SA SKIA SA SSEN · melhor. É o caso do Projeto Sinal Livre, ... para viver melhor, ... as maneiras...

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CONTEÚDO ESPECIAL SASKIA SASSEN iniciativa

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“Moradores da cidade, independentemente de onde morem, deveriam ter voz quando grandes incorporações absorvem o que um dia foi espaço público, ruas, tecido urbano no centro de uma cidade e transformam em uma megaconstrução de propriedade privada.”

Saskia Sassen

CONTEÚDO ESPECIAL

SASKIA SASSEN

iniciativa

iniciativa

ABERTURA DA VIRADA SUSTENTÁVEL 2015

parceria cultural

Nossa relação com as cidades está passando por uma grande transformação. Atualmente, locomover-se somente com o próprio carro está deixando de ser tão comum, e os espaços coletivos ganham novos significados. Os dados e reflexões aqui apresentados mostram que a nossa socieda-de valoriza e se apropria, cada vez mais, dos espaços urba-nos. E essa mudança de pensamento está criando um novo conceito de cidade.

É o que detecta nosso estudo Cidades Compactas, que revela que as pessoas desejam ter menos dependência do carro para se locomover. Quase 90% dos entrevistados tam-bém afirmam que gostariam de ter menos posse de bens, para usar mais serviços compartilhados.

Acreditamos que é nosso dever participar ativamente dessa transformação. É por isso que investimos em ações que conscientizam e empoderam as pessoas a construírem uma cidade, um país, e, consequentemente, um mundo melhor. É o caso do Projeto Sinal Livre, que já impactou mais de 37 mil pessoas desde 2012. Mais do que educar as crianças, nosso propósito com essa iniciativa é torná-las

aptas a desenvolver suas próprias soluções e a replicar suas ideias, expandindo o conhecimento. Essa foi a forma que encontramos para que, em alguns anos, nossas cidades se-jam mais seguras e sustentáveis.

Os participantes aprenderam não só sobre mobilidade urbana, mas também sobre o poder que as pessoas têm para transformar o lugar onde vivem. E eles não são os úni-cos. Ouvimos cada vez mais histórias de vizinhos que agem colaborativamente para melhorar a segurança na rua, ou de colegas de trabalho que se organizam em grupos de caro-na por uma locomoção mais sustentável. Percebemos que, para viver melhor, precisamos trabalhar em conjunto.

Enquanto muitos dizem que hoje as pessoas estão mais egoístas, ousamos dizer o contrário. E os dados que apre-sentamos aqui não nos deixam mentir. Nós acreditamos em um futuro melhor. E é por isso que a Liberty Seguros vai continuar promovendo iniciativas que fazem diferença na vida das pessoas, e ajudam a construir cidades globais mais sustentáveis, seguras e humanas.

A CIDADE DO PRESENTE E DO FUTURO

Carlos Magnarelli, CEO da Liberty Seguros

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trabalho e compras estão, no máximo, a 20 minutos de dis-tância. Na “cidade compacta” há menor dependência do carro e são oferecidos mais serviços nos bairros. Mulheres e pessoas acima de 31 anos são as que mais almejam viver em cidades desse estilo. Elas estão dispostas a abrir mão de algumas conquistas e valorizam mais a conveniência do que a variedade.

A pesquisa confirmou a tendência de uma economia compartilhada, que vem ganhando força globalmente. En-tre os entrevistados, 89% afirmaram que gostariam de ter menos posses e mais acesso a bens compartilhados, des-de itens triviais como livros, DVDs e utensílios domésticos até carros e cômodos da própria casa.

A principal preferência relativa ao lazer ideal, para 81% dos entrevistados, é que seja em um local aberto, ao ar livre. Esse índice reflete, em alguma medida, o desejo de estender e aumentar os espaços das casas, que vêm dimi-nuindo principalmente nas áreas centrais das cidades.

O conceito de “cidade compacta”, uma expressão que vem ganhando diversas roupagens ao longo do tempo, já foi absorvido pelo brasileiro. Essa cidade pode ser vertical, ter um ou vários núcleos, possibilitar o uso misto do espa-ço, gerar menor dependência do carro e ser mais sustentá-vel. Outro dado positivo é que há um desejo de aproxima-ção das pessoas e mais qualidade de vida.

