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1 “Rumo à Vitória”: O Partido Comunista Português e a luta armada Ana Sofia Ferreira * Resumo: a proposta deste artigo é refletir sobre a defesa da via do “levantamento nacional armado” para o derrube da ditadura portuguesa, defendida pelo Partido Comunista Português, desde o seu I Congresso Ilegal, em 1943, mas teorizada por Álvaro Cunhal apenas em 1964, na sua obra Rumo à Vitória, o mais importante contributo teórico e político à linha do PCP nos anos de clandestinidade. Procuramos refletir sobre os motivos que levaram o PCP a ser o único Partido Comunista da Europa Ocidental a defender e a enveredar pela luta armada, e analisar o longo processo de constituição da sua organização armada, a ARA. Abstract: The purpose of this article is to discuss the defense of the the "armed national uprising" via or the overthrow off the Portuguese dictatorship, supported by the Portuguese Communist Party since its 1st Illegal Congress in 1943, but theorized only in 1964 by Álvaro Cunhal in his work “Rumo à Vitória”, the most important theoretical and political contribution to the line of PCP in the clandestinity years. We seek to reflect on the reasons hat took PCP to be the only communist party in Western Europe to defend and to enter into the armed struggle, and analyze the long process of constitution of its armed organization, ARA. Palavras-chave: Partido Comunista Português, luta armada, violência política Key Words: Portuguese Communist Party, armed struggled, political violence * Doutora em História Contemporânea pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Investigadora do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

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“Rumo à Vitória”: O Partido Comunista Português e a luta armada

Ana Sofia Ferreira*

Resumo: a proposta deste artigo é refletir sobre a defesa da via do “levantamento

nacional armado” para o derrube da ditadura portuguesa, defendida pelo Partido

Comunista Português, desde o seu I Congresso Ilegal, em 1943, mas teorizada por

Álvaro Cunhal apenas em 1964, na sua obra Rumo à Vitória, o mais importante

contributo teórico e político à linha do PCP nos anos de clandestinidade. Procuramos

refletir sobre os motivos que levaram o PCP a ser o único Partido Comunista da

Europa Ocidental a defender e a enveredar pela luta armada, e analisar o longo

processo de constituição da sua organização armada, a ARA.

Abstract: The purpose of this article is to discuss the defense of the the "armed

national uprising" via or the overthrow off the Portuguese dictatorship, supported by

the Portuguese Communist Party since its 1st Illegal Congress in 1943, but theorized

only in 1964 by Álvaro Cunhal in his work “Rumo à Vitória”, the most important

theoretical and political contribution to the line of PCP in the clandestinity years. We

seek to reflect on the reasons hat took PCP to be the only communist party in Western

Europe to defend and to enter into the armed struggle, and analyze the long process of

constitution of its armed organization, ARA.

Palavras-chave: Partido Comunista Português, luta armada, violência política

Key Words: Portuguese Communist Party, armed struggled, political violence

* Doutora em História Contemporânea pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da

Universidade Nova de Lisboa. Investigadora do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de

Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

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Introdução

Na década de 70, os grupos de esquerda radical reativaram dois conceitos

revolucionários formulados no século XIX: o da classe operária como sujeito central

da luta política e o de legitimação da violência política, reclamando-se como os fiéis

depositários da tradição marxista-leninista, que teria sido pervertida com o conceito

de “coexistência pacífica” adotado pelos partidos comunistas da Europa Ocidental

após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em 1956.

Em alguns países, como a Itália ou a França, a esquerda radical considerava que seria

necessária uma rutura violenta com o sistema, defendendo o slogan de Che Guevara

“o dever de um revolucionário é fazer a revolução”. Assim, aceitar ou não o recurso à

violência política seria uma espécie de “teste de sinceridade revolucionária” e um

meio de situar a organização no fragmentado microcosmos revolucionário onde se

multiplicavam, nesta época, pequenos grupos que se reivindicavam da esquerda

radical.

No entanto, à esquerda, nem todos os grupos defendiam o recurso à luta

armada. Para os Partidos Comunistas da Europa Ocidental, entre os quais se incluía o

Partido Comunista Português (PCP), o processo de mudança da sociedade dispensava

tais métodos, sustentando a “via pacífica”, num quadro de subordinação ao Partido

Comunista da União Soviética, numa altura em que as tensões entre este e o Partido

Comunista da China se acentuaram, constituindo a questão do carácter violento ou

não da Revolução um dos termos desse debate, que se tornou bastante crispado. Até

que ponto, discutia-se, a quem beneficiaria a violência, se às classes dominantes, pela

repressão que suscitava, se à classe operária e aos trabalhadores porque acelerava a

Revolução.

No quadro desse debate, alguns autores como Louis Boudin afirmavam que,

“nem toda a violência é revolucionária e a revolução é mais a recusa da violência que

a utilização da violência” (BODIN, 1973, p. 38); outros como Luigi Bonanate,

defendem que, quando imposta pelo inimigo, a violência revolucionária será por

consequência uma contra-violência, o exercício da força legítima dos oprimidos

(BONANATE, 1978, p. 24) e Toni Negri, na mesma linha de pensamento, sustenta

que a violência revolucionária não é somente justa, mas desejada pelas massas

(NEGRI, 1977).

Por seu lado, Ted Gurr designa violência política como um ato que tem por

objeto um regime político ou um dos seus representantes (GURR, 1970, p. 3-4). Esta

definição completa a definição clássica de violência política dos autores anglo-

sáxonicos que definem a violência como “um comportamento tendente a causar danos

em pessoas ou bens.” (GURR e GRAHAM, 1969, p. 17). Por sua vez, Ted Honderich

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define violência política como o “uso considerável e destrutivo da força contra

pessoas ou coisas; um uso de força interdito pela lei, visando uma mudança de

política, de sistema, de jurisdição territorial ou de governo ou elenco governamental, e

por consequência procurando igualmente uma mudança na vida dos indivíduos e da

sociedade” (HONDERICH, 1982, p. 1).

Mas estas definições tendem a focalizar-se em formas de violência como os

atentados ou as sabotagens, deixando de fora outras ações violentas como, por

exemplo: os assaltos a bancos, muito comuns no caso das organizações de luta armada

portuguesas, entre 1967 e 1974; ou as acções que as organizações armadas italianas

praticaram na segunda metade dos anos 70, que tendem a ser consideradas como

crime de delito comum, mas que se inserem dentro duma nova forma de prática

política, que se qualificou de “expropriação proletária”, que permitiria financiar as

“organizações revolucionárias”. Neste caso, devemos considerar um outro critério na

definição de violência política e podemos recorrer à definição de H.L. Nieburg:

“Violência política são atos que causam tal desorganização, destruição, lesões, que o

seu objetivo, a escolha dos seus alvos ou das suas vitimas, as suas circunstâncias e os

seus efeitos, adquirem um significado político, tendem a modificar o comportamento

do outro numa situação que tem consequências para o sistema social” (NIEBURG,

1974, p. 19).

As organizações de esquerda radical, que foram surgindo ao longo dos anos 60

e 70, defendiam a adoção da violência revolucionária como forma de contestação à

autoridade. No entanto, como refere Rui Bebiano, o carácter grupuscular e sectário da

maioria destas organizações, levou “à adoção de soluções de tipo messiânico e à

valorização extrema do papel redentor e pretendidamente exemplar desempenhado

pelas vanguardas armadas” (BEBIANO, 2005, p. 73). Esta atitude determinava,

evidentemente, processos de atuação de natureza “espontânea” e “imediatista”, mas

conduzia também a uma nova atitude perante o significado e a aplicação da violência,

que, em Portugal, teve como repercussão a defesa da luta armada pelos grupos

marxistas-leninistas, a aceitação do recurso à violência política pelo Partido

Comunista Português e o aparecimento das organizações que levaram a cabo ações

armadas contra a ditadura.

A via do “levantamento nacional” para derrubar a ditadura

A fundação do Partido Comunista Português a 6 de março de 1921, ocorrendo

sob o impacto e a influência da revolução soviética, congrega fundamentalmente

setores oriundos do sindicalismo revolucionário e do anarcosindicalismo, numa altura

em que os socialistas já haviam perdido a hegemonia no movimento operário. Durante

os primeiros anos da sua existência, antes da implantação da Ditadura Militar, não se

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bolchevizou e esteve longe de ser um partido política e ideologicamente homógeneo,

refletindo fortes tensões entre os que mais se aproximavam do republicanismo e os

que mantinham viva a tradição obreirista da ação direta, que nem a intervenção direta

da Internacional Comunista (IC) conseguiria resolver.

