S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

100

description

Relatório de Investigação Nacional - Projeto "Violence in Transit" - (JUST/2010/DAP3/AG/1231)

Transcript of S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Page 1: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária
Page 2: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

O presente relatório foi realizado no âmbito do projeto “Violence in Transit”(JUST/2010/DAP3/AG/1231), financiado pela Comissão Europeia, ao abrigo doPrograma Daphne III, Direção Geral da Justiça.O projeto foi coordenado pela Associazione On the Road Onlus (Itália) e desen-volvido em colaboração com os parceiros: EAPN Portugal - Rede Europeia AntiPobreza (Portugal), Fundació Apip – Acam (Espanha), Europe Consulting (Itália)e os parceiros associados: Ferrovie dello Stato Italiane (Itália), OSCE-Organiza-tion for Security and Co-operation in Europe - The Office of the Special Repre-sentative and Co-ordinator for Combating Trafficking in Human Being (Aústria).

Todo este Relatório é protegido por direitos de autor. Qualquer reprodução(incluindo fotocópia, digitalização, ou processo eletrónico) e comunicaçãosão proibidas e punidas (a menos que expressamente autorizadas).

O relatório reflete apenas as opiniões dos autores, a Comissão Europeia não éresponsável pela utilização das informações aqui contidas.

Page 3: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

1

Relatório de Investigação Nacional

Projeto Violence in TransitS. Bento no coração da cidade do PortoUma abordagem etnográfica à estação ferroviária

JUNHO 2012

Page 4: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

2

Violence in Transit

FINANCIADORProjeto "Violence in Transit" - Ref. Num. JLS/2009-2010/DAP/AG/1231Programa Específico DAPHNE IIIPrograma Geral “Direitos Fundamentais e Justiça”

ENTIDADE PROMOTORAEAPN Portugal /Rede Europeia Anti Pobreza

ENTIDADE RESPONSÁVEL PELA INVESTIGAÇÃOA3S - Associação para o Empreendedorismo Social e a Sustentabilidade doTerceiro Sector

EQUIPA TÉCNICACarlota Quintão (coordenação)Ana Luísa MartinhoMário BorgesPedro MachadoSandra Oliveira

FOTOGRAFIA: Silvana TorrinhaCARTOGRAFIA: Paula Alexandra RodriguesTRADUÇÃO PARA INGLÊS: Fernando Paz, James Sinclair, Andrea Gaspar

Page 5: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

3

Relatório de Investigação Nacional

IndiceEnquadramento 5

1. O desenho da investigação 81.1. A fase de exploração 91.2. A fase clandestina 121.3. A fase a descoberto 16

2. A Estação de S. Bento no coração da cidade 192.1. S. Bento e o território urbano - o cenário 192.2. As perceções e vivências dos habitantes do espaço social 302.3. A perspetiva dos atores institucionais 422.4. S. Bento no coração da cidade - um retrato dinâmico 50

3. Conclusões e pistas para a investigação e a intervenção 593.1. Questões para a investigação 603.2. Pistas para a intervenção 70

Bibliografia 74

Anexos 76

Page 6: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

4

Violence in Transit

AGRADECIMENTOSCP - Comboios de Portugal, E.P.E.Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.E

LISTA DE SIGLASCP – Comboios de PortugalEAPN Portugal / Rede Europeia Anti PobrezaOTS – Organizações do Terceiro SetorPSP – Polícia de Segurança PúblicaREFER – Rede Ferroviária Nacional RRMD – Redução de Riscos e Minimização de Danos TS – Trabalhadores do sexo

Page 7: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Enquadramento

Este estudo enquadra-se no projeto transnacional Violence inTransit. Este projeto é financiado pelo Programa EspecíficoDAPHNE III - Programa Geral “Direitos Fundamentais e Justiça” epromovido por uma parceria de quatro organizações de três países:a Associação On the Road Onlus (coordenador do Projeto) e aEurope Consulting de Itália, a Associação para a Promoção e aInserção Profissional de Espanha, e a EAPN Portugal. O seuobjectivo é o de investigar e experimentar modelos de intervençãosobre fenómenos de violência juvenil em locais de transporte depassageiros, ou outros de mobilidade de pessoas, nomeadamenteestações ferroviárias em centros urbanos.A eleição destes temas surge em continuidade com o trabalho dosparceiros italianos, que nos últimos anos têm desenvolvido projetosneste tipo de espaços, de que são igualmente exemplos fronteirasterritoriais nacionais ou portos de transportes náuticos. Aexperiência destes parceiros revela que estes territórios tendem aconstituir-se como espaços privilegiados de contacto comfenómenos relacionados com diversas formas de violência,criminalidade e exclusão social. No caso de estações ferroviáriasem meios urbanos verifica-se a ocorrência de fenómenos comotráfico de drogas, prostituição, concentração de sem abrigo oudelinquência. Mais concretamente este trabalho identificou comofenómeno emergente a concentração de grupos de jovensassociados a novas subculturas desviantes. Neste contexto, estas estações podem ser perspectivadas comoespaços físicos e sociais que poderão apresentar características quefavorecem a ocorrência destes fenómenos. Por exemplo, tendem aser edifícios de grande escala, cujas respetivas infraestruturasferroviárias têm impactes significativos na estruturação do territóriourbano envolvente, criando espaços onde se verifica um fracocontrolo social. A sua implantação tem implicações na ocupação edivisão funcional dos espaços e nas respetivas atividadeseconómicas e sociais que se desenvolvem em torno destesequipamentos de transporte de passageiros e mercadorias,

5

Relatório de Investigação Nacional

Page 8: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

designadamente estruturas de armazenamento, acessos e transportesrodoviários. Por vezes, as estações são também estruturas periféricasrelativamente a outros locais de maior centralidade simbólica emaior concentração das dinâmicas populacionais, como praças ouparques urbanos, o que dificulta igualmente o controlo social. Sãoainda espaços que facilitam o anonimato devido à elevadacirculação de pessoas, e uma das vias de chegada à cidade depessoas que são ‘de fora’ e, consequentemente, mais vulneráveis.Esta experiência constitui o ponto de partida para o desenho de umprojeto de investigação-ação que visa aprofundar o trabalhodesenvolvido em Itália e explorar estes temas em Espanha e Portugal,através de três estudos de caso. Respectivamente estes são: Pescara,Barcelona e Porto. No caso do Porto o projecto seleccionou S.Bento, uma das duas estações de comboios da cidade.

Globalmente o projeto estrutura-se em quatro fases: 1) realizaçãodas investigações nacionais; 2) desenho e implementação deexperiências de intervenção sobre os fenómenos estudados nos trêscasos; 3) reflexão em torno da criação de um modelo deplaneamento e intervenção sobre estes fenómenos sociais, centradonas características específicas deste tipo de território; 4) ações dedisseminação e transferência de resultados. Para a realização das investigações nacionais e atendendo àcomparabilidade dos resultados, o projeto definiu orientações,incluindo instrumentos comuns de recolha de informação primária.Estas orientações são as de uma abordagem centrada no territórioem análise com recurso a métodos etnográficos, nomeadamente àtécnica da observação em complementaridade com entrevistas comatores locais.O presente estudo concretiza a primeira fase do projeto nacomponente de investigação portuguesa. A partir das linhas geraisde enquadramento do projeto e das suas margens de flexibilidadeno ajustamento às características específicas de cada caso,desenhamos uma abordagem ancorada num paradigma deinvestigação qualitativa, de base indutiva e fenomenológica. Oconhecimento e as percepções prévios da equipa de investigação,bem como os primeiros resultados da fase exploratória,

6

Violence in Transit

Page 9: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

evidenciaram a maior capacidade heurística desta opção,comparativamente com uma abordagem orientada por uma lógicahipotético-dedutiva.Efectivamente, a combinatória de problemáticas teóricas centraispara o projeto - violência, juventude e estações ferroviárias/locaisde mobilidade de pessoas - surge com um carácter excêntrico nocontexto nacional. Ou seja, a hipótese segundo a qual as estaçõesferroviárias são locais privilegiados de ocorrência de fenómenos deviolência juvenil, não encontra sinais empíricos significativos, nemeco na investigação científica em Portugal.

No entanto, a estação de S. Bento constitui reconhecidamente umterritório onde se manifestam problemáticas identificadasigualmente pela experiência italiana, entre as quais a delinquência,a prostituição ou a toxicodependência. Neste sentido, este estudode caso configura-se pertinente para a exploração da hipótese deexistência de uma relação entre as características específicas destetipo de espaço físico e social e a manifestação de fenómenos nocampo teórico mais amplo da pobreza e exclusão social. Perante este contexto, situamos a investigação numa perspetivaeminentemente exploratória, orientada por questões abertas departida. Estas visam compreender e caracterizar as problemáticassociais presentes no território de S. Bento, e a violência juvenil emparticular, bem como, de perscrutar a relação entre a ocorrênciadestes fenómenos e as características específicas deste espaço.

Realizada entre dezembro de 2011 e abril de 2012, estainvestigação assume a configuração de um estudo etnográfico,dentro dos limites de recursos disponíveis, nomeadamente daescassez de tempo. Com apenas 12 semanas de trabalho de terreno,a possibilidade de aplicação de técnicas etnográficas maisexigentes, nomeadamente as de participação dos investigadores naprópria realidade empírica estudada, ficou inviabilizada à partida.Este estudo estrutura-se em três pontos. O primeiro dá conta dodesenho e percurso da investigação, o segundo apresenta osresultados da análise empírica e o último apresenta as conclusões epistas para as fases subsequentes do projecto.

7

Relatório de Investigação Nacional

Page 10: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária
Page 11: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

1. O desenho da investigação

Esta investigação foi pautada por um paradigma de análise intensivacentrado na compreensão em profundidade do objeto de estudo -Estação de S. Bento. Com base num número restrito de dimensõesde análise, privilegiamos uma abordagem interpretativa situando ainvestigação num contexto de descoberta, ao invés de procurartestar hipóteses. Partimos para a exploração do nosso objetoempírico através de três questões de partida:1. Como se caracteriza S. Bento enquanto estudo de caso de um

espaço cuja função relativa ao transporte de passageiros originauma forte mobilidade de pessoas?

2. Que fenómenos sociais no quadro da pobreza, da exclusãosocial e da violência juvenil se verificam em S. Bento?

3. Em que medida está a ocorrência desses fenómenos associada àestação e às características específicas deste espaço?

Seguimos os procedimentos metodológicos próprios de abordagensqualitativas que nos permitiram assegurar uma “triangulaçãoperspectivacional” (Pais,2000, p. 14). Adotamos particularmente osprincípios teórico-metodológicos e os instrumentos de recolha deinformação empírica próprios da etnografia. A técnica deobservação, complementada com o recurso ao diário de campo,desempenhou um papel estruturante na estratégia de abordagem aoterreno. Esta técnica, presente desde a fase exploratória, implicouuma reflexão permanente das estratégias de ‘estar’ no terreno e deinteragir com os seus atores. Designadamente implicou umpercurso faseado, durante o qual as técnicas complementares derecolha de informação (análise bibliográfica e entrevistas) foramestrategicamente planeadas e redesenhadas em função doconhecimento e experiência adquiridos. Foram portanto valorizadas as técnicas abertas de recolha de dadose as amostras intencionais/teóricas, com desenhos de investigaçãoemergentes ou em cascata (Pais, 2000, p. 14), caracterizadas pelorecurso a um certo ecletismo metodológico. A abordagem foiessencialmente indutiva e fenomenológica, tendo partido doterreno para enformar toda a investigação, ou seja, valorizou-se a

9

Relatório de Investigação Nacional

Page 12: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

“experiência como ponto de partida para a generalização doconhecimento” (Freixo, 2009, p. 77). A investigação estruturou-seem três fases. O próximo esquema resume o trajeto realizado, oqual seguidamente é descrito em detalhe.

Quadro 1 | Percurso da Investigação

1.1. Fase exploratória

No momento de partida a equipa de investigadores trazia nabagagem os instrumentos científicos mencionados, bem como umpatrimónio vivido do próprio objeto de estudo. Efetivamente, S.Bento está localizada no centro da cidade, na qual todos osinvestigadores residem e/ou desenvolvem a sua vida quotidiana,sendo igualmente utilizadores da estação.Neste contexto, a primeira estratégia adotada foi a de proceder adeambulações pelo território, ao que podemos chamar de“observação flutuante” (Pais, 2000: 14). Tratou-se neste caso deexperienciar o espaço, para lá do senso comum e das preconceções

10

Violence in Transit

Fonte: autores

Page 13: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

dos investigadores, para observar um retalho do território urbanocomo objeto de estudo científico. Nesta fase inicial de interaçãosocial, referida por vários autores (Arborio e Fournier, 1999; Peretz,2000) como essencial para conhecer o terreno e aumentar o sucessoda relação do observador com o meio, procuramos uma rupturaepistemológica com a familiaridade adquirida no quotidiano. Nestaprimeira imersão no terreno, não recorremos a nenhum instrumentode registo, valorizando a reflexão crítica de desconstrução dosaprioris e do seu potencial enviesamento da análise.Complementarmente à observação flutuante procedemos àinventariação dos atores sociais potencialmente relevantes paraentrevistar. Identificamos 25 atores, incluindo as organizações comresponsabilidade direta sobre a gestão e segurança do espaçopúblico, OTS e outros informantes privilegiados. Foram realizadastrês entrevistas exploratórias1. Junto da CP visamos explicar osobjetivos e a metodologia do projeto, esclarecer os procedimentoslogísticos e formais do trabalho de terreno e recolher informaçãosobre os fenómenos de violência e exclusão percecionados noterritório, bem como sobre as suas intervenções face aos mesmos.Junto de dois informantes privilegiados, com relações deproximidade com os fenómenos em análise, realizamos entrevistasem contextos mais informais. Paralelamente, demos início à pesquisa bibliográfica em bases dedados on-line, bibliotecas, centros documentais, instituições e sites dereferência2. Os objetivos foram os de inventariar a produção deinvestigação em Portugal sobre os temas em análise entre 2001 e2011. Selecionámos um conjunto de palavras-chave de acordo, porum lado, com a matriz de análise espacial (estação de S. Bento, Porto,estações/locais de mobilidade de passageiros), por outro, com asproblemáticas teóricas da investigação. Neste domínio privilegiamosprimeiramente a violência juvenil (juventude/jovens; violência), ecomplementarmente outras palavras e conceitos que foram surgindoassociados a estes fenómenos, tais como: delinquência, criminalidade,

11

Relatório de Investigação Nacional

1. Anexo I| Guião de entrevista exploratória2. Anexo II |Lista das bases de dados consultados

Page 14: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

pobreza, exclusão social, marginalidade e diversas problemáticasdentro do campo dos comportamentos desviantes: consumo dedrogas, trabalho sexual, sem-abrigo, entre outras.Esta fase de trabalho levou a uma conclusão central para o curso dainvestigação. Constatamos como desadequada a ênfase dada aofenómeno da violência juvenil. A expressão deste fenómenoevidenciou-se sem relevância no caso concreto, tanto pela nossaobservação, como pelos testemunhos dos atores entrevistados. Osfenómenos observados não envolvem particularmente a populaçãojovem e o cenário é o da manifestação de vários tipos de desvio social.Este tema está também ausente das prioridades das entidadesresponsáveis pela segurança pública e pela gestão das estruturasferroviárias ao nível nacional, assumindo um caráter residual,episódico e disperso. É igualmente um tema ausente daspreocupações da investigação científica. Neste sentido, esta variávelpassou a ter um estatuto igual às restantes variáveis de análise, noquadro mais amplo das problemáticas de exclusão social. Desta fase resultaram ainda outros instrumentos importantes,nomeadamente:- Uma análise espacial aprofundada e sistematizada num

primeiro mapa de caracterização do espaço físico e social daestação, identificando os atores, as vivências e as configuraçõesde diferentes micro espaços.

- Um ajustamento das grelhas de observação3. Para além dareorganização dos registos em dois campos de observação –“caracterização espaço/ator” e “caracterização fenómeno/ator” –foram incluídas novas categorias de preenchimento comênfase em dados qualitativos, bem como um espaço para odiário de campo.

- Uma primeira categorização do levantamento bibliográfico poríndice temático e obras de referência.

Estes resultados levaram-nos a conduzir a investigação para umanova fase.

