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Saberes docentes Da teoria à prática, da ação à reflexão 19 a 21 de julho de 2006

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Logomarca: Opusmultipla — Comunicação Integrada S.A.

Capa: Gilberto Soares dos Santos

Planejamento gráfico: Gilberto Soares dos Santos

Análise lingüística: Bernadete Monteiro

João Daniel Bervique

Yara Wojslaw Pereira Dias

Revisão: Tatiane Valéria R. de Carvalho

Diagramação: Marline Meurer

Impressão: Gráfica Dom Bosco

Tiragem: 1 300 exemplares

“As informações contidas nos artigos são de inteira responsabilidade dos respectivos autores”.

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II CONGRESSO DE EDUCAÇÃODOM BOSCO

19 a 21 de julho de 2006

SABERES DOCENTES DA TEORIA À PRÁTICA, DA AÇÃO À REFLEXÃO

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II CONGRESSO DE EDUCAÇÃODOM BOSCO

19 a 21 de julho de 2006

SABERES DOCENTES DA TEORIA À PRÁTICA, DA AÇÃO À REFLEXÃO

Comissão OrganizadoraAnneliese Alcoba Ruiz

Cristiane Sliva

Laurilea Mafra de Souza Galdi

Luciane Lipmann

Maria Lúcia Castellano

Marineide Look Azevedo

Marta Helena Terra

Patricia Silva

Samira Dib

Silvana P. Vaz

Comissão de Programação e Avaliação CientíficaNair Lobo Pacheco

Rosane de Mello Santo Nicola

Samira Dib

Comissão de ComunicaçãoEdson José de Oliveira Santos

Polyana Burko Krelling

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Sumário Apresentação 9

IDiversidades de ações sociais e de representações: diversidade de gêneros e em gêneros — Angela Paiva Dionísio 11

IIAspectos semânticos e discursivos no texto jornalístico — Sandra Batista da Costa 31

IIIReflexibilidade: alternativas de intervenção na prática pedagógica — Joana Paulin Romanowski 47

IVProjetos, currículo e aprendizagem na Educação Básica e Superior — Marcos Cordiolli 55

VPlanejando e analisando as atividades didáticas em sala de aula — Marielda Ferreira Pryjma 81

VIO relevante papel do professor no ensino de Matemática — Ângela Ferreira Pires da Trindade 89

VIIQualidade de vida, subjetividade e interação — Fernanda Pires Bertuol

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VIIIGestão de pessoas: formação de uma equipe bem-sucedida — Marilda Corbelini 103

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ApresentaçãoOs professores são os criadores da sua atividade profissional,

mas também são criações de seu local de trabalho.

Hargreaves (2002)

O Colégio Dom Bosco, reunindo as unidades Ahú, Batel e Mercês, tem promovido, nos últimos anos, seminários de Educação, objetivando viabilizar aos gestores, professores e equipe administrativa da instituição, programas de formação continuada, proporcionando aperfeiçoamento educacional.

Os eventos se ampliaram, adquirindo caráter de Congresso em 2005 e, neste ano, consolida-se como o II Congresso de Educação Dom Bosco, intitula-do SABERES DOCENTES — da teoria à prática, da ação à reflexão.

Este livro é resultado do esforço conjugado de profissionais de educação que, em parceria com o Colégio e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação (CPDE) da Editora Dom Bosco, socializam experiências de docência e gestão na Educação Básica e no Ensino Superior, por meio desta publicação e de sua participação no evento sediado na unidade Batel, no período de 19 a 21 de julho de 2006.

A temática geral da práxis pedagógica desdobra-se em três eixos: letra-mento e gêneros textuais; planejamento, metodologia de ensino-aprendiza-gem e reflexão sobre a ação docente; e gestão de pessoas.

No eixo letramento e gêneros textuais, expõe-se o conhecimento dinâ-mico da língua, fornecendo aos docentes das diversas áreas e fases de ensino básico um aperfeiçoamento de sua educação lingüística, para que tenham ins-trumental científico em sua atuação profissional, uma vez que suas práticas são de natureza sociocomunicativa e contribuem no letramento dos alunos.

No eixo planejamento, metodologia e reflexão sobre a ação docente, estabelece-se uma espiral com pontos convergentes e divergentes, tal qual o percurso da sociedade contemporânea, admitindo novas visões e novas estru-turas sociais, discutindo princípios da vida cidadã que perpassam a ciência, a tecnologia e a pluralidade cultural, imbricados na organização do trabalho do-cente, nas atividades didáticas e na atitude reflexiva desse profissional.

Finalmente, no eixo de gestão de pessoas, compartilham-se as inquie-tações da atual sociedade, vivendo num paradoxal processo de gestão de vida pessoal e profissional, entre o individual e o coletivo, o público e o privado, a qualidade de vida das organizações sociais e a deterioração da dimensão humana.

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Agradecemos de modo especial aos autores que prontamente nos envia-ram seus textos inéditos, em tempo hábil para a publicação. Todo esse movi-mento representa a gestão integrada de diversas ações desenvolvidas dentro e fora da escola, pois a docência na educação básica não pode ocorrer isolada. Não só os professores e a equipe administrativa estão envolvidos na execução da proposta pedagógica, mas também os alunos, as famílias e as comunidades leiga e científica.

Antônio Nóvoa, em conferência intitulada “Avaliação das escolas e dos professores”, no 4o Congresso Internacional de Avaliação, em São Paulo (12/7/2006), declarou a extrema necessidade de que a escola lute por sua credibilidade na sociedade, cuide de sua imagem pública, pois uma grande desconfiança paira sobre ela advinda das demais instituições nesta sociedade do conhecimento.

Esse alerta tem relação direta com iniciativas como a produção deste livro, que significa o registro, a permanência de um tempo de reflexão e for-mação continuada de profissionais da educação. Por meio dele, materializam-se discursos de diferentes áreas de conhecimento, buscando contribuir para o processo de reflexão coletiva sobre o trabalho docente.

Curitiba, 19 de julho de 2006.

Rosane de Mello Santo Nicola,Comissão de Programação e Avaliação Científica

do II Congresso de Educação Dom Bosco eCoordenadora Científica do

Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação

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Diversidades de ações sociais e de representações: diversidade de gêneros e em gêneros

Angela Paiva Dionísio1

Introdução Parece-me essencial começar este texto esclarecendo que toda a discus-

são se dará em torno de dois conceitos básicos, que são gêneros textuais e letra-mento. Devido à própria amplidão de tais conceitos, devo antecipar que priorizei alguns aspectos para sistematizar minha exposição. Estes aspectos são:

1. Distinção entre tipo textual, gênero textual e domínio discursivo;

2. Concepção de gênero textual como ação sociorretórica;

3. A relação gêneros textuais, intertextualidade e letramento;

4. Diversidade na forma de representar, diversidade de letramentos. Na realidade, multiletramento!

5. Lendo mais sobre o tema.

1. Distinção entre tipo textual, gênero textual e domínio discursivo

A distinção entre os três termos tipo textual, gênero textual, e domínio discursivo se justifica essencialmente por razões didáticas para o professor, mas não deve consistir numa preocupação basilar a ser tratada nas salas de

I

1 Professora da Universidade Federal de Pernambuco (Recife), com Pós-doutorado pela Universidade da Califórnia (EUA) e Doutorado pela UFPE.

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aula do ensino fundamental e médio. Seguindo Marcuschi (2002:22-25), os tipos textuais são designações teóricas dos tipos: narrativo, argumentativo, descritivo, injuntivo, explicativo e dialogal, que se caracterizam como (i) “constructos teóricos definidos por propriedades lingüísticas intrínsecas”, (ii) “seqüências lingüísticas ou seqüências de enunciados no interior dos gêneros e não são textos empíricos”, bem como apresentam uma nomeação que “abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal”. Por sua vez, os gêneros podem ser definidos, como (i) “realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas”, (ii) “textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas”, cuja “nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, esti-lo, conteúdo, composição e função”, como, por exemplo, parecer médico, laudo técnico, palestra, telefonema, sermão, carta pessoal, romance, bilhete, reporta-gem jornalística, notícia jornalística, horóscopo, piada, conferência, e-mail, bate-papo por computador, etc. Já o termo domínio discursivo se refere às instâncias discursivas (discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso, discurso educacional, etc.) dos gêneros, ou seja, sinaliza a origem discursiva deles, “já que os gêneros são institucionalmente marcados. Um domínio constitui práticas discursivas dentro das quais podemos identificar um conjunto de gêneros que às vezes lhe são próprios como práticas ou rotinas comunicativas institucionaliza-das” (Marcuschi, 2002:22-25).

Vejamos a título de ilustração o texto (1).

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Você não quer contar esta história para seus filhos, quer?

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Trata-se de uma propaganda do Greenpeace que focaliza a luta pela pre-servação do meio ambiente, pela não-poluição dos rios, por exemplo. A história de um patinho que era feio, por ser o único patinho negro da ninhada, faz parte do elenco das histórias que ouvimos na infância e contamos aos nossos filhos: O Patinho Feio, conto de Hans Christian Andersen. A retomada dessa história na propaganda se dá predominantemente pela imagem, com destaque para a ca-mada de óleo que cobre a penugem da ave. Notem-se também as manchas de óleo no rio e nas pegadas do patinho. A estrutura “Você não quer contar esta história para seus filhos, quer?” que se dirige diretamente ao leitor, associada às relações intertextuais sugeridas funcionam como recursos argumentativos. Enfim, o texto (01) é do tipo argumentativo, o gênero textual é uma propagan-da, e o domínio discursivo é o publicitário.

2. Concepção de gênero textual como ação sociorretóricaA noção de gênero como ação sociorretórica tem por base a escola

americana, influenciada por Bakhtin, mas com forte contribuição de antropó-logos, sociólogos e etnógrafos, que se preocupam com a organização social e as relações de poder que os gêneros encapsulam. Carolyn Miller e Charles Bazerman são dois grandes representantes dessa escola. Para Miller (1994), gêneros textuais são ações tipificadas que os indivíduos realizam em respostas a situações também tipificadas socialmente. Por sua vez, Bazerman (2005:23) salienta que “os fatos sociais consistem em ações sociais significativamente realizadas pela linguagem, ou atos de fala. Esses atos são realizados através de formas textuais padronizadas, típicas e, portanto, inteligíveis, ou gêneros, que estão relacionados a outros textos e gêneros que ocorrem em circunstâncias relacionadas”.

Vejamos a situação-exemplo apresentada por Bazerman.

Quando invocamos um gênero, tal como um editorial de jornal, estamos invocando não apenas um modelo de um tema oportuno, palavras avaliativas e emocionais, e recomendações políticas. Estamos invocando o papel do jornalismo e do comentário na política contemporânea, o poder cívico e econômico de de-terminado jornal, a reputação pública dos seus jornalistas e a influência de seus leitores. Estamos invocando eventos nos quais participam muitos jogadores, uma topologia que evolui com o tempo e um habilidoso senso de timing necessário para o sucesso de qualquer editorial. Estamos invocando os padrões de crítica e de bom gosto dentro de uma comunidade, as atitudes correntes com respeito a figuras políticas e os temas mais polêmicos do momento. É nesse ambiente com-plexo que o editorial tem que agir (Bazerman, 2006).

Gêneros são, portanto, concebidos como tipos de enunciados que estão associados a um tipo de situação retórica, ou seja, “com os tipos de atividades que as pessoas dizem, fazem e pensam como partes dos enunciados” (Bazer-man, 2006).

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Como “os gêneros são espaços familiares aonde vamos para criar uma ação comunicativa inteligível uns com os outros e são os guias que nós usamos para explorar o não-familiar” (Bazerman, 2006), o escritor pode jogar com uma variedade de formas em diferentes situações sociais e com diferentes objetivos. Os avanços tecnológicos têm colaborado e muito para esse jogo de experimentação de arranjos no processamento textual. Podemos afirmar com segurança que a maior liberdade na manipulação dos gêneros textuais tem relação direta com a audiência e com o meio físico que transmite o gênero. Basta pensarmos, por exemplo, nas charges animadas, nos infográficos ou nos diagramas em movimento.

Essa noção de padrão não-familiar de apresentação dos gêneros textuais deve constituir um aspecto de fundamental interesse para os professores de todas as linguagens, uma vez que o padrão inesperado de disposição gráfica provoca diferentes reações nos leitores, desde fascinação até rejeição. Dioni-sio (2006:138), com o intuito de observar os movimentos oculares de leitores no processamento de gêneros com diferentes graus de informatividade visual, conceito que é retomado ao longo deste artigo, realizou uma pesquisa com 10 leitores (3 crianças, entre 7 e 10 anos; 2 adolescentes, 18 anos; e 5 adultos, entre 21 e 55 anos, dentre eles, 3 professores de língua portuguesa), na qual foi constatado que os adolescentes e os adultos tendem a rejeitar textos que têm uma orientação de escrita diferente do Mundo Ocidental, como, por exemplo, o trecho Paradas Desastrosas do texto Como Funciona o Pit Stop de Fórmula 1?, extraído da seção Perguntas dos Leitores, da revista Superinteressante (2). Localizado no canto direito, na parte debaixo, da segunda página, o trecho Pa-radas Desastrosas está escrito em linhas diagonais, progressivamente inclinadas de cima para baixo. “Eu achei um pouco desorganizado. As informações em “Pa-rada Desastrosas” são difíceis de ler, porque ele não está na posição vertical”, “Eu não gostei do lugar das “Paradas Desastrosas”. Parece que não havia mais espaço, então ele (o jornalista) jogou lá. Foi necessário eu quebrar o pescoço para ler. Isso não estimula a leitura”, são alguns dos depoimentos colhidos.

As alterações no processo de construção dos gêneros provocam, conse-qüentemente, uma mudança também na forma de ler os textos. O dinamismo da imagem do filme passou para a charge virtual, para um pôster interativo; a disposição do texto na página oscila entre os moldes ocidentais e orientais de escrita. Esses são alguns exemplos que deixam transparecer a necessidade de revisão do conceito de leitura e de suas estratégias que utilizamos em nos-sas aulas. Conseqüentemente, se os gêneros se materializam em formas de representação multimodal (linguagem alfabética, disposição gráfica na página ou na tela, cores, figuras geométricas, etc.) que se integram na construção do sentido, o conceito de letramento também precisa ir além do meramente alfabético. Precisamos falar em multiletramento! Um exemplo? Basta uma vi-sita ao site http://revistaescola.abril.uol.com.br/especiais/posteres para uma

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breve demonstração da visualidade da escrita com fins didáticos. O pôster “A Formação da Cárie” lido aqui neste artigo e lido diretamente na tela de um computador, no site acima indicado, requer estratégias de leituras distintas, exige o domínio técnico de uso dos suportes envolvidos, além do conhecimento do complexo, mas fantástico, conjunto de linguagens e formas de represen-tação do conhecimento. Como desafio, convido o meu leitor a ler este pôster também na versão infográfico animado.

(3)

3. A relação gêneros textuais, intertextualidade e letramentoAo processarmos um texto verbal ou pictorial, sempre recorremos a ou-

tros textos, fazendo referência, por exemplo, ao seu conteúdo, ao seu estilo, à sua forma estrutural, com os mais variados propósitos discursivos. Compactuan-do com Bazerman (2006) ao afirmar que “nossa originalidade e nossa habilidade como escritores advêm das novas maneiras como juntamos essas palavras para se adequarem às situações específicas, às nossas necessidades e aos nossos propósitos específicos”, saliento a importância de se investigar como se manifes-ta a intertextualidade entre gêneros verbais e pictoriais em materiais didáticos de diferentes áreas de conhecimentos para o ensino fundamental e médio.

A intertextualidade, portanto, deve se configurar como um dos grandes temas de interesse dos professores de todas as disciplinas, nas situações de lei-tura e de escrita, em que se queira perceber como os alunos se apropriam das várias fontes de pesquisa e as transpõem para a produção de seus textos. Cabe aos professores de todas as áreas preocupar-se com a atividade de análise de

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intertextualidade. Com isso, amplia-se o campo de investigação das relações intertextuais, rompendo-se as fronteiras do texto literário e das paredes das salas de aula de língua portuguesa. Como assegura Bazerman (2004:84), “nós criamos os nossos textos a partir do oceano de textos anteriores que estão à nossa volta e do oceano de linguagem em que vivemos. E compreendemos os textos dos outros dentro desse mesmo oceano”.

Numa rápida consulta a alguns manuais didáticos, observamos diferen-tes usos do princípio da intertextualidade tanto na construção dos capítulos em si como na construção dos exercícios de verificação de aprendizagem. Vejamos alguns casos.

No exemplo (4), para introduzir o conceito de estatística são utilizados fragmentos de uma matéria jornalística que demonstram os indicadores sociais do Brasil nos anos 90 em forma de gráficos. Louvável é a atitude de trazer para o texto didático vozes de outras instâncias sociais, porém observa-se que não há uma só menção aos gráficos ali apresentados. Apenas uma referência é feita à manchete do jornal, numa estrutura pouco esclarecedora. A intertex-tualidade aqui com o IBGE e com a Folha de S. Paulo parece ter meramente um cunho figurativo, se o professor não tomar para si a tarefa de explorar tais vozes.

Já em (5), na seção Atividades, o exercício 3 recorre a uma notícia pu-blicada na revista Época sobre o derramamento de óleo, que serve de base para a construção de um problema matemático. Diferentemente da situação anterior, o intertexto aqui estabelece uma função discursiva com a disciplina e com o conteúdo explicitada na proposição da tarefa.

Uma outra situação discursiva encontrada que apresento para reflexão consiste nos casos de materiais didáticos que selecionam alguns termos dos enunciados dos exercícios e apresentam um intertexto sobre eles, na maioria das vezes, escrito pelo próprio autor do livro, como se verifica em (6). A justi-ficativa apresentada pelos manuais se sustenta no favorecimento da interdis-ciplinaridade.

Em tais casos, geralmente, o texto original não é do autor do livro; no exemplo em análise, uma questão de vestibular da PUC—SP, o termo MAPA é destacado pelo autor do LD com um link para dois blocos de textos, visualmen-te salientes na página sobre o tema Cartografia. Cerca de 50% da página é ocupada por tais informações. Será que tal intertexto realmente está, quanto à localidade, coerente? Será que a informação sobre o curso de cartografia, dada no início da primeiro oração do problema proposto, não desviará a atenção do aluno do assunto em si?

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Intertextualidade entre imagens

Um outro aspecto interessante quanto à intertextualidade reside no fato de esse recurso não se constituir uma particularidade do texto verbal. Arbex (2000) sugere que “nos mesmos termos que o conceito de intertextualidade, ou seja, como processo de produtividade de uma imagem que se constrói como absorção ou transformação de outras imagens”, deve-se usar o termo intericonicidade. A relação entre o texto-fonte (telas originais) e a releitura (telas produzidas por Maurício de Sousa, por exemplo) é de intericonicidade explícita, uma vez que as telas recriadas e as originais aparecem lado a lado nas diversas situações em que é apresentada a incursão do famoso quadrinista nas artes plásticas, seja na exposição que percorreu todo o Brasil, dirigida ao grande público; nas páginas do livro ou na tela do computador (CD), mídias em que foram publica-das esses novos quadros. Importante lembrar que ler com proficiência requer também imergir nas relações intertextuais.

Vaz, Mozdzenski e Silva (2004:05), em Da Obra-Prima ao Pastiche: Intertextualidade e Intericonicidade nos “Quadrões”, de Maurício de Sousa, consideram essa relação estabelecida entre as telas de Maurício de Sousa e as obras-primas uma pastichização. Pastiche é

uma prática de imitação que se distingue da subversão paródica por seu objetivo lúdico, mas não militante. (...) o pastichador deixa indícios do objetivo prag-mático de seu enunciado por uma indicação no paratexto ou dando um caráter caricatural aos conteúdos ou às marcas estilísticas (Charaudeau e Mainguenau, 2004:371).

Em outras palavras, o pastiche deixa claro para o leitor que se trata de uma brincadeira com o texto-fonte, marcando o novo texto com pistas que conduzem a essa compreensão. A reprodução do fundo da Mona Lisa em Mô-nica Lisa é uma dessas marcas.

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É importante que não se veja a pastichização realizada por Maurício de Sousa como uma dessacralização das obras-primas, mas como uma ampliação das relações discursivas na linguagem visual, assegurando também a conversa entre textos visuais. No caso dos Quadrões, parece-me constituir uma boa tri-lha em direção às obras-primas da pintura.

Propaganda, infográfico, gráfico, notícia, exercício escolar, tela de pin-tura, verbete foram alguns dos gêneros textuais que já utilizei com intertexto nesse gênero que construo: artigo científico. Há, portanto, uma variedade de gêneros que se entrecruzam e tecem um outro gênero. Todo o processo de construção exige de mim, como autora, e de você, como leitor, uma competên-cia metagenérica, na terminologia de Koch (2006). Revelam também muitas de nossas experiências sociais mediadas por textos, ou seja, nossas práticas de letramento.

Letramento é um processo social que permeia nossas rotinas diárias (da embalagem do xampu que usamos no banho ao levantar, às caixas de cereal e de leite do café da manhã ou ao display do celular, daí os sms1 que recebemos duran-te todo o dia). Tudo está encravado de documentos e práticas de letramento.

4. Diversidade na forma de representar, diversidade de letramentos. Na realidade, multiletramento!

Neste artigo, vou brevemente tratar da visualidade de textos escritos. O discurso científico, geralmente, comporta, no interior de sua escrita, textos visuais, fórmulas matemáticas, por exemplo. Tais textos não funcionam como mera ilustração, mas sim, no mínimo, como complementos do texto verbal. Não são raros os casos em que os textos visuais são responsáveis pela siste-matização de informações não-contidas no texto escrito ou pelo menos super-ficialmente mencionadas no texto escrito.

Rowley-Jolivet (2002:22) salienta que o “fato de as ciências terem, ao lon-go dos tempos, desenvolvido seus próprios e específicos modos visuais de con-cepção e comunicação indica claramente a inabilidade de os modos lingüísticos sozinhos satisfazerem plenamente as necessidades cognitivas e comunicativas das ciências”. Dessa forma, letramento científico significa familiaridade com fatos e concepções científicos básicos, bem como habilidade para ler e escrever representações complexas de descobertas científicas. Na representação dessas concepções e desses fatos, a noção de contínuo da informatividade visual dos textos, de Berhardt (2004), é de extrema relevância, uma vez que gêneros visualmente informativos, como diagramas, tabelas, gráficos, desenhos ana-tômicos, mapas, entre outros, levam em consideração no seu processamento várias estratégias de controle retórico. Em outras palavras, pode-se falar na existência de um contínuo informativo visual dos gêneros textuais escritos, que vai do menos visualmente informativo ao mais visualmente informativo.1 Short message service — serviço de mensagens curtas (disponível pelo celular)

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Gráfico 1: Contínuo da informatividade visual da escrita proposto por Berhardt

Analisando notícias científicas, Spinks (2001:160) ressalta que gráficos e fotografias podem “influenciar decisões sobre onde e quanto proeminente-mente as histórias científicas se tornam. (...) Também o uso de gráficos bem elaborados e dinâmicos pode assegurar que a ciência atinja as manchetes”.

Dionísio (2005:194) destaca que a edição de janeiro de 1997 da Supe-rinteressante traz o tema cosméticos como assunto de capa. “Por não ser um tópico tradicionalmente considerado científico, para manter o perfil da revista de abordar cientificamente as matérias apresentadas e para cumprir com a fun-ção jornalística de divulgação imediata dos fatos, o tom de cientificidade é dado na montagem da capa tanto no plano verbal (manchete, lide) como no pictorial (fotografia e gráfico). Na manchete nominal — Cosméticos Científicos — e no lide — Agora a beleza virou assunto de cientistas — o qualificador científicos e o verbo indicador de estado permanente virar atestam o novo status do tema: de tópico inerentemente ligado à beleza, a assunto feminino, cosméticos, foi inserido no âmbito das pesquisas científicas, uma vez que as autoridades so-ciais responsáveis por tais pesquisas, ou seja, os cientistas, ao estudarem o tema, atribuem-lhe novo enfoque e, conseqüentemente, novo valor social. A imagem se compõe de uma fotografia, um close de uma mulher, à qual se sobrepõem imagens cientí-ficas — ilustrações científicas — que demonstram, por meio de desenhos das células que simbolizam uma visão microscópica da ação dos novos cos-méticos na pele. O vocabulário visual, no interior do gráfico, indica as partes do corpo humano (células e pele) e a ação das cápsulas e dos filtros solares, como agentes de rejuvenescimento e de proteção da pele. O novo nessa matéria de capa, isto é, a abordagem científica do tema fica evidente verbal e visualmente.” (8)

Textos visualmente

pouco informativos

Textos visualmente

muito informativos

+ verbal

– visual

– verbal

+ visual

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Nascimento (2006:9) em pesquisa realizada comigo no projeto “Multimodali-dade Discursiva: Orquestrando Palavras e Imagens”, desenvolvido no Nelfe (Núcleo de Estudos Lingüísticos da Fala e Escrita — UFPE), analisou gêneros predominante-mente visuais em livros didáticos de ciências exatas (Matemática, Física e Química) e biológicas (Biologia) e seus usos na sala de aula. Segundo o autor, “muitos alunos têm bastantes dificuldades ao tentar entender um gráfico ou diagrama, pois essas representações não fazem parte do seu cotidiano. Os professores equivocam-se ao pensar que, só porque as compreendem, os alunos também lêem com rapidez tais imagens técnicas. Sabe-se que tal leitura não é tão simples assim, visto que os diagramas e outras ilustrações técnicas projetam seu conteúdo através de uma série de convenções gráficas especializadas. As convenções são inú-meras e variam de uma disciplina para outra, por isso se fazer necessário o letramento visual. Depende, então, dos docentes que os alunos desenvolvam a capacidade de entender e interpretar corretamente as representações técnicas e científicas. Lowe (2001) ainda sugere que o ensino dessas habilidades deve ter início desde a pré-escola, instruindo as crianças a realizar desenhos simples e, paulatinamente, chegar à imagem técnica. Não é aconselhável dar já pronta a representação especializada ao estudante. O letramento visual é um compo-nente essencial na educação científica e tecnológica de hoje.”

