa - Visita à terra natal

RUY BARBOSA.

A Bahia é sempre «a heroina herculeade seios titanicos», a cujo calor benefico seavigora o talento de seus filhos, em famosascrystalisações, que relembram a limpidezpuris~ima do diamante, que seu opulentosúlo engendra nas fecundas entranhas!

E Ruy Barbosa é incontestavelmente a en­carnação mais esplendida, a affirmação maispoderosa do genio desta terra, maior porser-lhe berço, do que pela vastidão de seuslerritorios, pela impunencia de suas aguas,pela eminencia das suas cordilheiras pelasgalas, emfim, com que a enriqueceu a natu­reza, nos enlevos de artista inspirado e afa­gos de mãe acarinhadol'3.

A demonstração irrecusavel, evidenLissimado que levamos dito, tivemol-a hontem ánoite, no recinto do Polytheama, transfor­mado pela magia da palavra dos oradoresem deslumbrante capitolio.

Foi a glorificação mais radiosa, a consa­graçào mais legitima, a solemnidade maisimponente, a festa realisada hontem, emhonra ao Dr. Ruy Barbosa .. Nella vibrou, impetuosa e delir'unte, a

grande alma da Bahia, imprimindo Lhe umafeição singular e um cunho de grandeza,ainda visto em solemnidade daquella natu­reza.Audi~orio selecto e numerosissimo, entre­

cortado de distinclas senhoras; luzes, emprofusão, dando relevo ás ondulações dosespectadores; a decoração do edificio; o as­pecto du palco, e acima de tudo isto a an­ciedade que se manifestava em todos ossemblantes, tudo impunha-se aos sentidos,mantendo a multidão uma altitude grandiosa,condigna da solemnidade.

A's 8 horas, quando deu entrada no recintl)

Page 35: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XXVI

o Sr. Dr. Ruy Barbosa, acompanhado da.digna commissãa, o povo recebeu-o de pé,com urna prolongada, esplrepilosa e uuanimeroda de palmas, sendo·lhe nessa occasião, aoapproximar-se S. Ex. do camarole do Sr.Dr. governador, atirada uma cbuva de flo­res pelas senhoras, que enchiam as frizas.

A musica de policia executou o hymno na­cioual, que foi ouvido de pé por todos osespecLadores, seguindo-se r:::idosas acclama­ções ao Sr. Dr. Rny Barhosa.

Minutos depois, apresentavam-se no palcoa comrnissão promotora da festa, o orao.orofficial, Dr. Manuel \ iclorino, tendo ao ladoo Dr. Ruy Barbosa.

Noyas ~cclamações, novas salvas de pal­mas irromperam de todos os lados.

O scenario que ornava o palco represen­Lava um salão nobre tendo ao centro, des­cansando sobre nma columna, a estatua daliberdade, offerta do pari ido fedcralista aoillustre bahiano, alvo daquella manifestaçãoexcepcional.

Restabelecido o silencio, fez-se ouvir oSr. Dr. Manuel Victorino, que, em nomedo partido de que é ornamento, proferiueloquente discurso, pondo em relevo os ser­viços prestados á patria pelo Dr. Ruy Bar­bosa.

Ao terminar, o orador foi enthusiastica­mente victor:tado, sendo erguidos vivas aosdous maiores talentos da Bahia actual.

EsLava fcita a glorificação do grande ba­hiano; mas faltava a glorificação da Bahi'a.

Desta tarefa incumbiu-se o Dr. Ruy Bar­bosa, demonstrando que sob aqueHa com­pleição debil e franzina pulsa uma grande81ma.

«Alma gigante em corpo de creança.»O discurso do Sr. Dr. Rny Barbosa é uma

pcça inLeiriça, magistral, vasada em moldesde oiro, contendo a liga daqnelles preciososmetaes de Corilltbo, a que se referia o poeta.

Page 36: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XXVII

Dar·lhe pallido resumo, seria amesqui­nhar-lhe a grandeza dos conceitos e marear­lhe o brilho da fórrna de que elle, unico entrenós, possue o segredo.

Ha discursos que, como certas joias, nãose partem-não têm concertos depois.

Diremos apenas que o exordio é um~ har­monia de Lamarline engastada numa odede Pindara. A descripção da Bahia, la! qualappareceu-lhe, olhada do mar, «penduradados céo ", é um fiorão inexcedivel do maispqro Iyrismo.

Só quem viu a nossa m"ldrugada e sentiua influencia da melancolia das tardes hrasi­leiras póde encontrar palletas de cores tãofinas e suaves para desenhar a paisagemmerenc0ria que a terra natal oflerece ao fi­lho; que della andou ausente e que a ella re­gressa com os olhos rasos de pranto e como coração eheio de dulcissimas recordações.

Como arma de combate, como propa­ganda republicana, o discurso de que nosoccupamos, é um primor.a epilogo foi um milagre de eloquencia.Depois do discurso de houtem, podemos

dizer UU Dr. Euy Barhosa o que Castilhodisse de Victor Hugo:-Não achando a quemexceder, excede-se a si proprio.

(Do Diario de Noticias de 8 de Fevereiro.)

Page 37: Rui Barbosa - Visita à terra natal

RUY BARBOZA

Revestida de rara solemnidade e de insolitoexplendor foi a festa pulitica reallsada nanoite de 7 do corrente, pelo partido republi­cano federalista da Bahia. em honra do emi­nente brazileiro, nosso cóuterraneo D.r. RuyBarbosa.

No vasto recinto escolhido para a festivases~ão, destinada ao ofl'ertamento de ummimo ao glorioso estadista, ao inimitavelorador e írrivalisavel publicista, teve o par­tido republicano a fortuna de ver reunido ograndE publico desta capital, srm distincçãode classes, nem de sexo, sem excepção mes­mo de adversarias, em quem mais força' teveo prestidio soberano de uma gloria que é dapatria, do que a afitipathia bascada na dis­cordancia das opiniões.

Não sabemos de manifestação de tal generoque attrahisse e congregasse, nesta terra,mais numeroso e selecto auditoria. A salafranqueada á brilhante cerimonia transpiravaa espectativa anciosa de algum extranhoacontecimento.

Era justa essa anciedade. Um preito iareBder-se ao homem politico mais extraor­dinario que aiuda avultou na terra brazileira,.(l este homem, cujo caracter podia rever-seno bronze da esta tua que lhe seria oJI'ertada,e em cuja alma a liberdade era melhor sym­bolisada que nessa mesm3 aIlegoria, fariaouvir o maravilhoso instrumento de sua elo·quencia, interpretando a harmonia maisadmiravel ainda de suas idéas e de seu pen­samento.

E;;pera\a-se ouvir a palavra cncantada denm orador sem egual e escutar-lhe: sob a ma­g\U exterior da linguagem, a vibração de umespirito todo rendido .á patria e ás boas can-

Page 38: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XXIX

sas que envolvem sua paz, sua grandeza esua honra.

Aquelle cujo verbo tem o bramido dooceano eneapellado para annunciar as grandesrevoluçqes sociaes e politicas, taes como a

. abolição e a quéda do imperio; aquelle quetem ua phrase irisações e cambiantes deluz para accender aureolas de apotheose emtorno de mortos immortaes como CastroAlves e José Bonifacio; aquelle que, r~lJando,resurge, quando é preciso, a ironia voltai­reaLla e encarua o geLlio epigrammalico deJuvenalj o arlista da palavra que ao mesmotempo, no exprimir as suaves emoções daalnw, persouifica o mytho hellenico do filhode Neleu, {(cnja bocca distillava palauasmais doces do que o mel,)-ia encher comos ecbos harmoniosos de sua voz eloquen­tissima o recinto preparado para mais umasagração, modesla embora, de sua honora­bilidade como democrata e patriota.

A solemnidade teve o tom de urna yerda­deira glorificação, e o egregio estadista re­publicano póde juntar mais um laurel ao!'>muitos que o tem vingado das investidasdo odio, da inveja e da calumnia.

O povo que o recollocou a 27 de junho doannu passado, em concorrido comicio elei­toral, no posto ilJuminado pela sua intelli­gencia e prestigiado pelas suas vi rtudecivicas, confirmou plenamente nas nores,dos applausos, nas acclamações delirantescom que acolheu e ouviu a Ruy Barbosa, omerecimento deste grande cidadão, que porsi só sustentaria a dignid<lde polilica destaterra, a tradição de uossa alli vez e de -nossanobreza moral, o sceptro da supremaciaintellectual da Bahia.

Imprensa admiradora do que admiraçãomerece, animada pelo espirito de justiça queem nada é prejudicado pela communidadede aspirações politicas, nossas e do pre­claro brazlleiro, sentimos-nos profullda-

Page 39: Rui Barbosa - Visita à terra natal

xxx

mente satisfeitos com essa homenagem so­lemnissima, em que o partido federalista deuensejo ao povo bahiano para honrar a suamaior gloria.

E sob o jugo suave de taes senLjmentos,sem temer que acoimem de immodestia oorgão do partido que teve a idéa da festa deante-hontem,congratulamos-nos sinceramentecom o emerito jornalista, que tanto lustre jádeu a estas columnas, no estadio inicial deuma carreira que o levou á immortalidadeem vida.

A' imponente manifestação do partido re­publicano federalista ao eminente brazileiroassistiram cerca de 5 mil pessoas, entre asquaes destacava-se avultadissimo numero defamilias. .

A's 6 horas da tarde era já extraordi nariaa al'fluencia de cidadãos ao Polytheama, logarescolhido para aquella solemnidade, na quala fiahia tinha de magnificar a magestade dotalento e da virtude civica no mais illustrede seus filhos.

A decoração interna do Polytheama feitaeom sobriedade e gosto apresenlava excel·lente aspecto festivo.

A' en~rada principal do vaslo edificio, er­guiam-se vistosos ar~o e trophéo com estaspalavras:-Homenagem a RllY Barbosa-Honraao meriio.

Aos lados do pr.:>scenio, liam-se os se~uin­

tes disticos: Redaccâo do Diario da Bania­Redaccâo do Diario -de Noticias, do Rio.

No fundo escarlale de bellos emolemas de­corativos, que destacavam da colllmnata doscamarotes, viam-se as seguintes datas com­memorativas de factos nota veis na vida doiltu'>tre brazileiro: 5 de novembro de 1819(nascimentó); 28 de outubro de 1870 (for·matura); 13 de janeiro de 1878 (eleição á de·(putação provincial); 5 de setembro de 1878eleição á camara geral); 31 de ahril de 1888

Page 40: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XXXI

meeling abolicionista na Babia); 7 de marçoue 188!-J (enlrada para a redacção do crDiaJ'Íode ['{olicias» , do Rio); 14 de setembro de 189J(senaloria federal); 23 de abril de 1892 (defe­za do /wbeas-cGrpus); 27 de jnnho de 1892(reeleição senatorial).

Do luslre parliam para os camarotes, emcnjas columnas enlaçavam-se lindos festõesde rosas, cordas cheias de pequenas ban-deiras. .

O palco, de onde deveria fallar o oradorofficial da manifestação, apresenlava-se emscena aberta, lendo DO centro o mimusymbolico da bomenagem, que se achava en­cerrado pela bandeira nacional.

Esse mimo é urna esta lua de bronze, deallura regular, representando a Liberdade.

Cobre-lhe os membros, vasa dos na maisfina correcção plaslica, a toga inconsutildas allegorias esculpluraes, que pende-lhedas esp, duas em leves dobras eleganles.

O bronzeo symbolo parece irradiar dafronte hellenica uns vagos larupejos idéaes,que ·relembram hymuos de vicloria e vivasacclamações de lriumpho.

A esta lua pousa levemente os pés por so­bre o mund0, que se vê surdir dum grupode nuvens.

Uma creança, nessa jucunda . altitude dosbambini que Raphael e Sanzio immorlalisouem leias admiraveis, traz nas mãos uma faixamelallica, em que se lê, em relevo-PaxLiberlas ll'lundi.

Abaixo dessa inscripção e gravada em lel­lras doiradas resalla a seguinte dedicaloriaao illustre estadisla, gloria desla lerra:

AO GRANDE BRAzILÉIRO

ROY BARBOZA

o PAl'l.TmO FEDERALISTA DA BAHIA

26-1-1893

O bronze descan!>a sobre plinlho quadri-

Page 41: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XJLXII

latera, de helio mf1rmore vermelho, susten­tado por elegante pedestal de madeira ne·gra.

As mãos da estatua,' erguidas na posturade uma sagração, trazem uma corôa de lou­ros e um ramo de carvalho, expressivos sym­holos gloriosos com que a jus iça indefecli­yel da bistoria galardôa os que se impõempor seus feitos, por suas virtudes e por seusmerilos á admiração, ao agradecimento e aorespeito dos povos.

A's 8 boras da noite, estando Iilteralmentecheio e Polythe'lma, entrou o Dr. Ruy Bar·bosa com sua illustre farnilia, acompanhadosdo directorio do partido federalista e enor­me quantidade de cidadãos.

Conduzia ao Dr. Ruy Barbosa o Dr. Augus­to Guimarães; sendo a illustre esposa do emi­nente brasileiro conduzida pelo nossv chefee amigo Dr. José Gonsalves da Silva.

A entrada triumpbal ele S. Ex. naquelle re·cinto, onde anciosamente era esperado, portantos milhares de pessoas, que representa­vam o que de mais illustre p:Jssue a Babianos diveI·sos ramos de sua vida politica, ad­ministrativa, lilleraria, commercial e artísti·ca, não se descreve. Todos l~vantaram-se edescobriram-se.

Com as inrrumeras e enthusiasticas sau­dações erguidas á passagem do notavel bra­sileiro, ouviu-se, encbendo a vastidão daquel­la enorme sala, uma geral e prolongadissimasaha de palmas.

O enthusiasmo vibrara a alma popular, fi­tando o heroico e intemerato batalbador dacausa t1emocratica.

Occupando a' familia do Dr. Ruy Barbosao camarote que lhe estava reservado, dirigi­ram-se para o palco '0 directorio do partidorepublicano federalista e a commissão execu­tiva da.bomenagem, conduzindo os Drs. RuyBarbosa e Manuel Victorino Pereira, oradoroffieia!.

Page 42: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XXXIlI

Descerrada a bandeira viu-se a estatua sym­bolica daqueUa cerimonia.

Uma segunda salva de palmas' estalou es­trepitosa e unanime saudando o grande bra­sileiro.

Com a eloquencia da sua palavra extraor­dinaria, saudou então o UI'. Manuel Victori­no Pereira ao Dr. Ruy Barbosa em nome dopartido federalista, terminando por orrerecer­lhe o mimo a que nos temos refericlo.

O discurso do Dr. Manuel Victorino, pro­nunciado com a accentuação de um espiritaeducado nos priucipios mais puros da demo­cracia, e vasado em molde arro'jado, esteveem toda a altura daquelta festa, que, sendoa apotheose de UIll grande servidor da patria,concretisava em si a magnificação da liber­dade mesma.

Innumeras vezes interrompido pelos ap­pia usos geraes, foi phreneticamente saudadoS. Ex. ao concluir o seu discurso.

Em seguid'a occupou a allenção do grandee selecto auditoria o Dr. Ruy Barbosa.

Um movimento de atlenção fez em tornode sua palavra o mais completo silencio.

O seu discurso, monumento em que se es­culpem na mais fina cinzeladura da palavra osmais sublimes conceitos, primou pela verdadee pela sinceridade de suas convicções repu­blicanas,

O notavel orador sentia-se bem naqueltemeio, onde precisava dei'xar vibrar sua almade patriota, devotada unica e exclusivamen­te á elevação de seu paiz.

Calmo, sereno, sua alma cheia de reconhe­cimento á terra de seu berço, por que estre­mece com o carinho de filho amantissimo, ogrande brazileiro, sem preoccupar-se desua individualidade reivindicando para opovo a obra da abolição dos escra­vo', que o aulicismo transformou em da­diva da esposa do conde d'Eu, causa pelaqual bateu-se COIll a valentia de seu espirita

Page 43: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XXXIV

superior, fez a defeza da republica, tão mal­sinada pelos refugos da Illonarchia e pelosinteresses mal servidos dos poliliqueiros edos especuladores.

Invocando a memoria daqueIle que lheformou o caracter e lhe ensinou a amar ahonra e liberdade, S. Ex. depoz no altar da­quclla memoria au~usta e sagrada a oITertaque recebia, satisfeIto de cumprir o seu de­ver.

As suas palavras acolhidas com os maisfrancos e vivos applausos, foram ao termi­nar cobertas de enthusiaslicas saudações ede repetidas salvas de palmas. Sobre a cabeça do intemerato brazileiro cahiu então pro­rusa chuva ele petalas de rosas.

Apparecendo em um camarote, dirigiu nes­ta occasião o talentoso acaclemico Pedro Ame­ricano a palavra ao Dr. Ruy Barbosa, sendoconstantemente interrompido por esponta­neos applausos.

Ao retirar-se o Dr. Ruy Barbosa, seguidorio directorio do partido federalista e decrescido numero de amigos e admiradores,que o foram abraçar ao palco, recebeu S. Ex.uma enorme ovação por parte das pessoaspresentes, que em seu maior numero acom-

_ panharam-no, entre acclamações, até a casade rcsidencia de sua familia, ao Portão daPiedade.

O extraordinario prestito que acompanhouo emeriLo bahiano era precedido da bandado regimento policial; notando-se nelle mni­tas familias, que procuravam deste modo dara mais solemne prova de sua admiração pe­las virtudes do inclyto brasileiro, que tempela familia o mais fervoroso culto.

De uma das janellas ergueu S. Ex. vivasao povo bahiano, á republica brasileirfl, ámocidade e ao partido federalista; depois doque dissolveu-se o prestiLo.

Em casa foi o Dr. Ruy Barbosa cumpri­mentado pelas familias que o acompanha-

Page 44: Rui Barbosa - Visita à terra natal

xxxv

ram, sendo acolhidas por sua virtuosa es­posa e demais senhoras de sua familia comtoda a distincção e gentileza.

EnLre as pessoas que compareceram á ho­mena~em ao Dr. Ruy Barbosa noLavam-se S.Ex. o Sr. Dr. governador do estado e sua il­lustre familia.

Nas varandas do fundo tocon a banda .doregimento policial.

llluminou o edificio desta folha.A impressão deixada no animo de quanLos

assistiram aquella homenagem civica nãopodia ser melhor.

Podemos affirm:lr que a Bahia ainda nãoassistiu a fesLa politica, mais brilhante, nemmais signific<lLiva.

Era preciso que esLa terra, que tantos et!lO valiosos serviços tem recebido de RuyBarbosa, affirmasse solemnemente o concei­to em que tem aquelle que mais que nenhumde seus filhos tem consagrado sua vida in­teira, todas as energias de seu espirito a ele­vação della pelo trabalho, pela liberdade epela paz.

(Diario da Rahia de 9 de Fevereiro)

Page 45: Rui Barbosa - Visita à terra natal

A APOTHEOSE DA DAHlA.

«Deve ser assim propriamente qualificada,c não de simples manifestação de um parti­do politico, a extraordinaria Cérimonia desolel11llidade singular, que hontem desdobrou-se no PolyLhea11la Bahulllo. .

O partido federalista ia olferecer, em grati­dão e apr~ço ao Dr. Ruy Barbosa, um pre­cioso mimo, cujo valor sublimava por serentregue peh phrase do UI'. Manuel Victori­no Pereira.

Ea paridades no mundo social, como harevoluções excepcionaes no mllOdo physico.

A festa de hontem era acontecimento nãovulgar, de que talvez não fosse" d<ido ao nos­so entendimento a delicia inefiavel de pre­sencear repetido: era o encontro luminoso,estupendo e fraternal de dous gigantes do ta­lento, perpetuadores gloriosos e incansa­veis do renome patrio, ambos eminentes fi­lhos desta terra victoriosa,«a cujo oxyge­nio forma-se a paixão pela liberdade!»

Tal comprehendeu a Bahia, delegando-sealli numa concurrencia nnmerosissima e es­colhida.

Era a consagração a Ruy Barbosa, que seannunciava, aos fulgores da eloquencia deManuel VictoJ ino; mas o que se viu, numassombroso milagre do genio, cyclopico eimpenetravel, foi a magica e serena transmu­tação de toda aqnella scena incomparavelna mais radiante das apotheoses á Bahia, á{(Bahia-Mater» qne Ruy Barbosa nomeon«mãe da inlelligencia, da generosidade e doenthusiaslUo» sem que, por força da modes­tia-nma das bellezas da sua gigantesca 01'­~anisação moral, l!le occorresse, no momen­to, crystallisar todos os brilhos desta terra,dizendo-se filho della! .

Page 46: Rui Barbosa - Visita à terra natal

xxxvrr

Sim! Foi a apotheose da Bahia a que bon­tem assistimos!

Pouquissimas vezes a palavra humana teráirradiado em scintillações tamanhas, tão ni­tidas e inapagav.eis, como nesse instante emque, pelos labios de Ruy Barbosa-burilado·rel) da concentração das maravilhas da intel­ligencia teve, ora a caricia branda e meigade um irmão, ora a apostrophe vehemente ecaustica de um calumniado, mas sempreconduzindo-se triumpbante. em meio ás con­vicções de uns, a cónversão de outros e aadmiração de todos!

Salve, espirito extraordinado!O Jornal de Noticias transporta para estas

columnas, fazendo tamb'em suas, as vivís­simas acclamações com que foí sagradohontem pelos seus conterr~neos uma dasmais poderosas manifestações da eloquenciauni.versal.

(Jornal de Noticias,)

Page 47: Rui Barbosa - Visita à terra natal

RUY BARBOZA.

A Bahia, desta vez ainda, subiu ás altasculminancias de quem sabe honrar o nomede um cidadão prestimoso, que ~ynthetisa

em si todas as &Iorias e todos os triumphosde uma nacionalidade.

Amante de todos os que amam a sua pàtria,o grande estado do norte da R~pubLica nãopodia deixar de, com sacrificio embora-seuecessario fosse-mostrar ao mundo inteiroque elle estremeçe loucamente a Ruy Barbo­sa, que tem dado provas sobejas de patriotis­mo inexcedivel.

Além de tudo, Ruy Barbosa, a grande almado governo provisorio; é filho desta terraque se orgulha de lhe ter servido de berço,estrellejando assim de ventaras o nome della,conquistando-lhe dest'arte maior quiJ;lhão deglorias e maior somma de trophéos.

A Bahia não devia ser indi1t·erente á visitade Ruy Barbosa; porque seria desconhecer omerito de um dos maiores cidadãos brasilei­ros, admirado até pelas grandes mentalida­des européas.

Ainda mais; o iudifferrntismo por parte dosbahianos para com o primeiro ministro dasfinanças na Republica-importava, para aconsciencia dos julgadores, uma desnaturali­dade sem nome de mãe desgraçada, que nãose apraz com a felicidade de um filho quea honra, que a illustra, que a illumina.

E foi por isso quenósvimosa capital da Bahialevantar-se pujante e orgulhosa, para, emnome do parLid.o federalista, cingir de loirose palmas a fronte ingente do grande senadorhahiano, que por si só, por sua erudição,por seu talento e por suas virtudes civicas,bastava para no congresso federal represen­tar a velha Athenas Brazileira.

O partido federalisfa, em cujas fileiras

Page 48: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XXXIX

alistou-se o Castellar do Brazil, escreveu,com esse feito, mais uma pagina de oiro nahistoria sublime dos seus feitos heroicos eculminantes.

Ruy Barbosa representa a garantia da Re­publica, garanLindo com o seu nome e com oseu patriotismo o fuLuro lumiuoso da nacio­nalidade brazileira.

Por enLre as malhas da rede da cahmnia,em que espiritos malevolos procuram envol­"er o nome, a reputação e a honra do emi­nente bahiano, escapam feixes de luz, quecegam os amigos das trevas e os amigos dainveja, que tudo tecem, que tudo urdem,mas que se deixam e5magar pelo peso da suapropria nullidade.

A grande alma e o grande coração de RuyBarbosa aLravessam cheios de sobranceriapor entre esses espinhos. que se levantam ásua passagem, mas que nem de leve o tocam,porque-respeitam a invulnerabilidade do Achil­les da prohidade e da lionra, da honesLidadee do presligio.

E é por isso qll.e Ruy Barbosa não se volLapara as seltas hervadas que se lhe aLiram;mas dobra-se reverente diante da imagem dapatria, curva a cerviz ao peso dos loirosque lhe ennastram a fronLe e confessa-seagradecido a manifestações que significam atraducção legiLima da espontaneidade e docnthusiasmo de um povo.

Pelos jornaes da capital vê-se aLé que pon­to chegou o deli rio, de que cercou-se a testarealisada pelo partido federalista em home­nagem ao eminente senador bahiano.

O Polytheama, onde teve logar a grandefesta, encheu-se da melhor porção da socie­dade, que para alli concorreu anciosa porouvir a palavra cadenciosa e vibrante doinexcedivel orador.

Em face de um acontecimento tão valioso,que muito recommenda os brios e a dignida­de da patria de Ruy Barbosa, nós nos orgu-

Page 49: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XL

lhamos, porque nos cabe parte dessa digni·dade, como filhos que somos do mesmo tor­rão, em que farfalha a bandeira augusta daLiberdade.

Ruy Barbosa deve estar, a esta hora, a trans­bordar de jubilo e satisfação; porque viu queos seus patricios não o esquecem nem o aban­donam nunca, sabendo alem de tudo fazerjustiça aos seus sentimentos e ao .seu acenodrado patriotismo.

E a Bahia e com a Bahia o partido fede­ralista não podiam subir mais do que subi­ram,· realisanào esta festa augusta; que sym­bolisa a maior credencial de um povo quetem consciencia de sua força, dos seus di­reitos e dos sens deveres.

Honra ao partido federalista!Honra á Bahia!Honra a Ruy Barb."osa!

(Alvorada de Aratullipe)

Page 50: Rui Barbosa - Visita à terra natal

RUY BARBOZA

Mais uma brilhante consagração recebeu, nanoite de ante-hontem, o merito inquestionavel e altissimo deste nosso eminente conter­raneo.

A classe dos funccionarios da fazenda ge­ral, sinceramente reconhecida a S. Ex. peloacto altamente humanitario da ereação domontepio dos empregados federaes, resolve­ra exprimir solemnemente a sua gratidãoáqnelle que teve a idéa de tão relevante ser­'viço, quando ministro do governo proviso­rio da republica.

Essa solemnidade realisou-se na noite de10 do corrente, com o brilhanLismo que exi­gia, attestando simultaneamente a nobrezados sentimentos que asyla o coração dessa la­boriosa classe e o pendor irresisliyel para obem, incessantemente c1emonstrado no de­cnrso de toda a sua carreira politica pelobenemerito da patria e da familia.

Teve S. Ex. nessa noite ó ensejo, propor­cionado por um dos mais bellos actos de suavida, de saborear um momento de felicidade,se esta consiste 9.a consciencia de haver tor­nado feliz a outrem sem a mira em recom­pensa de qualquer especie, conforme o pen­samento brilhantemente externado pela suamaravilhosa e inspirada palavra. .

Uma multidão de homens reconhecidos, jun­tan'do ao testemunho de um valioso mimo otestemunho ainda mais expressivo e delicadode um grupo gentil de innocentes creanças,portadoras das flores que deviam cobrir afronte do seu generoso bemfeitor, incumbi­ram-se de celebrar a segunda apotheose dogrande cidadão, glorificamlo nelle dotes su­blimes da alma humana, o sentimento da sym­pathia desinteressada pelo semelhante, o des­velo de um espirita altruista pelo bem estar

Page 51: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XLII

de seus irmãos, da lUesma sorLe que já lhefôra sagrado o acrysolado paLriotismo e a ine·gnalavel dedicação e lealdade á causa da re·publica.

A modestia de S. Ex. incompatível com aavareza dos que cosLumam chamar a si to­das as glorias, procurou repartir os loiros'daquellc feiLo de sua administração corri osseus companheiros da generosa junta revolu­cionaria. Entretanto, é força confessar, nãoha nessa circumstancia o que diminuir pos­sa na grandeza de sua benemerencia.

O pensamenLo que se converteu naquelleacLo veio do coraçào do honrado brazileiro,e pela sua magica palavra, sempre ao servi­ço das boas causas, angariou o applauso detodos os membros do (l0verno provisorio

Em taes condições, deve considerar-se ho­menagem de muita jusLiça a que prestaramos empregados da fazenda federal neste esta­do ao humanitario patrono de grande parteda família brazileira.

Honra áquelles que sabem ouvir a intima~oz da consciencia ordenando ao coração deserem graLos ao homem e ás instituições. que,pela vez primeira neste paiz, tiveram o cui­dado de amparar o futuro do funccionariopublico, victíma finalmente redimida do des­espero e da miseria-

Gloria a Ruy Barbosa, alma, cerebro e co--(-ação da republica, de quem se approximamtanLo os moços que, em sua aspiração de li­berdade, precisam de exemplos e guia se­guro, como as creanças, que carecem de umregaço bemfazejo que lhes dê o alenLo neces·sado aos que entram na vida e a garanLi-aindispensavel contra o iufortunio, partilhafaLaI dos fracos.