Com a instauração do Estado Novo, sofrendo uma repressão violentíssima, o

PCP mergulhou numa crise organizativa e política que a reorganização de 1929

procuraria superar, adaptando ao partido um modelo leninista de funcionamento em

condições de clandestinidade. Porém, já nos anos 30, as dificuldades de adaptação à

clandestinidade e a constituição de uma Frente Popular, segundo as diretrizes da

Internacional Comunista e numa conjuntura profundamente adversa de fascização do

Estado e de derrota do campo republicano na guerra civil de Espanha, praticamente

não só destroçaram o Partido, como levantaram à IC fortes suspeitas de infiltração

policial, suspendendo-o dessa organização mundial.

É já nos anos 40, com a reorganização levada a cabo por dirigentes comunistas

que tinham estado presos no campo de concentração do Tarrafal que se opera a

verdadeira e duradoura bolchevização e a construção de um partido clandestino

dotado de um sistema de funcionários profissionalizados, de um eficaz aparelho de

imprensa e de uma rede de casas clandestinas.

Vai ser já com o PCP reorganizado que se realiza o III Congresso do PCP (I

Congresso Ilegal), em 1943.A orientação política do PCP definida no I Congresso

Ilegal, preconizava a via do levantamento nacional para o derrube da ditadura e

admitia a realização de ações armadas, desde que dirigidas pelo partido, num contexto

de radicalização e intensificação da luta de massas que propiciasse um ambiente

revolucionário. Assim, era defendida a intensificação e generalização das lutas de

massas, sob a direção do partido, até que estas se convertessem numa espécie de greve

geral insurrecional que, pela ação das armas, desagregasse as Forças Armadas e

suscitasse a intervenção de um setor das Forças Armadas, que entretanto se tinha

radicalizado, derrubando o regime (MADEIRA, 2013, p. 81-83].

O PCP nunca abandonou esta linha política até ao 25 de abril de 1974. Porém,

no quadro de crise que se seguiu à segunda guerra mundial, o papel da via da

violência para derrubar o regime foi sempre secundarizado, com as oposições a

apostar na via da transição pacífica e pactuada. Mesmo o PCP acabou por recuar em

nome da união de toda a oposição, da aposta numa possível legalização e na ida às

urnas. O Partido Comunista Português, depois de ter vivido um dos períodos mais

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negros da sua história durante a primeira metade dos anos 50 (o seu aparelho

organizativo tinha sido destroçado pelas prisões de 1949, que tocaram o Comité

Central e o Secretariado; o líder do partido, Álvaro Cunhal estava preso; os militantes

sofriam perseguições sistemáticas da polícia política; era atacado pela ditadura e pela

oposição não comunista num contexto de agudização da guerra fria) entrou numa fase

da sua história designado de desvio de direita. Esta mudança iniciou-se na IV reunião

alargada do Comité Central, realizada em agosto de 1955, na qual ficou definido que

era possível encontrar uma solução pacífica para o problema político português

através da constituição de uma ampla unidade antisalazarista, isto é, de uma unidade

de todos os que estavam descontentes com o regime [MADEIRA, 2013, p. 222-223].

O III Congresso Ilegal, em setembro de 1957, apenas confirmou esta nova orientação

política. Foi com base nesta nova orientação que o PCP procurou formar uma

plataforma de unidade para as eleições presidenciais de 1958, tentando convencer a

restante oposição de que seria preferível apresentar um só candidato.

A 3 de janeiro de 1960, Álvaro Cunhal e outros nove dirigentes e quadros

comunistas fugiram da cadeia de Peniche. Só por si a fuga de uma prisão política

constituía um enorme abalo para o regime, mais ainda quando entre os evadidos se

encontrava o principal dirigente do PCP, cinco membros do Comité Central e três

militantes que ascenderiam a esse órgão nos anos imediatamente posteriores, e que se

dispunham a voltar à luta clandestina.

Logo na reunião, de carácter extraordinário, do Comité Central de fevereiro de

1960, Álvaro Cunhal inicia a retificação da linha política do partido, criticando a linha

da solução pacífica, que apelidou de desvio de direita. O processo de crítica ao desvio

de direita ficará concluído um ano depois, na reunião do Comité Central de março de

1961, com a aprovação de um conjunto de documentos que enterram a via pacífica e

afirmam o levantamento nacional armado como a via para derrubar o salazarismo.

Álvaro Cunhal escreve dois textos para estas reuniões, que são “O Desvio de Direita

nos Anos 1956-1959 (Elementos de Estudo)” e “A Tendência Anarco-Liberal na

Organização do Trabalho de Direcção”. Nestes textos Cunhal atribui duas fontes

internacionais ao desvio de direita: uma interpretação “mecânica” das teses do XX

Congresso do PCUS; e a cópia, igualmente “mecânica”, das teses do Partido

Comunista Espanhol. No entanto, Cunhal sabe que as suas críticas podiam ser vistas,

no contexto internacional, como uma recusa da viragem de Kruschev no XX

Congresso, por isso, não negou a possibilidade de a via para o socialismo poder ser

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pacífica, só que para Portugal esta via não era válida. Cunhal retoma também a

conceção leninista sobre as etapas da revolução para salientar que mesmo o XX

Congresso não tinha afirmado a universalidade da via pacífica, e acentua a

necessidade de fazer uma interpretação do XX Congresso nas condições políticas

nacionais da ditadura1. Desta forma, Cunhal nega a solução pacífica apenas para o

caso português.

É na declaração do Comité Central do PCP “A via para o Derrubamento da

Ditadura Fascista e para a Conquista da Liberdade Política” e no manifesto “Ao Povo

Português pelo Movimento de Massas” que se encontra a viragem política da via

pacífica para o assalto ao poder, explicitamente referido como “uma ação armada

com a participação ou neutralização de grande parte das forças militares”2. O

documento não nega a possibilidade da via pacífica, mas esta era muito pouco

provável. A fórmula do levantamento nacional, que irá ser o cerne do Rumo à Vitória,

está aqui explicitada: “O Partido Comunista Português e as restantes forças democráticas não podem

colocar apenas como objectivo da sua acção política pressionar o governo e

outros órgãos do Estado para que façam concessões. […] É com os olhos

postos neste objectivo fundamental que se deve desenvolver a acção das

forças democráticas. O povo português e as forças democráticas têm de se

preparar para derrubar a ditadura e conquistar o poder. Nas condições presentes, o

levantamento em massa da Nação para o derrubamento da ditadura fascista é a

perspectiva para o qual se devem ganhar as amplas massas do povo português. O

levantamento nacional, em que a greve geral política pode desempenhar papel

importante, terá de se transformar numa acção armada, com a participação ou

neutralização de grande parte das forças militares, caso o governo fascista continue a

resistir com a violência e o terror à acção popular”3.

O debate sobre os documentos de crítica ao desvio de direita não decorreu com

a profundidade e celeridade que o Comité Central desejava. No entanto, isso não

impedia que muitos militantes, quando abordados, manifestassem as suas opiniões

sobre assuntos como a tática eleitoral, a luta armada, a transição pacífica e o

levantamento nacional. Por exemplo, “Tó” entendia que “Cuba abriu os olhos a muita

gente”, que a “solução pacífica está ultrapassada” e que “há que ir preparando as

massas para a acção violenta”. Um militante dizia que era favor de “actos armados,

1 Ao contrário do PC Brasileiro, em que os impactos do XX Congresso do PCUS provocaram

forte debate interno e a configuração de correntes internas, que evoluiriam no sentido da dissidência, no

PC Português as condições de clandestinidade e a dificuldade em aceder às notícias do movimento

comunista internacional atrofiaram o debate, não tendo ocorrido qualquer contestação significativa aos

informes e resoluções do congresso soviético. Aliás, nessa altura já prevalecia no PCP uma orientação

política que teve no XX Congresso incentivo e uma legitimação, que só viria a ser corrigida mais tarde,

entre 1960 e 1961 por Álvaro Cunhal após a sua fuga da prisão., que a designaria de “desvio de

direita”.

2 “Fazer Circular. Queridos Camaradas”, Março de 1961

3 “A via para o Derrubamento da Ditadura Fascista e para a Conquista da Liberdade Política”,

in O Militante, nº 109, Abril de 1961, pg. 8

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mesmo isolados. A organização não surgirá antes do ataque. Com o ataque é que virá

a organização”; outro afirmava “as massas estão dispostas a irem para onde há armas,

munições”; e outro ainda salientava “que o momento é para as pessoas virem para a

rua e resistirem à guerra de armas na mão”. Muitos criticavam a direção do partido de

apatia e de privilegiar a tática eleitoral em detrimento da ação violenta: era preciso

“deixarmos de pensar em eleições e outras fórmulas legalistas” e “preparar a saída

armada” (PEREIRA, 2015, p. 76-77). O sentimento generalizado era de apoio à nova

linha política, embora também ainda continuassem a existir dúvidas quanto à sua

eficácia e clareza.