Wysoki (2004) afirma que a imagem de um texto constitui um forte indício para identificação do gênero textual. Tal afirmação se torna facilmente verificável em textos com maior observância das normas padronizadas, mas, com as facilidades de manipulação gráfica em computadores, atreladas ao es-pírito criativo dos produtores textuais, muitas vezes a imagem visual do texto não garante de imediato a identificação do gênero. Vejamos um exemplo em que a utilização do recurso da infografia despista o leitor.

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Minha primeira reação ao me deparar com essas duas páginas no interior da Superinteressante (dez. 2000) foi uma mistura de encantamento e curio-sidade. Encantamento pela beleza visual do que naquele momento me parecia a fotografia de uma estante repleta de livros usados (veja que, como leitora não-especialista em Comunicação, achei que seria uma fotografia! O gênero textual para mim, à primeira vista, era uma fotografia!). Curiosidade, porque bem sei que, se “aquilo” fosse uma fotografia, teria um propósito comunicativo maior ali, pois a fotografia como texto começava e terminava naquelas páginas duplas. Não estava associada a nenhum outro texto. Então, certamente, não seria uma mera fotografia. Após essa leitura de mera identificação do visual, resolvi ler o verbal, ou seja, fui ao início do texto, que se encontra no dorso do primeiro livro, à esquerda da estante, na primeira prateleira, com a seguinte indagação: que gênero textual estará emoldurado nessa estante?

A leitura do dorso do primeiro livro me situou em relação ao que seria aquele texto: uma “estante de conhecimentos” que contém a história da His-tória das Idéias, como afirma o título. A íntima relação entre os textos visual e verbal se consagra já no sobretítulo: Biblioteca Básica. As imagens dos livros aqui se fundem como ilustrações das obras dos pensadores da história da humanidade e como espaço físico para a escrita do texto do jornalista. A palavra não é simplesmente posta numa folha de papel, mas sim sob a imagem de dorsos de livros.

A escrita está centralizada, exigindo uma leitura de cima para baixo.

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O texto verbal está hospedado no dorso dos livros, alinhados diacroni-mamente na estante. Assim, proceder à leitura consiste em ler os dorsos. Na-quele momento, deparei-me como outra exigência proveniente da disposição gráfica do texto: para continuar a leitura precisaria mudar a posição da revista, porque a posição da escrita não é mais a convencional no mundo ocidental, isto é, da esquerda para a direita em linhas horizontais.

A escrita está no dorso dos livros, exigindo uma leitura da coluna / estante da direita para a esquerda.

A leitura desse texto requer uma postura diferente: o leitor deverá lê-lo, a partir do segundo dorso, de cima para baixo e da coluna / estante da direita para a coluna / estante da esquerda, como predomina na escrita do mundo oriental. Posso sistematizar as orientações de leitura desse texto em quatro etapas:

a) Direcionamento da leitura global do texto: horizontalmente, da es-querda para a direita;

b) Direcionamento da leitura do texto verbal, primeiro dorso: vertical-mente, de cima para baixo;

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c) Direcionamento da leitura do texto verbal, demais dorsos: vertical-mente, de cima para baixo e da esquerda para a direita;

d) Direcionamento da leitura do texto verbal e visual entre as pratelei-ras: de cima para baixo e da direita para a esquerda.

Para melhor visualização, vou tomar um fragmento do texto em estudo nas duas posições: na vertical, posição original, e na horizontal, posição escolhi-da para leitura. Interessante verificar que, após inverter a posição da revista, a leitura dos dorsos, a partir do segundo, enquadra-se na norma-padrão de escrita nas sociedades ocidentais. A forma de disposição da escrita se altera, mas o leitor busca, através do manuseio do suporte do texto, adequar a disposição gráfica ao seu método original de ler.

Interessante também observar como se dá a ocupação do espaço consagrado para indicação de autor e título nos dorsos dos livros, os quais, numa comparação grosseira, equivaleriam a blocos de parágrafos. No espaço do autor, isto é, na parte inferior do dorso, estão localizados (i) os grandes pensadores, ou seja, os próprios autores, como, por exemplo, Platão, e (ii) as escolas filosóficas, como em PRÉ-SOCRÁTICOS. Já no espaço consagrado ao título, estão inseridas as informações sobre (i) as contribuições dos grandes pensadores, quando estes já ocupam visualmente o lugar destinado aos auto-res, (ii) as características de determinada escola e a citação dos representantes das escolas filosóficas, quando estas se encontram no espaço normalmente destinado aos autores. Merece que se destaque ainda a utilização dos dorsos

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em cor preta para separar, diacronicamente, as idéias filosóficas no decorrer dos séculos, desde VI–IV a.C. até os SÉCULOS XX–XXI.

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5. Lendo mais sobre o temaComo os temas abordados neste artigo nem de longe se esgostaram,

vou finalizar com uma sugestão de leituras que possibilitam, a meu ver, a conti-nuação dessa conversa. Por onde recomeçar a conversa é uma decisão de cada leitor. Se quiser variar na língua, também é possível.

— BAZERMAN, C. Gêneros textuais, tipificação e interação. São Paulo: Cor-tez, 2005.

— ______. Gênero, agência e escrita. São Paulo: Cortez, 2006. (a sair em agosto)

— DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA M. A. (Orgs.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

— HANDA, C. Visual rhetoric in a digital world: a critical sourcebook. New York: Bedford / ST.Martin’s, 2004.

— KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Orgs.). Gêneros textuais reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.

O termo ARISTÓTELES funciona, visualmente, como identificação do autor do livro e, sintaticamente, como sujeito da estrutura lingüística “FOI DISCÍPULO DE PLATÃO, MAS NÃO CONCORDAVA COM A EXISTÊNCIA DE UM MUNDO SUPERIOR, VOLTANDO SUA ATENÇÃO PARA A REALIDADE SENSÍVEL E PARA AS CIÊNCIAS DA NATUREZA”. Há, portanto, uma progressão linear temática e visual.

Como afirma Lemke (2000:269), multiletramentos e gêneros multimo-dais podem ser ensinados, mas é necessário que “professores e alunos estejam plenamente conscientes da existência de tais aspectos: o que eles são, para que eles são usados, que recursos empregam, como eles podem ser integra-dos um ao outro, como eles são tipicamente formatados, quais seus valores e limitações”. De forma bastante incisiva, Kress e Van Leeuwen (1996:15) as-severam que em “termos de letramento visual da nova mídia, a escola produz iletrados”.

Do ponto de vista lingüístico-textual, parece-me interessante observar como a disposição gráfica interage com a progressão informacional, ou seja, como se estabelecem as relações entre os segmentos textuais. Há o aproveita-mento do espaço, tradicionalmente destinado à identificação do autor, no dorso do livro, para situar o início dos enunciados que constituem o texto verbal, res-ponsáveis pela explicitação da evolução histórica das idéias da humanidade.

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métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005.— MAYER, R. Multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.— SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas:

Mercado de Letras, 2004.— WYSOCKI, A. The multiple media of texts: how onscreen and paper texts incor-

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DIONÍSIO, A. P. Multimodal genres and multiliteracy: some theoretical and methodological reflections. 2004, a. (manuscrito)

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VAZ, A.; MOZDZENSKI, L.; SILVA, M. da C. Da obra-prima ao pastiche: in-tertextualidade e intericonicidade nos “quadrões”, de Maurício de Sousa. UFPE: Programa de pós-graduação em Letras, 2004. (mimeo)

Recife, julho de 2006.

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IntroduçãoNeste trabalho, temos por objetivo mostrar que algumas noções semân-

ticas2 e discursivas podem ser abordadas no ensino fundamental e médio a fim de que se amplie a prática reflexiva sobre o funcionamento de procedimentos que atuam na constituição do sentido do texto. A compreensão desses recur-sos é essencial, porquanto constituem competências lingüísticas e discursivas fundamentais para formar sujeitos leitores e autores de textos. Analisaremos dois recursos semânticos: a pressuposição e o acarretamento, mas também recorreremos à noção de formação discursiva e memória discursiva para indi-car o efeito de sentido decorrente do processo discursivo.

Desde a década de 70, o enfoque no ensino de língua vem alterando-se sensivelmente. Observamos, cada vez mais, um afastamento de uma relação pedagógica mecânica com a língua em direção a um trabalho reflexivo sobre a linguagem. Essa transformação desencadeou outras: a reelaboração de propostas curriculares, de materiais didáticos e a atualização permanente dos educadores. Entre tantas outras mudanças, destacamos a crescente preocupa-ção com a transposição didática de pressupostos que, embora sejam objeto de pesquisas acadêmicas, não penetram ainda no ensino fundamental e médio.

Aspectos semânticos e discursivos no texto jornalístico

Sandra Batista da Costa1

1 Doutoranda em Lingüística (UNICAMP), Mestre em Lingüística (UFPR), professora do curso de Letras da PUC-PR.2 Duas obras de Rodolfo Ilari procuram estender a semântica para a sala de aula: Introdução à semântica: brincando com a gramática e Introdução ao estudo do léxico: brincando com as palavras. A primeira aborda a construção do sentido especificamente da sintaxe e a outra enfoca as palavras.

II

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Para que o professor de língua materna possa efetivar o que se tem denomina-do reflexão lingüística, ele precisa assimilar aspectos teóricos bem como saber aplicá-los. Colocamo-nos aqui diante do desafio de fazer que algumas noções semânticas e discursivas sejam objeto de reflexão, assim como transpostas, após algumas adequações, para a sala de aula.

Os recursos semânticosA atualização do sentido de alguns enunciados decorre geralmente de

elementos que estão implícitos nos textos, ou seja, informações que, embora não tenham sido enunciadas explicitamente, podem ser inferidas pelo leitor por meio de um raciocínio que parte da própria sentença. A pressuposição e o acarretamento são recursos semânticos que caracterizam esse trabalho lingüístico.

Para constituir o sentido dos enunciados, o leitor recorre intuitivamente aos conteúdos implícitos, embora não tenha, muitas vezes, a consciência dos recursos lingüísticos que acessa. O papel do professor é fazer que o aluno perceba esses recursos e compreenda o funcionamento à constituição do sen-tido.

Frege, filósofo alemão que viveu no final do século XIX, observou que há um tipo de conteúdo que se pressupõe de certas sentenças3, ainda que elas sejam negadas, colocadas em forma interrogativa ou mesmo na forma condicio-nal. Se um promotor, por exemplo, encarregado de provar que um réu é culpado, indaga-lhe:

(1) — Você parou de vender cocaína?4

O advogado de defesa pode alegar que a pergunta está induzindo o cliente a assumir uma culpa, pois, caso o réu responda “sim” ou “não”, com-promete-se, isto é, há a pressuposição de que ele vendia cocaína. A sentença (1) pressupõe:

(2) Você vendia cocaína.

Se foi possível pressupor a sentença (2), é porque (1) sugere que o con-teúdo pressuposto em (2) seja verdadeiro. Mesmo que o enunciado seja negado, o pressuposto não se altera. Vejamos a sentença que segue:

(3) Você não parou de vender cocaína.

Ainda que a sentença (1) passe para a forma negativa, o pressuposto (2) permanece. Por conseguinte, uma informação é pressuposta quando ela se mantém, mesmo que neguemos a sentença que a veicula.

3 Algumas sentenças apresentam recursos que desencadeiam a pressuposição, por exemplo, verbos de mudança de estado: deixar, começar, parar; verbos implicativos: conseguir, esquecer. Para maiores informações consultar MOU-RA, Heronides; MELO, Maurílio de. Significação e contexto: uma introdução a questões de semântica e pragmática. Florianópolis: Insular, 1999; CANÇADO, Márcia. Manual de semântica: noções básicas e exercícios. Belo Horizonte: UFMG, 2005.4 Exemplo tirado de OLIVEIRA, Roberta Pires de. Semântica formal: uma breve introdução. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001, p. 84.

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Selecionamos duas notícias para caracterizar os conteúdos pressupostos.

Extinta a pena de morteManila — A presidente das Filipinas, Gloria Macapagal Arroyo, assinou ontem

uma lei extinguindo a pena de morte no país. Foi o primeiro ato da presidente após sair do hospital em que foi internada na quinta-feira com problemas intestinais.

A lei, adotada por unanimidade no início do mês pelo Senado, substitui a pena de morte pela prisão perpétua. Para a presidente, a mudança “marca o fim de uma era de justiça vingativa”.

A lei comuta de maneira automática as condenações à morte de cerca de 1.200 presos. Sete execuções aconteceram no país entre 1999 e 2000.

Só faltava a assinatura de Arroyo para as Filipinas se unirem ao grupo de três nações da região da Ásia — Austrália, Nova Zelândia e Timor Leste — onde não existe a pena capital.

A presidente enfrentou uma forte oposição de setores da sociedade filipina favo-ráveis à pena de morte.

Gazeta do povo, 25 de junho de 2006.

Pode-se pressupor da primeira sentença do texto:

a) Uma mulher ocupa a presidência das Filipinas.

b) Nas Filipinas há leis.

c) Umas das funções do presidente é assinar leis.

d) Nas Filipinas havia a pena de morte.

Para checar os pressupostos faremos um dos testes, o da negação:

A presidente das Filipinas, Gloria Macapagal Arroyo, não assinou ontem uma lei extinguindo a pena de morte no país.

Mesmo que a lei não tivesse sido assinada, infere-se os conteúdos pres-supostos em a, b, c e d.

Vejamos a segunda notícia:

ImpostoR$ 1 mil

é o novo valor que o PCC cobra de pedágio dos criminosos em liberdade que roubam e traficam drogas no estado de São Paulo. O dinheiro é usado para manter mordomias dos líderes da facção.

6bandidos foram mortos porque não quitaram a mensalidade com o grupo.

Gazeta do Povo, 9 de julho de 2006.

É possível pressupor a partir do conteúdo posto que:

a) o PCC exige que criminosos paguem tarifas ao grupo.

b) o valor da tarifa é atualizado.

c) os líderes da facção desfrutam de mordomias.

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d) há criminosos que não pagam suas dívidas.

e) alguns bandidos foram mortos.

f) as taxas devem ser pagas mensalmente.

Para checar os pressupostos, recorreremos, mais uma vez, ao teste da negação:

R$ 1 mil não é o novo valor que o PCC cobra de pedágio dos criminosos em liberdade que roubam e traficam drogas no estado de São Paulo.

O dinheiro não é usado para manter mordomias dos líderes da facção.

Seis bandidos não foram mortos porque não quitaram a mensalidade com o grupo.

Ainda que as sentenças destacadas acima sejam negadas, os pressupos-tos a, b, c, d, e devem ser conservados.

Um outro procedimento de inferência é o acarretamento. Esse recurso semântico decorre de uma relação entre sentenças. Toda vez que a verdade de uma sentença (a) implica a verdade da sentença (b) ocorre acarretamento5. Se dissermos que:

(4) A Itália ganhou a Copa.

Podemos concluir que:

(5) A Itália participou da Copa.

Mas algo diferente se processa nos exemplos a seguir:

(6) Hoje o sol está brilhando6.

Não acarreta:

(7) Hoje está quente.

Ter sol não é condição para estar quente.

Recorremos à chamada a seguir para analisar casos de acarretamento.

Brasileiro volta à TerraA nave Soyuz TMA-7 com o astronauta Marcos César Pontes, primeiro brasileiro

a ir ao espaço, pousou ontem, às 20h48, perto de Akralyk, no Cazaquistão. A nave russa foi desacoplada da Estação Espacial Internacional às 17h28. Pontes ficou dez dias em órbita.

A missão custou ao Brasil US$10 milhões. Pontes retornou com o russo Valery Tocarev e o norte-americano William McArthur, que estavam há seis meses no espaço. Eles foram levados a Moscou, onde ficarão sob cuidados médicos. Pontes deve se recuperar em oito dias.

Folha de São Paulo, 9 de abril de 2006.

5 Procuramos sintetizar a noção de acarretamento. Para maiores detalhes ler CANÇADO, Márcia. Manual de semân-tica: noções básicas e exercícios. Belo Horizonte: UFMG, 2005 e CHIERCHIA, Gennaro. Semântica. Campinas, SP: UNICAMP; Londrina, PR: EDUEL, 2003.6 Esse exemplo foi retirado de Cançado (2005).

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A partir do texto, são possíveis os seguintes acarretamentos:

a) Um brasileiro foi para o espaço.

b) Antes de Marcos Pontes, nenhum brasileiro tinha ido ao espaço.

c) A nave pousou na Ásia.

d) Pontes ficou 10 dias distante do planeta Terra.

e) O Brasil pagou pela viagem de Marcos Pontes.

f) Valery Tocarev e William McArthur ficaram seis meses longe da Terra.

g) Pontes volta à Terra em companhia de um russo e de um americano.

Mas há inferências que não são possíveis:

a) A nave brasileira levou Marcos Pontes para o espaço.

b) A nave pousou na Rússia.

c) O Brasil pagou à Rússia US$ 10 milhões.

d) O Brasil tem deixado de investir em Educação para gastar com via-gens ao espaço.

e) Pontes foi para o espaço em companhia de Valery Tocarev e William McArthur.

A leitura é uma atividade que requer um trabalho de reflexão acerca de procedimentos de constituição do sentido. Saber ler é apropriar-se de recursos que compõem a nossa competência textual. O leitor proficiente deve, pois, ser capaz de efetuar uma série de operações, entre elas perceber, por meio da inferência, informações implícitas.

O trabalho com a leitura envolve o ensino de várias habilidades lingüísti-cas. KLEIMAN (2004) cita algumas dessas capacidades: “apreender o tema e a estrutura global do texto, para inferir o tom, a intenção e atitude do autor, para reconstruir relações lógicas e temporais, bem como para realizar atividades de apropriação da voz do autor, resumindo, recontando, respondendo perguntas sobre o texto”.

Destacamos nesse trabalho a capacidade específica de inferir. O ensino dessa habilidade deve desenvolver no aluno a capacidade para usar seu co-nhecimento de regras gramaticais implícitas, ou seja, procedimentos sintáticos e semânticos inerentes ao funcionamento da língua, esses recursos não têm a ver com as regras normativas. Quem tem competências à constituição do sentido do texto deve ser um bom leitor ou, talvez, seja um bom leitor por ter esse conjunto de habilidades.

A seguir, apresentaremos alguns elementos que indicam o efeito de sen-tido. Ao apontar esse efeito, não vamos descrever o significado, mas indicar os sentidos possíveis.

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Os elementos discursivosAnalisaremos o deslocamento de sentido que decorre no processo con-

tra-argumentativo. Para tanto, recorreremos a dois conceitos que são conside-rados pela Análise do Discurso (AD) como constitutivos do sentido: a formação discursiva e a memória discursiva.

Tomaremos como objeto de análise dois artigos publicados na Folha de São Paulo no mês de março deste ano: “Carta ao MST”, elaborada pelo sena-dor Eduardo Suplicy, e a resposta de Plínio Arruda Sampaio na “Carta aberta ao senador Eduardo Suplicy”.

Buscaremos expor por meio da análise que a reformulação do discurso do outro demarca a fronteira entre formações discursivas (FDs). Em outras palavras, tanto Suplicy quanto Sampaio, no processo argumentativo, deixam marcas do espaço ideológico de onde enunciam.

Na segunda semana de março deste ano, algumas militantes do Mo-vimento de Mulheres Camponesas e da Via Campesina destruíram mudas de eucalipto e instalações do laboratório do centro de pesquisa da Aracruz Celu-lose no Rio Grande do Sul. O protesto foi uma resposta à destruição da aldeia indígena dos guaranis, no Espírito Santo, pelos tratores da Aracruz; e também um manifesto contra o agronegócio que prejudica a biodiversidade.

O fato teve uma grande repercussão na imprensa. O senador Eduardo Suplicy posicionou-se sobre o acontecimento em carta publicado no jornal Folha de São Paulo. Na semana seguinte, o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio assume uma atitude responsiva e elabora uma réplica à carta do senador.

O acontecimento discursivo relatado produziu “dizeres” cujo sentido se constitui por condições históricas de produção e também pela compreensão das posições ideológicas com as quais os enunciadores se identificam, bem como a relação que estabelecem com outros discursos.

Para PECHÊUX e FUCHS (1975), a produção do sentido se dá quando o enunciado é concebido dentro de uma FD, definida pelos autores como “o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada”. Um mesmo enunciado pode produzir diferentes efeitos de sentido de acordo com a FD em que é concebido. Com efeito, uma formulação discursiva pode sempre se tornar outra se for inse-rida em outro texto, ou seja, em outra FD.

O espaço aberto à réplica, seja a carta do senador ou do ex-deputado federal, promove o aparecimento do interdiscurso, uma vez que se incorporam dizeres de outras FDs a fim de redefini-los, negá-los, mas também permite retomar elementos próprios à FD com o intuito de organizá-los, provocar o desaparecimento, o esquecimento, assim como a denegação.

A noção de memória discursiva diz respeito à ocorrência histórica de enunciados regulados por aparelhos ideológicos. A existência de uma memória discursiva remete à reformulação, à retomada de discursos. Embora essas for-mulações já tenham sido ditas, ainda estão por se repetir.

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Todo o trabalho de negociação do dizer é regulado por elementos ideoló-gicos. Por conseguinte, a memória discursiva permite, de acordo com a con-juntura, a retomada, a repetição, a refutação e o apagamento de elementos discursivos.

Mostraremos que Suplicy retoma pressupostos dos pacifistas Martin Luther King e Mahatma Gandhi para estabelecer relações com ações do MST. Quer com essa estratégia argumentativa defender que as lutas pacifistas são mais adequadas e contam com apoio da população. Selecionamos primeira-mente alguns trechos da “Carta ao MST”, elaborada por Suplicy, para mostrar como o senador caracteriza a forma de ação do MST.

(1) Acredito que o MST consegue obter mais apoio do povo brasileiro para sua causa sempre que utiliza meios pacíficos, não-violentos, e de respeito aos seres humanos e ao que tiver sido construído honestamente por outros.

(2) O MST tem sido muitas vezes criativo. Assim, granjeou forte apoio do povo para a justa causa da reforma agrária quando, por exemplo, organizou as marchas para Brasília em memória das vítimas do massacre de Eldorado do Carajás ou em memória da irmã Dorothy Stang, morta no ano passado pelos interesses do latifúndio.

Forma de ação do MST

Pacífica

Não-violenta

Respeitosa

Criativa

Seguem trechos que caracterizam a forma de ação dos pacifistas Luther King e Gandhi:

(3) Foi então que Martin Luther King Jr. conclamou seus compatriotas a seguir os exemplos históricos de Mahatma Gandhi e outros, que realizaram movimentos assertivos não-violentos para alcançar objetivos importantes e difíceis, como o da independência da Índia, em 1947.

(4) Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo do cálice da amargura e do ódio. Precisamos sempre conduzir nossa luta no plano alto da dignidade e da disciplina. Nós não podemos deixar nosso protesto criativo degenerar em violência física.

Forma de ação de Martin Luther King e

Mahatma Gandhi

Movimentos assertivos

Não-violentos

Criativos

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O pronunciamento pacifista de Luther King é trazido, na forma do discur-so citado, para o interior da FD onde o MST é inserido, o que significa dizer que há elementos pré-construídos, produzidos em um exterior, que são trazidos para o interior de uma FD. Promove-se, pois, um deslocamento de fronteiras da FD, porquanto se aproxima o movimento pacifista de Luther King e de Gandhi do MST.

A negação é um outro recurso utilizado para demarcar fronteiras discur-sivas. Ao enunciar que o “... o MST [...] utiliza meios pacíficos, não-violentos...”, o enunciador leva o interlocutor a pressupor que deve haver ações violentas. Por meio da denegação, mostra-se a identificação do sujeito enunciador com uma FD, ou seja, rejeita-se a violência, demarcando o espaço da não-violência.

Na constituição do processo enunciativo, os sujeitos selecionam elemen-tos que lhes são autorizados. Por outro lado, há elementos que são rejeitados, ocultados pelo sujeito.

PÊCHEUX e FUCHS (1975) denominam o efeito da ocultação de esqueci-mento no 2. Esse é um processo de enunciação cujo funcionamento é da ordem do pré-consciente e do consciente, o sujeito indica o que quer dizer. “Constata-se, com efeito, que o sujeito pode penetrar conscientemente na zona do no 2 e que ele o faz em realidade constantemente por um retorno de seu discurso sobre si, uma antecipação de seu efeito, e pela consideração da defasagem que aí introduz o discurso do outro”7. Ao dizer que a forma de ação do MST é pacífica, criativa, respeitosa e não-violenta, o sujeito indica que há algo que não deve ser dito: a destruição das mudas de eucalipto foi uma ação violenta.

O discurso tem uma memória, é constituído por um trabalho de reformu-lação e repetição discursiva. Há elementos que convêm dizer, retomar, contudo há os que não convêm dizer em virtude de uma dada conjuntura política. O MST e o PT, partido do senador Eduardo Suplicy, estiveram muitas vezes do mesmo lado em embates políticos, por conta disso foram considerados por muitos como única entidade política.