A sociedade mundial está em busca de uma nova polí-tica urbana. Uma das mudanças deverá passar pela refle-xão sobre o crescimento do espaço privado em detrimento do espaço público. Essa é uma das ideias defendidas por Saskia Sassen, que ecoa no mundo todo. O Brasil acom-panha esse movimento e é um dos países que entrou no circuito do debate com a presença da socióloga.

Um dos exemplos concretos do olhar sobre o futuro da ocupação dos espaços está documentado na pesquisa de mobilidade urbana realizada pela Liberty Seguros, em par-ceria com o instituto de pesquisa Teor Marketing. Os dados foram coletados em entrevistas envolvendo mais de mil pessoas em seis capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Ja-neiro, Porto Alegre, Salvador, Curitiba e Belo Horizonte). Do total de entrevistados, 60% são homens e 40% mulheres. A faixa etária média ficou nos 29,3 anos.

A Liberty Seguros propôs em sua “Pesquisa de Mobi-lidade Urbana 2015” que os participantes imaginassem a cidade ideal. Independentemente de local, faixa etária e sexo dos entrevistados, para 82% deles ela apresenta as características de uma cidade compacta, onde moradia,

CIDADE COMPACTA,UM DESEJO DOS BRASILEIROS

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50% dos participantes da pesquisa admitem que teriam uma relação mais próxima com seus vizinhos e 30% não se importariam de abrir mão da privacidade para que essa aproximação aconteça. A pesquisa aponta que as pessoas mais dispostas a compartilhar tendem a ser as mais “ex-postas”, ou seja, moram em casas de rua, conhecem seus vizinhos, andam de ônibus e são mais jovens.

No que diz respeito à mobilidade, 53% dos entrevista-dos gostariam de realizar seus deslocamentos a pé e de bi-cicleta, concordando que o carro não deve ser o principal meio de transporte para o cotidiano, podendo ser substitu-ído pelo transporte público.

MORADIA IDEAL

A moradia ideal também foi um dos assuntos aborda-dos na pesquisa e mostrou um equilíbrio entre aqueles que preferem viver em um apartamento com varanda grande e ter opções de lazer no condomínio (33% dos entrevista-dos), viver em casa ou apartamento menores, mas próxi-mos dos locais de estudo ou trabalho (28%) ou morar em uma casa espaçosa e afastada do trabalho (28%). No que diz respeito aos fatores que determinam a escolha do local de moradia, a proximidade de estações de metrô, trem ou ônibus e de locais para a prática de atividades de lazer são indicados como os principais.

Quando perguntados sobre onde desejam fazer suas compras do cotidiano, de produtos básicos e serviços de con-veniência, ainda que demonstrem gostar da praticidade de compras pela internet, cerca de 55% dos entrevistados op-tariam por pequenos comércios de bairro, que pressupõem uma exposição maior a relacionamentos mais próximos, em vez de grandes centros comerciais como shoppings centers.

A pesquisa de mobilidade urbana da Liberty Seguros comprova que o desejo de viver melhor está dissemina-do entre os habitantes das cidades e é muito semelhante, mesmo em partes diferentes de um país tão grande como o Brasil. Ainda que não haja consenso sobre todos os temas abordados, o desejo de viver em "cidades compactas" se evidencia em resultados como: o desejo de estar perto do trabalho e de áreas de lazer, a disposição de se deslocar a pé ou de bicicleta, a vontade de usufruir mais dos espaços públicos, a intenção de compartilhar mais e possuir menos.

A cidade ideal depende da vontade e da disposição de seus habitantes de construí-la, por meio da voz ativa e do envolvimento na transformação do espaço urbano. Pensar as maneiras de realizar esses objetivos em conjunto é um dos grandes desafios. Por isso, a Liberty Seguros apoia boas iniciativas nessa área.

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Tem ainda como missão mapear, divulgar e reforçar co-nexões entre grupos e redes de transformação nas cidades, promovendo dinâmicas de cocriação e coparticipação em todas as etapas, reforçando o aspecto essencialmente co-laborativo do evento com diferentes atores sociais.

As ações e atrações são viabilizadas por patrocínios e/ou resultantes de uma grande rede de articulação na cida-de, envolvendo organizações da sociedade civil, coletivos, equipamentos culturais, órgãos públicos, universidades e escolas, entre outros.

