sabrina-1491- O céu é ó limite- alison Noel

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O céu é o limite Alison Nöel Digitalização e revisão: Marina Formatação: Dominique 0

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O céu é o limite Alison Nöel

Digitalização e revisão: Marina

Formatação: Dominique

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O céu é o limite Alison Nöel

Sinopse:

Acima das nuvens...

Hailey ficou eufórica quando o vôo para o qual estava escalada foi cancelado e ela pôde antecipar a volta para casa e fazer uma surpresa ao namorado! Mas quem teria uma surpresa... e das mais chocantes... seria ela.

Para recuperar o equilíbrio emocional, esquecer o, passado e começar vida nova, Hailey decidiu partir numa longa viagem ao redor do mundo. Afinal, seu trabalho de comissária de bordo lhe possibilitava conhecer lugares exóticos e pessoas interessantes. E em cada vôo, aeroporto ou hotel, Hailey encontrou passageiros galanteadores, hóspedes sedutores, amores passageiros e também o que ela jamaispoderia imaginar... O seu verdadeiro amor!

Capítulo I

Lá estava eu, tentando pegar o exemplar do USA Today do lado de fora da porta do quarto de hotel, e fazendo o possível para ignorar

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o fato de que minha grossa meia-calça preta estava me apertando demais, quando ouvi o som abafado do telefone.

Em qualquer outro dia, eu pegaria o jornal e me jogaria em direção ao elevador, pois um telefonema naquele momento só po-deria significar que estavam me procurando e que eu tinha menos de trinta segundos para chegar ao saguão do hotel.

Mas hoje tudo era diferente. Estava adiantada cinco minutos, era meu vigésimo oitavo aniversário e, antes do fim do dia, estaria noiva de Michael, meu adorado colega de quarto e namorado nos últimos quatro anos. Tudo começara no dia anterior a minha partida para esta viagem. Eu limpava o quarto e cantava e, de repente, bati contra a mochila de Michael, fazendo-a cair. Agora admito, até aquele momento a tal mochila não tinha o menor interesse. Sempre a consi-derei uma maleta sem importância; mas, quando vi a bagunça es-palhada ao meu redor, ajoelhei-me para examinar cada pedacinho como se fosse o portão para um mundo de segredos que eu jamais pensei que pudessem existir.

Claro que havia tudo que se poderia esperar de um comissário de bordo. Mapas, barras de proteína inacabadas, o documento de identidade dele na companhia, e uma lanterna amarela enorme que deveria ser usada em caso de emergência. Mas havia também al-gumas surpresas, como o tubo de pomada, a garrafa vazia de um remédio e um cartão de uma locadora nada familiar. E havia também aquela caixinha pequena, azul, amarrada com uma fitinha branca. E eu, cheia de emoção, com o coração acelerado, logo imaginei Michael ajoelhado a minha frente, com olhos apaixonados, pedindo-me em casamento. Quase disse "sim" naquele mesmo instante, ali, sozinha no quarto.

Assim, antecipando um café-da-manhã com meu quase noivo, voltei para dentro do quarto e atendi ao telefone. Uma voz masculina, com forte sotaque sulista, perguntou:

— Hailey Lane? Aqui é Bob, do setor de programação de vôos. O restante de sua viagem foi cancelada. Pode voltar para casa.

Eu não poderia receber uma notícia melhor! Mesmo assim, dei-me o direito de duvidar:

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— Ora, deixe disso, Clay. Já estou descendo.

— Sita. Lane, lembre-se de que todas as ligações são gravadas — disse a voz dele, num tom divertido.

— Não é Clay quem está falando?

— Seu vôo para casa é o 001, sem escalas, de San Diego a Newark. Vai chegar às três horas.

— Está falando sério? Não preciso mais ir a Salt Lake, Atlanta, e depois a Cincinatti?

— Ainda preciso entrar em contato com o restante de sua tri-pulação. Portanto... — Ele começava a parecer aborrecido.

. — Está bem. Só mais uma pergunta: Posso mudar um pouco o caminho? Porque há um vôo sem escalas até La Guardiã uma hora antes. Posso ir nele?

— Sem problemas. Vou fazer a transferência agora mesmo.

— Mesmo?! Oh... Obrigada! Muito obrigada! Não faz idéia do quanto é importante para mim! É meu aniversário e... Alô?

Desliguei, já que ele o fizera primeiro, e enfiei o jornal embaixo do braço. Fui até o quarto de Clay, bati duas vezes, esperei, bati de novo, pois era nosso código secreto há seis anos.

Clay e eu nos conhecemos no primeiro dia do treinamento para comissários da companhia e devo a ele o emprego, pois teria desistido logo, se não fosse seu apoio. Quando eu pensava em desistir, lá vinha ele com seu discurso longo, descrevendo emoções, aventuras, alegrias. E eu ia ficando. Fiquei até hoje. Mesmo enfrentando um treinamento quase militar no qual até mesmo esquecer de sorrir poderia acarretar uma passagem sem volta para casa.

Aprendemos tanto juntos, eu e Clay! Como tentar sobreviver com o mínimo possível num caso de queda de aeronave, como Tingir que não viu quando dois passageiros estão envolvidos num «braço que vai além do normal, como segurar um passageiro agindo em seu lugar, sejam quais forem as conseqüências, como lidar com palavras

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pesadas, gente mal-educada, cantadas, ferimentos, lírios, vômitos etc.

Passamos, enfim, por tudo que deveríamos no treinamento e, quando a companhia tinha, finalmente, quebrado nosso espírito, e nos tornamos apenas símbolos de seu emblema, entramos em nosso primeiro vôo com aquele sorriso absolutamente simpático e autêntico no rosto.

— Feliz aniversário, boneca! — disse ele, na voz arrastada do sul. — Você está linda! — Ele vestia um blazer azul-marinho.

— São quatro da manhã e nem estou com olheiras! — exclamei. Valeu a pena não dar aquela esticadinha com vocês ontem à noite.

— É, mas perdeu bons momentos. Nós nos encontramos no bar e cli vidimos a conta fraternalmente. Nosso primeiro oficial até usou nina calculadora.

— Está brincando!

— Não estou, não. Gastei exatos oito dólares numa comida ruim e um copo de vinho seco.

— Bem feito. Isso incluiu a gorjeta.

— E ele paga gorjeta a alguém? Tive de tirá-la do meu bolso, li então, vamos desviar do caminho?

— Eu vou.

Estávamos já caminhando em direção ao elevador, quando ele observou:

— Ótimo, porque eu disse ao pessoal que faria exatamente o que você fizesse. Assim, podemos dividir o dinheiro do táxi.

— Está bem, mas nada de parar pelo caminho.

Clay era famoso por ficar parando aqui e ali no caminho entre o aeroporto La Guardiã e qualquer lugar em que estivesse hospedado naquela semana.

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— Nada de caixas eletrônicos, lanchonetes, locadoras, bares... tenho uma noite maravilhosa pela frente e agora que vou chegar mais cedo em casa, quero tomar um longo banho e talvez, até, ir à manicure.

— Ah, então esta noite é a noite...

— Exatamente.

— Vai dizer sim ao sujeito?

— Talvez.

— Como assim?

— Ah, acho que sim, porque vivemos juntos, ele é bom para mim, é normal.

— Ótimo. Então, qual é o problema?

— Problema? Nenhum! Quero dizer...

— Hailey, ele é piloto! Que tipo de emoção achou que iria ter?

— Ah. Mas ele não é como os outros! Vive em Manhattan, não se veste feito um bobo... E vai me levar ao Baboo esta noite porque é meu aniversário. E lá elevai deixar uma gorjeta gorda porque é, também, generoso.

Entramos na van que nos levaria ao aeroporto. — Bem, então nada mais me resta dizer a não ser que você se sentiria muito mais segura se olhasse dentro daquela caixinha da Tiffani que encontrou.

Passei o vôo todo fazendo uma lista mental de todos os motivos pelos quais deveria me casar com Michael. Não podia fazer uma lista real, escrita, pois tinha de ficar fingindo que dormia para evitar conversa com os dois homens gordos e cheirando a cigarro no meio dos quais fui colocada no avião.

Havia dois lados em minhas impressões. O que dizia que de-veria simplesmente dizer sim e outro, que me mandava cair fora quanto antes. Continuei fazendo minha revisão mental, mas não consegui chegar a uma conclusão que pudesse ser definitiva. . Passei a maior parte de minha vida adulta seguindo de um lado para outro e

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viajando pelo mundo, deixando uma trilha de projetos inacabados, como faculdade, namorados, o romance que comecei a escrever há sete anos. Nunca consegui ficar com alguma coisa por muito tempo, nem mesmo com a cor de meus cabelos! Assim, não era de estranhar que agora tivesse dúvidas. Na verdade, a única coisa que realmente completei foi meu treinamento de comissária de bordo e isso se deveu mais à insistência de Clay do que a minha boa vontade.

Portanto, o fato de agora estar com os músculos do estômago tensos era devido apenas e exclusivamente a mim mesma e não a algo que Michael pudesse ter feito.

O problema era que, agora, tudo era diferente. Estava traba-lhando para a Atlas Linhas Aéreas há seis anos, o que era um recorde, e estava com Michael há quatro, unia marca maior ainda! É verdade que nós dois viajávamos muito e que o tempo que tínhamos estado juntos jamais ultrapassaria seis meses, se todos os dias fossem somados. Mesmo assim, o recorde persistia. Isso para não mencionar que todas as minhas amigas, nesse espaço de tempo, tinham se casado e eu era sempre convidada a vê-las desfilarem pela igreja sem nem mesmo um ligeiro sinal de pânico. E, depois de casadas, todas elas tornavam-se, invariavelmente, grandes sábias da filosofia matrimonial, dando-me conselhos e mais conselhos sobre como fisgar um homem, porque, em minha idade, supunham que eu já deveria estar casada. Há, realmente, uma idade para isso?!

Bem, agora chegara minha vez.

E eu, nesses anos todos na aviação, sabia muito bem que o avião nunca espera. Que, se não estivesse no portão de embarque na hora certa, seria imediatamente substituída. E estava começando a acreditar que talvez essas frases se aplicassem também a minha própria vida. Quero dizer, talvez Michael não fosse a pessoa mais emocionante, mais criativa, ou mesmo a mais divertida, mas era apresentável, confiável, tinha uma boa conta bancária e me tratava bem. E eu começava a ver que retroceder e esperar por alguém mais atraente resultaria apenas em acabar perdendo de vez o avião e ficando sozinha para sempre. Assim, quando estávamos quase chegando, eu já decidira a me mostrar surpresa e emocionada

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quando ele me desse a tal caixinha azul e pretendia dizer sim com tanto entusiasmo quanto possível.

Assim que pousamos, verifiquei minha mala de mão, liguei meu celular e passei a seguinte mensagem para Michael:

Olá, querido. Tenho boas novas. Meus vôos foram cancelados e estarei chegando mais cedo. Sei que deve estar na academia ou algo parecido, mas queria apenas dizer olá e mal posso esperar por esta noite.

Enfiei o aparelho de volta na bolsa e tentei ignorar o cheiro de cebola que vinha do sujeito à minha direita. Nesse momento, a voz do comandante soou pela aeronave:

Senhoras e senhores, queiram por gentileza aguardar mais al-guns momentos, pois estamos com um ligeiro problema com a conexão para abrirmos a porta. Contamos com sua paciência e colaboração. Obrigado.

O homem à minha esquerda cutucou meu braço e perguntou:

— O que ele disse?

G que estava acontecendo? Não tínhamos todos ouvido o mes-mo anúncio no mesmo volume? Ele achava que por estar usando uniforme de comissária eu teria ouvido algo mais? Sorri, tentando manter a calma e a educação e respondi:

— Acho que ele disse que está havendo um probleminha com a porta. — E vi que ele ficava absurdamente vermelho, como se estivesse a ponto de ter um ataque cardíaco.

— Linha aérea de quinta! — resmungou, olhando-me como se eu fosse pessoalmente responsável por qualquer coisa que o tivesse desagradado no vôo. — Nunca mais vou voar nestes aviões!

Passei os olhos ao redor para verificar se minha supervisora ou qualquer outro colega em serviço estava por perto, pois se estives-sem eu tentaria, calmamente, diminuir a tensão do passageiro e discorreria sobre o excelente serviço de nossa companhia. Mas como não havia ninguém, simplesmente dei de ombros e liguei meu iPod.

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Pouco depois, já correndo para a fileira de táxis do lado de fora do saguão, encontrei Clay, como já era de esperar.

— Olá! — ele saudou, espremendo-se entre muitas outras pes-soas que carregavam malas pretas idênticas, com idênticas fitas vermelhas amarradas nas alças para poderem ser identificadas mais depressa entre as demais. — Demorou a chegar.

— Tive de aceitar o lugar onde me puseram, lembra? E então, como foi na primeira classe?

Ele era três meses mais velho do que eu, o que, naquele caso, era tudo que era necessário para mantê-lo sentado na frente confortavelmente enquanto eu ficava atrás, espremida entre dois barris.

— O serviço está cada dia pior — disse ele. — Sabe que não vamos mais servir pretzels com o coquetel antes do vôo? Parece o fim do mundo!

Já era nossa vez para o próximo táxi e Clay abriu a porta, avi-sando ao motorista:

— Vamos fazer duas paradas. — E deu meu endereço e depois o seu, que costumava mudar praticamente toda semana.

Estávamos acomodados no banco de trás quando decidi indagar:

— Está em Chelsea esta semana?

— Já faz um mês, na verdade.

— Ora, ora, estamos falando de um novo homem!

— Vamos mudar de assunto. E então, está nervosa? Olhei pela janela, vendo as luzes de Manhattan.

— Um pouco.

— E? Então, não se esqueça dos pobres coitados que estiveram sempre a seu lado antes de decidir dar o passo final dentro do mundo dos casados, certo?

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— Clay, sabe que eu jamais me esqueceria de você. — Segurei-lhe a mão e apertei-a de leve.

— Ah, isso é o que todas dizem, mas é uma história velha. Perder faz parte da vida, afinal.

— Oh, pare de choramingar. Você é meu melhor amigo! Ele tornou a sorrir enquanto eu prosseguia:

— E, além do mais, Michael adora você.

Clay ficou me olhando, desconfiado, obrigando-me a corrigir:

— Está bem, ele tolera você. Mas prometo que nada vai mudar. Você vai ver. — Sorri também, tentando parecer animada e ver-dadeira, mas não sei por que, não convencia nem a mim mesma.

Ao chegarmos a meu prédio, inclinei-me e dei-lhe um beijo no rosto, prometendo:

— Ligo para você amanhã. Podemos nos encontrar, tomar um café e lhe darei todos os detalhes sujos além, claro, de lhe mostrar o anel. Prometo.

Peguei minhas malas e corri para dentro, ansiosa por subir as escadas e tirar aquele uniforme de poliéster que eu detestava.

Fui tirando partes no elevador, até chegar ao décimo quarto andar e, quando cheguei e abri a porta de meu apartamento, já estava sem os sapatos, sem a jaqueta, e a ponto de sair da saia. Foi então que vi o blazer azul-marinho no tapete turco que tínhamos comprado num bazar na primavera anterior. Peguei a peça de roupa e dobrei-a sobre meu braço, empurrando a porta entreaberta do quarto. Deparei, então, com uma cena, no mínimo, inquietante, como outras de que ouvira falar muito, mas que jamais imaginei que pudesse acontecer na vida real.

Ali, sentado na beirada de nossa cama enorme, estava meu fu-turo marido, Michael, usando o suéter cinza de cashemir que eu lhe dera no aniversário, empurrado para cima, até seu pescoço com as calças baixadas até os tornozelos, a cabeça voltada para trás, os olhos cerrados e os lábios entreabertos, enquanto uma comissária morena, de cabelos curtos, dava beijos em seu peito.

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Fiquei parada, chocada, vendo outra mulher fazendo o que eu mesma fizera dois dias antes, pouco antes de sair e pegar o ônibus para o aeroporto. Houve, então, um grito horrível. Demorou para eu entender que saíra de minha garganta.

— Hailey! — Michael gritou, levantando-se de imediato. — Não é o que está pensando! — E tentava erguer as calças, o que lhe dava uma aparência patética.

— Oh, Deus, o que está havendo aqui, Michael? — continuei aos gritos.

— Calma, meu amor! Está tudo bem, ouviu? Mas eu repeti, ainda mais alto:

— O que está havendo aqui, seu miserável?! — Não conseguia me mover, nem fechar os olhos, o que me obrigava a ver aquela moreninha ridícula encurralada contra os fundos da cama.

— Hailey, por favor, querida. Posso explicar.

-— Quem é ela?! — exigi saber, vendo a garota enfiar o rosto na colcha.

Foi então que ambos me encararam, de repente, e compreendi. Não se tratava do que eu estava pensando. Era ainda muito pior. A garota em questão era um homem!

— Oh, meu Deus! — sussurrei, enojada, saindo do quarto.

— Hailey!

Mas eu já estava na sala, puxando o zíper da saia e procurando meus sapatos. Tinha de sair dali o quanto antes. Ajoelhei-me para pegar os sapatos que tinha lançado embaixo tia mesa de centro e ouvi, numa voz suave, quase suplicante:

— Hailey, por favor, devolva minha jaqueta, sim? Vou me atra-sar para meu vôo.

Ergui os olhos para ver o jovem que, segundos antes, beijava o peito de meu namorado. Então baixei os olhos para a jaqueta que

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ainda trazia no braço, achando, todo aquele tempo, que era minha e que a tinha deixado no chão por ser uma péssima dona de casa. Joguei-a para ele e, arrebanhando o que era meu, saí correndo. Ao fechar a porta atrás de mim, ainda pude ouvir os gritos de Michael:

— Hailey! Espere! Posso explicar! Não diga a ninguém!

Capítulo II

Assim que consegui colocar minha cabeça em ordem, passei a me fazer todas as perguntas que, normalmente, uma comissária faz assim que desperta para um novo dia: Onde estou? Que hotel é este? Será que perdi meu vôo? Por que não me acordaram pelo telefone, como pedi? Onde fica o banheiro? E, em meu caso, em particular:

Quem é essa pessoa peluda deitada a meu lado?

Abri um olho e tentei saber quem poderia estar ali, junto a meu ombro. E, quando me voltei, cuidadosamente, fui cumprimentada pelo olhar cinzento e gelado de Conrad, o gato persa esnobe e de nariz empinado que ganhou o nome do terceiro marido de Kat. Só então os fatos do dia anterior começaram a voltar a minha mente, arrebatadores.

Depois daquela cena terrível, peguei um táxi e dei ao motorista o endereço de Kat. Mas fazia sentido. Afinal, Clay estava em Chelsea, e todas as amigas com quem eu costumava sair estavam agora casadas ou tinham acabado de dar à luz, tinham sido transferidas para outra base, não trabalhavam mais para a Atlas, enfim, não estavam disponíveis para me oferecerem seu ombro amigo. Além do mais, desde a viagem que tínhamos feito juntas a Madri, há cinco anos, Kat tinha se tornado quase uma mãe para mim, embora, claro, muito menos intrometida do que uma mãe de verdade poderia ser. Ela também era a única que j á tinha horas de vôo suficientes para seguir para Istambul ou Atenas no meio da semana, o que significava que deveria estar em casa naquele momento.

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Assim que abriu a porta para mim, Kat me olhou profundamente .e disse apenas:

— Vou lhe preparar uma bebida.

E eu entrei em sua sala de estar e me joguei no sofá, querendo apenas morrer.

— Acho que vou vomitar — murmurei.

— Bobagem. Deixe sua bagagem aí e venha comigo enquanto preparo seu copo. Quero que me conte tudo. — Kat passou o braço por meus ombros e me guiou até sua biblioteca, onde costumava deixar uma ou duas garrafas.

Eu me enrodilhei num sofá de veludo, enquanto ela colocava a bebida em dois copos. Como sempre, estava impecavelmente ves-tida, com a maquiagem perfeita e os cabelos loiros, brilhantes e suaves, com cada fio no seu devido lugar. Olhando-me com atenção, apenas comentou, sorrindo.

— Não me parece que seja um momento para champanhe. Vodka é mais apropriada.

Eu não queria álcool de espécie alguma, mas aceitei o copo e dei um pequeno gole, sentindo a bebida descer, queimando por minha garganta. Depois tornei a olhar para Kat e bebi de novo.

Katina Wikes-Noble-Whitmore é uma comissária de carreira, com mais de trinta anos como sênior. Uma mulher que, em sua vida fascinante, já jantara com grandes estadistas e os servira. Casada por três vezes, e agora viúva, sem filhos, parecia ter adotado tanto a Clay quanto a mim.