O ex-deputado Plínio Arruda Sampaio apresenta duas objeções à carta do senador. A primeira está destacada a seguir:

(5) A primeira é a invocação das ações de Gandhi e Martin Luther King Jr. como exemplos de ações não violentas que o MST deveria seguir. No entanto, a ação das mulheres do MST, na Aracruz, se enquadra perfeitamente na tradi-ção das lutas desses dois mártires dos oprimidos. O que elas praticaram foi um ato de desobediência civil — ação que desafia a lei, a medida ou a omissão injustas sem incitar agressão a pessoas.

7 PÊCHEUX, M.; FUCHS. A propósito da análise automática do discurso, atualização e perspectivas (1975). In: GA-DET, Françoise; HAK, T. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Pêcheux. Campinas, SP: UNICAMP, 1990, p.177.

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Seguem argumentos que justificam a objeção apresentada pelo ex-de-putado:

(6) Em seus respectivos contextos, os atos de desobediência civil coman-dados por esses dois grandes líderes foram considerados inaceitáveis e escandalizaram as pessoas sérias, honestas, cumpridoras das leis.

(7) A não-violência de Gandhi e Luther King não diz respeito às coisas, mas, sim, às pessoas. Repare bem no próprio texto transcrito na sua carta aberta: Luther King diz que o protesto “não pode degenerar em violência física”. Não há menção a causar prejuízos ao capital.

(8) Violência física não houve no ato das mulheres. Houve a destruição de mudas destinadas a implantar a monocultura florestal no Rio Grande do Sul. Sem falar nos danos que esse tipo de agricultura causa ao meio ambiente, é preciso que todos saibam que se trata de uma forma de agricultura extremamen-te nociva à pequena agricultura.

Forma de ação de Martin Luther King,

Mahatma Gandhi e das Mulheres do MSTLutas dos mártires oprimidos

Ato de desobediência civil↓

EscandalizaNão há violência contra pessoas

Sampaio compatibiliza as ações do Luther King e Gandhi com as das Mulhe-res do MST, mas faz isso para mostrar que são atos de desobediência civil. Obser-vamos o processo de deslocamento de sentido, porquanto as ações não-violentas deixam de ser somente um ato pacifista e passam a ser um ato político.

Sampaio apresenta um segundo contra-argumento com relação ao texto de Suplicy:

(9) Minha segunda objeção a sua carta aberta se refere à falta de uma ou-tra carta aberta: aquela que teria de ser enviada à Aracruz, reclamando da destruição da aldeia indígena dos guaranis no estado do Espírito Santo e falando sobre a ameaça que representa atualmente a monocultura da celulose para os pequenos agricultores.

(10) Essa forma de violência, sim, se volta contra a existência física das pessoas, na medida em que destrói o ambiente em que essas pequenas unidades familiares podem sobreviver. No entanto, isso se faz daquela forma disfarçada, asséptica, que o capitalismo usa para dar uma aparência de racionali-dade à destruição dos grupos humanos que perturbam o “progresso” — o outro nome da sua fome insaciável de lucro e de acumulação de capital.

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A partir da carta de Plínio, tecemos um contraponto entre a ação prati-cada pela Aracruz e a pelas militantes.

Destruição da aldeia Destruição das mudas

Violência Desobediência civil

Forma disfarçada Desafia a lei

Agride pessoas Não agride pessoas

Destrói o meio ambiente Escandaliza

Busca o lucro, o progresso Causa prejuízo ao capitalismo

Ao retomar o discurso do senador, o ex-deputado desloca o sentido da ação violenta. Aproxima os atos de Luther King e Gandhi das ações das mulhe-res do MST. A luta de ambos é denominada “desobediência civil”, pois desafiam as leis, mas não agridem pessoas. Já a destruição da aldeia dos guaranis é com-preendida como atitude violenta, atinge pessoas. A violência praticada contra os índios é legitimada pelo capitalismo em nome do progresso, enquanto a desobe-diência civil não é legitimada pelo poder do capital, pois inibe o progresso.

Para analisarmos o deslocamento de sentido, que parte do discurso da violência à desobediência civil, foi necessário percorrer uma rede de formu-lações discursivas. Buscamos caracterizar a retomada do discurso pacifista, como um discurso pré-construído, a fim de demarcar o espaço da FD do MST feita pelo senador Suplicy. Vimos que, embora Plínio Arruda Sampaio invoque, também, as ações de Luther King e Mahatma Gandhi, elas são trazidas para que se reconfigure a fronteira da FD do MST, isto é, esse não é um movimento pacífico, mas sim político. A ressignificação da violência é vista do prisma da de-sobediência civil, por conseguinte se reconfigura o acontecimento discursivo.

Para os autores das cartas, o episódio da destruição das mudas caracteri-za acontecimentos diferentes, pois desencadeiam efeitos de sentidos distintos.

Conclusão

Procuramos no decorrer desse trabalho transpor alguns conceitos que circulam no universo acadêmico para o âmbito do ensino fundamental e médio a fim de estabelecer uma ponte entre ensino e pesquisa.

Supomos que algumas noções semânticas e discursivas sirvam de fer-ramentas interessantes à leitura de textos, porquanto contam com elementos-chave, que podem abrir o texto, isto é, indicam as possibilidades de constitui-ção do sentido.

A pressuposição e o acarretamento levam aos implícitos, o que está nas entrelinhas do texto. Já as noções de formação discursiva e a memória discur-siva podem indicar o que está além das linhas do texto, pois um discurso não está inserido num só texto, seu sentido está disperso por muitos textos.

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Como o discurso não trabalha a transmissão de informação, não de-finimos o sentido com precisão. Consideramos que ele se constitui no jogo discursivo, no embate entre os efeitos de sentido que emanam dos processos discursivos.

ReferênciasCANÇADO, M. Manual de semântica: noções básicas e exercícios. Belo Hori-zonte: UFMG, 2005.

CHIERCHIA, G. Semântica. Campinas, SP: UNICAMP; Londrina, PR: EDUEL, 2003.

GADET, F.; HAK, T. Por uma análise automática do discurso: uma introdu-ção à obra de Pêcheux. Campinas, SP: UNICAMP, 1990.

ILARI, R. Introdução à semântica: brincando com a gramática. São Paulo: Contexto, 2001.

______. Introdução ao estudo do léxico: brincando com as palavras. São Paulo: Contexto, 2002.

MOURA, H.; MELO, M. Significação e contexto: uma introdução a questões de semântica e pragmática. Florianópolis: Insular, 1999.

OLIVEIRA, R. P. de. Semântica formal: uma breve introdução. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001.

SAMPAIO, P. de A. Carta aberta ao senador Eduardo Suplicy. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 mar. 2006.

SUPLICY, E. M. Carta ao MST. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 mar. 2006.

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AnexosTENDÊNCIAS / DEBATES

Carta ao MST

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

Meu caro João Pedro Stédile, da Coordenação Nacional do MST (Mo-vimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra):

Com o sentimento de quem tem sido solidário ao MST desde a sua fundação, como amigo da causa da reforma agrária e da realização de maior justiça em nosso país, gostaria de externar minha sincera opinião sobre os últimos acontecimentos em Porto Alegre (RS). Acredito que o MST consegue obter muito mais apoio do povo brasileiro para sua causa sempre que utiliza meios pacíficos, não-violentos, e de respeito aos seres humanos e ao que tiver sido construído honestamente por outros.

Acredito que o MST obtém muito mais apoio do povo brasileiro para sua causa sempre que utiliza meios pacíficos, não-violentos,

Falo isso por causa do episódio ocorrido na semana passada, quando as companheiras do Movimento de Mulheres Camponesas e da Via Campe-sina destruíram as mudas de eucaliptos e as instalações do laboratório da Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul.

Bem sei que elas desejavam protestar contra um modelo de agro-negócio que o MST tem criticado, uma vez que florestas homogêneas de eucaliptos para a produção de celulose podem prejudicar a biodiversidade. Também sei que essa atitude foi uma reação à destruição da aldeia indíge-na dos guaranis por tratores da Aracruz no Espírito Santo, ou seja, agiram em solidariedade aos índios guaranis.

Reitero, entretanto, a recomendação que fiz quando, convidado pelo MST, em 10 de julho de 1999, administrei uma aula na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) para mais de mil jovens — de quase todos os Estados brasileiros — pertencentes ao movimento.

Dei de presente àqueles jovens a tradução que eu mesmo fiz de uma das mais belas orações da história da humanidade: “Eu tenho um sonho”, de Martin Luther King Jr., feita em 28 de agosto de 1963, em Washington, no dia em que foram comemorados os cem anos da abolição da escravidão nos EUA. Naquela época, Luther King Jr. se preocupava com a necessidade premen-te da aprovação da Lei dos Direitos Civis e da Lei dos Direitos Iguais de Votação. Em muitos Estados do Sul dos EUA, não era permitido aos negros freqüentar os mesmos hotéis, restaurantes, escolas e banheiros ou usar os

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mesmos ônibus e calçadas que os brancos. Os negros nem sequer eram considerados cidadãos americanos, pois, em diversos Estados, não tinham o direito de votar, o que gerou movimentos de revolta, quebra-quebras e incêndios em inúmeras cidades.

Foi então que Martin Luther King Jr. conclamou seus compatriotas a seguirem os exemplos históricos de Mahatma Gandhi e outros, que rea-lizaram movimentos assertivos não-violentos para alcançar objetivos im-portantes e difíceis, como o da independência da Índia, em 1947. Naquele dia, perante mais de 200 mil pessoas, disse Martin Luther King Jr.: “Esse não é o tempo de nos darmos ao luxo de nos acalmarmos ou de tomar a droga tranqüilizadora do gradualismo. Agora é a hora de tornar reais as promessas da democracia (...) agora é o momento de fazer da justiça uma realidade para todas as crianças de Deus. Seria fatal para a nação não per-ceber a urgência do momento”.

E, adiante, disse: “Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade be-bendo do cálice da amargura e do ódio. Precisamos sempre conduzir nossa luta no plano alto da dignidade e da disciplina. Nós não podemos deixar nosso protesto criativo degenerar em violência física. Todas às vezes — e a cada vez —, precisamos alcançar as alturas majestosas de confrontar a força física com a força da alma”.

Pouco tempo depois desse discurso, o Congresso norte-americano aprovou — e o presidente Lyndon Johnson sancionou — as Leis dos Direitos Civis e dos Direitos Iguais de Votação.

O MST tem sido muitas vezes criativo. Assim, granjeou forte apoio do povo para a justa causa da reforma agrária — quando, por exemplo, organizou as marchas para Brasília em memória das vítimas do massacre de Eldorado do Carajás ou em memória da irmã Dorothy Stang, morta no ano passado pelos interesses do latifúndio.

Para mostrar sua solidariedade aos índios guaranis, tenho a convicção de que as mulheres da Via Campesina poderiam — e podem ainda — escolher uma forma pacífica, criativa, utilizando muito mais a força da alma do que a força física. De outra forma, daremos razão aos que, em pleno século XXI, preferem utilizar os instrumentos bélicos em vez dos instrumentos civiliza-tórios do bom senso e da inteligência.

Eduardo Matarazzo Suplicy, 64, doutor em economia pela Universidade Estadual de Mi-chigan (EUA), professor da EAESP–FGV, é senador da República pelo PT–SP. É autor do livro “Renda de Cidadania — A Saída é pela Porta” (Cortez Editora e Fundação Perseu Abramo).

FOLHA DE SÃO PAULO, 17 de março de 2006.

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Carta aberta ao senador Eduardo Suplicy

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO

Meu caro Eduardo Suplicy: Temos uma longa amizade e um longo companheirismo político. Não me esqueço — e aproveito para agradecer publicamente — do corajoso apoio que você deu a minha candidatura a presidente do PT, numa hora em que isso iria lhe custar — como está cus-tando agora — dificuldades com a oligarquia dirigente do partido.

A desobediência civil é gesto extremo para despertar uma sociedade anestesiada, incapaz de ouvir os clamores do povo

Por isso mesmo sei que você receberá estas palavras como uma contribuição sincera de um velho companheiro.

Levanto duas objeções à carta aberta que você enviou ao MST (Mo-vimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), publicada neste mesmo es-paço na última sexta-feira, a propósito da destruição de mudas de espécies florestais em um centro de pesquisas da Aracruz, no Rio Grande do Sul. A primeira é a invocação das ações de Gandhi e Martin Luther King Jr. como exemplos de ações não-violentas que o MST deveria seguir. No entanto, a ação das mulheres do MST, na Aracruz, se enquadra perfeitamente na tra-dição das lutas desses dois mártires dos oprimidos. O que elas praticaram foi um ato de desobediência civil — uma ação que desafia a lei, a medida ou a omissão injustas sem incitar agressão a pessoas.

Em seus respectivos contextos, os atos de desobediência civil co-mandados por esses dois grandes líderes foram considerados inaceitáveis e escandalizaram as pessoas sérias, honestas, cumpridoras das leis. Ora, o objetivo das ações de desobediência civil é precisamente este: desassos-segar consciências tranqüilas, como um meio de fazê-las ver a responsabi-lidade que têm na manutenção de situações inaceitáveis, porém admitidas como normais e corretas. Trata-se de um gesto extremo para despertar so-ciedades anestesiadas, incapazes de ouvir os clamores do povo. Vejamos, por exemplo, em que deu a marcha pacífica que os sem-terra realizaram em Brasília, no ano passado, a fim de pedir, de forma respeitosa e ordeira, a reforma agrária. Que resposta obtiveram do governo? Que solidariedade receberam da sociedade? Que noticiário deram os jornais?

A não-violência de Gandhi e Luther King não diz respeito às coisas, mas, sim, às pessoas. Repare bem no próprio texto transcrito na sua carta aberta: Luther King diz que o protesto “não pode degenerar em violência físi-ca”. Não há menção a causar prejuízos ao capital. Por acaso, o boicote do sal e do tecido inglês na Índia, o dos ônibus segregacionista no Sul dos Estados

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Unidos e tantos outros movimentos de desobediência civil em todo o mun-do deixaram de causar enormes prejuízos materiais aos capitalistas?

Violência física não houve no ato das mulheres. Houve a destruição de mudas destinadas a implantar a monocultura florestal no Rio Grande do Sul. Sem falar nos danos que esse tipo de agricultura causa ao meio ambiente, é preciso que todos saibam que se trata de uma forma de agri-cultura extremamente nociva à pequena agricultura. Poucos sabiam disso. Agora, com a cobertura que a imprensa deu ao episódio, todos ficaram sa-bendo. Nisso consiste a desobediência civil. É selvagem porque a realidade é selvagem. Minha segunda objeção a sua carta aberta se refere à falta de uma outra carta aberta: aquela que teria de ser enviada à Aracruz, recla-mando da destruição da aldeia indígena dos guaranis no Estado do Espírito Santo e falando sobre a ameaça que representa atualmente a monocultura da celulose para os pequenos agricultores.

Essa forma de violência, sim, se volta contra a existência física das pessoas, na medida em que destrói o ambiente em que essas pequenas unidades familiares podem sobreviver. No entanto, isso se faz daquela for-ma disfarçada, asséptica, que o capitalismo usa para dar uma aparência de racionalidade à destruição dos grupos humanos que perturbam o “pro-gresso” o outro nome da sua fome insaciável de lucro e de acumulação de capital. Prezado Eduardo, o MST vive uma hora dificílima, porque o governo depositário de suas esperanças não tem coragem de realizar a reforma agrária nem de enfrentar as forças políticas que tentam criminalizá-lo, como estamos vendo com a CPI da Terra.

Sei o quanto você já fez pelo movimento e sei também o apreço e o respeito que os sem-terra têm por você. Seu artigo, contudo, embora obviamente contra sua vontade, fornece munição aos adversários. Peço que o reconsidere e que venha somar conosco na defesa incondicional dos legítimos interesses dos trabalhadores rurais sem terra.

Por que não enviar uma carta aberta ao governo, a fim de exigir a publicação dos índices atualizados de produtividade da terra? Isso permi-tiria acelerar a reforma. Caso a reforma fosse acelerada — você o sabe tão bem quanto eu —, as pacíficas e extraordinárias mulheres do MST não seriam compelidas — como estão sendo — a realizar gestos extremos a fim de chamar a atenção da sociedade para o drama que vivem há muito tempo.

Plínio Arruda Sampaio, 75, advogado, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Refor-ma Agrária) e diretor do “Correio da Cidadania”. Foi deputado federal pelo PT–SP (1985–91) e consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).

FOLHA DE SÃO PAULO, 24 de março de 2006.

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Reflexibilidade: alternativas de intervenção na prática pedagógica

Joana Paulin Romanowski1

Este texto constitui-se em uma contribuição ao debate das possibilida-des da reflexão para a proposição de alternativas para a prática pedagógica. Focaliza a reflexão como uma das possibilidades de análise dos problemas da prática e, a partir dessa análise, a construção de possíveis alternativas de in-tervenção nessa prática.

Estudos sobre práticas reflexivas realizadas por professores direcionam a organização deste texto. Desse modo, primeiro se focalizam essas pesquisas, especialmente as realizadas em nosso meio, tais como as de Martins (1993, 2000); Romanowski, Wachowicz e Martins (2005); Pimenta (2005); Souza (2005). O exame das pesquisas realizadas tem por finalidade verificar quais são os problemas relevantes da prática, indicados pelos professores, e compre-ender os processos reflexivos que norteiam essas pesquisas. Destaca-se que as pesquisas sobre a prática pedagógica dos professores, iniciadas em 1982 com o movimento Didática em Questão, ampliam-se a partir dos anos de 1990, pela valorização dos saberes da prática docente. O movimento Didática em Questão colocou em cheque a perspectiva da racionalidade técnica na prática e na formação dos professores2. Finalizam o texto indicações e delineamentos

1 Doutora em Educação (USP) e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e Consultora Pedagógica da Faculdade Internacional de Curitiba.2 Sobre este movimento consultar Martins (1998).

III

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das possibilidades de desenvolvimento de programa institucional para realiza-ção de reflexão sobre a prática pedagógica, construído coletivamente na dire-ção de indicativos de alternativas de melhoria dessa prática.

Práticas reflexivas dos professoresA pesquisa realizada por Souza (2005) com professores do Ensino Su-

perior baseia-se em entrevistas que focalizaram o que os professores realizam e como refletem sobre sua prática docente. Destaca-se que os professores dizem refletir sobre sua prática constantemente. Esse processo ocorre antes das aulas, no sentido de sistematizar, ainda que não sejam registrados, quais temas serão trabalhados em aula e quais atividades serão propostas para os alunos. Indicam também a realização da reflexão em aula quando algum fato não previsto ocorre e exige algum encaminhamento. E fazem reflexão após a aula, muitas vezes imediatamente ao término da atividade, no caminho para casa. Relatam os professores que esses exames sobre a ação experienciada contribuem para buscar novas alternativas para a melhoria dessa prática.

Evidencia-se na pesquisa de Souza (2005) que o foco das preocupações dos professores diferencia-se ao longo da carreira. Professores iniciantes têm preocupação mais intensa com os conteúdos a serem ensinados e com as téc-nicas de ensino a serem utilizadas durante as aulas; professores mais expe-rientes intensificam suas reflexões para a aprendizagem dos alunos. Destaca-se que tanto os professores iniciantes como os experientes são interessados em seus alunos e procuram conhecê-los, saber sua escolarização anterior, seus interesses. No entanto, os professores mais experientes localizam as dificulda-des de aprendizagem dos alunos e procuram fazer algo para minorá-las.

Na pesquisa realizada por Romanowski et al (2005), foram analisadas monografias desenvolvidas por professores da educação básica para identificar as preocupações desses professores de Ensino Fundamental. Os problemas focalizados pelos professores nas monografias voltam-se para dificuldades e distúrbios de aprendizagem dos alunos; práticas de inclusão de portadores de necessidades especiais; questões de afetividade, de ludicidade e de disciplina escolar. A subjetividade do aluno tem sua importância ressaltada pela freqüência desses temas, que parecem indicar as categorias pelas quais é possível captar e analisar as representações que os professores de Ensino Fundamental fazem de seu trabalho profissional.

O estudo monográfico é feito mediante indicação de tema, problema de pesquisa e objeto de estudo, ou seja, antecede a realização do estudo o proje-to de pesquisa, que é analisado e orientado por professores do referido curso. Durante o estudo monográfico, também é realizada orientação por professores do curso. Depois de concluído o estudo, realiza-se defesa junto a uma banca composta por dois professores do curso. Cabe destacar que a maioria das mono-grafias constitui-se de pesquisa bibliográfica relacionada ao tema proposto pelo

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cursista, que chamaremos professor-aluno. O levantamento dessas temáticas aponta para preocupações como dificuldades e distúrbios de aprendizagem, inclusão, ludicidade, metodologias e conteúdos curriculares e disciplina escolar, em maior número. Em menor número, alfabetização, avaliação, afetividade, in-terdisciplinaridade, questões de aprendizagem da leitura, projeto pedagógico, carreira e profissionalização docente, e estudo sobre a formação do professor. Destacam-se os pedagogos escolares, que vêm indicando como tema de estu-do a gestão escolar.

Para a sistematização das monografias, evidencia-se que os alunos-pro-fessores tomam como ponto de partida os problemas da prática docente, mas o estudo é sistematizado a partir do referencial teórico do tema selecionado. Os autores consultados geralmente são os indicados nas referências dos pro-gramas das disciplinas do curso. Além disso, observa-se consulta às páginas da internet.

A organização da monografia toma por base a teoria, na perspectiva con-ceitual, para dizer o que é o fenômeno observado e escolher o objeto de estudo monográfico. O texto constitui-se de um arrolado de definições dos diferentes autores consultados. Nas considerações finais, há indicações do que foi com-preendido e direcionado aos conceitos, como, por exemplo: “Esta monografia permitiu compreender o que são as dificuldades dos alunos, ampliando nosso conhecimento sobre o tema”. A inclusão de proposições para intervenção foi observada em poucos estudos. Quer dizer: os estudos monográficos que se po-deriam constituir em indicativos de alternativas para a prática pedagógica con-figuram-se na perspectiva da busca de modelos teóricos sobre os problemas da prática. Estudos que incluem sugestões de atividades expressam-nas como desvinculadas da fundamentação desenvolvida no referencial de estudo.

Nas monografias analisadas, percebe-se que a exigência do curso está em jogo, bem mais do que a possibilidade de intervenção na prática pedagógi-ca do professor. Denota-se essa preocupação pela fundamentação direcionada à ênfase no aspecto formal do estudo e não no aprofundamento do questiona-mento das problemáticas da prática, anunciadas na introdução.

As pesquisas de Pimenta (2005) apontam implicações da organização pedagógico-administrativa das escolas na atividade docente. Quer dizer: o modo como a escola organiza as atividades pedagógicas, as exigências e so-licitações institucionais constituem interferentes no modo como o professor organiza sua prática de ensino. Além disso, os conhecimentos disponibilizados na sociedade contemporânea somam-se nos processos de organização da prá-tica docente.

Os estudos de Pimenta indicam que os professores não têm o hábito de registrar sistematicamente acontecimentos vivenciados durante suas aulas. Nenhum dos participantes havia realizado gravação ou filmagem de suas aulas

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antes de participar da pesquisa. Segundo a autora, os professores, ao parti-ciparem de programas de pesquisa-ação, passam a realizar esse registro. A inserção nesses programas provoca o desenvolvimento da reflexão para com-preender os “porquês” de atitudes e decisões realizadas em aula. Ao realizar a reflexão sobre a prática, a sala de aula transforma-se num espaço investigativo, favorecendo a análise crítica e permitindo tomar consciência das ações e suas implicações, bem como constituir o saber docente. Ao realizar a pesquisa-ação, o professor estabelece um método de registro e análise de suas aulas, perce-bendo limites e avanços de sua própria prática.

Esse processo, segundo Pimenta (2005), permite ao professor a possibi-lidade de compreender sua condição de trabalhador e os limites de seu traba-lho, mas amplia a compreensão do compromisso e da identidade profissional e de seu significado.

Salienta-se que em pesquisas anteriores Martins (1993) destaca as im-plicações da organização pedagógica no processo de ensino e aprendizagem. Nas palavras da autora, “a escola educa mais pela forma como organiza o pro-cesso de ensino do que pelos conteúdos ideológicos que veicula através desse processo, isto é, o que se experimenta na prática tem muito mais significado e é mais duradouro do que o que se ouve no nível de discurso” (MARTINS, 1993, p. 24).

Na perspectiva crítica, segundo Martins (1993), o processo de reflexão assume as categorias da dialética como direcionadoras da análise da prática. O processo está em assumir a teoria como expressão da prática, tomando a prática como ponto de partida. Importa explicitar as implicações das ações dos professores no enfrentamento dos problemas do cotidiano frente às contra-dições sociais, quer dizer, compreender os determinantes da ação docente. A prática contextualiza-se historicamente e está em movimento pela permanente relação estabelecida entre sujeitos, grupos, classes sociais e condições de reali-zação do trabalho.

Num primeiro momento, procura-se caracterizar e problematizar a prá-tica pedagógica, em grupos, descrever como ela é e não como deveria ser. A partir dessa caracterização da prática dos participantes, procura-se descrever em termos de totalidade. A prática é uma síntese de múltiplas determinações.

O segundo é o momento da análise. Consiste no debate, na discussão e na procura no referencial teórico de indicativos que contribuam para o processo de explicitação daquela prática. Os professores, eles mesmos, coletivamente, procuram compreender os determinantes da prática.

No terceiro momento a busca dos determinantes acentua-se. Os pro-fessores constroem a contextualização histórica, social e política e, a partir dessa explicitação, apontam indicativos para propor alternativas àquela práti-ca. Nesse processo, a contribuição de um professor-coordenador pode ajudar

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na sistematização dos momentos e na indicação de referências, mas ele não aponta alternativas e explicações. É mediador do processo, propicia condições para o debate. Trata-se de um processo coletivo de análise crítica da prática, com vistas à teoria, a partir da explicitação da prática (MARTINS, 1993).