Conforme haviamol-o annunciado, tevelagar ante-lIontem á noiLe, no theatro S. João,a·manifesLação promovida pelos Srs. empre­gados federaes de fazenda em honra a Ruy

Page 52: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XLIlI

R~rb?sa, ~ glorioso ministro do governo pro­VISarIa,. que elaborou o decreto do Monte-pioobrigatorio dos mesmos funccionarios, sobn. 492 A de 31 de outubro de 1890.

Antes das 6 horas da tarde começou a af­fluencia de ouvintes á sala do thealro, queás 8 estava repleta.

Nos camarotes de 1°, 2' e 3" ordem viam­se Exrnas. familias e distinclas senhoras danossa melhor sociedade, que se dignaram dehonrar com sua presença a brilhanle festaao eminente brazileiro, que é, por egual, po­demos dizei-o sem rebuços, uma gloria daBahia e uma gloria da patria.

Bem hajam as gentis senhoras bahianas, querompem com velhos preconceitos retrogra·dos, que tyrannisl"vam a mulher brazileiraao santo exclusivismo do lar, e vão dar afestas como a de ante-bontem-uma sagraçãoao merito e um elevado preito de justiça-odeslumbrante realce de sua presença e ahonra inestimavel da sua solidariedade.

A' entrada, viam-se duas bonitas cúlumnasencimadas por festões de rosas. Vasos deco­rativos ostentavam plantas ornamentaes.

No saguão tocava a banda do regimentopolicial ao entrarem as Exmas. familias.

O theatro estava, interiormente, decoradocom muito gosto.

A's columnas dos camarotes enlaçavam-sefestões de flores naturaes e vistosas gri­naldas.

E:scudos deixavum ver, ao centro, as ini·ciaes e as datas principaes da vida do illus­tre brazileiro.

Emblemas de côres vivas e alegres traziamo. seguinte lemma-Honra ao merilo.

Sanefas azues e côr de rosa superpunham­se a cortinados presos aos capileis das co­lumnas.

Ao reflexo das luzes era belio de ver­se o tom quente das bandeiras e das

Page 53: Rui Barbosa - Visita à terra natal

:XLIV

flores, que se viam ql1asi que por toda aparle na ornamentação interna da sala.

Por sobre o gradil do camarote do Exm.Sr. Dr. governador do estado estendia-se,em largo quadrilatero, o pavilhão nacional.

Antes de 8 horas e meia entrou no theatroo Dr. Ruy Barbosa com sua illustre familia,que foi conduzida pela commissão para ocamarote do governador.

Pouco antes das 9 horas levantou-se opanuo.

Por uma com missão de empregados defazeuda e luzido grupo de gentis creanças,que traziam pendentes dos braços lindascestinhas de flores, foi então conduzido aopalco o eminente bahiano, cuja presença eraanciosamente esperada, por entre tacitas sau­dações de sympathia, de admiração e de enthusiasmo.

Ao apparecer no palco, a cujo fundo esta­va numeroso grupo de empregados de fazen­da, o grande brazileiro foi victoriado por es­trepitosa salva de palmas, a que se ligavam,em expressiva communbão de enthusiasmo,vivas e acclamações significativos.

Das cadeiras, das platéas, dos camarotes edas galerias irrompia, por entre o agitar delenços: uma como que tempestade festiva .deapplausos.

A quasi quietude da anciedade pela pre­sença do preclaro estadista brazileiro, trans­formara-se então numa avalanche de accla­mações, com que a grande alma bahianao glorificava.

Sentia-se então que a alma limpida e va­ronil do grande patriota, a cujos olhos deviammarejar ondas da mais intima commoção, re­voluteava presa das mais sagradas emoções.

Serenado o enthusiasmo e as acclamaçõesque despertou a presença de Ruy Barbosa,teve começo a solemnidade da entrega doalbum, oJIerta dos Srs. empregados de fa­zenda.

Page 54: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XLV

Esse mimo, de real valor artistico, estavaencerrado em lindissima caixa de mutuby,gonçalo-alves e sebastião de arruda, aprecia­das madeiras do paiz. E' esse um esplendidotrabalho da Companhia Marceneria I Babiana.

Uma corôa de louros rodêa o monogrammade ~uy Barbosa, destacando da tampa doenvolucro do album, interiormente fona­da de setim.

A capa é de fino couro da Russia com cus­tosas guarnições de oiro dezoito.

Na capa de cima, ao centro, está collocadoum bem trabalhado monogramma.

Nos quatro cantos vêem-se duas lindasgrades chinezas, cujo trabalho revela daparte do artista que executou toda a obra,Sr. Rosas, muita pericia e seguro conheci­mento da arte.

Ao lado do monogramma está collocado ofac simile do intemerato brazileiro; este tra­balho, feito em chapa de oiro massiço, bas­taria só por si para recommendar aquelle ar­tista-tal a sua execução.

Na segunda capa, além das grades chinezasque se notam na primeira, ha mais ao centrouma fita de oiro com a seguinte inscripção:«Gratidão dos empregados de fazenda. Bailio,1893.»

Dentro, na primeira pagina, em delicadogothico, está copiado o decreto n. 942 A de31 de outubro de 1890, decreto que instituiuo monte-pio obrigatorio para os empregadosdo ministerio da fazenda.

Na segunda folha lê-se a seguinte expres­siva dedicatoria:

«Ao Exm. Sr. Dr. Ruy Barboza, intemerato((patriota e honrado ministro das finanças do«governo provisorio, que, com a creação do(monte-pio, estabelecido no Decreto n. 942 A(de 31 de outubro de 1890, resguardou do in­«(fortunio e do absoluto abandono a família«do funccionario publi<w, offerecem os em­«pregados de fazenda federal da Bahia este

Page 55: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XLVI

<calbum, como testemunho inequivoco de sua<dmmorredoira gratidão por tão salutar e«beneflca medida

«A paz e a tranquilidade dos lares em que«se aconchegam tantas familias, aqueridas«aos raios da luz, que essa providencia enfeio«xa, multiplicarão as bençãos que hão de glo­«riticar o nome do bell~meriLo bahiano. 110n·«r~ e lustre da grande Republica Brazileira."

A essa dedic'ltoria seguem as assignaturasdos Srs. empregados.

Em nome dos funccionarios Jederaes, orouo Sr. Francisco Moreira Sampaio, que, empala\ ras eloquentes, fez entrega do brindededicado ao grande brazileiro.

Applausos unanimes interromperam porvezes o discurso do intelligente funccionario,que interpretou dignamente os sentimentosde gratidão da dislincla classe a que per­tence.

Foi verdadeiro. foi sincero e eloquente.Em seguida, fallou o joven Bernardino

Madureira de Pinho, que arrancou vivis­simos applausos do audiLorio, terminandopor offerecer ao emeriLo estadista um qua­dro com as photographias das asyladas deNossa Senhora de Lourdes, da Feira de San­ta Anna, em no'ne das quaes implorou oconcurso de Ruy Barboza para uma festa decaridade.

Tomando-lhe das mãos o quadro Ruy Bar­bosa abraçou e beijou commovidissimo a in­tr.lligente creança.

De um camarote fallou o talentoso alu­mno da Faculdade de Direito Sr. TrazibuloFerraz-saudando a Ruy Barbosa.

FalIou ao depois o grande brazileiro.Sentia-se-Ihe na palavra tremula e sonoro­

sa todo um mundo de santas emoções.O verbo fugia-lhe dos labios a espargir a

opulencia de seus privilegIados talentos deorador e as peroIas de seu coração sem par.

Agradecendo a honra daquella manifesta-

Page 56: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XLVII

ção, Ruy Barbosa, com essa modeslia de seuespirito superior, declarou que os manifes­tantes laboravam num engano individualisan­do nelle a benemerencia do decreto de 31 deoutubro de 1890.

Perlencia-Ihe, era verdade, a elaboraçãodo acto.

Devia, porém, confessar, para gloria de seusiIlustres companheiros de governo, que viu­os applaudirem e aceitarem a idéa do monte­pio obrigatorio, com a mesma sympathia, quelhe merecia a sorle precaria do funccionariopublico bra~ileiro.

Que mais do que isso -o desvelo do estadopelo futuro da familia dos empregados pu­blic~s era corno urna nova face da clemen­cia, da benignidade e da patriotica previden­cia do governo dictatorial de 15 de no­vembro.

Ruy Barbosa, desenvolvendo theses de suaalevanlada oração, foi por diante em meiode fervidos applausos, sendo ao concluil-a vi­cloriado phreneticamente.

Terminado o discurso, o numeroso grupode creanças-filhas de empregados de fazen­da -que se achavam no palco atirou-lheá fronle veneranda e gloriosa petahs derosas; retribuindo-lhe Ruy Barbosa em affe­ctuosos beijos aquella singular prova de ad­miração e reconhecimento.

Tomou então delirantes proporções o en­thusiasmo do auditorio.

Vivas e palmas echoaram de todos os cantosda sala.

Sahindo do tbeatro, enorme prestito, pre·cedido da musica do regimento policial,acompanhou á casa o illustre brazileiro, emconstante estrugir de vivas, de palmas e deacclamações.

Chegando o preslito ao Portão da Piedade,Ruy Barbos::. ergueu de uma das janellas desua residencia vivas patrioticos, que foram

Page 57: Rui Barbosa - Visita à terra natal

XLVIII

respondidos e retribnidos com yerdad€iroeulhusiasmo.

Por nossa vez, saudamos em sincera eIfusàode estima e de admiração á gloria da l3ahia egloria do Brazil.

Entre os represcntantes das diversas clas­ses sociaes, que afJ1uiram ao theatro em con­currcncia extraordinaria, notaYam-se o Exm.Sr. Dr. governador do estado, general com­mandante do districto, toda a imprensa dacapital e commissões de diycrsos clubs e as-sociações. .

(Diario da Bahia 12 de Feyereiro)

Page 58: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 59: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 60: Rui Barbosa - Visita à terra natal

MANIFESTAÇÃO

DO

PA.RTIDO FEDERA.LISTA

7 DE FEVEREIRO DE 189l

Page 61: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 62: Rui Barbosa - Visita à terra natal

DI~CUR o

DO

DR. MANUEL VICTORINO

(PI'OfLUldo silencio):-A li, oh patria queri­da, doce e casto enlevo dos meus sonhos demoço, divina e nmoravel visão das minhasaspirações de gloria, eterno ideal que sorriu­me carinhoso dos labias maternos, embalan­do-me o berço de infante, e que piedosa­mente ha de aqnecer-me o tumulo no prantode meus filhos e nas saudades dos quc mesão caros, genio mysterioso e fecundo quedás energias e vigor, inspirações e audacias,fé e coragem; a ti, oh patria, clevem-se asprimeiras oblações desta homenagem rendidaao mais glorioso e mais nobre dos leu fi­lhos! (i~uilo bem).

Instituições republic::Jnas, regimcn novo,que, como a deusa grega, tivcste de surgir,armado para a lucta, do ceI'ebro potente dasdemocracias, nesta fest::!. ostenta-se uma dasmais brilhantes affirma c.ões da tua força e doteu prestigio, celebram-se aqui as tuas con­quistas e os teus triumphos, cabem-te tam­bem as· honras desta r"l~mnidade! (Muitobem).

A. quem talvez ellas mp.J1OS venham a per­tencer (dirigindo-se ao IntJlli/estado), é a ti,meu irmão!

Bem sei que inda nà( nau a hora das rei­vindicações: comprehclldo quantos ~ravos defel custam as ephemen s delicias de um mo­mento de prazer como este, quantas acerbasagonias se fundiram no (' >1jce em que sorvesa alegria deste triumplio, as torturas iugen­tes que se e floram em tua alma para esbo­çar esse sorriso calmo e sereno, meigo con­forto na lacta perenne que tua consciencia

Page 63: Rui Barbosa - Visita à terra natal

-2-

travoul Fizeste o sacrificio enorme, estoico,de ti mesmo; não te pertences; ba muito quea tua existencia vasou·se inteira na grandeobra da redempção da patria! As ~lorias queconquistas, cs triumpbos que alcanças. oslouros que te coroam, os applausos que tecercam, não são teus, são da terra que te viunascer, da patria que orgulha-se de possuir­te corno o seu maior prodigio, são, hoje, darepublica, de quem foste o genio fundador!(Applallsos).

Dos despojos da lucta reservaste, em tuaaltiva modeslia, sómente a partilha dos sacri­ficios e das ingratidões. Bem sei que não teabalam nem as agruras do combate, nem aspalmas da victoria!

Pouco importa á impavidez da tua con­sciencia que te decretem as honras do Capi­totio, ou que te condemnem como a Thraseas,o senador rllmano, a abrir as veias. ensi­nando á mocidade que o cercava que, «aléde corngem era preciso dar naquella epochao mais firme e decidido dos exemplos .

Qualquer que seja o jnizo dos homens, nãovacillou, nem vacillará o leu animo, e assimdevia ser!

Desabem sobre ti lodos os interesses e pre­conceitos cC'lligados, todos os odios e pai­xões em furia, pódes erguer a fronte serena,pura e ~lLiva, bahiano illustre; só te injuriamos que não te c()nhp.cem, e essas injurias nemconseguem abater a grandeza de tua alma,nem diminuir os beneficios e glorias quequeres legar aos teus compatriolas! (Applau­sos).

Não venho narrar os teus serviços, contara tun virIa: eUa está escripta na historia dosvinte' ultimos annos de conquistas da liber­dade em minha patria.

Começaste a mais ,.enhida e fecunda cam­panha pela democracia, de que ha exemplona civilisação da nossa raça, em meio dasreuniões populares e dos prelios do jornalis-

Page 64: Rui Barbosa - Visita à terra natal

-3-

mo. A tua carreira phenomenal, prodigiosa,a mais surprehendente que registram os an­naes polilicos do nosso paiz, iniciou-se re­pellindo a conscripção e ferindo os primei­ros e os mais atrevidos combates em favorda eleição directa.

Preparara-te a adolescencia, naquelle tem­po, a educação superior que recebeste, in­spirada nos exemplos varonis do !':Ir paterno,e abi a tempera rija de tua alma não contra­hiu as falhas da descrença, das desillusões edo egoismo da epocha. Quando te puzeste emcontacto com o meio politico dos teus pri·meiros passos, assaltaram-te por vezes, o es·tylo, a linguagem, o pensamento philosophi·co, aquelIas preoccupações hamleticas, aquel·las meditações somhrias, que crearam asamargas situações de espirito da creaçào dopoeta inglez ...

A causa liberal se havia polIu ido num con­sorcio incestuoso, vendera a sua fé, a purezados seus alfectos, a grandeza da sua missão,aos interesses do thlono, e neste enlace fu­nesto viam seus filhos::l uodoa criminosa queos obrigava a nào acreditar nella, nem re­speitar a sua autoridade e o seu conselho! Oteu espirito evocava como sombra J>aterna oanimo intemerato, o patriotismo au az, reso­luto, das gerações de 23 e 31, que baviam der­ramario o proprio sangue pelo goso e pelapaixão da liberdade, e a quem o tbrono in·slilIara golta a gotla o veneno homicida, con·demnando ás tOI'turas da lepra e da morte!

Todo o vigor daquellas gerações em as­sombrosa melempsycose se transfundiu emtua alma; mais do que isso, o genio exu­berante que auima a grandeza das nossasJlOJ'estas, que esplende brilbante nas consteI,lações do céo hrazileiro, que se agita emcada mollecula do nosso soJo, que vive emcada parlicula da grande natureza america,na, parece ter concentrado em ti todas assnas en~rgias, e essa enorme força universal

Page 65: Rui Barbosa - Visita à terra natal

-4-

como que se agasalhou timida e receosa emcompleição debil de creança, receosa dosprodigios da tua inteUigencia c dos asso­mos a que ella seda levada no poder colossaloa mentalidade que possues! (Applallsos).

Todas as liberdades, a liberdade civil, aliberdade religiosa e a liberdade política,ti "eram no cyclo- da tua vida, a evolução ra­pida crescente, irresistivel; e o vigor da tuapropaganda na imprensa, na tribuna parla­mentar, no fôro, nas conferencias populares,foram para ellas, não a inundação daquellerio amarelJo a tI ue te referiste UlUa vez, nessaenchenle em que ameaçava infectar-se e sub­mergir-se a nação inteira, porém a caudalcrystalina e impetuosa, ondas lustraes da de­mocracia, correntes vivificadoras, que, derru­bando como uma avalanche as ruinas ciasvelhas instituições, espalharam por todaa parte a seiva fecunda da grande renovaçãosocial. e politica! (Bravos).

A liberdade ~civil, na emancipação donegro, na libertação do capital, da industria,do direilo de associação, na desenl'eudaçãodo solo, na exp'lnsão do trabalho, teve emti o mais audaz e esforçado dos seus con­quistadores !

A liberdade religiosa, desde a campanhamovicia contra o clericalismo até a separação.completa da egreja e do!estado, foi o fructo daroais vehemente e apaixonada das tuas pro­pagandas, e em viote annos conseguiu o teugeuio aquillo que a França e a Belgica, no.correr ae quasi um seculo, em vão tenta­ram realisar. (ApplaLlsosl.

Não te demoveram nessa conquista comque querias dotar a tua palria' os doesto einjurias com que te irrogaram a insensatezcruel de matar a esperança e o afl'ecto no~cio da família brazileira, de apa~ar do co­ração de teus irmãos, da meiga e Doa "duca­çào das tuas patricias, o sentimento religioso,

Page 66: Rui Barbosa - Visita à terra natal

-5-

allracção irresi~tiveldoillf1nito, eterna appro­ximação de Deus! (Bravos.)

Derrocaste com a tua palavra e tua pennatodas as baslilhas das liberdades polilicas:poder pessoal, olygarchias vitalicias do se­nado, nullificação do sulfragio popular, inte­resses dynasticos, suzeranias partldarias, sa­trapias das provincias, centralisação corru~

pla e corruptora, tutela avillante da nação!Com o teu voto c os teus decretos escre­

"este na consUtuição brazileira as SLlas maisamplas liberdades, e déste ao legislador con­stituinte as mais bellas inspirações da grancteobra nacional!

Desde o ...-oto em separado no congres oliberal alé a promulgação da conslituição,com que immorlalisasle a dictadura, póde-sedizer que, se a republica teve outros funda·dores, a federação teve um só, que foste tu,o eminente jurisconsullo qlle transportoupara a patria brazileira o direito americano!I.Applausos.)

Coube-te ainda urna gloria que não deveser esquecida. A republica foi um acto depaz e de cordur2. A tua energica pruden­cia, o esforço herculeo e pertinaz que em­pregaste contra os desregramentos do pro­prio triumpho, a elevação e serenidade comque soubeste, no momento da victoria, esque­cer e fazer esquecer todos os odios, abriLHloern amplexo fraternal os braços á naçào in­teira, a todos os antigos p}lflidos, a lodos oscidadào;, essa tolerancia bondpsa indtrl­gente, com que indistinctamentc congregasteos brazileiros para a collaboração da grandeobra da Republica, só por si constituiria omaior titulo ao reconheoimento popular, seella não fosse a moldura, o engaste preciosodessa cultura moral e mental que tem sido oprodigioso segredo dos teus enormcs trium­pllos. (Bravos.)

A confiança plena e inteira do vigor e davitalidade das instituições novas, a certeza

Page 67: Rui Barbosa - Visita à terra natal

-6-

que nutrias qu.e era da nação, d'America, dahumanidade, a causa que advogavas, a con­vicção profunda, enraizada, que tinhas deque jà não era possivel no Brazil outra fórmade governo, e que outra solução uão se po­dia dar á decrepitude da monarchia, senãoannunciar ao paiz inteiro que nào podiacontinuar no poder uma dynastia sem presti­gio e sem aroio, (muito bem) imprimia aoteu animo firme e calmo essa sobranceriagenerosa com que affrontavas, sem receio, osataques, viessem elles donde viessem! (llIllilobem!)

A solução dada ao grande problema politiconào fez victimas, não derramou lagrimas,não cobriu de luclo, e esta, a maior e a maishumana das glorias da dictadura, tambemfoi gloria tua! (Bravos)

Em synthese rapida e imperfeita rememoroos teus serviços: inutil seria recordai-os maisdetidamente. Este immenso e selecto audi­torio que aqui se acha é a Bahia que vemaiuda uma vez sagrar te o nome e as glorias.

A tua presença basLou para despertar numdiluvio de palmas o enthusiasmo ligado aobrilho de tua historia c á fama de Lua gran­deza. A ausellcia de cinco annos deve serLão rica de gloriosas confidencias, encerratão preciosas narrações, anceia em tão vivae aJfectuosa convivencia, este povo que aquise acha tanto deseja ouvir-Lp, rir e chorarcomtigo, sentir as palpitações da tua alma deheroe, nos dias dillicels da lucta, esLremecer,emocionar-se, nas vibrações ardenLes do pa­triotismo e da coragem que te animou, queeu nào devo demorar o momento aspirado,em que a magia da tua palavra irá electrisar,sonora, meiga, seductora, ou energica, vi­brante, vulcanica, a alma popular! (iVllilobem).

Ides ouvil-o, meus caros conterraneos.Aquelles a quem represento deram-me a in­

cumbencia honrosa de offerecer-Ihe uma re-

Page 68: Rui Barbosa - Visita à terra natal

-7-

cordação desLa noite: mais brilhante elo queesLa reconh.lção elle conservará a que Lheeléstes, e que fieará profundamente gravadano seu espirito, a presença de milhares deconcidadãos seus, que vieram com palmase flores saudaI-o no detirio destas ovaçõesque o premiariam de todos os sacrificiosfeitos, por amor á patria e· á liberdade, seellejamais tivesse pensado em buscar recom·pensas para a dedicaçà'o infatigavel, com quetem servido as grandes idéas e conquistasque são o Lr'lDsumpto da sua vida! (il111itObem),

Sinto-me amesquinhado entre as duas gran­dezas, do genio que procuro celebrar e destam3uifestação com que a eloquencia dos vos­sos applausos acaba de S3 udar a appariçàodo grande babiano, produzindo o maio I'

aconlecimento politico que recordam as ul­timas gerações dos nossos conterraneos.

Como interprete do partido federalista, en­can'egado de oll'erLar-Ibe o testemunho dasolidariedade intima, da ligação profuncta e doreconhecimento indelevel que prendem· oshomens publicos, que no estado procuramauxiliar a empreza grandiosa de crear a pa­tria republicana, áquelle que tem sido o seugenio mais fecundo, maior é a minha perLur·bação, e mais debil sinto a minha autori­dade e o meu prestigio.

Commovem-me, alem disso, .os sentimentosque nos estreitam: o assombro e a veneraçãoque me inspira a sua prodigiosa organisaçãoemmudecem-me nesse culto irresistivel quea palavr~ iria profanar.

A Bahia, porém, deve levar bem longe osapplausos e as honras tributadas ao mais no­LaveI dos babianos. O partido republicanofederalista nào póde occultar o seu immen ojubilo, festejando o esforçado defensor dasinstituições novas, o mais valenLe paladinoda federação.

E' muito natural o sentimento que nos do-

Page 69: Rui Barbosa - Visita à terra natal

-8-

mina: nenhulTI dos filhos desla terra deixade ter aqui uma parcella de gloria e de pra­zer. As grandes reformas, os maiores mo­vimentos polilicos, as mais admira"cis tran ­formações sociaes lêm custado o esforço delllui1as gerações e de muitos homens.

1 a mais culta das nacões da velha civil i­sação européa, li Inglaterra, a reforma do par­lamento, a emancipação dos calholicos, a leidos cereaes e a lei agraria cuslal am os e forços e a graudeza de muitos esladistas ou tri­bunos, Grey e Russel, O Connell e Wellin­glon, Peele Colden, Parnell e Gladstone; entretauto, as maiores conquislas liberaes que lemavassalado o mundo são, no Brazil, o patrimo-'nio de nossa Ierra (applausos prolongados), sãoa grandeza da Babia, atteslam em li o vigordas suas inlelligencias, o poder das suas ener­gias, a força miraculosa da alma palriolicade seus filhos! ( Applausos prolongados.)

Este ofiere.cimcnto que em nome do par­tido federalisla venho fazer-le, eminenle cida­dão, se é um pallido rellexo da graudezadestamanifestação, avulla, porém, como um sym­bolo expressivo da lua historia. E' a eslatuada liberdade disLribuindolouros pelassem. de­fensores! Mais perenne do que aquelle bronzeco bronze da tua obra! (Applollsos prolon­oados,) Fosle mais feliz do que o grandemestre florcntino; em vão e·lle lentou fazercom que fallasse o milagre prodigioso do seucinzel: a eslalua ficou muda! Não é assim aconcepção grandiosa do leu genio: eslp bron­ze já fallou pelos milhares de boccas que tevicloriaraD1; fall~lrá ainda no perpa~ssar dosannos, ensinando o teu nome imll1aculado cpuro ás gerações futuras, e fazendo de tuasglorias o lemma festivo da grande alma nacional, da grande alma da H.epublica!!

(Applausos prolongados as ultimas palavrasdo orador são coberlas por vivas e palmas\.

Page 70: Rui Barbosa - Visita à terra natal

DI CURI'::i

\)0

DR. RUY BARBOZA

Meus caros conter! aneos ....Depois disto ... diante disto .. não sei como

principie ....Aos primeiros sorrisos l' nginquos de mi­

nha terra na eurva azul de StHl enseada, em­quanto o vapor me approxima\'3 rapidamen­te destas doces plrgas, onde minha mãe meembalou o primeiro e meus filhos me ve­larão, talvez, o ultimo somno, vendo pendu­rar-se do céo e estremecer para fi im o ninho,onde cantou Castro Alves (bravos" verdeninho murmuroso de eterna poesia debruça­do entre' as ondas e os aslros, parecia-meque a saudade, amado pbanlasma e'l'ocaefopelo coração, me estendia os braços de torlaa parte, no longo amplexo do horisonte.{Sensação.) Minha vida inteira, o remoto pas­sado fugitivo recompunha-se-rne n'.'\glllls in­stantes, de uma iufinita suavidade triste,como a das grandes alleições tcnllZes. li ueluctam contra a volubilidade dos Sl\ccessos,e procuram flxar-se á beÍl'a da correnle ilTe­sislivel da vida, abraçandn-se aos ramos im­mortaes do ideal. (Bravos.) Ne se crescer,porém, de recordações, onde o meu espiriLofluctuava, anhelanle, de vaga em vaga, depensamento em pensamento, de resurreiçãoem resurreição, mais vivas, mais insistentes,mais obsessivas entre tod<Js se me debuxavamna memoria as impressões da minha ultimavisita a estes lares.' ae por cinco annos.Era em 188tl. Corriam os ultimas dias de<lbril. Poucos me eram dados, para respirarestes ares, a cujo oxi:.(enio se formou a minhapaixão pela liberdade. \Bravos.) Eu vinha só

Page 71: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 10-

com a minha fé, a unica força que a natu­reza não me recusou, a companheira fieldas minhas provações, o viatico de meu caminho accidentado. A atmosphera do impe­rio e da escravidão opprimia-nos, abafadiça,de todos os lados. Os partidos monarchicosbrigavam, enfezados, na sua rixa de lagartos(riso; applullsOS), na raiva preguiçosa de ve­lhos estellios coriaceos, á luz de Ullla publici­dade indifferente, ou hostil, como os raiosdo sol que acariciam o torrão prospero, masHageBam a esteppe escalvada, no silencio, nomarasmo, na s,.lidão moral da patria, calci­nada por uma esterilidade m; IdiCta. (Ap-'plallsos.)

Quizesles então ouvir-me, amigos meus,bons conterraneos, meus irmãos ... irmãos,porque fomos ninados todos no mesmo berçodeslas encostas arredondadas e meigas comoregaço de fada bernfazeja (appl/lusos) , todosamamentados aos seios da mesma mãe, aalma nahia, mãe da intelligencia, da genero­sidade e do enthusiasmo " (Applausos.)Bahiama/er . .. Quizestes ouvir-me. Mandastes-mefallar. " E eu, no theatro S. João, despedin­do·me de vós, annunciei-vos a abolição im­JIIediata e a federação imminente.

Dahi a treze dias a abolição csla"a con­sUlllLDada. Não por obra da caridade impe·rial. Não! O consorcio do imperio com aescravidão, indignadamente denunciado pelosr. Joaquim Nabuco ainda na derradeiraphase da propriedade servil, nunca se dissol·veu, senão quando a dynastia sentiu roça·rem-lhe o peito as baionetas da tropa, e aescravaria em massa tomou a liberdade porsuas mãos nos serros livres de S. Paulo.(Applausos.) A rchumanação da raça negrano Brazil não é um acto de munificencia daesposa do conde d'Eu. E', pelo contrario,uma conquista materialmente extorquida aosprincipes pela rijidez dessa opinião batalha·dora e irreducthel, que se viu ameaçada nos.