Na última edição, realizada em São Paulo em agosto de 2014, somou em quatro dias de evento um público aproxima-do de 920 mil pessoas, 715 atrações, 155 locais e 128 organi-zações participantes. Em 2015, teve a primeira edição reali-zada fora da capital paulista, em Manaus (25 e 26 de julho), inaugurando uma rede de cidades que em 2016 deve incluir também Salvador, Recife, Porto Alegre e Rio de Janeiro.

Como inspirar e mobilizar pessoas para a sustentabili-dade a partir de uma abordagem mais positiva, propositi-va e, sobretudo, mais sedutora para a população? Ou mos-trar que a sustentabilidade não é “ecochata” e engloba um guarda-chuva mais amplo de temas do que a biodiversi-dade, preservação de florestas ou reciclagem – impor-tantes, obviamente –, mas inclui também erradicação da pobreza, mobilidade urbana, mudanças climáticas, água, cidadania, cultura de paz, entre tantos outros, geralmente não associados?

Foi com esses desafios em mente que um grupo de pessoas criou, em 2011, uma campanha de educação para o tema e deu a ela a cara de festival cultural. Surgiu a Virada Sustentável.

Distribuída pela cidade, ocupando espaços públicos, parques, escolas e equipamentos culturais, a Virada Sus-tentável reúne centenas de atrações e atividades que te-nham como conteúdo principal os temas da sustentabili-dade, utilizando o encanto das artes e do lúdico como fer-ramenta de informação e engajamento para causas.

A VIRADA SUSTENTÁVEL

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Nascida em Haia, nos Países Baixos, Saskia Sassen é referência na área da sociologia urbana por suas análises sobre os fenômenos da globalização, da migração urbana e do impacto das tecnologias de comunicação nas formas de governo. O termo “cidades globais” foi popularizado a partir das pesquisas de Sassen.

Mestre em Ciências Sociais e Ph.D. em Economia pela Universidade de Notre Dame, foi eleita uma das 50 pensa-doras globais mais influentes pela Prospect em 2014 e um dos 100 principais pensadores mundiais de 2011 pela Fo-reign Policy. Também foi escolhida um dos 100 principais líderes do pensamento pelo instituto suíço Gottlieb Dut-tweiler em parceria com o MIT nos anos de 2012 e 2013. Sua atuação foi agraciada com o Prêmio Príncipe de Astúrias de Ciências Sociais em 2013.

Seus livros foram traduzidos para mais de 21 idiomas. Sua obra mais conhecida, The global city: New York, Lon-don, Tokyo, é uma pesquisa sobre a natureza da economia global contemporânea. Também é autora de As cidades na economia global e Sociologia da globalização.

Atualmente, é uma das presidentes no The Committee on Global Thought na Universidade de Columbia e profes-sora visitante na Escola de Economia e Ciência Política de Londres. Além de escrever regularmente para o Open Demo-cracy e o The Huffington Post.

(Países Baixos, 1949)Socióloga holandesa. Referência por suas análises sobre migração urbana e impacto das tecnologias, seu trabalho popularizou o termo “cidades globais”.

TRAJETÓRIA

“Existem múltiplas globalizações. A econômica, a corporativa, a financeira, a tecnológica. Nota-se nisso tudo certa tendência de desumanização da nossa vida e da nossa subjetividade. Mas outras globalizações também estão em curso, como a da sociedade civil, da defesa dos direitos humanos, das lutas pela preservação do meio ambiente, e essas nos humanizam de maneira profunda.”

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ARTIGO

Artigo traduzido pelo Fronteiras do Pensamento, publicado originalmente no site da conferência Urban Age, em novembro de 2014.

Por Saskia SassenDE QUEM É A CIDADE?

http://delhi2014.lsecities.net/newspaper/articles/who-owns-the-city/en-gb/

se tornando grande e privado, embora frequentemente com apoio local de governos. Alguns dos mais nocivos de-senvolvimentos de “montagem de local” ocorrem quando uma ou duas quadras de uma cidade são adquiridas por um proprietário, seja local ou estrangeiro, e as autoridades da cidade cedem a suas exigências de fechamento de ruas e, mais frequentemente, em nome de aumentar a segurança.

A tendência é passar de pequenas propriedades inseri-das em zonas urbanas, entrecruzadas por ruas e pequenas praças públicas, para projetos que absorvam muito desse tecido de espaço público. Isso privatiza e desurbaniza o es-paço da cidade.