Essas pesquisas indicam que a sistematização programada, contínua e coletiva, na perspectiva de comprometimento institucional e com a intervenção de programas de pesquisa do tipo pesquisa-ação, proporciona maior envolvi-mento e possibilidade de indicações de alternativas para a melhoria da prática pedagógica do que os processos individualizados, ainda que esses processos individualizados resultem em produções teóricas.

Implicações dos processos reflexivos na prática docenteAs observações de Souza (2005) e Pimenta (2005) indicam a pouca sis-

tematização realizada pelos professores nas reflexões espontâneas e individuali-zadas, embora constituam um processo que contribui na prática docente.

Sobre esse modo de pensar reflexivo, Dewey (1959, p. 13) refere-se como “a espécie de pensamento que consiste em examinar mentalmente o assunto e dar-lhe considerações séria e consecutiva”.

Segundo esse autor, durante todo o dia, mesmo dormindo, pensamos, mas de modo desordenado. São idéias que nos passam pela cabeça caotica-mente, são imagens e recordações soltas e mesmo idealizações e crenças. Quando efetivamente realizamos a reflexão, há um encadeamento lógico e objetivo entre as idéias, em que elevamos à consciência as experiências e crenças para examiná-las. Uma idéia é encadeada em outra e fazem sentido entre si, além da busca de explicação dos motivos e bases que lhes originam. Esse modo de pensar, que advém da observação e percepção de um fato, constituindo-se em operações, “é problematizado a partir de duas situações: a primeira é um estado de dúvida, de perplexidade, impondo uma solução; a segunda é um estado de procura, investigação, que esclareça a perplexidade” (LIMA, 2000, p. 73).

Segundo Martins (1998), o método de Dewey fundamenta-se em cinco momentos: a) uma necessidade sentida definida num problema; b) a análise desse problema; c) a verificação das alternativas de solução; d) a realização da experimentação para exame do problema; e) a sistematização desses re-sultados de modo científico. A experiência vivenciada é o ponto de partida e ao mesmo tempo a possibilidade de reelaboração.3

Na realização dos processos reflexivos ocorre o desenvolvimento de habilidades empíricas, analíticas, estratégicas e avaliativas. As empíricas con-sistem na capacidade de diagnosticar e registrar dados, para posterior análise. Esses dados constituem fatos básicos, experiências, descrições das medidas e

3 Aprofundamento a respeito de implicações críticas a esse processo podem ser consultadas em Lima (2000).

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atitudes empregadas durante as aulas. As habilidades estratégicas implicam agir de acordo com a situação, pensar durante e sobre a ação. Nesse caso, o professor, ao verificar que uma atividade proposta aos alunos não está sendo realizada corretamente, imediatamente precisa realizar os ajustes necessários. As habilidades analíticas são as direcionadas, com capacidade de relacionar a prática e a teoria já existente, inferindo explicações possíveis aos meios utilizados com os fins pretendidos. Trata-se de esforço para examinar e categorizar os dados levantados para inferir as explicações possíveis e a elaboração da teoria a partir da prática. As habilidades avaliativas direcionam a elaboração de julgamentos da importância dos resultados obtidos concomitantes ao processo de análise.

Cabe destacar que os processos reflexivos exigem atitudes e disposição. Entre as atitudes identificadas por diversos autores estão: mentalidade aber-ta, responsabilidade e entusiasmo. Nesse modelo a prática é o eixo central, o ponto de partida da reflexão. A clássica separação entre teoria e prática é substituída por uma relação permanente entre elas.

Segundo Libâneo (2002), as formas de reflexão podem ser por:

1. Introspecção, que é interiorizada e realizada por meio de análises de biografias da vida de professores, em que cada professor reflete sobre sua história de vida, sua profissão e sua prática. Os diários de classe podem ser utilizados como material de reflexão.

2. Exame realizado após a ação docente, em que o professor examina sua ação prática individualmente ou em grupo; cada professor relata sua prática, seus diários e gravações das aulas para serem discutidos.

3. Indagação, que procura desvendar as situações que não podem ser inferidas pelo relato das ações. Nesse caso as aulas podem ser gravadas em vídeo, ou outro professor assiste às aulas e registra as situações para depois serem analisadas.

4. Processo crítico coletivo de explicitação e proposição de alternativas para a prática, a partir de uma rigorosa análise de seus determinantes.

Cabe ainda, destacar que as tendências dos processos reflexivos incorpo-ram a perspectiva crítica, entendendo os professores como intelectuais críticos, pesquisadores. A crítica inclui a compreensão da educação em seu contexto amplo e incorpora uma reflexibilidade de cunho político em oposição às posturas neo-liberais. A concepção crítica pressupõe o desenvolvimento de uma reflexão que realiza o distanciamento da prática para vê-la, entendê-la, avaliá-la, explicitá-la em seus determinantes sociohistóricos, em oposição à concepção neoliberal, que se direciona para uma racionalidade instrumental. A perspectiva crítica entende a atividade como necessidade de sobrevivência, de reação, de resistência. O professor em sala de aula necessariamente terá uma ação — a consciência sobre essa ação é que a qualifica para além dela — que permite perceber seu signifi-cado, no conjunto das relações sociais.

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ReferênciasDEWEY, J. Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.

LIBÂNEO, J. C. Reflexibilidade e formação de professores: outra oscilação do pensamento pedagógico brasileiro? In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002.

LIMA, M. A. C. Escola nova, pragmatismo deweyano e formação de professores: algumas (des)considerações. In: Diálogo educacional. Curitiba: PUC—PR, v. 4. n. 10, set./dez. 2000.

MARTINS, P. L. O. Didática: um aprendizado crítico dentro da própria prática. In: Revista Ande, v. 12, n. 19, 1993.

______. A didática e as contradições da prática. Campinas: Papirus, 1998.

PIMENTA, S. G. Pesquisa-ação crítico colaborativa: construindo seu significado a partir de experiências com a formação docente. In: Educação e pesquisa. São Paulo: USP, v. 31, n. 3, set./dez. 2005.

ROMANOWSKI, J. P.; WACHOWICZ, L. A.; MARTINS, P. L. O. As preocupa-ções dos professores do ensino fundamental sobre o seu trabalho. In: Anais Congresso Internacional Educação e Trabalho. Portugal, Universidade de Aveiro, 2005.

SOUZA, G. M. R. de; Professor reflexivo no ensino superior: intervenção na prática pedagógica. 2005. 148 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Pon-tifícia Universidade Católica do Paraná.

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Projetos, Currículo e Aprendizagem na Educação Básica e Superior1

Marcos Cordiolli2

1 Parte deste ensaio foi apresentado no III Seminário Internacional de Educação — 2002, nas edições de São Pau-lo, Belo Horizonte e Uberlândia. A versão deste ensaio, publicada anteriormente, foi dedicada a Vivian e Viviane Barletta e Andréia Bini; e às alunas do terceiro ano de Pedagogia do UnicenP (Curitiba, PR), em 2002. De todas vale a lembrança e apreço pela forma como interagiram e se dispuseram a buscar, com autonomia, os caminhos do conhecimento, numa bela demonstração de que uma outra educação é possível.2 Mestre em Educação (PUC-SP) e graduado em História (UFPR); professor da graduação do curso de Pedagogia (UniBrasil).

O educando que exercita sua liberdade ficará tão mais livre quanto mais eticamente vá assumindo a responsabilidade de suas ações. Sua autonomia se funda na responsabilidade que vai sendo assumida.

Paulo Freire

A cultura é uma noite escura em que dormem as revoluções de há pouco, invisíveis, encerradas nas práticas, mas pirilampos, e por vezes grandes pássaros noturnos, atravessam-na, aparecimentos e criações que delineiam a chance de um outro dia.

Michel de Certeau

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A educação brasileira vive importante fase de busca de caminhos al-ternativos. Um sem-número de possibilidades para organização curricular do trabalho pedagógico é apresentada, debatida e experimentada em situações distintas, em diversas instituições escolares de todas as partes do Brasil. A organização do trabalho pedagógico na forma de projetos é uma dessas pos-sibilidades, mas está entre aquelas mais enfatizadas e admiradas pelos edu-cadores. Neste ensaio, tentei sistematizar algumas experiências que conheci, acompanhei e que apresento em forma de teoria — que não pretendo absolu-ta, nem tampouco excludente ou contraposta à de outros autores. Espero con-tribuir na busca de respostas a necessidades pedagógicas que se apresentam no cotidiano das instituições escolares.

Inicialmente procurei recuperar, brevemente, a concepção da proposição de projetos como forma de organização do trabalho pedagógico e apresentar algumas das principais vertentes da educação brasileira contemporânea. Num segundo momento me dispus a examinar práticas de projetos que tenho visto nas instituições escolares. Num terceiro momento busco elementos que seriam referências para definição de projeto como uma das formas de organização do trabalho pedagógico. Por último procurei teorizar sobre o impacto dos projetos na forma de organizar o currículo e os conteúdos nas instituições escolares. Não pretendo em hipótese alguma constituir tribunal para qualificar projetos ou determinar aqueles que seriam ou não dignos dessa nomenclatura, mas considerar elementos que proporcionem práticas de aprendizagem, (a) funda-das na colaboratividade e compartilhamento; (b) problematizadas a partir das demandas dos estudantes e suas comunidades; (c) organizadas como trabalho coletivo que possam superar as fragmentações dos saberes e dos processos de constituição do conhecimento, seja na forma de disciplinas, de séries ou de pré-requisitos; e (d) propiciar situações para a formação do caráter em proces-so de interação. Esses elementos, acredito, são fundamentais para constituir a educação na qual os estudantes sejam efetivamente sujeitos, em instituições escolares que respeitem sua condição de criança, adolescente, jovens e adul-tos, permitindo-lhes a realização de experiências humanistas e democráticas no sentido da constituição da autonomia.

...

Projeto, na tradição pedagógica, revestiu-se do sentido de desenvolvi-mento de processos envolvendo várias pessoas, desdobrando-se em diversas etapas e requerendo momentos de planejamento e avaliação3. As teorias da administração têm desenvolvido metodologias e ferramentas de projetos para aplicação em gestão empresarial, enquanto instituições escolares empreendem

3 Talvez a melhor definição seja a de Lück (2003) que associa projeto com planejamento-ação, para situações que demandem “(...) um processo de análise, decisão e planejamento ágil e versátil, que possibilite concentrar e cana-lizar esforços, apropriar e disponibilizar recursos adequados, objetivar e clarificar idéias e propósitos, direcionar e concentrar energia, a partir de uma compreensão clara e objetiva da situação, do seu contexto e do que se pretende, associada ao processo de tomada de decisão e visão de empreendimento orientador da ação” (p. 10).

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esforços para construir projetos educacionais4, nos quais consigam expressar sua identidade pedagógica e orientar a ação coletiva dos diversos agentes en-volvidos no processo escolar. A referência mais corrente ao termo projeto é o da palavra latina projectu, uma das conjugações do verbo projicere, com o sentido de atirar-se para frente5, reforçando, portanto, a idéia de ação, de desenvolvi-mento e de processo.

Os esforços para alterar as formas tradicionais de organização curricular e do trabalho pedagógico, que tradicionalmente está centrado no professor e na forma expositiva de conteúdos, fomentaram a idéia de associar projetos aos processos de ensino e aprendizagem, gestando as práticas pedagógicas nomeadas genericamente de “projetos de trabalho”, “trabalho por projetos”, “metodologia de projetos”, “projetos de ensino-aprendizagem” e “pedagogia de projetos”. Projetos, embora com experiências tão amplas e diversificadas, é uma das escolhas num campo mais amplo que incluiria, entre outras, os temas geradores; ações inter, trans e multidisciplinares; práticas contextualizadoras; construções de núcleos de complexidade; desenvolvimento de competência; elaboração de mapas conceituais. O trabalho em sala de aula pode ser organi-zado por uma dessas formas e pela combinação de duas ou mais delas (Cor-diolli, 2002). Portanto vamos tomar, no presente ensaio, projetos como uma das formas de organização do trabalho pedagógico.

1. Situando a problemática

Os projetos, como forma de organização do trabalho pedagógico, têm longa trajetória na tradição pedagógica, tendo as primeiras elaborações ocor-rido ainda no final do século XIX e encontrado expressão mais elaborada na obra do educador John Dewey, na década de 1920. No Brasil, os projetos foram propostos na década de 1930 por Lourenço Filho6 e Anísio Teixeira, importantes interlocutores de Dewey no país.

Apesar de, a cada década, novos autores retomarem os projetos e acres-centarem novas e importantes contribuições, no Brasil, no entanto, apesar de importantes e variadas experiências, o debate em torno do tema é precário e, por vezes, tratado como novidade.

Esse tema foi reintroduzido no debate pedagógico brasileiro na década de 1990, incluindo-se entre as vertentes principais de modelos de organização curricular e do trabalho pedagógico que, então, questionavam o modelo dire-tivista7 da educação brasileira. Na prática, não se constituiu numa “pedagogia 4 Geralmente denominados de projetos políticos pedagógicos.5 Almeida afirma que “(...) projeto, quando desenvolvido para além da fase do plano” não seria uma formulação ade-quada para o vocábulo em português, mas realizada em função da transposição de project do inglês (Ver: ALMEIDA, Napoleão Mendes. Dicionário de questões de vernácula. 3 ed. São Paulo: Ática, 1996. p. 443).6 Ver, em particular, o capítulo sobre projetos em Lourenço Filho (1952).7 Por modelo diretivista estamos compreendendo a forma de organização curricular e do trabalho pedagógico na qual a seleção de conteúdos, os procedimentos didáticos e de avaliação são elaborados previamente à realização das aulas, cabendo ao professor/a conduzir os ritmos, processos e seleção de tema das aulas.

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de projeto”, mas se instituiu como uma das formas de organização do trabalho pedagógico, sendo incorporado por diferentes concepções pedagógicas — des-de aquelas fundadas num individualismo meritocrático8, por construtivismos vários, passando seguramente por todos aqueles que desejavam que a educa-ção se deslocasse do foco do ensino para o da aprendizagem e, em particular, daqueles que desejavam que o educando se colocasse na condição de protago-nista de seu processo de constituição do conhecimento.

No Brasil, algumas vertentes construtivistas e sociointeracionistas, pro-curando caminhos para que os educandos assumissem postura mais ativa na constituição do conhecimento, adotaram, em alguma medida, formas de pro-jetos que alteravam o ordenamento prévio de conteúdos e respeitavam ritmos distintos de aprendizagem. A pedagogia freiriana, nesse mesmo período, am-pliou seu espaço na educação escolar, em particular com a implementação de temas geradores, o que impulsionou diversas experiências com a organização do trabalho pedagógico na forma de projetos9. Também nesse mesmo proces-so, diversas administrações populares implementaram as propostas de ciclos de formação em redes municipais de ensino, num movimento conhecido como Escola Cidadã, com a redefinição dos marcos pedagógicos da escola pública, e em diversas dessas administrações também houve a implementação de expe-riências pedagógicas orientadas por projetos.

É importante constatar a presença, no Brasil, de importantes experiên-cias do método denominado Problem Based Learning (PBL), também conhecido por Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), principalmente na educação superior. Nesse método, as propostas curriculares são organizadas a partir de linha articuladora de módulos temáticos que se desdobram em problemas a serem examinados, pesquisados e resolvidos pelos alunos em grupos e sob tutoria dos professores. No PBL/ABP compete ao aluno organizar o seu tempo, desenvolver métodos próprios de estudo e empreender esforço nas situações de aprendizagem e de busca de informações.

Por último, ainda é importante constatar que as propostas de utilização das mídias interativas assim como as práticas de Educação a Distância (EaD) criaram entrelaçamento de metodologias de aprendizagem colaborativas, ge-ralmente com a organização do trabalho pedagógico por meio de projetos.

Dentre as referências teóricas, seguramente a principal fonte de consulta sobre o tema nas escolas de educação básica foi a obra de Fernando Hernandez que tem a produção teórica inspirada em experiências escolares da Espanha.

8 São denominados de pedagogia ou concepção meritocrática aquelas que acreditam que o sucesso na aprendizagem depende exclusivamente dos esforços do educando, sendo que a promoção seria resultado de seus méritos.9 Um importante marco deste processo é a obra “Contribuições da interdisciplinaridade para a ciência, a escola e o movimento sindical” (Nogueira, 1995).

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2. O modelo pedagógico brasileiro e os projetos

O modelo pedagógico brasileiro está organizado para o atendimento-padrão de grupos numerosos e heterogêneos de estudantes, pois é possível: (a) unificar e homogeneizar as práticas educativas e os materiais escolares; (b) uniformizar a linguagem escolar; (c) ordenar as seqüências de conteú-dos; e (d) padronizar os instrumentos de avaliação, promoção e certificação de estudantes (Sampaio, 1997, cf. p. 63). A lógica desse formato pedagógico é articulada pela proposta curricular baseada na segmentação das disciplinas, dos processos de ensino e modelação das práticas escolares dos estudantes, regulando os padrões de conduta, linguagem e pensamento. As mudanças na sociedade e na cultura humana fizeram com que os resultados pedagógicos desse modelo fossem cada vez mais reduzidos e questionáveis, mas ele con-tinuou a ser reproduzido nas instituições escolares por tradição. Atualmente, poucas propostas curriculares justificam com fundamentos claros e objetivos o ordenamento dos conteúdos e as formas de avaliar a aquisição destes pelos estudantes10.

A forma expositiva parece ainda ser predominante entre os educadores, principalmente a partir do quinto ano do Ensino Fundamental. Apesar de muito criticada pelos educadores, essa forma é mantida, geralmente sob alegações: (a) do suposto baixo comprometimento dos educandos com a aprendizagem; (b) das turmas numerosas; e (c) da extensão da jornada de trabalho dos educadores, que reduzem o tempo de preparação e avaliação de atividades diversificadas. As aulas, portanto, são preparadas e ministradas para educan-dos abstratos e padronizados, formuladas num discurso único e homogêneo, estabelecendo a dissociação entre ensino e aprendizagem, num processo em que o educador, supostamente, exerce sua tarefa de ensino e em que caberia ao educando a responsabilidade e os esforços para a aprendizagem...

No modelo pedagógico denominado tradicional, encontramos, no en-tanto, experiências e proposições da organização do trabalho pedagógico na forma de projetos, que se constituem num conjunto de atividades planejadas minuciosamente e a priori. Portanto projeto, nessa concepção, seria o processo organizado a partir de objetivos e temas prefixados, que se desdobrariam em atividades, previamente justificadas e preparadas com a diversidade de tecno-logias e recursos didáticos necessários e, geralmente, ordenadas em cronogra-mas fixos. A ênfase, portanto, está no planejamento prévio da organização do trabalho pedagógico, sendo que a rigor não se constatam grandes mudanças nos processos de ensino e aprendizagem, mas apenas na forma de planejá-los e executá-los.

Uma parte das proposições desse modelo pedagógico incorporou di-versos aspectos das teorias empresariais de Gestão por Projetos, que, numa

10 Argumentos como os de “ordem natural dos conteúdos” ou “da forma como está presente na maioria dos materiais escolares” são freqüentemente manifestos por educadores/as que defendem e praticam esse modelo pedagógico.

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visão matricial, define os objetivos e, a partir destes, determina as pessoas responsáveis e os recursos necessários para executar as tarefas. A forma de organização é semelhante à dos cases — ferramentas utilizadas nos programas de gestão de recursos humanos e qualidade no mundo do trabalho11. Essas tendências, no entanto, efetivamente mantêm o modelo pedagógico mesmo com a inclusão de dispositivos pedagógicos diversificados.

Há, porém, outro bloco de tendências pedagógicas, das quais trata o pre-sente, constituído pelas proposições de educadores que procuram: (a) romper com a linearidade de planejamento e desenvolvimento de conteúdos, comu-mente definidos a priori; (b) buscar a superação da fragmentação de saberes em disciplinas, da formação atomizada de professores e das grades temporais fixas (de aulas semanais, avaliações bimestrais ou trimestrais e sistemas de promoção anuais); (c) contextualizar, problematizar e criticar efetivamente os temas em estudo; (d) desenvolver instrumentos de avaliação processuais e su-perar as ferramentas tradicionais de avaliação centrados apenas em resultados do ensino; (e) promover situações de aprendizagem interativas, contrapondo-as à hegemonia das formas expositivas de saberes nas aulas; (f) conquistar o envolvimento efetivo dos educandos no processo pedagógico e na constituição de aprendizagens significativas, como alternativa ao modelo enciclopedista de aquisição passiva de saberes (formalizados em informações e conceitos) e procedimentos isolados e sem vínculo concreto com as práticas culturais dos estudantes; (g) estimular procedimentos de pesquisa como forma de superar o uso passivo da tecnologia da informação e a oferta reduzida de materiais pedagógicos flexíveis e interativos; (h) “desformalizar” e desburocratizar os procedimentos pedagógicos e administrativos das instituições escolares. En-fim, procuram a superação da pedagogia decorrente do modelo fordista de organização do trabalho e da produção capitalista de mercadorias e serviços.

Estas proposições também levam a constatar que os objetivos da ativi-dade escolar, em suas diversas formas, não podem ser reduzidos a conteúdos e métodos a serem apreendidos pelos educandos, mas, como aponta Giroux, expressam o processo de introdução de determinado modo de vida (Moreira, 1995). Para Silva (1995), as instituições escolares funcionam para “(...) orga-nizar as experiências de conhecimento de crianças e jovens, com o objetivo de produzir determinada identidade” (Silva, 1995, p. 184).

Podemos ainda constatar que

(...) as narrativas contidas no currículo corporificam noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os dife-rentes grupos sociais, explícita ou implicitamente. Elas dizem qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quais formas de conhecer são válidas e quais não o

11 As proposições desses projetos ganharam um novo impulso a partir da década de 1980 por influência da adoção das “técnicas e metodologia de gestão por projetos” adotadas nas empresas, que derivam das concepções de admi-nistração da Escola de Relações Humanas (Vermelho, 1998) integrada ao modelo de regulação capitalista conhecido como Toyotismo ou ainda como Empresa Integrada e Flexível (Harvey, 1985).

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são, o que é certo e o que é errado, o que é moral e o que é imoral, o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não o são (Silva, 1995, p. 4).

Assim, o conteúdo dos currículos e do trabalho pedagógico envolve os bens culturais da humanidade, forma saberes (entre estes os acadêmicos e os populares) e trata das diversas manifestações de arte, valores, padrões de con-duta e experiência de sentimentos. A escola, no entanto, reconhece oficialmen-te como conteúdo apenas o que está inscrito no currículo oficial (aquele que é formalizado e por isso denominado, também, de currículo legal ou explícito). O currículo em ação reúne todas as práticas e ocorrências pedagógicas, com as tentativas, os sucessos e os erros nos processos de aplicação do currículo formal. No cotidiano escolar, é fácil constatar a existência de currículos ocultos compostos por conteúdos incluídos pelo professor por sua própria conta, às vezes até de forma clandestina, omitindo-os dos registros escolares. Incluem-se aqui, também, as experiências vividas no espaço da escola pelo aluno, que implicam a regulação de comportamento e promoção de capacidades (Forquin, 1993). Também podem ser identificados currículos invisíveis, compostos por práticas culturais na escola, mas que não são explícitos nem aos olhos dos pró-prios professores (Moura, 2003), como aquelas de ressignificação de valores, referendando ou deslegitimando determinadas condutas (como, por exemplo, o reforço de condutas racistas, sexistas, elitistas, etc.; a domesticação de emo-ções, a sublimação de desejos, a regulação das situações e as possibilidades de afeto). Essas diferentes dimensões comporiam o currículo concreto, resultante de diferentes formas de planejamento e organização do trabalho pedagógico.

Essas proposições implicam superar, pelo menos, duas tradições impor-tantes na educação brasileira: (a) a da linearidade na forma de expor temas de estudo, sistemas de conceitos e domínio de procedimentos e (b) do caráter eminentemente expositivo de conteúdos pelos educadores e/ou materiais di-dáticos. E compreender as práticas pedagógicas como processos de aprendi-zagem e de interação formativa entre professores e alunos e de alunos com alunos, que visam tanto ao aprimoramento intelectual, como à formação do caráter e à experiência de sentimentos dos e pelos educandos no espaço esco-lar (Cordiolli, 2001b).

Os meios, as condições, as ferramentas e os instrumentos pedagógicos podem ser e o são configurados de maneiras distintas nas diferentes expe-riências de organização do trabalho pedagógico na forma de projetos. Mas, a principal busca (e conquista) parece ser a constituição de formas de lidar efetivamente com a diversidade cultural, de estágios diferenciados de domí-nio de saberes, com distintos interesses, necessidades, ritmos e processos de aprendizagem. Isso implica na alteração da relação entre educadores e educandos, para que estes ocupem a posição de protagonistas dos processos de aprendizagem e o educador a de organizador de situações pedagógicas nas quais ocorram esses processos.

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3. Os projetos mobilizadores e compartilhadosPodemos agrupar os projetos como forma de organizar o trabalho peda-

gógico em dois tipos básicos: os mobilizadores e os compartilhados. Os proje-tos mobilizadores, aqui definidos como sendo aqueles cujos temas e objetivos são propostos pela instituição escolar e/ou educador e implementados em con-junto com os educandos. Esses tipos de projeto são denominados projetos de ensino por Hernandez (1998).

O segundo grupo, denominado de projetos compartilhados, porque seus processos devem ser construídos a partir de problemáticas e questões apre-sentadas pelos estudantes e mediadas pela instituição escolar — educador. A esses Hernandez (1998) propõe a denominação projetos de aprendizagem.