Page 72: Rui Barbosa - Visita à terra natal

-11-

actos mais christãos da beneficencia abolicio­nista, por uma ignobil lei dos ultimas diasda realeza, com a calceta de ladra. (Sensação.)Esse ultrage sacrile~o, irrogado á divina na­tureza em suas aspIrações mais puras, com­minado ao apostolado emancipador DOS seusimpulsos mais santos, não póde transformar­se facilmente em louros para a corôa real,que o vibrou. (Bravos.) A epopéa da redern­pção não ba de passar á posteridade, escriptapela nostalgia d JS creados do paço, nas rha·psodias dictadas pela contricção da covar­dia aos pusillanimes. que inutilmente pre·tendem servir hoje ao rei com a mentira,não tendo ollsado servil·o em tempo com avida. (Applausas.) A tradição viva da verda·de militante é que ha de ser o Homero dessasglori.as, tão cedo maculadGls pela má fé dosinteresses, e coroar a verdadeira redemplora:a vontade impessoal da patria, (afplausosjapoiada na organisação inexpugnave do abo­licionismo, na cooperação geral da familia'brazileira, no exodo caudalo o dos captivos,na galharda nobreza deste exercito, que re­cusou suas armas ~l caçada de crealuras hu­manas prescripta pelos ministros do impe­rador, (applausas) deste exercito çuja fideli­dade á causa da revolução é o desesperodos empreit('iros de certas esperanças incon­fessaveis, (applar.lsOSI deste exercito em cujoci\"ismo a autonomia bahiana achou impe­oetravel cfefeza contra tentativas criminosasI bravos) deste exerci to que, depois de lidarna milicia triumpbante da abolição, encarnouo movimento popular da repul"lica, e, de-

I pois de fratcrnisat' com as aspirações nacio­naes no advento da democracia, ha de com­pletar a trilogia epica deste drama, evacuan­do o campo das intervenções politicas, re­stituindo o paiz ao governo civil, assentandoá ordem publica na submissão das forçasmilitares á magistratu ra constitucional datoga, da palavra e da lei.

Page 73: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 12-

A abolição desarmara da maior das suasforças a autocracia imperial, cuja estupidaceotralisaçào tinha feito das nossas provinciasmeros compartimentos da casa do rei. Arraza­da essa Bastilha da escravidão civil, guarda for­midavel da escravidão politica, o sopro de1831, cincoenta annos represado pelas ameiasnegras da monarchia, ia encanar violenta­mente pela garganta dessa reforma, va ta etransfiguradora como os desabamentos deuma convulsão geologica. A escolha era fatal:ou os estadistas do imperio abriam passagemfranca ás vontades impetuosas de uma rei­vindicação nutrida pela necessidade inesis­tivel dos intl resses soberanos, que aproprianatureza estampara na face deste paiz; ou,uabituados a crer no poder do rei sobre otempo e nas vantageus da habilidade contrao direito, negociavam com o paço algunsannos do favor imperial, a troco da incum­bencia de levantarem com as reacções departido uma parede contra a vontade danação. o primeiro caso a transição republi-'cana se faria lentamente, por evolução,'dando tempo ao imperador de fechar osolhos; no segundo a reyolução mudaria si­multaneamente a condição das provincias e afórma de governo. Sem esforço se podia serp~opheta, como eu fui, perante vós, a 31 deabril de 1888, dizendo-vos, na minha confe­rencia abolicionista:

«A grande transformação approxima-se doseu termo. A cordilheira negra esboroa-se,abalada pelas commoções ciue operam a mu­dança dos tempos nas l-lrofundezas da histo­ria; e por esse rasgão immenso, que se abre, I

entra em cheio o azul dos novos horisontes,o oxigenio poderoso da civilisação america­na. Os velhos 'partidos, cooperadores irrege­ueraveis do passado, rolam, desaggregados,para o abysrno, entre os destroços de umaera que acabou; e, pelo espaço que a tem­pestade salvadora purifica, os veqtos do

Page 74: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 13-

norte e do sul lrazem, suspendem e disper­sam, para cahirem sobre a terra, as idéasvivificadoras da nossa rehabilitação: a liber­dade religiosa, a democratisação do voto, adeseufeudação da propriedade, a desolygar­chisação do senado, a ledcração dos esladosunidos bra:ileiros. " com a corôa, se esta lhefôr propicia, conlra e sem a coroa, se eila lhelomar o caminho.»

Essas, texlualmenle as minhas palavrasnaquella epocha. EUas furam levadas ao se­nado, aponladas, na sua lribuna, com terror,pelo barão de Colegipe C0:110 indicio tene­broso de instinctos revolucionarios na opi­nião liberal. 1 ão eram: eram apenas a in­tuição da realidade inevitavel, em um espiri­ta educado na crença de que a conservaçãodas instituições e o destino dos imperios seregem por leis nalnraes e de que a fÓI mulageral deslas é a liberdade. (Applausos.)

Eu poderia terminar aqui, dizendo-yos:"Tenho prestado a minha conta. O testemu­nho incorruptivel dos acontecimentos acaba­rá ele liquidai-a. Direis se sentimentos sub­alternos lue inspiraram falsos valicinlos, selrahi a confiança popular com as relicenciasdo medo, ou as hyperboles da paixào, se a'5mi uhas predicçõcs eram artificios levianos,ou arl\'crteucias saiu lares, se alguma vez eco­nomi~ei a minha responsabilidade, ou hesiteiem expor a minha segurança pessoal, paraconfessar a Ulinha fé, honrar a minha con­sciencia, servir ao men paiz.» (Applausos.)

Mas esla manifeslaçào, a eloquencia fasci­nadora do seu orador, o calor das vos assympalbias me arrastam irresistivelmente.

O sceplicismo invelerado nos politicos bra­zileiros aproveitou, soffrego, a occasião, paraarguir de tendencias subversivas o paI tidoliberal. Mas o tempo veio moslrar-vos queli minha voz não (:ra a das ambiçõcs faccio­sas. Bem cedo o partido liberal devia repu­diar-me, oppondo a experiellcia e o lino de

Page 75: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 14-

seus patriarchas ás extravagancias do rebel­de, que se alrevia a suslental' a inutilidade,a impruelencia, a sorte desastrosa de todos ospeogl ammas, cuja base não assentasse na fe­deração immediala. Deu-me Deus a fortalezanecessaria, para antepôr a todas as seducçõeso meu compromisso por essa idéa, para meseparar por ella de todos os meus amigos po­liticos, para abrir em sua defeza uma inde­finida campanha, acolhida pela imprensa 01'­ficial com ironias e despresos, acõmpanhadapelos publicislas ministeriaes com maldiçõese ameaças, contrariada por todos os inte­resses poderosos, apoiada unicamente nasforças moraes da convicção e do dever.(A..pplallsos.l

E, quando a revolução, effeito natural dasresislencias elo imperialismo á bandeira fede­t;alista, que eu levantara no congresso liberal.eom o apoio de Manuel Victorino, antes de~irmal-a, com seis mezes de lucla dia por di:)no Dia,'io de Noticias, quando a revoluçãoveio surprehender nos seus calculos de eter­nidade a demencia da rnonarchia, collocadopelQ fatalidade das circumstancias enlre osorganisadores de uma situação, para a qualcu nãn conlribuíra senão como os avisos daprevidencia, yue àdverle, podem contribuirpara os desaslres da pertinacia, que não e~­

cuta,-não trepidei em subscrever a segundaalternativa do meu dilernma, a federação narepublica, já que o imperio m'io soubera en­xergar na primeira a solução amparadora dothrono. (Applallsos.) Então, reunido. no quar­lei-general, antiga praça da Acclamacão, comos meus companheiros, ao escolhermôs, para apatria renovada, o sen novo nome politico, onome do seu baptismo constitucional passa­ram-me pela mente reminiscencias da minhaultima entrevista com a Bahia, a fórmula d

11888, a que me tínheis ouvido no TbeatroS. João, sabiu-me da bocca, e, sob propostaminha, abraçada por todos, o governo p.0vi·

Page 76: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 15-

sorio apresentou ao muudo na repul>lica re·cem nascida a federaçáo dos Estados-Unidosdo Brazil. (Applausos )

Claridades de alvorada aureolaram esse na­talicio. As nações niio conheciam facto se­melhante: uma revolução que não tocou nemna consciencia, nem na familia, nem na pro­priedade, nem na vida que não orphanou umacreança, nem levou á viuvez uma mulller, queabriu a todos os cultos o sacrario do ,-espei tolegal, que appellou para todas as opiniões eulilis\lU todas as lórmas do patriotismo, quese sentiu menos na administração do que asalternações ordinarias dos partidos no poder,que fomentou energicamente') U-abalho, a in­clustria, a actividade commercial, e que, a umsopro, converteu as provincias oppressas deum imperio centralisado nos estados aulo­nomos de uma democracia federati,a. (Ap·plausos ). Grandes somhra!'> vieram projectar-se ne!'>sequadro. Quando é. porém, que o sossobro drum regimen e a implantação de outro pude­ram jamais consummar-se sem crises dcs­communaes, sem lrihulações memoraveis'l F.onde é que esses de contos fataes se produzi­ram nunca em escala tão reduzida como narevolução brazileira? Comtudo não foi preci­so mais, para despertar um rnurmurio in·consciente de aspirações retrospectivas, e

-povoar de sonhos Iisongeiros o tllmulo, ondea monarchia braganLina dorme para !'>emprc.amortalhada na incapacidade e na 10\1cura.(Applausos.) Os vermes evadidos do cndaverregressam a elle, empenh..idos na velleidadcinsensata de reconstituil-o. (App/ausos) Ja rei­vindicam adhesões subterraneas j e entreessas (porque não dizei-o com franqueza?) en·tre essas vão propalando á surdina caberáBahia um dos mais fortes contingentes. A'Bahia? Não! E' uma calumnia. Provét-o a pre­sença deste auditorio (applausos) .' o l11abnumeroso, talvez, que já se reuniu nesta terra

Page 77: Rui Barbosa - Visita à terra natal

16 -

e não menos culto, não menos selecto do qnenumeroso.

A Bahia abraçou a revolução por um actolento, reflexivo, irrevogavel de sua conscien­cia, franca e leal como a alma dos nossossertões, robusta e firme como as raizes dasnossas florestas, serena e crystallina como ocurso dos nossos rios. (Applausos.) A arruaçapóde mudar de idolos, como o lupanar variade amantes, como a roleta varia de sorte ...(Applausos prolongados.) Mas o espirito da fide­lidade e da honra vela constantemente, comoa estrella da manhã e a estrella!la tarde, scbreessas regiões, onde a força e o desinteresseo patriotismo e a bravura, a tradição e a con­fiança assentaram os seus reserva to rios sa­grados. (Longos applausos.) A republica temhoje na Bahia um de seus mais vigorosoIlucleos de conservação, uma de suas maisondas garantias de estabilidade. (App'lausos. 'I

;\10 processo de crystallisação das no\'as fór­mas da nossa democracia, as poderosas cor­rentes dynamicas da opinião bahiaua entra­nHU energic&mente em actividade, conver­gindo cada vez mais intensas ness\:> trabalhosoliclificador. Nenhum estado concorreu commais interesse á eleição da sua constituinte;nenllum se aprimorou com mais esmero nolavor da sua constiluiç~oj durante (I carnavaldalegalidade nenhum soube repellir mais alti­vamente a desvairada insolencia das depo­sições; nos comícios populares nenhum setem di!>ti~guido lanto pela aflluencia geral doel citorado. E que deve a Bahia ao regimenextincto? Que deve ella ao imperio, ella queo dotou aliás com os seus estadistas maisfamosos? (ApplrHlSOS.) Que o diga o aspectodesta cidade, entrevada cincoenta annos naimmobilidade dos seus bairros primitivos.(Applausos.) Que o diga a iudigencia da nossalavoura (applausos), a anemia somuolenta donosso comUlercio (applausos), a educação re­trahida, assustadiça e avara do nosso capi·

Page 78: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 17-

tal (applallSOS), o contraste enlre a nossa po­sição economica e a superioridade das nossasvantagens na escala da opulencia nativa.Qne fez por nós essa monarchia madrasta,senão mumificar-nos nos trapos da côrte deD. João V[ (applallsos).. esquecer-nos, entre­gando-nos ao tempo e ao môfo, COlllO se es­quece a casaria de um velho solar abando­nado (applallsos). .. sugar aos nossos melho­res filhos a Uor da virilidade moral, e dar-no::;,em troco, por unicú sustento o suor da es­cravidão baronisada? (Applallsos.) Viciosa esuicida, em sua ultima visita, na pessoa dogenro Orleans, em 1889, a esta terra, que nosdeu a monarchia em espectaculo, cm preli­bação do terceiro reinado, senão a mais iusi­gne scena de violencia e vergonha, os espon­saes do throno com a lama ensanguentada'?(Applallsos.). E é disso que nos lembrariamos saudosos?

E para isso que volveriamos alvoroçados? Masentão esses tres annos exem(rlares d e prepara­ção republicana,esses tres gloriososannos destaterra seriam uma miragem apenas? uma ne­gaça? um passatempo? uma ballucina ão '?(Applallsos.) E o genio que presidiu a essatransformação, o genio rejuvenescente da Ba­hia, iria agachar-se agora atisfeito no papelde servilbeta octogenaria aos pés dos bisnetosdecadentes da coroa portugueza? (Lol1go.~

applallsos. )Semelhante propaganda, meus caros con­

terraneos, não resiste' a cinco minutos debom senso. Esses regeneradores representamo elemento, que, sob a monarchia, esgotoumeio seculo de vossa paciencia e de vossacredulidade, entretendo-vos com a promessade reformas eternamente adiadas. Esses ver­beradores implacaveis das immoralidadesrepublicanas são, quasi todos, individuosque se constituiram em arautos da roonarchiae da moral á custa da seiva fartamente vam­pirizada ao novo regimen. (Applallsos.) Mais

Page 79: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 18-

de sessenta annos se gastaram em construit­o imperio; e que se nos olferecia nelle? Umadilatação monstruosa da pessoa real, sobre·posta á nação: os ministerios annulIados pe­los conluios do paço; as camaras allnulladaspela corrupção parlamentar; as eleições an­nulladas pela pressão official; os partidos an­nullados pela inversão habitual dos seus pa­peis' a seriedade administrativa annulladapelas derrubadas periodicas; a conscienciapolitica annullada pela influencia penetrantedos philtros imperiaes na consdencia dosestadistas; as s)'mpathias do paiz annulladas,nas relações internacionaes, pelas preoccupa­ções dynaslicas da diplomacia cortezã. \Ap­plallsos.) E tão habilmente operara a monar­chia !la destruição de si mesma que o ter­ceiro reinado, antes de começar, era já maisdetestado que o segundo. (ApplallSos.)

Esses costu mes saturaram profundamenteo solo, onde se linha de levantar a republica,e deviam empestal-a por muito tempo. Osmales, que hoje nos aftligem, são raizes so­breviventes das enfermidades do imperio. Oproprio militarismo é um legado seu. O mi·litarismo nasceu oa violaçãn rios direitoslegaes do exercito pelo governo do rei; e,graças á fraqueza deste, reunida ás impru­dencias de seus secretarios, foi, sob os tresultimos gabinetes imperiaes, o pesadelo dacoroa e d'i:> parlamento. E::I restauração livrar­nos-hia do militarismo? Não! A restauraçãonão seria possivel senão pela anarcl1iados quarteis,pelo beneplacilo da indisciplina.e havia de governar ao rufo dos pronuncia­mentos, para voar, pouco depois, a um pon­tapé delles, legando irremediavelmente o paizá tutella da caudilhagem. (Applallsos.)

Recapitulae um a 11m os aggravos carrega­dos á conta do regimen republicalJo, ou dosystema prcsid~ncial: a lucta geral contra alei; a depravaçao do senso juridico nos or­gãos da autoridade; a irresponsabilidade ha-

Page 80: Rui Barbosa - Visita à terra natal

'- 19-

bitual dos agentes da artministração; a des­natur.ação das instituições constitücionaes nahermeneutica interesseira dos sophistas par­lamentares; a idéa fixa, nos homens publi­cos, da conquista das pastas por amor das.pastas; a confusão dos poderes politicos, re·ciprocamente invadidos e invasores; os gol­pes da tyrannia administrativa na esphera dajustiça; as liberdades da mauia policial con:tra as garantias da liberdade; as miserias damediocridade ministerial, elevadas á alturade criLerio supremo da prudencia governati­va; o jogo da desconfiança, da antipafbia, daesperteza mutua entre os ministros e o chefedo estado; as abuicações populares ante asvontades e as provocações do poder; a debili­dade da vida nacional nos seus centros locaesde resisleqcia e recomposição; o nepotismo, aprodigalidade, o estn1to brio do erro; a frau­de.orçamentaria, o deficit chr~nico, as de­vastações financeiras do jogo. (Applausos. iNeste largo quadro pathologico apoutae-meum só traço, que não indique uma projecçãoda diatb.ese imperial (applausos), dessa poli­tica infamada, cuja expressão consislia, parafallar como o SI-. Zacharias e o sr. Nabuco,na «mentir& das urnas» e na ~p'rostituiçào dovoto» Com a republica mudámos de hygie­ne; mas não mudámos de sangue. (Applau­sos.) E os males do sangue não se extirpamradicalmente na primeira geração. A logicaridicula do monarchismo, porém, descobriumeios de responsabilisar pelos achaques he­reditarios do paciente o regimen reparador.llpenas começado a ensaiar contra eHes.

Tal logica, tal programma. Uma define ooutro. Mettido na sua loira cabelleira de 1'0­mantico ao córte do ultimo figurino, com osseus ares Je Apollo de salão e a ~lla virgin­dade de Vestal de comedia, esse monarcllis­mo, velho gosadol', que adora Epicuro naalcova, e rledilha Lamartine ao luar (hilari­dade; applallsos), anda a requestar vos, terra

Page 81: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 20-

minha elas serenatas harmoniosas, para osdescantes solilarios ao pallido astro de alem­tumulo, cUIOS raios adormecem na cabeçamorta do velho imperador. (ApplullSOS.) Mas obom senso bahiano saberá dar o devido va­lor a esse derriço pósthumo do antigo parti­dismo pela realeza, por elle . proprio atas­salhada em vida. (Applallsos.) Ninguempóde esquecer que esse mesmo planeta allu­miou a COllferencíu dos Divinos, e ouviu asimprecações de Timandro. (Riso.) Podeisresponder, pois, aos galanteadores da vossasensibilIdade artistica .que a reverencia com­lUiserativa pelas cãs sexagenarias do avô, quereinou entre nossos paes, não santifica a se­nilidade precoce dos netos creados entre anossa antipatbia e a nossa indifferença. (Ap­plausos). Um pacto universal do sentimentopublico no paiz designara previamente nosarcophago, que se abrisse para o filho dePedro I, o ataúde inevilavel da monarcllia.I Applallsos.)

Os adocicados emissarios da seducção imoperialista hão de convencer·se de que nas·cesles varonil pela natureza; de que a sujei­~ão feminil imposta ao vosso temperamentovos dessexuava; de que,clepois de beberdes avirilidade na taça da federação. forjada paraos contiuentes novos pelos Titães anglo-saxo­oios da Amedca do Norte (applallSOS) , nãocondescendereis em esposar os casquilhasgrisalhos do impedo desenterrado, e receberdelles por enxoval de bodas a servidão desaias, quinhoada ás provincias na domestici­dade dos interesses imperiaes. (Applausosprolongados)

Renunciar o felleralismo é emascular-se. De­sistir do foro republicano é prostituir-se. Con­quistas destas não se revogam,.senão pelo pro­cesso por que se fazem os eunuchos. (Applall­sos).Dafederaçiio nãoseretrocede para a centra­lisação.Da America presidencial não se volvepara a realeza ullramarina. A transmuuação

Page 82: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 21-

das monarchias européas, nos seus renovoscoloniaes,em democracias republicanas, é umphenomeno constante, com todos os caracte­res de uma lei historica, iufringida unicamen­te no caso singular do Brazil Eliminada,pois, uma vez a excepção, a anomalia nãopóde reconstituir-se. (Applausas). A idéa re­stauradura no Brazil pertence ao museu daexcentricidades po1itic~s, entre as quaes, navasta classe das patetices humanas lhe cabede jure um logar, no carunchoso armariaonde se fossilizam os seus dois lrmãos primo­genilos, o sebastiauismo e o miguelismo, des­ceudencia todos elJes dessa macrobia inge­nuidade aggregada á boa raça dos nossos ve­lbos paes portuguezes. (Applausas). Restabe­lecer 1110narchias l1a America é impossivelequivalente ao de creal·as. A magnanimi­dade brasileira poderá sacudir u ma vezullla coroa, sem en aogueotal-a, como em 15de novembro. (App/ausas). Mas fortnnas taesuão é pl'Ovavel que se repilam successiva­mente. Do banimento pllra a restauração nàosei se haveria, hOJe, outro caminho, a nãoser o call:\inho da agonia,o caminho funesto doMexico, o caminho de Miramar a Queretara.(Applausas).

Orna constituição sobrevivente a provasterriveis, como o golpe de estado que matoua primeira presidencia republicana, como osgolpes de estado, não menos violeutos, queassignalam a segunda, tem contraprovado asua. vitalidade. l\Iancommunem·se emboracontra ella as pestes, que conspiram o seu dis­credito: no exterior, 05 fraochinotes de bou­levard, os piza-verdes do ridiculo francez,os estadistas de café-concerto (bravos), os f'mi­grados da agiotagem, os ajudantes da cozinhado figarismo (hilaridade; app/allsas) .... gente,que, para alongar de si as farpas do epigram­ma oarisiense contra a família do macaco

. brasfleiro, atafula-se no bom-tom do desdeme da calumnia, exercitados sobre nÓs cam

Page 83: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 22-

inconsciente elegancia simiesca por essa fra­ternidacte typica de anUlropoiúes envergonha­dos (applausos) •.. colonia original entre to­das as colonias, cuja noção da honra patrio­tica se resume na exposição da patria, dif­famada, aos labéos do estrangeiro (applausos);no interior, a alluviào incongruente das fezesagitadas pelo choque revolucionario: os jo­gadores trovejando lOlontra o jogo (riso); 0!ibaixistas horrorisados da baixa (risadas)' osmanipuladores da usura cambial chamme­jando contra o governo provisorio pelos des­astres do cambio (applausos); os naufragos dabolsa enfuriados contra as desegualdades doazar; os sortes grandes das finanças de 15 denovembro revoltados cOl'.ll-a as medidas ban­carias da dictadura; os politiqueiros indigna­dos contra a politiquice (riso); os refugos damonarchia (interrupção; applausos) ... os re­fugos da monarchia inconsolaveis por nãodesfructarem fôro de principes na republicawpplallsos); os alliciadores da soldadesca ir­reconciliaveis com o militarismo (apoiados I;os transfugas do paço anojadC's pelo passa­mento da dynastia; os zangãos promovidosa financeiros (risadas), os analphabetos can­didatos a pensadores (hilaridade), os epilepti­cos graduados em estadistas (applausos); oscoveiros da realeza elevados a salyadores dademocracia (riso); os puxa-vistas dos pro­grammas tl1eatracs da coroa, mal contentescom a pobreza das assombrosas reformas darevolução; toda essa comedia da hypocrisiacontra-revol"ucionaria, que não sabe sob quenomes dissimule a sua deslealdade a sua im­potencia e a sua lepra. (rlpplausos prolon­gados.)- O mal causado pela acção dessas .influen­cias é incalculave1. Haja vista a questão fi­nanceira nas suas proporções actllaes, resul­tado lameutavel das explorações dessa des­lealdade systematisada, que principiou poradulterar a obra do governo provisorio, ·para

Page 84: Rui Barbosa - Visita à terra natal

23 -

a acabrunhnr depois com as responsabilida­des de uma situação creada principalmentepelos que a desfru::tam. Eu suppuuha queum systema só pudesse respouder pelos er­feitos da sua applicação. Mas o regimeu fi­nanceiro que inauguramos, não tem respon­dido senão pelas consequencias da sua de­turpação, systematicamente exercida pelosseus executores. Imaginae (não me 'Vadescuidar pretencioso na comparação: elIa temapenas por fim dar-vos idéa material des­ta deslealdade) imaginae que, para 'Verifi­car a exactidão dos calculos de Colombo.possuido do sentimento da realidade da suav i são, no meio da iucreriulidade doscontemporaneos, lhe tirassem a sua nau, edessem por capitães á expedição descobri­dora os adversarios do graude genovez, osinteressados em desmenlil-o, e deshonral-o.Podia elIe responder pelo mallogro da explo­ração'? Fernando e Isabel de CastelI:> nãopensavam assim. Os eriticos da republicabrazileira uo seculo XIX não lucrariam poucona arte de raciocinar e julgar, se pudes­sem aprender as regras usuaes da equidadena escola dos despotas hespanhoes dos secu·los XV e XVI. POl' menos complexo que sejaum mecanismo, se elIe joga com forças capa­zes de produzir explos.lo, quando mal diri­gidas, manda a boa fé, no periodo das expe­riellcias, não conIlal-o a mãos em peuhadasem desacreditar o inventor. Com o governoprovisorio o que se fez, é exactamente o op­posto: entregaram á sorl e das ondas a m:>­china delicada, commettendo lhe o governoá perversidade ou á incompetencia de agcn·tes encarregados ad Iwc de envergonhar ofabricante, desorganisando-lbe a obra. Eis amoralidade deste processo indecente, que eudesprezo, instaurado ás nossas medidas Hnan­ceiras pela magistratura da má fé. (Applall­sos. )

Não obstante, essas influencias n'Ío trium

Page 85: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 24

pharão. Não obstante, a republica não pere­'rá. Porque a republica está idenlificada á:istencia da nação pela impossibilidade deubslituir-se. Porque, sob a republica, a des­,eito de todos os elementos oppostos, a vidalublica vae adquirindo lima energia desco·

nl.1ecida entre nós durante o outro regimen,e de que me limitarei a tomar como exem­plo mais proximo a aclividade municipalneste estado. Porque, emfim, 11a republica,a prosperidade geral se vae desenvolvendoem proporções agigantadas, ante as quaes asdo imperio são as de um pygmeu. Bastaolbardes o rendimento aduaneiro da impor­tação, que, com a republica, em tres anDOS,subiu de cerca de quarenta e cinco a mais denoventa mil contos, crescendo assim tanto notriennio republicano quanto nos sessenta ecinco annos de duraçáo imperial. No ulUmoquinzennio desta, a ascensão deste ramo dareceita corresponde a um termo medio anonual de setecentos contos. Nos tre annos ini­ciaes da republica a média annual desse pro­gresso se eIeva proximamente a quinze milcontos de réis. Admittindo qne o peso doimposto houvesse dobrado essa addiçãoapenas elevaria o producto annno, nas arcasdo thesouro, a mil e quatrocentos contos.A dilrerença que vae, pois, de mil e quatl'Ocen­tos a quinze mil, isto é, treze mil e seiscentcscontos annuaes, isto é, vinte vezes setecen­tos representa o progresso republicano. Aformula deste progresso, portanto, está naproporção geometrica de um para vinte. (Ap­plausos.)

Imaginae agora a distancia a que não te­riamos chegado além, se a politica, a mápolilica, a politica antipolitica, a politica dosviolentos e dos incapazcs, não nos tivesseobstruido pertinazmente o caminho. Os factosnos estão mostrando pOl' todos os modos queo paiz não necessita senão de ser escutadona suas aspirações de paz e de trabalho, eu-

Page 86: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 25-

tendido nos seus interesses econolllicos e so­ciaes, auxilIado, em proveito destes, por leisque facilitem a administração promovam aindustria, liberalisem o commercio. benefi­-eiem as relações civis, animem e fortaleçam ainiciativa particular e o espirito de associa·'çào. Em ll1ateria de reformas politicas nãose ha mister senão das qne se destinarem alimitar O poder e consolidar a liberdade, cujoorganismo, na constituição republicana écompleto. (Applallsos.l

Do meu papel na conqui 'la destes resulta­dos o mereci menta bem longe está de ser oque acaba de retrataI', em cores tão vividas,em dimensões tão avultadas, o amigo gene­roso, o orador potente, a quem o partido fe­deralista commelteu a missão de saudar-me.Todo o meu merecimento é apenas o de umtrabalho obstinado, o de uma convicção ar·dente, o de uma sinceridade absoluta. A" be­nevolas amplificações, que se succedem noseu discurso, estão, ainda bem! explicadaspelo sentimento que o trahiu no grato n01l1ede irmão, com que me acarinhou perantevós, e a que fi meu coração corresponde ar­fectuosamente. Irmãos somos, com em~i to,não só na communhão do espirito republica­no, como na colIaboração cordial pelo triulIl'pho da revolução, que deu ao paiz as suasinstituições actuaes. Irmãos espero que seja.mos sempre na ambmde, nas opiniões, na.altitudes politicas, na defeza do paiz contraos máos governos. na manutenção d~ solida,riedade bahiana contra os interessados emdissolvel-a. (Applausos)

No periodo organisador, que a republicaatravessa, a Bahia não tem sómente o papel,que naturalmente lhe devia attribuir o seuvalor relativo entre os outros estados, a suaimportancia tradicional. Seu procedimento,sob as Iluvas inslitui<;ões, constituiu-a emexemplo: exemplo na reorganisação munici­pal, em cuja iniciativa, meu illustre amigo

Page 87: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 26-

"OS pertence parte heroica, fundamental,decisiva; exemplo no vigor da repulsa áinvasão das deposições, que deixaram na mórparte dos outros estados feridas quasi incu­raveis; exemplo na actividade de movimen­to eleitoral, que tem sobresahido aqui poruma energia _crescente sempre; exemplo nagestação do partido federalista, a mais compa­cta, a mais extensa, a maiS poder:osa organi­sação politica que a B.ahia já conheceu, vastaagglomeração dos elementos constilllcionaes,de quasi todos os elementos politicos aprovei­taveis,em torno do principio victorioso ná re·voluçào e ameaçado hoje simultaneamentepelos dous inimigos da ordem republicana:o militarismo e o parlamentarismo. Ora, ahonra desse exemplo está confiada particu­larmente á representação da Bahia, á sua re­presentação no congresso do estado, á snarepresentação nas camaras da União. Que aconsciencia desse mandato faça de nós um sócorpo, animado pelo mesmo pensamento!( ApjJlausos.)