12

Violence in Transit

3. Anexo III |Grelha de observação direta

Page 15: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

1.2. Fase clandestina

Nesta fase desenvolvemos, paralelamente, um aprofundamento dotrabalho de terreno e a análise bibliográfica.Prosseguimos o trabalho de terreno centrado na técnica de‘observação direta’ na medida em que foi particularmenteorientada para investigar “comportamentos que não são facilmenteverbalizados” (Peneff, 1992 cit. Por Arborio e Fournier, 1999, p.20).Foi inviável aplicar a técnica de observação participante, namedida em que implicaria um “período prolongado de persistênciano terreno” (Caria, 2003: 12), enquanto membro do grupoestudado. Procedemos a uma “observação presencial” ou in situ(Pais, 2000: 14). A observação não participante é caracterizada porAlmeida e Pinto (1995) como aquela em que não existe“intervenção do observador nos grupos, nas situações, nosprocessos sociais em análise” (p. 108). No sentido de garantir ohabitual funcionamento das rotinas no espaço, bem como a suamelhor compreensão, optamos por desenvolver uma observaçãoclandestina (Arborio e Fournier, 1999; Peretz, 2000). Foram preenchidas 19 grelhas de observação, com os respetivosregistos de diário de campo. Pretendeu-se com uma abordagemdescritiva, ao longo da nossa familiarização com o terreno, apreenderquais eram as realidades que se iam repetindo e também quais eramas singularidades de cada situação. Os diários comportam umconjunto de considerações metodológicas e “dicas” para o futurotrabalho de campo, registos das conversas com as pessoas quehabitam o espaço e que testemunham os fenómenos sociais emanálise e informação de cariz subjetivo - primeiras impressões;aspetos surpreendentes e confirmações de expectativas prévias; notasda experiência individual de cada investigador. Assim, podemosafirmar que o próprio processo de redação do diário de campo, e oprocesso reflexivo a montante e a jusante do mesmo, se traduzemnum “processo de construção do sentido” (Fernandes, 2003, p. 26). Procedemos a uma observação metódica e sistemática, distribuídapelos diversos dias da semana e horas do dia. Num curto espaço detempo a clandestinidade e discrição dos observadores foi colocadaem causa. A observação por períodos de tempo longos, sobretudo

13

Relatório de Investigação Nacional

Page 16: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

por um investigador isolado, ficou claramente comprometida. Sendopoucas as pessoas que permanecem duradouramente no espaço, ospróprios investigadores tornavam-se igualmente alvo de observação.Com efeito, importa ressalvar que os locais de observação sãoexíguos e que o fluxo de pessoas não permite a permanência dosinvestigadores em regime de anonimato. Os agentes de segurançaem particular, pela incumbência das suas funções, procedem a umaanálise cuidadosa do comportamento de todos os que permanecemna estação, condicionando o ‘estar’ dos investigadores no terreno. Neste sentido, a estratégia passou por realizar turnos maispequenos e com maior alternância entre os observadores,conjugados com a marcação de observações mais longas, quedenominamos de ‘maratonas de observação’. Estas últimaspermitiram uma melhor compreensão das mudanças dosfenómenos em análise ao longo de um dia completo.Simultaneamente foram realizadas as entrevistas semidiretivas ainstituições com intervenção no território em análise. Foi estabelecidoum critério de seleção dos entrevistados segundo uma lógica espiralprogressiva em função da sua relação com o espaço e da suaintervenção direta no mesmo - do centro (estação) para a periferia(território envolvente). Realizámos entrevistas a um total de seis atoresinstitucionais: três, a representantes de organismos de segurança daestação (o inspetor responsável pela Segurança Ferroviária da CP;agentes da Polícia Ferroviária) e espaço envolvente (agentes da Políciade Segurança Pública); três, a técnicos das OTS com intervençãodireta na zona de S. Bento (a APF, através do Espaço Pessoa, Centro deEncontro e Apoio a Prostitutas (os) Médicos do Mundo e a Arrimo). Oguião de entrevista foi constituído por tópicos de modo a deixar aosentrevistados uma certa liberdade, que se refletiu na duração dasmesmas e na diversidade das respostas. As entrevistas decorreram nassedes das instituições, por opção dos entrevistados. Nesta fase do trabalho de terreno, concluímos ter esgotado aviabilidade da observação clandestina e esgotado igualmente asentrevistas aos atores institucionais que mais direta e significativamentetêm intervindo em S. Bento. A restante lista de atores inventariados foiconsiderada potencialmente útil para pensar nas estratégias deintervenção a implementar nas próximas fases do projeto.

14

Violence in Transit

Page 17: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Do ponto de vista da caracterização do objeto de estudo, asconclusões revelam uma uniformidade e congruência dosresultados obtidos a partir da observação e dos testemunhos dosentrevistados. O cenário geral dos fenómenos que ocorrem noterritório, bem como a sua manifestação em diferentes micro-espaços, estava globalmente apreendido.Estas conclusões conduziram a investigação para uma nova fase deobservação declarada, articulada com as entrevistas abertas aosatores que habitam o território. Neste sentido, construímos um guiãode raiz4 dirigido a estes interlocutores que pretendeu captar de formaaberta as suas perceções sobre o território. Designadamente, o novoguião possibilitou uma maior liberdade de conteúdos, ao nãointroduzir temas não abordados pelos entrevistados, e uma maiorfluidez de discurso, permitindo assim apreender as construções desentido dos próprios sujeitos.Paralelamente ao trabalho de terreno, a análise bibliográfica edocumental seguiu uma estratégia de seleção e análise de conteúdoorientada pelo seguinte esquema lógico.

Figura 1| Esquema lógico

15

Relatório de Investigação Nacional

Fonte: autores

4. Anexo IV | Guião aberto entrevista aos atores residentes

Page 18: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

As principais conclusões desta análise foram as seguintes: - A investigação sobre a violência juvenil em Portugal é muito

escassa, e é nula relativamente ao caso específico destefenómeno no Porto ou em espaços de trânsito ou mobilidade depassageiros, incluindo a estação de S. Bento.

- Existe uma grande produção científica sobre violência, contudoabordando esta temática em sentido amplo ou com umaespecial incidência nos temas da violência sobre a mulher e semuma correlação significativa com o tema da juventude. Emtermos teóricos o tema da juventude surge particularmenteenquadrado no conceito de delinquência.

- Os comportamentos desviantes nos jovens tendem a serinvestigados em cruzamento com o consumo de drogas e outrosfatores condicionantes, nomeadamente com os contextosdesfavorecidos de origem ou a parentalidade deficitária.

Desta análise resultaram fichas de leitura que sustentaram ainvestigação quer no domínio metodológico, quer no domínioteórico, permitindo sistematizar um conjunto de instrumentosconcetuais para a leitura da especificidade dos diferentesfenómenos observados. Conceitos como os de comportamentodesviante, marginalidade, delinquência, criminalidade, violência,pobreza e exclusão social, são fundamentais para a apreender acomplexidade do nosso objeto de estudo.Neste ponto apercebemo-nos também da necessidade de concluiro trabalho de terreno e avançar para o tratamento e análise dosdados empíricos, para posteriormente completar a pesquisa eanálise bibliográfica. Tratou-se de completar a pesquisa dainformação relevante, nomeadamente aquela relativa àcaracterização e análise do território urbano.

1.3. Fase a descoberto

A fase final da investigação foi dedicada à conclusão do trabalho deterreno, ao tratamento e à análise da informação, bem como àconclusão da análise documental.

16

Violence in Transit

Page 19: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Realizámos uma observação direta e declarada, na medida em quefoi articulada com entrevistas abertas aos atores que habitam oterritório de estudo (que lá passam grande parte do seu quotidiano).O princípio desta abordagem foi o de elaborar um número restritode questões abertas, sem pressupor de partida a existência ou afocalização da conversa sobre as problemáticas sociais em análise.O guião de entrevista foi constituído apenas por dois temas gerais– as perceções e vivências sobre a estação e sobre a intervençãosobre a mesma – os quais constituíram tópicos para oaprofundamento das conversas. Procurou-se um ambiente informal,a fim de deixar os entrevistados à vontade face à situação deentrevista que sabemos representar sempre um momento “sob oconstrangimento de estruturas sociais” (Dias in Esteves; Azevedo,1998: 43). No mesmo sentido, estas entrevistas foram feitas naestação e nos respetivos locais de trabalho e de lazer dosentrevistados. Os resultados foram conversas com orientações econteúdos muito diversificados, e com durações e níveis deprofundidade bastante variáveis entre si.Realizamos um conjunto de 34 entrevistas, a pessoas quetrabalham no território, cinco das quais pessoas queexperienciam situações de exclusão social (consumidores dedrogas e TS). O guião de entrevista foi o mesmo para ambos ostipos de interlocutores. A estratégia de abordagem aos atores noterreno foi distinta para os diferentes espaços físicos quecompõem a globalidade do território em análise e para osdiferentes atores.

Junto dos atores que se situam no exterior da estação, declarámosque nos encontrávamos a colaborar com a EAPN Portugal numacaracterização/descrição de S. Bento. Alguns lojistas recusaram-sea falar, alegando indisponibilidade ou manifestando receio,eventualmente relacionadas com situações irregulares deimigração. No interior da estação, o nosso contacto direto comcomerciantes e seguranças foi precedido da comunicação préviapor parte do responsável pelo Gabinete de Segurança Ferroviária.Podemos afirmar que abordamos a quase totalidade do universo deatores e que a taxa de sucesso foi elevada.

17

Relatório de Investigação Nacional

Page 20: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

No que se refere às pessoas envolvidas nos fenómenos sociais emanálise, optamos por uma abordagem em bola de neve. Solicitamosinicialmente a mediação de dois atores distintos. Por um lado, auma das lojistas entrevistada, a qual revelou uma proximidade comestas mulheres que diariamente se encontram no local, e particularsensibilidade para com a temática. Por outro lado, à OTS queintervém diretamente em S. Bento e, mais concretamente, aoeducador de pares que com esta colabora. Obtivemos uma amostrade cinco entrevistas, três homens consumidores de drogas e duasmulheres TS.

O limite temporal da investigação impediu o alargamento daamostra. No entanto, importa sublinhar que, do ponto de vistaquantitativo, as estimativas do número de pessoas envolvidas nosdois fenómenos mencionados e que habitam regularmente oespaço indicam valores na ordem da dezena, no caso das mulheresTS, e das duas dezenas, no caso dos consumidores de drogas.

Para além destas duas problemáticas e perante a compreensão dacomplexidade dos fenómenos desviantes identificados, importaainda referir a expectável dificuldade de acesso à maioria daspessoas envolvidas nos mesmos. A ilegalidade das práticas dealguns, a profunda reprovação social das práticas de outros ouainda as condições de saúde mental ou os estados de consciênciaalterados, são alguns dos fatores que implicariam uma abordagemmais complexa e prolongada no tempo.

A matriz de análise territorial que guiou o nosso estudo, bemcomo a natureza da informação e da abordagem que adotamoslevou-nos a uma apresentação dos resultados inspirada noscontributos da antropologia visual. O próximo capítulo expõeestes resultados. Os temas são abordados com o rigor científicoexigido a um estudo desta natureza, sendo a análise do territórioapresentada com o recurso a uma linguagem cinematográficaque pretende permitir a visualização do mesmo e dos seusfenómenos, particularmente a quem desconhece o território(Ribeiro, 2004).

18

Violence in Transit

Page 21: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Começamos pela nossa análise descritiva do objeto de estudo e doseu enquadramento no território urbano, a partir da observação e daanálise documental. Procuramos ilustrar a reflexão com recurso àfotografia e à cartografia. Seguidamente são apresentadas asperspetivas dos protagonistas deste cenário: as pessoas que habitameste espaço social e os atores institucionais que sobre ele intervêm.Concluímos a apresentação destes resultados com a proposta deuma narrativa imagética - ‘Um dia comum em S. Bento’ -, deinspiração cinematográfica e literária, convidando o leitor a colocar-se na experiência do “estar” e observar o nosso objeto de estudo.

No capítulo final sistematizamos as conclusões da análise dosdados empíricos a partir das problemáticas teóricas em análise.Trata-se de contribuir para a problematização da hipótese dasestações ferroviárias como espaços privilegiados para amanifestação de fenómenos de pobreza e exclusão social, e parao diagnóstico de necessidades e recursos, lançando pistas para afase de intervenção.

Este estudo assume portanto um perfil etnográfico, quer pelodesenho da investigação, quer pelas opções de tratamento eapresentação dos resultados. Exemplos claros desta “análiseholística do social” (Caria, 2003, p.14) são a combinação ecléticade técnicas qualitativas, o recurso ao diário de campo, asorientações relativas ao prolongamento das observações porperíodos mais extensos, ou o recurso a uma linguagem visual.Todavia, o enquadramento da investigação, nomeadamente osobjetivos e a programação do Violence in Transit, impediram aintegração de elementos, por regra centrais, das abordagensetnográficas. Impediram designadamente, um período prolongadode permanência no terreno e a aplicação da técnica de observaçãoparticipante (Caria, 2000, p. 12).

19

Relatório de Investigação Nacional

Page 22: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

2. A estação de S. Bento no coraçãoda cidade

2.1. S. Bento e o território urbano – o cenário

S. Bento situa-se na Sé, uma das mais antigas freguesias do Porto elocal de estabelecimento dos primeiros povoados que deramorigem à cidade. Analisando o desenvolvimento urbano doterritório, a estação encontra-se precisamente na fronteira entre acidade medieval e a cidade moderna, que se desenvolveu ao longodos séculos XVIII, XIX e XX. O centro histórico, composto porquatro freguesias (Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória), é, desde 1996,reconhecido pela UNESCO como Património Mundial, dadas assuas idiossincrasias paisagísticas, patrimoniais, históricas eculturais. A zona classificada circunscreve, além de outras áreasadjacentes, toda a extensão abrangida pelo traçado medieval dasantigas muralhas Fernandinas, erigidas no séc. XIV com o intuito deproteger o burgo que aí se consolidava.

Estas freguesias são ainda hoje habitadas por populações locaiscom culturas identitárias de forte expressão bairrista. Do ponto devista físico são áreas urbanas envelhecidas, onde existe umelevado número de edifícios devolutos, não obstante asignificativa intervenção ao nível das políticas de requalificaçãourbana e de revitalização económica, social e cultural de que temsido alvo. Esta zona histórica prevalece dedicada à funçãoresidencial, incluindo pequeno comércio e serviços deproximidade, mas também às funções comerciais, de serviços eassociadas ao turismo, típicas dos atuais centros urbanos. Alvo denumerosas intervenções nos últimos anos, incluindo orealojamento de parte da população em concelhos limítrofes, estazona tem verificado uma intensa perda e envelhecimentopopulacional. Os últimos dados dos Censos do INE disponíveis aonível da freguesia, indicam uma população aproximada de 13000 habitantes em 2001 e uma perda populacional superior a

20

Violence in Transit

Page 23: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

50% relativamente aos censos de 1981, quando este valor era de28 000 habitantes. Estima-se que esta tendência se tem agravadonesta zona, à semelhança da perda populacional verificada parao conjunto das freguesias que compõem a área delimitada dacidade do Porto, com 327 mil habitantes em 1981, 302 mil em1991 e 237 mil em 2011.

De acordo com o Diagnóstico Social do Porto5, “no contextourbano portuense, o centro histórico é caracterizado como umazona problemática em termos sociais, com elevadas taxas dedesemprego, proliferação de marginalidade, tráfego deestupefacientes, marginalidade e pequena delinquência. Estacaracterística tem vindo a ser atenuada, pelo facto de ser uma zonacom um elevado poder de atração turística, e também por ser umponto de referência da vida noturna. […] A degradação doedificado provoca uma sensação de insegurança muito grande, quese torna demovedor de vontades de permanecer na zona, bemcomo um facto dissuasor de atrair novos residentes. Se aliarmos amigração, a obsolescência do comércio tradicional, a insegurança,deparamo-nos com um dos principais triângulos constrangedoresdo desenvolvimento da Zona” (p. 23).

A cidade moderna expandiu-se, em torno deste núcleo urbanomedieval. Novas vias rasgaram a cidade a norte e noroeste para aszonas dos Aliados, da Batalha e de São Lázaro (o que hoje se designapor ‘baixa da cidade’, não obstante o caráter montanhoso doterritório). Ao longo do rio, em continuidade com a Sé, estendeu-se amancha de bairros populares, que se expandiu significativamente noséculo XX com a industrialização da zona oriental da cidade. Só nos

21

Relatório de Investigação Nacional

5. O Diagnóstico Social do Porto é desenvolvido pela Rede Social Concelhia. “ARede Social é um fórum de articulação e congregação de esforços das autarquias ede entidades públicas ou privadas com vista à erradicação ou atenuação da pobrezae da exclusão e à promoção do desenvolvimento social. [...]A gestão, dinamização,acompanhamento e avaliação do Programa Rede Social é da competência doMinistério da Solidariedade e da Segurança Social.” (Fonte: site da Segurança Social,disponível em: http://195.245.197.202/left.asp?03.06.10, consultado a 13.05.12).

Page 24: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

séculos XIX e XX, a cidade cresceu na direção poente,nomeadamente para a zona da Boavista, que integra a atualdelimitação do centro urbano do Porto. Todavia, este é já umterritório significativamente distante do nosso objeto de estudo.

Após o crescimento das periferias urbanas que formam hoje aárea metropolitana do Porto, e da consequente desertificação dabaixa e degradação do centro histórico, estas zonas tem sidoalvo de processos de requalificação, de que são exemplos aIniciativa Comunitária URBAN, Porto Capital Europeia daCultura 2001 ou as intervenções resultantes da classificação dePorto Património Mundial.

Numa escala mais ampla, importa igualmente mencionar a entradaem funcionamento do Metro do Porto (2002), pelo impactoestrutural na rede de transportes urbanos e suburbanos. O Metroreforçou nomeadamente, as alternativas ao transporte ferroviárioentre a zona oriental da cidade - a estação de Campanhã – e ocentro da cidade – S. Bento. De acordo com os dados da CP (E1),se no primeiro ano de entrada em funcionamento do Metro, aestação de S. Bento verificou uma perda de 5% no volume total depassageiros, no segundo ano, este volume inverteu a tendência,aumentando para 15%.

Atualmente a zona histórica e a ‘baixa da cidade’ verificamfenómenos de valorização imobiliária, de aumento do interesseturístico, intensificação da vida noturna, cafés, restaurantes,hotéis, bares, etc. Os próximos mapas apresentam o enquadramento de S. Bento noterritório urbano.

22

Violence in Transit

Page 25: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

23

Relatório de Investigação Nacional

MAPA 1 – Delimitação do centro urbano da cidade do Porto

MAPA 2 - Localização de S. Bento no centro histórico do Porto

Page 26: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Num período marcado pela expansão da rede ferroviária emPortugal, a estação de S. Bento iniciou o seu funcionamento em1896, apesar de a sua inauguração oficial só ter sido realizada 20anos mais tarde. Construído sobre o local do antigo Convento deS. Bento de Ave-Maria, o edifício que a alberga detém umelevado valor patrimonial. Referenciada nos roteiros turísticos econsiderada, em agosto de 2011 pela revista Travel + Lesure,como uma das mais belas estações do mundo, S. Bento éconhecida pelos paneis de azulejos que forram as paredes doátrio principal, alusivos a acontecimentos ou períodos quemarcaram a história do país. Dado o seu valor patrimonial, o edifício torna-se num dosgrandes pontos de atração da cidade, recebendo diariamenteinúmeras visitas turísticas. Esta relação com a indústria do lazertorna-se também evidente pela localização de um Posto deTurismo, a escassos metros da estação.