Os projetos mais eficazes na perspectiva da aprendizagem, na opinião de Hernandez (com a qual concordo), seriam os compartilhados, mas, creio ser importante reconhecer que a implementação dessa forma de organização do tra-balho pedagógico — tanto por parte de educadores como de educandos12 — re-quer o aprendizado coletivo, assim como romper com elementos da cultura escolar que depõem contra essa proposição. Penso que os projetos devem ser experienciados por educadores e educandos, buscando mensurar adequada-mente suas necessidades, constituindo assim as mediações necessárias no ritmo possível e nas condições concretas. Também é importante reconhecer a necessidade de educadores poderem efetivar projetos em parte — e não na totalidade — de seus cursos, utilizando-os, portanto, como recurso didático. Assim como é possível optar por projetos mobilizadores e compartilhados para momentos e temas diferentes do mesmo processo de aprendizagem.

Nessa perspectiva, proponho que os projetos sejam tomados como pos-sibilidade, e não como imposição, podendo ser desenvolvidos com combina-ções variadas para atender às necessidades dos estudantes e dos educadores, assim como para possibilitar diferentes articulações com os temas geradores, práticas de inter, trans e multidisciplinaridade e estabelecer procedimentos de problematização e contextualização.

Os projetos podem ser variados e implementados em toda a educação básica e superior. Por exemplo, uma instituição escolar com oferta de Educação Infantil ao Ensino Médio pode estar desenvolvendo um projeto com todos os alu-nos, sob o tema reciclagem e aproveitamento adequado de papel, no qual cada turma ocuparia um espaço de tempo mensal para a realização de tarefas especí-ficas a elas delegadas. Em outros projetos simultâneos, as turmas de Educação Infantil poderiam ser chamadas a organizar uma horta comunitária, utilizada para realizar estudos sobre plantas; nos anos iniciais do Ensino Fundamental (1a a 4a séries ou 1o e 2o ciclos) se poderia examinar o consumo de gêneros alimentícios industrializados e sua implicação sobre a saúde humana; nos anos finais do

12 E mesmo alteração nas formas de regulação educacional, assim como reconhecimento e legitimação desta forma de organização curricular e do trabalho pedagógico pela sociedade e pelos pais em particular.

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Ensino Fundamental (5a a 8a série ou 3o e 4o ciclos), outro projeto poderia ser organizado com temas ligados à sexualidade; no Ensino Médio, pode-se cons-tituir um projeto para problematizar as relações entre profissão e mercado de trabalho. Assim, diferentes projetos com objetivos distintos poderiam coexistir no mesmo período, articulando interesses e temáticas variadas.

Essas iniciativas podem ser simultâneas a outros projetos decorrentes das necessidades de aprendizagem de cada disciplina ou turma. Assim, as turmas do primeiro ano do Ensino Médio poderiam estudar as diferentes for-mas de cálculos do sistema de crédito; as turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental podem desenvolver projetos utilizando jogos para aprendizagem da geometria. O professor de Ciências do sétimo ano do Ensino Fundamental poderia propor a identificação de elementos químicos em rochas e plantas, re-colhidos no espaço físico da instituição escolar ou do bairro. Enfim, os temas de projetos podem ser amplos e variados, ser realizados por uma ou mais turmas e, ainda, contar com a contribuição de um ou mais educadores, adotar temas do currículo formal ou de fora dele. Vários projetos podem estar intercalados, envolvendo uma ou mais turmas, integrando diversas disciplinas, envolvendo diferentes professores. São muitas as possibilidades de organização de proje-tos e maiores ainda as combinações entre eles.

Seria possível transpor esse modelo, resguardando as devidas propor-ções para a educação superior; por exemplo, podendo implementar projetos em educação ambiental e desenvolvimento de procedimentos acadêmicos para todos os estudantes da instituição, combinados a projetos por setores, cursos e turmas. Os projetos relacionados, neste exemplo, promovem tanto processos de aprendizagem como de formação interativa, respeitando questões próprias às respectivas faixas etárias e/ou aos cursos da educação superior.

4. Elementos para uma identidade dos projetos A identificação de alguns elementos e fundamentos para a definição de

um campo dos projetos na organização do trabalho pedagógico é importante para a construção da identidade desse procedimento didático. As duas defi-nições primeiras seriam as de que projetos (a) não se manifestam apenas no planejamento detalhado de aulas e (b) nem tampouco numa seqüência de conteúdo previamente ordenada. Para definir o campo de projetos estamos propondo os seguintes eixos: (a) compartilhamento; (b) ação coletiva e prá-ticas colaborativas; (c) aprendizagem com pesquisa e diversidade de fontes; (d) produção de sínteses distintas: a forma, a linguagem e o conteúdo da produção docente; e (e) a socialização dos resultados com retorno à comu-nidade. Esses eixos correspondem a uma estrutura básica para a realização de projetos que, dentre as várias vertentes, recomendamos a proposição de Vasconcelos13 (2002): “definição do(s) tema(s)-problema, constituição dos

13 Para um aprofundamento desta estrutura recomendamos a leitura de Vasconcelos (2001).

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grupos de trabalho, planejamento do trabalho, trabalho de campo, pesquisa e teorização, produção de registros, apresentação, globalização e avaliação” (Vasconcelos, 2002, p. 161).

4.1. O compartilhamento

O compartilhar se constitui no conjunto de práticas de planejamento, ações e decisões coletivas, que implicam processo de interação com responsa-bilidade e companheirismo, de maneira que os envolvidos se sintam parte do todo, possuam identidade com o coletivo e com o processo.

Nesse sentido, o compartilhamento significa o envolvimento dos edu-candos com os processos de organização das atividades pedagógicas, que se justificam pelas descobertas peculiares (Hernandez, 1998), únicas e pessoais, estabelecendo dinâmicas de tempo próprias e processos adequados para cada situação de aprendizagem. Desse modo, seria possível organizar as ativida-des escolares a partir de questões e problemáticas formuladas pelos próprios educandos, que constituiriam espaços de aprendizagem mais significativa e socialmente mais importante. O trabalho compartilhado possibilita o estabele-cimento de relações entre educadores e estudantes, o que permite reorientar os projetos em seu fazer-se, podendo alterar suas atividades, sua orientação e mesmo sua programação. Assim, compartilhar é também promover a gestão coletiva dos processos de aprendizagem.

Nessa perspectiva, por exemplo, o objetivo de projeto, inicialmente centrado no funcionamento do aparelho digestivo, pode ser deslocado para o consumo de produtos saudáveis, caso isso capitalize mais o interesse dos alu-nos. A programação inicial para três meses pode ser ampliada, caso a turma mantenha a empolgação e o interesse, podendo, por outro lado, ser o tempo reduzido e até abortado, caso ocorra a produção significativa do envolvimen-to antes do prazo prefixado para a sua realização. Um outro projeto, como a previsão inicial de elaboração de um jornal para a instituição escolar, pode ser convertido em site da internet ou vice-versa. Portanto, temas e atividades po-dem ser reorientados durante os processos de desenvolvimento dos projetos, para atender aos interesses e às necessidades dos alunos.

Uma instituição escolar adotou o tema Olimpíadas de Sidney que, evi-dentemente, foi escolhido em função da grande pressão da mídia, particular-mente a televisiva. Os estudantes (e, creio, os educadores também) “embar-caram na onda”, mas com os resultados negativos dos atletas brasileiros na competição, os alunos começaram a se desmotivar, mas os educadores se sentiam obrigados a continuar “carregando aquele cadáver”. Muito transtorno poderia ter sido evitado, caso os educadores discutissem abertamente a situa-ção do projeto com os educandos. Isso poderia inclusive servir para determinar melhor os critérios de escolha de novos temas.

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Um curso de Ciências Contábeis implementou diversos projetos a partir do tema Ponto de equilíbrio entre receitas e despesas, mas saturou os edu-candos que, depois de certo tempo, não agüentavam mais tocar no tema. Em-bora os educadores considerassem o tema como importante, era necessária a percepção de que há momentos de interesse e empolgação assim como os de refluxo e esgotamento.

4.2. A ação coletiva e as práticas colaborativas

A ação coletiva com práticas colaborativas parece ser questão central na organização do trabalho pedagógico na forma de projetos, mas não aquela atividade em que a turma se divide em equipes, o educador determina tare-fas para cada grupo, as quais são fatiadas entre os membros da equipe para depois ser costuradas sem integração ou interação14. Não é a essas atividades coletivas que nos referimos, mas a outra forma, na qual os grupos sejam orga-nizados, considerando pelo menos as possibilidades que se seguem.

Na primeira, consideram-se para a formação dos grupos os educandos com potencialidades e dificuldades distintas, quanto a procedimentos escolares e domínio de saberes; nesse caso, a ação colaborativa permite o processo de aprendizagem em grupo. Um estudante, por exemplo, que possua boa capa-cidade de exposição oral, mas cuja produção de escrita seja insuficiente, pode aprender com os colegas ao presenciar o tratamento escrito coletivo resultante da sua verbalização sobre o tema. Também é possível que o estudante com dificuldade em expor idéias na forma oral possa verificar suas limitações (e perceber a possibilidade de superá-las) ao redigir as falas de colegas. Assim, alunos com domínio de procedimentos distintos ou saberes diferentes podem se ensinar e aprender mutuamente.

Numa segunda, as equipes podem reunir os estudantes com potencia-lidades e dificuldades semelhantes. Por exemplo, educandos tímidos ou com dificuldades em exposição oral podem ser reunidos numa mesma equipe para que colaborativamente se disponham a buscar soluções possíveis, a partir da convergência do que cada aluno já sabe (ou consegue fazer) e do esforço co-letivo para superar as necessidades. Pois não há ninguém que não saiba nada, mas, sim, há aqueles que sabem menos e os que sabem pouco; ainda assim, todos eles sabem algo de forma diferente. Reunindo o conhecimento específico de cada estudante, somando-os ao esforço colaborativo, o grupo saberá en-contrar caminhos e com isso realizar processos efetivos de aprendizagem sobre os temas em estudo.

Numa terceira, as equipes podem reunir alunos que desejam investigar a mesma abordagem ou trabalhar com as mesmas fontes, em relação ao tema

14 Um caso comum é do estudo de um texto, que geralmente é dividido e os/as alunos/as não lêem os trechos anteriores ou posteriores à parte que lhes cabe, mesmo que iniciem com uma separação de sílaba... É a chamada pedagogia Frankstein, do recorte e cola, do corte e costura, do recolhe e junta, no qual a soma das partes não produz uma síntese e, às vezes, nem sentido.

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investigado. Nesta situação, alunos que pertencem a diferentes grupos de re-lacionamento interno, nos quais se dividem as turmas escolares, podem vir a se interessar pelos mesmos temas, trazendo as contribuições de seus saberes peculiares e visões particulares de mundo.

As práticas escolares atuais, geralmente restringem as atividades coleti-vas, minimizando-as como processos avaliativos, com medo de que “uns sejam levados nas costas por outros”, pois “um estudante que não participou de ma-neira adequada do grupo recebe a mesma nota”. O educador ou instituição es-colar que se recuse ou limite as atividades coletivas, temendo perder o controle e os mecanismos de vigilância sobre os educandos, repete os pressupostos da pedagogia tradicional e conservadora fundada em princípios (a) meritocráti-cos, em que apenas os supostamente bons, eficientes e esforçados deveriam chegar ao final dos cursos; (b) individualistas, pois dificultam a aprendizagem coletiva, mantendo os pressupostos de que cada aluno seria responsável por si e, por conseqüência, não construiria princípios de responsabilidade e coopera-ção coletivas; e (c) concorrencialistas, pois estimulam, mesmo indiretamente, que educandos se comparem e se posicionem diante do olhar do educador-avaliador, através de processos classificatórios que hierarquizam as turmas em função dos resultados de ensino e não dos processos de aprendizagem.

Nessas atividades, os educandos têm a possibilidade de redefinir o pa-drão de relacionamento entre eles; de trabalhar em equipe; de organizar pro-cessos de estudo, de pesquisa, de reflexão e de produção coletiva. Os temas de estudo podem propiciar tanto o desenvolvimento de procedimentos tecnoló-gicos como metodológicos. Também constituem espaços formativos de valores e condutas, como os de respeito mútuo, solidariedade, de diálogo, de justiça e de experiência: as de emoções, como as frustrações, de conquistas, de desejos e de afetos (Cordiolli, 2001 e 2001 b).

Pode-se possibilitar aos educandos, ao vivenciarem experiências de so-cialização e interação, no contexto da relação individualidade-coletividade, se reconhecerem como sujeitos de processos coletivos. Os estudantes precisam de oportunidades, pedagogicamente organizadas, para constituir sua autono-mia, para assumir suas responsabilidades e se posicionar perante o coletivo. Assim, “(...) o educando que exercita sua liberdade ficará tão mais livre quanto mais eticamente vá assumindo a responsabilidade de suas ações. Sua autono-mia se funda na responsabilidade que vai sendo assumida” (Freire,1996, p. 13). Há várias teorias que fundamentam a ação pedagógica de trabalho coletivo, como as das assembléias de turma (ver Aquino, 2003) e comunidade de inves-tigação (Sharp & Splitter, 1999).

Ferraz, no relato de uma experiência no Ensino Médio, observou que

a falta de organização e de responsabilidade para com os trabalhos escolares é geral, ocorrendo em todas as disciplinas. Por isso, a mudança de comportamento

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dos alunos, ao longo de três anos de aplicação do Projeto Ambiente em Foco, per-mite indicar que o exemplo de organização e responsabilidade é capaz de alterar uma postura inadequada (Ferraz, 2002, p. 69).

Enfim, o trabalho coletivo e a aprendizagem colaborativa são também a base para a formação humanista, democrática, cidadã, como pressuposto para a constituição da autonomia. Nessa perspectiva, é fundamental possibilitar diversos tipos de ações colaborativas em diferentes níveis, tais como entre os colegas de equipe, com outros colegas da turma e a interlocução com outros interessados pelo tema, utilizando desde o correio convencional até as possibi-lidades da internet como e-mails, salas de bate-papo e grupos de discussão.

A educação superior manifesta o desconforto com as atividades em gru-po, uma vez que, geralmente, as equipes de trabalho são constituídas nos pri-meiros meses de cursos e se mantêm com pouca alteração quase até a forma-tura. Os educandos criam vícios como o da divisão prévia de tarefas (há os que lêem os textos, os que redigem e os apresentam) e, por vezes, até constituem consórcio nos quais partes das equipes se responsabilizem por atividades de diferentes disciplinas. De certa forma, apenas parte dos educandos produzem as atividades e ainda assim de forma fragmentada. Isso gera desconfiança por parte de educadores que temem que educandos recebam notas “sem méritos” e que outros se sintam injustiçados por ter “carregado colegas sem méritos” na atividade.

As proposições apresentadas neste ensaio implicam reconhecer que a questão principal é ética: a instituição que compactua com isso reforça diferen-tes formas de deformação de valores. Mas, por outro lado, isso é responsabili-dade de educadores que não permitem espaços para o trabalho coletivo, pois avaliam apenas os produto (os textos escritos ou apresentações orais), sem acompanhar os processos nos quais os diversos educandos interagem. Ele — o educador como propiciador de situações de aprendizagem e interação — pode intervir constituindo as equipes e formulando atividades que remetam a formas coletivas de estudo e aprendizagem.

Também é necessário estimular e permitir aos educandos o desenvolvi-mento de métodos de estudo que utilizem adequadamente os recursos dispo-níveis. E que, coletivamente, identifiquem os objetivos de estudo, promovam a problematização, a crítica e a contextualização, em ações metacognitivas e na perspectiva metadisciplinar. A organização do trabalho coletivo também implica dividir adequadamente as tarefas e buscar a integração com coerência dos da-dos coletados, como base para a formulação de sínteses significativas.

4.3. A aprendizagem com pesquisa e a diversidade de fontes

A aprendizagem com pesquisa e a diversidade de fontes são elementos fundamentais na organização do trabalho pedagógico na forma de projetos. Mas, assim como as atividades escolares coletivas, também estão desacreditadas por

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parcela de educadores e instituições, pois às vezes se apresentam resultados ruins como cópias de livros15 ou compra de atividades prontas. Mas a super-ficialidade e fragilidade parecem também estar presente em grande parte das pesquisas realizadas com algum grau de seriedade pelos estudantes.

Alguns professores afirmam, com base em experiências desse tipo, que os estudantes não estariam interessados nessa forma de atividade ou não sa-beriam produzi-las. Por outro lado, todos conhecemos experiências ou depoi-mentos que afirmam que a aprendizagem com pesquisa, quando realizada com sucesso, estimula e mobiliza os estudantes com resultados surpreendentes.

As instituições escolares, em particular os professores, devem estimular os alunos com o compartilhamento de temas, envolvendo-se com as problemá-ticas, identificando-se com as necessidades e possibilidades de aprendizagem do tema em estudo.

Mas a falta de estímulo dos estudantes, muitas vezes, também decorre de temas pouco instigantes (que podem até o ser para o professor, mas não se constituem em tal aos olhos dos alunos), de objetivos maldelineados e de procedimentos obscuros. Pesquisar é antes de tudo a disposição de caminhar por saberes, por disciplinas, por especialidades e também por distintas formas de disponibilização de dados. Porém a pesquisa também pode assumir o levan-tamento de dados na produção de novos saberes, como elemento central dos processos escolares. Assim, partimos do pressuposto de que não basta apenas diversificar autores ou a bibliografia sugerida; se faz importante ir mais além, a ponto de compartilhar saberes acessados em diferentes locais ou produzidos a partir de investigação de fontes disponíveis e explicitar contrates entre dis-tintas linguagens e interlocutores.

Isso implica três ações distintas: (a) a realização de pesquisa em fontes disponíveis; (b) a coleta de depoimentos de familiares, pessoas da comunida-de, personalidades locais, profissionais e especialistas em diversas áreas; (c) o acesso e a análise das mídias disponíveis. Essas ações devem ser articuladas ao acesso, contraste e diálogo com os saberes reconhecidos e sancionados pelas instituições escolares.

A realização de pesquisa em fontes disponíveis implica ação de investiga-ção — com instrumentos adequados de pesquisa e tratamento de dados — de comunidades e da natureza para os estudantes da educação básica. Diferentes comunidades, empresas e profissionais de um ramo da economia, de uma mesma profissão, objeto de determinada área do conhecimento podem se constituir em temas de pesquisas para os estudantes da educação superior e do ensino profissionalizante de nível técnico (EPNT).

15 O que gestou uma verdadeira indústria de confecção de trabalhos, algumas delas com propagandas explícitas em algumas escolas e campi. A situação se agravou nos últimos anos, em função da proliferação de sites na Internet que disponibilizam textos prontos para as diferentes disciplinas e etapas escolares, em particular na Educação Superior.

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Na educação básica, as atividades de levantamento de dados sobre a comunidade e as famílias podem reunir dados sobre aspectos da vida da co-munidade — como a procedência geográfica das famílias, hábitos alimentares, fontes de renda, modos de lazer, etc. — em projetos que sucedem por vários anos, assumidos por diferentes gerações de alunos, produzindo seqüências históricas de dados ricos e originais. Esses dados também podem vir a ser exa-minados e confrontados por novos levantamentos e por diferentes formas de crítica, construindo referências para a contextualização da realidade dos alunos e das comunidades no entorno da instituição escolar.

Na educação superior e no ensino profissionalizante, a aprendizagem com pesquisa pode se constituir em atividade sistemática e permanente, arti-culada e articulando diversas disciplinas em diferentes anos, para compor base de dados produzida com instrumentos acadêmicos de investigação empírica, e ampliada constantemente pelas gerações de estudantes que se sucedem. Essas bases de dados servem tanto como matéria-prima para os processos de aprendizagem mais contextualizados e problematizadores, como para a pro-dução de pesquisas e artigos acadêmicos dos docentes. Nos cursos da área de saúde, por exemplo, os dados podem compor o perfil de grupos populacionais, comportando diferentes investigações de estudantes e docentes dos vários cursos. Nos cursos de Ciências Sociais Aplicadas, atividades diversificadas po-dem ser realizadas, por exemplo, com banco de dados levantados com pesqui-sas em microempresas de um mesmo ramo de atividade econômica, etc.

A coleta de depoimentos de familiares, pessoas da comunidade, per-sonalidades locais, profissionais e especialistas em diversas áreas é distinta das pesquisas descritas no item anterior, pois não requerem a utilização de instrumentos rigorosos de pesquisa e tratamento de dados. Mas se constituem em questionários de entrevistas promovidos por alunos com os pais e as pes-soas do seu círculo de convívio, sobre os mais diversos temas. Assim como os professores, as turmas e as equipes podem convidar familiares, pessoas da comunidade, personalidades locais, profissionais e especialistas em diversas áreas para prestar depoimentos ou debater os temas em estudo. A função dessas atividades, além de ampliar a variedade de opinião e de saberes sobre os temas em estudo, é o de permitir a manifestação de vozes e exposição de saberes e valores que não são disponibilizados na escola.

O acesso e a análise das mídias disponíveis implicam verificar sua diver-sidade e tipologias. Poderíamos classificar as mídias, em função das necessida-des pedagógicas, em diretivas e interativas. As mídias diretivas são de emissão magnética, sejam abertas ou pagas (os canais de televisão e as estações de rádios); as impressas em meio gráfico (os jornais, os livros, os folhetos e as revistas); as impressas em meio magnético (discos de vinil, audiocassete, vi-deocassete, CD, DVD, CDV, CD-ROM e cartuchos de jogos eletrônicos); os ex-positores de peças de propaganda (como os cartazes e outdoors); e os sites de

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informação disponíveis na internet. O grupo das mídias interativas é composto por telefone; programas com participação dos assistentes em rádio e televi-são; sistemas de vídeo e teleconferência; e sistemas da internet como canais de bate-papo, listas de discussão, grupos de e-mail, homepages interativas e programas de comunicação instantânea. Nessa perspectiva os educandos po-dem pesquisar um mesmo tema, utilizando diferentes tipos de mídia como a leitura de jornais, revistas e livros didáticos; análise de programas de rádio e TV; visita a sites da internet; exame de folhetos e outdoors, etc.

A utilização pedagógica da mídia requer a compreensão longitudinal e latitudinal dos temas nos diversos tipos de mídia. Na perspectiva longitudinal, um tema pode ser examinado em diferentes tipos de mídia — jornais, revistas, telejornais, sites acadêmicos; e na latitudinal, o tema pode ser examinado num mesmo tipo de mídia, mas de mantenedores diferentes — em telejornais de vários canais ou revistas de diferentes editoras, por exemplo. Os exames por contraste das diversas fontes se constituem num importante processo cognitivo que possibilita a percepção das diferenças na forma de disponibilizar informações e saberes, despertando para a produção de análises críticas das mídias, sobre seus fundamentos, estratégias discursivas, intencionalidade, mantenedores, informações disponibilizadas, etc.

O acesso, contraste e diálogo com os saberes reconhecidos e sanciona-dos pelas instituições escolares implicam redimensionar a função do professor, pois este não precisa ser a única fonte de informação e saberes e de escolha de materiais didáticos. No entanto, se fazem necessárias a preparação de instru-mentos de pesquisas e a preparação dos estudantes na seleção das fontes uti-lizadas. A proliferação de sites e de publicações impressas permite a circulação de toda sorte de texto: com conteúdos paradisciplinares produzidos sem o ri-gor ou com instrumentos inadequados, com reducionismos, com fundamentos impróprios, com compilações, traduções e referências indevidas, etc.

O professor, nesse processo, além de ser o propiciador de situações de aprendizagem, funciona como o balizador das fontes de pesquisas e pólo crítico de seus conteúdos. Cabe aos professores e às instituições escolares organizar conjuntos referenciais de materiais pedagógicos, como livros didáticos e para-didáticos, publicações de divulgação científica e sites educacionais especializa-dos que funcionem como balizas para os estudantes. No entanto os materiais selecionados pela escola não podem ser os únicos utilizados pelos alunos nem ser o sancionador formal das pesquisas e tampouco o silenciador de vozes que expressem opiniões, saberes e valores, mas se constituir contraponto pedagó-gico e possibilitar a organização de referenciais de contraste e checagem para as ações de pesquisas.

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4.4. A produção de sínteses distintas: a forma, a linguagem e o conteúdo da produção docente

Os processos de aprendizagem dos estudantes ocorrem em diferentes momentos, como os de acessar saberes diversos, interagir com discursos variados, promover reflexões e debates com várias pessoas e em situação distintas. Portanto o processo de sistematização e reelaboração cobra posturas ativas dos educandos. Mas a nossa tradição escolar está permeada por prá-ticas de educandos cujas atividades se reduzem, geralmente, à produção e à reprodução de textos didáticos ou de discursos dos educadores. A produção escrita de nossos alunos, comumente, constitui-se de processos formais e bu-rocráticos, negando parte da vitalidade dos processos educativos. Mesmo em situações escolares mais abertas e flexíveis, os estudantes, geralmente, escre-vem tendo como interlocutor apenas o educador, por isso é preciso estimular a diversidade de formas de produção estudantil como parte dos processos de constituição do conhecimento, superando o formalismo das atividades escola-res e vinculando-as a situações concretas da vida humana. Nesse sentido, nos processos de aprendizagem, é importante organizar os saberes em diferentes formas discursivas, variando os interlocutores, os meios e os temas, mas é fundamental que essa produção seja avaliada pelo crivo da eficiência discursi-va, do rigor, da precisão e da coerência de conceitos, pela fidelidade às fontes e pela qualidade dos argumentos, das críticas e das generalizações.

As sínteses podem expressar resultados diferentes, pois grupos de edu-candos podem: (a) atingir o mesmo objetivo partindo de subtemas diferentes; (b) atingir o mesmo objetivo, mas chegando a pontos de vista distintos e até contraditórios; e (c) atingir objetivos específicos distintos, mas que se comple-mentam no mesmo objetivo geral.