O impacto do <<dissídio sino-soviético>> no Partido Comunista Português

No início da década de 60, pouco ou nada se sabia em Portugal sobre o

diferendo que opunha a China à URSS, como era bastante grande o desconhecimento

relativamente à revolução chinesa. Ocasionalmente, o Avante! trazia artigos de

propaganda sobre as realizações do comunismo chinês, mas nada que se comparasse

com os artigos sobre a União Soviética ou o PCUS. Circulavam textos de Mao e de

outros dirigentes chineses, traduzidos do francês por funcionários do partido ou em

edições brasileiras, embora raros (PEREIRA, 2008, p. 125). Apesar da escassa

informação que chegava a Portugal era possível, pelo menos para uma pequena parte

dos dirigentes comunistas, ter conhecimento e acompanhar a evolução do conflito

sino-soviético, quanto mais não fosse através da audição da Rádio Moscovo. Segundo

Pacheco Pereira, o PCP via o comunismo chinês como “uma variante do soviético,

mais atrasado e mais «camponês», exótico e longínquo”. As especificidades teóricas

da obra de Mao Tsé-Tung, da história do PCC e da revolução chinesa não eram

conhecidas (PEREIRA, 2008, p. 125).

O PCP foi apanhado pelo conflito sino-soviético no momento em que Álvaro

Cunhal empreendia a crítica à direção de Júlio Fogaça e à via da solução pacífica

para o problema político português. Em pleno consulado Khrutcheviano, as posições

de Cunhal colocavam-no mais do lado das teses chinesas do que das soviéticas e, por

isso, a necessidade de um certo equilíbrio entre a crítica ao desvio de direita em

Portugal e a defesa da linha da coexistência pacífica defendida para o movimento

comunista mundial pela União Soviética.

Em setembro de 1960, o PCP publica no Militante o primeiro documento

oficial em que é referido, ainda que indiretamente, o conflito sino-soviético, intitulado

Três Problemas de Atualidade, e que terá sido escrito por Álvaro Cunhal, afirmando

designadamente que a linha da “coexistência pacífica” permite “o prosseguimento

vitorioso da construção do comunismo e do socialismo, para a libertação dos povos

das colónias e dependentes, para o progresso do movimento operário internacional e

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para a luta geral contra o imperialismo”. Ao mesmo tempo, critica explicitamente os

que defendem a via do conflito internacional, afirmando que este “levaria amplas

massas populares a desinteressarem-se da luta contra a corrida aos armamentos e a

aceitarem como fatalidade a política belicista quando a luta pela Paz é uma tarefa

primordial na hora presente”. O texto acaba por se revelar um exercício que oscilava

entre a possibilidade da transição ser pacífica e o reconhecimento que não se deve

afastar a hipótese de recorrer a meios violentos, uma vez que, no caso português, não

se perspetivava que o regime pudesse ser derrubado por via pacífica num curto espaço

de tempo: “Acreditar que a via pacífica para o derrubamento do fascismo é não só possível

como a mais provável, espalhar ideias acerca das vias legais e constitucionais para

derrubar um regime que nem sequer respeita a sua constituição e as suas leis, é

semear perigosas ilusões, diminuir a vontade combativa das massas populares à

passividade e ao oportunismo. A crença na desagregação inevitável do fascismo a

curto prazo, numa «desagregação irreversível do fascismo» favorece tais ilusões e

constitui um factor prejudicial para o desenvolvimento do movimento democrático e

popular”4.

A posição não era fácil. Tratava-se de compatibilizar a correção do desvio de

direita com o alinhamento com os soviéticos, aspeto absolutamente essencial para o

PCP se manter na sua esfera de influência. Por isso, o Partido Comunista participa na

Conferência de Moscovo em novembro/dezembro de 1960, e, em março de 1961,

divulga um documento sobre os resultados dessa Conferência em que reafirma a

fidelidade ao PCUS, sem que seja feita alguma referência ao PC da China. Sobre a via

para o derrube do regime, o documento admite a possibilidade da passagem ao

socialismo se poder verificar por via pacífica e parlamentar, mas salienta que em

Portugal ainda não estão definidas as condições dessa passagem, embora adiantasse

que essa possibilidade era praticamente impossível e que “as massas populares terão

de recorrer à violência a fim de destruir o aparelho estatal salazarista que se apoia

num forte aparelho repressivo e armado”5.

No ano seguinte, em 1961, Álvaro Cunhal saia do país e instalava-se em

Moscovo e as suas posições passaram a refletir uma maior aproximação à União

Soviética. Em outubro desse ano, Cunhal participou no XXII Congresso do PCUS e

no seu discurso fez um rasgado elogio ao PCUS e à URSS, reafirmando o apoio do

PCP à política externa da União Soviética. De acordo com Pacheco Pereira, “a razão

pela qual Cunhal faz tão rasgado elogio às posições soviéticas não pode ser dissociada

das dúvidas existentes no movimento comunista mundial pró-soviético da sua

ortodoxia, e do «Krutchevismo» do PCP”(PEREIRA, 2008, p. 145). Estas dúvidas

4 A COMISSÃO POLÍTICA DO COMITÉ CENTRAL DO PARTIDO COMUNISTA

PORTUGUÊS, “Três Problemas da Actualidade”, O Militante, nº 105, Setembro de 1960.

5 O COMITÉ CENTRAL DO PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS, “Sobre a Conferência

dos 81 Partidos Comunistas e Operários em Moscovo”, Março de 1961, in, PEREIRA, 2008, p. 145

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eram reais e o facto de Álvaro Cunhal ter visto recusada a publicação de textos seus

em revistas do movimento comunista internacional parecem confirmá-las.

No entanto, em janeiro de 1963, o PCP aprovava a primeira declaração crítica

em relação ao PC da China e durante esse ano as posições anti-chinesas foram

crescendo de tom. Francisco Martins Rodrigues, membro do Comité Central e da

Comissão Executiva do PCP, surgirá como o primeiro “pró-chinês” dentro do Partido

Comunista Português, tendo as suas posições evoluído rapidamente, entrando em

clara divergência com a orientação do partido. Francisco Martins Rodrigues vai pôr

em causa a linha do levantamento nacional, colocando-se numa posição de

discordância com Álvaro Cunhal. Na reunião do Comité Central de dezembro de 1962

terá defendido a necessidade de o partido construir uma política baseada na análise

marxista-leninista da sociedade portuguesa e terá questionado, juntamente com outros

elementos, a posição do PCP quanto às divergências no seio do movimento comunista

internacional6. Poucas semanas depois, em janeiro de 1963, numa carta enviada ao

Comité Central, insurgia-se contra o facto de ter tomado conhecimento de um

documento assinado por aquele órgão de direção, de que ele próprio fazia parte, pela

rádio, pronunciando-se sobre as divergências no movimento comunista internacional.

Nesta carta, discordava dos ataques públicos aos partidos chinês e albanês e

condenava o seguidismo do PCP em relação ao PCUS7. O Secretariado do PCP

responde a esta carta declarando que Martins Rodrigues se estava a colocar numa

posição oposta à linha do partido mas que ainda poderia emendar as suas posições,

pelo que lhe é proposta uma conversa com o secretário-geral.

A reunião do Comité Central, de agosto de 1963, realizada em Moscovo, era o

momento ideal para se discutir a divergência que se vinha travando entre Martins

Rodrigues e o Secretariado do PCP. Nesta reunião, Francisco Martins Rodrigues é

confrontado com um informe de Álvaro Cunhal intitulado “A Situação no Movimento

Comunista Internacional”, no qual se declara que a unidade no seio do movimento

comunista internacional é precária e a culpa é do Partido Comunista da China que

combate a linha política orientadora da União Soviética levando a cabo uma atividade

cisionista, seguindo-se a reafirmação do apoio à linha da coexistência pacífica: “A coexistência pacífica é um factor do desenvolvimento de todo o processo

revolucionário mundial, porque nas condições de coexistência pacífica, prossegue

vitoriosamente a construção do comunismo e do socialismo, torna-se cada vez mais

poderosa e influente a grande criação e fortaleza da classe operária internacional que

é o campo socialista, desequilibram-se cada vez mais as forças mundiais em favor do

socialismo e desenvolve-se favoravelmente a luta da classe operária nos países

capitalistas contra a reacção, contra o fascismo, pela democracia, pelo socialismo e a

6 IAN/TT-PIDE/DGS – Pr. 2163 SC CI(2) – Informação, 5 de Março de 1966, fls. 271

7 [CAMPOS], Francisco Martins Rodrigues, A Declaração do Comité Central de 19/1. Carta ao

CC, 30 de Janeiro de 1963, in MADEIRA, 2015, p. 58-59

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luta dos povos ainda submetidos ao jugo colonial pela sua independência” 8.

Nas críticas que faz ao Partido Comunista da China, Cunhal acusa-o de não

reconhecer a autoridade e o prestígio do PCUS, de ter uma posição dogmática e

sectária e afirma: “discordamos dos nossos camaradas chineses, criticamos a sua

atuação e orientação, mas continuamos a considerar o PCC como um partido irmão do

nosso, um grande e glorioso partido dum grande e glorioso povo”, embora reconheça

que será difícil restabelecer a unidade ideológica no movimento comunista9.