A republica precisa de ser conservaclora,mas conservadora, a um tempo, contra o ra­dicalismo e contra o despotismo, contra asutopias revolucionarias e contra as usurpa­ções administrativas, contra a selvageria anar­chica das facções e contra a educaçào iucon­stitucional dos governos. Para isso é i ndis­peusayel a liga entre os fortes, entre os con­vencidos, entre os moderados, enlre os inde­pendentes. A federação politica ha de assen·tal' Dessa federação moral. E para ella nellhl.lmestado póde concorrer mais do que a Bahia,com homens da capacidade, da vocação pra­tica, da educação liberal, que recommendamo egregio interprete do partido federalistanes1 a maniresla~'ão deslumbrante. (AfJplausos.)

O programm3 do partido federalista foi ni­tidamente formulado no pacto da sua consti­tuição. Mas esse programma jã se transfundiuvigorosamente das suas palavras nos seus

Page 88: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 27-

actos, e, hoje, está completo no seu procedi·mento: Se o ominoso movimento de 24 denovembro tivesse preponderado, a Bahia,dahi em diante, não seril' mais que u.na presadesprezivel, allernalivamente disputada entreos aventureiros de farda e os aventureiros decasaca. A Sahia, a terra sagrada pelas cora· •gens heroicas e p~los enthusiaslllos su.blimes.viu·se ameaçada na sua existencia conslitu-cional pela impertinencia de um soldadotransviado oa sua senha, lJue julgou poderestender para clla a mão de conquistador.com a sem-cerimonia de um estroina confun-dindo, nas ruas, uma senhora com uma per-dida. (Applllllsos.l Se essa fam iliaridade odio-sa não russe casti"ada. fulminada, comofoi, pela allivez da olfenditla, facilitado oprimeiro passo na perda da honra a hon-ra estaria perdida, e, com a honra, a tran­qui1lidade: a prosperitlade, a conserva-cào mesma dos intel-esses elemenlares da vi-da. Das miserias desse abysmo, miscria incal­culaveis como as da prostituição, preservou-nos o cultll 00 principio federali ta, repre-sentado nos patriolas que compõem hoje estepartido, cuja politica tem sido a expressãoleal do seu nome, e CLljOS chefes rn.erecem agratidão irresgatavel da Bahia. (Applausos.)

Esse parlido cresce, não cessa de crescer,assimilando as ullimas sinceridades. ligadas anós pelas affinidades intimas 00 espirita, mastrans"iadas ainda pelas confusões desta epo­cha obscura. Com a sua expansão oresça asua harmonia, estreite-se a sua disciplina,cimente-se a sua unidade! (lpplallsos.)

A elle devo eu esta manifestação, cuja ma­!.!Oificellcia nunca se desbotará da memoriaiías suas testemunhas. Reeleito espon41nea­mente por eIle, restituido por eIle á cadeira,que eu renunciara, no senado da republica,vinha agradecer-lhe, e vejo duplicar pesada­mente a minha di vida. Como arnorlisal-a'!Não tenho outro meio, senão insistir na di-

Page 89: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 28-

rectriz constante da minha vida politica, que,graças a Deus, nunca se desviou do seu rumoprimitivo: o amor da liberdade, servido pelaIOctependencia e pela desambição. (Applausos.)

O sonho da minha vida nunca foi diri~ir,

mas confiar, e servir: confiar no:; mais for­tes, servir sob os mais capazes, mas servirCOII! intelligencia, numa religião que não meabastarde a crença, CJue me esclareça, meeleve, e me fortifique. Dos meus antigos che­fes politicos não me apartei, senão quando,volvendo os olhos atraz, vi devorados vinteannos de minha vida por uma obedienciacondemnaàa dahi em diante a %terilidadepara com a patria e inconciliavel dahi emdiaule com a minha rasão. Fui liberal, em­quanto enxerguei no partido liberal o instru­mento da libertação do voto; mantive-me li­beral, emquanto acreditei na lidelidade doschefes liberaes a redempção do escravo;deixei de ser liberal, quando vi no partidoliberal o ob",tacnlo interesseiro á emancipaçãodas provincias. Qnando uma legião embrulhaa sua bandeira, a 110nr", da submissão noslegionarios degenera em vilipendio. Eis omeu passado, adstricto sempre á disciplinasob todas as fórmas, menos a disciplina dosrenegados. (Applausos.) Toda essa devoção,hoje a consagro ao partido federalista, con­lente de servil-o entre os Sens mais obscn·ros cooperadores.

Radical sob a monarchia, sou entre os re­publicanos o mais convicto dos conservado­res. Banir da republica a inquietação e ainstabilidade: tal, nes . momento, a maiorpreoccupação minha, a preoccupação de to­dos os que se empenharem seriamente emtornar a republica fructificativa e progressis­ta. A essa ambição tenho submettido os ar­dores do meu temperamento e as impacien­cias da minha fé. Suspeito as duas dictadu­ras, que têm agoirentado o desenvolvimentoconstitucional do paiz desde 1891, alheio aos

Page 90: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 29-

golpes de estado da segunda, como ao daprimeira, não concorri nunca, todavia, paraagitações, que só podem serVIr de estimu­lar o prurido da desordem, exacerbara irritabilidade ao elemento dirigente, eministrar-lhe pretexto a ousadias violentas.Defendi, e continúo a defeuder, perante aiustiça reparadora, sem estrepito politico, odireito, a liberdade, a propriedade das victi­mas do crime de 10 de abril; porque, no diaem que não houver no paiz quem pugne poresse patrimonio, os nossos foros de homenslivres valerão menos do que a tanga dos es­cravos de Guiné, e a constituição estará re­duzida, por connivencia universal, a umabanetina da tyrannia militar. (ilpplausos.)Mas nunca estudei os actos dos governos repu- .blicanos com prevenções de inimigo, nemnunca perpetrei contra elIes o erro de oppo­sição systematica.

Até hoje procedi escrupulosamente assim.Assim continuarei a proceder, tendo por leisa moderação e a firmeza emquanto exigirdeso~ meus serviços. (App/allsos.)

Ainda ha pouco, escutando o brazileiro no­tavel, da eminencia de cujo talento vimosdesdobrar-se em tão magnificas esplendoreso manto da magestade deste auditoria, o mai>extraordin3t-io e o mais illuslre a que já mecoube a honra de faUar, eu suppunha entreveras emoções do espirito atheniense, nas luctasela grande eloqueucia, em que a palavra dosoradores descia olympicamente como os raiosda luz meridiana sobre a Agora palpitanle.A limpidez da arte classica dava á atmos­pheEa, onde irradiavam esses genios, umatransparencia singular, que refrangia em ima­gens maravilhosas a expressão hellenica dabelleza e da força. Mas as justas inlelIectuaesde Athenas eram combates municipaes. Ahumanidade ainda não se revelara ao homem.A liberdade ainda não era um interesse uni­versal. A consciencia ainda não levantara

Page 91: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 30-

esses cimos culminantes, de onde a palavraSe faz sacerdocio nos labios dos mais humil­rles, e comrnunica aos ambientes mais profa­nos a sonoridade dos templos. (Bravos.) Esta­mos, se me nào engano, em um desses mo­mentos de santificaçào popular. Atrayez daconcentração que aqui reina, arfam modnla­ções mysteriosas de um orgão interior, porcujas teclas a harmonia dos pensamentospassa lllurmurante como o extase de umacontemplação religiosa. (Bravos.) Neste silen­cio 11a CHUtiCOS e lagrimas de um omcio di­vino: ora, vibrações, talvez, do hymno solu­çado pelos caplivos victoriosos, cujo martyriopovoou longos annos os echos desla tribuna;ora, o sussurro da vida expirante nos labiosli vidas das Yiclimas incautas sacrificadascruelmente, aqui perto, nas ruas desta cidade,pelas ambições da desordem anti-republicana.I Sensação.) Sente-se aqui a solemnidade dosgrandes cultos.a impressão das cathedraesenoi­tecidas pelos seculos, a elevação inlerior para oi nfinilo. Façamos desta sessão, pois, um acto dealliança pela repuhlica, em presença daquelleDeus que nossas familias exoravam pelosescravos o Deus que enlaça e não divide oshomens. \Longos applallsos.) EncerremQs estacelebração COlll um volo fervoroso e umadeliberação ii-retracta vel pela consolidaçãopacifica da liberdade republicana. (rlpplausos.)E que essa delib0ração e esse volo se elevemde nós com o recolhimento e a efficacia deuma prece.

Mas, antes de nos deixarmos, vinlie com­migo depor estas homenagens, esles lrophéos,estes syrnbolos no altar que os deve re­ceber.

Espirita supremo daquelle que me ensinoua sentir o direito, e querer a liberdade; da­quelle cuja presença intima respira em mimnas horas do dever e do perigo' daquelle a.quem pertence, nas minhas acções, o mere­cimento da coherencia e da sinceridade;

Page 92: Rui Barbosa - Visita à terra natal

31 -

emanação da honra, da veracidade e da jus­tiça, es:pirito severo de meu pae...... (sen­sação); Imagem da bondade e da pureza, queverteste em minha alma a felicidade dosolfrer e do perdoar, que me educaste noespectaculo divino do sacrificio coroado pelosacrificio, caricia do céo na manhã do'> meusdias, aceno do céo no horisonte da minhatarde, anjo da abnegação e da esperança,que me sorris no sorriw de meus filhos,espirito sideral de minha mãe... . (bravos)se o bem desahotôa alguma vez á superficieagreste de minha vida, vós sois a mão dosemeador, que o semeou .... (longa sensação),"ós, cuja ener~ia me creou o coração e aconsciencia, cUJa benção derramou a fecun­didade sobre as urzes de minha natureza.(Bravos. Applausosj Quando, na minha exis­tencia, alguma coisa possa inspirar gratidão,ou sympathia, não me tomem senão com~

o fructo, em que se mitiga a sede, e que seesquece. Vós, auctores benignos do meuser, vós sois a arvore dadivosa, cujos bene­ficios sobrevivem no reconhecimento, quenão murcha. (Sensaçào prolongada.) EstasUores, magia de um jardim instantaneo, ondaesparsa de uma alvorada balsamica, estasfiores em que se desentranha, ao contactoda Bahia, o berço, que me afofastes com avossa ternura, que me .guardastes com asvossas vigilias, que me perfumastes com asvossas virtudes, estas fiores são vossas: re­cebei-as. Que ellas envolvam no seu aroma avossa memoria (bravos), reabram, em cadageração de vossos nelos, aos pés da "ossacruz (bravos), edeixem cabir o refrigerio deseu orvalho sobre as paixões corrosivas,que ulceram a patria, amofinando-lhe o pre­sente, ameaçando-lhe o futuro. (Applausosrepelidos estrondosos e prolongados.)

Page 93: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 94: Rui Barbosa - Visita à terra natal

DISOURSO

DO ACADEiIIlCO

PEDRO AMERICANO

Senhores: Terrivel scepticismo! Cruel in­ditrerença, que mata no coração todos os esti­mulos, substituindo-os pela aridez dos sen­timentos, é essa descrença na efficacia doesforço, é esse apêgo 30 repouso inLt:lleclual,no gozo interminavel da ociosidade do espi­rito. Insuppodavel fatuidade!. Desprezivel prelenção, senhores, é essa que,sahida dos que se recUsam á cooperaçãoproductiva, compensadera no alevanlamentodeste paiz, vive apenas da jactancia, do alar­dear incessante de problematicos commetti­mentos, sem nunca descerrar o véo qne occul­ta lanla preciosidade, tanla aptidão, lantagloria! . . .

Criminoso recurso! Deploravel refugio, se­nhores, é esse orrereddo pela calumnia, pelainveja, pela maledicencia no inglorio mislerda negaçào ohsLi nada e cega, na altribui­ção avillanle de infernal machinação demonslruosidades e lorpezas qUf', para honradaquelle a quem sào atiradas, só tem a exis­leneia ephemera que lhes dá a imaginaçãosombria de seus creadores e as negras coresque lhes imprime a pbantasia de loucos vi­sionarios.

Indizivel satisfação! Suprema das glorias,senhores, é essa que, ilTon,pendo bella, pu­jante, perdl1ravel, da altivez indomavel de umpovo livre, cabe áquelle que do trabalho é·-apostolo, do talenlo-symbolo; gloria qll~

fulmina a ignorancia na escuridào, desmentea infamia no jogo, anniquilla ri yilleza, des­troe a calumnia, esmaga a'prolcrvia, pulve­<fisa o cynismo, para em jorros de luz infi-

Page 95: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 34-

tavel e radiante esclarecer a verdade, pro­damar o merito, attestar a probidade, enal­tecer e apregoar o talento, negado :Jté, comotrbte remate ao horroroso edificio de tantasmiserias!

Sublime, inestimavel direito, senhf'res, é o-que nos assiste hoje neste recinto de le"an­tar o cadafalso para o criminoso e erguer a-apotheose para o genial

Por um capricho de vingançd desde hamuito anhelada, alcemos bem juntos - cada­falso e apotheose,-afim de que o genio, cir­cumdMlo de luz, coberto de ovações, assista:ao espectDculo da .justiça dos homcns, con­temple a agonia do criminoso, e este, cheio.de maldições, coberto de vosso desprezo,volva pela derl adeira "ez os olhos para as·culminancias luminosas donde o genio nuncase apartara e tombe depois (que importa?)nos negrores do esquecimento... Está justiçado o crime e deificado o ta­,lento! Olvidemos aquelle e contemplemoseste! A mão que abriu o tumulo corra o re­posteiro do futuro!

As trevas são espessas, mas o vosso olhar-é seguro e penetrante. Substitui pela intuiçãoo que a vista não puder apprebender! Acer­quem-se de preferencia os incredulos c inter­ro~uem a immensidade! Eis o quadro: a pos­teridade recre;a se em revistar as tradiçõesdos povos e, á imitação dos gregos, ideia um·110VO Olympo, onde devem figurar como im­mortaes os nomes dos que se distinguiram'Pelos primores da Intelligencia! Esperae quechegue o momento ao povo brazileiro.

Soou a hora fatal! Com vossa admiração,são desprezados muitos que julgaveis glorio­sos! Elia detem-se, porém, revê, examina eum nome apparece inscripto na magestosaportada do compartimento reservado ao nossopovo. Este nome é Ruy Barbosa! Retirae­vos, porque não é dado fruir por ..mui~o tempo

Page 96: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 30-

estas delicias áquelles que momentaneamenteduvidaram. Retirae-vosj e eu tenho a certeza.de que levaes no corat;'ão o arrependimentode um erro, nas faces a vergonha de urnainjustiça e na mente o p~nsamento duma ve­neração, a id?a de uma grandeza.

Sob a fria pedra de um tumulo singelodorme muitas vezes esquecido qnem no co­ração teve um mundo de crenças, na fronteum foco de luz!

Volvem-se os tempos e apaga-se a modestainscripção funeraria que mào piedosa láhouvera gravado, por entre as lagrimas do­lorosas do desespero e os tristes suspiros dasaudade! Depois ,. o sentimento. admiravelda justiça, reparando o erro .dos homens,levanta um busto onde havia nma cruz eerige um mausoléo onde o vacuo existia.Sobre o busto o vento quebra-se e murmuraum cantico; sobre o mausoléo o sol reflecte-see tal vez. " perdoae, senhores, li- arrojada,visão aqueça umas cinzas frias.

Assim na morte!No meio rias tm<bas que se agitam inquie­

tas não recebe muitas vezes a merecida sa­gração quem traz em si os sellos de um es­pirito superior. As brilhantes manifestaçõesda intelligencia, as puras intenções do cara­cter irreprehensivel não põem-no a salvo dosbotes da invE<ja, das investidas da calumnia,sanccionadas pela ingratidão de muitos, nu­tridas pelo despeito de alguns e desenvolvidaspela maledicencia de oulros.

Vilipendiado, calumniado e negado,o geniovive na triste reclusão dum espirito a'JaLido,na amarga e intima concenlração das propriasdores, que lhe são o tumulo das ambições ea noite impenetravel do sotfriruenLo ! E assimpassa até que o mundo, melhor esc1areci(to,ateie a chamma ardenLe que havia se eXlin·guido ao sopro lethal da indilferença !

Desta immensa rehabiliLação, Lanlo mais.gloriosa, quanto foi praparada pelo proprio

Page 97: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 36-

.algoz, elle surge forte, poderoso, invencivel,'mais admiravel ainda que na adversidadepara, em indescriptivel attitude, apresentar-se.diante dos que convulsionam na dor surdados planos tenebrosos frustrados! E como·0 vento que passa sobre o bu!'>to do Ímmor­tal, como o sol' que aquece as cinzas friasdaquelle que permanecera por tempos no es-'quecimento, a calumnia bate-lhe em chcio noamplo peito, arrancando-lhe dos labias osorriso do desprezo; a gloria envolve-o, ar­rancando-lhe do coração o sentimento doperdão.

Assim na vida!

Ao transpôr, senhores, o recinto deste edi­Ilcio, eu trazia a convicção de que pela pri­meira vez teria de presenciar a lucta ingente,tilanica, travada entre a verdade e a mentira,o vicio e a virtude! Desillusão completa!Diante de vós acha-se nm homem admirado,endeosado por uns, repellido, odiado por-outros; e qnando eu esperava que a ascen­dencia por elle adquirida no espirita dosprimeiros fosse combatida pela convicção dossegundos qnando suppunha que a verdadesahiria depurada do c2dinbo de lucta estu­penda, ou para abalar as crenças de seus~dmiradoles ou para avigorar a fé de seusdetractores, vi, senhores, conservarem-se apostos, firmes na tempestnosa salva de ova­ções que aqui reboou como um hymno devictoria, os que o respeitam e acatam na ma­gestade augusta de seu talento sem rival nestepaiz, e vi t.:lmbem fugirem os seus inimigoscomo as aves do agonI'o aos primeiros cla­rões do dia que desponta. Flagrante des­animo! 'ergonhosa fuga! Diante do tribunalcomparece o prototypo do crime, a Yiva en­{:arnação do vicio, segundo dizem, e á suapresença os juizcs cstremecem em Sllas ca­oeiras, as togas pesam-lhes nos hombros, doscrnblantes resalIam-lhes as pallidas côres

Page 98: Rui Barbosa - Visita à terra natal

37 -

do susto, emquanlo o publico ergue-se una·nime no delino de manifestação estrondosa,para acclamal-o e absolveI-o.

Afortunado Dr. Ruy Barbosa, que podeisdizer como Danton: (,Onde os infames que meaccusam'?

(lAppareçalD, e eu os confundirei!» e o sileu­cio que seguiu-se ao appello do revolucionl!-­rio translUudar·se-ba aqui em est;ygma inde­levei para os calulDniadores, ao vosso replooe honra!

EmlUudecem, senhores, os seus inimigosdiante da egualdade das armas p3ra amanhãcontinuarem a campanha nefanda, iniciadapela cegueira do espirita sob o impulso danegação systematica; fogem hoje á vista doadversaria, para amanhã despedirem traiçoei­ramente as settas envenenadas e chamaremde victoria o que, quando muito, se poderiaaverbar' de covardia! E é irrisorio vel-osapaixonados pelas visões de um sonho porelles lUesmos provocado; souho descripto porenlre a embriaguez de esperanças seductorase a dor não reprimida de um máo estado quese prolonga.

Tudo presta-se á diabolica machinação: aimprensa, a cujos appellos reiterados a acti·vidade centuplicada de um homem não póderesponder' a tribuna, onde a ausencia do ad­versaria insulla alenlos ao orador, onde osrasgos "iolenlos de imaginação assaltam detodo o terreno da rasão e da logica; as pra­ticas familiares, onde os maiores disparatessão pronunciados com tons de prophecia,onde os germens da mentira são lançados edesenvolvem-se insidiosamente ao calor dacredulidade de uns, aos impulsos da maledi­cencia ele ou tros.

Tudo presta-se! Por que rasão uão será ummeiü e!ficaz, poderoso, talvez o unico leal dedesafl'rorlta dos brios da nação por elle des·prestigiada segundo dizem, a pugna feridaface à face \10 terreno de uma discussão so-

Page 99: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 3~-

bre todos os pontos pro,veitosa? Será que aserenidade que se estampa no seu semblante,II tranquillidade de sua consciencia pura bas­lem para invalidar qualquer tentativa, qual­quer esforço? Oh! inimigos politicos de RuyBarbosa, qtiando não causaes indiguação como insulto, sois repugnantes com o silencio!

Na Grcc';a antiga, na Grecia corrupta os ho­mens ainda tinham a coragem de suas infa­mias! Se em Eschynes, o espirito pára des­vairado dianle da dissolução dos coslumes eda monstruosidade da ousadia, deleita-se aomenos diante de suas producções corno deum vivo attestado da grandeza intel1ectualdaquelle povo; e vós, inimigos politicas deRuy Barbosa, perfilhando a mentira, abra­çando o insulto, acceitando depois o silenciocomo meio commodo de impedir dizer-se oque não se quer ouvir, daes proya triste,tristissima de vossa esterilidade. •

Recusaes a lucta nobre, onde a intelligen­cia empenha·se para o triumpho da verdade;e, entretanto, no phantasiar de crimes, no ar­chilectar de deshoneslidades, não lendes queinvejar os deboches de imaginação de umHofl"mann ou o delirio mental de um Edgardde Põe.

Graduaes á vontade a força amplificadorade vosso microscopia obsen'ador e depoisannunciaes com mil trombetas, mais relum­bantes que as de Jericó, a certeza, a verdadedo resultado, esquecendo-yos de que a forçaexcessiva de augmentação desfigura os resul­tados da experiencia por um vicio de obser­vação

A'quelles que se sentirem mui vexadoscom estas yerdades, eu darei, adaptando aofacto a resposta que d.1\'a A Dumas aosque o increpavam de immoral em suas obras,vedadas á leitura do bello-sexo: "Não osconvidarei a assistir ludo quanto possa di­zer; mas a minh'arte li que não ha de retlu­zir-se a que possam ouvir.» Vigorosa expres·

Page 100: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 39-

são, senhores, contra os que pensam que aintelligencia deve encarcerar-se nos estreitosambilGs das convenções ridiculas de- umrequintado pudor! Nobre desafogo, senho­res, de um grande espirita que emerge iro­nico dos acanhados limites que as exigen­cias de delicadissimos ouvidos pretendiamtraçar!

. .A montanha é de aspecto asqueroso: co­

berta de lodo, circumdada de espesso ne­voeiro, parece desafiar a ascensão dos maisousados! Com a energia de um espirita for­te, com a confiança cega do crente, domi­nando a repulsão, escalae-a desassombrada­mente.

Em suas cumiadas, quando a cabeça ele­va-se para as nuvens, o ar é menos pesadojfronxos clarões de lu/; serena ferem-vos osolhos, então habituados á impenetrabilidadedas trevas.

Dominae a expansão, refreae o grito e5­pontaneo de legitima alegria, e vêde: em·baixo, a tumultuosa agitação de ambições, ochocar incessante de paixões desenfreajas, agargalhada satanica do cynismo, o soluçoplangente das victimasj em cima, por sobrevós, a immensidade que desperta grandescogitações e que incute mystico o sol que ilIu­mina e vivificaI Quereis gosar deste estadoque meu silencio acaba de idealisar? Que­reis tão beBa recompensa aos desgostos devossos dias? Premuni-vos de torpes explora­ções e rendei culto sincero, verdadeiraadoração ao primeiro dos attributos huma­nos: o talento!

Como viva demonstração do nada dasgrandezas ephemeras da vida, como um es­pantalbo poderoso ás ambições descomme·elidas dos homens, a antiguidade levantou oCapitolio bem perto da rocha Taqleia! Mas,senhores, eu tenho uma crença firme, tãorobusta como a q;.Le depositava o poeta em

Page 101: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 40-

um Deus; crença que vive tambem arraigadaem vosso espirita: não ha rocha Tarpeia paraaquelle que subiu ao CapitoHo pelas scint!l­lações do talento! Sim! Ha alguma coisa deimponente no genio, ainda mesmo quandotomba. como ha alguma coisa de repulsivona mediocridade, ainda mesmo quando sobe.A quéda do primeiro não póde entrar emparallelo com a ascensão da segunda!

A quéda do genio insjJira-me santo respei­to, assim como em meu espirita só ha osentimento de admiração para os corposque despenham-se la das alturas nas grandesrevoluções da natureza!

Alegria selva C1em, porém, tenho quandovejo o idolo debarro descer desconsideradodas eminencias onde o haviam collocado aignorancia de uns e a bajulação de outros.

Na comprebensão de sua impotencia, se­nhores, a ignorancia em vão concita a mocidade a seguir-lhe as pégadas. Ao acenomalicioso responde o silencio, quando nãoa revolta moral a mais legitima! E' que amocidade, descrida e horrorisada diante deIão tristes exemplos, volta-se cheia de espe­ranças para o lado donde emana alguma luz,luz que banha-lhe a fronte a1tiva nos diasoe descrença, nos momentos de desanimopassageiro! E' que eBa comprehende que otalento o talento, representado aqui peloeminente Ruy Barbosa, tem bem o magicopoder da bire·frangencia, isto é, sobre elIeincide um raio luminoso que, ao sahir, trans­muda-se em dous: um que reflecte aproprialuz e outru que perde-se no seio ardente egeueroso dos quc tambem pensam.

A propnganda negra da calumnia abarroudiante do portico soberbo do Pantheoll, ondegarbosa ostenta-se a mocidade, mas transpozcelcre o limiar do temnlo sagrado á buscade acolhimento. Achou-ô confortavel! A ca,asanta, preposta ao refrigerio do coração e ás

Page 102: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 41

doces consolações do espirilo atribulado,transformou-se em castello de encarniçadoscombates, substituida a cruz pela bandeiraencarnada de guerra, que tremúla lú em suasameias! Ahi, em lances de colera mal conti­da, sombreada apeQas pelas tintas da reli­gião profanada, o s<tcerdote disse, na in­~onsciencia talvez da degradante missão quedesempenhava: «a egreja lavra o seu protes­to contra o atheu, contra o inimigo dos chris­tãos, contr.a Ruy Barbosa.») Protesto sem ne­nl}um valor, porque ninguem leva mais aserio as velharia~ da edade-média.

A craveira da egreja não supporta mais atensão do espirito moderno e as mãos do sa­-cerdote são impotentes para susteI-a. P.rotes­to sem nenbum valor, sim, porque se euquizesse cansar-vos a bene, ola attenção comlongas e iuterminaveis citações, fornecidaspela historia de todos os tempos, havies dever que da porta da egreja sabiu arremessa­da pelas mãos do padre a trave pesada quemuiLas vezes obstou a carreira gloriosa docarro luminoso da civilisação.

Que dessemelhança enorme, profunda, Se­nhores, entre a tribuna e o pulpito! Aqui, asimplicidade a mais singela; lá a complica­ção de pinturas que a arte traça.

Aqui assoma-se estribado na rasão, con­fortado pela verdade, isento de temores; láchega-se com ares beatificos, receoso davingança divina, com a rasão cega pela co­lera. com a intenção' talvez piedosa de pré­gar o ndio á sciencia, o desprezo á liberdadee a animadversão ao talento.

Aqui existe a livre concurrencia ás luctasda palavra, ás trevas oppõe-se a luz, aoerro a verdade; lá os :;egredos da palavra e oseu manejo immobilisam-se em UIll só, asobjecções são vedêldas a titulo de r.espeíto eveneração ao logar sagrado!

Aqui o orador reclama a discussão parafazer surgir beIla e irrefragavel a verdade;

Page 103: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 42-

lá o padre implora o silencio para apregoarmentiras, sem receio de ser envolvido pelapoeira a~phyxianteda desconsideração! Aqui,para servir-nH: da phrase de um escriptor,Ilvive·se na philosophia, na sciencialli lú «naignorancia, na superstição!ll Tudo isto eu evós todos sabiamos; mas o que não Unhamosainda contemplado era o triste quadro daabdicação da nobreza do sacerl10te que des·piu-se de sua magestade para encarregar-sede proclamar infamias, parn tornar-se oarauto de mentiras que o torvelinho das pai­xões mundanas gera, em choque medonho eatroador!