Quando seu terceiro marido, Conrad, caíra fulminado por um ataque do coração, havia três anos, Kat se tornara mais rica do que jamais poderia imaginar. E depois de tirar uma licença-prêmio de seis meses para poder chorar a morte de seu amado, acabara voltando a voar. E, de imediato, se tomara inimiga de qualquer comissário júnior que, num mundo liderado pelos comissários sêniores, passa a vida toda esperando que mulheres como ela acabem desistindo do serviço.

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Mas Kat tinha de continuar voando. Gostava de saber dos dra-mas alheios e ajudar as pessoas. Pode não parecer, mas, a tantos pés de altura, muitos dramas se desenrolam...

— Kat, eu... — comecei, mas ela me interrompeu:

— Não diga nada. Vá bebendo.

Obedeci, vendo que a vodka estava começando a me fazer bem. Minutos depois, deixei o copo sobre a mesa de centro e caí em prantos. Quando consegui parar de soluçar, Kat me ofereceu uma caixa de lenços de papel.

— Obrigada.—Assoei meu nariz, deixando de lado a vergonha por fazê-lo diante de alguém. Afinal, vergonha era algo bem relativo naquele momento. — Sinto muito... Eu... devo estar horrível.

— Bobagem. Agora, conte-me o que houve e vamos dar um jeito em tudo.

Respirei fundo e contei tudo a ela. Cada detalhe. Ela apenas me olhava.

— Tem certeza? — perguntou, por fim. — Sobre o que real-mente viu, quero dizer.

Peguei a garrafa de vodka e me servi.

— Sim, tenho certeza — murmurei, relembrando cada segundo daquela cena horrorosa.

— E quem era? Alguém que eu conheça?

— Acho que não. O sujeito voa pela Lyric.

—A linha que oferece aqueles descontos?! — Ela parecia ainda mais chocada. Considerava o uniforme deles horrível, os sapatos fora de moda e os descontos o fim do mundo!

Assenti, vendo-a erguer as sobrancelhas para comentar:

— Bem, não me surpreende. São uns verdadeiros animais...

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— Sabe, sou uma idiota! Uma enorme idiota! Pensei, mesmo, que Michael ia me pedir em casamento!

— Voltei a soluçar e enfiei o rosto nos lenços de papel.

— Você não ia aceitar, ia?

Encarei-a novamente, vendo seu olhar desaprovador, e de ime-diato me arrependi de tê-la procurado. Afinal, eu estava procurando por solidariedade apenas e não havia nada de solidário no que Kat acabara de dizer.

Ela se levantou e me olhou de frente, muito séria, para concluir:

— Hailey, sei que não quer ouvir isto, mas acho que o que aconteceu foi apenas para seu bem.

Encostei-me nas almofadas e cerrei os olhos, determinada a não mais ouvi-la. Devia ter ido à casa de Clay, imaginei. Ou a um hotel. Ou me enfiar nas estações do metrô como tantas outras pes-soas solitárias.

— Você é jovem demais para se amarrar — Kat prosseguiu, lira estranho ouvir uma mulher que passara por três casamentos dizer tal coisa.

Cruzei os braços, numa atitude de proteção. E ela continuava: —Além do mais, não acha que foi melhor descobrir tudo agora, em vez de daqui a cinco anos? Já pensou? Você, numa casa de subúrbio, com quatro crianças agarradas a sua saia, Michael voando pelo mundo, voltando apenas para largar a roupa suja e as bobagens compradas no free-shopl Comecei a ouvir. Fazia sentido.

— Mas como uma coisa horrível assim pôde me acontecer? — murmurei, chorando de novo.

— Como pude não saber? Não perceber? Clay sempre diz que sou tão esperta e, no que se refere a meu próprio namorado, estava cega!

Kat tornou a erguer as sobrancelhas. Bebeu um gole de sua vodka e indagou:

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— O que pretende fazer?

Fui até o barzinho, onde peguei mais gelo e respondi:

— Tudo o que sei é que estou oficialmente solteira e sem teto. Poderia me deixar ficar aqui por alguns dias? Apenas até eu ir buscar minhas coisas e arranjar outro lugar para morar.

— Mas é claro que pode ficar! Harold, William, Conrad e eu vamos adorar sua companhia!

Olhei para os três gatos acomodados pelos tapetes, cada um com um nome dos ex-maridos de Kat, inclusive a gatinha Conrad. Eles também me encaravam, sérios, mas intensos. Deus, eu tinha me esquecido de que era alérgica a pêlo. Mas eu não tinha muitas alternativas. Portanto, seria melhor ficar na cobertura de Kat com os três gatos ou morar na sarjeta.

— Obrigada — disse, sentindo as lágrimas descerem por meu rosto novamente.

— De nada, minha querida.

E agora, apertando a cabeça dolorida com ambas as mãos, saí da cama onde Conrad permaneceu e segui para a cozinha, deter-minada a encontrar minha amiga e me desculpar pela choradeira, pela bebedeira e pelo desmaio de cansaço e sofrimento como ter-minou o espetáculo da noite anterior.

Encontrei apenas um recado colocado sob uma pirâmide de latas de comida para gato, no qual Kat me dava instruções detalhadas sobre como alimentar os bichanos. Um P.S. anunciava que ela seguira para Atenas, para visitar uma amiga.

Fiquei imaginando quem ela poderia conhecer na Grécia e dediquei-me a colocar a comida nos pratinhos de vidro quando, de repente, Clay entrou na cozinha, com um buquê de tulipas, sorrindo e praticamente gritando:

— Bom-dia, boneca!

Meu coração quase parou de susto.

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— Como foi que entrou? — foi minha resposta a sua saudação matinal.

— Kat me ligou hoje cedo, disse que eu deveria dar uma passada e verificar se você estava bem. Então nos encontramos no Grand Hotel e ela me entregou as chaves. Você está bem? — Ele largou as tulipas e deu-me um abraço que provocou outra onda de choro. — Sinto muito — ouvi-o sussurrar em meu ouvido.

Sequei meus olhos inchados e peguei as flores que ele me en-tregava, cheirando-as, mesmo sabendo que não tinham perfume.

— Ela lhe contou tudo? — perguntei, olhando-o por cima das pétalas.

— Sim. — Clay baixou os olhos; era evidente que estava des-confortável.

— Oh, Deus, sou tão idiota! — exclamei.

— Não diga isso.

— Sou, sim. Nunca me ocorreu que ele estivesse... — Parei, sem conseguir terminar a frase.

— Pilotando um teco-teco? Desculpe, foi uma piada de mau gosto.—Ele se voltou para pegar um vaso para as flores. — Vamos combinar uma coisa: sei que se sente devastada e isso é compreen-sível. Vou te ajudar a superar isso, e acredite em mim, tenho um bom plano. Mas, antes mesmo que comecemos, tenho de insistir em que tire esse uniforme e tome um bom banho. O que me diz?

Olhei para mim mesma, surpresa por ver que ainda estava usando meu uniforme azul.

—Não acredito que dormi assim. Devo estar horrível. — Meus olhos estavam cheios de lágrimas de novo.

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— Olhe, vá para o chuveiro, depois vista um daqueles robes que Kat coleciona enquanto vejo o que ainda resta aqui de um dos ex. Depois explicarei o que tenho em mente, está bem?

Pouco depois, vestida num aconchegante robe vermelho e com meus cabelos soltos, ainda úmidos, encontrei Clay no sofá da sala, com um charuto apagado entre os lábios, vestido num enorme paletó de um smoking.

— Onde encontrou isso? — perguntei, rindo.

— Num dos quartos de hóspedes. E então, estou bem? — E colocou-se numa posição supostamente masculina entre as al-i notadas.

— Parece o mestre-de-cerimônias do filme Cabaré. E esse charuto?

— Já experimentou um?

Neguei com a cabeça e me sentei, colocando um pé embaixo do corpo.

— Eles são tão... Másculos, não acha? — Ele observava o charuto. — Um sujeito hetero que goste muito deles não deve ser tão hetero assim...

— Oh, Deus... Michael adora charutos, especialmente os cuba-nos.— Senti um aperto na garganta.

— Sinto mais uma vez ter acertado...

Olhei para os dois bloody mary que ele tinha preparado e peruei um.

— Não devia beber isto — comentei. — Um café seria melhor.

— Esqueça. Quer ficar alerta? Ou quer se sentir melhor? Não, eu não queria ficar alerta. Tomei um gole e, logo em seguida, o segundo.

— Muito bem, qual é seu plano, então?

— Bem, abriu meu presente.

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A pergunta estalou em minha mente. Eu não só não abrira o presente como me esquecera completamente dele até agora. O olhei, cheia de culpa, e murmurei:

— Eu não tenho bem certeza de onde ele está

— Tem sorte por eu tê-lo encontrado porque, mesmo parecendo estranho, ele se encaixa perfeitamente em meu plano.

Clay retirou um pacote retangular embrulhado em papel dou-rado debaixo de uma almofada.

— Onde o encontrou?

Ele o entregou a mim, explicando:

— Bem no fundo de sua mala.

— Vasculhou minhas coisas?

— Não tem segredos para comigo, tem, boneca? Vamos lá, abra!

Obedeci, vendo o DVD com o retrato em preto e branco de Audrey Hepburn segurando uma longa cigarreira aparecer diante de meus olhos.

— Oh, adoro este filme! — exclamei, inclinando-me para abraçá-lo.

— Ótimo. Muito bem, este é o plano. — Clay deixou sua bebida e olhou-me, sério. — Vamos nos deliciar com nossos bloody mary enquanto assistimos Bonequinha de Luxo. Depois vamos pedir comida japonesa ou chinesa. Quando terminarmos, já será de tarde; e vamos então comemorar com outro coquetel e, se você quiser conversar e espantar toda essa tristeza, vou ficar calado e ouvir. Prometo não interromper, nem mesmo dar conselhos, a não ser que os peça. Então, vamos ligar para uma doceria e pedir sorvetes, bem como um jornal, e depois, quem sabe, vamos experimentar uns daqueles uniformes antigos e engraçados que Kat ainda guarda, dos anos setenta. Imagino que, em certo momento, vamos acabar dormindo. Quando amanhecer será domingo. — Ele parou, movimentou o charuto apagado no ar e completou: — Bem, ainda não

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completei todos os detalhes para o domingo, mas acho que lá pelas onze e quarenta e cinco, da noite, claro, vamos ter que limpar toda a sujeira que fizermos. E, pouco depois da meia-noite, quando for oficialmente segunda-feira, você vai recomeçar sua vida.

— Não sei se vou conseguir... — Eu poderia parecer patética, mas estava sendo honesta.

— Claro que vai! Vai ter que fingir durante algum tempo, mas vai conseguir, sim! Acredite em mim, Hailey! Não estou lhe pedindo que esqueça o que houve porque sei que isso vai demorar muito mais do que ura fim de semana de ócio. Só estou sugerindo quarenta e oito horas para descansar, sem esquecer o que já sofreu ontem, e depois vamos limpar tudo e não olhar para trás.

— Não sei... — recomecei a chorar. Clay aproximou-se e tocou meu queixo.

— Sei que agora parece impossível, mas vai conseguir, boneca. Agora, vamos, passe-me esse DVD.

Depois de assistirmos duas vezes ao filme, de bebermos três bloody mary, comermos salgadinhos à vontade, e nos deliciarmos com duas caixas de comida chinesa, além de mordiscarmos, sem jamais acendermos o charuto, e depois também de muitas lágrimas o duas caixas de lenços de papel usadas, consegui, finalmente, convencer Clay de que estava pronta para levar minha vida adiante.

Estávamos nos despedindo, à porta, quando o abracei, murmu-rando:

— Não sei o que faria sem você.

— Tem certeza de que agora está bem?

— Absoluta. Então, vai voar amanhã?

— Sim. Ficarei dois dias em San Juan.

— Ah, você sempre consegue as viagens mais interessantes! Não sei o que faz para ter tanta sorte.

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— Acho que são meus seis anos de suborno com chocolate e vinho comprado fora e trocado pelo favor certo, com a pessoa certa... Podia fazer isso também.

Sorri, negando de leve com a cabeça.

— Não tenho seu jogo de cintura.

— Devia vir comigo a Porto Rico.

— Não posso. E nem quero estragar sua estadia lá, embora curta. Sei o quanto San Juan é divertida e sei que vai adorar.

— Bobagem. Venha comigo! Sei que não está trabalhando, e sei também que não tem nada melhor para fazer.

— Ah, obrigada por me lembrar...

— Ora, vamos! E tudo grátis! O vôo e, como vai ficar comigo, lambem a hospedagem!

— Clay, não posso...

— Posso até comprar seus quatro primeiros mojitos.

Sorri novamente. O drinque porto-riquenho era uma tentação. Mesmo assim, insisti:

— Eu adoraria, mas não posso. Kat deixou-me encarregada da comida dos gatos e preciso começar a procurar um outro lugar para morar. Não vou ficar aqui para sempre.

— Não sei por quê. Você e Kat poderiam ficar neste apartamento durante meses sem, nem mesmo, se encontrarem, tão grande ele é.

— É verdade.

— Olhe, vou me apresentar às sete no aeroporto. Prometa que vai pensar com carinho em meu convite.

Tornei a negar, com a cabeça, e disse apenas:

— Ligue para mim quando voltar.

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Assim que ele se foi, passei os olhos ao redor, considerando o fato de que, realmente, me sentia melhor. Não que um filme, gu-loseimas e comida chinesa fossem um grande antídoto, mas eu me sentia mais segura, sabendo que não teria de voltar a minha antiga vida de solteira sozinha, sem apoio. Tinha grandes amigos para me fazer companhia e a liberdade de viver como bem entendesse.

Era como se, agora que estava sem a interminável seqüência de opiniões não pedidas de Michael, tudo me parecesse mais leve, mais... Agradável. Podia, por fim, concentrar minha atenção em meus próprios sonhos, que tinham sido deixados de lado enquanto vivia os dele. Talvez pudesse, até, terminar o manuscrito que tinha começado havia anos, já que agora Michael não podia mais ficar espiando sobre meus ombros e dar palpites, como: ficção não passa de uma perda de tempo.

Obviamente, era tudo apenas uma questão de perspectiva. Quero dizer, ser largada e traída como eu fora, não significava que o mundo tinha acabado, porque pode significar também um novo e bom recomeço.

Voltei à sala de tevê, peguei minha bolsa e liguei meu celular. Devia haver inúmeros recados lá. Afinal, no mundo da aviação, fofocas se espalham como o vento e muita gente podia, já, saber que eu fora trocada por outra... pessoa.

De fato, logo recebi uma mensagem de voz:

— Hailey ? Ouvi dizer que rompeu com Michael. Se quiser falar a respeito, é só ligar.

Outra mensagem veio logo em seguida:

— Hailey? Nossa! Vocês romperam, mesmo?! Onde você vai morar agora? Faz idéia de como seu estilo de vida vai mudar?

E mais outra:

— Oi, Hailey, sou eu. Ligue se quiser jantar em minha casa. Ah, e traga o vinho. O macarrão é por minha conta.

E então, bem no meio da mensagem número quatro, outra cha-mada apareceu no visor:

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— Hailey, tentei localizá-la o fim de semana inteiro!

Era Michael! Fiquei tensa. Pensei até em pressionar o botão que encerrava a mensagem e deixá-lo de fora de minha vida por completo.

— Hailey, você está bem? — ele insistia. — Onde está, pelo amor de Deus?!

— O que você quer? — indaguei, fria.

— Oh, graças a Deus! Quero apenas saber se você está bem.

— Estou ótima! E muito obrigada por ter ligado.

— Olhe, sei que está aborrecida e sinto muito por isso. Mas precisa saber que não se trata do que possa estar imaginando.

Revirei os olhos. Ele estava falando a sério? Tinha, de fato, uma desculpa para o que eu vira?! Decidi saber:

— Muito bem, explique, então. — Era pena, mas toda a calma c alegria que tinha sentido com a presença de Clay acabavam de ir por água abaixo.

— Olhe, não sou gay, se é o que está pensando.

— Sei. Bem, perdoe-me por tocar neste ponto, mas percebeu que era um homem que estava beijando seu peito?

— Ouça, Hailey, gostaria que você mantivesse esse assunto apenas entre nós dois.

— Mesmo? E por que eu deveria fazer isso?

— Porque não sou gay\ Ele estava apenas... me mostrando...

— Oh, pelo amor de Deus! E essa a justificativa que escolheu?!

— Estou apenas lhe dizendo que não houve nada de mais.

— Naquele momento, não, porque eu cheguei! Acha que foi bom para mim chegar de uma longa viagem, no dia de meu ani-versário, achando que você ia me pedir em casamento, e encontrar você com outro homem?!

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— Achou que eu ia pedi-la em casamento? — Ele estava rindo. — De onde tirou tal idéia?

— Porque encontrei a caixinha da Tiffani!

— Sinto muito, mas jamais tive intenção de falar em casamento com você. Abriu minha mala, vasculhou minhas coisas, encontrou a caixinha e não deveria tê-la aberto, concorda? Mas acho que devo explicar que ali estava apenas o que eu pretendia dar-lhe como presente de aniversário. Aniversário, nada mais. Na verdade, nunca pensei em me casar com ninguém. E, quando o fizer, garanto que será com uma garota bem mais nova.

— O quê? — Eu mal podia acreditar no que acabava de ouvir.

— Hailey, vamos, seja honesta consigo mesma! Quando eu achar que estou preparado para o casamento, você já deverá estai quase na casa dos quarenta.

Ia demorar tanto assim? Ele pretendia casar-se quando já esti vesse cinqüentão? Era isso?!

— Nunca lhe prometi nada — Michael continuava, deixando me cada vez mais atônita. — Lembre-se sempre disso.

Joguei o aparelho no chão, ouvindo-o cair no tapete persa. Não acreditava ainda no que ouvira. Como podia ter sido tão tola?

— Hailey? — ele gritava, no aparelho. Olhei para o celular e peguei-o novamente.

— Já terminou?

— Sinto se a feri. Só estou tentando ser franco.

— Claro... Olhe, Michel, vou precisar passar por aí e pegar minhas coisas.

— Certo. Já deixei tudo na portaria. Pode passar quando quiser. Lá estava eu, sentada, pasma, com o telefone na orelha. Depois

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de quatro anos de vida em comum, eleja arrumara todas as minhas coisas e as mandara para a portaria do prédio. Simples assim.

— Ah, Hailey, falei sério quando disse que quero este assunto apenas entre nós. É algo muito particular que deve continuar assim.

Senti o sangue ferver nas veias. E usei as palavras dele para atacá-lo e, ao mesmo tempo, defender-me:

— Escute aqui, Michael, nunca prometi nada. Não se esqueça disso. — E desliguei. Logo em seguida, disquei o número de Clay.

— Não é de admirar que os passageiros fiquem tão malcriados quando embarcam. É tudo culpa dela. — Clay apontava para a agente que ficava no portão de embarque e que, minutos antes, fizera mil caretas quando ele lhe perguntou se haveria um assento extra na primeira classe para mim.

— Clay, terei sorte se pelo menos conseguir embarcar. Deixe a primeira classe de lado — pedi, de olhos pregados no visor que mostrava o número de passageiros aumentando segundo a segundo. Talvez não houvesse um assento sequer nem na última classe daquele vôo.

— Pois eu gostaria de aproveitar este momento para mostrar que sou um grande amigo. Afinal, estou aqui, sentado, segurando sua mão, quando deveria estar trabalhando...

— Seus colegas de viagem não devem estar gostando muito disso. Oh!, Veja! Não vai haver assentos disponíveis. Minha sina será ficar aqui, sentada. — Enfiei a cabeça nas mãos, numa reação exagerada.

Parecia que, agora que eu me decidira a ir para San Juan, não conseguia suportar a idéia de não ir. Tinha feito as malas e esperava ansiosamente pelos deliciosos e preguiçosos dois dias que poderia passar na piscina, com um mojito numa das mãos e meu manuscrito abandonado há muito tempo na outra. E agora tudo que me restava esperar era a longa volta de ônibus para Manhattan, onde minha vida se resumiria a abrir latinhas de comida para gato e procurar, no jornal, por apartamentos que, antecipadamente, sabia que não

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conseguiria pagar. Agarrei minhas malas e me levantei, pronta para desistir.

— Aonde você vai? — Clay estranhou.

— Clay, não olhou para o monitor? Há um monte de zeros nele i- isso significa que não há assentos disponíveis!