Cunhal percebia o terreno frágil em que se movimentava, uma vez que as

posições do PCP pareciam pôr em causa a solução pacífica com a defesa da luta

armada, por isso, procurou compatibilizar a posição do PCUS com a do PCP,

distinguindo a luta internacional do socialismo das condições nacionais das lutas

internas de cada país, procurando mostrar o seu apoio ao PCUS sem abdicar da defesa

da luta armada no caso português.

O Rumo à Vitória e a via do “levantamento nacional armado”

A questão do uso da violência para derrubar o regime passaria, no entanto, a

ser debatida no exterior, no seio da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN).

Logo na conferência fundadora da FPLN10

, realizada em Roma, de 28 a 30 de

dezembro de 1962, Álvaro Cunhal reconheceu a necessidade da violência, mas no seu

entender, esta poderia resultar de um golpe militar, de um movimento de massas

prolongado, ou de um movimento militar com o apoio de grupos civis armados. A

questão que colocava era de natureza estratégica, relacionando-se com a forma de

amadurecer e radicalizar a situação, aplicando a cada momento as formas de ação

mais adequada, pois o recurso prematuro à violência poderia provocar um recuo do

movimento de massas. Cunhal mostrou-se favorável à criação de um grupo armado da

oposição distinto de um exército popular, do qual discordava. Defendeu a necessidade

de preparar grupos especializados em ações de sabotagem de infraestruturas do

abastecimento de águas, esgotos, apropriação de automóveis, mas também defendeu a

8 “A Situação no Movimento Comunista Internacional”, Avante!, nº 334, Outubro de 1963, p. 1

9 “A Situação no Movimento Comunista Internacional”, Avante!, nº 334, Outubro de 1963, p. 3

10 No rescaldo das eleições presidenciais de 1958 iniciaram-se movimentações oposicionistas

que visavam a criação de uma forte organização unitária capaz de dar continuidade ao enorme

entusiasmo popular que pautara toda a campanha presidencial, em especial em torno da candidatura de

Humberto Delgado. A saída para o exílio de um conjunto de quadros democratas diretamente

empenhados neste processo, dinamizou a oposição no exterior e deu-lhe um progressivo protagonismo,

sobretudo a partir de 1961. Foi esta renovada frente externa que tomou a iniciativa de constituir um

organismo executivo no estrangeiro, que se dedicasse, essencialmente, à representação dos democratas

portugueses e ao trabalho de propaganda. O encontro teve lugar em Roma, nos últimos dias de 1962, e

dele resultou a criação da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), o nome atribuído ao

movimento unitário oposicionista existente no interior, que teria a partir de então uma base de trabalho

na Argélia e que funcionou até ao 25 de Abril de 1974. Sobre a constituição da FPLN Cf: MARTINS,

2013

Page 11: “Rumo à Vitória”: O Partido Comunista Português e a luta ... · “Rumo à Vitória”: O Partido Comunista Português e a luta armada ... Álvaro Cunhal apenas em 1964, na

11

infiltração de militantes em postos militares importantes, nas cadeias e na hierarquia

militar (Cf: MARTINS, 2013)

Se o levantamento nacional implicava grandes movimentações sociais e

políticas e a desagregação dos aparelhos militares e repressivos, havia, por um lado,

que incentivar as lutas de massas e, por outro, criar uma organização militar

revolucionária nas Forças Armadas que pudesse enquadrar essa desagregação e

“intervir de forma decisiva numa situação de crise revolucionária”11

.

Entre 1963 e os primeiros meses de 1964, Álvaro Cunhal dedicou-se a

preparar o “Rumo à Vitória”, que iria ser o seu mais importante contributo teórico e

político à linha do PCP nos anos de clandestinidade. De acordo com Pacheco Pereira,

o “Rumo à Vitória” é “um caso excecional na história do marxismo português, sendo

até à data a única tentativa global de fornecer ao mesmo tempo uma análise

“concreta” da situação nacional e uma formulação de uma linha tática e estratégica

para o PCP” (PEREIRA, 2015, p. 307). Este documento irá marcar todas as

discussões no seio da oposição portuguesa até ao 25 de abril de 1974 e forneceu um

quadro interpretativo da sequência de eventos que o PCP considerava que se deviam

seguir ao derrube da ditadura, que irá marcar o pós-25 de abril.

O “Rumo à Vitória” define a posição do PCP até ao 25 de abril de 1974 e

institui a via do levantamento nacional. É aliás no capítulo intitulado “Levantamento

nacional, perspetivas revolucionárias do movimento antifascista”, que é fornecida a

mais detalhada e consistente formulação da forma como o PCP entendia que o regime

ia cair.

Nestes anos (62-64) havia um sentimento, inclusivamente dentro do PCP, que

o derrube do regime pressupunha algum tipo de violência. A direção do Partido

Comunista estava atenta aos apelos dos pró-chineses no interior do partido, no meio

estudantil e no exílio. Além disso, a Revolução Cubana era entendida por vários

funcionários como uma necessidade de ação imediata, e muitos defendiam uma linha

oposta à solução pacífica. Esta nova linha devia incluir qualquer forma de violência

revolucionária. É a este apelo que o “Rumo à Vitória” pretende responder, não

negando o uso da violência, mas, moderando a sua urgência.

Cunhal refere a necessidade do recurso à violência, embora não recuse

liminarmente a possibilidade de haver uma transição pacífica, considerando, no

entanto, que esta seria quase impossível dada a natureza da ditadura. Pela primeira

vez, ele considera que a ditadura deverá ser derrubada através de uma “insurreição

popular armada”. Todavia, sublinha que o crucial numa insurreição é a escolha do

“momento” em que esta irá acontecer, e, para Cunhal, este ainda não tinha chegado:

11 Comité Central do PCP, “Perspectivas do Desenvolvimento da Luta Nacional contra a

Ditadura Fascista”, Edições Avante!, Janeiro de 1963, p. 2

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12

“O Partido Comunista insiste: no momento presente não se vive em Portugal uma

situação revolucionária, não estão criadas as condições para a insurreição”

(CUNHAL, 1974, p. 177).

Essas condições assentavam numa “organização militar revolucionária” forte,

construída através de um trabalho sistemático no seio das Forças Armadas, que devia

apoiar o “movimento popular”. Sem a “organização militar revolucionária” não seria

possível fazer a insurreição. Além disso, Cunhal também considerava que o

“movimento de massas” não se tinha radicalizado o suficiente para enveredar pela luta

armada: “Mas a decisão de lançar a luta insurreccional, de lançar o assalto final pelo poder,

surge num dia e num momento em que a luta popular adquiriu já agudeza extrema,

em que as massas mostram, na sua própria acção política conduzida pela vanguarda,

que estão dispostas a dar a vida pela revolução, em que as forças do inimigo vacilam

e se decompõem” (CUNHAL, 1974, p. 177).

A linha de pensamento do PCP é, portanto, de defesa da luta armada, mas de

questionamento permanente do “momento” até 1970, quando decide lançar as ações

armadas.

Das “ações especiais” à luta armada

Até ao 25 de abril de 1974 as discussões no seio das esquerdas portuguesas

irão fazer-se em torno da questão da luta armada. Apesar das críticas dos grupos

marxistas-leninista de que a defesa da insurreição armada era, apenas, uma resposta à

pressão por eles exercida, uma forma de o PCP parecer revolucionário continuando a

ser reformista, a verdade é que Cunhal passou os anos seguintes a discutir a violência

revolucionária e em 1970 dá ordens para que a Ação Revolucionária Armada (ARA)

inicie a luta armada.

Aliás, a crítica dos grupos marxistas-leninistas parece esquecer que, em 1964,

já o PCP, sob a direção de Cunhal, estava a preparar uma organização para realizar

ações violenta, que acabaram por surgir mais tarde, mas que datam na sua conceção e

tentativa de materialização nesta época12

. Cunhal está, desde a fuga da cadeia, em

janeiro de 1960, a preparar o desencadeamento de ações armadas. Aliás, no Rumo à

Vitória ele explica que tipo de ações o partido deve desencadear: “O agravamento da crise do regime fascista, o desenvolvimento da luta política de

massas, a radicalização destas, a brutalidade do aparelho repressivo e a evolução da

guerra colonial, colocam ao Partido uma tarefa nova: a tarefa de organizar acções de

autodefesa das massas, acções que visem atingir mais directamente o aparelho militar

da guerra colonial, que criem dificuldades ao aparelho repressivo, que dificultem

a propaganda fascista e dêem novos aspectos à agitação e propaganda antifascista.A

execução de tais acções não pode ser deixada à espontaneidade. Tem de ser

encarada no terreno prático” (CUNHAL, 1974, p. 230-231).