Este gigantismo urbano em proliferação é ainda mais fortalecido e viabilizado pelas privatizações e desregula-mentações que ocorreram nos anos 1990 por grande par-te do mundo e continuaram sendo realizadas desde então com apenas algumas interrupções. O efeito global tem sido a redução de edifícios públicos e uma escalada na quan-tidade de propriedades privadas. Isso traz consigo uma redução na textura e na escala de espaços anteriormente acessíveis ao público – um espaço que era mais do que ape-nas prédios públicos. Onde antes havia um prédio de es-critórios governamentais lidando com os regulamentos e a supervisão deste ou daquele setor econômico público, hoje deve haver a sede de uma empresa, um prédio de aparta-mentos de luxo ou um shopping.

Mudanças claras na propriedade de terras urbanas con-frontam um número crescente de grandes cidades com um novo tipo de política urbana. Várias das cidades da Era Urbana estão entre elas. Essas mudanças são principalmente de pe-quenas propriedades privadas particulares para grandes pro-priedades corporativas e de propriedade pública para privada. Formalmente, essas aquisições envolvem edifícios – pequenos e grandes, privados e públicos. Assim, a forma mais comum de descrever este processo é como compra de edifícios.

Mas quero argumentar que, na escala atual de aquisi-ções, estamos efetivamente vendo uma sistemática trans-formação no padrão de propriedade de terras urbanas nas cidades que têm profundas e significativas implicações em termos de equidade, democracia e direitos. Isso ocorre es-pecialmente porque o que era pequeno e/ou público está

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A seguir, examino essas tendências e começo a conce-ber o que podemos pensar quanto à feitura de uma nova paisagem urbana, que vai muito além da noção de uma nova ordem visual. É também em parte uma nova ordem de propriedade e controle, assim como uma zona fronteiri-ça onde os que não detêm o poder e os poderosos podem realmente se encontrar.

QUANDO UMA CIDADE É CADA VEZ MAISDE PROPRIEDADE CORPORATIVA

Embora aquisições estrangeiras possam ter recebido muito da atenção em algumas cidades, o processo é bem mais amplo, e em muitas cidades é majoritariamente mol-dado por investidores e desenvolvedores domésticos. A questão-chave não é a propriedade estrangeira em si, mas as mudanças dos modos de propriedade – de modestos ou pequenos para grandes e caros e de propriedades públicas modestas para propriedades privadas caras. Exemplos de aumento da propriedade privada são Gurgaon em Délhi, Santa Fé na Cidade do México ou Sandton em Joanesburgo.

Aquisições estrangeiras de edifícios em uma cidade não são algo novo. Em The global city (A cidade global), docu-mentei a aquisição em grande escala de edifícios e terrenos urbanos no final dos anos 1980, especialmente por empre-sas estrangeiras, nas três principais cidades globais daque-

le princípio de fase global – Nova York, Londres e Tóquio. Essas aquisições incluíam prédios icônicos, especialmente em Nova York e Londres, que teriam chocado os moradores comuns na época, caso eles tivessem tomado conhecimen-to: Harrods em Londres, Rockefeller Center e Saks Fifth Ave-nue em Nova York e outros. Em Londres, mais da metade dos edifícios eram de propriedade estrangeira – especial-mente de entidades da Europa continental e japonesas.

Não é a novidade disso tudo que busco enfatizar, mas sua escala e seu impacto no tecido urbano, na vida cotidiana da cidade e mesmo na coesão social em uma área urbana. Em suma, os efeitos vão muito além do uso funcional. Essas aqui-sições não se tratam simplesmente de comprar um prédio de escritórios e uma casa que sejam necessários caso uma em-presa e seus funcionários precisem morar e viver nessa cidade. Elas são, em grande medida, apenas aquisições – poderiam ser um investimento seguro ou especulativo, uma segunda, tercei-ra ou enésima casa. Dessa forma, de acordo com o Financial Times (2014), um bom número de propriedades residenciais e comerciais na região central de Londres e propriedades resi-denciais na região central de Oxford, as duas cidades estuda-das, foram compradas por empresas, investidores ou famílias estrangeiras durante os últimos anos.