Transpuz, Senhores, muitas vezes a soleirada egreja, onde ia buscar lenitivo para sof·frimeotos, movido apenas por curiosidaderespeitosa, e ahi, em seu recinto, meu espi­rito insensivelmente curvava·se ante a im­ponel;cia das puerilidades de um povo, pue­rilidades que elle sabia impôr ao meu re­speito pela immensidade da fé e pela abne­gação com que as abraçava! Ahi, em seu re·cinto, o recolhimento deste povo, o fervordas preces, a attitude contrita e prosternati·va dos que imploravam: o (,Deus das Altu­ras» o perdão de alguma culpa, abafavam­me nos labios a expressão terrivel da blas­phemia, que a descrença dicta!

Foi passageira minha admiração, foi im­perduravel a quasi apostasia de mellS prin­cipios, quando vi o sacerdote subir ao pulopito para descer ao tremedal immundo dadiffamação, para mergulhar o braço na lamada calulllnia e aliral-a depois sobre a repu­tação de um homem

Cuidei que o ruido do mundo, as torpezasda sociedade não tinham ingresso no logaronde existiam a clemencia e l11isericol'diainfinitas até para as almas mais culpadas.Cuidei qúe a palavra do sacerdote, ungida depiedade e consolaçõl;s, não amoldada <15asperezas que o odio e o rancor lhe commu-

Page 104: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 43-

nicam, era a intermediaria entre Deus e ohomem, a conselheira sabia dos descrente:>,o balsamo da tristeza e da afflicção! Eu esta vapor illudido; eu a vi, Senhores, transformar­se em mensageira da infamia e da calumnia,reforçando os echos daquella e dando livrecurso a esta! Eu ouvi, pelas naves do templosagrado da reli~ião, reboar o grito de guerra,mais terrivel alUda de que deveria ser o dasbarbaras legiões de Atlila, quando julgavaouvir os hymnos de louvor em honra doSenhor, as exhortações á paz, ao perdão, aoamor!

Referindo-se á liberdade e excellencia decultos, disse, em peça O!'atoria de grandezamonumental, um dos primeiros oradores daraça l:'tina, Castellar: «se tivesse de recuaraos dias primeiros de minha infancia, volta­ria a prostrar-me de joelhos diante do altarda Virgem, a impregnar-mEl do aroma do in­censo, da nota do orgão, da luz coada pelosvidros de côres e reflectida pelas azas dou­radas dos anjos, eternos companheiros deminh'alma em sua infancia!))

Eu não, Senhores; se tivesse de retrogradar«aos dias primeiros de minha infancia)), se­guiria caminho bem diverso do eximio ora­dor! Não «(voltaria a prostrar-me de joelhosdiante do altar da Virgem», porque o padretransformou-o em irrisão á te: em seus de­::,ráos a mulher-virgem não balbucia maisnos doces murmurios da confidencia os se·gredos de seu coração, os anhelos de suaalma. candida como o veo que lhe escondeas rubras cores do pêjo, porque achou·osprofanados pelas pegadas do sacerdote cruele vingativo! Não voltaria, de certo, porqueahi a illol1ocente creança bella e travessa, nãoaprende mais, por entre uns receios infantis,a pedir ao Pae do Céo o indullo a faltas pe­queninas como sua alma ;mas aprende odes·respeito immerecido aos vultos eminentes desua terra na.tal, o rancor e o odio! ão v.Ql-

Page 105: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 44-

taria, porque ahi o homem que busca con­solo, conforto para maguas e dores, encontrao veneno da calumnia, lançado em seu cora­ção já doente. pelas mãos impuras do ministrode Oeus!

Não «vollarill a impregnar-me do aroma00 incenso», porque ahi as nuvens de in­l:eFlSO que sobem em cerrada espiral, derra­lllanào-se pelo ambiente, são como os va­pores corrosivos de um gaz deleterio, queasphyxiam e matam! Não «voltaria a impre­gnar-me da nota do orgão», porque ahi asharmonias que delle se desprendem não en­volvem a alma nos extasis da contemplaçãomuda, silenciosa da grandeza e omnipotenciado «Soberano», mas celebram, solemnisamapenas as miserias do: sacerdote, no torpefalsear de sua missão!..·Não «vollaria a impregnar-me da luz coadapelos vidros de cores», porque essa luz tàobeBa e fulgurante que o magestoso sol demeu paiz envia pelas frestas .do templo paeaaquecel-o e illuminal-o, vem misturar-se aodepois com as emanações putridas. evoladasdo grande montào de rutnas q.le nelle seaccumulam! e «as azas douradas c.os anjos,eternos companheiros de minh'alma em suajnfancian, perderam o antigo brilho com que~ reflectiam, purificando-a ainda mais.

Se neste momento, Senhores, por um actosupremo de justiça, quizesseis demonstl'3rao primeiro t",lento deste paiz a vossa admi·ração, o vosso soberano desprezo pelas voci­ferações da ignorancia, e se me desseis a.honra da interpretação de Ião elevados in­tuitos, eu dir-Ihe-hia: a religião, qnerendog:rlardoar ao justo com a maior das dadivas,diz pela bocca do sacerdote: Filho, recebe asbençãos de Deus.

O p'0vo bahiano, querendo premiar aomais Illustre de seus filhos com a maior dasoffertas, diz pela minha bocca: Homem 1'1'­Febe as bençãos da humanidade. (Applausos.)

Page 106: Rui Barbosa - Visita à terra natal

JIOMENAGEM

DOS

E~WREGADOS DE FAZENDA10 DE FEVEREIRO DE 1893

Page 107: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 108: Rui Barbosa - Visita à terra natal

DISCURSO

DO ORA.DOR OFFICIA.L

Francisc.o M. Moreira Sampaio

Collegas-Descmpenho-me hoje para com­vasco da difficillima, porem honrosa tarefaque me il1lpuzestes por um impulso da gene­rosa .~onfiança que em mim depositaes, jul­gando-me na alLUl'a de poder interpretar ossentimentos de qne se acha possuida a nossaclasse em relação ao eminente cidadão e il­lustr~do estadista Huy Barbosa.

Da grandeza de vossa alma eu espero in­dulgencia, se porventura não oorresponderá vossa espectativaj porquanto, meus cpIle­gas, ante a augusta magestade deste genioincansavel, sinto que o men espirito vaciUa,não só pela fraqueza da minha intelligencia ,como ainda porque me acho bastantementecommovido pela escolha que de mim fizes­tes. quando outros dentre nó~ melhormentepoderiam fazer calar no espirito de HuyBarbosa a immorredoura gralidão que lhevotamos, pelos beneficias prodigalisados ásnossas familias com o humanitario decreton. 912 A, de 31 de outubro de 1890.

Penhoradissimo vos agradeço esta provado apreço em que me tendes e, reverente,curvo me ao vosso mandato, cumprindo omeu dever.

Senhores-A verdadeira nobreza não estáno esplendor das gerações, nem e merecidapelos titulos dos avós, mas pelo talento, pelavirtude e honestidade de costumes.

E' essa, senhores, uma verdade incontes­laveI entre nós, já nos tempos do regimenmonarchico, em que os titulos nobiliarioseram supplantados pelo talento, pela virtudecivica e pela honra, já no regimen que

Page 109: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 48-

actualmente atravessamos, em que a verda·deira nobreza se patenteia pela pratica dasmais santas virtudes, pelos exemplos de ab­negação e patriotismo e pela honestidade decostumes dos nossos concidadãos, em que.anossa divisa substancia-se nestas tres virtu­des civicas <diberdade, eguaijlade e frater­nidAde.»

E' ainda uma verdade, senhores, ante oexemplo brilhante que temos á nossa vista.

Quem é RllY Barbqsa?Esforçado lJatalhador em prol da mais no"

bre <Ias idéas: «O engrandecimento da patria.»AqueHe que! DO templo da sciencia, no tor­

neio 00 joroailsmo e no seio do parlamento,tem dado sobejas provas do seu talento su­perior e invejavel, de uma mentalidade for­te, altiva, indomaveL

Generoso e bom, aqueHe coração de ouro,esquece·se dos seus inimigos, para só lem­l)t'ar-se de que em plagas inhospitas se acha­vam seus concidadãos, entregues a torturascrneis no leito de dôr, e eil-o nos tribunaes,COIU a sua palavra fluente e elevada, a pu­gnar pelos seus direitos, pelas suas liberda­de", pelas suas vidas.

Nobre e magnanimo, tendo diante de si aimagem dos entes caros de sua vida gloriosa,eíl-o que salva da fome, da miseria e do lu­panar a familia dos seus concidadãos, po­bres fnnccionarios publicos

Qual o esplendor de Sllq ;..!C'ração?E' desceudente de uma r<lça <I ue só se cur­

vava ante a soberania populal', unico poderque reconhecia.

Homens decididos, intemcra los patriotasverdadeiros democratas, que lhe souberamlegar um nome que será sempre um padrãode glorias para esta terra que os viu nascer,e dos quaes a historia nos relembra factosnotaveis de verdadeiro e acendrado patrio­tismo.

Na direcção da instrucção publica e no par-

Page 110: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 49-

lamento vemos o Dr. João José Barbosa deOliveira, a persomficação do talento e dahonra, cujo patriotismo inexcediyel revelou­se na discussão da reforma da instrucçãopublica, onde sustentou uma lucta titanica,conseguindo ver realisado o seu plano.

Na magistratura vemos a synthese da jus­tiça, da austeridade de caracter, da pureza dosmais santos principios da honra e do dever,no vulto grandioso e homerico do immortalLuiz Antonio Barbosa de Almeida~

Talento superior, electrisava com sua pala­vra facil e correcta a todos os que o ouviam.

Patriota exaltado, eil-o com toda a suaforça varonil na sessão extraordiuaria da ca­mara municipal desta capital em 7 de no­vembro de 1837

Onde os titulos de seus avós?Foram conquistados na imprensa, na tri­

buna, nas tribunaes, no exercicio dos car­gos publicos, no parlamento, nas luctas emprol das grandes idéas democraticas, na pelejapelo levantamento da patria, que tanto sou­beram honrar pelo talento e pelas virtudescivicas.

Eis, senhores, em rapidas palavras, a no­breza que caracterisa o nosso dislincto e li­lustrado conterraneo Ruy Barbosa, fulgentegloria da Bahia, honra e lustre da grandeRepublica Brazileiral

S. Ex., zelando o nome ilIustI-e dos se.us an­tepassados, tem continuado a cercal-o de pre­sti<fio, de glorias e de bençãos.

Uma das mais brilhantes inspirações de suafecunda e inexcedivel mentalidade, LIma da.suas mais belIas e generosas acções foi o de­creto n. 9-12 A de 31 de outubro do 1890, queveio salvar da indigencia, quasi certa, as fa­milias dos funccionarios que dedicavam asua actividade ao serviço da patria, e POI­falta da parcimonia que a exiguidade de seusvencimentos não permiltia, viviam sempreassoberbados pela tenebrosa idéa de deixa-

Page 111: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 50-

rem em completa pobreza os entes queridos,que nas horas amargas de decepções e des­gostos, por que passam os homens honestos,que só vivem do exercicio de cargos publicas,lhes haviam snavIsado com seus carinhos ededicaçõe:> os atrozes e acabrunhadores sof­t"rimentos.

Nilo foi sómente as famílias dos emprega­dos de f2Zenda que esta bi humanitaria veiobeneficiar.

Por ella foram moldadas outras, estenden­do-a às famílias dos funccionarios de todosos outros ramos do publico serviço.

Os resultados desta medida bemfazeja jáse mostram bem patentes.

N'este estado sobem a mais de 5 I as pen­ões que estào sendo distribuidas.

Mães, viuYas, orphãos, irmãs, estão já sa­boreando os dulcissimos fructos desta leisalvadora.

Aqui tendes um exemplo do que acabo dedizer.

Esta il1l.:ocente creança, filha de um pobree velho ser,entuario, que exercia o cargo decontinuo, acha-se hoje amparada na sua tristee cruel orpbandade, livre dos horrores deuma miseria extrema e a sua honra resguar­dada.

Poderiamos tornar-nos indHl"erentes á vindadeste benemerilo cidadão?

Não, por certo.Eis o motivo desta festa.Eis porque ella é exclusivamente de família.Meu caro conterraneo:Em nome dos meus collegas, no meu e no

de nossas familias vos ofl"ereço esta diminutae singela lembrança, na vossa rapida passa­gem por este estado, como testemunho inol­vidavel da nossa immorredoura gratidão,pelos beneficias que nos prodigalisasles, pelomuito que nos fizestes e esperamos aindafareis em prol dos nossos direitos.

A paz e a tranquillidade do lar, em que se

Page 112: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 51-

aconchegam t::tJ1tos E'ntes queridos, aquecidosaos raios da luz que esla providencia enfeixa,multiplicarão as bençãos que hão de glori­ficar o vosso nome de cidadão benemerito 1

Acceitae·a e com ella os nossos protestosde admiração e respeito.

Viva o eminente e preclaro bahiano RuyBarbosa!

Page 113: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 114: Rui Barbosa - Visita à terra natal

DISOURSO

DE

Bernardino Madureira de Pinho

-Exmas. senhoras! Meus senhores! CidadeloDI'. RllY Barbosa. - Tambem vim á vossafesLa. O meu coração de creança tambem serejubila com esLa homenagem de gratidãop)'estada áquelle que soube mereceI-a na de­fQza da reivindicação dos vossos direitos,tendo por armas unicas a clava potente doseu talento, o magico esplendor de sua pa­lavra, sempre inspirada' no vivido ardor det.odas as abnegações do mais acrysolado pa­triõlismo.

Um sobrinho de Antonio de Senna Madu­reira, o intemeraLo republicano, morto emcombate contra os inimigos da liberdade eda democracia, não pôde ser indill'erente ása[ração de uma divida de honra como esta .. .t. por isso mesmo, senhores, que tenhoaqui :.lo alma extasiada ante a magnificenciade uma apotheose ao esforçado paladino datribuna brazileira, ao invencivel batalhador,que esLa terra se orgulha de ter como filhodilecLo; por isso que sinto em todo este amobiente de luz o morno Lrescalar dos perfumesde sentimentos Lão nobres, tão alevantados,vejo que faUa Lambem no monumentosopedestal que se levanta em honra e glori­ficação do luminoso espirita desse herae, oinvolucro do coração patrio, que proclama·ocomo o producLo eSLremecido das suas en­tranhes.

O coração do insigne baLalhador não é agamma dos sentimenLos de amor e de des­velo por esse torrão que, dir·se·hia, quiz umdia condensar-se, elevar-se acima do niveldas lisonjas, para, no cimo do universo, apre-

Page 115: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 54-

sentaI-o á humanidade como o symbolo glo­rioso das suas tradições.

Tão é, meus senhores; aquelIe coração émais ainda: é o proprio coração da palria!

Diga-o o Monte-Pio dos Empregados Pu­blicos; diga-o a cenlena de viuvas desampa­radas e que hoje, na communhão significa­tiva do mais entranhado reconhecimento.vêm render-lhe o preito da gratidão!

Digam-no as creancinha<; que viram noderradeiro osculo desapparecer, viagem dealém tumulo, aquelles 1J ue tantas vezes co­briram-nas de beijos e sorrisos, incansaveisluctadores pela sua educação e pelo seu fu­turo, mas que ha bem pouco cerravam oslabios, muitas vezes ardentes, para beijaI-os,deixando-os consolados peia misel-ia, de que40je llies arranca o benemerito apostolo detodas as liberdadés, o jlJ temerato evangelistadg democracia e do alevantamento brazileiroo legitimo fundador da fraternidade no seiodesta nação.

Pois bem, meus senhores, é á patria esbo­çada nas teclas daquelle coração que euvenho falIar.

E' de joelhos a seus pés que venho dizer:"Existe na Feira de Sant'Anna o Asglo deNossa Senhora de Lourdes, que abriga cin­coenta meninas orpbãs desv:llidas' e elIas, Ópatria, são brazileiras, sào vossas filhas ln

Vós todos, meus senhores, bem saheis oqne seja esle asylo, esse viad ueto da bene­merencia. humana, pelo qual transpõem porsobre os abysmos da miseria e da prostitui­cão infelizes creanças, acolhidas nas caligi­nosas noites da orphandade, sem pão, semlar, sem abrigo, com as f'acesL desbotadaspelas lagrimas da dôr e <lo soll"ri mento.

Deleulpae-me, pois, scnllOres, se importu­no vos pareço ..

No arrebol de um dia de primavera nãoferem a harmonia dos canticos da alvorada,que no solitario bosque entoa o rouxinol con-

Page 116: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 55-

tente, os sentidos queixumes das ayesinhasimplumes a quem a arma homicida do caça­dor rouboLl-lhes os cuidados da mãe.

ão, senhores, não forma o fll ndo sombriodesle quadro o manto da caridade por vossasmãos desdobrado ... Cada golta de uma lagri­ma de reconhecimento derramada por estascreanças, que vos pedem pão, se converlcraem limpidos crystaes para formar uma au­reola de luz, circumdando a fronte daquelleque hoje recebe o fraternal amplexo daminha alma, genuIlexa ante a magestade desteculto, a implorar UJIa conferencia publicaque nas fulgentes scintillaç'ões de sua pala, ranos brandos inIluxos da sua alma, trarãotambem um balsamo, uma doce contribuiçãode paz e de conforto á existencia daquellas aquem só lhes póde valer o altruismo dosnossos sentimentos. Sim, vós, idolo festejadode nossos affectos; vós que, de Ulll novomonte Sinai, nos trouxestes as taboas de au­reas leis, assignalando a nossa redempção,não vos negareis, estou certo, a deixar que anivea mão da caridade seja a ullima a in­screver o seu nome na pagina do livro estrel­lado de vossa existencia, pagina illustradapelo brilho phenomenal de vossa visita a estaBahia, mãe carinhosa, que já se n"olve nomanto da saudade por vos ver partir, filhoestremecido, audaz romeiro das nossas gloriaspatrias .. , Sim, não recusareis o pedido deuma conferencia em favor dessas cincoentaorpbãs, que na eloquente mudez deste quadrovos dão o penhor ele sua gratidão.

«Applausos prolongados».

Page 117: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 118: Rui Barbosa - Visita à terra natal

 Ruy Barbo a

INSPIRADA ~O THEATRO s. JOÃO, POR OCCASIÃODO FESTIVAL DA CLASSE DE FAZEKDA, EMHOMENAGEM A TÃO EMINEKTE BAHIAKO

Elu\la. 6 lIIinh, palrIa, rslrei!" em longo anll,lmTru mhn, o !Irando lIeror dos l,'mpos hodlmos!!l"trlle dme a Iro n fivido reflrlo,E. CIO IroCo', lhe di penso. 0< milllos leus m,is I,'rnos!

~OfO ~apolt'"o, seu glndio t apoiam.Que 'cnce, que domina lodo uma lIIullidãolA inft'ja, o sceplici 11I0, que as mnça escalam,Ante a sua e1Uljlwncia, drsconcerlotlos fãol

lesufio. '111 cujas laIas s6 cerebros inflammasI"ro luclas incruenlas fie allllelico !Olor,Bemdila m'lIora al1gusla, 1'11I que (Ii'sped,'s cbommas,Une s6 requeimam peilos e anllllom O I'alrio amor!

Sol lei pequeno inlo1ucro de unia alma de gigoote,AIUlo o inl'lOer,'la, sublime c colossal!A polrio, 'Iue renasce ao teu agir pomnlr,aúda-te, ao pmms no march, Iriumpbnl!

Sa[,,') (dlluno ingeote, graode b,hionn, a gloriaUne o nome l"u revcste, com qu' a calunlnia esmaga.Ilaodo-se as mãos co'o Cama (IOe o Irausportou p'r'a historia,lia de sagrar-le o heroe das bmilriros plago ,

801:10, lO de Cerereiro de 1893.

MARIA LUIZA DE SOUSA ALVES,

professora.

Page 119: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 120: Rui Barbosa - Visita à terra natal

DISOURSO

DO

DR. RUY BARBOZA

:\Ieus amigos.Quem poude, neste muudo, até hoje, defi­

nir a felicidade? Desde que a alteução dohomem se coucentrou da uatureza visivelpara a natUrl:'za interior, a sciencia, a poesia,n religião, debruçadas sobre o coração hu­mano, revolvem o impenetravel problema,esgotando em vão a sagacidade, a inspira­ção, a eloquencia. Todas as influencias quecompõem a alma contradictoria do homem,qf:Ie o ohscurecem, ou explicam, que o rege­neram, ou degradam, os senti meu tos que for­talecem, ou deprimem, os que cream, oudestroem, os que repellem, ou encantam, vãopassando sucessivamente pelo fuudo myste­rioso do vaso, onde a humanidade hehe,desde o principio de sua cr~ação, a ambro­sia e o fel. E a eterna interrogação coutinúaa preoccupar eternamente as cabeças, quemeditam, as imaginações, que scisrnam: oudeestá a felicidade? No amor, ou na indifferen·ça? Na obediencia, ou no poder? No orgulho,ou na humildade? Na investigação, ou na fé?Na celebridade, ou no esquecimeuto? Nanudez, ou na prosperidade? Na ambição, ouno sacrificio? Risivel pretenção fôra a'minha,se me propuzesse a entrar com uma fórmulanova na multidão innumeravel dos excava­dores deste enigma. Não passa de uma im­pressão pessoal a que vos traduzo, dizendo­vos em uma palavra a minha maneira de in­terpretar o grande segredo. A meu ver, a fe­lidade está na doçllra do bem, distribuidosein idéa de remuueração. (Bravos.) Ou, poroutra, sob uma fórmula mais precisa, a nossa

Page 121: Rui Barbosa - Visita à terra natal

60 -

felicidade consisle no senlimenlo da felici­dade alheia, generosamente creada por umacto nossQ,. (Applausos.)

Dest'arle se caraclerisa, emquanto a mim,este fesli vai magnifico. Senl is-vos felizes, epresumis descobrir em uma acção miuha a.origem do bem, que vos projecta uma résteade alegria entre as fragoas e as anciedadesda vida. A mim, porlanto, esta solemnidad:.:se me desenha como um descortinar-se daverdadeira bemaventurança: um canto do JJa­raiso espelhando-se ridentemente na realidadetriste. (Bravos.)

Um momento de conforto derramado numasó agonia, a sympallda com que se enxugauma só lagrima, bastam, ás vezes, para asalvação de um condemnado. No crepusculoI)lelancolico da morte, por entre as sOl1.1brasque baixam de todos os lados, silenciosas'edensas, a reminiscencia de uma simples in­tençào !.Jemfazeja póde irizar de esperança apupilla marejada do afllicto. (Bravos.) Quenão será, pois, se o bal!.amo que se espremede nma acção nossa, vae converter-se emnascente perenne de heneficios para umaclasse inteira, fadada pelas necessidades doserivço de seus semelhantes á pobreza, áspri vações, aos cuidados'? Assir,', ·onde querque me colha o fim de meus dias, um res­guicio da claridade desta' festa acariciarábrandamente as trevas da minha de-pedida,um laivo do dulçor destes momentos suavi­sará a amargura do m~u calix. Esta manifes­tação não é das que falIam a terra, mas dasque se dirigem ao cf\o. Quando se apagar asua l.IlLima luz, quaudo expirar o seu derra­deiro echo, longe, longe, na região onde aconsciencia estende os seus pensamentos aléás plagas da outra vida, a piedade acordarásussurrando as snas preces, o poenle accen-·derá os seus cirios de estrellas, para escu­taI-as, e a mão das consobções invisiveis,que pairam á ~Jbeceira dos descJl1solados,

Page 122: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 61-

deixará cahir sobre o meu travesseiro algumadestas flores. (Bravos.)

Mas, senhores, ha na vossa apreciação umengano, ha nesta homenagem um desvio. ln­dividualisaes em mim o merito da medida,cuja commemoração escrevestes preciosa­mente entre as f-olhas deste album, envolvi·da em delicados primores de arte. Se e samedida representasse um esforço poderoso,um rasgo de isenção, uma conquista da per·severança contra obstaculos capazes deporem á prova uma virtude, uma convicção,um compromisso, toda a vossa admiração

toda a vossa ternura poderiam ser poucaspara o autor do beneficio. A verdade, porém,é que essa resolução não me cuslou mais doque a energia trivial na producção da maisordinaria das idéas. Teria eu tido por ella acoragem de uma lucta, se essa concepção en­contrasse embaraços resistentes nas impossi­bilidades, que me cercavam, nos meios deacção, de que eu dispunha? Não sei. Mas ocerto é que os não encontrou. Entre ('S com­panheiros, que me rodeavam, a acquiescen­cia ao alvitre foi instantanea, como se todosvissem nessa iniciativa o reJlexo de uma in­spiração commum, a precedencia casual naemissão de uma vontade collectiva. O decre­to de 31 de outubro, bem o vêdes, pois, nãoé um brasão meu: é meramente uma face nocaracter geral do governo provisorio, da re­volução, que elle personifica. (Muito bem.)

A physionomia usual das revoluções é aviolencia. A indole natural das dictaduras éa oppressào. Mas a dictadura revolucionariade 15 de novembro não opprimiu, nem vio­lentou. (Applausos.) Seus actos, ao contrario,-sempre se procuraram nortear pelos intuit osde clemencia, conciliação e equidade. Seuserros foram os da tolerancia, os da Justiçaos da compaixão. (Applausos.) O monte-piodos funccionarios federaes não é a creaç,ioda benevolencia de um homem: é a expres-

Page 123: Rui Barbosa - Visita à terra natal

62 -

são instinctiva da humanidade de umaepocha. (Bravos.) Sobre essa epocha, sobreos estadistas que a regeram, não sei qualvenha a ser defiuitivamente o juizo dos ho­mens: tão obstinada tem sido a conspiraçãoabominavel das influencias odiosas e baixas,das suballernidades malignas e torpes, queraivam contra a politica desses tempos, con­tra as indi\'idualidades que a encarnam. Mas,se a providencia da verdade vela pela purezada histol ia, esta dirá que nunca uma dicta­dura tào desmedidamente senhora do poderdo mal esparziu sobre sua patria somma tãoextraordinaria de bem. (Applausos.) E, se os.tribnnaes da terra são apenas a imagem in­fleI de uma jusLiça ulterior, recta sempre nassuas sentenças, perante esta me assegura aconsciencia que a nossa obra não ha de re­sponder, como está respondendo, pelos cri·mes de seus destruidores. (Applausos.)

Contra estes a reacção ha de vir, a reac­ção pela republica ameaçada. E lodos os quedesta receberam allivio nos seus soJ-frimen­tos, estào no dever de retribuil-o á grandebemfeitora, cooperando com fervor para a

'-durabilidade do seu triumpho. (Applausos.)-Neste caso vos acbaes vós: o reconhecimento,que transborda nestas manifestações não mecabe; elle pertence de direito absoluto ás in­stituições, de que eu fui apenas orgão leal e

'serviclor solicito. (Applausos.) A politica impe­rial, a cada mudança de situação, exerciasobre vós brntalmente a lei da guerra, qneexpolia os vencidos, para premiar os ~'ence­

dores. (ilpoiados.) A politica republicana,pelo contrat'io, egualando-vos perante o seuzelo, ampliou além da propria morte a esta­

-bilidade dos vossos direitos. Pela previden--cia, pelo coração, pela familia, deveis, por-tanto, considerar-vos consagrado a esta rór­ma· de governo, e trabalhar sinceramente nasua or!Janisação. (Applausos.) Politicos sois,e deveIs' ser francamente, não no sentido dos

Page 124: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 63-

interesses da ambição, que convulsionam asfacções, mas no da fidelidade constitucional,que desacoroçoa as cabalas insidiosas. (Ap­plausos.)

Nem (deixae-me esta franqueza) nem euacceitaria de vós este mimo ine timavel, que-me desvaneee, e me captiva, senão como o'sello de um compromissó implicito pelo re­gimen, cuja munificencia levou a vossascasas este clarão de paz, este osculo de fra­ternidade. (Applallsos.) Se a vossa gratidãoencerrasse alguma reserva a este respeito,perdoae-me, ver-me-hia obrigado a declinardellaj porque essa gratidãp seria a negaçãode si mesma, e não me era licito subscreveruma confiscação, a meu favor, dos mais sa­grados LiLulos alheios, titulas da republica,que são titulas da palria. (Applausos.) Nãovos enganeis, com. effeito, meus amigos: apatria nunca mais poderá ter, no Brazil,outra expressão politica. A patria é 3 repu­blica. (.-tpplausos.) Suspeitae dos que andama estabelecer entre uma e outra disLincçõesespecicsasj premuni-vos contra os que, porse eximirem de confessar o federalismo re­publicano, que não ousam renegar de frente,andam a se benzer devotamente com o' nome'da nação. (Applausos.)

Pela mais inenalTavel das surprezas que osmeus olhos já contemplaram, delicadeza queparece debuxada pelo anjo bom dos sonhosda infancia, déstes hoje á enunciação dos"OSSOS sentimentos II ma fórma verdadeira­mente celeste, envolvendo-me nesla revoadade creancinhas.