— Não desista até o último minuto! — Ele sorriu, daquele jeito •.o seu, tranqüilo, simpático, mas, naquele momento, um tanto irritante pelo otimismo que eu não conseguia partilhar. — E, lembre-se, o último minuto é aquele em que eu vou a bordo. — E bateu no banco a seu lado, para que eu voltasse a me sentar.

Pode nem parecer verdade, mas, assim que me sentei, um passageiro foi conduzido para fora do avião. E logo em seguida ou-vimos, pelo alto-falante do saguão de embarque:

Hailey Lane e Clay Stevens, por favor, dirijam-se ao portão desembarque imediatamente.

Lá estava eu agora, completamente à vontade no assento delicioSO de primeira classe, apoiando meus pés num banquinho próprio para isso, um travesseirinho sob o pescoço, bebendo cham-panhe e folheando meu manuscrito, que começara a escrever seis anos antes, mas ao qual não lançara um só olhar nos últimos quatro. E pensava:

É assim que deve ser. Talvez meu carma seja recomeçar, afinal. Talvez este momento marque o início de uma vida nova, emocio-nante, de primeira classe! Oh, eu devia fazer isso com mais fre-qüência! Pertenço a este lugar!

Mas, então, alguém disse, bem perto de meu ouvido:

— Vai ter que se mudar.

Ergui os olhos para ver aquela mesma agente de embarque olhando-me com firmeza. Imagino que devia estar tendo uma manhã horrível, então o mínimo que podia fazer era não lhe causar mais problemas... Por isso sorri ao perguntar:

— Como disse?

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— Não discuta comigo. Pegue suas coisas e mude-se daí. Puxa, aquele hálito gelado tinha um cheiro horrível de anos e

anos de abuso de nicotina e tabaco. E aquelas unhas quadradas, vermelhas, crispadas à cintura, deviam ser falsas. Toda ela devia ser falsa. O mundo era uma farsa! Eu tinha de mudar de assento!

— O passageiro que reservou este lugar acaba de chegar e está entrando no avião neste exato momento — ela me informou com o que parecia ser uma satisfação pessoal na voz rouca.

— Está bem, está bem! — Eu sabia que minha posição ali, quase clandestina, não me permitia discussão alguma. — Onde posso me sentar, então?

Os passageiros mais próximos me olhavam como se eu fosse alguma espécie de ameaça disfarçada.

— Sorte sua ter havido uma contagem errada — disse ela, a contragosto. — Deve haver um assento vago em algum lugar depois da cabine.

Nesse momento, um homem alto, esguio, de cabelos muito ne-gros, apareceu atrás de mim.

— Oh, sr. Richards! Sentimos tanto pelo mal-entendido! Seu assento estará vago assim que a srta. Lane pegar suas coisas e seguir para trás da cabine.

Ela estava flertando com o passageiro ou seria apenas impressão minha?

— Oh, não se apressem — respondeu o passageiro, amável. —Na verdade, ela precisa, sim, apressar-se—a agente insistiu.

— Não podemos fechar a porta e nos afastar do portão enquanto ela não estiver instalada. Mas, por favor, coloque sua mala aqui, sobre a dela.

Olhei, vendo minha mala de roupas cuidadosamente colocada sendo esmagada sob o peso da outra. Mas, novamente, devido ao código de comportamento exigido pela companhia, nada pude fazer.

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Então, peguei minha valise e segui pelo corredor da forma mais profissional possível. Mesmo assim, sabia que muitas pessoas ali torciam a cara, achando-me uma intrusa que ocupara um lugar já reservado.

Encontrei Clay lendo uma revista, alheio a tudo que se passava. Por fim, acomodei-me no assento estreito e desconfortável que me restava e liguei meu iPod.

Eu já estava terminando meu terceiro mojito quando a idéia me pareceu viável de ser exposta:

— Acha que Michael chegou a me amar?

Tomei mais um gole e olhei para Clay, que se deliciava ao sol na espreguiçadeira a meu lado. Estávamos no Hotel Intercontinental, nas proximidades de San Juan, e vínhamos relaxando à beira da piscina já há mais de duas horas.

Ele retirou os óculos de sol, suspirou profundamente e, com enorme paciência, respondeu:

— Hailey, pelo amor de Deus!

— Está bem, se não quiser, não diga mais nada. Acho que a resposta está em seus olhos, mesmo. Sei que me tornei uma pessoa patética, chata, daquele tipo que nós dois sempre fizemos questão ile evitar. — Olhei-o de esguelha, esperando que negasse minhas palavras de alguma forma, que me assegurasse que eu estava exa-gerando, que a situação não era assim tão ruim. Mas ele apenas ergueu os ombros e voltou a se acomodar.

— Honestamente, Hailey, nunca apreciei Michael.

Ótimo. Ele vinha me dizer isso agora! Primeiro fora Kat e agora Clay. Será que, intimamente, todos os meus amigos detestavam Michael?

— Pode me dizer por quê?

— Ora... Ele sempre me pareceu... Desonesto. Não sei, sempre tinha aquele jeito de falsa ingenuidade, sabe? Como se dissesse

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certas coisas apenas para parecer educado, mas sem querer dizê-las de fato.

— Acha que isso seria pelo fato de ele não gostar de você? Poderia não parecer algo muito simpático para se dizer, mas

tanto eu quanto Clay sabíamos como Michel se sentia a respeito dele.

— Bem, a princípio, até achei que poderia ser isso. Mas, quanto mais tempo passava com vocês, mais achava que esse era o jeito dele, sim. Quero dizer que vocês dois não tinham muitos assuntos. Bons assuntos. O que tinham em comum? Nada! — Ele me encarou, de sobrancelhas erguidas, à espera de um comentário.

Assenti, tomando mais um gole. Então disse:

— Nós dois gostávamos dos mesmos restaurantes, gostávamos de viaj ar para a Europa, gostávamos de fazer compras em pequenas repúblicas centro-americanas... — Minha lista acabava aí e isso, agora, me envergonhava.

— Pois é. Só você para conseguir ficar com um sujeito durante quatro anos baseada nesses... gostos em comum.

— Sabe, acho que vou pedir mais um drinque.

— Nunca entendi seu relacionamento — Clay prosseguiu, como se tivesse aberto uma represa que não conseguiria fechar até ter esgotado toda a água. — Você está sempre lendo, gosta de ir a museus, adora teatro, e nunca poderia partilhar essas coisas com Michael!

— Mas tenho você para esses programas... — Tentei sorrir.

— E quer saber de uma grande verdade?

Não, eu não queria, mas ele disse, mesmo assim:

— Acho que você estava desperdiçando sua vida, seu tempo, seu conhecimento! Por isso concordo com o que Kat lhe disse: foi melhor assim. — E, terminando sua bebida, concluiu: — Não quero

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mais falar neste assunto, Hailey. E você precisa parar de ficar obcecada desse jeito.

Simplesmente o olhei, assentindo, obediente, sabendo que ele tinha razão.

Então, daquele momento em diante, tinha me decidido a parar de me obcecar, pelo menos, em voz alta.

— Mas está quente! — Clay reclamou, encaminhando-se para a piscina. — Quer entrar?

Neguei com a cabeça, vendo-o mergulhar. Depois o vi emergir, com os cabelos ensopados, colados à cabeça, parecendo um patinho. E agradeci a Deus por ter um amigo como Clay, alguém que sempre me diria a verdade, independentemente de ela não ser o que eu quisesse ouvir. Mas também me perguntava por que ele nunca antes tinha se importado em me dizer tais verdades.

Clay nadou até o bar no meio da piscina, onde outros membros da tripulação estavam bebendo e rindo. Pensei em me juntar a eles, mas acabara de pedir outra bebida e ela já estava chegando. Assim, apliquei mais uma camada de protetor solar e inclinei-me em minha espreguiçadeira, revirando na mente tudo que Clay acabara de me dizer.

Era verdade. Eu me desgastara naquele relacionamento e, pior de tudo, achara que poderia haver um compromisso saindo dele. Mesmo detestando admitir, trocara sonhos e felicidade pela ilusão cie segurança e conforto. Relembrava todos os jantares caros em que Michael ficava falando sobre seus próprios interesses enquanto eu passava os olhos ao redor, e imaginava que as outras mulheres estariam também tão entediadas quanto eu. E depois que ele es-gotava todas as histórias grandiosas sobre si mesmo e suas idéias, havia um silêncio total e obsessivo, muito, muito diferente do que existe quando um casal vive anos e anos de absoluta familiaridade e cumplicidade.

i Agora reconhecia que sempre ficava esperando que a conta \ viesse depressa para que pudéssemos deixar o restaurante o quanto i antes e que pudéssemos ir a algum bar onde nossos amigos nos

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esperavam, amigos comuns, que adorávamos, e com os quais ficávamos até o momento de voltarmos para casa. ', E, mesmo tendo de admitir que era o salário dele que me permitia ir a lugares tão caros e elegantes, viver em um apartamento H de luxo, comprar tudo o que quisesse, esse ainda não era o motivo principal pelo qual eu estava com Michael.

Era como se, até conhecê-lo, minha vida amorosa tivesse sido uma seqüência patética de um ou, no máximo, dois encontros. Acho que desenvolvi o hábito de não querer que nada ficasse sério demais... Mas, quando Michael apareceu em minha vida, eu já estava começando a me preocupar em ficar sozinha. Era como se, de repente, todos ao meu redor estivessem encontrando suas caras metades e, sem querer ficar para trás, eu tivesse suportado os último quatro anos ignorando todos os avisos, todos os perigos, criando o mito de que nosso relacionamento era maravilhoso. Isso foi apenas uma confusão. Misturei tudo. Troquei o amor pela conveniência.

O tempo passou e nem percebi. Senti Clay tocando meu ombro e chamando:

— Vamos voltar para o quarto e trocar de roupas. Vamos todos a San Juan para jantar.

O sol já começava a se pôr e, com exceção de nós, não havia mais ninguém à beira da piscina.

— Ach"o que acabei adormecendo — e desculpei-me.

— Você entrou em coma, isso sim. — Ele pegou seus óculos e meu manuscrito, enfiando-os na sacola de praia que partilhávamos. —Já passa das seis e está mais do que na hora de uma pequena diversão. Vamos. Aqui em Porto Rico dá-se um sentido novo à expressão happy hour, sabia?

— Ah, sim. Vi o vídeo. Living La Vida Loca, não é?

— E, mas não viu nada ainda.

Assim que voltamos ao quarto, segui para o chuveiro. Clay e eu já tínhamos partilhado aposentos muitas vezes antes e tínhamos uma espécie de acordo para que eu sempre usasse o chuveiro primeiro, já

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que demorava mais a me aprontar. Na verdade, ele é obcecado com seus cabelos tanto quanto eu com os meus, mas acaba sendo sempre mais rápido.

O jato de água baixou minhas ondas rebeldes, colando-as a minha cabeça e fazendo-me sentir revigorada. O sol deixava minha pele assim também. E, naquele momento, achei que não poderia haver nada melhor do que um bom banho depois de algumas horas ao sol.

Apesar de todos os malefícios atuais que ele pode causar à pele, não há como negar que um bronzeado bonito dá uma aparência mais saudável, até mais jovial, a qualquer pessoa.

Depois do banho, não resisti à tentação de passar o canto da toalha pelo espelho embaçado e ver meu próprio reflexo. Meus ombros estavam ligeiramente vermelhos. Mas no dia seguinte estavam dourados, maravilhosos. No entanto, meus olhos arregala-ram-se quando focalizei meu rosto. Eu tinha, de fato, adormecido ao sol! É de óculos! Meu nariz e minha testa estavam vermelhos e a marca dos óculos não poderia estar mais óbvia! Horrorizada, saí enrolada na toalha e segui até Clay, que estava jogado na cama, ouvindo seu iPod e assistindo à televisão sem som.

— Por favor, diga que não está tão feio quanto estou vendo! — implorei.

Mas quando ele voltou os olhos para me ver, sua expressão disse tudo que eu não queria ouvir.

— Oh, Deus! — gemi, sentando-me na cama do outro lado do quarto.

— O que houve? — perguntou ele, tirando os fones de ouvido.

— O que houve?! Como vou fazer agora?! Não posso sair deste jeito! — Voltei-me para o espelho da penteadeira e tive de rir de mim mesma, tão ridícula estava.

— O que acha de voltar a colocar os óculos? — ele ria também agora.

— À noite?!

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— Posso guiá-la, podemos dizer a todos que está com um pro-blema nos olhos. Ninguém vai rir de você, aposto.

— E se eu tentar cobrir a diferença na pele com maquiagem?

— Não acho que vá funcionar. Afinal, está um calor insupor-tável. A maquiagem vai escorrer.

— Ah... Tenho de fazer alguma coisa! Não posso sair deste jeito. E não quero ficar aqui sozinha!

Clay me encarou por alguns segundos. Parecia pensar. Então se levantou e, respirando fundo, disse:

— Vamos ter que fazer um milagre, então. — E me conduziu de volta ao banheiro.

Quando Clay terminou de me maquiar, olhei no espelho e senti meu estômago se apertar.

— O que acha?

— Clay...

— Pense que está usando uma maquiagem dos anos setenta, ora. Eu estava, no mínimo, supermaquiada, apesar do calor. Não havia outro jeito. Camadas e camadas de base, sombra forte, muito

rímel... E, como Clay disse que seria melhor não fazer nada nos cabelos, eles estavam revoltos, em ondas flutuantes que simples-mente me desesperaram, já que eu estava acostumada a mantê-los lisos com minha chapinha.

— E você?

— Bem, vou tomar meu banho e sairemos logo em seguida.

— Mas vai fazer algo diferente também, não? Porque, se vou como uma drag queen, você também terá de ir.

— Por quê? Não fui eu quem sofreu esse acidente solar.

— Ora, Clay... vai ser divertido. Pode maquiar-se como David Bowe fazia.

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Ele me empurrou para fora do banheiro e se trancou lá dentro, de onde respondeu:

— Vá assistir um pouco de tevê. Saio num minuto.

Quando saímos para nos encontrarmos com o grupo, tínhamos entrado num acordo. Ele pintara os olhos com lápis negro, seus cabelos tinham mais gel do que de costume, e pintara os lábios com um pouco de gloss.

— Lá vêm os gêmeos — disse Jack, um comandante com quem eu voara alguns anos antes.

— Mas eu não sabia que íamos a uma festa a fantasia — recla-mou Bob, um co-piloto de quem eu nunca realmente gostara.

— Então, por que vocês estão vestidos como uma tripulação de folga? — indagou uma comissária, chamada Jennifer, apontando para as camisas coloridas e as bermudas largas que eles dois usavam.

— Vamos parar com a conversa e seguir logo para San Juan — Clay apressou.

— Outra tripulação vai se juntar a nós — Bob anunciou. — Eu os vi chegando no hotel há pouco; tiveram o vôo cancelado na última hora por causa de um furacão e vão ficar por aqui alguns dias.

— Mesmo? E quem são eles?

Assim que Clay fez a pergunta, sentando-se no saguão para esperar, Michael apareceu.

De repente, minhas orientações para momentos de pânico soa-ram em minha cabeça: Abracem os tornozelos, mantenham a cabeça baixa e permaneçam curvados para a frente!

— Mas é você quem sempre anda flertando com todo mundo por aí.

— Exato. Quem usa, cuida...

Revirei os olhos; era melhor ignorar as loucuras de meu melhor amigo, que se levantava e seguia para o balcão onde, eu sabia, além de pedir algumas rosquinhas, ia também flertar com a garçonete. E,

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de repente, senti meu estômago se apertar. Dane acabava de entrar. Sorriu logo para mim e aproximou-se.

—Como vai ? — saudou, passando os dedos pelos cabelos lisos, maravilhosos.

— Bem, e você?

— Bem. Como foi a festa?

— Ótima. Obrigada por me convidar.

— E Harrison?

Dei de ombros, sem saber exatamente o que responder, ou o que ele queria saber. E Dane apenas assentiu.

— Fomos até o Elaine's — decidi revelar, não sei por quê. Mais uma vez, ele apenas assentiu. Não me parecia muito contente.

— Vamos nos ver neste fim de semana — continuei, ainda sem saber o motivo.

— Certo. Bem, vou pegar um café e sair. Estou com pressa. Vejo você por aí.

— Está bem. Diga que mandei lembranças a Cadence.

Nem sei por que toquei no nome dela, mas, enfim... Clay voltou pouco depois, curioso.

— Quem era?

— Dane. Foi ele quem me convidou para a festa à qual você fez o favor de não ir.

— Não adianta ficar brava comigo, já lhe disse. Sou o que sou L' pronto. Escute, mal posso acreditar que tenha saído com esse sujeito. Ele é muito bem apessoado!

Encarei-o, abismada.

— Oh, obrigada... E, para sua informação, não fui com ele, ou não teria chamado você.

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— Sei. Mas gostou dele, aposto.

— Claro que não. Ele tem namorada.

— Tem certeza?

— Tenho. Eu a vi. É o sonho de qualquer homem.

Clay ergueu as sobrancelhas e, mordendo uma de suas rosquinhas, ofereceu-me o prato em que havia mais três delas.

Harrison podia ser ganhador de dois Pulitzer, mas, ainda assim, não queria que ele soubesse meu endereço. Mas me preparei para sábado com esmero, usando saltos agulha, um vestido florido c-elegante e meus infalíveis, magníficos brincos comprados em Bombaim.

Peguei um táxi e estava no Elaine's em quinze minutos.

Estava já entrando e me dirigindo para a mesa que tínhamos combinado quando ouvi meu nome:

— Srta. Lane?

Era um motorista de limusine, que me conduziu até o banco de trás, onde Harrison me esperava, com um sorriso.

Eu caminhava para a mesa, sentindo que todos ali estavam nos olhando. Por fim, nos acomodamos e, logo em seguida, ele pediu um vinho. Decidi, então, fazer a pergunta que há muito estava em minha mente:

— Harrison, você sempre soube que queria ser escritor?

Ele demorou a responder. Ficou saboreando a bebida pelo que me pareceu uma eternidade e depois assentiu muito levemente. Depois se inclinou e, como se fosse dizer um grande segredo, perguntou:

— E você? O que a levou a ser comissária?

— Bem, digamos que foi por acidente. Sabe, gosto de viajar, ouvi dizer que estavam abrindo vagas para moças e rapazes...

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— Sei. Fale-me sobre seu treinamento.

— Tem certeza de que quer ouvir essa história?

— Sou escritor, lembra? Gosto de histórias. Vamos, conte-me tudo.

A noite estava deliciosa demais para voltarmos de carro. Por isso, Harrison dispensou o motorista e seguimos devagar pelas ruas, conversando.

— Se entendi direito, você só recebe pelas horas que voa, certo? A conversa, pelo visto, continuaria num assunto que me abor-recia, pois não me tirava da monotonia de minha vida. Ele queria saber de cada detalhe e eu falava, embora preferisse outros assuntos. Depois de quase dez minutos, porém, ganhei coragem para d ir:

— Harrison, poderíamos falar sobre algo diferente? Algo como... editoras, agentes, livros, prêmios... Qualquer coisa que não tocasse na Atlas.

Mas ele apenas me encarou e sorriu, apontando para o edifício

nte do qual tínhamos parado.

— Este é meu lar. Vamos entrar e beber algo?

-— Bem... Certo. Mas apenas um drinque, depois vou ter de ir. — Vai voar amanhã?

Neguei, apesar de ser mentira. Não haveria mais conversa sobre aviação.

O apartamento era enorme. Conheci sua coleção de máscaras tribais, vi as fotos espalhadas aqui e ali, de pessoas de sua família, mirei as pinturas de artistas famosos que tinham sido presentes pecai s para ele e quase morri de emoção quando estávamos em um escritório particular e vi a belíssima escrivaninha antiga e a cadeira de couro, na qual ele escrevia seus romances.

Cassei os dedos por ela, encantada, e depois lhe pedi para usar banheiro. Emoções fortes sempre tinham esse efeito em mim.

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— Terceira porta, no corredor. Vou preparar uma bebida para nós. Tem alguma preferência?

— Não.

O banheiro era ainda mais lindo do que tudo que eu já tinha no. Antigo, refinado... Olhei-me no espelho e retoquei meu bani, avaliando a noite até aquele momento. Além da curiosidade um tanto excessiva de Harrison em minha profissão, não tinha sido tão ruim assim. Imagino que estivesse escrevendo algo sobre avião e quisesse maiores detalhes, nada mais. E eu estava satisfeita relê não ter tentado me beijar ou me tocar em nenhum momento, esmo sendo um escritor de primeira linha, minhas intenções com Harrison Mann eram totalmente castas.

