Rumo à Cura

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C M Y K C M Y K AD-29 AD-29 Editora: Ana Paula Macedo // [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 29 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, domingo, 13 de setembro de 2009 P esquisadores do Laboratório de Me- tabolismo da Célula Tumoral, do Insti- tuto de Ciências Biomédicas da Uni- versidade de São Paulo (USP), deram um importante passo rumo à cura do glioma, um dos tipos mais comuns e mais agressivos de câncer cerebral. A novidade está na desco- berta de que o ácido gama-linolênico, subs- tância presente em alimentos como nozes e em óleos vegetais, faz com que o tamanho dos tumores diminua e a formação de microvasos sanguíneos seja menor. O glioma é um tipo de câncer que atinge a glia, um conjunto de células que envolve os neu- rônios e são responsáveis por sua sustentação e nutrição. A doença representa 5% de todos os casos de câncer no mundo. Estima-se que em até 95% dos casos os tratamentos atuais com quimioterapia, radioterapia e cirurgia não con- sigam conter o avanço da doença, levando a bai- xos índices de sobrevivência. O glioma foi res- ponsável pela morte do senador americano Ted Kennedy, no mês passado. A pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) durou sete anos, e resultou nas teses de doutorado do dentista Juliano Miyake e do far- macêutico Marcel Benadiba, orientados pela professora Alison Colquhoun. Eles injetaram células doentes em dois grupos de ratos, incen- tivando o desenvolvimento de gliomas. Após 14 dias, foram instaladas bombas osmóticas embaixo da pele dos animais. Em um dos gru- pos, essa bomba levava ácido gama-linolênico para as áreas afetadas pela doença. No outro, era bombeada uma solução líquida cerebral sintética, que não tem qualquer ação no orga- nismo das cobaias. Após 14 dias injetando a substância nos ani- mais, os pesquisadores verificaram que, com- parando os dois grupos, os animais que rece- beram o ácido tinham tumores 75% menores, e a quantidade de vasos sanguíneos que alimen- tavam as células cancerígenas era 44% menor. O ácido também diminuiu em 32% a concen- tração de uma enzima que destrói substâncias localizadas entre as células tumorais e facilita o seu crescimento. “Após análise dos tumores, verificamos que o ácido tem um efeito anti- ploriferativo no glioma dos animais, sem afetar as células próximas que estavam saudáveis”, explica Marcel Benadiba. Contra a remissão Os atuais tratamentos disponíveis para o glioma são pouco eficazes, pois o tipo de câncer tem alto poder de se espalhar por regiões saudá- veis do cérebro e da medula espinhal, o que faz com que a cirurgia para sua retirada seja muitas vezes inútil, pois os tumores acabam se desen- volvendo em outras áreas. A substância pode ser usada no futuro para diminuir o tamanho e a vi- talidade dos tumores, para facilitar a sua retira- da e evitar que eles reapareçam posteriormente. De acordo com Marcel Benadiba, o efeito ocorre pela incapacidade das células canceríge- nas de lidarem com o excesso de ácido gama-li- nolênico. “A substância desregulou a produção de diversas proteínas que estão diretamente en- volvidas no processo de reprodução celular. Com uma quantidade menor dessas proteínas, as células de câncer não conseguiam completar seu ciclo de crescimento.” Eles chegaram a esta conclusão após verificarem na amostra uma grande quantidade de células em estágios ini- ciais de desenvolvimento, que não conseguiram atingir a fase adulta. Outra vantagem constatada da substância foi a sua ação seletiva. Diferentemente da maioria dos tratamentos quimioterápicos atu- ais, em que a medicação destrói tanto células cancerígenas quanto saudáveis, gerando diver- sos efeitos colaterais, na ação do ácido gama-li- nolênico a alteração ocorreu apenas nas célu- las doentes. “Não encontramos toxicidade nas partes saudáveis do cérebro. Isso se dá por uma capacidade das células normais de metabolizar o ácido, impedindo que ele atrapalhe o ciclo celular”, explica Marcel. Os pesquisadores aguardam agora a autori- zação de órgãos de controle, para que a subs- tância seja testada em humanos. A nova fase dos estudos deve ser feita em centros de pes- quisa parceiros do Laboratório de Metabolismo da Célula Tumoral da USP. O pesquisador Julia- no Miyake espera que o tratamento tenha um efeito semelhante em humanos. “Apesar de pa- recidos, os organismos de humanos e ratos são diferentes, e somente os testes em pacientes vão comprovar se é possível desenvolver um medicamento a partir do ácido.” Embora a descoberta não resulte em uma solução imediata, os cientistas esperam que ela possa abrir caminho para novas pesquisas que ajudem na luta contra o câncer. “Talvez não se- ja a cura definitiva, mas pode ajudar a prolon- gar a vida e facilitar o tratamento dos pacien- tes”, completa Miyake. Rumo à cura Pesquisadores da USP descobrem como o ácido gama-linolênico, presente em alimentos como nozes e em óleos vegetais, faz os tumores cerebrais chamados gliomas diminuírem de tamanho 29 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, domingo, 13 de setembro de 2009

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C M Y K C M YK

AD-29AD-29

EEddiittoorraa:: Ana Paula Macedo // [email protected]

3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

29 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 13 de setembro de 2009

Pesquisadores do Laboratório de Me-tabolismo da Célula Tumoral, do Insti-tuto de Ciências Biomédicas da Uni-versidade de São Paulo (USP), deram

um importante passo rumo à cura do glioma,um dos tipos mais comuns e mais agressivosde câncer cerebral. A novidade está na desco-berta de que o ácido gama-linolênico, subs-tância presente em alimentos como nozes eem óleos vegetais, faz com que o tamanho dostumores diminua e a formação de microvasossanguíneos seja menor.