E como lhes hei de eu responder'? Quepretendeis que lhes diga'? Que mal que me.­não previnisseis !.. Eu leria convidadü por'mim o orador digno desta scenu, o unico.interprete, de qne disponho capaz de dialo­gar com estes amiguinhos, de lrocar com ellesa graça e a innocencia, de cabril-os de oeijos,e pagar-lhes em beijos esta felicidade: Uma

Page 125: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 64--

avesinha doirada do paraizo, que salta entreos meus joelhos e os de minha mulher, o ul­limo mensageiro que me chegou do seio daeterna bondade, ha tres annos, nos primei­ros dias da republica, que anda, entre aminha ninhada, de collo em collo como oI1lhinho de meus filhos, que papeia entre osculibris do jardim e os passarinhos do bei­rado ele casa, nota alada de frauta cantandonum raio do sol, gamma viva dos matizesdo iris libraudo·se no anil do nosso conten-lamcnto como vós, como YÓS, meus pe-tlueninos ' (Sensação. App/allsos.)

A's vezes me parece que a pagina mais ma­viosa do Evangelho é a predilecção do Christopelos meninos, a mais divina e a mais 11U­nIana de todas: a qne nos deixa parecermo­nos de longe com o Nazareno, sorvermosdeliciosamente como um favo de mel loda apureza de sua dóutrina, toda a benignidadede sua palavra. Mas o Evangelho mesmo nãosoube reproduzi!- a linguagem de Jesus áscreallças... ou o proprio Jesus não lhessonbe fallar, senão aIfagando-as. (Sensação.)

Testemunhas angelicas da acção bemfazejaele uma inspiração republicana, que vindesqo coração de vossos paes em busca do meu,quizera aconchegar-vos loeios ao seio, mi­rar-vos lenlamenle como os pensamentos danoite se miram nos lagos lranquillos, aca­rinhar-vos baixinho com o doce nome defi lllOS , beber longa, longamcnte o vosso alIe­cto col1l0 o aroma dos jasmineiros brancos.(Bravos) Mas poderia cu rou bar-vos, formosacoroa de aojos enoaslrada pelas mãos eia ca­ridade para a fronte da Republica'? (Applall­sos.) Protegei-a contra o mal, gcnios bons dolar domestico. ensinando (,S que vivem, emorrem por vós, a viverem, a morrerem porella. (ApP/lIIISOS.)

Almasinha de patriota em flor, quc aCQ­baes de libra r-vos perante a nossa admiraçãoc'omo uma esperança de aguia ensaiando

Page 126: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 65-

as azas, v6s estaes mais perto desledo que eu. Podeis melhor do que eu tornar­vos intelligivel a elles. Ainda não atravessas­tes essa parte da vida, onde a illusão se trocapela saudade, onde a tristeza imprime o seucunho ao proprio amor, ao enthusiasmo, áambição. Chamastes-me o coração da patria.Enganaes-vos. Ha uma molecula delle no meucoração. Eu o sinto. Mas esse musculo sa­grado pertence sobretudo ás gerações robus­tas, que começam a se doirar da mocidadecomo os pomos da colheita da providencia, eás gerações nascentes, que abrolham como aprimavera na copa dos laranjaes. (Applausos.).t:<.:sse orgão possante não se esconde no peitode um homem: maior do que o amago dasserranias, grande, grande como as opulencia ,as forças, os mysterios da nossa natureza,elle palpita no seio do povo. (Applausos.)Desassombrado da escravidão e da realezaelle pulsa agora mais accelerado: é a febre;é a lucta entre os elementos antigos e os ele­mentos novos, que se encontram, e contra­dizem na circulação. Quando a onda saugui­nea correr pum, quando v6s, multidão dospequeninos de hoje, borbotardes pela arteriafortalecida, as anciedades, as oppressões, ossonhos maus terão passado, e a republicaexpaudir-se-ha naturalmente como o trabalhorespiratorio num organismo robusto. Masdesde já, sem erro passiveI no prognostico, oolhar do observador amestrado póde medira vitalidade de um regimen cujos primeirosactos prendem o reconhecimento dos paes,alvoroçam a ternura das famílias, inflammamas creanças na tradição dos heroes e na elo­quencia dos oradores. (Applausos prolon­gados.)

,

Page 127: Rui Barbosa - Visita à terra natal

,

Page 128: Rui Barbosa - Visita à terra natal

OONFERENOIA

Em favor de cincoenta orphãs

DO

ASILO nE NOS -'A SENHORA nE LO~RDE

DA

FEIHA DE SAI T'ANNA

22 DE FEVEREIRO DE ]893

Page 129: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 130: Rui Barbosa - Visita à terra natal

DISCUR O

DO

DR. RUY BARBOSA

Minhas senhoras,

1l1C'lIS senhores:

Diante da creança que me pcdia, em nomeda caridade, uma confercncia popular a be­neficio de um asylo de orphàs, nào mejulguei com o direito de pesar as minhasforças, e muito menos de examinar, á luz deminhas idéas particulares, a consagraçào re­ligiosa, sob que esse instituto pio se mantem.

Não importa que me sentisse abatido nasaude, e que, consultando as minhas econo­mias intellectuaes, bem pouco achasse, cumque corresponder à illusão dessa espectati­va, em que as vossas sympathias me têmacolhido. O que se queria, era menos aminha gcnerosidade do que a do publicobahiano. Por menos que a intelligencia mepudesse dar, em todo o caso isso ba5tarianão sendo a minha contribuição mais do queum pretexto, para determinar o contingenteda vossa magnanimidade. Tào pouco devia'ubordinar o mcu assentimento a exigenciasde uniformidadc entre a miuha crcnça e adaquelles qne mc eslcndiam a mão pelos pe­qneninos nccessitados. Posso não orar emLourdes; mas Lonrdcs não mc separa da hu­manidade. Quando uma creancinha me re­clina a cabeça ao seio, não ,"ou repulsal-apor causa dos amulclos, qtle os paes lhependuraram ao collo. Se uln infol'lunio mevohc olhares implorativo', não lhe desçopor elles ao fnndo rl'alma, para a torturarcom a curiosidade dc inquisidor.

Page 131: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 70-·

Quizera converter á verdade todos os trans­viados; mas a tarefa do apostolo é infini­tamente mais ardua que a do enfermeiro, ade rectificar opiniões incalculavelmente maisdelicada que a de alliviar padecimentos. E,depois, onde está a verdade? Quem já lhedescobriu a fórmula, que a levasse a todasas consciencias com a evidencia da luz -1 Se,de cada vez que uma miseria humana nosabrisse os braços supplicantes, hOl1\~essemos

de liquidar com .ella os problemas eternos,antes de lhe chegar ás feridas o balsamo dacommiseração, a esmola não seria mais queuma das fórmas da tortura. Para que el1anão humilhe, para que ella não ulcere, paraque eJla reconcilie os infelizes com o soLTri­mento, necessario é que caia ind'iflerente·mente sobre todas as amarguras como a hu·midade das noites orvalhadas, como o calordos dias radiantes.

Mais longe estava Christo da impureza doque os pllilosophos' estão perto da razão. E.todavia, Christo não se pejava de fallar, nasruas, com a Magdalena. Esta simples lição,oriunda de tão alto, vale mais, para o bemdo genero humano, do que as mais sober­bas philosophias, estabelecendo, entre as di­vergencias que alongam os homens uns dos'outros na fé, nas acções, no destino indivi­dual, uma unidade suprema: a da santifica­ção pela caridade. Divina purificadora, a cujotoque o leito da hetaira se converte em san·cLuario para a virgem, que lhe vae levar ascon&olações da piedade; ideal immarcessivelda belleza moral, desconhecido á Grecia, queatravessas, mais poderoso cio que Palias docapacete olympico, os horrores da guerramoderna, inclinando as orações do inimigovictorioso á cabeceira do inimigo agonisan­te, estendendo a bandeira da cruz por so­bre o asylo dos mutilados, abrindo oasisde civilisação entre a furia deshumana dasbatalhas, em vão a politica te de s lU e n te

Page 132: Rui Barbosa - Visita à terra natal

71 -

nos seus processos astutos, ou bal baros,complicados, ou eslolidos, mesquinhos, ouformidayeis: só lu veuces, só tu progrides,só tu sOlllmas sempre ao lerreuo conquista­do annexações novas, contra as quaes nãolia pensamentos de desforra. O orgulho, amaledicencia, a cobiça podem forjar inces­sanlemenle no melaI dos uossos inleressesas suas armaduras mais rijas, mais luzentes,mais artíslicas; os corações da mullidão hu­mana, adoradora da yictoria, podem embe­vecer-se nos espectaculos da ferocidade e doegoismo, como os deuses de Homero nosemblemas triumphantes do escudo de Achil­les, cinzelado pelo filho de Zeus' mas, á vos­sa apparição, caridade soberana, a um sor­riso da vossa humildade, os-mais duros, osmais scepticos, os mais glaciaes sentem queos homens não nasceram para a inimizade,que o mundo não pertence á violencia, quea boudade é a mais dominadora de todas asforças. A bocca de oiro dos Chrysostomos,a uncção dos grandes prégadores são incapa­zes de exprimir-te. O Evangelho mesmo, nasua singeleza sobreua tural, não te reflecti­ria, se o Evangelho não terminasse no ·Calva­rio: um marlyr divino morrendo, Sem umsoluço de queixa, pelos homeus que o cru·cificavam.

Não sei se haverá, neste auditorio, quemsorria de semelhaute linguagem nos meuslabios. A politica semeia, ha quasi duas deca­das, contra mim, a mais malevola reputaçãode impiedade, materialismo, atheismo. A po­litica'? ão. Porque nodoar um nome tãogt'ande'? A politica'? Não. A calumnia. a velhabarregã posta ao serviço de todas as causaspudendas, a comadre immemorial da im­probidade e da inveja, a sordida alcovela dastorpezas do hysterislllo dos partidos, a ladraconcubinaria do jornalismo trapeiro, a si­nistra envenenadora da honra dos estadistase dos povos. Ha quasi vinte annos que ella

Page 133: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 72-

me segue a pista, me profana o lar, me re­volve o coração, me conta, por assim dizer,as pulsações, para as converter noutros tan·tos delicias.

Niio lhe escapou o proprio leito mortuariode meu pae, cujos dedos ainda sinto entreos meus cabellos, nos carinhos com queme abençoava na hora derradeira, alfa­gando-os; cujas mãos se apertaram ás minhas,ao exbaJar do ullimo suspiro; cuja memoriarecebeu de mim o culto de doze annos detrabalho, consagrados á sua honra. Quando oGo\"erno Provisorio coroon a revolução como decreto, que veio promulgar a liberdade re­ligiosa, o borborinho das invenções ineptas,divulgadas por essa influencia perversa, em­p' estava-me, entre as classes menos cultas,mais numerosas, mais ingenuas, a intençãode descoroar as imagens nos altares, de re­duzir o culto á nudez, roubando-lhe as in­signias veneradds pelos fieis. Se o cobre e onikel desappareciam aqui da circulaçãocomo por encanto, á semelhança da chuvasorvida por um areal, occuHavam se as cau­sas naturaes do phenomeno, para infillrarenlre os credulos o estupido boato de que amoeda usual dos pobres desapparecia con­sumida nas obras dos meus palucios invi­siveis, nas incrustações dos meus moveis,nos pês das minhas cadeiras. Em vão a alti­vez dos meus desafios constraulJiu os detra­ctores ao silencio, em vão as fa'bulas arabesda minha riqueza se dissipavam succes~iva­

mente, á evidencia da realidade: a opulencia,cujas provas o faro dos lebrells do escanda­lo se exercitara debalde em colhe.r enlre nós,ia, desmoronando-se aqui. reconstruir-se noestrangeirn. E dest'arte adquiria eu haverescoloss~es nos bancos de Pariz, de Londres,de Hamburgo, de Frankfort, onde, meus ca­ros conterrnneos, eu não encontraria, se láfosse, uma moeda para um pedaço oe pão,onde a totalidade de minha fortuna é ma·

Page 134: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 73-

themalicamente egual á do mais indigcnte dosmenrligo o Minl1a mulher perdeu quasi o di­reito de trajar como trajara sempre, honran­do a sua origem e a sociedade onde vhoe,-oom esse leve perfume de gosto, proprieda­de e elegancia di~creta, que, em toda a par­le. é um sigoal de educação, um reflexod'alma e um elemento de polidez; oporque oreluzir do aço nos ornatos de sua cabeça ooconvertia em diademas de brilbantes. o as­pecto de seu toucado mesmo se transfigura­va em corôa scintillante de gemmas precioosas, e cada um de seus mais modestos ves­tidos represeutava a abastança de urna °vida,malbaratada nas galas de uma noite peloseaprichos de um nababoo

Nunca me desviaram, porém, de minhaenda os uiYOS da lllluladora sordida, por

mais que lhe pendesse a cauda, e a lingua selhe espaJmasse rubra dentre as fauces. Quan­do eUa me Jadrava a sua pobreza de melo·dramma, eu bem via que a gafeira da miseriaincura ,oel lhe trahia, aos oJhos de todos, osvicios secretos que geram e perpetuam a ne­cessidade Ella bem sentia que nunca nos en­contraramos na ociosidade, no jogo, no aleool,na orgia. O suor do homem que a madrugada€ncontra todo dia na officina, qne passa dacasa de seus paes para a casa de seus filhospelo caminho das arreições desinteressadas,que não desvia da mesa de seu Jar os fructosde seu trabalho em derivativos inconfessa­veis, é urna orvalhada continua do céo, queextrae da actividade honesta incalculaveisthesoiros, enllora o interior laborioso comas amenidades mais raras do conforto, doasseio, da graça, e accende-Ihe em lorno oesplendor tranquillo de contentamento, dasegurança, da distincçãoj ao passo que, nacasa do vicioso, a porta da prodigalidade,por onde sahcm os milhões, é sempre maislarga que a do acaso, por onde elles entram,oe as pri vaçõ'es, inculcadas fóra como caracte-

Page 135: Rui Barbosa - Visita à terra natal

-74 -

risLicos da honra, convivem com a furia dosappelites mais aguçados e o desespero dasdecepções mais merecidas.

Se as minhas palavras travam, não cuideisque o adio me repasse no seu amargor. Sem­pre me compadeci (e os factos o provam)dos degenerados, que não comprehendem apropria honra senão como o reverso da des­honra alheia. Por pena já lbes sobra a indi­gnidade da profissão, na galé. onde moire­jam. Mas a indulgencia com a fraqueza dospeccadores não póde estender-se á maldadedo peccado. A caridatle abrasa-se em raiosno semblante affectuoso do Christo diantedos bypocritas, põe-lhe trovões nos labios,onde habitava a benção e o perdão, arma·lhe com a violencia do latego as mãos, quenunca se levantaram, senão para orar a Deus,e bemfazer aos homens. Uns não me leram;outros leram-me apenas, para meulir commais arte; e do concurso da malignidadedestes com a inconsciencia daquelIes se fun­diu para mim o ferrete de renrobo, de exe­crador dos que creem, de antagonista irre·conciliavel de todas as crenças.

Nunca se creou para um homem publicoum nome mais desmentido pelos documentospublicas de sua vida. Meu caracter é incapazde dissimulação. Toda minha carreira temsido um sacrificio manifesto á sinceridade.Sempre que uma opinião me escalda o espi­rito, é meu costume deixal·a romper sob amais ardente de suas fórmas. Não faltareihoje a essa necessidade da minha indole.Filho de um seculo devorado pela curiosi­dade suprema do infinito, duvidei, neguei,hlasphemei, talvez, como elIe. Mas esses 1U0­melltos passaram sempre como rapidas tem­pestades na minha consciencia: quando ellasse afu'genlaYam, o horisonle do mysterioeterno me reapparecia como eu o virano coração de meus paes. Não me acolhientre as philos0phias que fazem da scien·

Page 136: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 75-

cia a grande negaçao. Percorri as philoso­phiasj mas ncnhma me saciou: não encon·trei o repouso em nenhuma. Puz a scienciaacima de todas as coisasj mas não affirmeijamais que a sciencia não possa abranger ascoisas divinas. Nunca eucarei a scienciacomo a syslematisação do antagonismo como espirito. Esse incognoscivel. que não cabenos laboratorios, não acreditei jamais que scdistanceie da sciencia por incompatibilidadesinvenciveis, unicamenle porque esta nãosabe os meios de verificaI-o. Vejo a scieucia(/ue afJll'mil Deus; vejo a sciencia que pres­cind.e de Deus', ejo a sciencia que proscrevea Deus; e, entre o espiritualismo, o agnos·ticismo, o materialismo, muitas vezes se melevanta da razão esta pergunta: onde está asciencia? A mesma nevoa que a principio seadensara sobre as inquietações do crente,acaba por envolver o orgulho do sabia. Amesma duvida que nos arrastara das tribu­lações da fé ao exclusivismo scienliflco. póderecondu7.iI··nos do radicalismo scieutiflco áplacidez da fé.

A nomeada fatal que me poz fóra de todasas religiões como delestador universal dellas,promana exactamente de um livro meu, ondeos que o percorrerem, encontrarão a apologiamais convencida, mais apaixonada, mais com·pleta do papel essencial das religiões, da so­berana importancia do sentimento religiososobre todos os sentimentos humanos. Ostrabalhos do concilio do Vaticano, a no­gllJalisllç~lO da infallibilidade ponlificia, a dis­criminaç'ào entre o calholicismo evange­lico e o ultramontanismo convertiam a~abia Allemanha em va~to campo de bata­lha, dividiam a grande patrill. da sciencianeste seculo em dois exercitos combatentes.Dessas luctas, porém, nem o echo mais apa­gado repercutiu n.o .christianismo brasileiro.­Essa pugna gigantesca pelos interesses espi­rituaes da fé a que a religião do estado, entre

Page 137: Rui Barbosa - Visita à terra natal

-78 -

apologia da liberdade no christianismo, «nóscremos na fatalidade das leis moraes, comocremos na fatalidade das leis physicas. Pormais que 0S scepticos riam, as primeiras sãotão necessarias, tão eternas, tão divinasquanlo as segundas. Por isso nossa alma nãoé quanlo li vicloria definitiva da liberdadeque cslren;ece agora de apprehensões; é pelapatria. A esta, sim, é que partidos e governosmenos COITU ptos podiam poupar a amargurade esgotar até ás fezes o calix das lucta~ re­ligiosas. Quanto á liberdade, seu dia pódetardar; mas "irá: Sllmma dies ei ineLuclabilelempus. lnfallivelmente, mais cedo ou maistarde, !la de ser victoriosa. Ha de sei-o, porsi e por essa religião em cujo nome a re­clamamos; religião, não de «Labulas !neptase senis»; não de praxes pharisaicas e sen­sualistas; não sepultada no mysterio de umalingua morta; não a desses pseudo-apostolos

. du paganismo iufallibilista, calumniadores doevangelho, prégadores hypocrilas e men­tirosos da oppres ão sacerdolal, com a boccacheia de Deus e a coosciencia cauleri adade interesses mundanos; não a das dialribesno pulpito, na imprensa, nas pasloraes, nasletras aposrolicas; não a do odio, da sei àoentre os homens, da desconfiança no lar do­mestico, da separação entre os mortos, doprivilegio, do amordaçamenlo das almas, d~

tortura, da ignorancia, da indigencia noespirita e no corpo, do capth eiro moral csocial; mas a do "homem novo», nascidâ soba cruz; do espirita, que vivifica, e não daletra. que mata; da communicação interioren.tre o coraçãd e Deus; da cal'idade e bran­dura para com todos os homens; religião deluz, que se alimenla de luz, e que na luz sedesenvolve; religião cujo pontífice é o Christo,religião de egualdade, fraternidade, justiça epaz; religião em cujas entranhas se formou acivilisação moderna, em cujos seios sugou oleite de suas liberdades e de suas inslituições,

Page 138: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 79-

c <1 cuja sombra amadurecerá e fruclificaráa sua virilidade; religião de tudo quanto ouItramontanismo nega, amaldiçôa e inferna.Por eIla o altar algum dia, e·não longe, uãoserá mais uma especulação; por eIla as con­sciencias não terão mais contas que dar desi senão ao Omnipotente; por eIla todas ascrenças serão eguaes perante !l lei, todas asconvicções egualmente respeitaveis peranteos homens. Em que peze ao Vaticano, aospartidos reactores, ús transacções polilicas eás realezas impopulares!» (3)

A secularisação do ensino, não a reclameiem proveito do atheismo. Meus intuitoseram precisamente oppostos. «Não quere­mos», eram as minhas palavras, «não quere­1U0S despojar o ensino primario de todos osgermens religiosos; antes resolutamente op­pugnariamos sempre essa triste inuovação.Por todas as confissões positivas, por todasas revelações real ou pretensamente divinas,perpassa uma corrente de idéas communs:todas, quanto á moral, prendem·se por umlaço ele homogeneidade superior a essas eter­nas crenças na existencia de um Deus, uumajustiça futura. na imlllortalidade indestructi­"el da alma .. E' des~e sopro de fé, que nãosepara, irmalíla os homens, é deIle que omestre ha de impregnar as suas lições; por­que essas crenças con<;tituem noções da or­dem natural, dessa ordem sobre cujas verda­des se estriba a existencia do estado, e queo estado tem, portanto a mis ão, a conve­lliencia, a necessidade imperiosa de infundir,mediante os seus interpretes profissionaes,no espirito do povo.» (4)

Nem Illesmo contra o.clero. me animavamprevenções inimigas. Eu trabalhava simples­mente pela liberdade, lucrasse com eIla quemviesse a lucrar. Aos que divisavam na separa-

(3) lb.) p. CCLXXXV.(4) lb., p. CCLXVI.

Page 139: Rui Barbosa - Visita à terra natal

-80 -

ção entre n egreja e o estado o perigo da pre­ponder<lllcin clerical, eu respondia com esteraciocinio, de uma imparcialidade absoluta:« O maxilllo interes e da verdade, e, porconseguinte, do bem comlUurn, é que, entreas nações cultas, a todas as opiniões naturale invencivelmente arraigadas no animo po­pular seja accessivel uma representação ge­nuina, independente e proporcional. Se oclero é o interprete profissional de crenças,cuja realidade aelu~l nos espiritos é incon­testavel, crear embaraços arlificiaes á suaacção, á sua influencia, á sua prosperidade,é injusto, inutil e, segundo as mais bemfundadas probabilidades, contraproducente.O regimen da conculTencia tem a vantagemimmensa, insupprivel de nào permiltir aopadre um papel imaginario, e medir equita­tivamentea cada culto a sua influencia elfecti vapelas virtudes individuaes e collectivas do seuapostolfldo. pela al'alogia mais ou menosperfeita enlre a essencia de sua propagandae as tendencias geraes da opinião.» (~)

Estes accentos são os da hostilidade, ou osda justiça?

A emancipação dos cultos era a idéa, queme dominava, que me seduzia, qu~ me ab­sorvia o espirito, numa quadra em que assummidades polilicas do paiz ~orriam comdesdem dessas divagações lia minha juvenili­dade irrequieta. Doze annos apenas maistarde havia de caber-me (quando suspeitariaeu gue o mel! destino me reservasse essafclicldade?) a missão, que considero santa,de formular, de autographar por meu punho,de decretar, com o Governo Provisorio, essaliberdade excelsa, em toda a sua plenitude.Mas eu sempre a sonhara como derivação dochristian·ismo, seu instrumento, sua escola,.seu triumpho. «Inscreva a democracia liberalaqui essa idéa», dizia eu, em 1877, « inscreva

(5) Ibid., p. CCXLVIl.

Page 140: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 81-

a democracia liberal aqui essa idéa no logarde honra, entre as reformas do seu program­ma. Vae já quasi por dois seculos e meioque, neste grande hemispherio, na America,uma voz, então obscura, hoje universal es­trondosa como a voz das grandes a~uas, uoxmultarum aquarum, como a voz Immensado ocea o, proclamou essa liberdade « amagna carla das liberdades mais essenciaes.llExtirpemos até á infima raiz e~se art. 5.°,que a illude. Levemos o ferro audaz e re­constructor até os alicerces da religião om­eial. A conseiencia nacional e a conscienciaindividual estiolam·se, encarceradas nessainstituição depravadora. AUuamos es~a «pri­são de estadol>. O interesse clerical deu-lhenome de alliançaj mas o seu nome real é pro­stituição.

«ClIOjllglUIII rocol, Iior prwlrlil 1I011liol' clllp'"I1."

Prostituição, sim, do chrislíanismo, Ílnmo­lado em sua formosura ideal ás convenienciasda ambição de uma casta. Prostituiçào dasoberania civil, abalicia a instrumento damais fatal das bypocrisias, a hypocrisia reli­giosa, do mais perigoso dos fanalísmos, ofallati mo beato. Restituamos á ....erdadechristã sua sublimidade e ao eSlado suaindependencia." (6)

Nunca a minha penoa se agitou a um mo­vimento de despreso, ou irreverencia, contraa divindade cbristã. O deus das minhas in­dignações era o deus da idolatria e daoppres ão, o deus da hypucrisia e do obscn­ranlísmo, o deus 'da reacção e da immobili­dade, o deus cias lUundaniciacles uHramon­tanas e das ambições temporaes. Esse numeele esterilidade e servidão encarnara na in­fluencia devota da eoroa brasileira, e faziado povo brasileiro, sob a acção desta, essemechanislUo humano de sentimentos auto-

(6) lb., p. CCLXXXI.

Page 141: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 82-

maticos, que eu descrevia naquelle tempo.Eis as minhas propdas expressões:

«A plebe é ignorante, ou crendeira; as ou­tras classes, iudillerentes, ou incredulas. En­trae numa casa de oração. Lá está o luxo, aadoração mechanica, a devoção sensual; pro­fundo recolhimento da alma diante do Deusvivo, não. Observae os assistentes: distin­guireis perfeitamente o curioso, o distrahidoo conversador, o peralta, o beato,' o obser­vador correcto das conveniencias sociaes;lDas o fiel, absorto, alheio ao mnndo exte­rior; mas, como nas cathedraes americanas,essas assembléas ferventes, anniquiladas naprece, por onde apenas perpassa o mm-murioda emoção ilJlima, como o balbuciar mys­terioso do abysmo invisivel no oceano con­templativamente immovel e silencioso,-issoé o que embalde buscareis. Edllca,Ção reli­giosa, instrucção christã, privada ou com­mnm, absolutamente não na conhecemos.Penetrae sob o mais respeitavel tecto: ha­veis de encontrar o Ql-atorio, o terço, acinza benla, o jej um com as pingues con­snadas; haveis de ver esperada, com alvo­I-OÇO, ou frieza, como horas festivas entre aquotidiana monotonia domestica, ou simplessatisfação de um habito material, a missa,a procissão, a prédica. Mas esse preoccu­par-se sériamente com os interesses supe­riores da alma, essa fé espiritualista, repas­sada de esperanças immateriaes, esse per­fume de um sentiraento ao mesmo tempo. evero e consolador, essencialmente embe­hido em todas as affeições, em todos os pen­samentos em todos os actos; Lodas essascondições divinas do verdadeiro christia­nismo são estranhas aos nossos costumes.VisiLae agora a escola: a que se reduz abio ensino chrisLão'l Ao cattecismo apenas,embntido machinalmente á momoria comoo alphabeto, ou os algarismos. Que geraçõessincera e utilmente christãs não hade gerar

Page 142: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 83-

um mundo apparelhado assim! De gráo emgráo, nos engolpha mos progressh amente nafunesta incuria desses dexeres supremos. Nasnecessidades espirituacs, nns destinos eter­nos da humanidade niuguem reflectidamentemedita. A não ser que o negror de algumagrande calamidade geral apavore os animos,ou que um desses golpes intimos, que pros­tram o homem até ao pó, e enluctam o lar,encha de fel incousolavellllente os' corações,a não ser sob a pressão deprimente da agonia,ou do terror, o culto não existe senão sobas suas appal'encias pagãs.

"Ha as solemnidades civis, em que o calho­licismo ostenta o seu faustoso monopolio.Os symbolos da igreja presidem ás funcçõespublicas da autoridade, á Ílwestidura dos car­~os, á distribuição da justiça, á inauguraçãoOas assembléas legislativas. Mas nem um só,talvcz, dentre aql~elles a cujo mandato se im­põem, como consagração omcial, as cerimonias ou fÓI'ITIulas religiosas, nel11 um só, lal­vez, associar-lhes· ha um pensamento grave:nem um só attribuira influencia real a essefacto sobre o desempenho futuro da sua mis­são. Esse clero, quc as honrarias do es­tado rodeiam de todos os emblemas de pree­miuencia e venerabilidade, não tem nem aevaugelica superioridade moral, nem essa re­putação a que alludia S. Paulo .. Desacredita­do, ignorante, vicioso, pelos proprios chefesdiocesanos é publicamente exauctorado, pos­posto ii colonia de padres forasteiros, queinvade a parochia e o ma"isterio. Na' pro­prias igrejas está materialmente estampadaa decadencia do culto. Salvo sómente ondealgum orago milagreiro, nu alguma confrariaopulenta apura a superstição ou o amor pro­prio em sumptuosas exteriorirladcs,-salvoahi, mal dissimula a casa do Senhor, sub ospreteociosos ouropeis da iodigencia, o des­leixo dos fieis.