Desde 1877 que a estação ferroviária de Campanhã servia já acidade do Porto. Apesar da preponderância que esta assumia notransporte de passageiros e mercadorias, subsistia o inconvenienteda sua localização na zona oriental, então periférica ao perímetroda cidade e longe do centro urbano. S. Bento estabeleceu estaligação, cumprindo assim uma função ‘metropolitana’ e facilitandoigualmente a ligação à capital.

A esta função ‘metropolitana’ acresce, com a progressivaconstrução da rede ferroviária, a função de ligação direta comoutras regiões do país. S. Bento é hoje o ponto terminal da linharegional do Norte e das linhas suburbanas do Douro, Minho eGuimarães. No ano de 2011 a estação verificou uma média diáriade 31850 passageiros, correspondendo 95% deste movimento aserviço suburbano. Campanhã é o ponto de ligação aos serviços delongo curso, designadamente à linha regional do sul, bem comoaos serviços internacionais.

Numa perspetiva morfológica e topográfica, S. Bento situa-se notopo de uma elevação rochosa, no limite do centro histórico

24

Violence in Transit

Page 27: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

medieval. Das traseiras da estação (lado este), e até à zona daBatalha, o terreno ergue-se num novo bloco granítico perfurado porum túnel que serve a circulação ferroviária que dá acesso à gare. A norte, a estação está no limiar da cidade moderna, através dacontinuidade da Praça Almeida Garrett com a Avenida dosAliados, a Rua de Sá da Bandeira e a Rua 31 de Janeiro. Esta última, com uma inclinação íngreme liga a estação à Praçada Batalha. O edifício possui três frentes: a porta norte, quepermite o acesso à Rua da Madeira; a porta poente, entradaprincipal voltada para a Praça Almeida Garrett; e a porta sul,que liga à Rua do Loureiro. Trata-se, portanto, de um espaçocircunscrito no território, rodeado por vias de circulaçãoautomóvel estreitas.

A Estação de S. Bento

25

Relatório de Investigação Nacional

Page 28: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

26

Violence in Transit

MAPA 3 - Levantamento funcional de S. Bento e ruas envolventes

O território urbano em análise envolve funções diversas, tais comoresidenciais, comerciais, turísticas e de lazer, como se podeobservar no mapa que a seguir se apresenta.

A Rua do Loureiro é contígua ao bairro da Sé e caracteriza-sepela sua função habitacional, mas também pelo comércio e,pontualmente, por pensões e serviços de proximidade. É uma rua com uma longa tradição no comércio deeletrodomésticos e de outros produtos eletrónicos de baixopreço, bem como afamada pela venda de produtos decontrabando e contrafação.

Recentemente, esta rua tem sido escolhida por imigrantes indo-asiáticos que aí sediam as suas lojas de vestuário, ‘bugigangas’e comércio de produtos de baixo preço. É uma rua com circulação automóvel apesar do seu perfilestreito e acidentado. Liga a Praça da Batalha com S. Bento,sendo uma zona onde é historicamente reconhecida a presençade casas de alterne e vida boémia.

Page 29: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Rua do Loureiro

No lado oposto, na Rua da Madeira, a habitação é escassa everifica-se uma concentração de serviços de restauração,frequentes nas imediações das estações ferroviárias. São cerca decinco tascos, casas de pasto ou cafés. Há ainda umestabelecimento de diversão noturna. A circulação automóvelexistente realiza-se apenas numa parte da rua e para acesso dosmoradores e cargas e descargas, bem como ao parque deestacionamento ao ar livre, pertencente à estação. A rua vaiestreitando e subindo convertendo-se em escadas que levam, maisuma vez, à Praça da Batalha.

27

Relatório de Investigação Nacional

Page 30: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Rua da Madeira

Na frente da estação existem estabelecimentos comerciais e deserviços característicos dos espaços urbanos centrais, como umposto de turismo, cafés-esplanada, lojas de recordações turísticas,um cabeleireiro ou um hotel de luxo.O edifício da estação integra uma combinatória de serviços, paraalém da sua função central de transporte de passageiros. Nas partesexteriores laterais, tanto na Rua da Madeira como na Rua doLoureiro, existe um parque de estacionamento automóvel ao arlivre. No edifício central funcionam os serviços da própria CP e umquartel de Bombeiros. O interior da estação é composto por quatroespaços: o átrio, a gare e espaços de circulação que ligam às saídaslaterais. Na gare concentram-se serviços como uma cafetaria, umabanca de doces tradicionais, quiosques de revistas, roupa erelógios, uma livraria, uma casa de venda dos famosos vinhos daregião do Douro e uma loja de serviços de lazer turístico.

28

Violence in Transit

Page 31: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Interior da Estação de S. Bento

29

Relatório de Investigação Nacional

Page 32: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Resumidamente S. Bento é uma estação localizada no coraçãodo centro urbano, e está diretamente ligada à Avenida dosAliados que é o ponto central da baixa da cidade. Esta Avenida éum local carismático com elevado valor simbólico, onde selocaliza a Câmara Municipal e onde se tendem a concentrar asgrandes celebrações populares e manifestações cívicas. Ocenário é o típico dos espaços ‘nobres’ dos centros urbanos emgeral. Aqui se localizam cafés-esplanada, lojas de recordaçõesturísticas, bancos, serviços de proximidade, hotéis, McDonalds,entre outros.

S. Bento apresenta a particularidade de estar localizada na fronteiraterritorial da cidade moderna com a cidade medieval. A primeiracaracterizada por um quotidiano frenético e tendencialmenteanónimo, animado diariamente por migrantes pendulares queestabelecem com a baixa uma relação meramente funcional. Maisrecentemente é também frequentada por novos residentes e a vidanoturna é mais intensa. A segunda, a cidade de tradição bairrista epopular, onde prevalecem lógicas de utilização do espaço urbanoassociadas à função residencial combinadas com as restanteslógicas do centro urbano.

Numa observação mais micro, o seu edifício está fisicamentecircunscrito, quer pelas vias de circulação automóvel estreitas, querpela sua implementação na morfologia do terreno.

2.2. As perceções e vivências dos habitantes do espaço social

Apresentada a estação e da sua inscrição no território urbano,começamos por dar conta das perceções e das vivências dosatores sociais que, por diversas razões, ocupam grande parte doseu quotidiano neste espaço. Começamos por apresentar o lequede atores ‘residentes’ e qual a sua expressão na nossa amostra de36 entrevistados (Quadro 2): 29 pessoas que desenvolvem

30

Violence in Transit

Page 33: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

atividade profissional no espaço; cinco pessoas envolvidas nosfenómenos sociais em estudo; dois informantes privilegiados, quenão sendo ‘residentes’, frequentam ou frequentaram regularmenteeste espaço. Estes atores são trabalhadores de estabelecimentos de comércio aretalho ou hotelaria e restauração (no interior da própria estação ounas ruas envolventes), bem como vendedores ambulantes.Encontramos também taxistas (n=3), alguns dos quais com longascarreiras profissionais neste local (28, 10 ou 3 anos) e funcionáriosde serviços públicos como nomeadamente um posto de turismo.Alguns atores desenvolvem atividade neste local há mais de 20anos (n=10), outros há menos de seis anos (n=12). Entre estesúltimos é expressiva a presença de imigrantes de origem indo-asiática (n=3) dedicados ao comércio.

Dos atores com responsabilidade direta de gestão e intervençãosobre o espaço (n=6), destaque para os agentes de segurança da CP(n=2). São indivíduos que desempenham estas funções há váriosanos e cujas competências (particularmente valorizadas pelosempregadores) passam por um conhecimento aprofundado e poruma de interação significativa com os atores e os fenómenos quedecorrem na estação. São ainda funcionários de limpeza (n=1) queobservam e vivenciam, o espaço interior da estação bem como osseus micro-espaços internos (casas de banho, sala de espera, etc.) ebombeiros (n=3), atores com conhecimento estrutural do espaço eai sediados desde 1987.

Por fim, importa apresentar as ‘personagens do espaço’,identificadas como os rostos das problemáticas sociais (N=5).Abordámos duas mulheres envolvidas na prática de trabalhosexual, uma com idade aproximada de 20-30 anos, e outra comcerca de 50 anos. Neste último, a prática de trabalho sexual foiiniciada há dois anos. Abordámos igualmente um educador depares de uma equipa de rua de RRMD com intervenção no local,com uma história de consumo de drogas de 34 anos, e doisconsumidores de drogas há mais 10 anos, com idades aproximadasde 30 e 50 anos.

31

Relatório de Investigação Nacional

Page 34: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Quadro 2 | Caracterização dos entrevistados

32

Violence in Transit

Categoria de análise Variáveis N %

Função Lojistas, funcionários de serviços públicos e vendedores ambulantes 22 61.1Pessoas envolvidas nos fenómenos sociais 5 13.9Taxistas 3 8.3Seguranças e Bombeiros 3 8.3Informantes privilegiados 2 5.6Funcionários da limpeza 1 2.8Total 36 100

Tempo de “residência” no local < 2 anos 4 13.82 - 6 anos 11 37.97 - 10 anos 1 3.511 - 15 anos 2 6.916 - 20 anos 0 021 - 25 anos 2 6.926 - 30 anos 2 6.931 - 35 anos 1 3.536 - 40 anos 3 10.3> 40 anos 3 10.3Total 29 100NS/NR/NA 5/34 14.7

Idade < 20 anos 0 020 - 29 anos 3 8.330 - 39 anos 12 33.340 - 49 anos 13 36.150 - 59 anos 7 19.560 - 69 anos 1 2.8> de 70 anos 0 0Total 36 100

Sexo Feminino 17 47.2Masculino 19 52.8Total 36 100

Nacionalidade Portuguesa 33 91.7Estrangeira 3 8.3Total 36 100

Fonte: autores com base nas entrevistas abertas aplicadas aos residentes

Page 35: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

2.2.1. Vivências e as perceções sobre a estação

Começamos por perguntar aos atores residentes como caracterizama estação de S. Bento. As respostas demonstraram perceções evivências de um mosaico de fenómenos, que sistematizamos emtorno de três categorias de análise, a saber: “Há um ambientepesado”; “Não se passa nada”; “Há de tudo”.Na primeira categoria encontramos 16 entrevistados (44,4%).Descrevem a estação como o “bas fond da cidade do porto” (E27);“isto está de caixão à cova” (E3); “isto é o fim do mundo” (E14), “éuma miséria”, “esta podridão, era limpar esta podridão” (E28). Éuma “zona pobre e desabitada” (E4), onde se pode observar umacontínua degradação paisagística e do espaço físico (E6 e E18),vandalismo e falta de iluminação (E8), a “pobreza dos taxistas” (E25e E26), a crise dos pequenos negócios (E2, E3, E6, E8, E10), um“ambiente com pobres, drogados, alcoolismo” (E29), “paneleiros,prostituição e muita droga” (E30 e GO18). Um local onde, segundoas ‘personagens do espaço’, “o pessoal anda-se a fazer à vida”(GO20 B e GO20C).Estas perceções levam alguns ‘residentes’ a descrever a estaçãocomo um espaço inseguro (E1) ou um espaço onde, embora nãoaconteçam situações graves, as pessoas continuam a sentir receio(E21), “dá-me a ideia de serem pessoas de não fazer mal, mas é umlocal que inspira algum receio” (E27). Numa perspetiva oposta, oito residentes (22,2%) consideram que“não se passa nada” na estação (E18 e GO19). Percecionam esteespaço como “um local seguro” “ninguém se mete comigo” (E15 eGO19), a não recear (E16), “mesmo à noite”(E19), um local de“muito respeitinho” (E28), mesmo para os turistas, “não se tentanada com eles” (GO20A). Um espaço com o qual têm uma boarelação (E7), central e bem localizado (E9), de muito comércio,muito movimento e muitos turistas (E24) e que, muitas vezes, “nemnos apercebemos da sua beleza” (E2 e E16).De forma intermédia, e com uma expressão significativamenteinferior classificamos dois entrevistados (5,6%), que referem que“aqui há de tudo, gente feia a gente bonita” (E19) e “há de tudo umpouco” (GO20A).

33

Relatório de Investigação Nacional

Page 36: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Alguns dos atores (25%) comentam as mudanças positivas que têmocorrido no espaço, ao referir a diminuição “dos enganadoresdurante o dia” (E2), dos roubos (E16, GO20C), do lixo e datoxicodependência (E17, E28, GO20 B), da “drogaria e dos sem-abrigo” (E21) e dos alcoólicos do interior do país (E29). Apenas três‘residentes’ apresentam uma visão inversa, indicando que “porcausa do pessoal se fazer à vida, é de cortar à faca” (GO20A), háum aumento da degradação da zona (E13) e um “aumento damarginalidade e roubos; é um foco de droga” (E20).

Os testemunhos da globalidade dos entrevistados permitiram umaanálise mais detalhada sobre os fenómenos sociais quepercecionam e as suas manifestações na apropriação e vivência doespaço físico. Neste sentido dão conta da geografia social doespaço, nomeadamente do que designamos por ‘microcosmos dodesvio’. As fronteiras entre estes microcosmos não sãoevidentemente estanques, a leitura aqui apresentada procuradestacar divisões analíticas relevantes.

A Rua do LoureiroDemarcar este microcosmo específico pareceu-nos relevante porduas razões. Em primeiro lugar, apenas ‘residentes’ deste microespaço (n= 9) cingem as suas observações a este microcosmos,sendo praticamente inexistentes referências ao outro lado, ou àfrente da estação. Em segundo, percecionam apenas duasproblemáticas: o trabalho sexual feminino e a mendicidade. Sãodinâmicas que integram o quotidiano da Rua, julgadasnegativamente por alguns atores: figuras “com mau aspeto,semblante negativo e pesado, uns desgraçados” (E1). O trabalho sexual feminino é uma das temáticas mais recorrentes(GO18, GO19, E14, E18, E30), referenciado como um fenómeno“visível” (E16) e incorporado no dia-a-dia: “ouvem-se asnegociatas” (E27). Descrito como um fenómeno que não causaproblemas e que se realiza em pensões (E7 e E18), mas que “trazpodridão ao local” (E13), “mau aspeto” (E16) “é um cancro” (E19). Convidados a aprofundar a sua leitura sobre as características deste

34

Violence in Transit

Page 37: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

fenómeno, os atores referem que existem raparigas muito jovens(E4, E14 e E27) que trabalham para poderem consumir (E4 e E13,E15 e E27): “há mulheres da vida para a droga” (E15) e que a grandeparte dos clientes são idosos (E16) do interior do país (E29).Indicam, igualmente, presenciar conflitos entre as TS e os clientes(E12), roubos a clientes, sobretudo mais velhos (E13), vandalismo àsvitrinas das lojas (E13).Os testemunhos das ‘personagens do espaço’ confirmam algunsroubos a clientes por colegas de ‘profissão’ (GO18). Acrescentamconflitos e situações de violência entre: as TS e os comerciantes(GO18 e GO19); as TS e algumas mulheres de etnia cigana (GO18);a agressividade e o não pagamento por parte dos clientes de etniacigana e ucranianos (GO18). Referem ainda a diminuição donúmero de clientes e do valor da remuneração (GO20 C).A referência ao fenómeno dos sem-abrigo centra-se napreocupação dos ‘residentes’ com uma ‘figura’ específica, o casoisolado de uma idosa que pernoita na Rua e que tendo já estadoinstitucionalizada rejeita qualquer apoio (E14, E15, E17, E29, E30 eGO19). Consideram que esta devia ser retirada do espaço, mesmoque involuntariamente (E14, E15, E17, E30 e GO19).

A Estação e a Rua da Madeira O segundo microcosmos que identificamos é um território híbridointegrando o espaço interior e a frente da estação, em continuidadecom a Rua da Madeira. Conjuntamente estes três micro espaçosfísicos são o território de um mosaico social do desvio. Ascaracterísticas físicas e de ocupação do espaço social favorecem aocorrência de fenómenos tendencialmente mais ocultos (Fernandes,Carvalho; 2000), quer pela sua natureza ilícita ou ilegal, quer pelamenor aceitação social das práticas em causa. É uma rua estreita,íngreme e com áreas de menor iluminação, constituindo um espaçode ligação ao território urbano mais anónimo.Este mosaico pode ser dividido em seis categorias de análise,que passamos a descrever: trabalho sexual masculino ehomossexualidade; toxicodependência; alcoolismo; mendicidade;sem-abrigo; e “esquemas”.

35

Relatório de Investigação Nacional

Page 38: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Na primeira categoria de análise, alguns ‘residentes’ indicam queos TS são relativamente jovens (Info1, E15, E20 e E29) e que estãoa aumentar (E20 e E30). Os clientes pertencem a uma faixa etáriamais velha (E15): “entre velhos e paneleirinhos” (E15). Indicamque as práticas sexuais ocorrem nas casas de banho da estaçãoque parece um “bordel para o engate” (E8), e nas escadas da Ruada Madeira (E8, E13 e E16). Um dos informantes privilegiadosrefere que o trabalho sexual masculino se deve a “situações deextrema pobreza”, e os consumidores de drogas entrevistadosacrescentam que são “homossexuais a fazerem-se à vida” (GO20A e GO20B).