12 Raimundo Narciso, “Álvaro Cunhal esteve na origem da organização [ARA]”, in Expresso,

11 de Novembro de 2000

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13

Em abril e maio de 1964, Álvaro Cunhal visitou Cuba com o pretexto de

assistir ao desfile do Primeiro de Maio. No entanto, os objetivos de Cunhal estavam

centrados no apoio de Cuba ao PCP para ajudar a montar uma organização de luta

armada e na possibilidade de militantes comunistas portugueses poderem ir receber

treino militar a este país.

Nesta altura a organização das “ações especiais” já estava a decorrer e Álvaro

Cunhal acompanha de perto todo o processo. Rogério de Carvalho, membro do

Comité Central, tinha ficado encarregado de montar a estrutura e tinha começado a

recrutar os primeiros elementos que viriam a constituir o núcleo original das “ações

especiais”. Nesse sentido, é contactado Raimundo Narciso, um jovem estudante do

Instituto Superior Técnico, militante do partido na legalidade, que vinha

desenvolvendo atividade política regular, tendo assumido responsabilidades no setor

estudantil universitário e, depois, em organizações unitárias com africanos das

colónias, com grupos de católicos antifascistas, no setor militar e nas Juntas de Ação

Patrióticas. De acordo com Raimundo Narciso, o que o terá convencido a passar à

clandestinidade terá sido o argumento de que o partido tinha decidido começar a

preparar a luta armada e que ele ia fazer parte da organização que estava a ser

constituída para a levar a cabo as primeiras ações (NARCISO, 2000, P. 177).

Nos inícios de 1965, Rogério de Carvalho e Raimundo Narciso foram

frequentar um curso de treino militar em Cuba, com passagem prévia pela União

Soviética onde receberiam orientações diretas de Álvaro Cunhal.

Raimundo Narciso chegou a Moscovo em princípios de janeiro de 1965,

sendo recebido por Álvaro Cunhal e Francisco Miguel, dirigente comunista, membro

do Comité Central desde 1964. Rogério de Carvalho chegou três dias depois à capital

soviética. Numa reunião entre os dois únicos militantes das “ações especiais” e o

Secretário-Geral do PCP ficou definido o que se pretendia com a nova organização.

De acordo com Raimundo Narciso, a intenção do PCP era criar uma estrutura

paralela, ainda que politicamente tutelada e apoiada, o que significava que o partido

se desobrigava de uma responsabilidade direta e assumida das ações a desencadear13

.

O início das “ações especiais” pressupunha treino e conhecimentos militares

que o PCP não podia facultar no interior do país. Primeiro, pela situação de

clandestinidade a que estava sujeito; depois, porque desde os primeiros anos da

ditadura que o partido não enveredava por ações armadas, pelo que não tinha quadros

formados e capazes para realizar este tipo de ações. O treino teria então de ser

realizado num país socialista que dispusesse de campos de treino, de cursos militares

organizados e que recebesse quadros de outros países. A escolha recairia sobre Cuba,

símbolo da revolução socialista para uma geração mais jovem e que dava apoio

13 Entrevista Raimundo Narciso, Odivelas, 10 de Outubro de 2012

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14

militar a organizações que desejassem fazer a revolução nos seus países, ministrando

cursos de guerrilha em meio urbano e rural, mais conformes, portanto, ao que se

pretenderia implantar em Portugal.

Raimundo Narciso assegura que ele e Rogério de Carvalho viajaram de

Moscovo para Cuba, pela rota de Murmansk, para lá do Círculo Polar Ártico,

descendo o Atlântico até aos Trópicos, uma vez que o avião soviético em que

viajavam não tinha autorização para sobrevoar os países da Europa Ocidental. Os dois

terão ficado três meses e meio em Cuba, instalados numa mansão em El Vedado,

Havana, e recebido um curso de manejo de armas e explosivos e de técnicas de

guerrilha. Este curso serviu, essencialmente, de treino, pois ambos já tinham

manejado armas e explosivos durante o serviço militar em Portugal. Regressaram

depois a Moscovo, a tempo de participar nas cerimónias comemorativas do vigésimo

aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial. Daqui partiram para Portugal, onde

entraram clandestinamente, “a salto”, pela região fronteiriça de Chaves, com o apoio

do aparelho de fronteira do PCP (NARCISO, 2000, p. 107-163)

Ao todo, ocorreram quatro cursos de carácter militar, que correspondem a

quatro levas de militantes: Rogério de Carvalho e Raimundo Narciso (Cuba, 1965);

José Augusto e Moura Pimenta, Fernando Cruzeiro, Carou Ferreira (Cuba, 1965);

Francisco Miguel e “Almendra” (Moscovo, 1968); Jaime Serra, Carlos Coutinho,

Ângelo de Sousa, António Eusébio (URSS, 1971-1972).

Os primeiros abastecimentos de armamento e material explosivo da futura

ARA vieram de dentro do exército português, desviados por um oficial ligado ao PCP

(NARCISO, 2000, p. 167). Muito do armamento e material explosivo das

organizações de luta armada provinham do exército português, desviadas por

militantes ou simpatizantes dessas organizações ou, simplesmente, por militares que

estavam contra a guerra e que achavam que um dia aquele material podia ser útil. De

acordo com Raimundo Narciso “A guerra em África foi uma verdadeira escola de

formação de luta armada contra o fascismo e a guerra colonial. Formação técnica mas

principalmente política e psicológica. A guerra colonial fez amadurecer muitos jovens

para a luta armada contra o marcelismo” (NARCISO, 2000, p. 169).

Por sua vez, os produtos químicos necessários para fabricar explosivos eram

conseguidos através de “Mayer” [pseudónimo], caseiro de uma família ligada ao

regime que conseguia adquirir produtos químicos de venda controlada, como ácido

sulfúrico concentrado, como sendo a pedido do patrão.

Em cinco meses, o organismo “ações especiais” já dispunha de um conjunto

de quadros preparados para iniciar as primeiras ações, recrutados por Rogério de

Carvalho e Raimundo Narciso ou indicados pelo Partido Comunista; dispunha

também de instalações para depositar o material, nomeadamente, uma vivenda isolada

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15

em Mafra que servia de paiol, uma garagem alugada para transbordo e guarda de

materiais e três arrecadações em Lisboa; tinha conseguido obter explosivos de alta

potência e armas através de militares ligados ao Partido Comunista; tinha elaborado

uma lista de objetivos potenciais e procedido ao reconhecimento de alguns deles

(NARCISO, 2000, p. 173).

Em outubro de 1965, a PIDE encetou uma vaga de prisões, tendo sido detidos

vários militantes do Partido Comunista, entre os quais Rogério de Carvalho, o que

levou a uma primeira paragem nas atividades da organização. Aliás, até 1970, o PCP

irá abortar várias vezes as “ações especiais”, por este mesmo motivo. Posteriormente,

a direção deste organismo irá ser da responsabilidade de Ângelo Veloso (1967),

Francisco Miguel (outubro de 1968) e Jaime Serra (junho de 1970), todos membros

destacados do Comité Central, com provas dadas na luta contra a ditadura e

defensores da luta armada.

A organização das “ações especiais”, e mais tarde a ARA, tinham como alvo

definidos a luta contra a guerra colonial, atacar o aparelho repressivo e o

imperialismo. Contudo, foi também realizada uma ação de “expropriação”, ou seja, o

assalto ao Banco Totta & Açores, no Barreiro, no Verão de 1965, para conseguir

fundos destinados a financiar as ações armadas.

O aparecimento da ARA foi uma excepção no contexto europeu. Nenhum

outro Partido Comunista decidiu enveredar pela luta armada, mesmo o Partido

Comunista Espanhol que estava em condições similares.

Quando a ARA surgiu tinha uma cobertura na luta contra a Guerra Colonial e

de solidariedade com os movimentos de libertação. Porém, apesar das suas ações

visarem, sobretudo, o aparelho e o esforço de guerra, houve também ações contra o

aparelho repressivo (as bombas na Escola Técnica da PIDE) e contra o imperialismo

(o ataque ao Centro Cultural Americano).

Álvaro Cunhal criou esta organização, seguiu-a com atenção e sempre a

apoiou. As divergências de Cunhal com a defesa da luta armada pelos grupos de

esquerda radical são táticas e não estratégicas.

6. A ARA

Entre 1968 e 1970, o organismo de “ações especiais” conseguiu contar com

um núcleo de operacionais de aproximadamente 42 pessoas, relativamente estável e

bem preparado militarmente, com estruturas e um paiol seguros, e tinham já

inclusivamente algumas ações planificadas e prontas a ser executadas. Também

durante este período fizeram o reconhecimento de locais e organizaram apoios

logísticos necessários às ações. Em 1968, vieram para o interior Francisco Miguel e

“Almendra”. Em julho de 1970, Jaime Serra, membro do Comité Central, foi

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16

destacado para a ARA. A sua direção estava assim constituída: Jaime Serra, Francisco

Miguel e Raimundo Narciso. A ligação ao Partido Comunista era feita por Jaime Serra

através de Joaquim Gomes, membro da Comissão Executiva.