"Dessa uni versal degenerescencia nada se ex-

Page 143: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 84-

due. Vêde as ordens religiosas, O' llJ')stciros.­congregações que do seu veneranuo passadonão mantêm senão os preconceitos, O' habito,a regra obsoleta e descomprida, - asylosmundanos da ignorancia, do egoismo e dapreguiça. Vêde os seminarios,-dispendiososl'efu~ios da mediocridade, sem sciencia neminspIração religi )sa. Vêde os institutos deensino directamente miados à igreja roma­ná,-charcos mames, onde a cachexia nltra­montana atrophia as almas á puericia. Eis, aeste aspecto, a nossa diagnose: um povo semfé, um clero sem vocação, individuos sem oinstincLo do direito, instituições sem autori­dade, nma nacionalidade, em summa, chris­t.i e politicamente immersa em atonia mor­tal. 'faes em todo o tempo e por toda a parteas consequencias do contubernio legal entrea egreja e o estado. Tal a primeira phasedessa decomposição, que, sob a influeucia ul­tramontana, avilta os povos até á servidão,da servidão á miseria, da miseria ao fana­ti mo, segundo a sinistra lei, tetricamenteenundada, ha dous seculos, em relação a umadas victimas do ascendente clerical, pelo cal"deal Kolanilz llaquella memoravel ameaça:Fucialll HLUlgariam capliuam, poslea mendi­ct:m, cleinde qalholicam.») (7)

Eis o que a religião devia ao imperio.Nem os rudimentos da liberdade religiosa

-o caS..lmcnto ci vil e o direito, para os dis­~iden~es, ao culto publico -lográmos arran­car ;Í c1ccrepidez daquelle re~imen. O partidoliberal não se despresava de acenar, ás ve­zes, á popularidade com a menção de cerassympathias vagas por essas reformas. Mas opartido liberal era uma bohemia de talentos,namorados sempre da liberd.lde entre "s pri­vações da opposição, esquecidos sempre da Ii­berdade'nos braços da realeza. Sansão resigna­do e satisfeito <.las suas perfidias, não culti vava

(7) lh. p. CCXXXI-CCXx.Xm.

Page 144: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 85-

a Coma fascinante, engrinaldada de promessas,senão para fazer jus aos agrados funestos daDalila coroada; e, quando ella o devolvia, es­florado das suas seducções, ao ostracismoperiodico, tinha a prudencia de nào abalaras columnas do templo. onde mais tarde po­diam tocar-lhe, outra vez, as migalbas do al­tar. A republica rompeu de um golpe comessas tradições desleaes, como rompeu comtudo o que, do anUgo edificio, podia cahirao primeiro encontro de uma revolução sin­cera e heroica. Quarenta e oilo dias após odesthronamento da dynastia era coberente­mente desthronisado o lUonopolio religioso.Onde acabava de tombar o solio imperialerguia-se o solio á consciencia livre.

Surgindo, !)em programmas, da erupção deuma cratera instantaoea, a republica realizouimmediatamente o que o regimen dos pro­grammas não faria nuuca. Toda essa longa emaravilhosa trama das conquistas moraE'S quese desdobram na liberdade religiosa, na dis­criminação absoluta entre os poderes que en·tendem com a cOllsciencia e os que lidamcom o mundo, foi obra de um acto dessa di­ctadura, cuja hisloria é a da construcção maiscyclopea, a que já se consagrou a confiançade um grupo de homens convenciJos no va­lor dos grandes principios liberaes. Se amai'solemne lição da philosophia historica nãomente, se o estado da consciencia moral deum povo, a tibieza ou a energia de suas for­ças espirituaes, é a explicação do 'eu gover­no, do seu desenvolvimento organico c dasua prosperidade, o serviço prestado ::'0 paizsimplesmente com a promu Igaçào do decre­to de 7 de janeiro, peto Governo Provisorio,é incommensuravel.

Os superficiaes, os distrahidôs, os frivolosão incapazes de sp.ntil-o· porque essa medi­

da não é uas que actuam pura logo, deslocan­do a influencia, interessando a algibeira, aba­lan.do com transformações repentinas a mas-

Page 145: Rui Barbosa - Visita à terra natal

86 -

sa das conveniencias sedenta rias, que com­põem a crosta exterior das sociedades. Suasmutações, porém, vagarosas, gradati\'as, sãoprofundas, irreprimiveis e del1nili"ns comoas revoluções interiores da terra. Uma nnçãoeducada pelas religiões de estado nos habitasoe desleixo a respeito dos seus interes~es im­materiaes, de abdicação das faculd<ldes di­I-ectrizes da vida superior nas mãos de umclero privilegiado, não póde conhecer o prin­cipio individualista, nem a solidariednde so­cial, nem a soberania representativa; e poli­tica, assim como religiosamente, yegetarásem pre como um rebanho, preparado pelotorpor chronico das suas tradiçõe!' para a<lcquiescencia servil a todas as surprezas. Aalliança entre o altar e o throno, creando­nos fóra da acção dos grandes deveres do es­pirita, fez de nós um povo de egoi tas, es­cravo da fatalidade, paciente da tyrnnnia. Arepublica podia ter utilizado lambem esse in­strumenlo prodigioso de dominação. i\Ia o go­ycruo revolucionaria quiz destacar·se de todo opassado imperial por uma antithese absoluta.A emancipação da consciencia era o elo im­mediato da carleia, que tivera o primeiroanel em 13 de maio, o segundo em 15· de no­vembro. Esse corollario estava contido, aci­ma de todos, uo mandato da revolução. Adictadura assumiu-lhe a rcspousabilidade,sem aguardar a constituinte.

A SOlllma de sinceridade e intrepidez, qneessa deliberação ousadissima representa, veioabrir admiravcl contraste entre a nova ordemde coisas e esse mundo antigo do imperio, ondea palayra publica se descoroara inteiramen­te de sua honra; onde os compromissos po­liticas eram apenas fórmas legitimas da cila­da' ondc o prometter só se usa,a como meionatural de habilitar-se a faltar.

Ha qualro on cinco dias, numa rC\'ista iu­gleza, das unis celebres, que o correio metrouxe até aqui, veio deparar-se- me cxtensa

Page 146: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 87

lucubração, rcdigida por um inimigo anony­mo oeste paiz ácerca da nossa politica e dasnossas finanças. O aulor, que recheiou deprecio~idadeso seu lrabalho, li ue,por exemplo,q uulifica de impreslaveis para a lavoura nãomenos de tres quartas parle' do nosso territo­rio,que allude com incredulidade ás nossas ri­quezas naluraes, que descobre nas honras fu­nebres, prestadas á memoria deDeodoro, sym­plomas expressivos de a nli path: a ao goyer­no republicano, que Yê' os nos os estadosmais importantes garrando todos na direcçãodo separatismo, que não conhece o Brasilsenão do Rio de Janciro para o Sul, e que alUim particularmenle rue deu a honra de in­trigar-me com o mundo paizanu, retratando­me como um doutor infiel á beca, que denagora (não o sabieis?) para núo se assignar,JHl imprensa, senão com as insionias do ge­neralato n o autor dessa novella divertidapasma, attonito, da sorte de d. Pedro das casasde Bragança, Bourbon e Hapsburgo. Elle,,<o \ristides dos soberanos», c,lhiu, em suapatria, diz o inglez, «com menos bulba doque um obscuro cavallo de lilbury uas ruasde Londres)).

Eu não imaginav3, senhores, que com umlraço se pudesse debuxar elo regimen impe­rial escorço tão suggeslivo, tão eloquente.,como o qne o spleen do terrivel h;-ct:l1J mol­durou nessas duas linhas. A miniatura é com­plel3 e iucomparavel. Um povo que paga' as­sim a um rei de sua lerra, de sua raça, desua religião, de sua escolha cincoenta annosde reinado, ou é uma victima da tyranniaeles e reinado. ou uma creatura da sua humo­ralidade. Nutú ou noutro caso esse reinadoera ind igno de prolongar-se. Ou esse povo éum escravo, que se liberta, removendo o op­presspr, sem feril-o, ou um degenerado,

(") TI:tE FORTNIGHTL\ REVIEW, jan. 1893, pg.80·91.

Page 147: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 88

que na enormidade d" sua ingratidão traea natureza das inllueucias educativas, quelhe formaram o caracter. ~uma e noutra h)'­pothe!>e, a impassibilidade tragica da naçãoante o desmoronamento silencioso da realezaé a revelação das propriedades desta pelosseus fructos.

A ingratidão, ~omo phenomeno nacional,não é concebivel senão entre os povos a quese roubou não só a noçt'io do dever, comoaté os instinctos 1Il0raesj e tamanha degene­ração onde quer que se verifique, será ne­cessariamente o resultado das instituiçõesque formaram 'l alma dessa raça, Se o im­perio, entre nós, livesse relações bemfazejascom o paiz, este abraçar-se-hia com o impe·radar, abrindo-Ibe no cOl'ação de suas pro­vincias refugio inviolavel contra p aLtelltadorevolucionaria.

A lenda imperinl tem dessas contradicçõesmonstruosas, Infelizmente essa lenda, emgrande parte, é ohra das cumplicidades Iibe­raes. A propaganda que se devia fazer aleru­mar pelo Brazil, pelas suas riquezas inenar­raveis, pelos seus solos, pelos sens climas,pelos seus productos, pelo seu povo, fazia-seexclusivamente pelo seu rei. De tudo CJ.uan­to se podia empregar, para atlrabi r a nos assympathias do estrangeiro, não se . apuravasenào o necessario para as absorver no im­perador. Miseravel appendice de sua dynastia,artefacto de suas mãos, escabello de seuspés, mal eramos dignos de existir no mappadas nações a não ser como um espe'ho emba­ciado e vil do seu genio e das suas virtudes,ArListas consummados na ind stria subtil dosperfumes da lisonja extrahiam caprichosa­mente a essencia da nossa intellectualidade,do nosso trabalho, das maravilhas da nOS"3natureza, c para os quatro pontos do mundoa exportavam, rotulada como a fragrancia daepiderme imperial nos seus contactos gene­rosos com a humanidade brasileira. Terra

Page 148: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 89-

dest~s duas pragas-a escravidão e a febregmarella-, aqui o velho continente não dis­cernia outra coisa, onde fixar a vista, senàoesta celestialidadc: d. Pedro de Alcantara.Paiz do ocio, da ignorancia e da selvageria,a Providencia não multiplicara as ma!!nifi­cencias da crerçào debaixo deste céo, senãocomo uma cspecie de concha esplendidamentenacarada para escrinio á perola dos reis edos homens, o justo, o omnisciente, o incan­savel: concreção de Marco Aurelio com Car­los Magno e Frederico o Grande. Quadro iu­comparavel, emoldurado pelo Amazon'as epelo Prata, pelo Atlantico e pelos Andes, aface destas regioes immel1sas estendia·seapenas com uma tela, destinada a recebera reducção dessa imagem, maior do que asua patria, do que o seu hemispherio e doque o seu seculo. Elle era o nosso musculoe o nosso nervo, o no~so coração e o nossocerebro. Sua presença entre nós, como ada cellula perfeita e omnipara da vida, per­dida entre a materia inferior, inerte e amor­pha era a nossa motilidade, a nossa sensi­bilidade' a nossa racionalidade. Esta nature­za que nos cerca, orgulho de nossos poetase de nossos patriotas, era inutil, insidiosa,pestifera: só uma entidade, neste vasto impe­rio, representava a grandeza, a salubridade,a excellencia: a pessoa do imperador.

Abraçando, em proveito de um homem,essa idolatria dltTamatoria de uma nacionali­dade inteira, a Europa sábia, a Enropa phi­losopha, a Europa historiadora, a Europalitterata, inundada na sua vaidade cortezãpelos obsequios, em que o monarcha magna­nimo exprimia, a nossa cu~ta, a sua admi­rilção transoceanica pela alta cultura, abaf::l­da e morta aqui nos vicios da influencia im­perial, na mesquinhez, na relaxação, na afi-­lhadagem, na inveja, edificou-uo~ em relaçãoás fraquezas da velha sociedade monarchi·sada, olferecendo ·nos o espectacnlo c!eplora-

Page 149: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 90-

vel da insigne facilidade, com que a scien­cia se esquece de si mesma, a pbilosophiadelira, a hi toria deserta a verdade, as lettrasse corrompem ao contacto da familiaridadedos principes, de seus ouropeis, de seus sor­risos, de suas finezas.

Confiemos que a Europa reformará seusjuizos, quando se dispuzer a estudar a situa­ção brasileira na geographia, nas iustitui­ções, nos costumes, nos interesses do Brazilreal, calumniado por esse Brasil de expor­tação. com que, sob o imperio, se medalh~­

va a rabula da divindade do imperador. buri­lada na infamação de sua palria. Aqui essarabula niio vingará, emquanto a memoria noslembrar as palavras do sr. Saraiva, o primazdos moderados, egualando o governo dePedro Il ao absolutismo de Napoleão III;em [uanto a memoria nos registrar as opi­niões intimas cIos conservadores, traduzidas,com a mais alta autoridade, pelo consell1eiroBelisario, desafogando, em 1889, com os seusamigos, as suas inclinações republicanas;emquanlo a memoria' nos recordar que ogrito da republica, prestes a irromper antea perspecliva evenlual da dissolução conce­dida ao ministerio .10<10 Alfredo, não emu­deceu nos labios frementes do partido libe­ral, em junho do anno revolucionaria, senãograças á manobra do paço, entrega ndo-Ihe opoder, Para os que não perderam a remi­ni,cencia desses factos inolvidaveis, a im­passibilidade da nação diante da quéda dadynaslia não representa a in~ralidão de seusvassallos: representa a generosidade do povo.O throno não 11le dera senão as apparenciasde um parla mentarisl110 desacreditado; eelas duas classr.s privilegiadas. que deviamsustellta\-o, uma, a propriedade territorial,vira desapparecer com a escra vidão a suaparle de vantagens no pacto de reciprocidade,a outra, o clero catbolicJ, ainda sentia dolo·

Page 150: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 91-

rosameute, nos vestigios da lucta religiosa, opeso terrivel do braço imperial.

Eis o que o catholicismo brasileiro deveao regirnen passado: um pelejar de coutro­versias insoluveis entre o episcopado e acoroa sobre os direitos do padroa·do e, aocabo, a sancção violenta das temporalidades,enfeixadas na mão de Cezar, responclenàocom as comminações brutaes da força aosanathem?s inermes dos principes da igreja.Fossem quaes fossem os deveres legaes destaperante a constituição nacional, a que ella sesubmettera, acceitando-Ihe os proventos, ocerto é que essa constituição estabeleciapara a fé, um systema oppressi \'0 e corru­ptor' de humilhações e revoltas, de abdica­ções e reacções alLernativas, uma transacçãopermanente de interesses mundanos, a pre­varicação ostensiva perante o Evangelho.Era o imperio de Constantino na America eno seculo dezenove: a igreja honrada com aspompas do consorcio official, mas anniqui­lada em sua independencia sob o jugo do re­galismo.

Em troco do privilegio de vestir os seustemplos á custa do orçamento, ella sacrificarao direito de fallar ás suas ovelhas sem o pl·azmedo rei. E, se a consciencia do seu sacerdociose insurgia contra as miserias dessa subor­dinação, as justiças do imperio convocavamos seus magistrados, o codigo penal do im­perio trovejava a severidade dos seus textos,e os prelados mais eminentes ela christandadebrasileira, depois de se sentarem no bancodo: réos, iam curtir, nas prisões do imperio,o crime da fidelidade aos compromissos deseu apostolado. Mais tarde o mesmo poderque lhes fulminara o castigo, houve por bemliberalizar-lhes o perdão. Mas a clemencia dosenhor attesta, não menos eloquentement~

do que a sua ira, a rebaixada condição doopprimido. Entre o carcere e a amnistia não11a logar para as necessidades da crença re-

Page 151: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 92-

ligiosa. Ahi está o que o imperio exprimiana esphera e~piritual: a servidão do altar.

A republica, pelo contrario, logo nos seusprimeiros passos, rasgou o contracto simo­niaco, entregando á igreja o fôro de liber­elade, confiando a religião ao fervor dos fieis,desagrilhoando os cultos da preeminencia ma­culosa do estaào. Em vão, pois, o sebastia­nismo se phantasia na capa de asperges,para dardejar sobre a era republicana osconjuros do ritual contra o demonio da in­credulidade. Essa farça receberá o seu pre­mio de ridiculo no tribunal da opiniãochristã, reconhecida á republica pela mara­vilhosa inspiração liberal que lhe quebrounas mãos a arma do padroado, dictando-lhea redempção da consciencia religiosa noBrazil.

Esta reforma tem sua fonte nas mesmasvertentes, de onde nasceu a nossa constitui­ção: no exemplo dos Estados-Unidos. O povoamericano, cujos antepassados transpuzeramo ALlantÍco, pam sacudir a tyrannia da igrejaafficial, é moral e polilic1mente um productoda liberdade religiosa. As paginas de suahistoria, a mais grandiosa deste seculo, foram,para nós, os autores da constituição repu­blicana, os autores do decreto de 7 elejaneiro, a escriptura santa das aspiraçÇies domundo moderno. Alli haurimos, com a scien­cia das fórmas do novo regimen, a intuiçãodo espirito, que o anima na patria de Liucoln:a liberdade fortalecida pelo espirito reli­gioso, o espirito religioso expandindo-se cla­rificado no seio da liberdade. O decreto ele7 de janeiro, a constituição de 24 de feve­reiro nào são conquistas do positivismo. Não!Um e outro descendem da liberdade cl1ristã.que dos Estados Unidos irradia esplendoro­samente sobre o universo. Uma projecçãodesse fóco, refractando sobre nós, fecundoua nossa educação politica, e alumiou o 15 denovembro. A agitação entretida pelas machi·

Page 152: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 93-

nações positivistas no seio do 60verno Provi­sorio e em torno delJe, suas impaciencias pue­ris pela divorciação dos dois poderes sob aformula de Comte uão serviram senão par'acrear obstaculos á promulgação do acto eman­cipador, confiado ao meu interesse, desdeos primeiros dias, pelo chefe do estado,para lhe crear os maiores embaraços,-jáfomentando precipitações, como a de que noMaranhão themos exemplo,-já despertandoserias prevenções contra a reforma assigna­la da assim, antes de nascer, com o sello deuma agremiação philosophica mal vista nopaiz. Commettendo-me aquelJe encargo, aalma religiosa de Deodoro inspirava a suaconfiança nos 'meus quinze annos de luctapela liberdade religiosa, e procurava, ao mes­mo tempo, assegurar aos actos de seu gover­no o cunho de liberdade-, que ec;sa pressãoexterior envidava esforços por destruir,

Os membros do governo provisorio erllm,na maior parte, mais ou menos conhecidospela sua devoção antiga e perseverante aoprincipio americano, mais velho meio seculodo que o comlismo. Este, porém, compre­hendera que estavamos no Brazil, confinsda civilisação occidental, vedado ainda hojeaos olhos 10 outro continente por essa cor­tínll de trevas, á cuja sombra se formou, paraa Europa, o mytho historico de Pedr'o II.Igreja nova, servida por algumas convIcçõestenazes, algumas paixões faDaticas, algnm3sdedicações puras, algumas intelligencias su­periores, alguns temperamentos radicaes, úeenvolla com certas vocações qne o jesuitismoteria u direito de reivindicar, o grupo dareligião da humanidade poz em movimentoos recursos de sua correspondcncia, os agen­tes de seu proselytismo as sentinellas espar­sas de sua fé na imprensa dos dois hemis­pherios; e dahi surdiu est'ontra chimera, daIllesma cathegoria de superstições politicas aque pertence a glorificação européa do se-

Page 153: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 94-

gundo reinado: a 'chimera da creação da re­publica brasileira pelo positivismo.

Para sobrepor esse trabalho de filigranaa um nucleo de realidade, elegeram um nome,cuja memoria terá sempre de minha parte oculto da veneração: o nome, digamos assim,espiritual, quasi nada terreno, de BenjaminConstant. Fizeram da revolução uma fllhadelle, fizeram delle um filho submisso do po­sitivismo, e, por essa engenhosa descenden­cia, por esse habil artificio de linhagistas,melteram a republica brasileira na familiade Augusto Comte. A verdade é, porém, que,nas reformas politicas, as que deram á revo­lução o seu caracler e os seus moldes per­manentes, a opinião de Benjamin Constantnunca teve preponderancia, nem iniciativa:foi apenas um elemento, ponderoso, sim,mas coordenado, parallelo,egual entre eguaes,no meio dos votos qne compunham o conse­lho da dictadura. As idéas que formam onosso tra, ejamento consLitucional, evol \"eram do espirito de todos nós espontanea­mente, simultaneamente, convergentemente,sem que o egregio patriota se antecipassenunca aos outros, ou exercesse nelles o inci­tamento do seu esforço. E porque continuara guardar confidencias, a que a historia játem direito? Benjamin Constant era um dis­cipulo refractaria ao jugo de sua escola, enen;l conhecia a politica de Comle. Maisde uma vez, na intimidade de expansõecom que me honrava, me fallou nas excom­Illunhões, que o separavam de seus correli­gionarios, 'declarando-se extremado da ortl1o­doxia, e manifestando-me seu insolfrimentocontra as exigencias da igreja politicante.Dessa dissociação nos deixou elle as provasmais palpa, eis, já na insistencia de seuapplauso invaria\"el, desde 31 de janeiro, aosactos do ministro da fazenda, já, durante aelaboração do projecto constitucional, naadhesão convencida, com que acompanhou

Page 154: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 95-

sempre o nosso trabalho de adaptação domodelo americano, sem fazer jamais a menortentativa de turval-0 com alguma das excen·tricidades que caracterisam a politica posi­·livista.

Bem se avalia o que o positivismo não lu-. cra com o credito, que vae insinuando além­mar, do papel predominante altribuido poreIle a si mesmo na trausição republicana. Fa­zer uma republica: que philosophia registranos seus fastos proeza tamanha'! Mas a causarepublicana é que desmerece enormementecom isso no seio de nossos compatriotas'porquanto entre o comtismo e os . sentimen­tos do paiz ha repugnancias incouciliaveis.A e cola de Comte floresce no Brazil ãpenascomo um grupo de systematicos, a nata, sequizerem, do nosso plülosophismo, mas umanata que o paladar publico não acceita, queos instinclos populares repellem', que se isolacomo uma colonia da otopia, que representaaos olhos da nação, uma milicia pugnaz, ex­c1usivista e intolerante. lão vejo indicios deque a nossa raça venlHl a trocar tão' cédo pelareli&ião da humanidanc, inventada em Comte,a religião da caridade encarnada em Christo .

. Igreja por igreja o 3rremedo catholico dophilosopho francez est:.\ longe de cmparelbarcom o catholicismo na sua grandcza, no senconhecimento do coração, no seu poder re­verencial, nas ;virtudes educativas de suadisciplina.

Politicamente, o cOllltismo é um organisadorexotico e funesto. Seus principios de consti­tuiçào temporal nada alJsolulamente innova­ram para a doutrina da liberdade. Seu idealem Illateria de governo tende para as rÓI-masde uma oppressão I'érrca, li ue a theocracianão excedeu. Seus livros santos lião conhe·cem a democn.cia libcral ncm as instituiçõesrepI'csentaliyas, ncm a federação americana.Sua orienlação pI-fllica é a dictadura perpe­tua na mãos dos seus adeptos. Sen seculo

Page 155: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 96

não é este, nem o que das sementes destenascer. Sua influencia sobre os estadistasbrasileiros seria um fermento dissolventepara o regimen, que a sua escola não en­tende, que o seu espirita não embebe, queos seus religionarios não podem interpretar.A republica federativa, que não lhe deveu aexistencia, só lhe tem devido complicações,e só lhe poderia dever a impopularidade, a

.desnaturação, a ruina. A republica, no Brazil,decorre da constituição de Hamilton, não docathecismo de. Comte. Anima vilis do empi­rismo comtista, ella renegaria a sua proce­dencia} extraviando-se de sua direcção na­tural, mdicada pelos exemplos da vida ame­ricana, essa vida que canta assim no psal­mo de Longfellow « Nós: não fomos crea­dos para o prazer, nem para o soflrimento:fomos creados para a acção, afim de quecada dia, que desponta, nos eucontre adeantedo outro. Não· descansemos no futuro, pormais que elle nos ria. O passado morto sepulteos mortos. Labutae, labutae no presente. quevive! Com o vosso coração no peito e Deussobre vossas cabeças!» (*)

De lá, desse norte lumiuoso. é que a liber­dade espiritual se fez instituição, e illuminaos povos modernos. Ao seu calor, o christia­nismo, em todas as manifestações que irrom­pem da consciencia individual, ou da con­sciencia collectiva, tem desenvolvido uma

n Not enjoyment, anq not SOITOWIs ·our destined end, ar way,

But to act, that each to-morrowFinds us farther than to day.

Frust no Future, howe 'er pleasant!Let the dead Past bury its dead!

Act,-act in the livin~ Present!Heart wilhin, and God o· er headi

(I.,ONGFELLOW: A psalm of Life.

Page 156: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 97-

efflorescencia, que a historia não conhecia.Deixando no outro continente, com os seusprivilegios, a sua paralysia, o catholicismofez-se alli, pelas necessidades da lucta, umareligião, por assim dizer, nova, aprendeu aamar as instituições liberaes, a ensinai-as, ndefendel-as. O padre deixou de ser o func­cionario po~roso do estado, perdeu o apoioexterior, a segurança official, o orçamento;mas ganhou o que vale mais do que tudo: aindepl'ndencia moral; e, graças a ella, o seurebanho, num paiz de origens protestantes,numera hoje dez milhões de almas. Já Gre­gorio XVI podia exclamar: « Não ha paiz nomundo, onde eu me sinta mais papa do quenos Estados-Unidos.» Entretanto, o ullra­montanismo foi perecer naquella atmosphera,onde todos os cultos experimentam as 7an­tagens da concurrencia, que ós depura, queos espiritualisa, que os aviventa. O clero ca­tholico renunciou seus habitos de seqnes­tração, embebendo-se na sociedade, suassaudades reactoras, consubstanciando· se coma democracia, suas pretensões politicas,engolphando-se no Evangelho, e começou afazer jusliça ao progresso, dedicando-se aesclarecei-o, a melhoral-o, a christianisal-o.Ouvi a linguagem de um primaz do catl1oli­cismo, mQnsenhor Ireland, celebrando, nacathedral de Ballimore, o centenario daegreja americana: « Está no presente, não nopassado, a tarefa de nós outros. O mundoencetou uma phase de todo em todo nova; opreterito' não tornará; a-reacção é o devaneiode homens, que não enxergam, nem ouvem,e, senlados á porta dos cemilerios, esquecemo mundo vivo, chorando sobre tumulos, quenunca mais se hão de abrir.»

Por e!>sa liberdade, sobre todas grande, quehoje se espraia, com a serenidade das cousaseternas, no esplendido cstuario daquella ci­vilisação, o genero humano verten rios desangue e de lagrimas, atravessaram a hisloria

Page 157: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 98-

borbotões de ferro e de chammas. 'essa li·berdade todas as revoluções duradonras tem­peraram o aço de suas armas, infiltraram osolo de suas conquistas. Hoje ella reune en­tre seus braços, como filhos da grandemãe commum de todas as forças creadoras,a consciencia, essas reli~iões vivazes, queentretem, contra o resfrlamento moral dahumanidade pelo egoismo, a temperatura dascreuças superiores,-essas religiões, outr'orafórmas marciaes do odio theologico, agorafórmas cooperativas do espirito religioso.

Estava reservada á America, o planalto dofuturo, apresentar ao mundo a visão realdeste desarmamento da fé perante a caridade,coroada pelos esplendores desse martyriomulti-secular, atravez do qual a mão doChristo se estende desde o Calvario para ocoração dos llomens. Dessa caridade, crean­cinhas que me rodeaes, sois aqui o transumptopequenino, mimoso e amoravel como umabraçada de fiores, que se aperta sobre o seio.Voltae·',-os agora, senhores, para ohOl'isonteseptentrional: é.lá que ella fulgura,á semelhan­ça do céo estl'ellado, no movimento das reli·giões livres, curno esses astros, como essas ne­bulosas, como esses systemas solares que des·crevem amplamente suas orbitas no etherinfinito. A harmonia das espheras, de Platão,era talvez a parabola desta realidade, para aqual a poesia não tem cordas bastante divinasem sua Jyra. Nós estavamos sob o firmamentúantigo, que cada seita povoa de seus idolos.A republica prolongou sobre nossas almaso meridiano de \Vashington, e as constella­ções da fé principiam a rutilar na abobadamysteriosa, que as superstições enegreciam.Bemdicta caridade, que sobrepairas, como Q

espirito do Genesis, ao chaos das extrava­gancias contemporaneas, tu, que triumphasteem 7 de janeiro, alonga tuas azas até oCruzeiro do Sul; envolve as nossas oppo­sições e os nossos ,governos, as nossas assem·

Page 158: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 99-

bleas e os nossos exercilos, as cadeiras denossos professores e o pulpilo de nossossacerdotes nessa emanaçào de tua sombra,a tolerancia, o ambiente da razão e da paz.Religião commum a tocias as religiões, noteu gremio correligionarios sào todos os quepraticam o hem e aspiram á verdade; sob oteu influxo as luctas não se empeçonham, osrevezes não ensanguentam, as victor ias nãose vingam, o poder não persegue. A sagaci­dade politica em vão se acastelará nas me­lhores instituições, nas mais experimentadas:se o teu halito não as bafejar, não derramara tua benevolencia nas resoluções e nosactos. nas in pirações e nas obras, toda le·galidade degenerará em sophisma, Ioda ordeuem injustiça, Ioda liberdade em e!1;oismo\toda soberania em violencia. Em summa,si a civilisação tivesse de resumir-se numapalavra, lançada como a passagem dos espi­ritos entre a terra e o ceo, caridade, lu seriasessa palavra, a ponle ideal onde os homeusse encontram com os anjos, nós com estascreancinhas.