Para além do trabalho sexual masculino, outras práticas associadasà homossexualidade são igualmente sublinhadas: são identificadasfiguras como “voyeurs que circulam pela estação”, principalmente,depois das 16h/17h (E27). A homossexualidade é consideradacomo: persistente, “o maior nojo da estação”, “homens a fazer sexocom homens já viu?!” (E28); sem pudor, “fizeram porcaria ao vivo”(E16), sem cuidado, principalmente sem respeito às crianças (E30);intrusiva, “gays na casa de banho a observar”, E25).

A toxicodependência é mencionada por grande parte dos‘residentes’, inclusivamente os próprios TS e consumidores dedrogas entrevistados (E11, E14, E18, E25, E26, GO18 e GO20C)não sendo porém um tema desenvolvido. É diversas vezesassociada ao trabalho sexual feminino (E4, E13, E15 e E27). Apenasdois “residentes” se mostram preocupados, afirmando que existeum “foco de droga no interior: consumo e tráfico” (E20), e que “háaqui muita droga” (E30).

O alcoolismo está igualmente presente associado a: “bêbados”(E18, E30 e GO18); consumidores habituais e matinais(informante2); consumo juvenil problemático aos fins-de-semana(E29); aos TS (E27).Relativamente à mendicidade, são indicados alguns episódios (E18,E25 e E29), mas apenas um ‘residente’ se refere a esta problemáticacomo “é só miséria, mendigos” (E14).

36

Violence in Transit

Page 39: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Quanto ao fenómeno dos sem-abrigo, os entrevistados referemhaver “pessoas que dormem por aí” (E30); “não têm feito mal aninguém” (E7), alguns pedem para se aquecerem no inverno dentroda estação (E29).

“Esquemas” é uma designação de gíria que se refere a situaçõesdiversas, desde contrabando (relógios falsos (E2); relógios etelemóveis (E27) e GO20A); carteiristas (E4, E18, E29, E30) eoportunistas (GO20 C); “habilidades” (E6); “vigaristas que andampor aí” (E8); roubos e furtos dentro da estação (E12, E20, E25, E26,E27 e GO20 C). Os consumidores de drogas e os TS entrevistadosenunciam diversas das suas próprias práticas, corroborando asperspetivas dos restantes ‘residentes’.

Questionados sobre a existência de uma relação direta entre osfenómenos que testemunham e vivenciam, e a estação de S. Bento,os atores ‘residentes’ revelaram que a mesma corresponde a umlocal de oportunidades. Com efeito, por um lado, a grande maioriados entrevistados relaciona os fenómenos descritos com alocalização física e as dinâmicas do espaço; é “ponto estratégicodesde sempre”, “uns por necessidade, outros por vício” (E20 e E30).Mais concretamente para os sujeitos envolvidos nos fenómenos emanálise, surge como um “ponto terminal”(E29): espaço central(GO20A); de trânsito constante de passageiros: “entrar e sair degente” (GO20B); “ponto de chegada do interior” dos clientes do TS(GO18); local que facilita a mendicidade e o acesso a dinheiro(GO20C). Um espaço físico e social que possibilita uma “lufada dear fresco” das vidas quotidianas (E1) e motiva a que “as pessoas sócomprem bilhete de vinda” para a estação (E15).

Por outro lado, os três entrevistados (incluindo os 2 informantesprivilegiados) consideram que as problemáticas sociais da estaçãode S. Bento são transversais à cidade: “são também um pouco o quese passa por toda a baixa” (E7; E27); a “cena gay” estende-se paraas zonas da Batalha, Sá da Bandeira, centros comerciais do centroda cidade, entre outras, e onde S. Bento é apenas um dos locais(Info2; E30).

37

Relatório de Investigação Nacional

Page 40: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

2.2.2. Perceções sobre a intervenção e sugestões

O segundo tema abordado nestas entrevistas foi o da intervenção.Questionámos os ‘residentes’ relativamente às respostas sociaisexistentes no território em análise e solicitamos que indicassemnecessidades e/ ou sugestões para o futuro da intervenção na áreade S. Bento. Uma primeira ideia que constatamos desta auscultação, prende-secom o desconhecimento, por parte da maioria dos ‘residentes’,sobre as OTS com intervenção na área (E4, E17, E25 e E26), apenasreconhecida por sete entrevistados (E1, E8, E29, E30, G018, GO19e GO20 B). Nesta matéria os entrevistados tendem a centrar-sesobre a intervenção da polícia e da CP.Os que reconhecem o trabalho das OTS, referem a existência deequipas que fazem a distribuição de bens alimentares na Rua daMadeira (E1) e na entrada do metro (E30), “há quem venha darcomida” (E29), “equipas que vêm dar comida aos sem-abrigo” (GO19).Alguns testemunhos identificam ainda o trabalho levado a cabo pelaequipa de rua do Espaço Pessoa, na Rua da Madeira (E8 e E30). Nestas entrevistas é possível detetar dois posicionamentos distintosface a esta intervenção. Alguns ‘residentes’ referem a ausência deuma equipa de rua que intervenha junto das TS. Outros valorizama intervenção da actual equipa de RRMD a operar no local(GO20A), compreendendo o seu impacto na saúde pública (E30).Outros ainda criticam veementemente este tipo de intervenção: “jáviu isto, isto não tem jeito nenhum, só neste país?!” (E8); “aintervenção no sentido de garantir a comodidade dos passageirosda CP, nomeadamente junto à Rua da Madeira, torna-se por vezescomplicada de gerir” (E30).

A maioria dos entrevistados (n=16 ) menciona a intervençãopolicial, apesar de apresentarem perspetivas diferenciadas acercada mesma. Para uns (n=8), a avaliação é tendencialmente positiva,quer pelo exemplo da intervenção conjunta entre a polícia deproximidade e os serviços camarários, para afastar os sem-abrigodo espaço da estação (E7 e E21), quer pelo aumento dopoliciamento. Referem concretamente os giros pedestres da PSP (E4

38

Violence in Transit

Page 41: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

e GO20C), a presença de polícia à paisana (E15) ou nas rondas(E30) e o surgimento de uma nova brigada da PSP, Tourism Patrolque circula com regularidade pela estação (E30). A par do reforçoda presença de agentes de autoridade, embora com foco deatuação ao nível do controlo dos taxistas (E26), são aindavalorizadas as rusgas policiais (E16). Para outros entrevistados (n=8), verificamos uma postura críticarelativamente à insuficiente intervenção da polícia na dispersão dasproblemáticas locais, dado que “a rua já tem nome e já não há nadaque queiram ou possam fazer” (E8), e “a preocupação não é muita”(E27). Nesta perspectiva mais crítica sobre esta intervenção, opoliciamento é adjetivado de “reduzido” (E6 e E20), insuficiente(GO20A) e “desatento/ pouco interventivo” (E11, E12 e E13).

Os entrevistados referem, igualmente, a intervenção da CP (n=11), nafigura do segurança da estação. No geral, é descrito como “um bomprofissional, um profissional atento” (E26) que faz “um esforço pararealizar um bom trabalho” (E27), com o qual “se pode contar” (E16).Na descrição do seu desempenho é mencionada a intervenção nacontenção do TS no interior da estação (E12, E13, E30 e GO20C); ocontrolo das práticas homossexuais de engate na casa de banhomasculina (E25 e E30); o controlo de situações anómalas (E29); e oapoio aos utentes (E29) e às TS, quando estas o solicitam (GO19). Conforme já referimos, no interior da estação existem casas debanho públicas, cuja manutenção é da responsabilidade de umaempresa privada de limpeza. Estes equipamentos são referidos porvários entrevistados, essencialmente enquanto espaços de práticasde TS masculino/homossexualidade e consumo de drogas. Parauma lojista, ainda que esta externalização do serviço tivesse porobjetivo controlar “aquelas coisas”, na prática “não tem dadoresultado” (E20). Com uma visão distinta, a funcionária de limpeza,afirma que, apesar de as práticas sexuais não estarem erradicadas,os consumos de droga diminuíram significativamente (E28). Finalmente importa apresentar as sugestões de intervençãodeixadas pelos atores locais. Para facilitar a leitura, as estratégiassugeridas estão agrupadas em quatro categorias, conforme se podeobservar no quadro 3.

39

Relatório de Investigação Nacional

Page 42: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Quadro 3|Sugestões de Intervenção

40

Violence in Transit

Categorias deintervenção

1. Revitalização do espaço e/ou comércio

2. Intervenção socialcom as ‘personagensdo espaço’

3. Estratégias‘higienistas’

4. Reforço policial

n %

6 16,7

9 25,0

10 27,8

10 27,8

Sugestões

- Maior dinamismo da Associação de Comércio do Porto (E2). - Estratégias de revitalização do comércio tradicional e

melhorias do espaço (E2, E11, E8 e E17).- Melhoria da iluminação do espaço (E2 e E4), maior

higienização do espaço (E17 e GO19), e aumento donúmero de casas de banho públicas (E17).

- Aumento da vigilância (E8) e do controlo do tráfego na Ruado Loureiro (GO19).

- Apoio alimentar e habitacional aos sem-abrigo (E1, E4, E26e E30).

- Legalização do TS (E4) e a reestruturação de um espaço nãoidentificado para o exercício do TS (GO18).

- Apoio aos “drogados” (E25) através, por exemplo, doaumento das ER intervenientes na toxicodependência(GO20A) e da reinserção dos utentes (E7), “com maiorincentivo ao trabalho e menos aos rendimentos” (E26), oucom a oferta de alternativas de vida “ao pessoal” (GO20C).

- Dispersão de fenómenos e de figuras (E7): “era limpar isto”(E14 e E15); “correr com a prostituição”, (E6), “acabar coma podridão” (E13); retirar a “mulher das castanhas que dáum mau aspeto à estação” (E18); “era tirar as pessoas daqui,os drogados” (GO20B).

- Vigilância nas casas de banho para evitar estratégias deengate (E25), ”de resto nada, era só esta podridão, limparesta podridão dos homossexuais” (E28); a intervenção nacasa abandonada na Avenida Vimara Peres, utilizada paraconsumos (E14).

- A intervenção das equipas de rua devia restringir-se a locaisespecíficos “próprios para esse trabalho” e afastados dali (E8).

- Intensificação do policiamento (pedestre, E4), (E8; E26, E27e GO20A).

- Uma permanência prolongada e uma intervenção ativa (E6e E12).

- Aumento do policiamento enquanto apoio ao Segurança daestação (“segurança não chega”, E20 e E25).

- Reforço dos Seguranças da estação (E30).- Construção de uma esquadra mais próxima (E30).

Fonte: autores com base nas entrevistas aos atores locais

Page 43: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Relativamente à categoria de intervenção revitalização do espaçoe/ ou comércio, podemos verificar que se trata de umapreocupação revelada essencialmente nos testemunhos dos lojistas.Contrariamente aos dados verificados pela CP, alguns destes atores(n=3, E2, E3 e E8) indicam, como uma das causas para estacrescente desertificação, a entrada em funcionamento do Metro,por retirar passageiros pedonais do território em análise. Nestesentido, as suas sugestões tendem a centrar-se na dinamização doespaço e da sua higiene e aspeto visual.Quanto à segunda categoria, relacionada com a intervenção diretacom as ‘personagens do espaço’, são sugeridas estratégiasconcretas orientadas para as suas necessidades, especificamentepara as problemáticas associadas aos sem-abrigo, aos TS e ainda aoconsumo de drogas. Para os primeiros, é sugerido um maior apoioalimentar e habitacional. No que concerne ao TS, é focada anecessidade de legalização do mesmo (E4), bem como a utilizaçãode um espaço para o exercício do TS (GO18), no qual astrabalhadoras não necessitem de se exporem. Por fim, no apoio aos“drogados” (E25), são propostas medidas ao nível do aumento dasequipas de rua intervenientes na toxicodependência (GO20A) e dareinserção dos utentes (E7), com maior incentivo ao trabalho emenos aos rendimentos (E26), ou com a oferta de alternativas devida “ao pessoal” (GO20C). A terceira categoria de intervenção agrupa as sugestões deestratégia ‘higienista’, as quais passam pela erradicação da estaçãodos fenómenos sociais em análise, através da exclusão dos seusprotagonistas. Nesta perspetiva, alguns entrevistados salientamainda um posicionamento crítico face ao trabalho desenvolvidopelas equipas de rua, ao considerar que este se devia implementarapenas em locais específicos, fora do território em análise. Na última categoria, diretamente relacionada com a anterior, os‘residentes’ sugerem uma clara intensificação do policiamento. Ésugerido que esta intensificação se traduza no aumento de quer deefetivos, quer de articulação com as demais forças de segurança,quer ainda pela instalação de um equipamento próximo da estação.Apesar das numerosas sugestões de intervenção, algunsentrevistados referem não ser necessário ou possível qualquer

41

Relatório de Investigação Nacional

Page 44: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

melhoramento. Dois entrevistados referem que “não é precisonada, não nada” (E21, E24). Outros dois defendem que não épossível alterar o cenário descrito com novas intervenções, uma vezque “não há nada a fazer, já está implementado, desde sempre aEstação foi conhecida por isso [o trabalho sexual]” (E19), e que“não há nada a fazer, [...] quem tem força para isso?!” (E28).

2.3. A perspetiva dos atores institucionais

Nesta secção apresentamos os testemunhos dos seis atoresinstitucionais, ‘protagonistas da intervenção’ em S. Bento. Estesforam selecionados com base num critério espiral de interferênciadas suas atividades como nosso objeto de estudo. O critério para anão inclusão na amostra de outros atores inicialmente inventariados,foi o grau nulo ou escasso de intervenção no território.A nossa amostra é composta por organizações que atuam em duasáreas de intervenção, a saber: ao nível da gestão e segurança daEstação e da segurança do território envolvente, e ao nível daintervenção social nos fenómenos sociais em análise. No primeirogrupo de organizações (Quadro 4), entrevistamos a CP, bem comodois dos seus organismos de segurança: o gabinete de segurança ea polícia ferroviária. Esta última, apesar de constituir um órgão daPSP, está afeto exclusivamente à segurança das estações e doscomboios. Por fim, entrevistamos ainda a esquadra da PSP comintervenção direta no território em análise.Ao nível das organizações com intervenção social, entrevistamostrês OTS: os Médicos do Mundo, o Espaço Pessoa e a Arrimo(quadro 4). A Médicos do Mundo atua em situações de emergênciamédica nas ruas adjacentes à estação, tendo, como tal, umaintervenção esporádica e específica. O Espaço Pessoa, daAssociação para o Planeamento da Família (APF) e a CooperativaArrimo, desenvolvem um tipo de trabalho semelhante, no que tocaaos princípios da RRMD associados ao consumo de drogas. Ambasas organizações desenvolvem trabalho continuado na zona de S.Bento, trabalhando a RR e a reinserção social do utente, numaperspetiva holística.

42

Violence in Transit

Page 45: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Tipo deintervenção

Empresas/serviços público comintervenção aonível dasegurança

OTS comintervenção aonível social ede reinserção

Quadro 4| Caracterização das instituições auscultadas

43

Relatório de Investigação Nacional

Instituições

CP

Gabinete deSegurançaFerroviária

Políciaferroviária

PSP - 9ªesquadra

Médicos doMundo

Área de intervenção

Prestação de serviços detransporte ferroviário nacionale internacional de passageiros.

- Defesa de pessoas e de bensda empresa

- Articula com várioselementos de segurançapara atuar junto desituações que ponham emrisco os clientes, osfuncionários e o património.

Assegurar a segurança dospassageiros, transmitirsentimento de segurança. Tratatambém de libertar a linhaquando surge um incidente,agiliza o desimpedimento dalinha.

Responsável pela segurança em:- 5 freguesias do Centro

urbano;- estação de S. Bento;- 4 estações de Metro.

Prestação de cuidados desaúde e capacitação dos alvosnas diversas áreas de vida(prevenção decomportamentos de risco).

Filosofia de intervenção SOS,ou seja, intervenção nosentido de diagnosticarsituações sinalizadas oudetetadas na Rua, prestar

Intervenção direta em S. Bento

Juntamente com a REFER éproprietária e gestora de todoo equipamento

O gabinete de segurançaferroviária situa-se na estaçãode Campanhã mas atua emtodas as estações da CP e nosdois parques deestacionamento de S. Bento(apesar de concessionados)

Sede: estação das Devesas (Gaia)

São 20 agentes para patrulhar86 estações.

Não atuam nas imediações daestação de S. Bento, apenas noseu interior e nos comboios

Situa-se na zona histórica eatua no patrulhamento nazona da estação.

Projetos desenvolvidos portoda a grande área central dogrande Porto. Intervenção nasruas adjacentes à estação emsituações de urgência.

Page 46: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

44

Violence in Transit

Espaço Pessoa

Arrimo

cuidados imediatosnecessários e encaminhar parainstituições locais dereferência para umacompanhamento continuado

RR e Minimização de Danosassociados ao consumo dedrogas.

Educação para a saúde nosconsumos;

Identificação de necessidadesglobais;

Intervenção ao nível daredução de riscos e VIH.

RR e Minimização de Danosassociados ao consumo dedrogas.

Defesa dos direitos dos UD;

Prestação de cuidados desaúde

Educação para a saúde.

Horário noturno de 2ª asábado das 19h às 22h naestação de S. Bento

Programa de substituiçãoopiáceo no cimo Rua Loureiro

Fonte: autores com base nas entrevistas realizadas aos atores institucionais

Foram realizadas oito entrevistas semiabertas, conforme se podeverificar no quadro XX com a caracterização dos entrevistados.