Quando saí do banheiro, mal pude ver qualquer coisa. Havia •nas um abajur distante aceso. Harrison? Aqui. — ele me pareceu distante.

Tentei me acalmar, Ele era um escritor famoso, não um serial killer.

— Venha até aqui, Hailey. No fim do corredor. Obedeci. A porta de onde vinha outro foco de claridade, diáfana estava aberta. Olhei e senti uma onda de choque. O grande autor premiado, reconhecido, estava deitado numa enorme cama, segurando dois copos de uísque, completamente nu.

— Pronta para nossa noite?

Ele se levantou e veio ao meu encontro.

— Eu acho que preciso ir — murmurei. — Não estou me sentindo bem. Acho que foi o camarão.

Parecendo realmente consternado, ele me seguiu, mas consegui chegar até a porta mantendo certa distância.

— Hailey, eu gostaria muito de ler seu romance. Por que n o manda para mim?

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Sua voz ficava mais e mais distante, conforme eu descia as escadas, esquecendo o elevador porque ele poderia demorar a chegar.

Ao chegar em meu apartamento, tudo o que queria era um bom banho, uma bebida, e um apagão em minha memória. Graças a Deus, Lisette estava voando e eu podia aproveitar minha solidão em paz.

No entanto, a primeira coisa que vi ao entrar foi o peludo piloto casado, largado sobre o sofá e usando apenas cuecas e meias pretas.

— Posso saber o que está fazendo aqui? — indaguei, irritada. Mas ele apenas aumentou o volume da televisão com o controle.

— Onde está Lisette? — perguntei, sentindo a raiva crescer dentro de mim.

— Paris.

— Olhe, este apartamento não é seu. Portanto... não deve estar aqui quando ela não está.

— Ela sabe que estou aqui. E se não estiver gostando, fale com ela, não comigo.

Olhei para o infeliz que ganhava cinco vezes meu salário e que ocupava meu lugar de dormir, e senti nojo.

— Olhe aqui, pago novecentos dólares para dormir nessa droga de sofá. Se não quiser me reembolsar, acho melhor sair daí e ir para o quarto! Ou, melhor ainda: volte para sua mulher e filhos!

Sem mais uma palavra, o sujeito desligou a tevê, levou-a para o quarto e trancou a porta.

Ao acordar, na manhã seguinte, notei o aparelho no lugar de costume. O piloto se fora. Alimentei Jonathan, fui para a cozinha e coloquei um pouco de cereal numa vasilha. Mas tive de comer i seco, porque alguém tinha tomado todo o meu leite e deixado a caixa vazia dentro da geladeira para evitar suspeitas. Isso me fez chegar à brilhante conclusão de que aquela fase de minha vida precisava acabar e que tinha de reservar algum dinheiro para poder sair daquele apartamento o mais breve possível.

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Eu e Clay seguíamos para o aeroporto J. F. Kennedy, onde minaríamos o vôo direto para Paris.

— Sabe de uma coisa? — disse meu amigo, que estivera calado pelos últimos dez minutos. — Acho que deve aceitar a oferta do tal escritor.

— Diz isso porque não estava lá, diante dele, nu e redondo, a minha espera.

— Pois o mínimo que ele poderia fazer após submetê-la a tal grosseria seria ler seu livro!

— Esqueça. Vi o preço da admissão no mundo literário a que ele pertence, e estou fora!

— Exatamente. Você já pagou o preço, então, agora é hora de exigir os benefícios.

— Eu já disse para esquecer.

Clay apenas ergueu as sobrancelhas e tornou a se calar pelo resto do caminho.

Quando entramos na área reservada para funcionários, notei que algo estava estranho; normalmente o lugar está sempre cheio de gente vestida azul-marinho, à espera de seus vôos, falando sem parar. Mas todos ali estavam um tanto calados, arredios. Kat veio logo em nossa direção, avisando:

— Parece que vão demitir mais de mil funcionários, desde pes-cai de terra a pilotos.

— Supervisores também? — Clay perguntou depressa, ansioso. -— Os O.O., não. Aparentemente, entregar colegas e manter o mau humor é o que faz com que se fique nesta companhia. Isso só podia estar acontecendo, mesmo, já que a companhia vinha tendo problemas financeiros desde a posse do mais recente executivo encarregado. Ótimo. Eu já precisava muito de dinheiro e podia fazer uma idéia do que me aconteceria se também perdesse o emprego.

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— Acho que está na hora de eu me aposentar — Kat comentou, como se já tivesse tomado a decisão há algum tempo. Afinal, o tempo da diversão se foi.

Ela tinha razão. Eu e Clay jamais tínhamos conhecido esse tem-po a que ela se referia, quando era considerado um privilégio tra-balhar para uma companhia aérea americana. No entanto, nós dois estávamos surpresos com a decisão dela. Mas não tivemos muito tempo para pensar a respeito, pois fomos chamados para o próximo vôo.

Há meses eu não voava para a Europa e há anos não flertava com um passageiro. Mas o rapaz da poltrona 2B seria uma exceção. Simpático, falante e divertido, ele não teve dúvida em me convidar para jantar em Paris.

— Tenho um motorista a minha disposição no Ritz — disse, enquanto eu lhe servia o almoço terrível da Atlas. — Posso apanhá-la onde quiser.

Ele estava no Ritz e tinha um motorista! Voltei depressa para a cabine, para contar a Clay. Mas nossos planos para o jantar acabaram por aí, pois meu querido sr. 2B caiu num sono pesado logo depois de comer. Desapontada, disse a Clay que nem queria mais tocar no assunto e ele, como sempre, me atendeu. Restou-me apenas voltara meu assento e esperar até que o comandante anunciasse a chegada a Paris.

Estávamos já pegando nossas coisas para descer do avião quando, surpreendentemente, 2B apareceu a meu lado.

— Puxa! Acho que dormi demais. Não é de meu feitio, sabe? E então, nosso jantar ainda está em pé?

Assenti, novamente animada.

— Sete horas está bem para você?

— Perfeito!

— E onde devo procurá-la? Por qual nome?

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— Hailey Lane, no Grand Hotel. — Sorri para ele e segui, correndo, para o portão de desembarque.

Às seis e cinqüenta e cinco, eu estava em meu quarto, ainda sem me vestir, e tensa. Nada sabia sobre esse passageiro, a não ser o que verificara na lista de embarque. Seu nome era Maxwell Dunne, costumava usar a companhia com freqüência, era bonito, gostava de vinho tinto, ia ficar num dos melhores hotéis de Paris e tinha um motorista.

Vesti-me depressa, mas com esmero. Estaria ficando louca por sair assim com um desconhecido? Mas a emoção de um encontro, de um novo relacionamento, talvez, me dominava.

Tentei me controlar, imaginando que nada havia de mais na-quele encontro. Ele era homem, eu, mulher, e íamos jantar juntos, nada mais.

Assim que pisei no saguão, vi-o entrando pelas portas duplas de vidro.

— Consegui uma reserva no Júlio Verne — anunciou. Arregalei os olhos, pois o restaurante ficava no segundo nível da Torre Eiffel. Conseguir uma reserva ali e ter dinheiro para pagar a conta já demonstrava que meu possível namorado era muito rico.

— No entanto, se preferir outro lugar, não há problema — ele acrescentou, talvez estranhando meu silêncio.

— Não, não, está tudo perfeito! — E entrei no banco de trás do carro de luxo que nos levaria ao restaurante.

Olhar para a Torre Eiffel dá a impressão de que ela está sempre muito próxima. Por isso, mal pude acreditar que tivesse levado tanto tempo para chegarmos.

O restaurante mais parecia um night club e, assim que entramos, Max escorregou alguns euros na mão do maitre, que nos levou a um local privilegiado, de onde se poderia ter uma visão espetacular da cidade.

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— Mas que maravilha!

— Que bom que gostou.

— Vem sempre aqui? — Abri o cardápio, imaginando se ele era do tipo que levava comissárias a restaurantes o tempo todo.

— Uma vez apenas, há muito tempo. O jantar não poderia ter sido melhor. Inclinei-me em minha cadeira, olhando para Max e analisando quanto ele era interessante. Tinha viajado muito, era inteligente e tinha um ótimo senso de humor.

— Para onde vamos agora? — perguntou ele.

Curiosa e ousada, apenas dei de ombros. Estava disposta a se-gui-lo para onde quisesse ir.

— Já foi ao Temple?

— Vamos, então. Vai ser divertido.

Jean Claude, o motorista, estava a nossa espera, junto do Mer-cedes. Fumava e falava ao celular, mas logo parou e abriu a porta para nós. Seguimos pela cidade maravilhosamente iluminada, até um prédio de fachada muito interessante. O clube era um desses muito privativos, com membros selecionados, e fiquei ainda mais surpresa.

— Não pensei que seria assim — disse. Max apenas sorriu e comentou:

— E parece que há, até, uma lista de espera...

Entramos, porém, sem maiores problemas. Max parecia muito bem-vindo onde quer que fosse. Bem, eu já sabia que ele morava em Boston, que viajava com freqüência para Paris, e observei:

— Passa muito tempo aqui, não?

— Nos últimos seis meses, uma ou duas semanas por mês. Brandyl

Eu teria de voar na manhã seguinte, por isso preferi apenas um refrigerante. Estávamos acomodados num desses bancos de couro, reclusos, e ele se sentou ainda mais perto. E, quando o vi inclinando-

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se em minha direção, soube que o beijo seria a próxima coisa da lista. Talvez nunca mais o visse novamente e isso poderia ser motivo tanto para levar a situação adiante, sem receio, como para terminá-la ali mesmo.

Mas, quando ele me beijou, esqueci de tudo o mais e mergulhei de cabeça. Acho que nunca antes tinha sido beijada com tamanha paixão.

— Bem, deve ter sido muito bom, porque você está ótima! — Clay comentou, quando seguíamos para o elevador do hotel.

— É, foi bom.

— Só isso?

— Não fomos para a cama juntos, se é o que quer saber. Só nos beijamos.

— Bem, e os beijos foram bons?

— Intoxicantes. — Sorri, maliciosa. Tinha sido bom ter beijado Max. Eu me sentia bem, meu ego tinha sido bem massageado, mas não havia culpa, porque tinha mantido o controle e não dormido com ele.

— E você, o que fez?

— Comi, fiz algumas compras...

Passávamos pela recepção, quando a moça atrás do balcão chamou:

— É a Srta. Lane?

— Sim...

— Temos uma entrega para a senhorita. Espere, por favor. Quando ela voltou, da parte de trás da recepção, com o enorme

buquê de flores, percebi logo que era de Max. Ele tinha classe e elegância suficientes para um gesto assim. Abri, apressada, o cartão que vinha com as flores.

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— O que diz? — Clay parecia mais ansioso do que eu.

— Obrigado pelos momentos maravilhosos. Tenha uma boa viagem. Max.

Ao chegar a meu apartamento, depois de todas as escadas, eu estava exausta. Não tinha dormido bem e a diferença de fuso estava, não sei por que, sendo mais difícil agora do que jamais fora. A ida tinha sido ótima, mas a volta fora terrível. Passageiros aflitos, passageiros desesperados, passageiros mal-educados...

Portanto, depois de um bom banho e de vestir meu pijama fa-vorito e tomar um bom copo de leite quente, sentei-me em meu sofá horrível, dividindo minha atenção entre Jonathan, em seu pequeno aquário, e minhas flores, colocadas num vaso junto à janela. Fiquei ali por um bom tempo e foi apenas quando me levantei que vi o bilhete junto ao telefone:

Hailey, sinto, mas nossa situação não está dando certo. Você tem duas semanas para encontrar outro lugar para viver.

Lisette

Capítulo V

Kat falava a sério quanto a se aposentar. Dias depois, estáva-mos em sua cozinha, eu, com meu laptop e ela preenchendo a papelada de sua aposentadoria. Sentia inveja dela. Tinha uma semana para me mudar e nem sabia se continuaria empregada. Isso para não mencionar o fato de que já tinham se passado sete dias e eu estava começando a sentir saudade de Max.

— O que está fazendo? — ela perguntou.

— Procurando um lugar para alugar.

— Bobagem. Fique aqui.

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— Não. Preciso cuidar de minha vida e, depois, sou alérgica aos gatos.

— Poderia ficar e cuidar da casa, porque vou embora para a Grécia.

— O quê?!

— Já é hora de mudar! Yanni tem casas maravilhosas em várias cidades gregas.

— Yanni...

— Meu namorado grego.

— Pretende se casar com ele?

— Talvez. Tudo o que sei é que estou pronta para começar o novo capítulo de minha vida. E você?

Encarei seu sorriso por intermináveis segundos.

— Posso até aceitar sua oferta, mas, quando você voltar, ainda terei de procurar um lugar para viver.

— Vou demorar a voltar e preciso de alguém para cuidar da casa e dos gatos. Sei que é alérgica, mas há remédios contra isso, não?

— Bem... está certo. Mas promete me chutar para fora quando voltar?

O que uma mudança assim não opera na vida de uma pessoa, não? Já que não tinha mais que pagar aluguel, eu dispunha de dinheiro para levar uma vida tranqüila, podendo, até, escolher os vôos que queria. Assim, com tempo livre para escrever, terminei meu livro em três semanas. Fiz seis cópias do original e já estava colocando-as em seis diferentes envelopes para enviá-los a diferentes editoras, quando meu celular tocou.

— Hailey? É Max. Como vai?

Meu coração disparou. Tinha desistido de pensar nele, de sentir sua falta, e agora ele me ligava!

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— Estou ótima! E você?

— Bem, estou de partida para Paris esta noite e imaginei se poderíamos nos ver. Sabe, há um novo restaurante lá que quero muito que conheça. Vou estar lá nas próximas duas semanas, no Ritz. Ligue-me se puder ir também.

— Claro...

Nem mesmo tinha apertado o botão que finalizava a chamada, já estava eu ligando para a Atlas. Faria qualquer coisa por ura vôo para Paris.

Fui aos correios, para enviar meu livro e, na volta, parei numa livraria, só para ter a sensação antecipada do que seria ter meu nome numa das prateleiras dos mais vendidos. Um livro mais fino que os demais, estava em lugar de destaque, como best seller da semana. Peguei-o e, ao voltar a parte de trás para cima, senti a respiração presa. A foto de Cadence fazia jus a sua beleza, num dos cantos da capa. Folheei as primeiras páginas, só para ver se ela fizera menção ao nome de Dane nos agradecimentos ou na dedicatória.

—É um bom livro, mas não precisa comprar. Posso arranjar-lhe um exemplar — ouvi, logo a meu lado, e voltei-me para ver Dane ali, em carne e osso, parecendo mais lindo do que nunca.

— Oh, olá!

— Eu estava subindo para o café. Quer me acompanhar? Bem, eu estava morando numa cobertura, acabara de enviar

meu livro para várias editoras e dois homens maravilhosos tinham aparecido em minha vida novamente, no mesmo dia. Pelo visto, eu estava melhorando minha posição neste mundo, com certeza!

Enquanto esperava, na mesa pequena, que ele fizesse o pedido, ficava imaginando como era estranho estarmos sempre nos encon-trando assim. Mas Nova York era, mesmo, uma cidade estranha. Podia se ter a mesma colega de quarto por cinco anos e quase nunca cruzar com ela, e ir a um parque diferente a cada semana e encontrar as mesmas pessoas.

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Dane voltou trazendo-me um capuccino e alguns biscoitos de leite.

— Costuma vir tomar café por aqui? Não é um tanto distante de seu serviço? — comentei.

— Moro por aqui.

— Ah, isso explica termos nos visto tanto ultimamente.

— É, mas não a tenho visto no Starbucks. Terminou seu livro?

— Sim. Acabei de mandar seis cópias.

— Não tem um agente?

— Não... — Eu nem mesmo pensara nisso...

— Seguiu as normas que os editores pedem? Porque podem nem ler seu manuscrito se não as seguir.

Senti como se um balde de água fria tivesse sido derramado sobre minha cabeça.

— E Harrison? — A pergunta tirou-me de minhas divagações sombrias sobre o destino de meu livro.

— Bem — menti. — Ele é um sujeito muito legal.

— Mesmo?

— Mesmo...

— Bem, vou ter que voltar ao escritório, mas... estava pensan-do... está livre este fim de semana?

Eu estava me sentindo no fundo do poço. Muito bem, ele estava namorando uma escritora de sucesso, mas isso não o tornava um escritor também, e aquela história sobre nem lerem meu manuscrito acabara comigo. Não via a hora de poder sair dali e me livrar da pressão que minha própria pressa e inexperiência estavam colocando em mim.

— Vou passar o fim de semana em Paris — disse.

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— Oh, que sorte a sua!

Por que eu continuava tendo a impressão de que havia algo a mais no olhar dele? Fosse por que fosse, despedimo-nos sem mais palavras e seguimos nossos caminhos.

Voar para Paris sem Clay não foi divertido. A tripulação me pareceu fria e distante. E, como eu tinha sido colocada no vôo às pressas, deram-me todas as tarefas que ninguém mais queria fazer. Criei, então, um mantra para mim mesma:

Você vai para Paris, ver Max e beijá-lo.

Ao desembarcarmos, o piloto e o co-piloto, antigos amigos de Michael, vieram falar comigo, e até me ofereceram um jantar com a tripulação, mas fiz questão de dizer que tinha um encontro com um verdadeiro cavalheiro. Se isso ia chegar aos ouvidos de Michael, não sei, e nem me importei em saber.

Antes de deixar o aeroporto, tentei ligar para Max, mas ninguém atendeu. Assim, deixei um recado e, ao entrar no Grand Hotel, achei que ele já teria confirmado nosso encontro ou, quem sabe até, me enviado outro buquê de flores. Mas nada havia para mim na recepção. Um tanto desapontada, subi para tomar um banho e, quem sabe, dormir um pouco antes de sair para dar uma volta.

Quando saí do chuveiro, o celular já tinha uma mensagem:

Hailey, sei que já chegou. Se estiver bem para você, pego-a às sete. Se não, deixe um recado no Ritz.

Ouvi a mensagem mais de dez vezes. Meu coração batia como um louco. Acertei o despertador para dali a duas horas e dormi o mais feliz dos sonos.

Nós nos encontramos exatamente às sete. Ele, barbeado, per-fumado, maravilhoso, cumprimentou-me com um delicado beijo no rosto e levou-me para a Mercedes, à qual eu estava começando a me acostumar depressa demais.

— Já esteve no Quartier Latin?

— Ah, sim, é minha parte favorita da cidade!

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— Há um restaurante lá, relativamente novo, ao qual nunca fui, mas que podemos experimentar. Não sei ao certo onde fica, mas

Jean Claude pode nos deixar em algum lugar para explorarmos as ruas por nossa conta. O que me diz?

— Perfeito!

Não foi difícil encontrar o lugar; era pequeno, discreto, e com o velho e elegante charme parisiense que todos adoram. E a comida não poderia ser mais deliciosa. Acho que comemos tanto que apenas uma caminhada poderia nos aliviar. Saímos a pé, de mãos dadas, prestando atenção aos inúmeros detalhes de cada loja, cada casa, cada esquina.

— Adoro Paris! — comentei. — Você tem sorte por poder passar tanto tempo aqui.

— Tenho, mesmo.

Andamos muito, petiscamos pelas ruas, apesar de já termos - jantado, e depois nos sentamos numa praça. Lá, Max beijou-me novamente e, como da outra vez, senti que o mundo desaparecia a meu redor. Senti que jamais experimentara aquela paixão ardente, quase escandalosa, nem mesmo com Michael.

— Venha para o Ritz comigo — ele sussurrou em meu ouvido, entre nossos beijos.

— Não posso...

— Por que não?.

— Porque tenho de voar logo cedo...

— Mas quando poderei vê-la novamente?

— Não sei.

— Por que não volta para Paris amanhã à noite.

— O quê? — Afastei-me de seus lábios, encarando-o.

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— Você disse, no jantar, que tem esta semana de folga. Então, se voa gratuitamente...

— Sim, mas...

— Então, é perfeito! Vou mandar Jean Claude pegá-la no aero-porto e passaremos a semana juntos!

— Mas e minhas roupas? Para voltar, nem terei tempo de ir para casa e fazer outra mala.

— Minha querida, estaremos em Paris! Faremos compras! Eu jamais vivera uma situação assim. Jamais me permitira uma

loucura desse quilate. No entanto, movida por uma força que nem eu mesma sei explicar, cerrei os olhos e aceitei, feliz. Afinal, a vida é tão curta! E sempre ouvi dizer que é melhor arrepender-se de ter feito algo do que de não ter feito.