Parte das propriedades residenciais de estrangeiros tende a ser subutilizada e, em alguns casos documentados, jamais é usada – como os exemplos extremos na região

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de Hampstead de Londres. Isso também significa que elas contribuem para uma espécie de desurbanização, princi-palmente se são propriedades grandes e tenham sido cons-tituídas pela combinação de diversas construções em uma quadra. Isso retira a textura e a porosidade, como Richard Sennett chamaria, do ambiente construído urbano. Eles não contribuem com as características de cidade. Ao con-trário, matam-na.

Mais recentemente, foi lançado um mercado de imóveis supostamente “superprime”. É um mercado criado – inven-tado – em que as propriedades recebem preços mínimos – 8 milhões, 20 milhões, frequentemente até 100 milhões de dólares na prática em cidades como Nova York, Londres e Hong Kong. Até onde posso avaliar, essas propriedades não valem tanto dinheiro: estabelecer esses valores mínimos é uma forma de criar isolamento através de critérios de ex-clusão em vez de muros evidentes. Mas é, acima de tudo, um mecanismo para obtenção de superlucros. É também a criação de uma geografia transnacional que conecta es-paços específicos de grandes cidades do mundo e fortalece as novas geografias de riqueza e privilégio que transcende as velhas divisões históricas de Norte e Sul, Leste e Oeste.

Finalmente, a nova onda de aquisições estrangeiras na cidade de Nova York, por exemplo, inclui, entre outros, compradores do Cazaquistão e da China. Entre as maiores aquisições estão as chinesas. A economia na China está

desacelerada, a Europa não está em sua melhor forma, e a América do Sul está instável. Neste contexto, Nova York tor-nou-se um destino atraente para o investimento imobiliário chinês. É visto como um refúgio seguro para os investidores, já que a legislação definitivamente protege os ricos.

Esses investimentos são grandiosos e incluem a maior construtora chinesa, a China State Construction Enginee-ring Corporation, que comprou a nova-iorquina Plaza Cons-truction, que constrói complexos comerciais e residenciais por todos os EUA. O maior desses investimentos recentes é do Greenland Holding Group, com sede em Xangai: em dezembro de 2013, o grupo adquiriu 70% do vasto projeto Atlantic Yards no Brooklyn por US$ 200 milhões. O projeto incluirá 14 edifícios de apartamento, além da Arena Bar-clays Center. Os investidores esperam concluir o projeto dentro de oito anos.

COMO INTERPRETAMOS ESSAS TENDÊNCIAS?

Há conceitos conhecidos que vêm imediatamente à men-te, notadamente condomínios fechados e gentrificação. Eles ajudam a explicar parte disso. Mas estou interessada em ir além com o objetivo de chegar ao que podemos pensar como elementos constitutivos da cidade. Um deles é a terra urbana. Outro são as grandes formações espaciais dentro das quais ocorrem as transações e as mudanças interurbanas.

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As grandes aquisições de terras urbanas – seja por estran-geiros ou locais – trazem urgência ao trabalho de fazer ativa-mente o público e o político no espaço urbano. As grandes cidades complexas de hoje, especialmente quando globais, são um novo tipo de zona de fronteira. Enquanto a fronteira histórica, como era vista dos centros imperiais, ficava em tre-chos distantes das “colônias”, hoje ela está profundamente dentro das cidades globais, algumas das quais são os cen-tros imperiais de outrora. Atores de mundos diferentes se encontram ali, mas não há regras claras de enfrentamento. Esses atores vêm de várias configurações diferentes. Investi-dores chineses não são iguais a investidores britânicos, que por sua vez são diferentes de investidores holandeses ou do Cazaquistão. Aqueles que estão construindo novas e modes-tas economias de bairro são igualmente diversos: jamaica-nos não são iguais a bengaleses e assim por diante. Assim como moradores de longa data e empresas antigas não são iguais a empresas de bairro ou os novos magnatas estrangei-ros investindo em cidades globais. É o mundo que se muda para dentro da cidade.

Essas cidades, seja no norte ou no sul globais, torna-ram-se uma zona de fronteira estratégica para o capital cor-porativo global. Muito do trabalho de forçar desregulamen-tação, privatização e novas políticas fiscais e monetárias nos países anfitriões teve a ver com criar os instrumentos formais para construir seus equivalentes dos velhos “for-tes” militares das fronteiras históricas. Agora, o “forte” é o

ambiente regulatório necessário em cidade após cidade do mundo para garantir um espaço global a suas operações.