O Comando Central da ARA era responsável pela definição dos alvos,

preparação e execução das ações e pela seleção, controlo e acompanhamento dos

quadros operacionais e logísticos que militavam na organização. Desta forma, a ARA

tinha uma estrutura autónoma do Partido Comunista, embora diretamente dependente

da sua Comissão Executiva, atuando em consonância com a linha política e objetivos

do partido, e recebendo apoio financeiro, material e quadros.

A maioria dos quadros das “ações especiais” estavam ligados ao PCP e era o

partido que indicava o nome dos elementos que deviam ser contactados para

integrarem este organismo. As “ações especiais” eram um organismo ultra-clandestino

dentro do partido, de que apenas alguns elementos da direção e do Comité Central

tinham conhecimento, para onde eram enviados militantes que se sabia que defendiam

a luta armada e que poderiam causar problemas noutros organismos devido às suas

ideias mais radicais sobre a forma de luta contra o regime: “Não podiam meter nisto quadros recentes ou pessoas que não dessem garantias.

Esses quadros, em geral, não vinham e o partido tinha a tendência de enviar

quadros que não queriam noutros organismos. Geralmente, não enviavam os bons

quadros que eram necessários noutros organismos. Eram enviados elementos que

tinham propensões para as acções especiais e que para serem enquadrados e não

provocarem problemas noutros organismos eram enviados para aqui. As pessoas

que vinham para a ARA tinham de estar de acordo com as acções armadas”14

.

Também houve operacionais que foram recrutados através de contactos

individuais efectuados pela direção das “ações especiais” e da ARA. Estes eram

geralmente antigos amigos e companheiros de estudos ou trabalho dos seus membros,

em quem estes confiavam, e que sabiam que defendiam esta forma de luta.

Nos quadros da ARA havia, contudo, elementos que não estavam ligados ao

PCP. Estes quadros faziam sobretudo ações de reconhecimento de objetivos e apoio

logístico, não participando diretamente nas operações. Todavia, estavam inseridos em

organismos (células), compostos, cada um, por três pessoas, que se reuniam com a

periodicidade que cada organismo achasse adequada. Os organismos não tinham

conhecimento uns dos outros e Raimundo Narciso refere que nunca chegou a

conhecer os organismos controlados por Jaime Serra e Francisco Miguel, assim como

eles não conheciam os seus15

. A compartimentação era uma exigência de uma

organização revolucionária e clandestina em que cada um só devia conhecer aquilo

que era necessário para a realização das suas tarefas. Assim, podemos dizer que a

ARA era uma organização altamente disciplinada, estando os seus membros

14 Entrevista Raimundo Narciso, Odivelas, 10 de Outubro de 2012

15 Entrevista Raimundo Narciso, Odivelas, 10 de Outubro de 2012

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17

perfeitamente conscientes dos riscos que corriam ao estarem inseridos na organização

e ao participarem na realização de ações armadas.

Na reunião de maio de 1970 do Comité Central do PCP a questão da luta

armada foi novamente discutida, como consta do “Documento Preparatório da

Reunião”, elaborado pelo Secretariado, e distribuído para estudo aos membros do

Comité Central. Jaime Serra que não estaria presente na reunião do Comité Central,

por questões relacionadas com a organização do trabalho da Comissão Executiva, de

que fazia parte, enviou uma carta ao Comité Central onde abordava a questão das

“ações especiais”, propondo: “1º – Que o problema das “acções especiais” fosse de novo discutido pelo Comité

Central e considerado uma tarefa prioritária;

2º – Que de acordo com esta conclusão fossem tomadas medidas apropriadas,

entendido como tal a nomeação de um membro do Comité Central que se

considerasse reunir as condições necessárias para, em regime prioritário, com

prejuízo de outras actividades, ficar com a tarefa fundamental de, num prazo

relativamente curto, colocar este aparelho em estado operacional. (SERRA, 1999, p.

27)”

Em outubro de 1970, o PCP deu finalmente orientações para as “ações

especiais” avançassem. Para tal, muito contribuiu o clima de radicalização que se

fazia sentir na sociedade portuguesa, principalmente nos meios mais jovens e

estudantis; as primeiras tentativas de luta armada por parte da Liga de União e Ação

Revolucionária (LUAR); o aparecimento de vários grupos de esquerda radical que

defendiam o recurso à luta armada; bem como o eminente afastamento do PCP da

FPLN e da Junta Revolucionária Portuguesa; e a constituição das Brigadas

Revolucionárias (BR). Perante este clima, ou o PCP se antecipava ou era ultrapassado

pela esquerda radical. Estava na hora de passar à ação.

6.1. As ações armadas

A primeira ação a ser realizada, a 26 de outubro de 1970, foi a colocação de

engenhos explosivos no navio Cunene, que participava no esforço de guerra. A

explosão causou vários danos no navio, que tinha data de partida para África prevista

para o dia 4 de novembro. O Comando Central da ARA reuniu-se no dia seguinte ao

atentado para proceder ao balanço da ação e elaborou o comunicado, que seria lido

por Jaime Serra, para a Reuter, France Press e United Press. Neste comunicado, a

ARA reivindicava o ataque ao Cunene e inseria-o dentro do contexto da luta contra a

guerra colonial, mas ressalvava que não estava contra os soldados e oficiais

portugueses mas sim a favor da luta dos povos das colónias: “[...] Em virtude desta acção ficou alagado e imobilizado na doca de Alcântara, em

Lisboa, com um grande rombo, o navio CUNENE [maiúsculas no original], de 16000

toneladas que é utilizado para alimentar a guerra colonial.O Comando Central da

ACÇÃO REVOLUCIONÁRIA ARMADA [maiúsculas no original] declara que ao

atacarmos a máquina de guerra que alimenta a guerra colonial não estamos contra os

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soldados, os sargentos e oficiais honrados, forçados a fazer uma guerra que odeiam.

Estamos, sim, contra a continuação desta criminosa guerra de opressão colonial que

se tornou um flagelo para os povos de Angola, Guiné e Moçambique e num cancro

que corrói a nação, que queima vidas e bens do povo português para servir os

interesses de um punhado de monopolistas sem pátria. Estamos solidários com a justa

luta libertadora dos povos coloniais”16

.

Ao mesmo tempo, reafirmava-se, no comunicado, a linha política defendida

pelo Partido Comunista Português de que a via para o derrube do fascismo era a luta

de massas e inseriam as ações da ARA dentro desta via afirmando: “A ACÇÃO REVOLUCIONÁRIA ARMADA [maiúsculas no original] propõe-se

conduzir a sua acção revolucionária no quadro da luta geral do povo português contra

a ditadura fascista e pela conquista da liberdade. Deste modo, a ARA não se desliga

da luta revolucionária das massas, da luta dos operários e camponeses, da luta dos

estudantes e intelectuais revolucionários contra a política fascista do governo de

Marcelo Caetano; antes se propõe secundá-la até chegar à insurreição popular armada

que destruirá para sempre a ditadura fascista”17

.

Nas reuniões do Comando Central que se seguiram à ação do Cunene foram

escolhidos novos alvos da organização. Uma das hipóteses era colocar uma bomba na

sede da PIDE/DGS. Porém, consideraram que a ideia não podia ser posta em prática

porque o local era praticamente inacessível e seria quase impossível atingir a sede

sem provocar vítimas. Foi então avançada a hipótese da Escola Técnica da PIDE, que

permitiria à ARA atingir o regime e os seus aparelhos repressivos. Todavia, no curso

da discussão começou a ser equacionada a hipótese de atingirem vários alvos e

objetivos em simultâneo. Começou a ganhar forma uma ação que atingisse o

imperialismo, simbolizado pelos Estados Unidos da América, daí que tivesse sido

avançada a ideia de atacar o Centro Cultural dos Estados Unidos, na Avenida Duque

de Loulé, em Lisboa, cuja segurança estava a cargo da PSP. Em terceiro lugar,

escolheram um alvo militar. Como tinham informação de que o navio Niassa estava

prestes a partir para as colónias com equipamento militar fixaram esse alvo

(NARCISO, 2000, p. 93). Estas três operações, a desencadear simultaneamente,

simbolizavam três frentes de luta política: contra a repressão, contra a guerra colonial

e contra o imperialismo.

Uma das maiores operações da ARA foi a sabotagem na Base aérea de Tancos,

na madrugada de 8 de março de 1971, que implicou a entrada de um comando

operacional na base, o que só foi possível com a ajuda de um soldado que ali cumpria

serviço militar. Esta operação, bastante complexa na sua elaboração e execução

técnica, saldou-se pela destruição de dezenas de aviões e helicópteros militares.