Assim que pousamos, apressei-me em mudar de roupas e me preparar para o vôo de volta. Encontrei Clay no caminho e nem parei para falarmos, por isso ele foi me seguindo pelos corredores do aeroporto.

— Vou passar alguns dias em Paris — informei, alegre.

— Mas achei que tinha acabado de chegar!

— Sim, mas é uma longa história e não tenho tempo para con-tar-lhe agora.

— Onde vai ficar?

— No Ritz.

— Opa! Por quanto tempo? Estarei em Amsterdã dentro de alguns dias; talvez queira voltar comigo.

— Pode ser.

— Ligo para você no Ritz, então. Que quarto devo chamar, o seu ou o dele?

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Sorri diante da brincadeira e, apressando o passo, dei-lhe um abraço e respondi:

— Peça para falar com Maxwell Dunne

Viajar assim, sem parar, poderia ter me deixado exausta, mas a ansiedade de estar com Max mantinha-me alimentado de energia e felicidade. E mais feliz ainda fiquei quando fui levada ao apartamento que ele ocupava no Ritz, luxuoso, elegante, cheio das mordomias que somente muito, muito dinheiro, pode comprar.

Segui direto para o banheiro revestido de mármore e preparei um banho na imensa banheira branca.

Saí do hotel com a intenção de dar umas voltas e comprar al-gumas coisas. O dia estava claro, nem quente, nem frio, e as ruas estavam cheias de gente indo e vindo, moradores de uma cidade que o resto do mundo babava por conhecer. Felizardos.

Parecia incrível, mas eu saltara de um verdadeiro inferno para uma vida onde a felicidade era traço primordial. Max era perfeito! Tinha tudo o que queria da vida e o fato de não ser casado era bom demais para ser verdade. Aliás, essa foi uma das primeiras coisas que eu quis deixar bem claras, pois poderia me apaixonar, sim, e perdidamente, por ele.

Por isso, em nosso primeiro jantar, tinha perguntado:

— Max, você não é casado, é?

Ele negou com a cabeça, o que não me satisfez por completo.

— Quero dizer... nada de esposa e cinco filhos esperando an-siosamente por seu regresso?

— Não. Claro que quero me casar um dia, mas a parte dos filhos ainda não tenho bem certeza.

Isso era bom para mim, porque também nunca tinha pensado com seriedade sobre ter filhos...

Entrei numa loja de lingerie, tentada a comprar algo sensual para qualquer eventualidade. E encontrei um conjunto que me en-

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cantou, tanto na beleza quanto no preço. Afinal, Max era perfeito e merecia algo perfeito, também.

Marquei nosso encontro num bar chamado Hemingway, cheio de fotos do grande escritor, e muito aconchegante. Usava tudo novo: sandálias, vestido e lingerie. E estava super ansiosa.

Quando o vi chegar, num terno magnífico, quase derreti. Ele veio, deu-me um beijo suave e comentou:

— Você está linda. Fez compras?

— Sim. Fui dar uma volta pelo lado esquerdo do Sena.

— Mas foi a pé. Podia ter usado o carro. Jean Claude está a seu dispor.

— Eu sei, mas preferi andar. O dia estava lindo.

— Como foi seu vôo?

— Bom. Dormi a maior parte do tempo.

Jantar com Max era sempre uma aula de refinada culinária. Ele conhecia todos os pratos, e me fez apreciar cada um dos que pe-dimos. Depois decidimos pular a sobremesa e ir direto a um licor de chocolate que parecia ter sido feito no paraíso.

De volta ao hotel, eu estava tensa. Max nos preparou dois drin-ques e eu segui direto para o banheiro, para escovar os dentes, arranjar a maquiagem e me convencer de que estaria à altura dele.

Quando voltei à sala, ele me esperava com dois copos nas mãos, sentado diante da lareira acesa. Oh, era tudo o que eu poderia desejar! Assim que me sentei, ele me entregou o copo. Mas nenhum de nós se importou em beber. Estávamos logo um nos braços do outro, beijando-nos como loucos, envolvidos num desejo arrebatador.

No minuto seguinte, ele me levou para a cama e, sem uma palavra, fizemos amor desesperadamente. Eu nunca tinha vivido algo assim. No entanto, alguma coisa ficou faltando. E, ainda envolvida pela aura da paixão, eu não soube exatamente o que poderia ser.

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O que havia de errado comigo? Estava com um homem inteli-gente, simpático, bonito, rico, generoso, sofisticado. No entanto, faltava alguma coisa. Por que tudo tinha de ser sempre complicado para mim? Por que não tinha percebido que Max era perfeito demais para ser verdade?

— Não sei o que fazer — queixei-me para Clay, na manhã seguinte, depois que Max saiu para o trabalho. Ele deixara um bilhete, dizendo que faria tudo para conseguir sair mais cedo, para que pudéssemos passar mais tempo juntos, mas eu me sentia como uma Cinderela cujo conto de fadas tinha sido um fracasso.

— Acho que você tem que sair daí quanto antes — foi o con-selho de meu amigo.

— O quê? Como? Quero dizer... ele é completamente perfeito em tudo... Que desculpa vou dar?

— Que não gostou dele na cama. E ponto final. Ou acha que pode enganar a si mesma por muito mais tempo? Porque está fan-tasiando se acha que foi tudo uma maravilha. Se tivesse sido, você estaria feliz e ansiosa por mais, minha cara.

— Mas, Clay, ele é um homem em um milhão!

— Ótimo. Case-se com ele, então. E passe o resto de suas ma-nhãs pensando que a noite anterior poderia ter sido melhor. Não se engane mais, Hailey. O cara é perfeito, mas não funcionou. Não viu estrelas. Estarei em Amsterdã em alguns dias. Se quiser me encontrar por lá...

— Vou pensar e depois ligo, certo?

A semana se seguiu diferente de como eu previra. Durante o dia, tudo era muito bom. Perfeito, para usar a palavra que eu definira como sendo a melhor descrição para Max e seu estilo de vida. Mas, à noite, quando tínhamos de ficar sozinhos, quando íamos para a cama,

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eu simplesmente fechava os olhos e deixava tudo acontecer. Não, aquelas não eram as noites de meus sonhos, mas também não eram as piores. Continuamente tentava me convencer de que era exigente demais, que queria mais do que qualquer mulher poderia desejar, mas o fato era que, naquele ponto específico, eu não estava feliz...

Não eram suficientes os sorrisos, os passeios, os beijos, os ca-rinhos. Nem mesmo toda a animação que Max demonstrava quando estava a meu lado. Definitivamente, havia algo de muito errado comigo.

Estranhei aquele passeio que ele sugeriu ao metrô. Mas Max explicou que estávamos em Pigalle e que aquele era um bairro boêmio, que grandes artistas, como Picasso, costumavam se reunir ali, e isso me convenceu de que era um lugar interessante. Mal sabia eu que estava começando a entrar num pesadelo...

Seguimos por uma rua escura, que, obviamente, ainda era fre-qüentada por gente não muito respeitável. Chegamos a um clube noturno, desses que estão sempre tão envoltos na escuridão, que mal se consegue ver a pessoa que nos acompanha. Havia um palco mal iluminado logo à frente e Max foi recebido ali com a mesma deferência e a mesma cortesia com que o encaminhavam às me-lhores mesas dos restaurantes mais finos de Paris. Pelo visto, também dali era um freqüentador assíduo e isso começou a me incomodar. Tomamos um drinque e, pouco depois, o espetáculo começava. No palco, um casal bizarro, vestido com roupas justas de couro, começou uma encenação de um relacionamento sado masoquista. Meu estômago começou a virar. Eu nunca estivera num lugar assim e ver aquelas cenas grotescas a poucos metros de distância era o fim.

— Max, vamos embora daqui.

— Ora, por quê? Vai se acostumar e logo, logo, vai gostar. Não, eu não queria me acostumar. Queria sair dali. Pelo visto,

ele estava me mostrando um lado de sua personalidade que eu nunca poderia ter imaginado.

— Max, quero ir embora agora!

— Não, Hailey. O que está havendo com você, afinal?

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— Não gosto deste tipo de coisas, mas para você, parece ser algo bastante interessante. Já percebi que é um freqüentador da casa.

— E se for? Não vejo mal nisso.

— Mas eu vejo. Desculpe-me, mas estou saindo.

— E para onde vai?

— Para o Ritz, pegar minhas malas e sumir de Paris e de sua vida.

Não esperei por mais nada. Max chegou a me chamar, mas não me seguiu. Ali terminava nosso relacionamento. Pelo visto, eu encontrara algo que não era tão perfeito. Um bom motivo para deixar de apenas suportar ficar a seu lado e partilhar de bons momentos. Não me senti nem um pouco culpada quando deixei o hotel, após ter ligado para Clay e lhe contado tudo, marcando um encontro em Amsterdã.

— Talvez ele tenha percebido que você não estava gostando de seu relacionamento na cama e quis apimentar um pouco a relação — Clay tentou justificar, quando nos encontramos, no dia seguinte.

Tentei aceitar tal teoria, mas a única coisa que queria, de fato, era esquecer que, um dia, me envolvera com um adorável sujeito chamado Max que tinha maus hábitos noturnos...

Quando voltei a Nova York, havia uma pilha de correspondência na cobertura. Senti uma ponta de preocupação, lembrando-me dos gatos, mas logo ela se foi, envolta em alívio quando me lembrei de que, antes de viajar, embarcara os bichanos para a Grécia, como minha amiga havia recomendado. Jonathan sempre conseguia so-breviver bem com o que havia em seu aquário, mesmo que fossem aquelas algas verdes que começavam a se formar nas paredes quan-do eu esquecia de trocar a água.

Assim, alimentei-o, segui para o banheiro e, depois de uma boa chuveirada, sentei-me com uma caneca de café nas mãos para ler tudo que estava endereçado a mim. A primeira carta que abri era de uma editora. E dizia:

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Prezada srta. Lane, agradecemos por nos ter enviado seu original. Gostei da leitura e também da maneira como abordou a visão de uma adolescente diante do mundo. No entanto, preocupei-me com a traição de sua amiga e a ausência contínua de seus pais. E, mesmo tendo um final relativamente feliz, seu livro poderia ter dado um foco mais humano às aventuras da protagonista. Se estiver interessada em reescrever a história, com pelo menos um pai ou uma mãe mais presente, amigos mais decentes e um final mais feliz, estarei interessada em ler seu trabalho novamente. Martina Rasmussen

Acabei de ler e fiquei olhando para a parede sem saber o que pensar. Eu não queria que destruíssem minha história; apenas que a lessem, publicassem, ou não.

Eu acabava de me aprontar para o baile anual das Damas de Honra, que sempre se realizava no East Village. Era um evento alegre, irreverente, cuja entrada era uma doação para qualquer boa causa do ano e que exigia apenas que se participasse usando o vestido mais cafona que pudesse encontrar nos brechós da cidade.

Verifiquei mais uma vez o enorme laço de tafetá na parte de trás de meu vestido cor-de-rosa e achei que estava ridícula o su-ficiente para agradar.

Segui para o elevador e, para meu azar, este estava quase cheio, o que quase não me deu espaço para entrar. No entanto, estava atrasada e sabia que não poderia ficar esperando até que ele retornasse à cobertura. Entrei, baixei a cabeça, sabendo que todos ali estavam me olhando e estranhando minha roupa, mas persisti em minha fortaleza de espírito. Foi quando uma voz familiar me chamou:

— Hailey? — O tom de estranheza era evidente.

Eu a reconhecia, mas não queria acreditar. Não queria e não podia, porque, se o dono daquela voz fosse, de fato, quem eu pen-sava que era, estaria perdida por ele me ver assim, totalmente, absurdamente, esfericamente ridícula.

— Hailey! — ele insistiu e tive de erguer os olhos. — O que faz aqui?

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— Eu moro aqui.

— Mora aqui?!

Puxa, isso era tão difícil assim de acreditar?

— Sim. Na cobertura.

— Mas... também moro aqui! Mas não na cobertura. Talvez deva mudar de profissão...

— Como assim?

— Ser comissário...

Dane Richards estava zombando de mim. Definitivamente. E isso doía. Muito. Afinal, como ele ousava mostrar-se surpreso por eu morar ali? Por que seria impossível para mim alcançar tal conforto? Esnobe, isso era o que ele era! Estava começando a achar que toda a atração que sentira por ele antes se transformava em desprezo.

Foi só então que percebi a presença dela. Cadence, bem ali, a meu lado. E eu que estava tão preocupada em não olhar para parte alguma só porque estava ridícula.

O elevador parou, todos saíram, mas nós três, não.

— Vamos, o carro está esperando! — ela instigou, enchendo-me de raiva. Oh, eu não gostava daquela mulher! Não gostava mesmo!

Saímos, ou acabaríamos subindo novamente.

— Para onde está indo? — Dane quis saber.

— Para o centro.

— Nós também. Podemos dar-lhe uma carona.

Já tínhamos chegado à calçada e o motorista do táxi que os esperava me olhou como se eu fosse uma aberração.

— Não, não, obrigada. Não quero incomodar.

— Não é incômodo algum. Venha! — ele insistia. Cadence, sem uma palavra, entrou no banco de trás. Dane a

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seguiu, puxando-me por um braço e, segundos depois, estávamos todos seguindo para o centro de Nova York.

— Então, do que se trata? — ele quis saber, apontando vaga-mente para a peruca cor-de-rosa, os ladinhos, os tules bordados que faziam parte de meu traje. — Festa de quinze anos?

— Na verdade, não. — Fechei-me em copas. Não queria con-versa. Estava com raiva e ponto final.

Cadence agora falava ao celular e seguiu por todo o caminho assim. Dane continuava me olhando, interessado, sorrindo de leve, como se quisesse ainda uma explicação para minhas roupas. Aquele rosto bonito, os cabelos macios, o jeito elegante... tudo me enervava ainda mais.

— Vou a uma festa — resolvi explicar. — É conhecida como Baile das Damas de Honra e as mulheres devem ir da forma mais ridícula possível. Fora isso, é uma festa ótima, com gente legal, boa música, comida e bebida. E há um concurso, no fim, para eleger quem está usando a roupa mais deselegante.

— Interessante. E qual é o prêmio?

— Um buquê.

—Olhe, não leve a mal, mas acho que você tem grandes chances de vencer. É um baile anual?

— É, mas não tenho ido há muitos anos.

— Por que não?

— Porque as mulheres têm de ser solteiras para irem.

— E, nos últimos anos, você não era? — Ele se inclinou para mim, deixando-me, súbita e estranhamente, sem fôlego.

Olhei pela janela, tentando desviar minha atenção.

— Há homens nessa festa?

— Na verdade, não. Apenas mulheres e gays.

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— Interessante.

Eu estava começando a ficar enjoada de tudo que ele achava interessante.

— E então, teve resposta de algum dos editores?

A pergunta me surpreendeu e me desagradou. Ele queria, então, me humilhar diante da brilhante escritora?

Aproveitei quando o carro parou em um semáforo e, sem saber por quê, atirei uma nota de dez dólares no colo de Dane e saí correndo, agradecendo, sem olhar para trás, Tinha começado a chover e tive de colocar a bolsa sobre a cabeça para não estragar minha peruca.

— Mas ainda nem chegamos ao centro! — pude ouvi-lo gritar. Voltei-me e vi "aquele estranho olhar novamente. Firme, mas,

de certa forma, triste. Era, então, isso que me impressionava nele? O olhar? O sinal abriu e o táxi se foi. Olhei para cima, para a chuva que me molhava, e me senti, repentinamente, muito triste.

Capítulo VI

Depois de tantos anos voando, eu tinha aprendido a lidar com meus horários e podia, assim, trabalhar mais ou menos quando e quanto quisesse. A princípio, morar no apartamento de Kat, sem pagar, me parecera a grande oportunidade de trabalhar menos, mas agora, com aquela sombra de demissão em massa que pairava na Atlas, decidi ganhar tanto dinheiro quanto possível, para o caso de ter de passar algum tempo desempregada à procura de outra empresa. E ainda esperava uma resposta dos outros editores a quem enviara meu original, pois a opinião daquela louca que se dignara a me responder não contava.

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Os vôos eram muitos e, quase sempre, bastante cansativos. Mas eu não me importava. Tudo o que queria era trabalhar e ganhar dinheiro. E, num retorno de uma dessas viagens exaustivas, entrei no apartamento de Kat, onde eu já recebia toda a minha corres-pondência, e, pegando os envelopes que tinham sido deixados na portaria, dei uma olhada rápida. O último era da Atlas! Alguma coisa no envelope azul-claro fez meu estômago apertar. Mas, da mesma forma que se arranca um esparadrapo de um ferimento, eu sabia que, apesar do medo e da dor, teria de fazê-lo, mais cedo ou mais tarde. Portanto, rasguei a ponta do envelope e abri a folha única.

Entramos numa nova fase de desafios que resultaram em algo também absolutamente novo para a companhia. Assim, não nos restou alternativa, a não ser embarcar numa transformação radical que, infelizmente, resultará na perda de emprego de novecentos funcionários etc, etc, etc...

Mas quem escrevia as comunicações internas e externas da Atlas? Essa pessoa tinha alguma noção de redação? E de senti-mentos? Não, nenhuma, com certeza. Continuei lendo, mesmo assim. E, na última linha, estava escrito:

Estejam, portanto, cientes de que os comissários sêniores de números 13.400 acima poderão ser afetados por estas novas medidas.

Muito bem, meu número era 13.802...

Acordei com o telefone de cabeceira, naquela madrugada.

— Hailey?

— Oh... Olá, Kat...

— Não a acordei, espero.

— Não, claro que não... Estava aqui sentada, lendo o jornal... — Revirei os olhos, observando o céu muito azul, que era a única coisa possível de se ver na altura daquela cobertura. — Como vai? Está em Atenas?

— Ah, estou relaxando muito! Tudo está uma maravilha por aqui. Afinal, esta é a Grécia. Estivemos em Atenas até ontem, mas

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então decidimos visitar a vila de Yanni em Mikonos. É tão linda! Tudo pintado de branco! Uma beleza, mesmo! E você? Como vão as coisas? O que anda fazendo mais? Escrevendo ou voando?

— Bem, mandei o livro às editoras, como você sabe, mas ainda não recebi uma boa resposta. Quanto à Atlas, recebi uma carta ontem, dizendo que posso estar na lista de futuros desempregados.

—Não diga! Mas a que ponto chegou essa companhia! Escute... por que não vem para cá?

— Não, não. Não posso. Preciso ficar por aqui e me preparar para o caso de ter de procurar um novo emprego. Talvez, até, comece a escrever outro livro.

— Entendo. Mas se vier apenas por alguns dias, quando voltar, ainda poderá fazer tudo isso, não acha? Deixe que eu e Yanni cuidemos de você. Use seus passes grátis! Faça algo maravilhoso pelo menos uma vez na vida, menina!

Muito bem, nesse mesmo dia liguei para Clay para avisá-lo de que ficaria encarregado da vida de Jonathan. Expliquei detalhada-mente que meu peixinho comia apenas uma vez por dia, uma quan-tidade mínima, e o vi franzir a testa, sentado diante de mim, num bar de esquina,

— Pelo amor de Deus, Hailey, eu já entendi que ele não é nenhum tubarão!

— Ah, mais uma coisa. Depois que tiver alimentado Jonathan, Kat disse que, se quiser ficar no apartamento, pode aproveitar que vai ficar vazio. Ela até permitiu que leve alguém, de vez em quando... — Sorri e vi o rosto dele se animar, embora a resposta fosse contrária:

— Não, não. Escute, quanto tempo vai ficar na Grécia?

Eu ia partir no dia seguinte, mas meus planos terminavam aí.

— Não sei ainda. Tenho dez dias de folga, mas acho que vou ficar bem menos do que isso. Na verdade, ando muito preocupada quanto às possíveis demissões. Você não tem medo do que possa acontecer se for um dos eleitos?

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— Já andei pensando nisso e acho que, se acontecer, vou voltar a estudar, terminar meu mestrado. Já pensou em voltar a estudar, Hailey?

— Acho que agora, sim. Mas, em meu caso, seria para terminar minha pós-graduação. Cheguei à terrível conclusão de que temos vivido numa espécie de... bolha, sabe? Eu costumava achar que meu emprego era excelente e que o pagamento, embora não fosse tão bom, compensava porque era tudo muito divertido, havia as viagens... No entanto, seis anos disso me mostraram como é triste trabalhar para a Atlas. Cada vôo é, na realidade, um pesadelo, extremamente cansativo e estressante. E tudo o que tenho é um passaporte cheio de carimbos, uma coleção de cartões plásticos dos hotéis mais baratos da América, e mais nada.