Page 47: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Quadro 5| Caracterização dos entrevistados

45

Relatório de Investigação Nacional

Categoria de análise Variáveis N %

Cargo Responsável/Coordenador de departamento e/ou de projeto(s)(CP) 5 62,5Comandante / Adjunto de comandante de esquadra (PSP) 2 25,0Comercial, Marketing operacional (CP) 1 12,5Total 8 100

Tempo de trabalho < 2 anos 0 0na organização e no 2 - 6 anos 5 83,3território em análise 7 - 10 anos 0 0

11 - 15 anos 0 016 - 20 anos 1 16,7> 21 anos 0 0Total 6 100NS/NR/NA 2 25,0

Idade < 20 anos 0 020 - 29 anos 1 12,530 - 39 anos 5 62,540 - 49 anos 1 12,550 - 59 anos 1 12,560 - 69 anos 0 0> de 70 anos 0 0Total 8 100

Sexo Feminino 2 25,0Masculino 6 75,0Total 8 100

Fonte: autores com base nas entrevistas realizadas aos atores institucionais

Page 48: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

A recolha de informação teve por base o guião pré-definido,incidindo sobre os seguintes tópicos: a caracterização daorganização, a sua intervenção global e as atividades específicasdesenvolvidas no território em análise; o seu conhecimento dosfenómenos em estudo6; a avaliação da intervenção que tem sidorealizada; e identificação de outras necessidades de intervenção.Os testemunhos dos entrevistados confirmam e aprofundam osdados para uma geografia social do espaço em análise. Com efeito,no que se refere à identificação e caracterização dos fenómenossociais que ocorrem no território, estes testemunhos sãocongruentes entre si e também relativamente ao retrato traçadopelos ‘residentes’. As diferenças de perspetiva entre estes seis atoresinstitucionais são relativas às preocupações centrais da intervenção,que variam naturalmente com as suas diferentes missões.Do lado da Rua do Loureiro, confirma-se a centralidade daprostituição feminina, associada à existência de pensões onde estaspráticas são realizadas. Existem casos de mulheres consumidorasde drogas e a ocorrência pontual de pequenos furtos a clientes oude desacatos entre as TS e proxenetas. Estes fenómenos apresentam-se relativamente estáveis e abrangendo um número aproximado deuma dezena de mulheres.

A Rua da Madeira surge como pólo de incidência particular deoutros fenómenos. Todavia a divisão espacial entre esta rua e o restodos espaços da estação e do espaço urbano envolvente, não surgede forma tão expressa. Ou seja, os restantes fenómenosidentificados tendem a ser mais difusos no território em análise.A prostituição masculina e as atividades associadas ao ‘engate gay’estão polarizadas entre os sanitários públicos da Rua da Madeira,os sanitários do interior da estação e outros locais da baixa dacidade. A OTS com intervenção direta nestas problemáticas hácerca de 15 anos afirma a dificuldade de desenvolver trabalho

46

Violence in Transit

6. O guião especificava: violência, marginalidade, agitação e decadência na área dereferência, bem como a evolução do trabalho sexual, toxicodependência, sem-abrigo e jovens envolvidos em atos de violência.

Page 49: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

dirigido a esta população. Estas práticas não são em muitos casosreconhecidas pelos próprios sujeitos envolvidos. A instituição estáatualmente a realizar um estudo orientado para trabalhar estaproblemática.

Os cafés e casas de pasto existentes nesta rua são local de paragemfrequente de homens de idades variáveis com problemas dealcoolismo. As situações de delinquência e/ou violência, não sendoestranhas no dia-a-dia, tendem a não representar um problemarelevante de perturbação da ordem pública. Trata-se sobretudo desituações pontuais relacionadas com o consumo ou venda dedrogas e desacatos associados à concentração de pessoasnomeadamente ao fim de semana. Efetivamente, o clube noturno ailocalizado imprime uma agitação adicional a esta rua, associadaigualmente ao funcionamento dos referidos estabelecimentos derestauração. No interior da estação são relatadas ainda situações em que gruposde jovens, provenientes dos comboios regionais, nomeadamente de“Guimarães, Barga e Aveiro, chegam no último comboio da noite eapanham o primeiro da manhã seguinte” (E2), especificamente parafazer vida noturna na cidade. Pontualmente há situações dedistúrbio nos horários relativos aos primeiros comboios da manhã,associados a consumos de álcool e drogas por parte destes gruposde jovens.

O consumo de drogas surge como uma problemática transversal noterritório e é descrito como um fenómeno que tem verificado umaevolução positiva, quando comparado com o cenário da décadaanterior. A Sé constituía nessa altura um dos maiores mercados detráfico de drogas da região do norte do país, verificando-se umacorrelação direta entre a chegada de comboios de vários destinos ea circulação direta de pessoas para o bairro da Sé. As intervençõesde requalificação urbana e social da zona histórica, associadas aoutras políticas de segurança e policiamento fizeram reduzirsubstancialmente este fenómeno. Atualmente a Sé volta a serreconhecida pelas forças policiais como um dos maiores mercadosde droga da região, mas a visibilidade do fenómeno mantem-se

47

Relatório de Investigação Nacional

Page 50: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

reduzida. Diversos fatores podem contribuir para explicar estefacto, desde a significativa redução da população desta zona, amudanças nas substâncias traficadas e respetivos comportamentosassociados, ao maior controlo social do centro urbano.No que se refere à problemática dos sem-abrigo, a quase totalidadedos entrevistados (5) indicam mudanças relevantes. Tratava-se deum fenómeno “muito visível e numeroso, relacionado com atoxicodependência” (E2); “neste momento é um problema quaseinexistente” (E4), com exceção do caso isolado de uma idosa. Semalternativas de resposta social a este caso, a CP manifestapreocupação e permeabilidade, não aplicando a regra de impedirque sem-abrigo procurem passar a noite junto da estação (E2, E5).Esta diminuição é relacionada com a entrada em vigor da EstratégiaNacional para a Integração de Pessoas Sem-abrigo7 (E4, E7), a qualresultou “numa melhoria significativa na zona” (E4) e numa “maiorarticulação entre projetos, equipas e técnicos para o realojamento”(E7) das pessoas em situação de sem-abrigo. A estação é também vista como um local ligado à pequenamarginalidade, a qual não tem local, hora ou protagonista específicos,pelo que ocorre pelos diferentes espaços. As situações de furtoscarteiristas são referidas por vários entrevistados (E2, E3, E4, E5, E6,E7,), ainda que com menor intensidade nos últimos anos. São aindasituações de “venda de material contrafeito” (E5), quer no interior daestação e dos comboios quer na Rua do Loureiro (E1, E2, E5, E6).Apesar do conhecimento aprofundado que os entrevistados da CPtêm sobre o conjunto destes fenómenos, sublinham no entantocomo foco da sua atenção principal no presente, outros doisfenómenos que ocorrem no interior dos próprios comboios e emdiversas estações da rede urbana e suburbana e noutras estruturasferroviárias nacionais. Estas são as principais ocorrências a queresponde também a Polícia Ferroviária.

48

Violence in Transit

7. A Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem Abrigo, entrou em vigorem 2009 e “corresponde a um conjunto de orientações gerais e compromissos dasdiferentes entidades, cuja operacionalização deve ser implementada a nível local,no âmbito das redes sociais locais” (2009, p.6).

Page 51: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

No primeiro caso, refira-se a situação dos grupos de cidadãosestrangeiros/imigrantes. Conotados com uma aparência andrajosa,com défices ao nível dos cuidados de higiene e comcomportamentos considerados como socialmente inapropriados,estes grupos perturbam frequentemente o serviço da CP,designadamente porque muitos destes indivíduos estão em situaçãoirregular no país e viajam frequentemente sem pagar bilhete (E2).No segundo caso são referidas situações de vandalismo associadoà atividade de grafitti no exterior dos comboios (E2) e nas estruturasferroviárias. Estas situações ocorrem, essencialmente em locaisresguardados, como são o túnel da estação de S. Bento, os locais derecolha das carruagens, entre outros. Como referimos anteriormente, os posicionamentos dos diferentesatores entrevistados varia com as suas missões e a suascompetências intervenção no espaço. Neste sentido, as OTSenfatizam preocupações nomeadamente ao nível da cobertura derespostas sociais. O discurso tende a centrar-se no respeito pelasopções dos utentes e na defesa dos seus direitos (E7), na melhoriado trabalho de intervenção social (E4) e no desenvolvimento derespostas de qualidade (E3) e de maior proximidade (E7).Nomeadamente destacam a necessidade de incidir no âmbito dasestratégias de (re)integração social estruturadas e prolongadas,articulando o trabalho entre diferentes instituições (E3).

A CP e as forças policiais e de segurança tendem a centrar-se naprevenção e antecipação de situações de alteração da ordem e deatentado contra o património e as pessoas, visando erradicar ouminimizar a ocorrências destes fenómenos. Efetivamente, a criaçãoda própria Polícia Ferroviária revela-se um exemplo paradigmáticoda estratégia de intervenção destas entidades. Esta unidade foicriada em 2002 para dar resposta a uma série assaltos ocorridos noscomboios com ligação às praias (E2). A resposta criada, de formacélere, revelou-se eficaz, ao sanar o fenómeno e foi consideradoútil manter esta força policial no sentido de prevenir estas e outrasocorrências. Outros exemplos desta forma de atuar são orientaçõesconcretas para a intervenção dos agentes de segurança da estação,centradas no papel dissuasor da sua presença junto de indivíduos

49

Relatório de Investigação Nacional

Page 52: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

reconhecidamente envolvidos ou suspeitos de envolvimento nosfenómenos descritos.As forças de segurança destacam o facto de a estação ser uma zonade policiamento prioritário (E5) mas que as ocorrências têm vindoa diminuir (E6). Foram ainda feitas referências a outras duassituações em que outros atores locais (hotéis, comerciantes, entreoutros), procedem a diligências judiciais ou de influência políticapara evitar situações como o funcionamento de pensões associadasà prática da prostituição e o afastamento para outros locais daatividade das OTS que se dedicam à distribuição de refeições asem-abrigo por parte.

2.4. S. Bento no coração da cidadeum retrato dinâmico

Retratada a estação através de três perspetivas distintas – a análisedescritiva do território pelos investigadores, a vivência do espaçopelos seus ‘residentes’ e a experiência dos atores da intervenção –nesta secção convidamos o leitor a uma visualização dinâmica doquotidiano do nosso objeto de estudo. Pretendeu-se obter uma narrativa imagética verbal que articulasse ocontributo da antropologia visual (a produção e utilização deimagens na pesquisa), com o recurso a uma inspiraçãocinematográfica e literária. Esta narrativa procurará dar conta daarticulação, justaposição ou orgânica entre as diferentes dimensõesanalíticas. Uma dimensão matricial de base territorial, relativa àscaracterísticas físicas da estação de S. Bento: incluindo o valorpatrimonial do edificado, o enquadramento morfológico etopográfico, a circunscrição viária que envolve o edifício e o seuenquadramento no coração do centro urbano. Uma dimensãofuncional, relativa à estruturação da vida urbana e ao seu papel deplataforma/lugar de mobilidade (ponto de partida e ponte dechegada) de passageiros de diferentes partes do país e exterior, mascom funções também de transporte metropolitano da zona orientalda cidade. E por fim, uma dimensão social centrada na experiênciaquotidiana dos habitantes do espaço.

50

Violence in Transit

Page 53: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Apesar do caráter ilustrativo, ainda que verosímil, do conteúdo quecompõe esta narrativa, as descrições sustentam-se nos dadosrecolhidos particularmente ao longo da observação, assim como nasua análise sistemática e seleção metódica. A observação decorreuno inverno, desde final de dezembro a final de fevereiro.Deste modo, assegurada a validade científica de todos os atores efenómenos descritos neste capítulo, pretende-se narrar fragmentosilustrativos da realidade. Uma realidade que será ilustrada emfragmentos do que poderia ser ‘um dia comum em S. Bento’ que,unificados temporalmente, convidam o leitor a colocar-se naexperiência do “estar” e observar o nosso objeto de estudo.

O despertar de S. BentoAinda é noite. Embora se veja luz através dos vitrais da estação, asportas permanecem fechadas. O frio obriga ao refúgio nos cantosdo edifício, de cinco pessoas dispersas que aguardam. O silêncio épor vezes interrompido pelo barulho dos autocarros e de algunscarros que descem a Praça Almeida Garrett. Junto às portas centrais, no parque dos táxis, um jovem dorme nochão. O seu corpo cedeu ao cansaço de uma noite de diversão ecopos na Rua da Madeira. Fluxos descontínuos de jovens entram esaem da Rua da Madeira, onde, ao fundo, se pode observar umaaglomeração de pessoas à porta do clube noturno, preparando-separa entrar.À medida que vai amanhecendo, vão chegando às portas daestação grupos de jovens. Cansados, com o frio e com sono, vãoocupando as escadas vazias. 05h30 as portas abrem. Na gare já se vê a luz do comboio urbanoprocedente de Porto – Campanha. Ouve-se a voz off a anunciar asua chegada, ao mesmo tempo que, no quadro de partidas, éindicada a linha do comboio regional em direção a Aveiro, destinode grande parte dos jovens que, a passo lento, se dirigem para arespetiva plataforma. O segurança deambula, com passos vagarososmas firmes, por toda a extensão da estação. Detém-se no átrio. A praça permanece deserta e o tráfego automóvel é ainda reduzido.Em frente da estação, circulam três homens alcoolizados, comidades superiores a 65 anos.

51

Relatório de Investigação Nacional

Page 54: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Na entrada lateral da Rua do Loureiro, uma mulher idosa sem-abrigo levanta-se das escadas, afastando os cobertores. Encosta oscartões a uma parede próxima das cancelas do parque deestacionamento e sobe a rua. O segurança observa-a de longe.Um indivíduo emagrecido e de vestes andrajosas irrompe pelaestação carregado com sacos plásticos. Entra na sala de espera e,depois se de acomodar nas cadeiras, ainda vazias, adormece.

Progressivamente, o número de passageiros vai aumentando. Nasala de espera, o sem-abrigo dorme, encostado na cadeira. Ressonaalto. Surge o segurança:- “Vá lá, agora vai ter de sair. Já está aqui há bastante tempo.Também tem que compreender que isto não é nenhum quarto.”Os passageiros trocam olhares, uns de recriminação, outros deapoio. Sem responder, o sem-abrigo pega nos seus haveres, levanta-se e sai. Dirige-se para a Rua da Madeira.Há poucas pessoas na rua. Ouve-se a abertura das grades dosestabelecimentos e as queixas de um comerciante, indignado como vomitado no passeio. Quatro indivíduos permanecem à porta deum tasco enquanto conversam e fumam.O movimento intensifica-se. O cheiro a café surge do interior deum dos estabelecimentos. O som ambiente do trânsito é maisintenso na Praça Almeida Garrett. Ao longe, escutam-se a buzina deum automobilista impaciente e um autocarro a arrancar. Aafluência de passageiros aumenta consideravelmente.Os passageiros dirigem-se para a gare, alguns procuram os espaçosensolarados. Há também quem prefira o átrio para observar osquadros de chegadas e partidas. Outros ficam parados na entradaprincipal, sacudidos pelo fluxo crescente de gente a mover-se emtodas as direções.Dois gunas8 atravessam o átrio em direção à gare, cruzando-se comum junkie perto das máquinas de bilhetes. Este circula

52

Violence in Transit

8. Os Gunas podem ser descritos como jovens residentes em zonas do grande Portocuja imagem e formas de estar correspondem a um determinado estereótipo, do qualfaz parte a associação à delinquência e consumo de drogas (Pinto; 2009).

Page 55: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

freneticamente dentro de um perímetro reduzido. Aborda ostranseuntes, ‘cravando’ dinheiro e cigarros. Os pedidos sãorecusados. As pessoas não respondem, ignoram e fixam o olhar emfrente. Repetidamente vai abordando quem passa. Há umpassageiro que cede e acaba por lhe oferecer um cigarro. Osegurança não está por perto.No átrio surge uma mulher atarantada. Vai até à entrada principal eaí permanece por uns momentos. Dá meia volta e regressa ao átrio.Segue para a porta lateral da Rua do Loureiro. Encosta-se à porta eai permanece.

O decorrer da manhãO movimento de passageiros e de comboios diminui. Um homemde facto escuro e pasta de documentos na mão passa em frente àsportas centrais e detém-se para comprar castanhas junto davendedora ambulante. Esta vai conversando e rindo com os taxistase com as figuras ‘residentes’ que estão de passagem. Entram e saemda Rua da Madeira, assobiam e partem a correr. Nas escadas darua, já o próximo da Batalha há duas seringas, invólucros detoalhetes e ampolas de água vazias. Em baixo, junto ao parque deestacionamento, um arrumador9 conta as moedas e três jovensfumam um charro. Na Avenida dos Aliados o trânsito de carros e peões é intenso. Estaazáfama contrasta com a calmaria das ‘personagens do espaço’ quedeambulam.

No interior da estação os passageiros são poucos. Encostados a lero jornal, entretidos pela literatura da feira do livro, ou a tomar café,aguardam a partida dos dois comboios parados nas linhas. Oscomerciantes dos quiosques observam as pessoas que circulam.Uma ou outra destas pára para comprar tabaco. O segurançavagueia pela gare conversando, ora com colegas maquinistas, oracom as colegas da limpeza.

53

Relatório de Investigação Nacional

9. Os arrumadores são indivíduos que ajudam os condutores no estacionamento deveículos, na expectativa de obterem algum rendimento.