Os caminhos para atingir esse objetivo também são amplos e variados. Neste texto, pretendo apontar alguns dos que considero mais significativos.

O primeiro bloco pode ser a organização de resultados de projetos em formas discursivas diferentes, tais como: (a) na forma de boletins para públi-cos definidos, tais como, grupo de amigos, moradores de um mesmo bairro, freqüentadores de determinados espaços, como centros de comércio, cinemas, feiras, igrejas, etc.; (b) na forma de jornal, que pode ser distribuído pelos edu-candos ou, então, organizado como mural para ser afixado nos locais desejados pela turma, como salas de aula, pátios, paradas de ônibus, igrejas, pontos co-merciais, etc.; (c) na forma de cartazes, que também podem ser afixados em espaços públicos; (d) na forma de textos escolares, que podem ser distribuídos para outras turmas, inclusive de que estão em estágios anteriores, como, por exemplo, educandos do Ensino Médio podem produzir textos didáticos sobre temas diversos para os colegas dos anos iniciais do Ensino Fundamental; (e) na forma de cartas, que podem ser trocadas via e-mail ou correio convencional com amigos, parentes e, até mesmo, com turmas de outras instituições escolares de

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regiões diferentes do país e do mundo; também podemos introduzir entre os estudantes de instituições que tenham recursos tecnológicos; (f) a produção para a internet de materiais sobre o tema estudado, organizando homepages16, e a participação de canais de bate-papo, listas de discussão, grupos de e-mail, etc., que tratem do tema estudado; (h) a produção de vídeos e áudios, simila-res a programas de rádio e TV (hoje diversas instituições escolares já dispõem de equipamentos necessários para a produção dessas mídias).

O segundo bloco, que desejo ressaltar, refere-se à linguagem, pois cada uma das formas enunciadas anteriormente requer linguagens distintas, pro-duzidas de formas específicas e articuladas com os respectivos interlocutores. Portanto podemos apontar, pelo menos, as seguintes linguagens requeridas pelas formas já enunciadas: (a) linguagem escolar, tanto para trabalhos for-mais voltados aos educadores como a educandos de outras turmas e insti-tuições; (b) para diferentes interlocutores de convívio pessoal como colegas maiores ou menores, familiares, vizinhos, etc.; (c) para mídias distintas como a jornalística, de propaganda (para cartazes), de sites da internet; e (d) para atividades formais como cartas reivindicatórias endereçadas a autoridades, comunidades, etc.

4.5. A socialização dos resultados com retorno à comunidade

Os projetos compartilhados, tanto por suas práticas como pelos resulta-dos, podem e devem extrapolar as turmas, incluindo outros grupos da mesma ou de outra instituição escolar e as comunidades ou segmentos específicos da sociedade, por isso é fundamental que os resultados sejam disponibilizados em sites, jornais, cartazes, folhetos, áudios, vídeos, etc.

Por outro lado, as turmas podem intervir diretamente para transfor-mar situações de sua realidade, seja propondo formas de intervenção dos estudantes, seja organizando canais de reflexão com as comunidades. No primeiro caso, os materiais de divulgação de resultados e sínteses, propostos anteriormente neste ensaio, tais como, cartazes, jornais, folhetos e sites, são contribuições importantes. O problema é que nem sempre esse material é disponibilizado para as comunidades, ficando restrito à sala de aula e quando muito à instituição escolar.

Numa segunda perspectiva, os estudantes podem ser mobilizados para promover ações que tenham por objetivo solucionar os problemas levantados, como, por exemplo, propondo a organização de patrulhas para caçar focos de mosquitos da dengue; de brigadas para orientar pais e vizinhos a calcular corretamente juros, multas e similares; de grupos de trabalho para encontrar solução para a depredação de ambientes e poluição de rios; de publicações de

16 A viabilidade das homepages pode variar, mas é importante constatar que várias instituições têm os seus próprios sites, diversos portais especializados possibilitam disponibilizar a produção estudantil e também há uma série de provedores que oferecem espaços de hospedagem gratuitos. O problema seria basicamente de disponibilidade de tecnologia como os computadores e domínio dos procedimentos de produção de homepages.

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livretos com a história dos bairros, com brincadeiras de outras épocas, com orientações nutricionais; de palestras para a comunidade (em igrejas, associa-ções comunitárias, sindicatos, escolas, etc.).

Assim, estudantes do Ensino Médio ou do curso de Direito, por exemplo, podem elaborar manuais ou sites na internet sobre os direitos do consumidor; os de Ciências Contábeis e de Matemática nos anos finais do Ensino Funda-mental podem promover atividades de organização das finanças familiares ou sobre procedimentos do sistema de crédito no comércio. Estudantes dos cursos de Administração, Desenho Industrial e Informática podem produzir softwares gratuitos para pequenas e médias empresas ou ONGs. Enfim, detendo sabe-res sobre um tema e conhecendo alguns procedimentos decorrentes deles, os educandos podem produzir diferentes formas de ação junto aos colegas da instituição escolar e às suas comunidades.

Essas atividades permitem que as produções de saberes por educandos se voltem para a realidade concreta, possibilitando a mediação necessária en-tre o teorizar e o agir. Mas também requerem que o professor construa com os alunos espaços para a busca das respostas e satisfação das necessidades despertadas nesses processos de aprendizagem.

5. O impacto da forma de projetos e do trabalho pedagógico na organização curricular

Refletir sobre a organização do trabalho pedagógico na forma de projetos implica perceber que ela pode ampliar horizontes da educação, como também pode mantê-los nos marcos regulatórios atuais. Como Popkewitz (1995) nos alerta, as formas de organizar o conhecimento como currículo “(...) corporificam formas particulares de agir, sentir, falar e «ver» o mundo e o «eu»” (p. 175). Nesse sentido, gostaria de problematizar algumas questões diretamente im-plicadas nas escolhas promovidas no processo da organização curricular e do trabalho pedagógico.

1. O modelo de organização do trabalho pedagógico na forma de proje-tos tende a se deslocar da ênfase no ensino para a ênfase na aprendizagem, pelo reconhecimento que o ato de “(...) ensinar não é «transmitir conheci-mento», mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (Freire, 1996, p. 24-25). Isso implica priorização das relações horizontais entre educandos, pressupondo que dispõem dos mesmos códigos de comunicação e compartilham interesses e necessidades, o que permitiria que diferentes ma-neiras de aprendizagem se interconectassem em sua diversidade de interes-ses, necessidades, ritmos e processos.

Os educandos, nesse processo, passam a compartilhar os conhecimentos constituídos, permitindo o dialogo entre diferentes grupos e percepções cultu-rais, de maneira que “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (Freire, 1996, p. 25). Isso pode possibilitar práticas dialógicas

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fundadas no estágio de desenvolvimento humano dos educandos e no compar-tilhamento de seus códigos culturais comuns. As práticas dialógicas e a apren-dizagem colaborativa poderiam contribuir na superação dos instrumentos se-gregacionistas, promovido pelas diversidades sociais e culturais (sejam elas de ordem de geração, de formação escolar, de status social, de orientação sexual, religiosa e política e de toda teia de discriminação e segregação), existentes entre educadores e educandos.

Os instrumentos e procedimentos utilizados, nessa situação, são aqueles que possibilitariam aos educandos a condição de protagonistas no processo de constituição do conhecimento, e o educador passaria à condição de organiza-dor de situações de aprendizagem e interação humana.

2. A instituição escolar pode se constituir em espaço de mediação entre saberes. De um lado estão os saberes reconhecidos como importantes pelas instituições escolares, em particular os classificados como científicos, estrutura-dos em modelos formais e estabelecidos por processos que respeitem regras de procedimentos de produção pelas corporações acadêmicas. Do outro lado estão os saberes dos educandos, nas formas organizadas em seus meios e códigos cul-turais e aqueles acessados nas diversas mídias que tenham em disponibilidade.

Essa perspectiva não representa o abandono de conteúdos clássicos e/ou considerados importantes como temem muitos educadores, mas representaria a ruptura com a supremacia deles nos processos escolares. Romperia também com as maneiras formalistas, estáticas e inflexíveis como esses saberes são tratados na instituição escolar. Essas mudanças na forma de abordagem dos sa-beres possibilitariam o diálogo entre os saberes já constituídos pelos educandos e aqueles propostos pela instituição escolar, que seriam acessados conforme as necessidades e situações de aprendizagem, determinadas pelos ritmos e pro-cessos coletivos de educandos. O que seguramente ocorreria seria a ruptura no ordenamento linear e predeterminado dos saberes da maioria das propostas curriculares e práticas pedagógicas diretivas. Isso implica sejam os currículos organizados em objetivos e não apenas no arrolamento de saberes escolares.

Os educandos, mesmo os de pouca idade, já trazem saberes: alguns de origem mítica, outros fundados em crenças familiares, outros sistematizados pelos códigos culturais dos seus respectivos meios (o que muitas vezes destoa na forma e nas concepções valorizadas pela instituição escolar), e há ainda aqueles que foram acessados em algum ponto da teia composta pelas diferen-tes mídias. Esses saberes são produtores de sentido de suas vidas, mas são, geralmente, desconhecidos ou desqualificados pelas instituições escolares e, por conseqüência, desprezados por elas. Os saberes dos educandos, muitas vezes, convivem com os saberes escolares, como se habitassem campos dis-tintos, pois a instituição escolar tem dificuldade em dialogar com eles.

O que efetivamente os educandos praticam na instituição escolar é o dialogo entre o que já sabem com os novos saberes que estão acessando.

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Dessa forma, o processo escolar, em parte das vezes, não constitui «saberes novos», mas passa-se a «saber de outra forma». A prática dialógica efetiva pressupõe reconhecer que ninguém sabe tudo e que o que se sabe não se aprende de uma só vez. O conhecimento constitui-se por retomadas, por novas problematizações, por ampliações em processos permanentes de maturação do conhecimento.

Os saberes dos educandos, sendo cotejados com outros saberes (apre-sentados pelas instituições escolares ou acessados por meio de pesquisa), promoveriam processos de ressignificação, com (a) a revisão de saberes já conhecidos, (b) a produção de novos saberes, (c) a apreensão de saberes im-portantes (mas ainda desconhecidos pelos educandos) e (e) o conhecimento de outra forma daquilo que já era conhecido.

Esse processo, para alcançar os objetivos pretendidos, precisa estar vinculado às necessidades e aos interesses dos educando, cabendo à institui-ção escolar, e ao educador em particular, estimular, provocar e criar situações de aprendizagem impulsionadas pelo reconhecimento das necessidades dos educandos. Num segundo momento, é fundamental construir o desejo pelo conhecimento que transcende as necessidades imediatas do presente, que não se constrói pela coerção, mas por estímulos que respeitem interesses, neces-sidades, ritmos e processos de cada indivíduo. Os saberes e a arte compõem experiências que dão sentido à vida, associados ao prazer.

Nessa perspectiva os educandos passariam a protagonizar o processo e organizar os conteúdos disponibilizados nas instituições escolares. Aos profes-sores cabe buscar o equilíbrio entre “não-diretividade” e disponibilização dos bens culturais.

Na educação superior e no ensino profissionalizante de nível técnico (EPNT), por sua vez, o educando é tencionado a dominar conjuntos de saberes e procedimentos que compõem perfis delimitados pelas tendências conjun-turais do mercado de trabalho. Portanto é importante que as instituições es-colares e o educador articulem essas demandas de forma aberta, numa visão efetiva de qualificação profissional, no sentido de que o educando compreenda os fundamentos e processos de sua área de atuação profissional. Para isso, se faz necessário romper modelos rigidamente disciplinares e fragmentados que visam fundamentalmente à acumulação de técnicas de trabalho.

3. A implementação dos projetos (como outras formas não-diretivas) implica mudanças significativas nas relações de poder no interior das institui-ções escolares, em particular dos processos de avaliação e dos padrões de dis-ciplina, que se constituem nos dois principais processos de regulação docente. Altera também as instâncias de definição e o que é definido como válido, o que deve ser produzido, qual e de quem é o saber a ser estudado, assim como “(…) produz e reproduz diferentes momentos, regras e práticas particulares” (Gore, 1995, p. 14).

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Moreira (1995) aponta, a partir de Giroux, a escola “(...) como uma arena política e cultural na qual formas de experiências e subjetividades são contesta-das, mas também ativamente produzidas, o que o torna poderoso agente da luta a favor da transformação de condições de dominação e opressão” (p. 9).

A alteração na forma como os currículos é elaborado e o trabalho peda-gógico organizado permite criar as possibilidades de que os educandos possam constituir-se em protagonistas da constituição do seu conhecimento, impli-cando também que eles passem a influir de forma decisiva nos instrumentos regulatórios da vida escolar e da produção de cultura e identidade, pois

(...) aquilo que está no currículo não é apenas informação — a organização do conhecimento corporifica formas particulares de agir, sentir, falar e «ver» o mundo e o «eu» (Popkewitz, 1995, p. 175).

A tradição curricular oficial no Brasil sempre privilegiou os saberes, sendo poucas e recentes as iniciativas de rompê-la. Uma das mudanças pode ser constatada nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para Ensino Fun-damental, que no Art. 3o inciso IV dispõem que a “(...) base comum nacional e sua parte diversificada (das propostas curriculares) deverão integrar-se em torno do paradigma curricular, que vise a estabelecer a relação entre a edu-cação fundamental e a (a) vida cidadã através da articulação entre vários dos seus aspectos17 (...) e (b) as áreas de conhecimento18 (...)” (Brasil, 1998). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para Ensino Fundamental articula-ram esses dois grupos de objetivos propondo blocos de conteúdos para as áreas do conhecimento e os temas transversais para tratar dos aspectos da vida cida-dã. Esse modelo curricular é importante constar, pois representa alterações na tradição brasileira ao propor um programa de formação de valores e condutas num mesmo plano que as áreas do conhecimento, em que pesem as críticas, tanto no formato como nos conteúdos dessas propostas (Cordiolli, 2001).

Mas, ainda assim, os projetos pedagógicos e as propostas curriculares não tratam explicitamente da formação de valores e condutas, que são apre-sentadas de maneira genérica como a disposição ou intenção das instituições escolares de “preparação para a cidadania”, de “formação de valores huma-nistas ou cristãos”, “visão crítica do mundo”, etc. As práticas pedagógicas para a formação do caráter se dão a partir da ação individual dos educadores sem capacitação específica e, geralmente, destituídas de fundamentação teórica. Essas ações normalmente se expressam em práticas idealistas, mas educado-res expressam a intenção da formação dos valores com os quais se identificam

17 As DCNs para o Ensino Fundamental indicam como aspectos da vida cidadã os seguintes: (a) a saúde; (b) a sexuali-dade; (c) a vida familiar e social; (d) o meio ambiente; (e) o trabalho; (f) a ciência e a tecnologia; (g) a cultura; e (h) as linguagens.18 As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o Ensino Fundamental definem as seguintes áreas do conheci-mento: (a) Língua Portuguesa; (b) Língua Materna, para populações indígenas e migrantes; (c) Matemática; (d) Ciências; (e) Geografia; (f) História; (g) Língua Estrangeira (a partir do quinto ano); (h) Educação Artística; (i) Educação Física; e (j) Educação Religiosa, na forma do art. 33 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

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ou que são propostos pelas instituições escolares, mas não concebem articula-ções pedagógicas específicas para atingir esse objetivo. Assim, os alunos são submetidos à regulação moral e aos processos de produção de sentidos sobre os quais não são consultados.

Os estudos e estudiosos brasileiros se ocupam pouco desse tema. No entanto, alguns colegas vêm propondo a essência de currículos invisíveis de regulação moral (Moura, 2003), que não estariam explicitados nem seriam per-cebidos pelos próprios educadores. Esse currículo seguramente está fundado nas concepções majoritárias de nossa sociedade, reproduzindo os pressupostos fundamentais de nossa cultura, sem promover a reflexão e a crítica sobre eles. Esse debate coloca no “(...) centro do mapa — educacional e curricular — uma política de identidade” (Silva, 1995, p. 186).

A organização do trabalho pedagógico na forma de projetos pode abrir a possibilidade de recolocar o educando na condição de protagonista e refletir sobre a regulação moral de seu ambiente cultural, de sua história de vida e suas histórias pessoais. Porém Silva afirma que não se trata de promover a inversão, suposta-mente priorizando uma cultura dominada em detrimento de outra dominante, mas

(...) trata-se, ao contrário, de encarar as culturas dos grupos dominados de uma forma antropológica, como uma manifestação e expressão de formas de organizar a vida social que existem ao lado de outras, igualmente válidas. Nessa perspectiva, não se trata de «partir da cultura dominada», mas de interrogá-la, questioná-la, historiá-la, da mesma forma que se deve fazer com a cultura do-minante. Não é uma questão de superá-la, para entrar em outra, mas de colocar questões que revelem sua história que produziu as presentes identidades sociais e as colocou em relação subordinada na configuração social (Silva, 1995, p. 197).

Nessa situação, educandos e educadores passam a construir propostas pedagógicas que redimensionam as relações de poder e de regulação moral nas instituições escolares.

6. Um processo de transição e algumas considerações finaisA educação brasileira parece estar “contaminada pela febre do novo” e da

renovação, e os educadores e as coordenações parecem ter pressa em “fazer e acontecer”. Mas nenhum processo de mudança educacional efetiva — em direção a uma educação mais aberta e menos diretiva — vai ser alcançado pela imposição, pois mesmo a adesão formal dos educadores às proposições das direções não garante os esforços plenos para a sua implementação, e esta vai seguramente se defrontar com resistências de todo tipo. É importante reconhecer que

(...) a cultura de um estabelecimento escolar é ativamente construída pelos atores, mesmo que essa construção permaneça, em grande parte, incons-ciente. Trata-se, afinal, de um processo dinâmico e evolutivo de um processo de aprendizagem (Gather Thurler, 2001, p. 90).

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A cultura escolar, ainda segundo Gather Thurler,

(...) estabiliza-se como um conjunto de regras do jogo que organiza a coo-peração, a comunicação, as relações de poder, a divisão do trabalho, os modos de decisão, as maneiras de agir e interagir, a relação com o tempo, a abertura para fora, o estatuto da diferença e da divergência (Gather Thurler, 2001, p. 90).

As instituições escolares, ao pretenderem organizar o trabalho pedagó-gico, a partir da interação e da aprendizagem colaborativa, vêem-se diante da necessidade de que as relações entre os membros das equipes pedagógicas se constituam a partir dessa mesma perspectiva. Assim, é importante destacar dentre os elementos arrolados por Gather Thuler, citados anteriormente, o “estatuto da diferença e da divergência” que possa garantir a cada professor a possibilidade de começar do patamar em que se sinta seguro e de organizar os processos e ritmos de trabalho em função de suas condições. Para isso é im-portante não definir regras ou modelos rígidos, mas apostar nas aprendizagens coletivas e situações de interação docente na implementação de projetos.

Há, no entanto, elementos da cultura escolar e curricular brasileira que precisam ser dimensionados adequadamente.

A primeira é a nossa forte tradição disciplinar. O problema é bastante forte nos anos finais do Ensino Fundamental, no Ensino Médio e na educação superior, nas quais a instituições escolares dividem as atividades pedagógicas em disciplinas, que são ministradas por professores especialistas. Mas, nas etapas na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em que a maioria das instituições escolares mantém a unidocência, a capacitação de educadores, as propostas curriculares, os sistemas de avaliação e a contabili-zação de carga horária se fazem a partir de uma grade disciplinar.

Essa situação se constitui numa dificuldade significativa na implementa-ção de projetos, mas penso que é possível encontrar soluções a partir de expe-riências concretas, vinculadas à cultura escolar de cada instituição. Os projetos podem nascer inicialmente restritos às práticas de turmas isoladas, talvez até na forma de projetos propostos e depois criar as possibilidades para os com-partilhados. As coordenações pedagógicas podem propor algumas experiên-cias-piloto, cujos resultados podem ser analisados e compartilhados por todos. Os projetos, às vezes, podem surgir do acaso, de situações surgidas na sala de aula ou de conversas informais com os colegas na sala dos educadores.

Os projetos também podem nascer como pequenas experiências e am-pliando o seu alcance a partir de balanço dos resultados e da aprendizagem com a prática. Enfim, temos diversas situações, e nenhuma regra impositiva a priori, como sempre diz Ana Bergaman: “faça sempre da forma que você acha correto, depois se disponha a refletir, organizar, estudar, procurando sempre melhorar, que você seguramente chega lá”.

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A atividade pedagógica implica sempre fazer escolhas, e estas nem sem-pre são simples. Mas penso que os caminhos para a organização curricular e o trabalho pedagógico permitem diversas perspectivas que, se não são toma-das de maneira dogmática, podem articular formas diferentes como projetos, temas geradores, contextualização, problematização, constituição de mapas conceituais e ações inter, trans e multidisciplinares (também não-formalizadas previamente). Penso que a experiência de diferentes caminhos pode permitir, como já afirmei, questionar o que se faz por tradição e ampliar os limites de nossas possibilidades. A organização do trabalho pedagógico na forma de pro-jetos permite, pelo menos em princípio, questionar as grades de tempos, de grupos e de saberes na sua essência, rearticulando-os aos processos de cons-trução / emancipação dos sujeitos. A ação dos educadores não seria, penso eu, a de apontar, a partir da posição de adulto19, os melhores caminhos para os educandos, mas de propiciar espaços para que eles construam o próprio caminho.

É preciso também o esforço coletivo para alterar alguns cânones da cultura escolar brasileira. Logo a importância de: (a) combater a regulação pa-dronizadora e o nivelamento dos educandos através das atividades de seleção, promoção e avaliação; (b) combater a segmentação dos processos de aprendi-zagem em disciplinas, etapas e modalidades, assim como romper com a linea-ridade de currículos e sistemáticas de avaliação; e (c) combater o formalismo e a burocracia, com regulação extremada dos tempos e espaços escolares.

...

Que este ensaio seja uma pequena contribuição para os que fazem e para os que desejem fazer, pois os nossos estudantes merecem formas de organização do trabalho pedagógico que lhes permitam olhar de frente para a vida como complexa, mas grávida de possibilidades, que se constrói com autonomia e ação cidadã. A organização do trabalho pedagógico na forma de projetos, penso eu, seria uma contribuição decisiva, embora não suficiente, para atingir esse objetivo.

19 Na Educação Superior e no Ensino Profissionalizante de Nível Técnico (EPNT) seria a relação entre o profissional e/ou experiente diante do formando ou pouco experiente.

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Planejando e analisando as atividades didáticas em sala de aula Marielda Ferreira Pryjma1

Escrever um texto para contribuir com a prática docente dos professores da Educação Básica foi solicitado, pela equipe organizadora do Congresso de Educação, para sistematizar algumas temáticas vistas, presenciadas, assisti-das durante o transcorrer do evento.

Como vivenciei por muitos anos o cotidiano da Educação Básica, fiquei preo-cupada em retomar questões que pudessem, de fato, colaborar com o dia-a-dia escolar. Passei várias horas relembrando a rotina do colégio e tentei selecionar assuntos que conversávamos, problemas que enfrentávamos, sugestões de ações que encontrávamos para superar e melhorar a prática pedagógica. Espero que este texto possibilite reflexões sobre o processo de ensino. Tomei a liberdade de escrever o texto em primeira pessoa, porque tive a sensação que, assim, podería-mos estar conversando, como nos “velhos tempos” da rotina escolar.

Todos nós sofremos as conseqüências advindas da crise ocorrida na dé-cada de 80 nos países industrializados. O grande desafio escolar passou a ser o atendimento de uma nova lógica: os saberes escolares propostos não atendiam mais os saberes necessários para as novas funções técnicas, sociais e econô-micas, isto é, os saberes não correspondiam mais aos saberes solicitados pelo mercado de trabalho (Tardif, p. 45).

V

1 Doutoranda em Educação (USP) e mestre em Educação (UFPR); professora da Faculdade Dom Bosco e da UNICEMP.

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E a nossa profissão? De um momento para outro, o meio escolar come-çou todo um processo de revitalização, transformação e, por que não dizer, modernização. Contudo, nós, os docentes, sentimo-nos, neste contexto, total-mente perdidos em relação aos rumos a seguir.

No Brasil, essa situação se agravou em função do andamento das políticas voltadas para a educação pública. Essa crise gerou uma migração, significativa, dos alunos para o ensino privado. A educação passou a ser o caminho para o ingresso profissional nas atividades desejadas e reconhecidas socialmente, para uma população maior que em outros momentos históricos (a profissão nem sempre esteve atrelada à educação formal). Sob essa ótica, o reconhecimento profissional, que deveria ser adquirido a partir dos conheci-mentos escolares, passou a ser uma nova ordem social vigente, tornando os saberes escolares distantes desse mercado.

O modelo capitalista, em que o consumo predomina, apesar de ser uma constatação frustrante, definiu os rumos dos conteúdos e saberes escolares. Paulatinamente, a escola deixou de ser um lugar de formação do indivíduo para se transformar numa formação de cunho mercadológico.

De alunos, passamos a ter clientes, consumidores. Nossa prática docen-te precisou ser adequada para instrumentalizar os educandos. Sob outro olhar, está a comunidade escolar, também clientes, cobrando, exigindo e solicitando da escola um atendimentos a funções e atribuições que nem sempre eram ta-refas dela. A aparência, conseqüência dessa nova lógica de consumo, envolveu o cotidiano escolar, redirecionando o trabalho docente para outras atividades que apresentassem “resultados” (festas, eventos), com vistas a manter o edu-cando na escola.