— Parece que estamos de volta ao começo, não?

— Exatamente. E eu, ainda por cima, solteira, sem perspectivas para o futuro. Depois de tudo o que houve com Michael, tentei me convencer de que seria o recomeço de minha vida, que tinha vastos horizontes pela frente, que minha segunda chance estava batendo a minha porta, mas agora percebo que estava enganada. E minha vida não andou para a frente desde então.

— Não diga isso...

— Mas é verdade! E agora, para completar, a Atlas vai me dar o bilhete azul, tenho certeza. E estarei nas ruas, desempregada e sem futuro novamente.

— Não vai, não. Tudo vai dar certo, você vai ver. E seu livro? Não espera nada dos editores? Pode ser um grande sucesso, sabia?

Apenas ergui os ombros. Até mesmo falar no assunto me inco-modava porque estava começando a imaginar que nem uma resposta receberia, tão ruim deviam ter achado meu texto. Vendo que eu estava ainda frustrada, Clay sugeriu:

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— Escute, por que não volta a procurar aquele escritor, o tal Mann? Ou, então, por que não reescreve sua história, como a editora maluca sugeriu?

— Clay, não quero fazer nenhuma das duas coisas!

— E que, às vezes, na vida, não temos chance de escolher, querida.

— O que quer dizer com isso?

— Somente você mesma pode decidir sobre sua atual situação. Somente você sabe como se sente de verdade e até onde poderia ir para resolver tudo isso. Explore suas opções e mantenha a mente aberta! Conselho de amigo!

Eu devia me sentir feliz. Ia viajar para a Grécia, para visitar um lugar que era o sonho de milhares de pessoas. Mas, enquanto ca-minhava pela Madison Avenue, olhando para as vitrines cheias de roupas maravilhosas que jamais conseguiria comprar, comecei a entrar em pânico. Recentemente, havia lido uma estatística que dizia que setenta por cento das mulheres já estão casadas ao atingirem seu trigésimo sétimo aniversário. Não que isso me incomodasse diretamente, ou que eu estivesse louca para me casar e ter filhos, muito menos para ter filhos, na verdade. Mas alguma coisa, nesses números, me fazia sentir sozinha e isolada, como se tivesse sido deixada num canto porque não conseguia ser uma boa companhia para ninguém, muito menos para um suposto marido.

Não entendia como certas mulheres encontravam seu parceiro ideal com tanta rapidez e facilidade!

Era verdade que a maioria de minhas amigas estava casada e parecia, até, bem feliz. E, mesmo com maridos encantadores, e sem problemas maiores de adaptação à vida matrimonial, devo admitir que não via nada nesses homens que os tornassem tão especiais. Apesar de até, bem pouco tempo, querer me casar e levar uma vida como a delas, agora que conseguira escapar disso, achava que não seria o bastante encontrar um marido que fosse, apenas encantador. Eu queria mais. Afinal, viveria com ele pelo resto de meus dias.

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E ali, caminhando, eu me sentia uma estranha; como se fosse a única a pensar assim, a que queria mais, e a que ficaria sem nada. Porque, afinal, esse "tesouro" de marido poderia simplesmente não existir.

Meus pensamentos estavam ficando mais e mais sombrios e já não sabia aonde poderiam me levar. Assim, decidi dar uma volta pelo parque; passei por meu prédio e encostei-me à parede, vendo toda aquela gente passar. Adoro viver em Nova York. Mesmo parecendo rude e abrasiva na superfície, é uma cidade cheia de gente disposta a sorrir, como o atendente da lanchonete que, de fato, sorri para você, ou o motorista de táxi que espera até que você entre em segurança em seu prédio, para só depois ir embora. No entanto, se perdesse meu emprego na Atlas, não sabia se conseguiria continuar vivendo ali. Nova York não seria mais um lugar para mim, já que é uma cidade repleta de pessoas cultas, superqualificadas, e muito profissionais.

— Hailey?

Atendi ao chamado, vendo Dane logo a meu lado. Junto dele estavam Cadence e uma loira que eu nunca tinha visto antes. Ele trazia um labrador por uma correia de couro e quase de imediato curvei-me para acariciar a cabeça do animal.

— Olá! Como vai?

—Esse é Jake—ele apontou o cão.—Cadence você já conhece e essa é Evie, uma amiga dela.

Sorri para as duas belas mulheres, depois voltei minha atenção para o cachorro novamente, acariciando-o com mais vigor ainda.

— Que inveja! Adoro cachorros, sabia? E este é lindo!

Seria impressão minha ou Cadence estava me fitando de uma forma diferente?

— Como foi, mesmo, que vocês dois se conheceram? — per-guntou ela.

— É uma longa história — falei logo, sem disposição para conversas. Além do mais, eu e Dane não éramos amigos; eu mal o

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suportava. A meu ver, a única coisa boa nele era possuir aquele cachorro tão lindo e carinhoso.

— Cheguei atrasado para um vôo e acabei tirando Hailey de seu lugar — Dane explicou. — E ela saiu com tanta pressa que esqueceu seus originais.

— Oh... é escritora? — Mas Cadence ainda não sabia disso?!

Bem, de acordo com Martina, a editora louca que me respon-dera, eu não era nada além de alguém, tentando escrever, e muito mal.

— Na verdade, não sou profissional, mas estou tentando. Acho que acabo escrevendo para satisfazer uma vontade pessoal.

— Não acham que devíamos ir para não perdermos a hora? — Evie sugeriu.

As duas se despediram de Dane e, quando se foram, ele me encarou e sorriu. Droga, eu o detestava, mas aquele sorriso era de derrubar qualquer muralha!

— Importa-se se ficarmos com você? — Referia-se ao cão e a si mesmo. E, vendo que o bichinho deitava-se a meus pés, comentou: — Mas veja só! Jake não sabe mesmo ser leal. Cuido dele há anos e, assim que vê uma garota bonita, é como se eu nem existisse!

Baixei os olhos para o cão, e fiquei avaliando como Dane podia começar a flertar assim comigo um segundo depois de sua namorada se afastar.

— Não tem animais de estimação? — ele quis saber.

— Bem, cuidei de três gatos para minha amiga e tenho um peixinho. Mas acho que ele mais me ignora do que me nota. Só me vê quando me aproximo do aquário com sua comida.

— E ele tem nome?

— Jonathan.

— Dei o nome de Jake a meu cachorro por causa de um perso-nagem do filme Chinatown.

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— Oh, adoro esse filme!

— E então, pegou o buquê?

Encarei-o, surpresa com a pergunta. Afinal, eu estivera pensan-do em casamento até .alguns minutos antes de nos encontrarmos...

— O baile a que você ia no outro dia, lembra? — Dane escla-receu.

— Ah, isso... Não, não. Acredite ou não, havia muitas outras mulheres com vestidos mais cafonas do que o meu.

— Está brincando!

— Verdade!

— Escute, sei que está um tanto... em cima da hora, mas... está livre no fim de semana? Há outra festa a que acho que gostaria de ir. Sei que deveria convidá-la antes, mas, na verdade, acabei de saber também.

— Obrigada, mas não posso. Estou partindo para a Grécia amanhã.

Ele me encarou por longos segundos, mais sério.

— Puxa! Você aparece com as desculpas mais exóticas que já ouvi.

— Sou comissária de bordo, esqueceu? Mas vou ficar apenas -alguns dias, visitando uma amiga.

— Entendo. E que tal agora?

— Como assim, agora?

— Bem, ainda está em Manhattan e não está com mala alguma. O que diz? Janta comigo?

O convite me deixou sem palavras. Por fim, murmurei:

— Ainda preciso subir e fazer as malas.

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— Claro, mas vai precisar comer também. E prometo trazê-la para casa cedo. Vamos! — Oh, aquele sorriso novamente!

— Mas... e Cadence?

— Vai fazer uma noite de autógrafos na livraria Border. Assenti, encarando-o. Os homens eram todos iguais, mesmo, exceto os gays. Mas eu estava com fome, sim, não podia negar, e minha geladeira estava vazia.

— Só se prometer que não vamos falar em livros. — aceitei. —Como quiser. Importa-se se eu levar Jake para casa primeiro? Eu teria de seguir com ele até seu apartamento?! Bem, mas não

podíamos deixar o pobre cachorro na rua enquanto comíamos, não é? Assim, segui-os para dentro do prédio.

— Oh, então é aqui que Jake mora... — comentei, sem graça, ao entrarmos.

— Sim. Mas tenho sorte por ele me deixar dividir seu espaço — Dane brincou. Devia estar tentando me deixar à vontade. — Importa-se de esperar alguns minutos? Vou deixar Jake na lavanderia e trocar de camisa.

Passei os olhos ao redor. Era um lugar agradável, com mobília quase rústica, mas muito aconchegante. Aproximei-me de uma porta lateral, que dava para uma sala íntima. Ali havia um sofá confortável, uma tevê e uma mesinha, sobre a qual estava um exemplar do livro de Cadence. Não resisti à tentação. Olhei para trás, para ter certeza de que Dane não estava por perto e peguei o livro, abrindo nas primeiras páginas, em busca de uma dedicatória. Por que eu estava fazendo isso? Não saberia dizer no momento.

Assim que virei a terceira página, vi a inscrição em perfeita caligrafia:

Dane, obrigada por tudo! Não teria conseguido sem você! Beijos,

Cadence

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Bem, a palavra tudo estava grifada. Fiquei ali, parada, olhando para as letras bem desenhadas; não havia sinais claros de intimidade, mas era como uma pintura de Da Vinci. Se você olhasse bem de perto, com extrema atenção, podia ficar descobrindo centenas de "dicas" naquela mensagem...

Beijos. E ela não teria conseguido sem ele. A palavra tudo su-blinhada... Tudo significava exatamente isso... Tudo.

Mas o que eu ainda estava fazendo ali? Como podia aceitar um convite para jantar de um sujeito que era, com certeza, apenas um grande predador, com todo aquele charme, aquela gentileza, aquele sorriso?!

—Hailey ?—ouvi-o chamar e tentei deixar o livro como estava.

— Ah, eu estava dando uma olhada nesse seu cantinho... — O que estava havendo com minhas mãos? Elas ainda seguravam o livro? Larguei-o, deixando-o cair. Mas que droga!

— Gosta de comida italiana? Há um restaurante italiano perto daqui que tem massas deliciosas.

— Ah... Quanto ao jantar... Dane, acho que tenho ainda muitas coisas a fazer para a viagem e vou ter mesmo que recusar seu convite.

Ele me encarou completamente decepcionado.

— Tem... Certeza? Porque podemos pedir algo aqui mesmo e...

— Não. Eu realmente tenho que ir.—passei por ele, em direção à porta.

— Certo. Então, quem sabe, quando voltar...

Olhei para ele, e, com meu sorriso aprendido nas intermináveis horas de treinamento da Atlas, despedi-me:

— Até uma outra vez!

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Segui para o elevador, sabendo muito bem que não haveria uma outra vez.

Eu tinha viajado por mais de dezoito horas sem parar. Agora, a balsa chegava ao porto e eu, estranhamente, não me sentia cansada. Peguei minhas malas, segui para as docas e passei os olhos ao redor para ver se encontrava Kat e seu namorado Yanni, que eu estava ansiosa por conhecer.

Pouco depois a vi e nos abraçamos e beijamos efusivamente. Ela me levou ao jipe branco que estava do outro lado da rua, que-rendo saber sobre meu vôo. Deixei as malas na parte de trás do veículo e subi para o banco do carona, perguntando:

— Mas onde está esse Yanni que estou morrendo de vontade de conhecer?

— Ah, foi mergulhar para pegar polvos. Vamos seguir direta-mente à vila.

— Ele está caçando polvos?! É um hobbie ou coisa assim? — Olhei para minha amiga, achando-a feliz, bonita, saudável. A Grécia lhe fazia muito bem.

Seguimos conversando sobre coisas triviais enquanto passáva-mos pelas paisagens mais lindas que eu já tinha visto na vida.

A vila era espetacular. Não conseguiria descrevê-la, nem que quisesse; era um verdadeiro paraíso na terra. Paredes brancas, jar-dins, sol, muito céu azul, flores, um mar aberto logo adiante.

A suíte que tinha sido reservada para mim era enorme, confor-tável. Kat deixou-me à vontade para tomar meu primeiro banho na Grécia e começar a apreciar aquela viagem de sonhos. Depois eu poderia dormir um pouquinho e então nos encontraríamos mais tarde.

Quando acordei, mal pude acreditar onde estava. Já eram quase oito da noite. Pulei da cama e corri para o banheiro, lavando o rosto e penteando os cabelos. Depois vesti algo casual e corri pelo corredor, esperando não estar atrasando o jantar.

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Mas quando pisei no pátio interno da vila, vi Kat e um grego muito atraente sentados numa balança romântica, saboreando um drinque.

— Sinto por ter dormido demais — desculpei-me logo. Mas o grego apenas sorriu e apontou um lugar para que eu me sentasse.

—Jantamos tarde aqui. Meu nome é Yanni. Aceita uma bebida? — E deu-me um aperto de mão vigoroso.

— Bem... o que estão bebendo?

— Ouzo — Kat respondeu. — Com um pouco de água e gelo.

— Não é forte?

— Um pouco. Mas temos Retsina, se preferir. É uma espécie de vinho — Yanni ofereceu.

Aceitei e ele indagou, enquanto me servia:

— É sua primeira visita a Mikonos?

— Sim.

— Pois saiba que, mesmo pequena, esta ilha é a mais bela de todas.

Eu os observava. Pareciam felizes juntos. E Yanni, mesmo sen-do um homem poderoso no lugar, mostrava-se simples, com sua calça branca, camisa folgada e pés descalços. Ergueu seu copo e indicou o brinde:

— Bem, que sua estada em Mikonos seja intensa; que encontre novos amigos e muita aventura!

Tilintamos nossos copos, sorrindo, naquela tarde deliciosa, des-frutando aquele paraíso.

Mais tarde, ao jantar, outros convidados chegaram. Eu mal po-dia me lembrar de todos os nomes diferentes, mas sorria para todos, tentando ser simpática. Kat colocou-me sentada ao lado de um homem alto, simpático, muito bronzeado, chamado Adonis. Ele me

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cumprimentou e pude ver que tinha dentes maravilhosos. Sentei-me, e me apresentei:

— Sou Hailey.

— Eu sei. Você é o motivo de minha presença aqui.

— Como?!

— Na verdade, todos fomos convidados para dar-lhe as boas-vindas.

— Ah...

— O que está achando da ilha?

— Pelo que já vi, é um verdadeiro paraíso.

— Já foi à cidade?

— Não, mas pretendo ir amanhã. Sabe, seu inglês é muito bom. —Obrigado. Acho que a maior parte aprendi da televisão, como

todos aqui. Mas também estudei em Londres.

Nesse momento, Yanni e Kat apareceram com os pratos do jantar e todos começaram a comer, saudando-se no que eu imagi-nava ser bom apetite: Kali oreksi!

Acho que jamais comi tanto ou tão bem em toda minha vida. E nunca achei que frutos do mar podiam ser tão saborosos quanto na Grécia. Quando achei que toda aquela fartura tinha terminado, porém, as frutas começaram a aparecer, vindas da cozinha em belíssimos arranjos, e aprendi que elas também podiam ser outro tesouro daquelas ilhas maravilhosas e abençoadas por Deus.

— Bem, quais são seus planos? — Adonis me perguntou quando terminamos o jantar e nos dirigimos para o pátio.

Vi que uma mulher pequena, mas muito séria, estava ao lado dele, interessada em minha resposta tanto quanto ele próprio.

— Bem, na verdade, não tenho planos... Vim apenas para rela-xar, ficar com Kat e Yanni, ir à praia, explorar a cidade.

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— Ótimo! Vai precisar de um guia! — Os olhos muito verdes de Adonis pareceram brilhar ainda mais.

— Ela já tem Kat e Yanni para isso — comentou a mulher. Seu nome era Stavroula e me olhava com uma atenção que começava a me deixar pouco à vontade.—Quanto tempo vai ficar em Mikonos?

— Alguns dias apenas.

— Não vai visitar as outras ilhas?

— Para quê, se esta é a melhor? — Adonis interferiu, rindo. Stavroula, então, simplesmente se levantou e se afastou, deixando-me sem saber se tinha feito algo de errado. Mas Adonis voltou a sorrir, e tudo me pareceu em ordem novamente.

Na manhã seguinte, depois de um delicioso desjejum, segui com Yanni e Kat, no jipe, até Ágios Sostis. Era uma das mais remotas e tranqüilas praias da ilha e só podia ser alcançada por barco ou carro. Era um dos locais favoritos de Yanni e Kat também. E, feliz por minha amiga, comentei, quando nós duas estávamos sozinhas na praia, pois Yanni já tinha mergulhado:

— Estou impressionada, sabia? Yanni é maravilhoso, Mikonos é linda, a vila é deslumbrante e a comida é do outro mundo!

— Bem, os filhos dele não são, exatamente, loucos por mim. Mas, como têm as próprias famílias, não nos vemos muito, o que ameniza as coisas. E, às vezes, nossas diferenças culturais acabam sendo um problema, mas... bem, sempre há algo para destemperar um relacionamento, você sabe. A solução é saber se vale a pena ou não. Em meu caso, acho que sim.

— Pretendem se casar?

Kat apenas riu. Pensou um pouco, então, e respondeu:

— Para quê? As coisas estão tão bem do jeito que estão...

E ela tinha razão. Sorri, então, e nós duas nos deitamos em nossas toalhas, aproveitando o sol.

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Já de tarde, Yanni e Kat queriam tirar uma soneca. Mas, como eu só tinha mais alguns dias na ilha, preferi deixar isso para a noite. Assim, voltamos para a vila, comemos e tomamos um bom banho. Eles foram dormir e eu saí pelas ruas da cidade. Sentei-me diante de um café bem típico da região e pedi um frappé enquanto apreciava o movimento das pessoas indo e vindo pela rua.

Não demorou muito para perceber que Mikonos era uma ilha de contrastes. Gente nova, gente velha, carretas e motos, roupas tradicionais e biquínis ousados. Depois de meu frappé, saí para caminhar e, de lojinha interessante em lojinha interessante, cheguei a um ponto em que já não sabia mais onde me encontrava. Mas, confiante em minhas habilidades para encontrar o fim do labirinto, comecei a caminhar pelas ruas tortas, estreitas, sempre com a atenção nas lojas e na arquitetura do lugar. E acabei mais perdida ainda.

Bem, já não importava. Podia ligar para Kat mais tarde e dizer-lhe onde me encontrava descrevendo o que via a meu redor. Assim, não pude resistir à tentação de mais uma lojinha. Desta vez, en-cantei-me com um belo par de brincos de ouro que, com certeza, não conseguiria comprar e estava experimentando-os, em frente a um espelho, quando ouvi unia voz familiar logo atrás:

— Devia comprá-los. Ficam lindos em você. Era Adonis.

— Oh, olá!

— E então, gostou de Ágios Sostis?

— Como sabe que fomos lá?

— Porque a ilha é pequena e todos sabem tudo sobre todos. — Ele mostrava aqueles dentes lindos novamente. — Quer comer alguma coisa?

Por que sempre havia comida quando um relacionamento co-meçava? — avaliei. Mas estaria começando alguma coisa, de fato?

— Não, obrigada. Estou indo para Paraportiani. — Claro que eu não sabia como chegar à famosa igreja, mas ele não precisava saber disso.

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— Posso mostrar-lhe o caminho.

— Não, obrigada. Tenho um mapa da cidade. — E me afastei, sem saber ao certo se conseguiria chegar lá. Bem, usei o mapa direitinho e cheguei a Paraportiani. Tirei inúmeras fotos, comprei mais quinquilharias e tive um encontro com Petros, o Pelicano, um mascote da ilha. Depois me dirigi a uma colina cheia de casinhas brancas.

— Este é o melhor lugar da ilha para se observar o pôr-do-sol — ouvi e voltei-me. Um casal de turistas sorria para mim.

Devolvi o sorriso e sentei-me em um barzinho aberto, pedindo um vinho e esperando pelo espetáculo. Uma garota loira apareceu, pouco depois, pedindo se podia ficar com a cadeira logo a meu lado. Eu a cedi e acompanhei-a com os olhos, vendo-a sentar-se junto de Adonis! Bem, ele não perdia tempo... senti-me aliviada por não ter caído em seu charme.