No comunicado divulgado à imprensa, a ARA sublinhou a complexidade da

operação, a coragem dos operacionais do comando que a executou e o êxito de que ela

16 IANT/TT – PIDE/DGS – Pr. 16042 SC CI(2), NT: 7761 - “Comunicado da ARA”, 26 de

outubro de 1970, pasta 1, fls. 1

17 IANT/TT – PIDE/DGS – Pr. 16042 SC CI(2), NT: 7761 - “Comunicado da ARA”, 26 de

outubro de 1970, pasta 1, fls. 1

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se revestiu. Insere-a também na luta do povo português contra a guerra colonial e

salienta que “para o seu êxito contribuiu decisivamente o sentimento anticolonialista

cada vez mais predominante entre os soldados portugueses, filhos do povo

fardados”18

.

Só depois desta operação é que a PIDE/DGS passou a associar a ARA ao PCP,

uma vez que uma operação desta envergadura e complexidade só poderia ser levada a

cabo por uma organização bem estruturada e com um aparelho logístico e técnico

eficaz. E, na perspetiva da polícia, só o PCP é que disporia de estruturas, operacionais

e implantação para conduzir com êxito uma operação tão complexa como esta19

.

Depois desta operação a ARA recebeu as felicitações formais do Comité

Central do PCP que saudava o aparecimento desta como “um importante

acontecimento político na vida política nacional”, reafirmava a “justeza política” das

ações contra a guerra colonial, o fascismo e o imperialismo, e considerava que estas

criaram “uma onda de entusiasmo e deu maior confiança à luta popular no caminho da

insurreição armada”20

.

A ARA recebeu também uma felicitação pessoal por parte do Secretário-Geral

do PCP, Álvaro Cunhal, que considerava que a ação em Tancos havia tido “elevado

significado e projeção política” mas, aproveitando também a oportunidade para dar

algumas orientações gerais à organização numa manifestação clara sobre quem a

dirigia efetivamente do ponto de vista político. “A defesa da vossa organização; a justa avaliação da conjuntura política e do efeito de

cada acção a empreender; o esforço para se ser eficiente, tendo sempre em conta

a força real de que se dispõe e a força e dispositivos do inimigo; a iniciativa e

audácia, que se não confundam de forma alguma com impaciência e precipitação; o

esforço para tirar o máximo partido da surpresa e para melhor colher o inimigo onde

ele possa estar desprevenido; um cuidadoso trabalho para atingir os objectivos sem

deixar rasto, nem pistas - tais nos parecem ser algumas da normas essenciais para a

continuidade e o progresso da vossa acção”21

.

Mas, Álvaro Cunhal não deixava de ressalvar que ainda era muito reduzida a

experiência do movimento revolucionário português nesta forma de luta e que a ARA

deveria retirar a máxima experiência de todas as ações de forma a aperfeiçoar as

atividades futuras22

.

No dia 3 de junho de 1971, realizava-se em Lisboa uma reunião do Conselho

do Atlântico Norte que traria a Portugal vários ministros de países membros da

NATO, bem como centenas de jornalistas internacionais para a cobertura da reunião.

18 IANT/TT – PIDE/DGS – Pr. 16042 SC CI(2), NT: 7761 - “Comunicado da ARA. Sabotagem

à Base Aérea de Tancos” , 8 de Março de 1971, pasta 1, fls 14-15

19 IAN/TT-PIDE/DGS, Pr. 18327 SC CI(2), UI: 7814 – Relatório da PIDE intitulado “As

últimas três explosões”, 15 de Novembro de 1971, p. 22 a 26

20 Saudação do Comité Central do PCP ao Comando Central da ARA, in SERRA, 1999, p. 74

21 Saudação de Álvaro Cunhal ao Comando Central da ARA, in SERRA, 1999, p. 75-76

22 Saudação de Álvaro Cunhal ao Comando Central da ARA, in SERRA, 1999, p. 75-76

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Marcelo Caetano tinha anunciado com muita pompa a sua realização, pois era a

primeira vez em muitos anos que se realizava em Lisboa. Perante a importância e a

repercussão internacional desta reunião, o Comando Central da ARA decidiu realizar

uma ação que chamasse a atenção da comunicação social internacional para o

problema da guerra colonial e para a luta da oposição portuguesa.

A hipótese de uma ação que implicasse um corte nas telecomunicações já tinha

sido equacionada anteriormente mas ainda não tinha havido oportunidade de a

realizar. A reunião da NATO parecia ser a oportunidade perfeita para o efeito. Foram

colocadas cargas explosivas na Central de Telecomunicações, no Largo D. Luís I,

verificando-se uma grande explosão que abalou o centro de Lisboa, interrompendo as

comunicações durante seis horas. Lisboa ficou isolada do resto do país e do mundo e a

explosão causou grande embaraço ao regime que, nesse dia, recebia os seus parceiros

da NATO. No dia seguinte, a ação da ARA era noticiada um pouco por todo o mundo

e a cobertura mediática à luta da oposição portuguesa adquiria projeção internacional,

com notícias desta ação a serem publicadas no jornal francês Le Figaro e no jornal

inglês The Guardian e transmitidas pela emissão de rádio em português da BBC e da

Rádio da Alemanha Ocidental. (SERRA, 1999, p. 83-86)

Nos planos da ARA para essa noite (3 de junho) estava ainda o corte da

energia elétrica em Lisboa, com o objetivo de impedir a transmissão pela Rádio e

Televisão do discurso de Marcelo Caetano na Assembleia Nacional. Esta operação

acabou por não correr tão bem como o pretendido, pois as cargas explosivas não

foram suficientes. Mesmo assim, conseguiram perturbar a rede elétrica e a corrente

faltou em algumas regiões de Lisboa, incluindo no Palácio da Ajuda, local onde

decorreria a reunião da NATO (NARCISO, 2000, p. 209).

No seu comunicado a ARA refere que estas ações foram uma manifestação de

protesto contra a reunião do Conselho Ministerial da NATO, que, “além de uma

manifestação belicista e imperialista”, demonstrava também o “apoio moral e político

ao governo fascista e colonialista”. A ARA considerava também que esta reunião era

uma provocação ao povo português “privado há longos anos das mais elementares

liberdades democráticas” que a NATO afirmava defender. No comunicado é

igualmente analisada a repercussão das ações, que teriam causado “a maior confusão

e desorientação nos meios afetos à reunião da NATO, assim como entre as autoridades

fascistas”, sublinhando que “Todos os serviços da reunião foram seriamente

afectados”23

.

A 2 de outubro de 1971, ocorreu um assalto a uma pedreira na região de

Loures com o objecivo de desviar material explosivo. Esta foi a única ação do género

23 IANT/TT – PIDE/DGS – Pr. 16042 SC CI(2), NT: 7761 - “Comunicado da ARA”, 4 de Junho

de 1971, pasta 1

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21

perpetrada pela ARA. A organização estava a ficar com poucos explosivos e tornava-

se cada vez mais difícil obter nos quartéis cargas de alta potência, como trotil e

plástico, pois a vigilância nos quartéis tinha sido aumentada devidos aos atentados dos

últimos meses, sendo que a organização tinha sempre desviado esse material dos

quartéis, por intermédio de militares afetos ao PCP ou por desertores24

.

A inauguração das novas instalações do Quartel-General da NATO, em Oeiras,

em que ia ficar alojado o Comando da NATO para a região Ibero-Atlântica, tinha sido

anunciada para 29 de outubro de 1971. Era aí que passaria a funcionar um sofisticado

centro de comunicações para comando e controlo do Atlântico Norte, bem como um

sistema de comunicações para todos os outros quartéis da NATO, para navios, aviões

e para o Comando Supremo do Atlântico Norte, em Norfolk, nos Estados Unidos.

A ARA considerava que a instalação deste Quartel do Comiberlant em

Portugal era um ato de provocação e uma prova da colaboração dos países da NATO

com a ditadura portuguesa e a guerra colonial. Realizar um ataque a este Quartel

voltava a ter uma enorme carga simbólica, pois denunciaria que os portugueses não

desejavam a instalação da NATO no seu país e chamaria mais uma vez a atenção da

comunidade internacional para os problemas políticos portugueses dada a presença da

comunicação social estrangeira no ato inaugural25

.

A violenta explosão causou uma grande destruição no Quartel do Comiberlant.

Caiu parte da fachada, portas, janelas e partes de parede; ficou destruído muito

mobiliário e aparelhos eletrónicos. Segundo Raimundo Narciso, nada disto foi

noticiado nos jornais, pois a censura proibiu qualquer notícia relacionada com a

explosão26

.

Como a cerimónia de inauguração estava prevista para dois dias mais tarde,

tentaram reparar a fachada do edifício e cerca de uma centena de trabalhadores e

técnicos trabalharam dia e noite. Porém, era impossível ocultar a destruição

provocada pela explosão e a cerimónia de inauguração acabou por decorrer na rua,

numa zona afastada do local programado, num palanque improvisado. A inauguração

acabou por ser um fiasco. Os jornalistas internacionais tiveram conhecimento da

deflagração da bomba e noticiaram o acontecimento. Nos jornais portugueses nem

uma palavra sobre o assunto, mas a notícia corria de boca em boca27

.