Page 56: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Entram gunas na Gare. O segurança deteta-os. Encaminham-se parao quiosque de venda de relógios e espreitam a montra. O segurançaaproxima-se. O grupo dispersa. Na frente da estação os carros circulam. Os autocarros passam e asparagens desertificam-se por momentos. Ouve-se o barulho intensodas obras do edifício em frente. Na praça dos táxis, uma viatura daTourism Patrol está estacionada. Dois agentes estão com umindivíduo. Mexem em papéis que vão buscar ao interior da viatura.Uma mulher fuma um cigarro enquanto presencia a cena dapolícia. Comenta com dois homens que estão ao seu lado:- “Só sabem [a polícia] fazer disto. Ainda ontem à noite, quando saídaqui, eles estavam a pegar com um rapaz… Devia ser por causado visto…”Os odores dos menus diários oferecidos pelos restaurantes e cafésintensificam. Dois homens idosos conversam junto às escadas quesobem da Rua da Madeira para a Rua 31 de janeiro. Deste localobservam-se outros homens idosos isolados, dispersos pelasimediações. Um disfruta do sol e da temperatura amena, outroprocura um encosto na porta da estação, outro ainda vagueia.No átrio, os flashes das máquinas dos turistas atraem o olhardaqueles que aguardam comboio, abstraídos da história nacionalretratada nos azulejo.

O movimento da tardeDois agentes da PSP circulam pela estação. Mudou o turno, osegurança é outro. As ‘personagens do espaço’ vêm e vão. Na gare,um junkie recolhe beatas do chão. Aproxima-se das máquinas dosbilhetes e introduz os dedos no orifício do troco. Olha atentamentepara o chão.Os comboios não são muitos. Há passageiros sentados. Entra ummendigo, abordando cada uma das pessoas individualmente:- “Falta-me 47 cêntimos para poder comer. Não me pode dar umaajudinha, por favor?”Uma senhora dá-lhe uma moeda. Aparece o segurança:- “Já sabe que isso aqui não pode ser!”Perto da entrada dos sanitários, um homem idoso encosta-se àparede. Dá uns passos em frente e regressa ao ponto inicial. Entra

54

Violence in Transit

Page 57: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

nos sanitários e sai novamente. Circula, olhando à sua volta e saidirigindo-se à porta lateral da Rua da Madeira. Minutos depois saium jovem da casa de banho. Na Rua da Madeira, os proprietários das casas de pasto comentamo fraco movimento, culpam o metropolitano e a Câmara. Procuramsobreviver à crise com ofertas de refeições tradicionais vantajosas,mas nada parece resultar.Na Rua do Loureiro, a tarde é de trabalho, mas a conversa vai nomesmo sentido. Uma mulher está sentada nas escadas. Aborda umindivíduo com cerca de 45 anos. Este afasta-se. Algum tempodepois, a mulher continua no mesmo sítio. Está acompanhada deuma outra. Conversam. As lamúrias das mulheres e doscomerciantes são semelhantes: os clientes escasseiam.O sol está já baixo. Sentados nos carros estacionados, dois homensobservam a entrada lateral, parecem procurar alguém específico. Asportas da pensão permanecem fechadas. As duas mulheres entramno café em frente. Surge outra mulher que é abordada por doisgunas que chegam de carro:

Guna: How much? [perguntam do carro]Mulher: Twenty. [permanece sentada nas escadas]Guna: Ãh?Mulher: Twenty.Guna: Ãh?Mulher: Twenty.Guna: Como?Mulher: Vinte!

A mulher desloca-se ao carro e, do lado de fora, pelo vidro, falamdurante uns minutos. Os gunas partem. A mulher dirige-se a umoutro indivíduo que a observava e conversam. Entram na pensão.

O rebuliço do fim do diaSão 18h30. Hora de maior movimento de comboios e passageiros.No átrio circula uma pequena multidão. Observam-se algumascorrerias de passageiros atrasados. Os passageiros distribuem-sepelos espaços da estação. O quadro de partidas é o motor do

55

Relatório de Investigação Nacional

Page 58: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

movimento. Indicada uma nova plataforma de partida, uma massade gente desloca-se para a gare.O segurança caminha entre o átrio e a gare. Esforça-se no sentidode não perder o ângulo de visão destes dois espaços, mesmoquando presta alguma assistência ou fornece informações. Neste frenesim irrompe um homem alcoolizado gritando egesticulando freneticamente. Dois jovens desentendem-se eenvolvem-se em agressões físicas. Antes mesmo de o segurançachegar, outras pessoas já intervieram. Momentos de confusãorapidamente diluídos no rebuliço do final da tarde.Outro indivíduo procura insistentemente vender a sua história aostranseuntes:- “Boa tarde. Eu faço parte de uma associação de apoio a ex-toxicodependentes. É uma associação que vive do contributo e dedonativos das pessoas…”Na Rua do Loureiro, as lojas fecham e o movimento diminui.A Rua da Madeira funciona como um ponto de passagem para aRua 31 de janeiro. Ao final de tarde a luz escasseia. Um homem,parado em frente ao café, come um pacote de batatas fritas. Depoisde terminar, arranja o cabelo e a barba com o auxílio do espelho deum carro estacionado. Desprovida de grande movimento, esta ruaé um espaço de conforto para as ‘personagens do espaço’ e umponto de intervenção da equipa de rua em RRMD. Forma-se uma pequena aglomeração de aproximadamente umadezena de consumidores de drogas. Conversam com os técnicos daequipa de intervenção. Perto da equipa, há um junkie com umafolha de alumínio na mão. Abandona o local e segue no sentido daRua Mouzinho da Silveira.

A noiteO sol desapareceu completamente. O céu está límpido. Omovimento dos transeuntes é escasso. O som dos automóveisdiminui. Ouvem-se as gaivotas a sobrevoar a entrada da estação. Ofluxo de passageiros reduziu substancialmente. Restam duas ou três‘figuras’ que deambulam. Uma mulher vagueia na entrada principale interpela um transeunte:Mulher: Arranja-me 70 cêntimos.

56

Violence in Transit

Page 59: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Transeunte: Não tenho.Mulher: Estás teso?Transeunte: Não tenho trocos.O movimento de pessoas e veículos é cada vez mais esporádico.No interior da estação, as funcionárias aproveitam para limpargrandes extensões do chão das plataformas.As ruas laterais estão desertas, por vezes sentem-se cheirosnauseabundos.Na frente da estação, nas escadas que dão acesso ao lado da Ruado Loureiro, dois indivíduos conversam e olham em redor. Umdeles afasta-se na direção do cruzamento com a Rua Mouzinho daSilveira. Pouco tempo depois, um jovem circula com uma garrafa de cervejana mão. Parece impaciente. Encontra-se com outro e sobem a Ruada Madeira até às escadas. Regressam de imediato. O primeirojovem encaminha-se para a Avenida dos Aliados.São 00h45. O Segurança começa a solicitar aos transeuntes queabandonem a estação. Parte o último comboio urbano em direçãoa Aveiro e as portas fecham. Há um travesti encostado à parede daúltima porta ainda aberta.

57

Relatório de Investigação Nacional

Page 60: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

3. Conclusões e pistas para a investigação e a intervenção

As investigações nacionais do Violence in Transit convidam aoestudo de um caso, de uma realidade empírica à escala microanalítica, para explorar problemáticas teóricas de grandecomplexidade. Convidam, concretamente, à problematização doobjecto de estudo, cruzando variáveis de natureza tangível, comoas características do espaço físico e da sua ocupação económica esocial, com variáveis de natureza mais intangível e complexa,como as apropriações sociais do espaço e a manifestação defenómenos de violência juvenil, pobreza e exclusão social.Para responder a este desafio, desenvolvemos uma abordagemcompreensiva de cariz indutivo e fenomenológico, desenhando umpercurso de investigação baseado numa estratégia analíticacumulativa.Assim, procurando dar resposta à primeira questão de partida,abordámos a estação de S. Bento através de uma leitura dascaracterísticas mais tangíveis do objeto de estudo. Tratou-se decaracterizar o cenário, estabelecendo o contexto de referência parao aprofundamento do trabalho empírico, e de reunir elementospara a problematização teórica das qualidades heurísticas de S.Bento como estudo de caso no contexto da investigaçãotransnacional. Apreendido e descrito o cenário, prosseguimos a análiseprocurando dar resposta simultaneamente à segunda e terceiraquestões de partida, abordando o objeto de estudo através dasperspectivas de dois tipos de actores protagonistas na vida socialdeste espaço. Pretendeu-se identificar e caracterizar os fenómenossociais no quadro da pobreza e da exclusão social e de explorar emque medida a ocorrência desses fenómenos está associada àscaracterísticas específicas da estação. Em consonância com a abordagem qualitativa e fenomenológicaadotada, apresentamos em primeiro lugar os resultados daauscultação dos atores que designamos por ‘residentes’, ou seja, as

58

Violence in Transit

Page 61: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

pessoas que, por razões profissionais ou de outra ordem, ocupamgrande parte do seu dia na estação e nas suas imediações.Quisemos dar conta das perceções e vivências dos atores queprotagonizam continuamente o quotidiano deste espaço socialsobre o mesmo, sem que os temas em análise tivessem sidoinduzidos pelos investigadores.À trama de histórias e de personagens que estas perceções evivências revelaram, acrescentámos seguidamente a leitura dosactores institucionais que protagonizam a intervenção. Aabordagem a estes atores foi orientada para uma exploração dassuas perspectivas analíticas e reflexivas, tendo em conta os papéisque desempenham, nomeadamente de garantia da ordem e dasegurança do espaço (forças policiais), de gestão e garantia daqualidade dos serviços de transporte (CP) e de intervenção nospróprios fenómenos em análise (OTS). Em último lugar, concluímos a análise empírica elaborando umanarrativa de inspiração cinematográfica, entendendo-a como ummeio de partilha de um conhecimento experiencial e compósitoadquirido pela equipa ao longo da investigação.Chegado a este ponto, propomo-nos cumprir duas tarefas: 1) a desistematizar os resultados deste percurso avaliando em que medidaos dados empíricos recolhidos permitem responder às questões departida da investigação e contribuir para a problematização teóricadas hipóteses subjacentes ao Violence in Transit e 2) a de reunirpistas para a intervenção tendo em conta os elementos dediagnóstico de necessidades e recursos.

3.1. Questões para a investigação

i) Como se caracteriza S. Bento enquanto estudo de caso de umespaço cuja função relativa ao transporte de passageiros originauma forte mobilidade de pessoas?

S. Bento é o estudo de caso de uma estação ferroviária, situada nocoração de um centro urbano e numa zona histórica, classificadacomo Património Mundial da Humanidade. O próprio edifício da

59

Relatório de Investigação Nacional

Page 62: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

estação, datado do início do século XX, é classificado como umimóvel de elevado valor patrimonial e turístico. A estação constituiuportanto um elemento central na história do desenvolvimentoeconómico e social da cidade na época moderna.O desenvolvimento da cidade seguiu um padrão semelhante aoverificado em numerosos centros urbanos. Depois dos fenómenosde terciarização, de desertificação e de degradação do centrourbano, bem como do correlativo crescimento das regiõesperiféricas, nas últimas duas décadas a cidade registou mudançasmuito significativas. A zona histórica e a ‘baixa’ (zona moderna)têm verificado sucessivos processos de requalificação urbana e derevitalização económica, social e cultural, bem como umacréscimo considerável do turismo. Actualmente verifica-se nocentro do Porto um processo típico do que os sociólogos, geógrafose urbanistas têm designado de gentrificação.Sendo a segunda maior cidade do país, o Porto regista 240 000habitantes e polariza uma área metropolitana com mais de 1,6milhões de habitantes. Enquanto centro urbano de grandedimensão à escala nacional, a cidade desempenha historicamenteum papel de polo de atração, não obstante a degradação deimportantes indicadores de desenvolvimento económico e socialque se tem verificado nos últimos anos em toda a região,nomeadamente os relativos ao mercado de trabalho.S. Bento é uma das duas estações ferroviárias da cidade, ligada àestação de Campanhã, esta última localizada na zona oriental dacidade e fora dos limites do centro urbano. A principal função de S.Bento na rede de transportes (95%) é a de ligação suburbana eregional (Minho, Douro e Aveiro), cumprindo igualmente a funçãode ligação à linha do Norte que permite o acesso a destinos delongo curso, nacionais e internacionais. S. Bento regista uma médiade cerca de 35 000 passageiros por dia e é uma estrutura físicarelativamente pequena com 8 linhas férreas (6 activas) e com umagare com extensão de 180 metros. Construída no sopé de umacolina a estação têm três lados (sul, poente e norte). Estascaracterísticas significam nomeadamente a exequibilidade eeficácia (posteriormente confirmada) de uma forte vigilância econtrolo social do espaço.

60

Violence in Transit

Page 63: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Na análise deste espaço físico e do território envolvente, os temas dapobreza e exclusão social surgem como incontornáveis para aprópria compreensão do desenvolvimento urbano. A sua presençahistórica e estrutural no centro da cidade é reconhecida eactualizada nos diagnósticos sociais deste território ao longo dosanos. Esta presença manifesta-se igualmente através dos impactosdas políticas de reabilitação urbana combinadas com as políticas dehabitação social (que tendem a expulsar a população empobrecidadas zonas ‘nobres’ da cidade para as periferias urbanas), através dasmanchas de espaços devolutos assinalados nos levantamentoscartográficos e funcionais do centro urbano, e ainda pela evidênciaempírica da mendicidade, da toxicodependência ou de outrosfenómenos que se observam pontualmente por todo o centro urbanoe também em S. Bento.

ii) Que fenómenos sociais no quadro da pobreza, da exclusão sociale da violência juvenil se verificam em S. Bento?

Em resposta à questão aberta - como caracteriza S. Bento? – osatores ‘residentes’ revelaram o predomínio hegemónico deindicadores negativos de representação social do espaço,associados às problemáticas da pobreza e exclusão social. Muitosentrevistados utilizam expressões radicais de síntese, tais como“podridão”, “o fim do mundo” ou “o bas du fond da cidade doPorto”, e/ou sublinham um mosaico de fenómenos sociais deexclusão, tais como “paneleiros, prostituição e muita droga” ou“um ambiente com pobres, drogados e alcoolismo”.Constata-se que a violência assume uma centralidade latente emgrande parte destes testemunhos e vivências. Expressa-se sobretudosob a forma de referência ao sentimento de insegurança, ouinversamente na valorização da segurança. Efectivamente, mesmo osentrevistados que expressaram uma percepção mais positiva desteespaço, fazem-no por referência a uma expectativa de violêncialatente, induzida pelo reconhecimento das características estruturaisdo cenário. Exemplos desta constatação são a recorrência daexpressão “receio”, ou ainda, a preponderância de sugestões deintervenção com base em perspectivas higienistas e de policiamento.

61

Relatório de Investigação Nacional

Page 64: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

É através do que Bourgois (2009) apelida de violência invisível queesta problemática se manifesta de forma mais significativa. Ou seja,entendendo a violência enquanto elemento estrutural naorganização da vida social ao longo da história e em diferentesculturas, tendendo a assumir formas de coerção disfarçadas elegitimadas, e portanto não reconhecidas entre perpetradores evítimas, tais como o medo e a sujeição. Este autor identifica trêsdimensões de reprodução da violência invisível: uma dimensãoestrutural, associada às limitações das oportunidades de vidapropiciadas pelas condições económicas e sociais do meio; umadimensão normalizada através dos valores culturais, das práticas edas interações quotidianas que reproduzem as diferenças sociais;uma dimensão simbólica enquanto internalização das estruturas decontrolo social e da estigmatização pelas vítimas. Estão presentes no cenário descrito exemplos de violênciaentendida desta forma, tanto em críticas de alguns ‘residentes’ aoque consideram uma insuficiente ação por parte das forças policiaise de segurança na “limpeza da podridão” do espaço, como na açãodissuasora do segurança da estação sobre os mendicantes ougrupos de jovens suspeitos de delinquência, ou ainda, nocomentário resignado de uma mulher que se prostitui, relativo aosinsultos frequentes de que é alvo.

Do ponto de vista da aceção comum de violência como agressãofísica, a expressão deste fenómeno assume fundamentalmente umcarácter episódico. Exemplos concretos são os conflitos entremulheres que se prostituem e clientes ou proxenetas, o pontualvandalismo contra as vitrinas das lojas ou desacatos associados àconcentração de pessoas e ao consumo de drogas ou álcool. Em linha com a constatação inicial da investigação, o tema daviolência juvenil não surge como variável central para acompreensão deste estudo de caso. A juventude é um indicadoretário pouco relevante para a caracterização e compreensão dosfenómenos em causa. Os indicadores mais relevantes nestecampo são as escassas referências a situações de jovens do sexomasculino em contextos familiares de pobreza que recorrem àprática da prostituição, e situações de abuso de drogas e álcool

62

Violence in Transit

Page 65: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

por parte de grupos de jovens, associadas à vida nocturna duranteos fins-de-semana.Deste ponto de vista, ao contrário do sugerido pelo desenho doprojeto, este estudo de caso convida a olhar com mais atenção aproblemática do envelhecimento, bem como a do género.Alcoolismo, a procura de prostituição masculina e feminina epráticas de engate homossexual, são fenómenos ecomportamentos que estão associados a homens, muitos dos quaiscom idades superiores a 60 anos, e que compõem a paisagemquotidiana de S. Bento.

O mosaico de problemáticas sociais, evidenciado pelostestemunhos dos ‘residentes’, foi corroborado e complementadopelos atores institucionais. Alguns dos elementos deste mosaico,correspondentes a personagens do enredo, encontram-seclaramente em condições de privação e marginalidade extremas,de que são exemplos os sem-abrigo que visitam regularmente aestação, bem como de outras pessoas que praticam mendicidadede forma igualmente frequente.Dentro deste limiar, ou na sua fronteira com condições devulnerabilidade menos extremas, encontram-se designadamentepessoas toxicodependentes e alcoólicas. No primeiro caso sãohomens e mulheres adultos de várias faixas etárias. No segundocaso, tendem a ser homens com idades superiores a 40 anos.Outra presença permanente são mulheres e homens que se dedicamà prática da prostituição, estes últimos consideravelmente maisocultos à observação direta. Estas práticas estão frequentemente,mas não exclusivamente, associadas ao abuso de drogas.