Pouco depois, quando o sol já estava atrás de nuvens próximas do horizonte, peguei minhas coisas e decidi voltar para casa. Kat poderia ficar preocupada se eu demorasse.

Percebi como a cidade se transformara. As ruas antes tranqüilas agora estavam repletas de gente, que iria aproveitar a esfuziante vida noturna da cidade. E eu precisava voltar sozinha, usando toda minha esperteza naquele labirinto de ruas. Bem, seria uma aventura e tanto!

— Quer carona?

Adonis estava em seu jipe e sorria para mim.

— Olá, de novo. Não, obrigada.

— Como foi a visita a Paraportiani?

— Ótima. Tirei muitas fotos.

— Foi ver o pôr-do-sol no bar Caprice? Todos os turistas vão.

— Sim, fui. Adorei. E você? O encontro com a garota não deu certo?

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— Oh, então nos viu. Coisas sem importância, você sabe. Posso pagar-lhe uma bebida?

— Adonis, eu... — Vi que a garota que antes estava com ele, agora vinha abraçada a outro rapaz e parei.

— Vamos ao Nove Musas — disse ó novo acompanhante da loirinha. — Querem nos acompanhar?

— Não sei — Adonis me olhou. — Queremos?

Eu poderia negar mais uma vez; mas, pelo amor de Deus, estava na Grécia, a noite prometia, e um verdadeiro deus grego me chamava para sair. Por que não?

— Preciso avisar Kat — disse, sorrindo e pegando o celular.

— Não, não precisa — ele rebateu, com um daqueles sorrisos devastadores. — Como acha que encontrei você?

Capítulo VII

Vai sair com Adonis novamente? — Kat olhava-me, séria.

— Sim.

Tínhamos acabado de jantar e eu estava esperando por ele. Na verdade, tinha de admitir que estava ansiosa como uma adolescente. Seria mais uma adorável noitada na cidade e ele era simplesmente adorável.

Minha estada na Grécia estava se alongando mais do que tinha planejado. Mas estava até pensando em ligar para Clay e ver o que ele podia fazer com meus vôos seguintes, para que pudesse per-manecer em Mikonos por mais algum tempo. Kat e Yanni nem teriam de me hospedar por mais tempo, pois já planejava ficar num hotelzinho da cidade para não incomodá-los.

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— Vejo que a situação está ficando séria — Kat comentou, continuando a colocar os pratos na lavadora. — Já conheceu a família dele?

— Kat, nós nos conhecemos há dias! Ele nem tentou me beijar ainda!

— Bem, então é sério, mesmo. Conhecer sua família será o próximo passo, acredite. Na Grécia, os relacionamentos andam bem depressa.

— Para ser franca, não sei se quero conhecê-los. A mãe dele me parece séria demais.

No tempo passado com Adonis, vim a saber que aquela mulher que estava no primeiro jantar que tive na ilha era mãe de Adonis.

Por isso, talvez, ela se mostrara tão rígida ao me olhar. Os costumes pareciam bem diferentes ali.

— Todas as mães gregas são assim. Eu diria, até, que são as-sustadoras.

Encarei Kat, preocupada.

— Você teve problemas com a mãe de Yanni?

— Hailey, ele tem sessenta anos! Sua mãe morreu há mais de cinco. E, pelo que tenho observado por aqui, ela até seria uma boa sogra.

Aquilo era um aviso?

Estávamos no bar Caprice, nosso ponto de encontro favorito. Logo, muitos amigos de Adonis chegariam e seguiríamos para algum lugar divertido. Eu estava me acostumando e gostando da rotina. Eu já sabia quase tudo a respeito dele: que nascera em Atenas, estudara em Londres, formara-se em economia e que se preparava para assumir os negócios do pai, que andava muito doente. Sabia também que ele passava os verões em Mikonos e os invernos em Atenas, onde o pai se tratava. Mas eu ainda queria saber mais, como por que ele, aos trinta anos, ainda era solteiro, em um lugar onde as pessoas sempre se casavam antes dos vinte e cinco.

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— Que tal jantarmos juntos amanhã? —' o convite saiu num sorriso, como quase tudo o que ele dizia.

— Claro!

— Quero dizer, em minha casa, com minha família. Senti um nó no estômago.

— Bem... claro...

Então, ele se inclinou e me beijou pela primeira vez. E, sem saber ao certo por quê, indaguei, logo em seguida:

— Por que demorou tanto para me beijar?

—- Porque queria que desejasse nosso beijo tanto quanto eu.

— Preciso saber tudo sobre ela! — disse eu, nervosa, para minha amiga, no dia seguinte, quando conversávamos em meu quarto.

— Mas nunca conversei com ela!

— Deve ter ouvido alguma coisa! Tenho de saber aonde vou me meter, Kat!

— Bem, pelo que sei, a família é muito rica e eu a acho bas-tante... Tradicional.

— Como assim?

— E a matriarca da família. Quem dá as cartas, sabe? Deixei-me cair na cama.

— Oh, isso não me parece nada bom...

— Hailey, não sou perita em cultura grega, mas... olhe, tenho cinqüenta e cinco anos e ninguém, claro, poderia me pressionar em meu relacionamento com Yanni. Acho que não fariam isso com você também, porque não é nenhuma menininha tola, em busca de fortuna... E depois, Adonis é maravilhoso. E é adulto; sua opinião deve ser respeitada na família.

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Olhei-me no espelho, verificando minhas roupas, minha ma-quiagem. Queria estar bem para o jantar. Kat também me olhava e, embora sorrisse, sei que estava preocupada comigo.

— Pedi a Clay para adiar meus vôos porque pretendo ficar mais tempo em Mikonos — anunciei. — Mas vou me mudar para um quarto de hotel, porque não quero abusar de sua hospitalidade.

—De forma alguma! Yanni jamais permitirá isso! Temos muito espaço aqui e é um prazer recebê-la. Fique quanto tempo quiser.

Eu ia rebater, mas vi o carro de Adonis entrando, lá embaixo, na vila.

— Divirta-se — desejou minha amiga, dando-me um beijo. — E não se preocupe. Tudo vai dar certo.

Adonis seguiu por uma estrada tortuosa que levava a uma parte da ilha que eu não conhecia ainda. Na entrada do que parecia ser uma propriedade enorme, avistei a casa. Um verdadeiro castelo.

— Mas... é aqui que você mora?!

— É, eu sei que é um tanto grande. — Paramos diante da en-trada, e ele explicou enquanto desligava o motor do jipe: — Na verdade, são três casas. Minha irmã, o marido e seus meninos gêmeos moram em uma, minha avó, na outra, e o resto da família fica na casa principal.

— E você não tem sua própria casa?

— Ainda não. Não sou casado, então moro com meus pais. Sei que pode parecer estranho para uma americana, mas as coisas são assim por aqui. Mas não se preocupe. Tenho um apartamento em Atenas; não sou um filhinho mimado. Além do mais, ninguém fica por aqui o ano inteiro. Portanto, na maior parte do tempo, tenho a casa só para mim. Ah, a propósito, algumas outras pessoas virão também para o jantar.

Engoli em seco. Seria um jantar formal?

— Quantas pessoas vão vir? — perguntei, quase sem voz.

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— Uns vinte parentes mais próximos. Ah, mais uma coisa. Eu ainda não me recuperara e ele ainda tinha mais?!

— Comprei uma coisa para você — e abriu a mão, mostrando-me uma caixinha de cor cinza.

Não, as coisas não podiam ser assim tão rápidas na Grécia, tentava me convencer enquanto abria a caixinha com dedos trê-mulos. Ali dentro havia o mais belo par de brincos de ouro que eu já vira. Muito mais bonitos do que aqueles que eu experimentara, sem poder comprar, na lojinha, em meu passeio pela cidade.

— Oh, são lindos! Mas não posso aceitá-los. — Devolvi a cai-xinha, decidida.

— Mas tem que aceitá-los! Em nossa cultura, é uma grande ofensa devolver um presente!

— Não acredito...

— Muito bem, vamos fazer uma coisa: você os coloca e, se ficarem horríveis, devolve-os e não falamos mais no assunto. O que me diz?

— E se ficarem bonitos em mim?

— Vai ter que usá-los no jantar.

Tirei meus brincos e coloquei os que ele me deu. E, ao me olhar no retrovisor, não havia como negar que eram magníficos.

— Vai ficar com eles? — Adonis perguntou.

— Bem, não são exatamente horríveis.

Ele se inclinou e me beijou. E, durante o beijo, pensei que po-deríamos esquecer o tal jantar e simplesmente seguir para algum lugar encantador entre os milhares que havia em Mikonos. Mas então ele se afastou, sorriu mais uma vez e indagou:

— E então? Pronta para conhecer minha família?

A mãe de Adonis me recebeu muito bem, mas eu soube de imediato que Kat tinha razão: ela conduzia a família com mãos-de-

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ferro e seus olhos perspicazes, não perdiam nada. E, infelizmente, mantiveram-se focalizados em mim o tempo todo.

Durante uma conversa que deveria ser supostamente informal, na sala de estar, ela perguntou à queima-roupa:

— Sabe cozinhar, Hailey?

— Bem, não muito... na verdade, estou sempre voando...

— Entendo.

Não, ela não entendia nada! Ou entendia demais. E isso ficou patente quando concluiu:

— Adonis me disse que é comissária de bordo e imagino que seja muito divertido para vocês dois durante um, talvez dois anos, mas... Bem, há quanto tempo voa?

— Seis anos.

— Não pretende continuar trabalhando, se quer, de fato, uma família.

Apenas sorri. Pois se nem tinha certeza de que, um dia, teria, de fato, uma família.

Pouco depois, a irmã de Adonis, Anna, apontou para meus brin-cos e disse:

— São lindos! Comprou-os aqui?

Eu tinha certeza de que estava sorrindo apenas para amenizar a tensão que ficara no ar. Mas eu sabia que seria melhor não mencionar que tinham sido um presente do filho mais querido de sua mãe.

— É, comprei-os há alguns dias — murmurei, sentindo a mentira rasgar minha garganta.

— Mesmo? Onde?

— Hum, não me lembro exatamente do nome da loja... Mas foi bem no centro, sabe?

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— Ela os comprou na Lalounis — Adonis me salvou. — Nós nos encontramos quando Hailey já estava deixando a loja.

Lalounis! Eu conhecia o nome! Era a joalheria mais famosa e cara de toda a Grécia! Olhei para ele e sorri, aliviada e feliz.

— É, foi lá realmente — confirmei.

Os três beijos de despedida que a mãe de Adonis me deu po-deriam, muito bem, ter sido mordidas. E, assim que entramos no jipe, observei, sentindo-me a última das mulheres:

— Sua mãe me detesta.

— Não, não...

— É verdade! Ela me despreza!

— Confie em mim, Hailey. Conheço minha mãe. Tudo correu muito bem.

Ergui as sobrancelhas, sem querer parecer insistente.

— Vamos esticar a noite na cidade? — ele convidou, num sorriso.

— Acho melhor me levar para a vila.

— Hailey, olhe para mim. Acredite: tudo correu bem. Pode parecer estranho para você, mas minha mãe vai respeitá-la por ter se mostrado atenciosa e educada. E depois, eu gosto de você. E, se gostar de mim também, nada mais importará, certo?

A verdade era que eu gostava dele, sim. Portanto, se Adonis estava tão certo de que tudo correra bem, só me restava acreditar e confiar em seu conhecimento da família.

Era o quinto dia em que eu alegava para a companhia que estava doente e não podia viajar. Kat já estava preocupada.

. — Adoro sua companhia e não quero que vá embora, mas acho que isso poderá prejudicá-la — avisou-me.

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— Eu sei, mas não consegui passar meus vôos para outras pes-soas. Sabe, adoro este lugar! Não quero ir embora!

— E adora Adonis também? Baixei a cabeça, confusa.

— Gosto dele. De verdade. Mas... amor... Acho que eu nunca estive apaixonada de fato, acredita? Nem mesmo por Michael.

— Você é quem sabe. Se quiser ficar, fique. Vai me fazer feliz. Mas é sempre melhor pedir as contas a ser demitida.

Era verdade. Mas eu queria apenas ficar mais alguns dias... E, ao ouvir o jipe de Adonis entrando na vila, animei-me de imediato.

Estávamos andando pela cidade, de mãos dadas, olhando vi-trines.

— Preciso perguntar-lhe uma coisa — disse ele, sem sorrir, o que me chamou a atenção. — Sabe que vou ter que ficar mais algum tempo aqui, porque estou inspecionando os negócios de meu pai na ilha, não? Pois bem, queria que ficasse comigo durante esse tempo.

— Bem, eu...

— Não precisa responder agora. Mas pense com carinho, está bem?

— Eu adoraria, mas tenho meu emprego e as coisas estão fi-cando complicadas. Preciso voltar a Nova York e retomar meus vôos antes que a companhia se aborreça comigo.

— Não pense nisso. Posso cuidar de você.

O que tais palavras poderiam significar? Que ele queria se casar comigo? Ou seria eu quem queria ficar demais e não estava en-xergando mais nada com muita clareza? E por que queria tanto ficar, afinal? A ilha era um encanto, a comida, deliciosa, a companhia, agradável.

Percebi que ele se aproximava e permiti que me beijasse. E, logo depois, beijando-me o ouvido, sussurrou:

— Amo você, Hailey.

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Eu estava envolvida por seus braços, sentindo o calor de seu corpo, sem conseguir acreditar no que acabara de ouvir. E calada, pois não podia dizer a mesma coisa, fosse lá pelo motivo que fosse.

Nossa rotina de nos encontrarmos com muitos outros casais no bar Caprice continuou sempre alegre e divertida. Passei a conhecer os amigos de Adonis como se fossem meus e como se tivéssemos nossa amizade há anos. E dava-me muito bem com as namoradas de seus amigos também.

— Ouvi dizer que conheceu a mãe dele — observou Chloe, uma garota que estava vivendo com Stavros, um dos amigos de Adonis, há três anos.

— E verdade.

— E...? Ela a fez sentir-se mal? Foi grosseira?

— Não.

— Ora, vamos! Todas são iguais. Sabia que a mãe de Stavros não me chama pelo nome até hoje? O fato é que a maioria das mães escolhe suas noras desde a infância e quando seus queridos filhinhos as decepcionam, escolhendo outra, elas se vingam de uma forma ou de outra. Adonis devia se casar com uma garota de uma família amiga, sabia? As famílias muito ricas casam seus filhos entre si para poderem continuar sendo donas de todo o dinheiro.

Eu estava pasma. Tinha me envolvido no enredo de algum dramalhão grego? Pelo visto, sim.

— Mas eu sou teimosa! — Chloe continuou, assentindo, como para si mesma. — Não vou largar Stavros nem morta! Olhe ao redor! Esta terra é um paraíso. Não vou perder esta vida de jeito nenhum!

Assenti, apoiando-a em sua decisão. Mas me sentia perdida, confusa. Aquela não era minha terra, ali não morava minha gente e eu estava começando a achar que estava sobrando.

— Achei que nunca mais fosse ligar, que tivesse sido levada para uma dessas misteriosas cidades gregas, oculta em alguma montanha mágica, onde oráculos ainda fazem previsões... — re-clamou Clay, quando liguei, na manhã seguinte.

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Tive de rir antes de perguntar:

— E então, como vai meu peixe?

— Ótimo. Aliás, ontem, ele me disse que prefere muito mais que eu jogue aquele pozinho nojento em seu aquário. Acho que Jonathan, definitivamente, não gosta de você, Hailey. Sinto muito.

Continuei rindo, cheia de saudade de meu grande amigo.

—- Ah, a propósito, há centenas de cartas para você e um tal de Dane deixou um bilhete embaixo da porta. E aquele sujeito do avião, não? O que vi na lanchonete?

— Exatamente. Mas me fale da correspondência? Do que se trata? Contas? Uma carta de demissão?

— Não, nada da Atlas. Mas há três envelopes brancos, grandes, sem endereço do remetente.

— Poderia abri-los para mim, sim?

— Como quiser.

Ouvi ruídos de papel sendo rasgado e, logo em seguida, Clay voltou a falar:

— O primeiro é de uma editora.

— Fale logo!

— Sinto muito, mas a notícia não é boa...

— Então, passe para outro.

— Certo. Vamos ver... Não, não. Nada positivo. E o terceiro... também nada de bom para você. Parece que não estão interessados em seu livro, pelo menos até agora.

— Ah, que ótimo! E a situação na Atlas?

— Ninguém foi demitido ainda, mas o clima está péssimo. Mas e você? Quando volta? Estou com saudade!

— Eu também, querido. Voltarei em breve, não se preocupe.

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No sábado à noite, fiz o jantar para Adonis. Nunca tinha cozi-nhado de fato antes e, claro, a comida não ficou tão boa assim, mas pudemos engoli-la sem maior esforço. Eu estava em Mikonos há três semanas, nas quais escrevia anotações sobre tudo o que via e vivia, mandava e-mails para Clay, e já dizia "eu te amo" em grego, o que não era tão difícil assim porque é sempre mais fácil dizer sem sentir quando se fala algo em uma língua estrangeira.

Era estranho, mas, estando num país tão maravilhoso, sentia como se todos os problemas estivessem resolvidos fora dali, inclusive minha ausência da Atlas e meus constantes pedidos de mudança para outros comissários, o que me deixava livre de voar por um tempo quase absurdo. Bem, eu não voava, mas também não ganhava e isso de fato era um problema.

Aliás, problema eu estava a ponto de enfrentar e nem sabia. Depois do jantar, estávamos sentados no sofá da sala de estar, eu e Adonis, abraçados, trocando carícias até aquele ponto pudicas. Mas o vinho que estávamos tomando já surtia efeitos e começamos a nos engalfinhar, tomados de um desejo repentino e sem controle. Quando percebi, já estava deitada no tapete felpudo, tentando abrir a camisa de Adonis enquanto ele se ocupava de minha blusa. De repente, como se vinda do nada, uma voz aguda gritou:— Vadia!

Olhei para ver Stavroula Vrissi de olhos arregalados, mãos na cintura e uma expressão que, sozinha, poderia matar duzentas pessoas.

— Methra! — Adonis gritou, levantando-se e ajeitando a camisa.

— O que significa isto?! — ela perguntou, retoricamente, claro, pois era óbvio que, se não chegasse, acabaríamos fazendo amor ali no chão, mesmo. — Está aqui para seduzir meu filho?! Em minha própria casa?! E o que fez em minha cozinha! Que bagunça é aquela?!

— Mãe, por favor — Adonis tentava acalmá-la. — Não pode falar assim com ela.

— Posso e vou! E não estou falando com você, Adonis!

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— Mãe, isto é ridículo! Sou um homem adulto e, se quiser me casar com Hailey, vou fazê-lo!

Casar?! Ele disse casar?! Minha cabeça dava voltas e eu quase não podia manter o equilíbrio. Será que alguns momentos de paixão significavam algo tão sério assim naquela ilha?

— Isso é verdade? — ela me indagou, com olhos fuzilantes.

— Ainda não a pedi formalmente — Adonis respondeu por mim. — Mas se ela aceitar, vamos nos casar, sim!

Stavroula levou a mão ao peito e pareceu ter um ataque. Mas eu conhecia muito bem um ataque cardíaco falso e sabia que ela estava fingindo. E, enquanto Adonis a segurava, pedindo aos deuses que poupassem a vida de sua mãe, ela mantinha os olhos abertos em minha direção, como se me desafiasse.

— Diga para ela ir embora, filho — pediu, com voz fraca. — Estou tão mal que mal posso respirar.

E eu fiquei ali, parada, incrédula, vendo a cena de tragédia grega sem poder fazer nada. Adonis a carregou nos braços escada acima e tive de revirar os olhos e respirar fundo para não dizer um amontoado de besteiras àquela senhora falsa e dissimulada.

Fui para a cozinha, arrumei panelas e pratos dentro da lavadora, sabendo que Adonis logo iria descer e educadamente despedir-se de mim. E, de fato, pouco depois, ele reapareceu, cabisbaixo.

— Sinto muito — murmurou. — Por favor, Hailey, compreenda. Pode levar o carro, amanhã mando buscá-lo.— Mas...

— Você não entende. Minha mãe está velha e fraca. Meu pai está muito doente e sou tudo o que ela ainda tem no mundo.

— Sei... — Bem, ele estava me dispensando por causa da mãe. Maravilha. Sabia que qualquer coisa que dissesse não adiantaria nada. Um filho assim, ligado à mãe, sempre o seria.

