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Nova obra do fotógrafo exibe parte da flora do Estado de São Paulo, em imagens de árvores clicadas com negativos preto e branco e impressas em 7 tons cromáticos O livro Raízes – Árvores na Paisagem do Estado de São Paulo, do paranaense Valdir Cruz, é portentoso como as grandes árvores fotografadas por ele. Segue a tradição do autor em registrar a natureza brasileira, um dos motivos de sua vasta e reconhecida obra. Cruz já havia publicado O Caminho das Águas (Cosac Naify-Fundação Stickel, 2008) e manteve a alta qualidade do trabalho nessa nova publicação. No formato 35 x 35 cm, foge dos padrões gráficos tradicionais brasileiros. No entanto, com uma mancha de impressão menor, de 20 x 25,5 cm, ficou apenas com uma ampla margem, o que ressalta ainda mais o grande formato (4 x 5 polegadas) dos negativos originais em preto e branco, que tiveram cuidados de renomado especialista. Os filmes foram manualmente revelados e depois ampliados pelo professor Doug Schwab, da Brooklyn College, em Nova York, Estados Unidos, onde Cruz reside parte do ano. Schwab também trabalhou em conjunto com o curador Robert Gumbo, que cuida da obra do húngaro André Kertész (1894-1985), na edição de dois Por Juan Esteves árvores em arte Livro de Valdir Cruz transforma Imagens que integram o novo livro de Cruz, sobre árvores paulistas: à esquerda, foto de pau-mulato; à direita, registro de um ipê-roxo 32 Fotografe Melhor FOTOS: VALDIR CRUZ ESTANTE

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Nova obra do fotógrafo exibe parte da flora do Estado de São Paulo, em imagens deárvores clicadas com negativos preto e branco e impressas em 7 tons cromáticos

O livro Raízes – Árvores naPaisagem do Estado deSão Paulo, do paranaense

Valdir Cruz, é portentoso como asgrandes árvores fotografadas porele. Segue a tradição do autor emregistrar a natureza brasileira, umdos motivos de sua vasta ereconhecida obra. Cruz já haviapublicado O Caminho das Águas(Cosac Naify-Fundação Stickel,

2008) e manteve a alta qualidade dotrabalho nessa nova publicação.

No formato 35 x 35 cm, fogedos padrões gráficos tradicionaisbrasileiros. No entanto, com umamancha de impressão menor, de 20 x 25,5 cm, ficou apenas comuma ampla margem, o que ressaltaainda mais o grande formato (4 x 5 polegadas) dos negativosoriginais em preto e branco, que

tiveram cuidados de renomadoespecialista. Os filmes forammanualmente revelados e depoisampliados pelo professor DougSchwab, da Brooklyn College, emNova York, Estados Unidos, ondeCruz reside parte do ano. Schwabtambém trabalhou em conjunto como curador Robert Gumbo, que cuidada obra do húngaro André Kertész(1894-1985), na edição de dois

Por Juan Esteves

árvores em arteLivro de Valdir Cruz transforma

Imagens que integram o novo livro de Cruz, sobre árvores paulistas: à esquerda, foto de pau-mulato; à direita, registro de um ipê-roxo

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Acima, a imagem das copas de vários paus-ferro, nome popular para diferentes espécies de árvores, formando um interessante padrão

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livros sobre o famoso fotógrafo:André Kertész: Polaroids (Norton,2007) e On Reading (Norton, 2008)

Robert Hennessey, outro parceiro de longa data, cuidouda digitalização e da separaçãode tons. O norte-americano éautoridade no assunto quando setrata de impressão: já cuidou delivros primorosos como os dos seuscompatriotas Alfred Stieglitz (1864-1946) e Richard Avedon (1923-2004),além de trabalhar para museus comoo MoMA, de Nova York, e a NationalGallery of Art, de Washington.

Segundo o autor, Hennesseyacompanhou “16 horas por dia,durante cinco dias” a impressão dolivro na gráfica. As fotos, que foram

adquiridas pelo governo do Estadode São Paulo, trazem um trabalhoexemplar na impressão: quatrocinzas, dois pretos e, confomeconta o autor, uma novidade: atonalidade selenium. A viragem,tradicionalmente usada com agenteconservador para arquivamentode cópias em gelatina de prata,serviu para tonalizar e preservarcambarás, copaíbas, figueiras eguapevas, entre outras espécies,impressas em papel de algodão.