O glioma é um tipo de câncer que atinge aglia, um conjunto de células que envolve os neu-rônios e são responsáveis por sua sustentação enutrição. A doença representa 5% de todos oscasos de câncer no mundo. Estima-se que ematé 95% dos casos os tratamentos atuais comquimioterapia, radioterapia e cirurgia não con-sigam conter o avanço da doença, levando a bai-xos índices de sobrevivência. O glioma foi res-ponsável pela morte do senador americano TedKennedy, no mês passado.

A pesquisa da Universidade de São Paulo(USP) durou sete anos, e resultou nas teses dedoutorado do dentista Juliano Miyake e do far-macêutico Marcel Benadiba, orientados pelaprofessora Alison Colquhoun. Eles injetaramcélulas doentes em dois grupos de ratos, incen-tivando o desenvolvimento de gliomas. Após14 dias, foram instaladas bombas osmóticasembaixo da pele dos animais. Em um dos gru-pos, essa bomba levava ácido gama-linolênicopara as áreas afetadas pela doença. No outro,era bombeada uma solução líquida cerebralsintética, que não tem qualquer ação no orga-nismo das cobaias.

Após 14 dias injetando a substância nos ani-mais, os pesquisadores verificaram que, com-parando os dois grupos, os animais que rece-beram o ácido tinham tumores 75% menores, ea quantidade de vasos sanguíneos que alimen-tavam as células cancerígenas era 44% menor.O ácido também diminuiu em 32% a concen-tração de uma enzima que destrói substânciaslocalizadas entre as células tumorais e facilita oseu crescimento. “Após análise dos tumores,verificamos que o ácido tem um efeito anti-ploriferativo no glioma dos animais, sem afetaras células próximas que estavam saudáveis”,explica Marcel Benadiba.

Contra a remissãoOs atuais tratamentos disponíveis para o

glioma são pouco eficazes, pois o tipo de câncertem alto poder de se espalhar por regiões saudá-veis do cérebro e da medula espinhal, o que fazcom que a cirurgia para sua retirada seja muitasvezes inútil, pois os tumores acabam se desen-volvendo em outras áreas. A substância pode serusada no futuro para diminuir o tamanho e a vi-talidade dos tumores, para facilitar a sua retira-da e evitar que eles reapareçam posteriormente.

De acordo com Marcel Benadiba, o efeitoocorre pela incapacidade das células canceríge-nas de lidarem com o excesso de ácido gama-li-nolênico. “A substância desregulou a produçãode diversas proteínas que estão diretamente en-volvidas no processo de reprodução celular.Com uma quantidade menor dessas proteínas,as células de câncer não conseguiam completarseu ciclo de crescimento.” Eles chegaram a estaconclusão após verificarem na amostra umagrande quantidade de células em estágios ini-ciais de desenvolvimento, que não conseguiramatingir a fase adulta.

Outra vantagem constatada da substânciafoi a sua ação seletiva. Diferentemente damaioria dos tratamentos quimioterápicos atu-ais, em que a medicação destrói tanto célulascancerígenas quanto saudáveis, gerando diver-sos efeitos colaterais, na ação do ácido gama-li-nolênico a alteração ocorreu apenas nas célu-las doentes. “Não encontramos toxicidade naspartes saudáveis do cérebro. Isso se dá por umacapacidade das células normais de metabolizaro ácido, impedindo que ele atrapalhe o ciclocelular”, explica Marcel.

Os pesquisadores aguardam agora a autori-zação de órgãos de controle, para que a subs-tância seja testada em humanos. A nova fasedos estudos deve ser feita em centros de pes-quisa parceiros do Laboratório de Metabolismoda Célula Tumoral da USP. O pesquisador Julia-no Miyake espera que o tratamento tenha umefeito semelhante em humanos. “Apesar de pa-recidos, os organismos de humanos e ratos sãodiferentes, e somente os testes em pacientesvão comprovar se é possível desenvolver ummedicamento a partir do ácido.”

Embora a descoberta não resulte em umasolução imediata, os cientistas esperam que elapossa abrir caminho para novas pesquisas queajudem na luta contra o câncer. “Talvez não se-ja a cura definitiva, mas pode ajudar a prolon-gar a vida e facilitar o tratamento dos pacien-tes”, completa Miyake.

Rumo àcura

Pesquisadores da USPdescobrem como o

ácido gama-linolênico,presente em alimentoscomo nozes e em óleos

vegetais, faz ostumores cerebrais

chamados gliomasdiminuírem de

tamanho

29 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 13 de setembro de 2009