Page 159: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 160: Rui Barbosa - Visita à terra natal

DISCURSO

DE

Bernardino Madureira de Pinho

«Minhas senhoras. Respeilauel auditoria. MelLeslremecido beneficiador de cincoenla orphàsdesualidas:-São sempre assim as conquistasdo talento!

São sempre assim as festas com que ellese assignala em todo o explendor de sua rea­leza, em toda a excepcional pujança d.e suagloria, quer venha illuminar novos horison­tes nos arraiaes da ignorúncia e do precon­cC'ito; quer fulmine os desvarios da prepo­tencia e da força, na lyrannia dos governos;e sagre os canticos de guerra para as gran­des revoluções, ou, venha, como ngora, reve­lar-se mei r1 0 e manso, a modular pelo anjoda caridade, suavissimas harmonias de urnaharpa eolica, nessas regiões placida,; e sere­nas que crêa o ideal da felicidade, tJ-ansfor­mando o coração em amphora inexbaurivelde perfumes, para acercar-se de 50 ol'phã­sinhas pobres que têm na propria desventu­ra o ,penhor dos nossos affectos ..

Sim, SI'S, " .são sempre assim as festa daintelligencia

E esta, que hoje, aqui se realisa é daquellasque não falam unicamente ao altruislUo donosso coração, lUas que interessam tambemc solução de um problema da no a vida so­MaI, á satisfação de '.Ima neces idade dos nos­sos destinos, sob o regimen das institui ôesdemocl'alicas:-a educação da mãe de ama­nhã na crcança de hoje; a rcalisação do

Page 161: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 102-

ideal de João Jacques de Rousseau, o regene­radO solilario de Montmorency que, ba maisde um seculo, nos proclamara a verdade quenão se póde, como ainda pensam muitos so­nhadores de chi meras, mudar a sociedadepelo simples facto de mudar as leis

i\Iuda-se a sociedade mudando o bomem,c não se póde mudar o homem a não serpela educação, por esse oxygenio do espirito,que desde os primeiros tempos da inl'ancianos i!'1cule nalma as puras leis da moral so­cial, as sãs noções do direito e do trabalbo,pela estrada larga da honra e do devcr.

Não é, pois, simplesmente a uma questãode meros proventos materiaes para UlU asylode orphãos que vem trazer o seu poderosoauxilio esta conferencia que acaba de reali­sal' o genio fecundo do eminente patriotaRL1Y Barbosa: é ainda á execução desse outrodesideratulll, não menos nobre, que ella pre­sta o seu concurso e eu já o disse: o da -edu­cação dessas pobres creanças, que bão de serum dia esposas e mães.

E eis porque, senhores, embora tambemcreança, sinto que agora minha alma crescee cresce tanto até poder estreitar, em um am­plexo de inexcedivel enthusiasmo e gratidão,o idolo querido de todos esses applausos, detodas essas ovações, que só o ·coração sabefazer em occasiões como esta. E eis porqueainda uma vez, meu estremecido bemfeitorde 50 orphãs desvalidas, me vedes esquecidotia minha pequenez ao vosso lado, contras­tando com a grandeza de vossos triumphos.

Ha dividas que nunca se saldam; e a quelenho contrabido, pela "ossa generosidade,Clll nome das orphãs do Asylo de Nossa Se­nhora de Lourdes da Feira de Sant'Anna,persistirá sempre como um documento sagra­tio, como uma prova eloquente da verdadeda vossa resposta, quando, ha dias, pergun­taveis: «Onde está a felicidade~!» Sim; essatlivida de gratidão persistirá da mesma fórma,

Page 162: Rui Barbosa - Visita à terra natal

103

pOloqUC lia dc ficar gravada em vosso espiritaa ímagenl dessa mesma felicidade quc defi·nistcs, e que agora vindes encontrar retrata­da na luz destes olhos, que vos contcmplamcom a meiguice de todos os apectosj no per­fumc da innocencia, dos risos destes labiasquc as vossas mãos vêm beijarj na singelaexprqssão destas fiares que umas mãos pe­queninas vos offerecem, e onde, travessas,inscrevcrflm em cada uma de suas petalas, onome dc vossos fHhos!

I

Page 163: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 164: Rui Barbosa - Visita à terra natal

· .DISCURSO

PROt\UNCIADO PELO ESTUDANTE DE AGRONOmA

João Silveira

Exmas. senhorasSellhores

Bahiallo emerilo

Tua gloria está completa. Debruçado sobreos tropbéos que alcançaste pódes repousartranquillamente os annos que hão de decor­rer ainda até que os anjos cm côro venhamcoroar lua fronte, tão gloriosa como bemfa­seja, e arrebatar-te para a vida de uma feli­cidade interminavl"l, premio dos justos, comotu és.

Chegou para mim o momento solemnissi­mo de uma reconciliação.

Abre-te, peito de bahiano, falla a linguagemrude que tu sabes, falia ii tua mesma pa·tria, falia com sinceridade ao maior de seusfilhos.

Creança, branda cêra amoldavel aos ca·prichos dos educadores, meu pequenino efraco pensamento viu, aos primeiros lampe­j os, uma propaganda sem exemplos a Ilte­riores e posteriores, de odio e maldiçãocontra Ruv Barbosa.

Podeis, senhores, avaliar quão prevenidovivi até que com algum cultivo intellectual,a despeito dos continuos ataques e violentís­simas discussões que em collegio se susci­tam, fui alcançando este ponlo lunginquoque era o porto sonharia de minha conscien­cia: o poder atluilat<lr a gemma preciosa queenastra a fronle gloriosa da patria.

Page 165: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 106

Cúnheci, finalmente, o caminho decorridopor tanto tempo, que foi de trevas, q~uando

a luz bellefica acariciou-me brandamente.Já fui nm espirito rebelde ás grandes con­

quistas das liherdades; defeito de educaçã"o.Já fiz numero com todos os que levanta­

vam a voz da maldição a ti, grande genio!A' tua visita á patria, occasião veuturosa

em ([ue contemplei a serenidade calma detua conscieucia purissima, começa a datar aepocha de reconciliação do meu pohl'e en­tendimento com tua alma generosa e grande.

Tua vinda ao torrão natal assignala umaconquista brilhante, que é tua glorificaçãoem vida, cessando todas as notas desbarmo­niosas de preconceitos que só os espiritosrealmente symbolos do mal podem aindasuscitar.

Cessou de vez, ou ao menos, diante da vozautorisada dos factos, devia cessar o odio im­placavel jurado ao homem que melhor ser­viu e amou com estremecimento á sua pa­tria querida.

O irreligioso e incapaz da qualquer sorte debeueficios aos seus semelhantes, victima in­nocente dos odios parlidarios, está vingado;porque sua linguagem, a linguagem da cren­ça, e ungida com as deslumbrantes manifes­tações de seus conterraneos, exprimindo eIlasa ,erdade da justiça e'" a imparcialidade dahistoria.

E' digno de lamentar-se a ausencia, é bemverdade que maliciosa, de todos que ousamlevantar a voz para iI'rogar em Ruy Barbosaa imagem da patria, as injurias que um fa­natismo demasiado ou um parlidarismo i n­consciente lança na face da propria patria.

Espiritos anli-patrioticos não podem com­prehender como o genio e o caracter imma­culado, o coração pa.triota e o espirito reli­gioso, mas de uma religião que é a verda­deira, prégada por Jesus Christo, religião deamor, e, portanto, de tolerancia, de carida-

Page 166: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 107-

de, e por isso de perdão, podem superar osobstaculos que lhes anlepõem e desfazer bri­lhantemente as calumnias, que envergonha­rão no futuro s6mente os que as levantaram.

Nascera um homem, e como não sei queespirita visionaria naquella creança ad vinhas­se o maior de todos os reformadores moder­nos, desde o berço começou-se a dar bata­lhas ao espirita superior qne apenas bruxo­leava ao longe, e a mais forte da:> armas, acalumnia, a lingua humana, foi posta emcampo para anniquilar no berço quem já noberço era uma dadiva preciosa a uma patriade heroes!

A religião do estudo, a religião da honra­dez e do caracter fizeram com que Ruy Bar­bosa, C<lornando-se superiora si mesmo,), ini­ciasse sua carreira de conquistas.

Generoso, quando ferem-lhe a face com ainjuria, elle, alem do perdão, dá ao adversa­ria exemplos de sublimes rasgos, que só osgenios podem crear e realisar.

O dia de boje coufirma o que acabo de di­zer; contra elle chovem as iras do despeito,e elle abre aquelle coração de generosidadese protege a orphandade.

Povo generoso, Ruy Barbosa é leu reflexopurissimo; Ruy Barbosa é crente como é aBahiaj elle ama com a Bahia, canta quandoa Bahia canta, s(lluça e lacrimeja quanco aBllhia chora. A alma generosa de Ruy Barbo­sa é a alma generosa e hospitaleira da Bahia.

Genio, para mim lu é o espirilo crenteque, levado unicamente pelo amor ao proxi­mo e pela influencia soberana de lua pala­vra magica e incelldida nas fraguas brilhan­les da caridade, nos reuniste aqui para soc­correr e amparar a mocidade em 001', a fa­milia futura, a sociedade digna da patria.

Tenho concluido.

Page 167: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 168: Rui Barbosa - Visita à terra natal

SAUDAÇÃO

AO

DR. RUY BARBOZA

ElII SUA VISITA ÁS OFFICINAS DO (<DIAHIO

DA BARIA» PELA HEDACÇAO

E COHPO TYPOGRAPRICO DA MESMA FOLHA

Sêde l.>emvindo!Em nosso peito rejubila o coração amigo

a que por tantos annos de fraternal convi­vencia communicastes o affecto purissimo devossa alma.

Sob o mesmo 'tecto em que nos uniu a fé,nas campanhas incruentas da palavra escri­pta, em prol do direito e da justiça, confun­damos o espirita na doce elfusào dessa ale­gria que vos~a visita nos desperta.

Acabaes de vir de ulUa batalha a que nemfalton a agrura dos caminhos, nem as ciladasdo inimigo, nem o ataque cerrado de todasas armas.

Sobredoira-vos a fronte serena e impertur­havei o fulgor dos vossos trinmphos immor­taes.

Entraes agora na vossa antiga tenda decombate, mostrando aos vossos velhos com­panheiros de luctas que o aço de vosso es­cudo inscreve os triumphos da democracia,pela qual jurastes \ encer ou morrer.

Nós, os que tivemos a supretTIa ventura deguardar as primeiras gemmas de vosso pro­digioso talento; de receber o calor fecundan­te de vosso genio; que participamos dos loi­ros das primeiras victorias de vossa palavrae de vo sa penna; nós, os que assistimos aovosso trabalho incessante de todos os dias,de todas as horas, sem descanso, sem hesita­ções, sem desfallecimentos, identificados pela

Page 169: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 110-

mesma leald:Hie e pelo mesmo desinteresse,sentimos-nos felizes hoje, apertando contra onosso o vosso peito, condecorado sómentepela vossa probidade sem mancha e pelasacções brilhantes de vossa abnegação, devosso patriotismo.

Sentimos-nos felizes, ven ia-vos aqui, nomesmo lagar, aonde, ao deixardes os bancosda academia, vos conduziu a tel1del1cia irre­sistivel de vosso espirita liberal, que haviade fazer de vós o mais lJecldido propugl1adordas liberdades publicas.

Aqui es~ão os vossos companheiros, os quevos auxiliaram DO trab~lho ignorado do jor­nal; aqui e"lào elles em vossa presença, mo­destos, sinceros e'leaes.

Filhos do dever, todos vos queremos, por­que vós personificaes o amor ao trabalho,q ue é a vida e a força dos povos livres..

ABi estào a vossa cadeira e a vossa bancade trabalho, envoltas ainda na aureola de luzdeixada pela vossa illustraçào e pelo vossopatriotismo.

Estão orphàs daquclle que as honrou ain­da nos verdes annos, e que hoje, encanecidopelas vigilias e pelo estudo, no seniço dapatria, evoca, ao filaI-as, uma das mais gratasepochas de sua vida de jornalista.

A evocação d'esse passado glorioso quenào é sómente vosso, que não é nosso sómen­te, mas da patria hahiana, é uma pagina deluz \'iYissima para a vossa existencia, que éexemplo das mais beBas virtudes cÍ\'kas.

Podemos affirmal-o.Jamais a vossa penna e a vossa palawa

:.erviram aos interesses dessa politica bastarda, que foi a ruina do imperio e é hoje omais seria obstaculo á consolidação da repu­blica.

Em vossa bocc~ e em vossa penna a pala­vra é a crystallisação do pensamento nacio­nal.

O programma que vos traçastes na vida pu-

Page 170: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 1.11- _

blica era paulado pelo ensinamento severoque desde o herço recebestes daquelle deqUf'm sois e:,crupuloso continuador:a instruc­ção e a virtude eram as pedras angulares doedifieio que vos propunheis levanl<lr; aliber­dade e a I'az formariaUl o tecto.

O vosso trabalho tenaz e paciente no jornal,no livro, na tribuna popular, na tribuna par­lamentar, teve sempre por unico idr<ll, porinspiração unica-a elevação da patrill.

Por isc;o vos batestes pela abolição da escra­vatura negra, como hoje vos bateis pela abo­lição da escra,'atura branca: atirastes contraa ignorallcia e o analphabetismo-a triste he­rança do imperio·-por que a acção fertilisa­dora do ensino organisado fizesse a emanci­pação da intelli"eneia e a incapacidade nãofosse um tilulo ã preferencia official; deFen­destes a federação das antigasprovincias con­tra a centralisação asphyxiante da côrte e con­tra o parasytismo imperial.

Por isso arcastes como um gigante, contraa especulação estran~eira, pela organisaçãoda industria nacionat e pela estabilidade docredito do paiz; por isso -fizestes-vos o 4llvodos odios acirrados da sachristia por que fos­se urna verdade entre nós a liberdade de con­sciencia; por isso destruistes a golpes da vos­sa penna a mentira da constituição de 24 elançastes os fundamentos do estatuto republi­cano de 91; por isso, encarnando todas as vir­tudes civicas, vos constituistes o grande, ointemerato deFensor do l1abeas·corpus, contraa tyrannia offieial.

Sois o libertador da patria brazileira; soiso seu grande legislador.

Raro enFeixa um homem em tão curta exis­teTilcia a somma prodigiosa de trabalho e deserviços a seupaiz, como vós; raro encontrar­se-â quem, como vós, tenha nem mais fervorno convencimento pelos principias democra­ticos, nem mais desprendimento em servil-os.

A paz, a concordia que nos primeiros dias

Page 171: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 112 _.

ria republica annunciastes aos vossos conci­dadãos, como os primeiros raio~ dessa alvo­rada qlie em· novembro oe 89 banhou a pa­iria de Tiradentes e Nunes. Machado, são oeixo da vossa politica.

ElIas fruclificarão: os adias gratuitos serãost'puitados no dia em que a consciencia falIarseveramente aos vossos inimigos, então jágastos pela insania da febre que os allucina.

A republica será forte e grande: não deses­limará os seus bemfeitoresj não esquecerá ja­mais os que, como vós, fazem-se pelo traba­lho, elevam-se pela virtude e ll1e dão o me·lhor de seu saber e de sua vida.

.-\. justiça ha de brilhar inteira; e o povobrazileiro, em cujo coração germinam os sen­timentos de verdadeiro amor da patria, repe­lirá o vosso nome entre as bençãos ·com quedeve ser saudado o rfenio de sua redempção,o obreiro infatigavel de sua felicidade e desua grandeza. .

Para continuação de vossa obra de bene­merencia e de sabedoria, na inflexibilidade devosso caracter, na limpidez de vossa alma, noferyor de vosso patriotismo, as gerações bra­zileiras hão de encontrar estimulas poderosospa ra sua vida de nação livre e independente.

O carinho amoravel com que vos recebeua terra bahiana, que ides agora deixar, como coração premido de saudade, as palmascom que elIa juncou a vossa passagem trium­phante, denunciam esse c~pirito de justiça daalma popular, q'.le não se dobra ás sugges­tões intert'sseiras, nem se desvia pela insidiasubterranea dos odios e das paixões.

Bem hajam os que, como vós, podem fa·zer-se a alma e a consciencia de seus conci­dadãos, ó incansavel batalhador do bem! óaguia da liber·dade americanal

Bahia, 2-1 de fevereiro de 1893.-AngustoA. Gnimarães.-Xavier Marques.-FranciscoTorquato Bahia da Silva Araujo.-AlfollSO J.de Oliveira Rocha.-Dr. Aloysio Mario Alva-

Page 172: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 113-

res dos Santos.-José Modesto de Sousa.­Olympio Macrino Pereira.-Luiz Antonio Pe­reira da Silva.-José Bernardo da Cunha.­Antonio José Esteves. - José Cassiano daCosta.-Antonio Tertuliano Esteves.-Alce­hiades Pelit Ferreira.-Sympbronio OlympioPereira.-Luiz Antonio Simões.-Camillo Al­ves da Silva.-Francisco i\lberto da SilvaChagas.-Joaquim dos 'Anjos Pereira Sobri­nho.-Alfredo Domingues dos Santos.- Ovi­dio José de Azeredo Coutinbo.-ClementeAntonio de Sousa.- Alfredo Raymundo Fer­reira.-Antonio José de Carvalbo.-Argemi­ro Cecilio da Silva Vianna.-Antonio Fortu­nato do Nascimento -Manuel Nicoh'to Este­ves. - Joseplüno Marianno Gercent. - JoséAnastacio de Senna.-José Marinho Pires.­Chistovào Tbiago das Neves.;-Antonio Men­des de Araujo. - Manuel Antonino FerreiraDias.-Manuel Marques Barbosa.- Vicente dePaula Alfredo.-José Felippe Alvaro de Ca­lasans.-Manuel Marlins da Cruz.-EmygdioTelles de Jesus.-Luiz do P. Sancbes.-Bene­dicto Pereira de Ca tro.-Aniceto Villasboasde Alcantara.-Alfredo Maximiano Ferreira.

Page 173: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 174: Rui Barbosa - Visita à terra natal

Hill BARBOZA

No r:!yde, paquele da Mala Real, que anle­hontem á noite zarpou do nosso porto paraa capital federal, regressou ao Rio de Janei­ro o preclaro baliiano cujo nome honra etitúla esta noticia.

Por cerca de 3 horas da tarde, depois dese haver despedido de Exmas. familias e dis­tinctos cavalheiros de suas relações, que li­nham ido visital-o e á sua virtuosa consorte.ao Portão da Piedade, onde se hospedara oDr. Ruy Barbosll no curto lapso de sua gloriosa visita á terra nalal, seguiu o illustrebrazileiro, p~la rua CarIJs Gomes, em dire­cção ao predio desta folha, em cujo salão dehonra, elegantemente ornado de festões deflores naturaes, $e realisou a saudação, quelhe foi feita, em meio ao mais sincero jubiloe á mais legitima demonstração de respeito,de admiração, de estima e de saudade, pelaredacção, administração, revisão, corpo ty·pographico, encadernadores e demais empre­gados do Di"rio da Bahia.

Acompanhado de.sua il!uslre familia e deExmas. senhoras, Huy Barbosa deixou a re­sidencia do Sr. Dr. Augusto Cesar ViannailIustrado cathedratico da Faculdade de Me·dicina e seu digno primo, rodeado_ de cresci·do numero de amigos e admiradorrs, que,em luzido concurso, foram assim l,restar ashonras que a todos lhes merece o grandebahiano e o excelso brazileiro, nos ultimasmomentos de sua saudo a estada nesta capi­t'3\.

Por enlre o grupo de raqllheiros que oacompanhavam, nolamos men,br0s cio dire­ctoria do partido republicano federalista, se­nadores e deputados federaes e e~taduaes,

representantes da alta magistratura estadualchefes de repartições, medicas, professores,negocianles, jornalistas, funccionarios publi­cos, muilos artistas, enlre os quaes grande

Page 175: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 116

numero de typographos e avultado numerode pop'Lllares.

A· passagem pelas ruas, Yivas se ergue­ram, cheios de enthusiasmo, victoriando aRuy Barbosa, o honrado brazileiro, cuja vidapublica tem sido, desde os seus inicios glo­riosos, e em que pese á grita vesanica dos de·tractores sem alma, sem escrupulos, semjustiça e sem patriotismo, a mais alevautadadedicação e o devotamento o mais sinceropelas grandes causas em que se enfeixam,como um fóco de luz sem sombras e seminterrupções, o progresso moral, o alevanta­mento e a felicidade da patria brazileira.

Chegando o prestilo ao .Diaria da Bahia,cujo frontal se acbava lindamente ornado,deixando tremularem, ao lado de bandeirasbrazileiras, estandartes de diversas naçõesRu)' Barbosa transpoz o limiar desta casa,acompauhado de sua Exma. família, das dis­tiqctas senhoras que lhe vinham ao lado, edos cavalheiros que os seguiam, sendo, desdea entrada, pbreneticamentc acclamado e sau­dado enthusiasticamente por entre vivas,palmas e flores. .

Formando alas, que desde a porta se pro­long:l\'am até á escada, a redacção, a revi­sào, a administração, corpo typographico edemais empregados desta folha, receberam onolavel e eminente brazileim com essa im­ponencia que a sinceridade imprime, pormais modestas que sejam, ás festas do cora­çào e ús manifestações do enthusiasmo.

Subindo os degráos q:Je levam ao salãodo Diaria da Bahia, sob cujo tecto, e envoltosempre na nali\"a modestia da sua superio­ridade incontrastavel, o grande brazileirohonrou as co\umnas desta folha, burilando­lhe nos editoriaes o bronze florentino das·uas convicções liberaes, e esses lavores adomiraveis da sua maestria de jornalista, emais do que isso-donde elle irradiou. em.ondas de luz immorredoira, por sobre o

Page 176: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 117-

oceano intelle~lual ela Bahia e ela nação-asua sinceridade .immaculada de patriota,­Ruy Barbosa sentiu cahirem-Ihe pela fronteveneranda e glodosa UlIla avalanche de pe­talas de /lares, que lhe eram aliradas pormuitas Exrnas. senllOras, gentis coparlicipan­tes da nossa modesta homenagem ao grandejornalista.

Encheu-se então litteralmente a sala elanossa redacção.

Em seguida fa'llou a Rny Barbosa, saudan­do-o em nome do Diario da Bahia, o nossopresado collega Torquato llahia, cujo dis­curso sincel'O e justo, interpretou fielmenteos enlimentos, que nos dominam hoje. comosempre nos dominaram, relativamente aogrande vulto nacional, que já se impõe comourna cuhninancia da patria á admiração, aoagradecimento e á justiça dos' contempora­neos.

Essa saudação está impressa em pergami­nho, e contém a assignalura dos manifes­tantes.

Elegantemente encarrlenada em dous li­vros, foi um entregue a Ruy Barbosa, sendoo outro destinado ao Archivo Publico.

Ouvindo a palavra de Torquato Bahia, quefugia-lhe d'alma como um preito individuale collectivo da admiração, da eslima, dorespeito e da consideração, que o Diario daBahia vola a Huy Barbosa, o grande brazi­leiro senliu-se presa de profunda e ,·isivelcOl11moção.

Lagrimas marejavam lhe os olho, inuu­dando-os do sentimento que lhe revoluteavaa alma limpida e sincera.

Fallou 'elle enlão, dominando as propriasemoções, e, como se nos vasasse n'alma todaa opulencia e toda a nobreza de seus dadi­vosos senlirl1entos, fez-nos referencias. quesão-nos honra. gloria, eslimulo e gralidão.

Em nome do partido republicano federa­li 'la nosso presado chefe e amigo Dr. Au-

Page 177: Rui Barbosa - Visita à terra natal

- 118 --

gusto Guimarães, fez entrega a Ruy Barbosade um riquissimo e bem trabalhado rama­lhete de flôres de pennas, do qual pendiamlluas fitas brancas com franja de oiro, ondelia-se a seguinte dedicaLoria-Os j'ederalislasda Bailia a Ruy Barbusa, estrugindo nessa oc­casião na sala uma prolongada saha depalmas.

Precedido da banda do regimento policial,seguiu o presliLo pela rua Barão Homem deMello, em direcção á ponLe da CompanhiaBahiana.

No trajecto á ponLe vivas enthusiasticlJsse fizeram ouvir.

Artistas e operarios, que encontraram oprestito ao subirem aquella rua ergueramsignificativos vivas a Huy Barbo~a-a gloriada Bahia e a gloria do Brazil.

E' que o operario e o arLista sabem <en­Lir, corno o povo, os santos enthusiasmos daadmiração por esses vullos immaculados, quecomo Ruy Barbosa, dão á paLria o melhorde sua alma. dedicando-lhe num affecto sa­cratissimo as opulencias do seu talento e asjoias do se-u saber.

Na ponte da Companhia Bahiana e poncoantes do embarque para o elyde uma sce­na se deu que enLhusiasmou os circllmstan­tes, com movendo a Ruy Barboza e desper­tando unanime salva de palmas.

Duas lindas creanças,interessantes filhinhasdo Sr. Dr. Gustavo dos Santos, orrerecerama Ruy Barbosa dous grandes ramalhetes deflores naturaes, de que pendiam, como sym­bolos de pureza e de innocencia, largas fi­tas brancas de seda.

O grande bahiano recebeu-lhes o delicadobrinde, por entre palmas, e beijou na face aslindas creancinhas, depondo-lhes no rosto oosculo de seu agradecimenLo e de sua com­moção.

Em um vapor da Companhia Bahiana e emoutro da TransporL{s Marilimos, embarca-

Page 178: Rui Barbosa - Visita à terra natal

· - 119-

ram, em direcção ao Clyde, todos lJuantosacompanharam ao illustre brazileiro.

Pouco antes, em uma lanchinha a vapor,delicadamente olTerecida pelo Sr. José AlvesFerreira, esLimavel e conceituado industrial,seguiu para o paquete inglez a virtuosa esposade Ruy Barbosa, acompánhada de EX.lDas.senhoras de sua i1lustre famíUa.

Em caminho para o Clyde e ao SOI11 damusica, expressivas saudações eram feitas aRuy Barbosa, em verdadeiras explosões domais sincero enthusiasUto.

Proximos do Clyde, voltearam os vaporesem torno do sleamer, por entre constanteagitar de lenços e por entre vivas, quandoo grande brazileiro já havia embarcado nopaquete que o leva á capital federal.

Foi a bordo grande numero de cavalheirosfazer a Ruy Barbosa as ultimas d-espedidas.

Assim se elfecluou a partida do excelsobrazileiro.

Page 179: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 180: Rui Barbosa - Visita à terra natal

· DESPEDIDA

H.egr~s ando hoje para o Rio de Jaoeiro,"'("enho, ainda orna vez, dirigir orna palavrade gratidão aos meus compatriota , aos meocorreligionarios, aos meos amigos pelo cari­nhoso acolhimento, pelas honras excepcio­naes, com qoe me receberam, agasalharam ecaptivar:.\ln. Por maior que seja o meu reco­nhecimento, elle, infelizmente, não poderácorresponder nunca a essas distincções ge­nerosas, indescriptiveis, as maiores, talvezque esta terra do coração e da intelligenciajá liheralisou a um filho seu.

Absorvido todo o men tempo nas finezas evisitas, que constantemente me acompanha­ram, não pude retdboil-as em pessoa, comome cumpria. Faço-o d'aqui, pelo uoico modoque me era possivel, esperando que essa be­nevolencia, tantas vezes demonstrada paracomlldgo, desta não me faltará.

A's corporações de Ioda ordem, ás inten,dencias, ás associações, que me brindaramcom as mais altas provas de apreço, rogo es­pecialmente a indulgencia de acceitarem asolemne e.xpressão de agr~decimento a quepara com todas fico penhorado.

Quanto á imprensa bahiana, cujo eum ge­rai de saudações continuas e eloquentes teriadado á minha passagem pela Bahia a signifi­cação de um trinmpho, se a primeira condi­ção de todo tdumpho não fosse o merecimen­to do nome. que eIle exalla,-apenas me po ­50 confessar seu devedor irresgatavel, e ro­gar que me inscreva, ao quadro da sua col­laboração, entre os seus erviriol"es mais ~ra­

tos.

l3:thia, 24 de feyereit'O, 1893.

Huy BAIHOSA.

Page 181: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 182: Rui Barbosa - Visita à terra natal
Page 183: Rui Barbosa - Visita à terra natal