A ideia da publicação surgiu noinício de 2009, quando o entãogovernador José Serra convidouCruz para desenvolver um projetofotográfico a ser incorporadoao acervo artístico-cultural dos

Palácios do Governo paulista.O fotógrafo fez uma pesquisa como objetivo de ser “singular erepresentativo” com imagens dasárvores no Estado. O própriogovernador apresenta a publicação.

A preservação do patrimônionatural fica, muitas vezes, somenteem imagens. No entanto, seu registroé fundamental por divulgar umanecessária ação conservacionista.

No Brasil, o controle dodesmatamento é praticamenteinexistente. A ilegalidade corre solta,e os focos de conservação sãonotadamente aqueles ligadosà pesquisa. O uso de madeirasnão certificadas também não écontrolado a contento e, pior, nemmesmo a população é esclarecidasobre o uso correto. As autoridadesgovernamentais são omissas porexcelência.

CAÇADORES DE ÁRVORESNo livro, a preservação não se

deu apenas no âmbito artístisco.Metade das imagens de árvorescaptadas ao longo de 2009 pelacâmera Wista com filmes KodakTRI-X foi em fazendas, sítios echácaras particulares, onde oconservacionismo se dá de formamais organizada, embora nãonecessariamente exemplar. Outrotanto foi em parques nacionais eestaduais, usinas, praias e algumasidentificadas apenas pelas regiões,como Santa Cruz das Palmeiras,Americana ou Descalvado.

Há um mapa do Estadomostrando as regiões e as espéciesnelas encontradas, o que facilitamuito a consulta. Cada página deimagem é acompanhada por outracom a legenda completa com onome comum da árvore, o científico,a família e a origem, em português einglês. Resultado do trabalho deuma grande equipe que esteve aolado de Cruz durante o projeto.

Um grupo de “caçadores deárvores”, assim chamados pelo

Ao lado, foto de um jequitibá-rosa,espécie considerada símbolo deSão Paulo: parece até ilustração

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fotógrafo, foi liderado por RenataTilli na pesquisa e localização dasespécies. Uma das áreas maisdifíceis de se chegar, na Serrada Bocaina (32 km a pé), foiprogramada pelo biólogo HerbertSerafim, da USP, que tambémacompanhou o fotógrafo eidentificou as espécies juntamentecom Flores Welle.

Cruz já mostrou em outros livrosque é capaz de fazer uma fusão dearte com engajamento político. Foiassim com o Faces da Floresta – OsYanomami (Cosac Naify, 2004), porexemplo. Em Raízes, o caráterconservacionista do autor é explícito,ainda que as imagens sejam maiscontemplativas, como aquelas feitaspelos norte-americanos AnselAdams (1902-1984), Edward Weston(1886-1958) ou Paul Caponigro.

Publicação para entrar nocânone brasileiro, pela qualidadede conteúdo e de impressão, só

escorrega na apresentação deHubert Alquerés, diretor-presidenteda Imprensa Oficial, ao vincularequivocadamente a obra de Cruzaos conceitos atribuídos ao mestrefrancês Henri Cartier-Bresson(1908-2004), cuja referênciaao “instante decisivo” se dáessencialmente com a imagemflagrante e não àquelas de carátermeditativo, de produção exigente,planejamento e muita reflexão,como as desse livro.

Uma frase atribuída ao mestreAnsel Adams talvez fosse maisapropriada para descrever a uniãode belas imagens com um incomumpatrimônio natural brasileiro,buscado pelo fotógrafo: “Umagrande imagem é aquela queexpressa totalmente o que a pessoasente sobre aquilo que fotografa, emseu sentido mais profundo. Também,a verdadeira expressão de seussentimentos sobre a vida”

(Photographers on Photography, acritical anthology, de Nathan Lyons,Englewood Cliffs, 1966).

ServiçoRaízes – Árvores na paisagem doEstado de São PauloFotografias de Valdir CruzTexto de Ignácio de Loyola BrandãoPublicação da ImprensaOficial/Estado de São PauloISBN 978-85-7060-822-2

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Foto de duas jaqueiras: na impressão, foram usados quatro tons de cinza, dois de preto e o selenium, que gerou uma coloração diferente

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