Nesse contexto, reinicia, sistematicamente, o processo de desvaloriza-ção dos professores e, por conseqüência, dos saberes escolares (a profissão docente tem um histórico que vale um aprofundamento teórico). O docente e a escola passaram a ser vistos como “ultrapassados”, com conteúdos escolares desnecessários para o futuro do aluno e os saberes tornaram-se saberes-ins-trumento, saberes-meio, um capital de informações mais ou menos úteis para o futuro do discente (Tardif, 2002, p.48).

Obviamente, o trabalho docente, como o da maioria dos profissionais da educação, passou a sujeitar-se às solicitações sociais e do mercado de trabalho em nome do “bom atendimento” às novas exigências. Aqui se concretiza a des-valorização do professor como profissional: que estaria cumprindo seu papel ao informar ou transmitir o que seria considerado “útil” pelos novos consumidores. Concomitantemente a essa situação surgiu o acesso, quase em massa, aos computadores, e era comum ouvir que seríamos substituídos por eles.

A maioria de nós, educadores, vivenciamos essa situação. Atualmente tenho total autonomia para confessar: tive a nítida impressão, nesse momento,

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que teria escolhido a profissão errada e que teria que aprender a desempenhar um outro “ofício”, porque o magistério não teria futuro algum. Além dessa situação profissional, tínhamos os “fantasmas” que assombravam as escolas privadas: a manutenção dos alunos-clientes para a manutenção dos nossos empregos.

A valorização da categoria docente está, vagarosamente, se proces-sando. Os alunos formados a partir do que foi relatado, chegaram ao ensino superior e ao mercado de trabalho. Uma nova crise surgiu: este novo profis-sional “não sabe pensar”, “não tem iniciativa”, “não consegue utilizar os con-teúdos aprendidos nos bancos escolares para solucionar as questões surgidas no cotidiano de trabalho. Novamente os olhares se voltam para a escola e surge a percepção de que a educação poderia suprir tal deficiência. Aparece, novamente, a figura do professor, necessária para alcançar os novos objetivos. Neste contexto, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) emerge solicitando, formalmente, o resgate da formação integral do indivíduo.

Apesar da lei, a cultura do “cliente” permaneceu na sociedade e mudar este quadro tem gerado, por parte dos educadores, grande dedicação, empe-nho e profissionalização.

Chegamos aonde, a meu ver, está a fragilidade do processo e a razão de estarmos discutindo o papel do professor em relação ao ensino e à aprendiza-gem. O que estou fazendo de errado? Por que meus alunos aparentam tanta desmotivação? Que caminhos poderei seguir? Como me tornar um bom profis-sional? Que aspectos melhorariam a minha prática docente?

É possível perceber que existe, num contexto nacional, um desconten-tamento, um senso de fracasso, um sentimento de impotência por parte do professorado. No outro lado existem os alunos, desmotivados, envolvidos com todas as tecnologias que surgem dia-a-dia, obrigados a ir para a escola. O que está acontecendo? O que tem gerado essa falta de sintonia? Será que a nossa missão é algo “impossível”?

Calma! Esse contexto foi apresentado para que possamos nos situar e entender que a condição que permeia o trabalho docente não é algo isolado, ela está histórica e socialmente situada. O cerne da questão está em compreender esse processo, posicionar-se e reagir para transformar, definitivamente, a edu-cação. Aqui o ditado “uma andorinha não faz verão” não se aplica, ocorre jus-tamente o contrário: se cada um fizer a sua parte, o todo terá sua melhoria.

Para formar integralmente o indivíduo, o professor deve lançar um novo olhar sobre sua profissão. Aqui está a principal decisão a ser tomada: você quer, verdadeiramente, seguir esta caminhada? Se a sua resposta for sim, prepare-se para dar o primeiro passo: não basta somente dominar o conteúdo específico da sua disciplina ou área do conhecimento, agora o papel do professor necessita

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uma nova configuração. Na verdade, esta situação, a profissionalização do pro-fessor, acompanhou uma tendência mundial que propôs a qualificação de todas as áreas profissionais, como uma condição básica para acompanhar as inova-ções tecnológicas, superar os desafios sociais, solucionar as crises de violência, entre outros fatores. Então, não se sinta “cobrado” profissionalmente, sinta-se orgulhoso em fazer parte de uma equipe que está considerando essencial o desenvolvimento e aprimoramento do profissional da educação para a melhoria do país como um todo.

Para formar um aluno crítico e autônomo, é fundamental um professor crítico e autônomo. Professor Demo afirma que a aprendizagem dos alunos é proporcional à aprendizagem dos professores. Para que a aprendizagem se efetive é necessário que esse processo seja bom para os dois lados: aluno e professor (Demo, 2000, p.42).

Os docentes rumam para uma autonomia profissional, esta é a expec-tativa do meio educacional. Contudo, o que separa o professor da tão sonhada autonomia é, justamente, a ausência de teoria. Explicando melhor: em sua for-mação inicial (graduação) o docente teve uma grande ênfase na área específica de conhecimento escolhido (língua, matemática, história, geografia, ciências biológicas, química, física, artes, música, educação física, etc.). A formação para atuar enquanto docente não teve a mesma prioridade (exceto para quem se formou para atuar na educação infantil e séries iniciais do ensino funda-mental), desencadeando essa ausência de autonomia. Além disso, a “forma” como os temas relacionados à docência eram trabalhados, cerceavam toda a criatividade do futuro professor (Nóvoa, 1994).

O professor é um profissional do conhecimento e não combina com ele a busca por soluções temporárias para os seus problemas enfrentados no co-tidiano escolar. Por muito tempo a “profissionalização” dos professores esteve atrelada a modelos de aulas, exemplos de procedimentos, “receitas prontas” para complementar a sua formação. Esse professor buscava nesta “pseudo” profissionalização a solução para todas as angústias.

Porém, o enfrentamento da realidade escolar, as desigualdades sociais e a dinâmica da realidade social se configuravam das mais diversas formas. Para que nós possamos enfrentar tantos desafios, precisamos considerar nossas con-dições reais de atuação para podermos construir a nossa história profissional.

Retornemos um pouco o texto e resgatemos a questão da desvalorização do professor. Ele, como profissional, é criticado pela atuação em diferentes ins-tâncias e a crítica a sua atuação acaba se configurando como crítica à pessoa do professor. Separemos os fatos: o indivíduo e o que atua como docente. O indivíduo, a pessoa que exerce optar pela carreira docente já tem suficientes problemas para superar em sua vida.

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Enquanto profissional ele precisa retomar alguns aspectos que permeiam sua atuação. Por isso, as críticas ao trabalho do professor não são infundadas e cabe aqui melhor explicação. Ele precisa retomar a condição de intelectual perante a sociedade, carece elucidar seu pensamento crítico, reconstruir sua função social, sublimar as dificuldades e dar novo sentido para sua profissão. A carreira docente só existe se existir o aluno, isto implica numa relação am-bígua, essencial e vamos considerar aluno e professor peças-chave neste pro-cesso, um necessita do outro para existir.

Para resolver seus problemas, o docente e o aluno precisam saber pro-blematizar (problematizar algo é muito mais complexo que resolver um pro-blema isolado). Sabe-se que nem tudo tem solução, e o segredo na resolução dos problemas é administrá-los com inteligência para entender a realidade de forma sistêmica (Demo, 2002, p.48).

Educar para o desenvolvimento integral do indivíduo é levá-lo a perceber que os problemas da vida são infinitos, mas as soluções não. Saber proble-matizar, “desproblematizar”, pensar criticamente fazem parte do processo de aprendizagem inteligente que busca saber administrar esses problemas. Nessa aprendizagem, aluno e professor devem almejar construir novas conexões, no-vos padrões, novas interpretações para o conhecimento buscando aprofundar essa aprendizagem.

Em alguns momentos o professor precisará “desaprender”, reconstruir os conhecimentos existentes em prol da superação de limites e desafios. Isso significa afirmar que a aprendizagem é parceira da dúvida, do questionamento: conhecimento solucionará problemas; conhecimento desenvolve conhecimen-to; dúvidas desencadeiam soluções; soluções geram novos problemas. A dinâ-mica escolar envolve diferentes condições, saberes, soluções, complexidades.

Para o reconhecimento profissional, o professor precisa ter conhecimen-to específico de sua área e conhecimento da ação docente. O seu saber só é posto em prática, em evidência, quando se manifesta a partir das relações com o outro (aluno), com o coletivo (turma).

O conhecimento do professor se constrói num processo longo e progres-sivo. Saber é “essencialmente social e é, ao mesmo tempo, o saber dos atores individuais que o possuem e o incorporam à sua prática profissional para a ela adaptá-lo e para transformá-lo” (Tardif, 2002, p.15).

Os saberes do professor são múltiplos e começam na sua experiência escolar enquanto aluno e essa situação é muito marcante, sendo relembrada frequentemente em seu dia-a-dia, ora por repetir as ações de seus professo-res, ora por negá-las. Ensinar é um processo de aprendizagem que o professor dominará paralelamente para a realização do seu trabalho. A sua carreira é construída e marcada pelo saber profissional.

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Para construir a nossa carreira, cabe considerarmos alguns aspectos que estruturam a nossa prática educativa. Todos os saberes e/ou conteúdos curriculares são informações externas, temas pesquisados e produzidos em outras instâncias, fora da educação básica. O professor não os controla, não os produz, e o cuidado que se deve ter é evitar uma relação alienada com esses saberes. Os saberes docentes precisam ser construídos pelo professor de uma base teórica (relações interpessoais, didática, metodologias de ensino, proces-sos de avaliação, teorias de ensino, filosofia, sociologia, legislação educacional) para buscar sua profissionalização. Isso significa afirmar que para ser “bom professor”, “bom profissional”, é necessário o domínio, compreensão, constru-ção, atualização de duas situações: o saber específico da sua área de atuação e o saber docente.

A partir dessas considerações, afirmar que aprender, durante o processo de ensinar, é muito mais significativo do que o fato de saber propriamente o conteúdo escolar.

“Ser um eterno aprendiz” (parte da letra da música “O que é o que é” de Gonzaguinha) é a essência da profissionalização docente. Tardif é enfático ao afirmar que:

Quanto menos utilizável no trabalho é um saber, menos valor profissional parece ter. Nessa ótica, os saberes oriundos da experiência de trabalho cotidiano parecem constituir o alicerce da prática e da competência profissionais, pois essa experiência é, para o professor, a condição para aquisição e produção de seus próprios saberes profissionais. A experiência de trabalho é, portanto, apenas um espaço onde o professor aplica saberes, sendo ela mesma saber do trabalho sobre saberes, em suma: reflexividade, retomada, reprodução, reiteração daquilo que se sabe naquilo que se sabe fazer, a fim de produzir sua própria prática profissio-nal (Tardif, 2002, p. 21).

Construir sua carreira profissional não pode ter um tom de pesar. Ser professor é uma grande oportunidade que temos para contribuir com a melho-ria e transformação social. Isso não é uma utopia, é um valor profissional que acompanha a carreira de muitos educadores: acreditamos no magistério, gos-tamos de superar desafios, buscamos ajuda sempre que necessário, discutimos nossas angústias e, creiam, compartilhamos nossas falhas.

Gostaria que soubessem que na minha área de pesquisa, formação de professores, encontro situações muito similares, em grupos diferentes. Os professores, de modo geral, querem acertar, adorariam ter reconhecimento profissional, gostariam de trocar experiências (é importante encontrar no ou-tro o apoio de que precisam), dividem frustrações e erros. Não quero expor a fragilidade da categoria, minha intenção é que percebam que muito dos nossos problemas educacionais poderiam ser solucionados por nós mesmos, com a ajuda teórica de outros docentes.

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Enfrentar problemas é uma situação corriqueira no dia-a-dia da sala de aula. Solucioná-los de forma adequada é onde está o grande desafio, mas acreditem, praticamente todas ou quase todas as situações adversas vividas em sala de aula, já foram objetos de estudo. Então, vamos aos livros: lê-los, discuti-los, entendê-los e buscar na experiência do outro a solução para o nosso problema. Na minha solução pode estar a solução para o problema do outro professor. É assim que ocorrem as pesquisas na área de educação: uma experiência relatada e analisada teoricamente é o ponto de partida para uma nova investigação, pesquisa bibliográfica e assim, sucessivamente.

Sinto que, muitas vezes, o professor não acredita em si mesmo, na sua atuação, que ela poderia ser considerada “inovadora”, que atenderia aos an-seios sociais e que possibilitariam a melhoria da prática educativa. Se esse pro-fessor tivesse o hábito de acompanhar as novas produções do conhecimento na área educacional, poderia despertar nele o espírito investigativo, possibilitando construir sua carreira profissional sobre novos alicerces. Isso é que chamamos de autonomia: o domínio do conteúdo associado ao domínio do processo de ensino e aprendizagem que darão ao professor liberdade para criar, alterar e transformar, de fato, a educação.

Eu não sei se você já teve a oportunidade de ouvir a música “Tente ou-tra vez”, do Raul Seixas. Possivelmente já a tenha ouvido. Entretanto, se você estiver precisando de uma “injeção de ânimo” e ouvi-la num momento em que possa perceber a profundidade de sua letra, refletir sobre sua mensagem, com certeza a entenderá de uma forma diferente das outras vezes que a ouviu, como se fosse algo especial, único, escrito para você.

Para pensar em sua carreira docente: o que faria se pudesse começá-la novamente com a experiência atual? Teria mais paciência? Mudaria sua postura? Relevaria alguns acontecimentos? Agiria diferente? Seria um melhor profissional?

Valls (1996) indica procedimentos de ensino para os conteúdos escola-res, mas toda a sua solicitação está em redescobrir o significado e o sentido do conjunto das atividades escolares propostas aos alunos). Zabala (1999, 2000) parte do mesmo pressuposto, todo o currículo escolar deve ser adequado à compreensão e ao sentido do aprendizado.

Compartilhar com os nossos pares o cotidiano escolar é outro caminho simples. Garcia elaborou um programa para professores iniciantes, no intuito de contribuir com o desenvolvimento desses profissionais. Para ele, um professor de apoio é essencial, isto é, “um professor com experiência que apóia o novo professor e o ajuda a compreender a cultura da escola. O professor de apoio ou professor mentor desempenha um papel de grande importância, pois é a pessoa que ajuda e dá orientações ao professor principiante (Garcia, 2002. p. 124).

A partir da experiência apresentada é possível utilizarmos a sua idéia para dar um novo sentido ao papel do professor: ser um docente de apoio ou mentor,

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não precisaria se restringir ao início da carreira, isso poderia ser uma condição permanente, coletiva, dialógica e criativa. Isso é essencial, cada turma tem uma característica própria e o planejamento diário deve considerar esse pressuposto.

Retomando as questões propostas inicialmente, proponho que o corpo docente busque, em sua experiência profissional, uma nova alternativa de atua-ção, compartilhando essas situações com seus colegas e tendo como pano de fundo, constantemente, a teoria que fundamenta a educação.

Quando ouço essa música renovo minhas perspectivas. Ela não é uma música nova, mas a cada situação, contexto, experiência, necessidade, ela se torna totalmente original para mim, é como se a minha vida e a minha profissão pudessem ser revitalizadas. A originalidade, para mim, está aí, no “novo” olhar que despendo para algo “velho”, para uma letra de música já conhecida, por exemplo. Na nova sensação, que permito ter a cada revitalização, tenho novas esperanças, expectativas, credibilidade, confiança ou, quem sabe, ilusão de que estaria contribuindo significativamente para a educação do meu país. Ser origi-nal, um bom professor, é ter um novo olhar sobre a nossa atuação profissional, é reescrever nossa trajetória, é uma releitura das experiências que já vivemos.

Inovar na educação pode ser uma atitude que está próxima de nós: a trans-missão dos conhecimentos por si só não tem valor algum, mas tornar esse conhe-cimento útil, contextualizado, histórica e socialmente situado, poderá dar sentido à formação e ao desenvolvimento intelectual do educando. Parece uma atitude simples? Pois, de fato, é e a sabedoria traz em sua essência a simplicidade.

ReferênciasDEMO, P. Conhecer e aprender: sabedoria dos limites e desafios. Porto Ale-gre: Artes Médicas Sul, 2000.

GARCIA, C. M. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto, Portugal: Porto Editora, 2002.

IMBERNÓN, F. (Org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro ime-diato. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

SACRISTÁN, J. G.; GÓMEZ, A. I. P. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1998.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vo-zes, 2002.

VALLS, E. Os procedimentos educacionais: aprendizagem, ensino e avalia-ção. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1996.

ZABALA, A. (Org.). Como trabalhar os conteúdos procedimentais em aula. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1998.

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O relevante papel do professor no ensino de Matemática

Ângela Ferreira Pires da Trindade1

Se perguntarmos aos professores por que a matemática deve ser en-sinada nas escola, certamente teremos como resposta o fato de que a mate-mática está presente em tudo na vida, ou porque desenvolve o raciocínio. Se, porém, perguntarmos a esses mesmos professores sobre as dificuldades que enfrentam ao ensinar matemática, ou mesmo da antipatia de muitos alunos por essa área do conhecimento, ouviremos que a matemática está distante da realidade, ou que é muito abstrata, ou ainda que não serve para nada a maioria dos conteúdos de matemática ensinados na escola.

Esses possíveis posicionamentos, tão contraditórios e que têm afligido grandemente esses profissionais da educação, podem ser comprovados atra-vés de inúmeras pesquisas feitas dentro do contexto escolar, tanto no Brasil como fora dele.

Observando esses mesmos professores e analisando a sua concepção de matemática, notamos que são basicamente duas as visões que os professores têm da matemática.

a) Visão formalista: Consiste em estruturar o assunto a ser estudado seqüencialmente, ou seja, primeiro se definem os conceitos básicos; em seguida, novos conceitos são definidos a partir dos básicos; e,

VI

1 Mestranda em Educação (UFPR), professora do Colégio Dom Bosco e dos Cursos de Pedagogia e Administração da Faculdade Presidente Kennedy (PR).

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posteriormente, novas proposições são descobertas e justificadas a partir dos conceitos já definidos. Um exemplo simples seria a idéia de que para dividir é necessário saber multiplicar e subtrair, ou seja, uma seqüência de pré-requisitos. Sabemos, no entanto, que as idéias envolvidas nas operações não dependem umas das outras. A própria Matemática não evoluiu de forma linear e logicamente organizada. Desenvolveu-se com movimentos de idas e vindas, com rupturas de paradigmas e seguindo caminhos diferentes em cada civilização. Faz-se necessária essa colocação por ser uma preocupação que angustia muito os professores e os aprisiona, impedindo assim maior leveza e aproveitamento das situações que ocorrem em sala de aula ou fora dela. Quando se propõe aproveitar situações, não é no sentido de improviso, tal como um ator que age em função de um argumento ou da trama, mas de liberdade e criatividade no exercício de sua ação.

b) Visão platônica: Esta visão está centrada na idéia de que a Matemá-tica é assunto para mentes sobre-humanas, gênios, extra-terrestres, que somente pessoas com poderes especiais são capazes de criá-la e desenvolvê-la. Essa visão leva muitos a crerem que a Matemática não tem história, não é construção humana, e que apenas tem re-lação com a própria matemática. Essa postura é evidente quando o professor justifica a necessidade de aprender determinado conteúdo colocando-o como pré-requisito para a série seguinte. Parece mostrar que a Matemática se desenvolve atendendo às solicitações da própria ciência, sem que haja qualquer ligação com a prática.

A escola, embora não seja a única instância de transmissão do conheci-mento científico, é por excelência a instituição incumbida disso. A posse desses conhecimentos historicamente acumulados proporciona outras formas de ver e compreender o mundo, abrindo possibilidades de mudanças na ação cotidiana das pessoas.

Cabe à escola proporcionar a reflexão a respeito da colaboração que a Matemática tem a oferecer com vistas à formação da cidadania, desenvolven-do metodologias que enfatizem a construção de estratégias, a comprovação e justificação de resultados, a criatividade, a iniciativa pessoal, o trabalho cole-tivo e a autonomia resultante da confiança na própria capacidade de enfrentar desafios.

A missão dos educadores é preparar as novas gerações para o mundo em que terão que viver. Isso quer dizer proporcionar-lhes o ensino necessário para adquirirem as destrezas e habilidades que vão necessitar para seu desem-penho, com comodidade e eficiência, no seio da sociedade que enfrentarão ao concluir sua escolaridade. Além de todos esses fatores citados, que parecem ser conquistas a longo prazo, não podemos perder de vista o fato de que as crianças, sem domínio da matemática, ficarão desconfortáveis não apenas na

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escola, mas em grande parte de suas atividades cotidianas: quando comparti-lham bens com seus amigos, planejam gastar sua mesada, discutem sobre ve-locidade e distância, viajam e têm que lidar com moedas diferentes e quando, finalmente, começam a entender o mundo do dinheiro. Para isso, a escola deve estar em contínuo estado de alerta para adaptar seu ensino.

O mais intrigante, no entanto, é o fato de que os pais e professores que têm consciência da utilidade da matemática em todos os âmbitos da vida — o trabalho, o acadêmico, o esportivo, o artístico — não têm conseguido trans-mitir às crianças essa utilidade da matemática que alguns deles percebem claramente.

É especialmente surpreendente o que acontece com algumas crianças que, embora não tenham tomado consciência dessa utilização extra-escolar da matemática, têm experiências muito ricas nesse sentido. Cabe ao professor fazer um esforço para que as crianças descubram, desde o princípio, que a utilidade da matemática ultrapassa os muros da escola.

Além do valor utilitário da Matemática como ferramenta que serve para a atuação diária e para muitas atividades específicas de quase todas as ativi-dades laborais, não podemos nos esquecer que a matemática tem um valor formativo, que ajuda a estruturar todo o pensamento e a agilizar o raciocínio dedutivo. O ensino da Matemática deve ser um constante equilíbrio entre a matemática formativa e a informativa, ou seja, podemos “formar informando” ou “informar formando”.

O cientista matemático não comunica os resultados de suas pesquisas tal como obteve, mas reorganiza, atribui-lhes uma forma mais geral possível, descontextualizada e fora de um contexto temporal. Ao professor cabe o traba-lho inverso, ou seja, uma recontextualização do saber: procura situações que dêem sentido aos conhecimentos a serem ensinados.

O papel do professor passa a ter duas faces que parecem contraditórias, pois primeiramente faz viver o conhecimento, que ele seja produzido por parte dos alunos como resposta a uma situação familiar, e depois deve transformar essa “resposta razoável” em objeto cultural. O professor é muitas vezes ten-tado a pular essas etapas e ir direto ao saber como objeto cultural, deixando a cargo do aluno a apropriação do saber, que acontecerá como este conseguir fazê-lo.

O maior desafio e mais difícil papel do professor, ao ensinar matemática, é o de dar um sentido aos conhecimentos e, sobretudo, reconhecê-los. Mui-to difundida é a idéia de que os conhecimentos podem ser ensinados, mas a compreensão e o significado são responsabilidade dos alunos. Isso se deve ao fato de que é possível institucionalizar o conhecimento, e aparentemente não se pode fazer o mesmo com o sentido.

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Para desempenhar seu papel de mediador entre o conhecimento mate-mático e o aluno, o professor precisa ter um sólido conhecimento dos conceitos e procedimentos dessa área, e a concepção da Matemática não como uma ciên-cia de verdades infalíveis e imutáveis, mas sempre aberta à incorporação de novos conhecimentos. Só assim terá flexibilidade e sensibilidade para discutir e promover discussões sobre as diferentes maneiras de se construir o conheci-mento matemático, e para compreender as diferentes formas de pensamento e estratégias utilizadas pelos alunos. Reconhecemos que não é uma tarefa fácil e que não existem receitas mágicas a serem seguidas.

Piaget, em um dos poucos artigos que aborda a Educação Matemática, discute três princípios gerais que devem ser discutidos:

a) A compreensão real de uma noção ou teoria implica na re-invenção dessa teoria pelo sujeito. O papel do professor é o de organizar si-tuações que provoquem curiosidade e busca de solução por parte da criança.

b) Em todos os níveis, a criança é sempre mais capaz de fazer e com-preender na ação do que na verbalização dos princípios nos quais se baseiam suas ações. Discussões com os colegas e professores favo-recem a verbalização e a conscientização.

c) As representações ou modelos matemáticos devem corresponder à lógica da criança e a formalização não precisa se dar imediatamente, mas posteriormente, como sistematização das noções adquiridas.

Não é apenas o uso de material concreto, mas sim o significado da situa-ção, as ações da criança e sua reflexão que contribuirão para apreensão dos conceitos matemáticos. O ensino de regras destituídas de significado pode ser a causa das dificuldades que muitas crianças encontram ao tentar utilizar os algoritmos, enquanto que outras crianças os utilizam porque mecanizaram e os exercícios nos quais estão inseridos muitas vezes fornecem pistas sobre quais algoritmos devem ser utilizados.

O primeiro trabalho da professora na escola é criar situações bastante in-teressantes, envolventes, que permitam desenvolver ações físicas ou mentais e refletir sobre essas ações, descobrindo as propriedades lógico-matemáticas subjacentes a essa ação. Não basta, porém, criar situações, utilizar materiais concretos ou jogos e deixar que as crianças passem por essas atividades como se fossem rituais. Cabe ao professor participar o tempo todo das atividades, dando pistas, conduzindo as crianças às descobertas, explorando os diferentes aspectos das situações que podem constituir problemas interessantes que per-mitam ao aluno fazer novas descobertas.

Da mesma forma, o professor pode produzir novas compreensões e conse-qüentemente novos conhecimentos sobre o processo de ensinar e aprender ma-temática através da criação de um espaço colaborativo onde as crianças tenham

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oportunidade de discutir coletivamente suas ações através de momentos dis-tintos de reflexão:

a) Antes da ação: momento em que os professores discutem seus enca-minhamentos e propostas de atividades.

b) Durante a ação: são as reflexões produzidas pelos professores du-rante a realização das aulas; é o momento em que se discutem as dificuldades encontradas, os dilemas.

c) Após a ação: momento em que se discutem e avaliam os procedi-mentos, os avanços, além de projetar novas ações para as aulas seguintes.