Durante vários meses a PIDE continuou com a investigação ao sucedido. Esta

ação tinha constituído uma nova e maior humilhação para o governo de Marcelo

Caetano que tinha planeado um ato público solene com a presença dos principais

24 Entrevista Raimundo Narciso, Odivelas, 10 de Outubro de 2012

25 Entrevista Raimundo Narciso, Odivelas, 10 de Outubro de 2012

26 Entrevista Raimundo Narciso, Odivelas, 10 de Outubro de 2012

27 PIDE/DGS - Pr. 150/73 SC PC, U.I: 6362-6365, Vol. 1 - “Documentos apreendidos a Manuel

Policarpo Guerreiro”, 21 de Novembro de 1971, fl. 39

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generais da NATO, do seu secretário-geral, Josef Luns e do Comandante Supremo

Europeu Aliado do Atlântico, o almirante Charles Duncan, de modo a demonstrar que

o governo português não estava isolado, tinha a seu lado a comunidade internacional.

No dia 12 de janeiro de 1972 a ARA realizou nova operação contra a guerra

colonial, que dependia dos abastecimentos em material militar e logístico que

chegavam do Continente por via marítima. A operação da ARA visava a destruição de

equipamento sofisticado, recém-chegado de França, que estava depositado nuns

armazéns na chamada Doca do Espanhol, no Cais de Alcântara, pronto para a

embarcar para África no navio Muxima. A ação decorreu conforme o previsto e na

madrugada do dia 12 de janeiro deu-se a explosão que provocou grande destruição no

cais e nos armazéns.

No dia 9 de agosto de 1972, o Almirante Américo Tomás iria, mais uma vez,

tomar posse como Presidente da República. Desde as eleições presidenciais de 1958

que, com a grande adesão popular à campanha de Humberto Delgado, o regime tinha

acabado com a eleição direta para a Presidência da República, passando Presidente da

República a ser eleito por um colégio eleitoral. Para assinalar o facto, a ARA tinha

decidido realizar uma ação nesse dia que consistiria no corte da energia eléctrica em

todo o país. O plano pressupunha a realização de três ações de sabotagem em

simultâneo: no Porto, em Lisboa, e em Coimbra, envolvendo um número maior de

operacionais do que em qualquer operação anterior.

De acordo com Jaime Serra, esta ação teve grande repercussão política e

ofuscou a tomada de posse do Presidente da Republica (SERRA, 1999, p. 103-104).

Os jornais deram grande destaque à notícia, pois era impossível o governo esconder o

acontecimento, já que tinha afetado várias localidades, que ficaram sem energia

elétrica, tendo as populações sido acordadas de madrugada com o barulho provocado

pelas explosões.

Esta seria, no entanto, a última ação da ARA.

7. O fim da ARA e a “unidade” da oposição

Em maio de 1973 a ARA anunciou a suspensão das suas atividades. Na

realidade, desde agosto do ano anterior que a organização não realizava ações

armadas. Vários factos contribuíram para esta decisão que foi discutida ao nível do

Comando Central da ARA e do Secretariado do Comité Central do PCP28

. O partido

vinha defendendo que o essencial era a luta dos trabalhadores, as ações de massas e a

unidade da oposição na luta contra o regime. A estratégia política do PCP passava,

assim, neste último aspeto, pelo entendimento com os outros setores da oposição,

principalmente com a ASP e com os católicos progressistas.

28 Entrevista Raimundo Narciso, Odivelas, 10 de Outubro de 2012

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23

Na primavera de 1972 realizou-se, em Paris, um encontro ao mais alto nível

entre o PCP e a Acção Socialista Portuguesa (ASP). A delegação do PCP era

composta por Álvaro Cunhal e Carlos Brito e a da ASP por Mário Soares e Ramos da

Costa. A partir deste encontro as duas forças políticas passaram a contactar

regularmente29

. Este contexto de cooperação do PCP com a ASP, em vésperas de se

transformar em PS, justifica a suspensão de atividades da ARA. Depois de um período

de forte divisão, a tendência voltava a ser a da união das forças oposicionistas e a

perspetiva de entendimento com os socialistas desaconselhava o prosseguimento das

ações armadas.

No comunicado em que anuncia a suspensão das atividades, a ARA declara

que “verificando que se desenvolve no país um amplo movimento político, cujos

êxitos são importantes para o enfraquecimento da ditadura fascista e colonialista,

determinou uma pausa temporária de certas ações, com vistas a facilitar que sejam

aprofundadas ao máximo outras possibilidades da luta popular antifascista”30

.

Ao mesmo tempo, a ARA tinha sofrido um duro golpe com a prisão de seis

dos seus mais experimentados operacionais. De facto, apesar de haver uma separação

entre a ARA e o PCP acabou por haver muitos pontos de contacto e vários militantes e

funcionários sabiam que esta era um “braço armado” do partido. Em finais de maio de

1971 foi preso Augusto Lindolfo, funcionário do PCP, que, apesar de não ter contacto

direto com a ARA, denunciou militantes e simpatizantes do partido que tinham sido

transferidos das suas organizações para a estrutura armada, prestando apoio logístico

ou que estavam a ser preparados para vir a integrar o seu quadro de operacionais.

Com a suspensão das ações foi possível ao Comando Central da ARA manter-

se na clandestinidade até ao 25 de abril de 1974, só sendo dissolvida enquanto tal com

a instauração da democracia.

Atualmente, as correntes predominantes na teoria política preferem ver a

política sob o prisma da produção de consensos, secundarizando o papel da violência

como expressão final de disputa pelo poder. É verdade que a ideia de que a disputa

pelo poder possa ser resolvida sem o recurso à violência é uma ideia central na

democracia e tende a representar um valor importante. No entanto, também é verdade

que a política é uma atividade humana que se estabelece a partir dos conflitos entre

pessoas que vivem em sociedade, o que significa que a violência é intrínseca à própria

sociedade e que a luta pelo poder pressupõem o uso da violência. Deste ponto de

29 Entrevista a Carlos Brito, Alcoutim, 12 de Setembro de 2012

30 IANT/TT – PIDE/DGS – Pr. 16042 SC CI(2), NT: 7761 - “Comunicado do Comando Central

da ARA”, Maio de 1973 pasta 1, fls. 23

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24

vista, a violência é vista como um meio de transformação do sistema político e social.

Como diria Marx “a violência é a parteira da história”.

Para o PCP, quando em 1970 decidiu avançar com a ARA, o uso da violência

era legítimado pela continuação da guerra colonial, cada vez mais contestada pela

sociedade portuguesa. Neste caso, a violência serviria para desgastar o regime que,

flagelado pela guerra colonial, teria de desviar as suas atenções para a metrópole,

desguarnecendo as frentes de combate em África; e permitia chamar da atenção da

comunidade internacional para a contestação interna à ditadura e à guerra colonial.

Num contexto de radicalização política da sociedade portuguesa, cada vez mais

contrária ao regime político vigente e à continuação da guerra colonial, as acções da

ARA tinham como principal função agitar o movimento de massas, flagelar o

dispositivo militar e repressivo do regime e desgastar a ditadura. A guerra, enquanto

modalidade exrema de violência revolucionária, permaneceu como um cenário

redentor e legitimador da violência contra o opressor (neste caso, o estado português

era o opressor colonialista que utilizava a opressão contra os povos das colónias, e era

o opressor dos portugueses que viviam sob um regime político ditatorial, sem direitos

e liberdades). O uso da violência armada era vista como a única forma de, naquele

contexto político, provocar a queda do regime e o fim da guerra, ou seja, só a

violência provocaria a transformação política e social.

Aliás, o PCP, excepto no período de liderança de Júlio Fogaça, nos anos 50,

em que o PCP adoptou a via da transição pacífica, defendeu o uso da violência

política, indo mesmo contra as directrizes do movimento comunista internacional.

No “Rumo à Vitória”, o mais importante contributo teórico e político à linha

do PCP nos anos de clandestinidade, Cunhal reafirmou a necessidade do recurso à

violência, considerando que a ditadura deveria ser derrubada através de uma

“insurreição popular armada”, no entanto, a tónica era colocada no “momento” em

que estariam criadas as condições revolucionárias para eclodir a violência armada.

Essas condições só chegariam com a radicalização da sociedade portuguesa verificada

a partir de finais dos anos 60, com o incremento do movimento de massas a que se

assistia, e com a continuação de uma guerra considerada injusta e que não tinha o

apoio dos portugueses.

A Revolução do 25 de abril de 1974, com os cravos a adornar os canos das

espingardas mas transformando-se rapidamente num processo revolucionário, acabará

por ser o epílogo deste longo processo de radicalização da oposição à ditadura, no

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25

qual a questão do recurso violência sempre esteve presente.

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