Outros elementos deste mosaico evocam diferentes conceitos paradar conta de outras práticas, por sua vez correspondentes a diferentespersonagens do enredo, nomeadamente os de delinquência,criminalidade, desvio social ou comportamento desviante. Osfenómenos e práticas que identificamos nestes domínios nãoimplicam necessariamente um grau extremo de vulnerabilidade. Pelocontrário, revelam frequentemente uma capacidade superior demobilização de recursos de diversas naturezas.

63

Relatório de Investigação Nacional

Page 66: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

As práticas que designamos por “esquemas” (carteiristas, furtos,contrabando, pequeno tráfico de drogas) podem, em grandemedida, ser enquadradas pelos conceitos de delinquência oucriminalidade, pelo seu carácter de práticas reconhecidas esancionadas pelo quadro jurídico-legal (Negreiros, 1990). Apresença estrutural deste tipo de práticas conduz inevitavelmente aconsiderar as problemáticas teóricas associadas às trajectórias ecarreiras desviantes (Negreiros, 2008) como um dos aspectoscentrais do cenário de reprodução da pobreza e exclusão socialneste território.A amplitude do conceito de comportamento desviante, enquantotransgressão ou violação de normas e de expectativas de umdeterminado grupo ou comunidade (Negreiros, 1990; Antunes,1999), permite enquadrar a generalidade do mosaico descrito.Evocá-lo para a compreensão deste território é útil sobretudo paradar conta de fenómenos que não são matéria do foro jurídico eque não encontram enquadramento heurístico suficiente noconceito de pobreza, designadamente as práticas dos clientes daprostituição masculina e feminina, bem como as práticas deengate homossexual. Neste campo a ênfase coloca-se no plano dareprovação social e da estigmatização, evocando o conceito deexclusão social para uma compreensão adequada destasrealidades empíricas.A percepção de uma parte significativa dos interlocutoresentrevistados é a de que a manifestação deste mosaico defenómenos verifica uma tendência de melhoria e estabilização.Para compreender a evolução da manifestação destes fenómenosno território, importa analisar as estratégias de intervenção de queeste tem sido alvo ao longo do tempo. De acordo com o fenómeno de gentrificação verificado ao longodas últimas duas décadas no Porto, as prioridades políticas têm-secentrado em criar as condições de competitividade territorialsegundo os padrões das sociedades de capitalismo avançado, ondea cidade se apresenta como um símbolo supremo de um ideal dedesenvolvimento económico e social. Na prossecução deste idealtipo, o tratamento dos fenómenos da pobreza e da exclusão socialassume um carácter instrumental face à finalidade em causa,

64

Violence in Transit

Page 67: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

evidenciando a ordem hegemónica de valores onde estasproblemáticas são secundarizadas. Neste sentido, a tendência de intervenção preponderante noterritório urbano em análise tem sido a de intensificação deestratégias higienistas, quer através das políticas de requalificaçãourbana, quer através das políticas sociais, nomeadamente noscampos da habitação e a da ação social. A partir da década de1990, estas intervenções começaram por reverter o cenário deextrema degradação da zona histórica, incluindo odesmantelamento de um dos maiores mercados de droga da região,num momento em que a problemática da toxicodependênciaatingia em Portugal uma proporção alarmante. Estas intervençõesforam abrangendo progressivamente um território mais amploincluindo a ‘baixa’ da cidade.

Dada a centralidade territorial de S. Bento, os impactos destasintervenções têm sido manifestos no espaço da estação e nas suasimediações. O cenário de concentração de sem-abrigo, detoxicodependentes e o trânsito de pessoas associado a estesfenómenos diminuiu consideravelmente na estação. Para este efeitoconcorreram igualmente as estratégias de intensificação dasegurança e do policiamento.No que se refere ao policiamento, é de destacar a eleição doespaço público de localização da estação como prioritário, apresença regular de uma força policial especificamente destacadapara o acompanhamento das actividades turísticas, bem como acriação de uma força policial ferroviária própria para a intervençãono interior das estações e dos comboios. A criação desta últimaforça policial é aliás, como afirmámos, paradigmática do modelode intervenção preventivo e dissuasivo privilegiado.No que se refere à segurança da estação, as estratégias seguem amesma orientação, assegurando a vigilância e o controlo socialcontínuos deste espaço. Como os nossos resultados empíricosevidenciaram, a figura do segurança da estação é central naimplementação destas políticas, na medida em que as suas funçõesprincipais implicam uma interação direta com os atores do mosaicosocial de pobreza e exclusão.

65

Relatório de Investigação Nacional

Page 68: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

A perspetiva dos atores institucionais entrevistados com funções desegurança e policiamento, espelha a tendência de estabilização eendogeneização destes fenómenos, cujo tratamento está integradono quotidiano da gestão deste espaço. A atenção prioritária destesatores centra-se em fenómenos emergentes ou para os quais asestratégias de vigilância e dissuasão não proporcionam aindamecanismos eficazes de controlo. Nesta categoria encontram-se oscidadãos estrangeiros/imigrantes que viajam na rede de serviços detransporte, ou dos grafiters que procurando locais de expressão aolongo das linhas e estruturas ferroviárias, fora da vigilânciaomnipresente, praticam atos classificados de vandalismo, contra opatrimónio da CP. A legitimação destas lógicas é reforçada por aproximadamente umterço dos atores ‘residentes’ que considera que este tipo deintervenção deveria ser intensificado.Num sentido diferente, uma parte mais pequena destes atores, entreos quais os cinco entrevistados em situação de exclusão social,considera que a intervenção neste espaço se deveria centrar nasnecessidades e problemas da população desfavorecida. Estaperspectiva é obviamente partilhada, por inerência das suasmissões, pelas OTS que intervêm neste espaço.

Os testemunhos destes atores institucionais revelam a mesmatendência de estabilidade deste mosaico de fenómenos. Estaestabilidade está também associada ao reconhecimento de umamelhoria dos modelos de articulação institucional nas respostassociais, bem como à sinalização dos casos individuais e coberturadas suas necessidades imediatas. A prioridade de intervenção queresulta dos seus diagnósticos é a da necessidade de criação derespostas orientadas para processos de reinserção socialcontinuados e acompanhados ao longo do tempo.Não sendo possível quantificar os fenómenos em causa, podemosno entanto afirmar que o número aproximado de personagens‘residentes’ envolvidas no mosaico descrito ronda actualmente asdezenas ou mesmo a centena. Importa sublinhar ainda que sendoesta uma zona prioritária de policiamento, o registo de incidentestem sido residual.

66

Violence in Transit

Page 69: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Em síntese, S. Bento é o estudo de um caso de um retalho deterritório urbano, onde a pobreza e a exclusão social se manifestamde forma endógena e cuja análise em profundidade espelha osmecanismos da sua reprodução estrutural. A estação constitui umpolo de manifestação destes fenómenos, mas não um polo da suaconcentração, eficazmente evitada por uma forte vigilância econtrolo social. A cabal compreensão dos mesmos implica,necessariamente, considerar o território mais abrangente, bemcomo outros pontos do centro urbano.

iii) Em que medida está a ocorrência destes fenómenos associada àestação e às características específicas deste espaço?

A investigação empírica permitiu reunir dois conjuntos deresultados distintos tendo em vista a resposta a esta terceira questãode partida.Um primeiro conjunto é relativo às respostas dos actores‘residentes’, quando lhes foi colocada a questão de qual a relaçãoentre os fenómenos sociais que identificaram nos seus testemunhose a estação de S. Bento. Estas respostas dão pistas para refletir sobrea relação entre a ocorrência destes fenómenos e a função detransporte de passageiros e correlativa concentração e mobilidadede pessoas.A estação é percepcionada como um “lugar de oportunidades” dediversos pontos de vista. Por um lado, é uma localizaçãoprivilegiada para o negócio dos comerciantes e prestadores deserviços e é o ponto de chegada de clientes do interior do paíspara as mulheres que se prostituem. Por outro lado, ascaracterísticas propiciam o exercício de “esquemas”, bem comoas práticas de sobrevivência quotidiana para os atores emsituação de marginalidade extrema (como a mendicidade ou oabrigo). Visto de outra perspectiva, esta percepção está tambémassociada a um sentido histórico e à polaridade que S. Bentoassume no cenário mais amplo da pobreza e exclusão social nacidade, como o sugerem as expressões “ponto terminal”, “espaçocentral” ou “ponto estratégico desde sempre, uns pornecessidade, outros por vício”.

67

Relatório de Investigação Nacional

Page 70: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

A função de transporte de passageiros e a correlativa concentraçãode pessoas em trânsito constitui, portanto, uma característicaincontornável para a compreensão do mosaico de problemáticassociais. Todavia, estas mesmas características são similares a outrospontos do centro urbano onde circulam milhares de transeuntes,onde se localizam outras estruturas de transportes e onde ocorremfenómenos semelhantes. Neste contexto, a autonomização deindicadores empíricos para a resposta a esta terceira questão departida é particularmente difícil de concretizar. Procurando igualmente contribuir para dar resposta a esta questão departida, a abordagem etnográfica ao território privilegiou comodimensão de análise a apropriação social do espaço físico. Osresultados desta análise permitiram identificar uma segmentação doespaço, o que aprofunda a compreensão do mosaico de fenómenosencontrado mas não contribui para esclarecer a questão de partida.Do ponto de vista do desenvolvimento do território urbano, a primeiraaproximação ao terreno tinha já revelado a singularidade dalocalização de S. Bento na fronteira da cidade medieval, de tradiçãopopular e bairrista, com a cidade moderna de natureza mais impessoale favorável ao anonimato. A expressão dos referidos fenómenos noespaço da estação corrobora esta constatação inicial, ao apresentaruma geografia de “micro cosmos do desvio” consonante.

Os dados da observação e das entrevistas evidenciam a polarizaçãode fenómenos distintos num lado e noutro da fronteira. Do lado daRua do Loureiro, contígua ao bairro da Sé e onde permanecemfunções residenciais e de comércio tradicional, os fenómenosverificados enquadram-se no que podemos designar por umterritório de pobreza ‘normalizada’ ou instituída, onde amendicidade, mas sobretudo a prostituição feminina, são asexpressões históricas e socialmente endogeneizadas, não obstantea sua representação como “podridão” ou “cancro”. Na transição para a cidade moderna, do lado da Rua da Madeiraincluindo a maior parte do espaço interior da estação, tendem apolarizar-se os fenómenos que resistem a esta institucionalização ounormalização social. Esta resistência está associada quer ao seucarácter no limiar da ilegalidade e da criminalidade, quer à

68

Violence in Transit

Page 71: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

profunda reprovação e estigmatização social, como são os casos doabuso de álcool e drogas e da homossexualidade – “o maior nojo daestação”. Este lado da fronteira é portanto um território de opacidadeacrescida, que beneficia do maior anonimato propiciado pelascaracterísticas físicas e da ocupação social do espaço.Estes resultados, bem como os resultados globais da abordagemetnográfica escolhida pelo Violence in Transit, convidam a encararS. Bento como um palco privilegiado para observar não tanto aemergência ou a concentração de fenómenos de pobreza eexclusão social, mas também – e sobretudo – os mecanismosestruturais da sua reprodução. A metodologia de investigaçãoimplementada teve a virtude de revelar a trama de interaçõesquotidianas entre os diferentes atores sociais, através das quais sereproduzem continuamente os processos interpessoais e osmecanismos macro estruturais de exclusão social.

As características que tornam este espaço privilegiado são a suafunção de transporte de passageiros, o seu carácter de atraçãoturística e a sua localização no coração de um centro urbano emprocesso de gentrificação. Localizada num território mais amplocaracterizado pelo aumento crescente do controlo social e davigilância policial, a estação ferroviária é porventura um dosretalhos de território urbano onde este controlo e vigilânciaassumem uma expressão máxima. Esta afirmação encontra uma das suas manifestações mais evidentesno papel do personagem segurança da estação, protagonista noenredo do dia-a-dia da vida de cada um dos sujeitos que compõemo mosaico de pobreza e exclusão, bem como no decorrer das horase dos minutos de um dia trabalho de observação direta no terreno,pela equipa de investigadores.

3.2. Pistas para a intervenção

Perante as conclusões da investigação, importa por último, refletirsobre as oportunidades para a intervenção pelo Violence in Transit.Um primeiro elemento chave para esta reflexão é de ordem

69

Relatório de Investigação Nacional

Page 72: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

temática. Deste ponto de vista, a pobreza estrutural e a reproduçãodos mecanismos de exclusão social surgem como os temas centrais,num contexto de estabilidade da manifestação das problemáticassociais. Assim, os resultados da investigação convidam sobretudo adesenhar uma intervenção orientada para a reflexão crítica emtemas como:- As representações da pobreza e da exclusão social e a sua

reprodução através da endogeneização dos mecanismos dadesigualdade social aos níveis individual e colectivo e objectivoe subjectivo.

- O carácter histórico destas problemáticas no centro da cidadedo Porto, os modelos de intervenção social implementados e osseus respectivos resultados e impactos.

- Os cenários de evolução da situação tendo em conta o actualcontexto de crise e as tendências no campo das políticas sociais.

Ainda no plano temático, e considerando a configuração empíricados diferentes fenómenos do mosaico de problemáticas descrito, osresultados da investigação convidam a aprofundar a reflexão sobreo diagnóstico social do território. Alguns dos temas específicosidentificados são os seguintes:- O cruzamento destas mesmas problemáticas com as questões

do envelhecimento e do género.- As questões do tratamento social da homossexualidade e do

desconhecimento e difícil acesso à população envolvida empráticas de prostituição masculina.

- A prevalência de situações de extrema marginalidade, nãoobstante a melhoria significativa das estratégias de intervençãosocial, para as quais as respostas sociais ao nível da intervençãoprimária e secundária permanecem insuficientes.

- As dificuldades de desenvolver respostas de reinserção socialduradouras.

Um segundo elemento-chave para a intervenção são ascaracterísticas específicas do espaço físico e social de S. Bento. Asmesmas características que fazem da estação um palco privilegiadode observação dos mecanismos de reprodução da exclusão social

70

Violence in Transit

Page 73: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

constituem oportunidades extraordinárias para o desenho de umaintervenção orientado para um trabalho de sensibilização socialabrangente. Ações que assumam este espaço como palco poderãocontar com uma grande diversidade e quantidade de públicos,designadamente:- Três dezenas de milhares de clientes da CP por dia, incluindo

uma grande quantidade de população que reside nas regiões doDouro, Minho e Aveiro e na Área Metropolitana do Porto;

- Milhares de transeuntes diários na baixa do Porto, incluindoturistas;

- Centenas de pessoas que neste estudo designamos por atores‘residentes’, incluindo os comerciantes e prestadores de serviçosno local e imediações e as próprias pessoas em situação devulnerabilidade social. A estas acrescem as pessoas que habitamnos edifícios envolventes à estação onde permanece a funçãoresidencial.

- Os atores institucionais responsáveis pela intervenção em S.Bento Desde logo as próprias entidades gestoras, CP e REFER,bem como as OTS e as forças policiais – PSP, polícia ferroviáriae equipas de acompanhamento das actividades turísticas.

Por fim, e em linha com esta listagem de potenciais públicos-alvopara o desenho da intervenção, importa ter em conta outros atoresque poderão, influenciar, contribuir e/ou beneficiar das ações aimplementar (stakeholders). Entre estes, entidades públicas,privadas e do terceiro sector, de que são exemplos as seguintes: - A Câmara Municipal, as Juntas de Freguesia e outras entidades

com tutela sobre as diferentes áreas de política sectorial (açãosocial, emprego, igualdade de género, requalificaçãourbanística, promoção turística, etc.).

- Os agentes privados com interesses neste espaço do territóriourbano, entre os quais agentes imobiliários e turísticos.

- As OTS com intervenção no centro urbano do Porto.- As universidades e os investigadores dedicados ao estudo destes

fenómenos na cidade.

71

Relatório de Investigação Nacional

Page 74: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária
Page 75: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Bibliografia

- ALMEIDA, João Ferreira de & PINTO, José Madureira (1995). Ainvestigação em Ciências Sociais, Lisboa, Editorial Presença.

- ANTUNES, A. (1999). Pardais da Cidade: e histórias da delin-quência juvenil. Coimbra: Associação Integrar

- ARBORIO, Anne-Marie & FOURNIER, Pierre, (1999). L?enquêteet ses méthodes: L?observation directe, St. Germain du Puy,Nathan Université.

- AZEVEDO, José, ESTEVES, António J., (1998). MetodologiasQualitativas para as Ciências Sociais, Porto, ISFLUP.

- BOURGOIS, P. (2009). Recognizing Invisible Violence: A Thirty-Year Ethnographic Retrospective, In Barbara Rylko-Bauer, LindaWhiteford & Paul Farmer (eds.) , Global Health in Times of Vio-lence, Santa Fe, NM School of Advanced Research Press, 18-40.

- BURGUESS, Robert (1997). A Pesquisa de Terreno, Oeiras, Cel-ta Editora.

- Câmara Municipal do Porto, (2011). Plano de DesenvolvimentoSocial – Porto 2011-2013.

- Câmara Municipal do Porto e Universidade Católica Portuguesa,(2009). Porto solidário – Diagnóstico Social do Porto (versãoprovisória.)

- CARIA, Telmo H. L. (Org.) (2003). Experiência etnográfica e teo-ria social. Porto. Afrontamento.

- DORNELAS, António, OLIVEIRA, Luísa, VELOSO, Luísa, GUE-RREIRO, Maria das Dores (Org.) (2010). Portugal invisível. Edito-ra Mundos sociais. Lisboa.

- FERNANDES, Luís, CARVALHO, Maria, (2000). Por onde anda oque se oculta: o acesso a mundos sociais de consumidores pro-blemáticos de drogas através do método do snowball. RevistaToxicodependências, Vol 6, n3, 2000, 17-28. Instituto da Drogae da Toxicodependência.