Esse processo colaborativo pode ser chamado de pesquisa-ação, pois embora cada professor tenha a sua própria prática todos colaboram com refle-xões, análises e sugestões, tanto para a investigação quanto para o desenvol-vimento do trabalho pedagógico do outro.

Esses momentos de reflexão, em que o professor avalia a sua própria prática, são de suma importância para que haja mudança de postura e atitudes quando necessário, pois o papel fundamental do professor de matemática de qualquer nível é o de educador e seu foco é promover uma educação pela ma-temática, não perdendo de vista a relação professor-aluno-aprendizagem.

Embora tanto os matemáticos como os educadores matemáticos te-nham em comum a matemática, olham para esse campo do saber de forma distinta. Diferentemente do matemático, que tende a conceber a matemática como um fim em si mesmo, preocupado em produzir, por meio de processos hipotético-dedutivos, novos conhecimentos e métodos que possibilitem o de-senvolvimento da matemática pura e aplicada, o educador matemático realiza seus estudos tendo como perspectiva o desenvolvimento de conhecimentos matemáticos e práticas pedagógicas que contribuam para uma formação mais integral, humana e crítica do aluno e do professor, colocando a matemática a serviço da educação.

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FIORENTINI, D. Por trás da porta, que matemática acontece? Campinas: Gráfica FE/Unicamp, 2001.

_____; LORENZATO, S. Investigação em educação matemática: percursos teóricos e metodológicos. Campinas, SP: Autores Associados, 2006. (Coleção Formação de Professores).

NUNES, T.; BRYANT, P. Crianças fazendo matemática. Tradução de: Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

Parâmetros Curriculares Nacionais. Matemática. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

PARRA, C.; SAIZ, I. et. al. Didática da matemática: reflexões psicopedagó-gicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

REVISTA DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA. N. 27, 1o quadrimestre de 1995.

ZUNINO, D. L. de. A matemática na escola: aqui e agora. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

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Qualidade de vida, subjetividade e interação

Fernanda Pires Bertuol1

1 Mestranda em Educação na PUC-PR, especialista em Modalidades de Intervenção no Processo de Aprendizagem (PUC—PR), administradora responsável pela empresa Movimento Temático: Educação para a Qualidade de Vida Ltda., sediada em Curitiba (PR).

Qualidade de Vida deve ser objeto de preocupação no tempo de trabalho e de não-trabalho, pois, caso contrário, teremos um tempo de não-trabalho apenas compensando a falta de qualidade do tempo de trabalho, numa função de mera reposição de energias perdidas ou desperdiçadas.

Moreira, 2001

Subjetividade e cultura

A cultura, fomentada pela sociedade ao longo dos acontecimentos his-tóricos, conduz a própria sociedade a uma visão de mundo, bem influente no estilo de vida das pessoas, o qual se apresenta caótico, ao nos reportarmos: à relação consumista do homem com o meio ambiente; ao que representa o tempo na vida das pessoas; às exigências e ao significado do trabalho; à falta de alternativas de lazer e à má administração do tempo livre; aos conflitos de relacionamento intra e interpessoal; aos problemas de saúde, geralmente, psicossomáticos; à dificuldade de solucionar problemas e administrar conflitos;

VII

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ao fácil acesso à informação em contraposição à dificuldade de aprender e de, principalmente, aplicar o conhecimento; e à falta de motivação, criatividade, interesse e iniciativa no que refere às atividades cotidianas.

Na luta pela vida, o homem busca tanto assegurar sua existência, no aspecto mais natural, quanto satisfazer suas necessidades e desejos. Porém o que permite apreender a relação do homem existente com sua existência são sua objetividade e intencionalidade na interação com o meio e consigo mesmo, ao passo que pertence, ou seja, se torna existente à existência, na luta cons-ciente pela vida, e não somente na luta pela existência (Levinás, 1998).

A subjetividade humana é construída na interação do homem com o mundo, segundo sua percepção de si mesmo nas situações de aprendizagem.

Como “toda situação tem uma significação imediatamente perceptível, a partir da qual se esboça um plano de ação, um projeto, um pensamento deter-minante em relação a ela” (Fonseca, 1998, p. 200), a subjetividade encontra-se imersa nos condicionamentos dos meios.

Ao mesmo tempo, se constrói a subjetividade na interação do sujeito com o mundo e constrói o mundo. Ela se expressa e manifesta pelos sentidos do corpo, os quais realizam a comunicação do indivíduo com o mundo e nos quais a linguagem imprime seu papel fundamental: o movimento intencional que permi-te ao homem pertencer a dado tempo e espaço, tornando-se sujeito histórico.

Tavares (2003, p. 110) afirma que:

a experiência de subjetividade introduz a experiência de objetividade. A primeira

imagem procede do corpo. As imagens do mundo se formam de modificações no

corpo que podem ser, assim, decodificadas em imagens. Partindo da diferencia-

ção do que são imagens do ‘eu’ e do ‘não-eu’, teremos consolidados a represen-

tação interna acurada do corpo e o senso de identidade. Torna-se possível um

espaço temporal entre o impulso e a ação, possível graças ao desenvolvimento da

consciência e do pensamento.

A subjetividade realiza-se na objetividade e realiza a objetividade. Ela contém duas dimensões inter-relacionadas, cuja comunicação mobiliza atitu-des, sentimentos, pensamentos e posturas, que se desdobram e influenciam no mundo, definindo este ou aquele sujeito, tal como é e pode ser percebido. No entanto o cenário da subjetividade é composto de todos os aspectos rela-cionados anteriormente que, atualmente, se apresentam caóticos.

Contexto da qualidade de vida e educadores nesse contextoA subjetividade está condicionada aos hábitos e é determinante da ro-

tina, porque consolida a perspectiva pessoal de mundo e, assim, a própria qualidade de vida.

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É por isso que tanto a qualidade de vida quanto a sua concepção diferem de uma pessoa para outra.

Qualidade de vida não é sinônimo de saúde. Ela abrange a saúde. Seu conceito não abarca somente o bem-estar biopsicossocial, mas a prática do ser; prática desdobrada em posturas, atitudes, atividades, hábitos e costumes, relativos a uma determinada fase de desenvolvimento humano.

Qualidade de vida é a cultura, adotada ou construída por uma pessoa, que orienta sua prática de ser em relação à sua saúde. Boa qualidade de vida para uma pessoa adulta é verificada pelo maior grau de proximidade entre o bem-estar biopsicossocial e a prática consciente do ser saudável, pois, nessa fase, é sua a responsabilidade pelo próprio bem-estar.

Um dos maiores agravantes para a qualidade de vida do adulto é o tra-balho, pela forma como é realizado e por suas condições, quando expressas na escassez de recursos materiais e humanos, na sobrecarga e na fragmentação de tarefas, nas relações interpessoais superficiais durante sua realização, na baixa remuneração, na falta de incentivo e reconhecimento a quem o realiza e no excesso de exigências e cobranças.

Esses agravantes são muito comuns em algumas profissões, dentre elas as de licenciatura.

Os professores, apesar da autonomia característica da sua atuação indi-vidual em sala de aula, deparam-se com obstáculos colocados por seu trabalho que, como todos os outros, ao acontecer na sociedade moderna, limita suas ações, submetendo sua formação humana à informação e à reprodução: o corpo é “domesticado” para a execução do trabalho, refletindo dificuldades de atuação e intervenção educativas, conforme a demanda social, ou seja, de acordo com as necessidades dos alunos, os objetivos da educação e os propósitos da pró-pria instituição de ensino onde trabalha.

O trabalho em educação, quando nas condições relacionadas, torna-se um agravante para a qualidade de vida do professor, ao passo que sua repre-sentação e significação têm fundamental função na construção da identidade profissional, que se transpõe à pessoal e, conseqüentemente, à personalidade, pois o sujeito se humaniza no momento que se relaciona com o mundo, me-diante seu próprio corpo, onde, utilizando a expressão de Merleau-Ponty, reina uma intencionalidade operante.

Em razão de o produto da educação não ser material e sim forte contri-buinte à formação humana, é que as exigências à prática pedagógica diferem de outras profissões, principalmente pela autonomia essencial à ação do professor

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(Pimenta, 1999). O que, por um lado, valoriza o profissional docente pela sua prática social, por outro lhe exige habilidades diversas e, muitas vezes, lhe toma energia no ‘tempo-espaço’ de não-trabalho.

Assim, para Zuin (1997, p.196-197):

o trabalho (sem deixar de ser entendido como processo de autogeração huma-

na e processo objetivo de existência da espécie) continua ocupando o lugar de

figura central da teoria educacional dialética. Mas interpretá-lo como condição e

realização do ser humano exige a associação da teoria do trabalho a uma teoria

do indivíduo e do sujeito. Isso significa que o trabalho (prática social) deve deixar

de ser uma condição determinante e unilateral e passar a ser estudado como um

problema de uma dialética de objeto e sujeito. Por outro lado, a formação torna-

se indissociável do sujeito. Discutir como um se estabelece exige a presença da

outra, e vice-versa.

A qualidade de vida dos educadores é reflexo da qualidade de sua inte-ração nos ambientes pessoal e profissional e reflete diretamente nessa qualida-de. Esse fator recíproco denota a relevância da preocupação e do investimento das instituições de educação com a qualidade de vida dos seus profissionais.

Qualidade das interações para a qualidade de vida

As dimensões individual e social são o universo da subjetividade huma-na, com base na qual se concebe a qualidade de vida. No entanto, nesse uni-verso, são visualizadas e questionadas algumas barreiras significativas para a conquista da boa qualidade de vida. Barreiras significativas porque se trata de problemas e conflitos na base da qualidade de vida: na qualidade das relações intra e interpessoal.

Para discutir ou resolver tais questões, tendo em vista a iniciativa de reconstrução das condutas pessoal e profissional para uma vida saudável e produtiva, é primordial a emersão visual de mundo da rotina, ou seja, o desa-pego ao hábito de realizar atividades de determinadas formas e não de outras, mediante diferentes perspectivas de percepção de si, do meio e das situações de conflito, mediadas pelo pensamento complexo, partindo para a vivência de construção de novas propostas de ação e interação frente aos problemas tidos como barreiras à qualidade de vida.

O educador, primeiramente, ao entender-se como ser complexo e ao dedicar ‘tempo-espaço’ para seu autodesenvolvimento, torna-se apto a mediar, comunicar, perceber o contexto, entender a diversidade, relacionar e interagir, contando com recursos primordialmente próprios na estruturação de processos favoráveis à aprendizagem significativa, tanto sua quanto de seus alunos.

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Esses recursos próprios são as condições pessoais para a vida e o tra-balho; são as condições construídas pela cultura pessoal, que designa hábitos, costumes, crenças, atitudes, posturas e atividades, ou seja, são aspectos da sua qualidade de vida que, por sua vez, vão interagir com aspectos da quali-dade de vida dos outros.

No entanto a qualidade das interações consigo mesmo, com os outros ou com os objetos do conhecimento designa a qualidade de vida e é designada pela qualidade de vida, numa constante dialética da vida, a qual sempre parte de cada pessoa para o mundo, gerando sentimentos de realização ou insatis-fação.

O autoconhecimento, exercitado de forma a contextualizar interes-ses, necessidades e desejos pessoais, é o primeiro passo para identificar na subjetividade tanto os objetivos de vida quanto o potencial individual para conquistá-los.

O segundo passo é alimentar um paradigma qualitativo, por meio de uma postura que combine reflexão e ação, gerando a motivação das capaci-dades de valorizar e administrar o que foi identificado; e essa valorização compete à filosofia pessoal, construída e trabalhada espontaneamente, e não a receitas que ditem passo-a-passo atitudes predefinidas e detalhadas por outras pessoas.

O terceiro passo é a administração daquilo que nos é importante, me-diante o planejamento e a realização de atividades favoráveis ao de-senvolvimento dos nossos objetivos de vida, fomentados em conjunto à reavaliação de questões prementes e atuais, como a relação entre o homem e o meio ambiente, o fator tempo na vida humana, as exigências e o significado do trabalho, a administração do tempo livre, as relações interpessoais, a saúde como bem-estar biopsicossocial, as dimensões dos diversos tipos de problema para so-luções adequadas, a motivação e a criatividade nas atividades cotidianas.

Uma qualidade de vida satisfatória não pode ser adquirida em locais ou situações específicas; ela é uma construção consciente do sujeito que aprovei-ta a qualidade das interações, ou seja, que se autoconhece, que valoriza e ad-ministra socialmente os aspectos de sua vida e que toma decisões conscientes, seguidas de iniciativas éticas.

ConclusãoA qualidade de vida requer a compreensão complexa da vida que vive-

mos intensamente, e não, simplesmente, da vida que temos ou levamos quase como espectadores. Deve ser o exercício automotivado da aprendizagem apli-cada à emancipação humana, em que o conhecimento das coisas mais simples é transposto para situações complexas, tendo como princípio a ética e desig-nando um estilo de vida saudável.

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“... A complexidade é concebida como uma reforma profunda do pensa-mento, uma tomada de posição epistemológica que, em si mesma, é desígnio e método educativos” (Morin, 2003, p. 557).

A melhoria da qualidade de vida começa com o conhecimento sobre seus aspectos e se realiza com o saber, fundamental à prática consciente do ser saudável. A melhoria da qualidade de vida dos professores requer propos-tas específicas para o trabalho do assunto junto aos professores, partindo do interesse das instituições de ensino em utilizar o tempo e o espaço de trabalho voltados à reconstrução de práticas pessoais e profissionais ineficazes, já que ambas interagem e se transformam mutuamente.

No próprio instante que me dedico aos meus projetos, a minhas ocupa-ções, a meus amigos, a minhas recordações, posso fechar os olhos, estirar-me, escutar meu sangue que pulsa nos ouvidos, fundir-me a um prazer ou a uma dor, encerrar-me nesta vida anônima que submete minha vida pessoal. Mas justamente porque pode fechar-se ao mundo, meu corpo é também aquilo que me abre ao mundo e nele me põe em situação. O movimento da existência em direção ao outro, em direção ao futuro, em direção ao mundo pode recomeçar, assim como um rio degela (Merleau-Ponty, 1999, p. 227-228).

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Gestão de pessoas: formação de uma equipe bem sucedida

Marilda Corbelini1

Novos tempos, velhos desafiosOs desafios presentes no novo milênio trazem a cena profundas mudan-

ças para o cotidiano da gestão das organizações.

No meio das turbulências de valores, da instabilidade e imprevisibilidade dos fatos, a tradicional questão se apresenta, mas cada vez mais emergente, importante e necessária de se enfrentar:

Quais as competências ou, mais precisamente, que capacidades, conhe-cimentos, aptidões e experiências são necessários para lidar com pessoas, de forma construtiva, de maneira que as diferenças possam ser administradas e equacionadas em uma relação de interdependência?

De acordo com Peter Drucker2,em seu livro Desafios Gerenciais para o Século XXI, o autogerenciamento constitui uma competência fundamental para avaliar posicionamentos, decisões, visão de mundo, possibilitando conhe-cer a si mesmo em um contexto em que a consciência da interdependência, de trabalho em equipe são condições para definir nossa inclusão no mundo da vida pessoal e profissional.

1 Doutora em Serviço Social, consultora para programas de gestão de pessoas nas organizações e professora dos cur-sos de pós-graduação (FAE / CDE, FGV, IBMEC). Coordenadora do Programa de Projetos Comunitários da PUC-PR.2 DRUCKER, Peter. Desafios gerenciais para o século XXI.

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No cotidiano da vida profissional, no mundo do trabalho globalizado, verificamos a ausência de participação, colaboração e relacionamentos éticos, saudáveis e gratificantes. As empresas, necessariamente, terão de investir na gestão da consciência de si e do outro, na capacidade de administrar conflitos, diferenças de interesses, buscando uma forma construtiva e cooperativa de relacionamento.

Velhos desafios, já denunciados por Karl Manheim em 19303, “se o de-sequilíbrio no desenvolvimento total é perigoso para o individuo, a nível da sociedade poderá levar, mais cedo ou mais tarde, à catástrofe”.

Nessas turbulências, constantemente reevidenciadas, estão presentes as contradições das transformações do desenvolvimento tecnológico, a qualidade de vida das organizações sociais e a deteriorização da dimensão humana.

Nossos conflitos e problemas são de desacordos, antagonismos sociais, frustrações sociais e não de condições materiais de vida e equipamentos con-cretos das organizações4.

O radicalismo e o antagonismo continuam presentes nos cenários em-presariais, como marca histórica dos desentendimentos dos conflitos entre ca-pital e trabalho, atrasando o processo de inovação, qualidade e competitividade organizacional. De acordo com Kerridje5, citado por Jensem, as doenças orga-nizacionais (complexidade, caos, confusão, conflito e custos) limitam a sintonia das tarefas, distorcendo a qualidade das ações organizacionais e impedindo a consecução dos processos de mudança social.

Novos tempos e o resultado através das pessoasToda e qualquer empresa (não importa seu tempo de existência, sua es-

trutura e finalidade) tem um grande desafio neste milênio: lidar com a extrema agressividade e pressão de mercado, com a competitividade, emergência de capacidade de renovação e, principalmente, enfrentar o desafio de atrair e reter, internamente, profissionais comprometidos, parceiros que compartilhem objeti-vos, expectativas, valores pessoais e organizacionais, comunicando e adminis-trando suas diferenças de natureza pessoal, interpessoal, intergrupal e coletiva.

Em qualquer organização, independente de sua natureza, tamanho ou ramo de atividade, o comportamento individual e coletivo é fruto de experiências e idiossincrasias pessoais, dos processos interativos que ocorrem na situação de trabalho, das características da cultura organizacional e dos papéis / funções que cada um representa no contexto da empresa. São as pessoas, através de suas ações, relacionamentos e formas de participação, que transformam essa entidade abstrata, a empresa, em um organismo vivo, atuante e com caracte-rísticas próprias, capaz de interagir com o meio ambiente.3 MANHEIN, Karl. Man and Society in an age of reconstruction. New York.4 RIESMAN, D. A multidão solitária. S. P. 1971.5 JENSEN, B. O desafio da simplicidade. HSM Management, no 9, 1998.

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Dentro de uma organização, um dos sistemas mais importantes é o gru-po de trabalho, contudo, pelas contingências não só externas como observa-mos, mas principalmente internas, não é fácil trabalhar nesse coletivo. Por que então continuamos a insistir em discutir a relevância do trabalho em equipe e a alta da sinergia por ela produzida?

A razão mais importante talvez seja a de que poucas tarefas podem ser feitas individualmente. Na medida em que as organizações se tornam mais complexas do ponto de vista tecnológico, é preciso mais do que energia, conhecimento, habilidades e o tempo de uma única pessoa para realizar as tarefas. É importante referenciar, no mundo do trabalho em qualquer comple-xidade, o uso mais sistemático e o aproveitamento dos diferentes talentos e habilidade das pessoas.

Entretanto, encontramos, na maioria das organizações, a ausência de efetividade no trabalho grupal. Vale a pena pensar, caso você pertença a alguns desses grupos, como está ocorrendo esta relação. Outros questionamentos também merecem ser feitos: como se organizaram? Você se sente útil dentro deles? Você confia nas pessoas? Os objetivos estão bem claros? Há compro-metimento? Enfim, você sente que faz parte desse grupo de pessoas? Você é feliz?

A proposta de construção e manutenção de equipes dos autores Sibbet / Drexler6 interessa a quem quer compreender o funcionamento dos grupos de trabalho e melhorar o autoconhecimento / autogerenciamento, como também aprimorar a habilidade de obter o que se deseja dos grupos dos quais se par-ticipa.

Liderança de equipes: um modelo (Sibbet / Drexler)O que é uma equipe?

É um conjunto de pessoas interdependentes, trabalhando em direção a um objetivo comum.

Mais especificamente:

— Eles têm uma razão ou propósito para trabalharem juntos.

— Eles precisam da experiência uns dos outros, assim como da habili-dade e do compromisso mútuo para atingirem objetivos. Esta é a sua interdependência.

— Eles acreditam que trabalhar em uma equipe leva a resultados mais eficazes do que trabalhar sozinho.

— Eles contam com um contexto organizacional mais amplo.

6 SIBBET; DREXLER, Alan. Team Building. NTL/Ed, Washington USA, 1990.

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Trabalho em equipe: os sete estágios

Os elementos que compõem este modelo são interdependentes: a pro-gressão do primeiro ao sétimo estágio não é cronológica. Todas as situações representadas no modelo estão em constante acontecimento, ainda que a so-breexcelência de uma sobre a outra, em um certo momento, varie de equipe para equipe. A progressão pelos estágios acontece, de maneira geral, de forma dependente da resolução dos tópicos concernentes aos últimos estágios. Esta dependência não é absoluta, pode acontecer, para uma dada equipe, que o processo seja bem-sucedido, ainda que exclua a realização de um ou mais es-tágios. Em geral, entretanto, a resolução de um estágio faz que seja preferível resolver o outro estágio sucessivo.

O nível de resolução para qualquer uma das questões descritas no mo-delo varia na maioria das equipes em dois aspectos. Primeiramente, as dife-renças usualmente ocorrem na maneira individual de cada um dos membros resolver suas questões. Em muitas equipes, entretanto, os membros partilham uma idéia de como o grupo está lidando com um dado conjunto de questões, isto é, todos percebem uma espécie de “centro de gravidade”. Em segundo lugar, o nível de resolução de um dado conjunto de questões varia, conforme o momento, para a maioria das equipes. Conclusões que tenham sido acertadas podem ser rediscutidas em função de um querer da equipe ou das circuns-tâncias. O mau funcionamento de uma área pode ter efeitos irreversíveis em outras.

O modelo simplifica esta realidade. Para facilitar a discussão, debatere-mos cada estágio separadamente.

Estágio de construção de trabalho em equipes1. ORIENTAÇÃO: Eu pertenço a este lugar? Eu quero estar aqui?

Quando as equipes estão em construção, os componentes estão ten-tando imaginar POR QUE estão ali, se seu potencial será aproveitado e se os outros vão aceitá-los. As pessoas sempre precisam de algum tipo de resposta para poderem prosseguir.

2. CONSTRUINDO CONFIANÇA: Quem é você? O que você espera de mim?

Em seguida, as pessoas querem saber COM QUEM vão trabalhar, suas expectativas, agendas e competências. A informação adequada ajuda a construir confiança e um livre intercâmbio entre os membros da equipe.

3. CLARIFICANDO OBJETIVOS / PAPÉIS: O que a equipe deve fazer?

O trabalho de equipe começa a acontecer mais concretamente com a clarificação dos objetivos da equipe, bem como do papel de cada mem-bro. Termos e definições vêm à discussão: QUAIS são as prioridades?

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4. TOMADA DE DECISÃO E COPROMISSO: Para onde?

Em certo momento, as discussões precisam ser encerradas e as decisões devem ser tomadas sobre COMO os recursos, o tempo, o pessoal de apoio, todas as contingências, a nível de suporte, serão administradas.

Estágios de manutenção do trabalho em equipes5. IMPLEMENTAÇÃO: Como as coisas são feitas?

As equipes ganham impulso quando começam a seqüenciar o traba-lho e se concentrar em QUEM faz o QUE, QUANDO e ONDE na ação. Controles sobre o tempo e a organização dominam esse estágio.

6. ALTO DESEMPENHO: Sinergia!

Quando a metodologia é assimilada, uma equipe pode começar a mudar seus objetivos e responder de forma flexível (A equipe pode, então, exclamar “UAU!”).

7. RENOVAÇÃO: Questionar a continuidade

As equipes são dinâmicas. As pessoas ficam cansadas, há mudanças de membros. As pessoas imaginam “POR QUE continuar”. É hora de colher os resultados do que foi ensinado e preparar-se para um novo ciclo de ação.

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DESENVOLVIMENTO DE EQUIPES

ESTÁGIOS DE CRIAÇÃO ESTÁGIOS DE SUSTENTAÇÃO

NÃO RESOLVIDO* Incerteza* Medo

RESOLVIDO* Determinação* Companheirismo

NÃO RESOLVIDO* Precaução* Falta de confiança

RESOLVIDO* Estima mútua* Interação espontânea

NÃO RESOLVIDO* Apatia* Competição irrelevante

RESOLVIDO* Clareza de objetivos* Papéis identificados

RESOLVIDO* Visão partilhada* Decisões

NÃO RESOLVIDO* Dependência

RESOLVIDO* Reconhecimento* Domínio das mudanças* Poder duradouro

NÃO RESOLVIDO* Frustração* Esfacelamento do grupo

RESOLVIDO* Sinergia* Comunicação* Equipes

NÃO RESOLVIDO* Desarmonia

NÃO RESOLVIDO* Conflito* Prazos Perdidos* Desmotivação

RESOLVIDO* Processo claro* Execução disciplinada

1.ORIENTAÇÃO:

POR QUE ESTOU AQUI?

2.CONSTRUINDO CONFIANÇA:QUEM SÃO

VOCÊS?

3.CLARIFICAÇÃO

DOS OBJETIVOS: O QUE ESTAMOS

FAZENDO?

4.COMPROMISSO:

COMO FAREMOS?

7.RENOVAÇÃO:

POR QUE CONTINUAR?

6.ALTO

DESEMPENHOUAU!

5.IMPLEMEN-

TAÇÃO

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Anotações

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Anotações

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Anotações

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SERIEDADE | COMPETÊNCIA | CONSCIÊNCIA | DEDICAÇÃO