Sob essas condições, o trabalho de transformar o público e o político em espaço público se torna ainda mais crítico. Há múltiplos atores e múltiplas perspectivas – do cidadão, do in-vestidor estrangeiro, do imigrante empreendedor, da velha oli-garquia, da avó, de profissionais e muitos mais. Ilustrarei com um tipo de ator: os grandes incorporadores. O desafio aqui é como conter ou regulamentar grandes incorporadores, tanto locais quanto estrangeiros, que consideram o espaço urbano uma commodity, um bem a ser comprado e comercializado. Moradores da cidade, independentemente de onde morem, deveriam ter voz quando grandes incorporações absorvem o que um dia foi espaço público, ruas, tecido urbano no centro de uma cidade e transformam em uma megaconstrução de propriedade privada.

O mantra do “desenvolvimento econômico” pode bastar para algumas grandes incorporações, mas não deveria ser jus-tificativa suficiente para todos os grandes projetos de constru-ção. Vem à mente o argumento de Gerald Frug em A rule of law for cities (Um estado de direito para cidades), segundo o qual “…precisamos promover a contestação da política de desen-volvimento econômico… a uma instituição democraticamen-te organizada [que] deveria representar as pessoas em toda a cidade. Os participantes deveriam ter o poder de estabelecer a estratégia da cidade para crescimento econômico, com es-

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pecialistas aconselhando os tomadores de decisão em vez de serem os tomadores de decisão. A meta é incluir justamente as pessoas deixadas de fora na estratégia de desenvolvimento econômico reinante”.

Ter um espaço público urbano sólido é crítico em um momento em que o espaço político nacional é cada vez mais dominado por atores poderosos, tanto públicos quan-to privados, apenas minimamente subordinados à popu-lação de uma cidade. Existe uma espécie de trabalho de “tomada de público” que pode acontecer no espaço urba-no e que nos ajuda a ver os locais e os silenciados. Nossas (ainda) grandes cidades globais complexas são um espaço fundamental para isso: elas são hoje uma zona de fronteira estratégica para os que não detêm poder, os desfavoreci-dos, os outsiders, minorias que sofrem discriminação. Os desfavorecidos e excluídos conseguem ganhar presença nessas cidades, presença em relação ao poder e presença em relação uns aos outros. Isso sinaliza a possibilidade de um novo tipo de política, centrado em novos tipos de ato-res políticos. Não é simplesmente uma questão de deter ou não deter poder. Essas são novas bases híbridas a partir de onde se pode agir, espaços nos quais os que não detêm o poder podem fazer história mesmo assim.

Esse emergente espaço-fronteira no coração das prin-cipais cidades globais surge em um contexto de “delimita-ções” cada vez mais inscritas dentro e através das cidades.

Os condomínios fechados são apenas a representação mais visível dessas delimitações. Os usos que o capital corpora-tivo global faz de nossas cidades são parte dessa intensa delimitação. A afirmação comum de que somos um mundo com muito menos fronteiras do que há 30 anos só se man-tém se considerarmos as fronteiras tradicionais do sistema entre países e então apenas para o fluxo transfronteiriço de capital, informações e grupos populacionais específicos. Longe de estarmos caminhando rumo a um mundo sem fronteiras, preciso argumentar que, mesmo que ergamos algumas dessas barreiras para alguns setores de nossas economias e sociedades, esses mesmos setores estão ati-vamente produzindo novos tipos de delimitações que são transversais e impenetráveis. É neste contexto que a com-plexa cidade global se torna um espaço de fronteira com consequências políticas.

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Expediente

Fronteiras do Pensamento©

Temporada 2015

CuradoriaFernando Schüler

Concepção e Coordenação EditorialLuciana ThoméMichele Mastalir

AprovaçãoKarina Roman

PesquisaFrancisco AzeredoJuliana Szabluk

Editoração e DesignLume Ideias

Revisão OrtográficaRenato Deitos

www.fronteiras.com

“Moradores da cidade, independentemente de onde morem, deveriam ter voz quando grandes incorporações absorvem o que um dia foi espaço público, ruas, tecido urbano no centro de uma cidade e transformam em uma megaconstrução de propriedade privada.”

Saskia Sassen

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SASKIA SASSEN

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