- FERNANDES, Luís (2003). Um diário de campo nos territóriospsicotrópicos: as facetas da escrita etnográfica. in. ExperiênciaEtnográfica em Ciências Sociais. Telmo Caria (org.). Porto. Edi-ções Afrontamento.

73

Relatório de Investigação Nacional

Page 76: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

- FREIXO, Manuel João Vaz, (2009). Metodologia Científica. Lis-boa. Instituto Piaget.

- NEGREIROS, J. (2008). Delinquências juvenis: trajectórias, inter-venção e prevenção. Porto: Livpsic

- Negreiros, J. (1990). Comportamentos desviantes. In Psicologiado desenvolvimento e educação de jovens (Vol. 2, pp. 213-249).Lisboa: Universidade Aberta

- PAIS, José Machado (Coord.) (2000, 2ª ed.). Traços e Riscos deVida. Uma Abordagem Qualitativa a Modos de Vida Juvenis.Porto. Ambar.

- PERETZ, Henri (2000). Métodos em sociologia: a observação,Lisboa, Temas e Debates.

- PINTO, José Madureira, SILVA, Augusto Santos (Orgs.) (1986).Metodologia das Ciências Sociais, Edições Afrontamento.

- PINTO, Marta, (2009). Gunas, transgressão e tensões centro-margem: notícias de uma etnografia urbana. Tese de Doutora-mento, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Uni-versidade do Porto.

- Porto Vivo, SRU. (2008) Estudo de caracterização institucionaldo Centro Histórico do Porto.

- RIBEIRO, José da Silva, (2004). Antropologia Visual. Da minúciado olhar ao olhar distanciado. Porto. Edições Afrontamento.

74

Violence in Transit

Page 77: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Anexos

75

Relatório de Investigação Nacional

Page 78: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária
Page 79: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Indice de AnexosAnexo I Guião de Entrevista Exploratória

Anexo II Bibliotecas e sites consultados

Anexo III Grelha de observação direta

Anexo IV Guião aberto entrevista aos atores residentes

77

Relatório de Investigação Nacional

Page 80: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária
Page 81: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Anexo IGuião de entrevista exploratória

Procedimentos exploratórios

Objetivo: Identificar algumas partes interessadas que possamfornecer informações e ajudar a identificar os seguintes elementos:- Áreas do interior da estação e sua envolvência em que se

verifiquem episódios de violência juvenil ou risco potencial deocorrência de fenómenos violentos envolvendo jovens, tantocomo vítimas e/ou como agressores.

- O público-alvo da intervenção: através dos atores privilegiadosa entrevistar, recolher uma descrição do jovem alvo envolvidonos fenómenos de interesse do projeto em termos de idade,nacionalidade, sexo, comportamento desviante (método, afrequência, a participação de outros atores sociais).

Em cada área de intervenção será identificada nesta fase, pelomenos 6-7 partes interessadas, ou seja, os responsáveis de segurança(forças de segurança pública como operadores da segurançaprivada) responsáveis pela gestão ferroviária e responsáveis pelasONGs que trabalham com os grupos-alvo; representantes políticoslocais (cidade ou distrito) com responsabilidade nas áreas dasegurança urbana e políticas de juventude.

O grupo de trabalho vai facultar um mapa da estação e área urbanaadjacente, com a identificação dos locais entrevistados.Recomenda-se também a recolha de dados estatísticos. Porexemplo, solicitar os dados de relatórios policiais/ intervençõessobre os fenómenos sociais em análise junto das forças desegurança, assim como a recolha dos comunicados de imprensacom episódios de notícias locais e posições da sociedade civilsobre as temáticas de interesse do projeto às agências de meios decomunicação locais (jornais, televisão e web media).

79

Relatório de Investigação Nacional

Page 82: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Passos para entrevistas de mapeamento:1) obter um mapa da estação ferroviária e do território envolvente; 2) identificar as partes interessadas (stakeholders);3) reunir com as partes interessadas, para apresentar o projeto

(objetivos, ações, duração, ações planeadas), fazer as entrevistas(entrevistas gravadas);

4) identificar as áreas de interesse, em mapas, com a colaboraçãodas partes interessadas;

5) transcrever as entrevistas e elaborar um breve relatório sobre osresultados das mesmas

Durante esta primeira fase serão planeadas e executadas as versõespreliminares do mapeamento das áreas e das grelhas deobservação.

Guião da EntrevistaPrimeira parte: descrição dos stakeholders

1.1 Nome da organização

1.2 Instituição / organização• Forças de Segurança• Entidade pública• Associação Comercial/ Empresas privadas• Associação de moradores • ONG• Outros (especifique)……………………

No caso da instituição / organização prestar serviços ao público-alvo,preencher a segunda parte

1.3 Endereço, número de tabela

1.4 Nome de contacto

80

Violence in Transit

Page 83: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Segunda parte: relação com a área de intervenção

2.1. Qual a missão e quais as atividades desenvolvidas pelaorganização referentes a esta área territorial?(A resposta pode envolver-se no domínio da segurança e daprevenção da criminalidade (no caso das forças de segurança);na programação da intervenção (instituições públicas); naatividade comunitária (associações cívicas), na atividadeprodutiva/económica, entre outros)

2.2. Qual a localização física da organização no território? A resposta envolve tanto a identificação da sede, lojas,escritórios, como a presença ocasional (controle das forçaspoliciais, as atividades pontuais em momentos específicos doano, atividades exclusivas - festas, campanhas, etc.), neste casopedir para quantificar a presença (horas, dias)

3.1 Qual é a leitura que faz dos fenómenos de violência,marginalização, miséria, degradação, no território deintervenção? Particularmente em referência ao envolvimentode jovens (com menos de 30 anos de idade).

3.2 Com a ajuda do mapa territorial identificar as áreas em que osfenómenos ocorrem.

3.3 Solicite informações específicas sobre os diferentes grupos alvoe a sua evolução ao longo do tempo.A pergunta pode ser formulada da seguinte forma:Ao longo dos últimos cinco anos, a situação é diferente no quediz respeito à presença de:

81

Relatório de Investigação Nacional

Page 84: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Prostituição

5 Anos atrás Hoje

Presença: número

Nacionalidade

Idade

Questões / problemas

Toxicodependência

5 Anos atrás Hoje

Presença: número

Nacionalidade

Idade

Questões / problemas

Sem Abrigo

5 Anos atrás Hoje

Presença: número

Nacionalidade

Idade

Questões / problemas

82

Violence in Transit

Page 85: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Os jovens envolvidos em atos de violência e exclusão social

5 Anos atrás Hoje

Presença: número

Nacionalidade

Idade

Questões / problemas

3.4 Indique as suas principais preocupações em relação àsegurança na Estação de S. Bento e território envolvente?

3.5 Diga, na sua opinião, se a sua organização propôs/implementou iniciativas específicas para prevenir e/oucombater a degradação urbana e a insegurança?

3.6 A sua organização participa em redes locais, em coordenaçãocom outras partes interessadas:• Forças de Segurança• Instituição pública• Associação Comercial/ Empresas privadas• Associação de Moradores na área• ONG• Outros (especifique)……………………

Nome e objetivo da rede, coordenação, ....

Descreva as atividades realizadas na sua organização nos últimos cincoanos em relação aos fenómenos de interesse para o projeto [prevençãoe redução da violência juvenil nas áreas de mobilidade (estações)].

Descreva as atividades na sua organização para os próximos dois anos.

83

Relatório de Investigação Nacional

Page 86: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Segunda parteGuia para as organizações que prestam serviços ao público-alvo

Público-alvo• Sem abrigo• Toxicodependência• Prostituição• Jovens envolvidos em atos de violência e exclusão social• Outros………………………

Atividade• Gestão de centros de alojamento de médio-longo prazo

(mais de 30 dias) • Gestão de centros de alojamento para casos de emergência

social (até 30 dias)

Gabinete de atendimento ao público• Dias - horários………………………

Tipo de serviços prestados:• Orientação para a saúde e área social• Micro-projectos de inclusão social e laboral• Escuta• Trabalho em rede com outros serviços• Participação em redes locais • Outro (especificar) ……………………………………………• Oferta de comida, cobertores, medicamentos e outros

materiais de apoio à saúde preventivaExplique como decorre a atividade (horários, modalidade,operadores envolvidos, ..)

• Trabalho de proximidade, trabalho de rua, contato com clientesno exterior das instalações, nos locais de estacionamento, noslocais de trabalho, nos locais de passagem.

Explique como decorre a atividade (horários, modalidade,operadores envolvidos, ..)

84

Violence in Transit

Page 87: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

• Atividades de lazer/entretimento, de educação e dejuventude

Explique como decorre a atividade (horários, modalidade,operadores envolvidos, ..)

• Outras atividadesExplique como decorre a atividade (horários, modalidade,operadores envolvidos, ..)

85

Relatório de Investigação Nacional

Page 88: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária
Page 89: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

87

Relatório de Investigação Nacional

Anexo IIListagem bibliotecas e centros dedocumentação consultados

Lista de bibliotecas e centros de documentação:

- Bibliotecas de instituições de ensino superior- Faculdade Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra- Faculdade de Direito da Universidade do Porto/Coimbra/Lisboa?

(togliere il punto interrogativo)- Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra- Faculdade de Letras da Universidade do Porto- Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da

Universidade de Coimbra- Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da

Universidade do Porto- Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - Instituto Superior de Serviço Social do Porto - Universidade do Minho- Centros de Investigação e documentação- Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa- CES - Centro de Estudos Sociais - CIES - Centro de Investigação e Estudos de Sociologia - EAPN Portugal / Rede Europeia Anti Pobreza- CIG – Comissão para a Igualdade de Género- IDT – Instituto da Droga e da Toxicodependência- Fundação da Juventude- Catálogos On-Line- B-on- Springer- Web of Science- Páginas WEB- Nacionais- Fórum Não Governamental para a Inclusão Social- Link: http://foruminclusao.no.sapo.pt/

Page 90: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária
Page 91: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Anexo IIIGrelha de observação

Listagem de itens e códigos para preenchimento da grelha

0. Pontos de observação e HoraIdentificação de ponto de observação: R. Madeira; R. Loureiro;Estação; Frente à estação; outro: qual?

1. Fluxo de pessoas(FE) Fluxo elevado(FM) Fluxo médio (FB) Fluxo Baixo

2. Aspetos sociodemográficosSexoM= masc.F = fem.T = transg.NacionalidadeP= PortuguesaE = Estrangeiro (se possível, especificar a nacionalidade)Grupo etário1) <122) 12-153) 16-204) 20-305) 30-406) 40-507) 50-608) 60-709)> 70

89

Relatório de Investigação Nacional

Page 92: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

3. Estilo de apresentaçãoIdentificação do tipo adereços, apresentação mais ou menosformal, aspeto de sem-abrigo, etc.

4. Formas de interaçãoI = um indivíduoG = Grupo —> especificar o nº de elementos de grupo

5. Formas de apropriação do espaçoUma descrição da relação com o espaço e com asestruturas/serviços da estação (ex.: Utiliza o comboio?). [5.1]Sempre o mesmo ponto (estáticos)[5.2] A vaguear pela estação[5.3] À espera de apanhar o comboio[5.4] Outra. Qual?

6. Agentes de segurança na zonaTipo de agentes (—> especificar o nº de agentes e seuscomportamentos/funções)PSPSeg. Ferroviária (PSP-SF)PSP Turismo (PSP-T) Empresas privadas (EP)Outro (Especificar)Nenhum (0)

7. Descrição de eventuais comportamentos desviantes ousituações problemáticas vividas pelos indivíduos observados.Desemprego (DS) Abandono escolar (AE)Venda de drogas (VD) Alcoolismo (A)Distúrbio psíquico (DS) Microcriminalidade (MC)Sem-abrigo (SA) Uso de drogas (UD)Trabalho sexual (TS) Exploração de trabalhosexual (ETS) Mendicidade (M)“Arrumador de carros” (AC) Nenhuma (N)

90

Violence in Transit

Page 93: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

91

Relatório de Investigação Nacional

Dat

aD

e (H

ora)

Até

(H

ora)

Nom

e do

Obs

erva

dor

Car

acte

riza

ção

do E

spaç

o - A

tor

Regi

stoH

ora

Flux

o de

Pas

sage

iros

Agen

tes d

e Au

torid

ade

Out

ras O

bser

vaçõ

es10

Tipo

logi

aN

úmer

oCo

mpo

rtam

ento

(s)/

Post

ura

1 2 n Car

acte

riza

ção

do F

enóm

eno

- Ato

r

Hor

a e

Aspe

tos

Inte

raçã

oEs

tilos

de

Form

as d

eCo

mpo

rtam

ento

s

Loca

l de

Soci

odem

ográ

ficos

apre

sent

ação

apro

pria

ção

Des

vian

tes/

Obs

erva

ção

o(d

escr

ição

)do

esp

aço

Prob

lem

átic

as

Soci

ais

Sexo

Nacio

nalid

ade

Idad

eIn

divid

ualG

rupo

(nº)

1 2 n

10. Nesta categoria incluir presenças, movimentações, eventos não usuais que, não só alterama caracterização do espaço da Estação, mas também o comportamento dos passageiros, asdinâmicas da Estação e, ulteriormente, pode afetar os nossos alvos e respetivas atividades

Diá

rio

de c

ampo

(no

tas

de t

erre

no e

not

as m

etod

ológ

icas

) +

Reg

isto

con

vers

asio

nal

Page 94: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária
Page 95: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

93

Relatório de Investigação Nacional

Anexo IVGuião aberto entrevistas aos atoresresidentes

Listagem de itens e códigos para preenchimentoda grelha0. Pontos de observação e Hora

Identificação de ponto de observação: R. Madeira; R. Loureiro;Estação; Frente à estação; outro: qual?

1. Fluxo de pessoas(FE) Fluxo elevado(FM) Fluxo médio (FB) Fluxo Baixo

2. Aspetos sociodemográficosSexoM= masc.F = fem.T = transg.NacionalidadeP= PortuguesaE = Estrangeiro (se possível, especificar a nacionalidade)Grupo etário1) <122) 12-153) 16-204) 20-305) 30-406) 40-507) 50-608) 60-709)> 70

Page 96: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

3. Estilo de apresentaçãoIdentificação do tipo adereços, apresentação mais ou menosformal, aspeto de sem-abrigo, etc.

4. Formas de interaçãoI = um indivíduoG = Grupo —> especificar o nº de elementos de grupo

5. Formas de apropriação do espaçoUma descrição da relação com o espaço e com asestruturas/serviços da estação (ex.: Utiliza o comboio?). [5.1] Sempre o mesmo ponto (estáticos)[5.2] A vaguear pela estação[5.3] À espera de apanhar o comboio[5.4] Outra. Qual?

6. Agentes de segurança na zonaTipo de agentes (—> especificar o nº de agentes e seuscomportamentos/funções)PSPSeg. Ferroviária (PSP-SF)PSP Turismo (PSP-T) Empresas privadas (EP)Outro (Especificar)Nenhum (0)

7. Descrição de eventuais comportamentos desviantes ousituações problemáticas vividas pelos indivíduos observados.Desemprego (DS) Abandono escolar (AE)Venda de drogas (VD) Alcoolismo (A)Distúrbio psíquico (DS) Microcriminalidade (MC)Sem-abrigo (SA) Uso de drogas (UD)Trabalho sexual (TS) Exploração de trabalho sexual (ETS)Mendicidade (M) “Arrumador de carros” (AC)Nenhuma (N)

94

Violence in Transit

Page 97: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

95

Dat

aD

e (H

ora)

Até

(H

ora)

Nom

e do

Obs

erva

dor

Car

acte

riza

ção

do E

spaç

o - A

tor

Regi

stoH

ora

Flux

o de

Pas

sage

iros

Agen

tes d

e Au

torid

ade

Out

ras O

bser

vaçõ

es11

Tipo

logi

aN

úmer

oCo

mpo

rtam

ento

(s)/

Post

ura

Car

acte

riza

ção

do F

enóm

eno

- Ato

r

Hor

a e

Aspe

tos

Inte

raçã

oEs

tilos

de

Form

as d

eCo

mpo

rtam

ento

s

Loca

l de

Soci

odem

ográ

ficos

apre

sent

ação

apro

pria

ção

Des

vian

tes/

Obs

erva

ção

o(d

escr

ição

)do

esp

aço

Prob

lem

átic

as

Soci

ais

Sexo

Nacio

nalid

ade

Idad

eIn

divid

ualG

rupo

(nº)

11. Nesta categoria incluir presenças, movimentações, eventos não usuais que, não só alterama caracterização do espaço da Estação, mas também o comportamento dos passageiros, asdinâmicas da Estação e, ulteriormente, pode afetar os nossos alvos e respetivas atividades

Page 98: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

96

Violence in Transit

Diário de campo(notas de terreno e notas metodológicas)

Registo conversacional

Caracterização

Localização

Grupo etário 16-20 20-30 30-40 40-50 50-60 60-70 > 70

Sexo Masculino................... Feminino...................

Nacionalidade Portuguesa

Estrangeiro (se possível, especificar a nacionalidade)........................

Há quanto tempotrabalha aqui?

1ª Abordagem

A) Caracterização do espaçoB) Necessidades diagnosticadasC) Intervenção realizada(abordada somente quando a questionámos sobre a temática)

2ª Abordagem

Page 99: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária
Page 100: S. Bento no coração da cidade do Porto. Uma abordagem etnográfica à estação ferroviária

Fundación Apip - Acameuropeconsulting

cooperativa sociale

European Commission -Directorate - General Justice

Partnership

Daphne III programmeProject code: JUST/2010/DAP3/AG/1231