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Dei de ombros, aproximei-me dele e beijei-o com suavidade no rosto e depois fui embora. Minha aventura na Grécia estava começando a terminar.

Capítulo VIII

Vou sentir sua falta — Kat choramingou, me abraçando.

— Eu também.

A Grécia ficava para trás, bem como os deliciosos dias de nada ter que fazer ou pensar. Também Adonis ficava para trás e, estra-nhamente, esse não era meu maior pesar. O que estava de acordo com meus sentimentos e demonstrando que realmente não o amava.

Kat me avisou de que estaria em Nova York com Yanni no mês seguinte, mas disse que eu poderia ainda ficar em seu apartamento quanto quisesse, pois era grande o suficiente para nós três e os gatos, que ela ia trazer de volta. Mesmo assim, eu sabia que já estava na hora de sair procurando outro lugar para morar. Não podia mais viver essa vida de mentirinha, na casa de outra pessoa, fazendo de conta que tudo era um mar de rosas.

No vôo, minha comissária foi minha ex-colega de míni apartamento, Lisette. Ela me cumprimentou sorrindo e logo me ofere-ceu a vaga do sofá novamente, pois tinha desfeito seu romance com o piloto e estava precisando de dinheiro para poder pagar o aluguel. Ah, que satisfação em dizer-lhe um sonoro e redondo "não", mesmo sabendo que logo precisaria procurar um lugar para morar. Estranhamente, ela me tratou bem mesmo depois de meu "não". Deu-me até um jornal, para que eu me distraísse durante o vôo! E, sem saber, colocou em minhas mãos uma notícia que acabou mudando o rumo de minha vida.

Bem no canto da terceira página, havia uma foto que logo mechamou a atenção. Era de Cadence, com aquela loirinha que eu tinha visto na rua, diante de meu prédio, quero dizer, do prédio de Kat. E a nota dizia que as duas tinham feito sucesso numa noite de

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autógrafos. Mas o mais importante, o que de fato me chamou a atenção, foi a forma como a notícia estava sendo dada. Cadence e Evie eram apresentadas ali como se tivessem um envolvimento amoroso. Deus! Cadence e Evie! Então, ela não era namorada de Dane!

Por que meu coração estava batendo assim, descompassado? Por que aquele sentimento de alívio e de euforia me tomava? Afinal, Dane não passava de um esnobe... Claro que era um esnobe com um sorriso com o qual eu quase sempre sonhava, embora não quisesse admitir, mas... Deus! Ele não estava comprometido! Pelo menos, não com ela.

Como uma notícia boa deve, obrigatoriamente, ser seguida por uma ruim, já aprendi, assim que desci no aeroporto JFK, um O.O. veio logo ao meu encontro para dar-me a maravilhosa novidade de que, agora, a Atlas exigia que se apresentasse um atestado médico para cada licença por problemas de saúde. Eu devia ter uns dez para apresentar.

Maravilha. Novidades da Atlas. Puxa! E essa companhia reinventava tanto que eu já me sentia trabalhando para a própria Madonna! Só que eu não sabia qual era o prazo para ter que apresentar os atestados. Decidi deixar tudo para depois e me enfiar de cabeça no trabalho. Assim, com vôos sucessivos, passaram-se duas semanas sem que eu, ao menos, tivesse tempo para ver Clay. Por fim, com uma licença de mesmos dias, conseguimos marcar um encontro no Museu Metropolitano de Arte. Colocamos nossas novidades em dia, mostrei-lhe as fotos que tinha trazido da Grécia e contei-lhe tudo sobre Adonis.

— Oh, minha amiga... Você e esse seu desespero por encontrar amor e segurança...

— Não estou procurando amor e segurança! — protestei. Mas bastou um daqueles olhares sérios dele para me convencer de que, mais uma vez, tinha razão.

Continuamos a conversar, olhando uma peça de arte aqui, outra ali

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— Por que não tenta se entender com o bonitão do prédio?

— O quê? De quem está falando? — estranhei.

— Dane Richards, claro.

— Oh, pelo amor de Deus, Clay. Detesto o homem! Ele é um arrogante, pensa que sabe tudo, e está sempre... sempre...

Clay me olhava com as sobrancelhas erguidas novamente.

— Pare de me olhar assim.

Ele desviou os olhos para o quadro à nossa frente e disse, tran-qüilo:

— Como queira. Preciso contar-lhe uma novidade e sei que não vai gostar.

Senti um aperto no estômago. Dane ia se mudar? Nunca mais o veria? Clay o tinha visto com outra mulher charmosa? Mas quanta bobagem! Eu nem me importava com o sujeito.

—Diga logo antes que eu morra de ansiedade.

— Vou me mudar para a Califórnia. Fui transferido.

— O quê?! Como vou suportar viver longe de você?!

— Não sei. Também não pensei nisso ainda. Mas recebi uma oferta de emprego, Hailey. Em outra companhia, e vou poder estudar na UCLA e terminar meu mestrado em psicologia.

— Oh, Clay... Sinto muito por meu egoísmo, mas é que... você é tão importante para mim! Claro que quero que você vá, que estude, que seja feliz! Parabéns pelo emprego novo. Quando você vai?

— Vou para lá na semana que vem para procurar alojamento, e depois me mudo logo em seguida. Vou deixar o apartamento com tudo dentro e imaginei que você, talvez, se interessasse em ficar com ele, já que está procurando um lugar para alugar.

— Oh, claro, claro. Seria muito bom. Mas ainda estou chocada com a notícia.

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Clay me abraçou e senti as lágrimas rolarem por meu rosto. Estava dividida, querendo o melhor para ele, mas sofrendo por nossa separação.

Dois dias depois disso, eu estava saindo de casa para um jantar de despedida com Clay quando cruzei com Dane e Jake no saguão do prédio. Acariciei o cachorro, mas evitei olhar para o dono, já que tinha encontrado outro bilhete seu, no dia anterior, sob minha porta, mas não me tinha dado ao trabalho de lê-lo.

— Como tem andado? — ele perguntou, um tanto frio.

— Bem. Ocupada, na verdade. Muito.

— Está de saída?

— Sim. Vou jantar com um amigo que está se mudando para a Califórnia. Vamos ao Mark's.

— Que coincidência! Vou passar por lá. Podemos acompanhá-la, eu e Jake?

Como dizer não, quando Jake me olhava com aquele jeitinho canino adorável?

Seguimos para o outro lado da rua e, sem querer, nossas mãos esbarraram uma na outra. Enfiei a minha imediatamente no bolso para evitar novo contato e tentei manter-me casual.

— E então, como foi tudo na Grécia?

—: Maravilhoso. Na verdade, fiquei por lá mais tempo do que pretendia.

— Ouvi dizer que a Atlas está para falir.. Isso vai afetá-la de alguma forma?

— Vamos receber uma oferta de demissão voluntária, pelo que eu soube esta semana. Vamos ver que tipo de oferta vão me fazer. Meu amigo Clay aceitou a dele e está de mudança, como eu já disse.

— E seu livro? Alguma resposta?

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Pronto, ele chegara ao assunto que eu não gostava de tocar quando estávamos conversando!

— Cinco rejeições — respondi, com franqueza. Afinal, de que adiantaria esconder alguma coisa? — Mas ainda resta uma editora para mandar a resposta e a esperança é a última que morre, certo? Bem, vou ficar por aqui. Até mais. — despedi-me depressa e entrei no restaurante; não queria que Clay nos visse juntos, pois ficaria falando disso a noite inteira.

Aceitei a oferta de meu grande amigo e me mudei, com Jonathan, para Chelsea, no apartamento em que ele vivia antes de se mudar. Na iminência de não ter como me sustentar se fosse realmente demitida, fiz uma breve revisão no manuscrito que tinha enviado a

Martina, a editora louca, e tomei a enviá-lo. Foi quase uma brin-cadeira, pois praticamente não alterei grande coisa. Só queria ver até que ponto ela, de fato, havia lido com atenção minha obra.

Uma semana se passou e os cortes na Atlas terminaram. O nú-mero cortado estava apenas três acima do meu, o que significava que eu manteria meu emprego, não receberia uma proposta de demissão voluntária, mas teria muitas mordomias cortadas, pois me encontrava agora numa posição bastante inferior na hierarquia dos comissários. Pelo menos, ficara com o emprego.

Isso quase mudou quando, dias depois, eu estava numa loja, tentando comprar um cachecol, quando meu celular tocou. Era Lawrence, o tal supervisor que sempre procurava defeitos em mim para ter o prazer de me repreender. E, para não mudar de tática, ele o estava fazendo novamente. Ouvi sua voz esbravejar em meu ouvido por mais de dois minutos, dizendo que eu estava escalada para um vôo, que não atendi ao telefone e que, por isso, deveria estar em seu escritório, no dia seguinte, para receber uma admoes-tação verbal.

— Sei. E se eu não for? — respondi, cansada de ser maltratada pelo sujeito.

— Receberá uma admoestação por escrito e, se insistir em ser arrogante comigo como sempre foi, receberá o bilhete azul logo em

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seguida. Fui claro? Portanto, se pretende manter seu emprego, apresente-se a mim amanhã sem falta!

Desliguei o celular e respirei fundo. Por que minha vida estava começando a andar para trás novamente? Por que éu não estava na Grécia, ao sol, comendo bem, vivendo bem, esquecendo-me dos problemas da vida real?

Cheguei tarde em casa, pois passei pelo Starbucks para tomar um café bem quente. O tempo estava começando a esfriar com a aproximação do inverno e a coisa mais gostosa a se fazer num dia assim, depois de receber um telefonema como o que eu havia re-cebido, era dar-se o prazer de uma boa bebida quente.

Logo que abri a porta, larguei minhas compras e dediquei-me aos envelopes que tinha recebido. Estava desanimada. O dia seguinte seria terrível. Enfrentar a cara de deboche e de superioridade de Lawrence seria o fim.

O envelope maior foi o primeiro que abri. Não havia endereço de remetente, e lembrei-me de que Clay tinha aberto envelopes parecidos quando eu estava na Grécia, todos eles de editoras. Poderia ser a resposta da última que faltava.

E era:

Cara srta. Lane,

Apreciamos a oportunidade de ler seu original e devemos esclarecer que, embora sua redação seja agradável e o texto-muito bom, o enredo não se desenvolve com afluidez necessária, o que não funciona em nossa linha de publicações. Desejamos toda a sorte do mundo em possíveis outros contatos.

Martina Rasmussen

— Mas que droga! Essa mulher é insuportável! Execrável! Oh, que ódio, que ódio!

Depois do primeiro momento de fúria titânica, sentei-me com a carta nas mãos e chorei. Onde estavam meus sonhos de ser es-critora? Onde estavam os bons velhos tempos em que eu podia voar

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mais e melhor apesar de trabalhar numa companhia que, como Martina, era, também, execrável? Onde estava minha vida, afinal?!

Irritada, apertei o botão do elevador, na manhã seguinte, espe-rando não encontrar Dane e Jake. Eu devia estar com um aspecto terrível e não queria ser vista assim. Ele faria perguntas e eu não queria explicar nada. Nada! Nem a mim mesma.

O celular tocou, porém, deixando-me ainda pior.

— Alô! — quase gritei.

— Hailey? Estou ligando num mau momento, filha?

— Oh, olá, mãe. — Por que tudo tem de vir ao mesmo tempo?!

— Sabe, só estou ligando para lhe contar a novidade.

— Qual novidade?

— Alan veio aqui ontem à noite, me trouxe flores e pediu des--culpas.

— E...?

— Puxa, não seja azeda! Ele disse que cometeu um grande erro e quer que voltemos a viver juntos. Pobrezinho, parecia tão depri-mido.

Revirei os olhos, saindo do prédio.

— Olhe, mãe, vou entrar no metrô e a ligação será coitada. Portanto, diga logo: ele pediu desculpas, você amoleceu e voltaram, certo?

— Na verdade, não, querida.

— Não?!

— Eu disse a ele que estava deixando o país e lhe desejei sorte, depois me despedi.

— Vai sair do país? Para onde?!

— Vendi a casa e estou me mudando para a China.

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Tive de me apoiar ao corrimão da escada do metrô. Ela conti-nuava, como se dissesse a coisa mais natural do mundo:

— Vou lecionar inglês por algum tempo e depois vou viajar pelo mundo, fazendo trabalhos voluntários aqui e ali.

— Puxa!

— E tudo por causa de você, querida. Você foi minha grande inspiração. Sabe, a forma como leva sua vida, abraçando as mu-danças, procurando aventuras. Você não tem medo de nada! Tenho tanto orgulho de ser sua mãe!

— Mamãe... tem certeza disso? Sabe, fiz tantas bobagens nos últimos tempos... Tomei tantas decisões erradas...

— Nada disso importa, minha filha. A vida foi feita para ser vivida. Não podemos ficar de fora, só vendo tudo passar. Você é quem sabe viver, meu amor!

Eu estava chocada.

— Posso vê-la antes de partir?

— Claro. Torno a ligar para dizer onde e quando, está bem? Até mais!

Desliguei e sequei meu rosto, no qual lágrimas involuntárias insistiam em escorrer. Minha mãe tinha orgulho de mim. Quem diria...

Lá estava eu, diante da porta do escritório de Lawrènce, espe-rando para ser atendida. O infeliz já tinha adiado nossa conversa por três vezes, alegando qualquer tipo de bobagem. Estava me cozinhando devagar, isso sim. E, para não deixar que o ódio tomasse conta de minha mente, tirei o celular da bolsa e verifiquei minhas mensagens. Uma delas chamou-me a atenção: Meu nome é Hope Schine e sou editora na Fênix Publicações.

Meu coração disparou. A Fênix era a última das seis editoras para as quais eu enviara meu livro. Continuei lendo, atônita, sentindo a alegria crescer em meu peito: Todos aqui gostaram de seu texto, que realmente consegue captara voz interior de uma adolescente,

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mostrando suas lutas, suas dúvidas, alegrias e tristezas. Portanto, se puder entrar em contato o quanto antes, meu número é...

Ali estava minha chance de ouro! Queriam publicar meu livro!

Meu encontro com Lawrence foi uma das melhores coisas que aconteceram em minha vida. Entrei, sentei-me diante dele, deixei que destilasse todo seu veneno, toda sua empáfia, que me mostrasse o quanto me achava inferior, irresponsável, sem talento para coisa alguma, e depois me sentei bem aprumada e disse-lhe tudo o que sempre quisera dizer: o quanto o detestava por ver como ele pisava nas pessoas, o quanto o via como uma pessoa invejosa e prepotente que jamais chegaria a lugar algum porque não é pisando nos outros que se trilha o caminho para o sucesso. Enfim, disse-lhe tudo que achei que ele merecia escutar.

— Posso demiti-la por isso, sabia?

—7- Sei que pode. Mas também pode ter certeza de uma coisa: se fizer isso, vou à Justiça e tenho provas do quanto me humilhou, sabia? Tenho testemunhas. Gente que agora já foi demitida da Atlas e que não se importaria em tirar da companhia pessoas mesquinhas como você que tornaram cada minuto de seu trabalho aqui dentro um verdadeiro inferno! Você é mesquinho, Lawrence. Mesquinho, egoísta e sem escrúpulos. Se quer me demitir, vá em frente. Mas não se esqueça de que vou revidar, na Justiça. Mas, se preferir aceitar minha demissão, eu a ofereço aqui e agora. E aceito todos os benefícios que a Atlas colocou à disposição daqueles que queriam deixar a companhia e não ser mais um peso para os fundos estourados a que ela chegou.

Levantei-me e saí dali com passos calmos, sabendo, por ante-cipação, que ele aceitaria minha demissão, o que, de fato, aconteceu, num comunicado que recebi via e-mail, dois dias depois.

No meio do caminho, uma reação tardia de adrenalina quase me fez vomitar no táxi. Eu jogara meu emprego pela janela porque tivera a oportunidade de me tornar escritora. Bem, restava continuar adiante e ver no que tudo isso ia dar. Agora, não podia mais voltar atrás. Fizera algo que, pelo que tinha sabido no telefonema de minha mãe, a deixaria ainda mais orgulhosa.

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Cheguei ao apartamento quando já tinha anoitecido e me servi de uma taça de vinho. Fiquei sentada no sofá lendo a mensagem da editora vezes seguidas, e olhando para Jonathan, que dava re-viravoltas em seu aquário, como se dançasse bale. Depois liguei para Clay, Kat e para minha mãe para dar a notícia.

Com outra taça de vinho nas mãos, voltei ao sofá, feliz, tran-qüila, e quase caí dele para pegar o celular que tinha deixado sobre a mesa de centro e que acabava de tocar.

— Parabéns!

— Obrigada! Quem é?

— Dane.

— Ah... olá. — Por que ele estaria ligando e pelo que me con-gratulava? Afinal, não podia saber sobre meu livro. — A que devo os parabéns?

— Ao livro que vai ser publicado, claro.

— Oh...

— Não me parece muito contente.

— Estou... E que... estou imaginando como pode saber.

— Li no Editores Especial.

Como eu não sabia do que se tratava e nem por que ele estaria lendo, nada disse.

— Muito bem, quem vai ser seu agente na negociação dos di-reitos?

— Ah... Eu mesma. — Droga, por que ele sempre me fazia sentir como se eu não tivesse a menor idéia do que estava fazendo?!

— Não há ninguém que possa ler o contrato para você?

— Não...

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— Porque é algo que deve considerar, sabia? Esses contratos podem ser bem complicados de se entender. Eu ficaria feliz se pudesse ajudar.

— Claro...

— Bem, já tem planos para comemorar?

— Meus amigos vão chegar da Grécia esta semana e acho que vamos jantar ou algo parecido. E minha mãe também está vindo para me ver.

— Sei. E quanto a esta noite? Vai voar para algum lugar exó-tico?

— Não.

Ele se manteve calado por alguns segundos e então convidou:

— Que tal jantarmos esta noite? Posso levá-la a qualquer lugar que aceite uma reserva de última hora.

Engoli em seco, olhando para Jonathan e seus pulinhos na água. Bem, pelo menos, havia alguém querendo comemorar comigo. E, mesmo Dane conseguindo mexer com meus nervos, ainda assim, era uma opção tentadora. Além do mais, tratava-se apenas de uma refeição, nada mais. Que mal podia haver nisso?

Reconheci o cheiro assim que entrei no apartamento.

— Bem-vinda a minha casa — Dane sorriu. Vestia um avental sobre o jeans surrado que, estranhamente, o deixava muito sexy. — Lembra-se de Jake? — E apontou para o cachorro que me recebia com seu olhar gentil e um abanar de rabo muito simpático.

Curvei-me para acariciada cabeça do labrador, enquanto Dane fechava a porta e oferecia:

— Champanhe?

Assenti e ele se dirigiu ao bar, onde uma garrafa já esperava, no gelo. Serviu duas taças e me entregou uma, fazendo o brinde:

— A Hailey Lane, a mais nova sensação literária da cidade!

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— Bem, não sejamos precipitados... — tentei parecer modesta.

— Vamos, não se subestime! Conseguiu uma grande coisa! Sabe o quanto é difícil conseguir um contrato com uma boa editora?

— É. Acho que tive sorte. Mas ainda me parece incrível. Na verdade, todo o meu dia de hoje foi um tanto irreal... — E agora estou fechando-o com chave de ouro, neste jantar com você, eu poderia ter acrescentado, mas preferi me conter. — Sinto-me livre agora que pedi demissão.

— Deixou a companhia?!

— Sim. Não sei ainda se fiz bem, mas... fiz. Ele sorriu, mas havia seriedade em seu olhar.

— Hailey, quero muito ajudá-la, se me permitir.

Tomei alguns goles de meu champanhe antes de responder:

— Olhe, não me leve a mal, mas... o que o faz pensar que sabe mais do que eu? Quero dizer... você nem é escritor, é?

Ele tornou a sorrir. E continuei:

— Sabe, acho que não haverá grandes problemas com meu contrato e, se tiver alguma dúvida quanto a ele, sei onde procurá-lo.

— Como quiser. Estarei sempre às ordens. Minha empresa tem uma concessão com a Fênix.

Senti-me imediatamente culpada, achando que usara um tom descortês demais. E, enquanto o via checar a comida nas panelas que mantinha no fogão, uma luz acendeu-se em minha mente.

— Espere! Por que tem uma concessão com a Fênix?

— Porque é esse meu ramo de negócios. Nunca ouviu falar de nós? Mackenzie e Thurston. Somos uma empresa muito antiga no ramo literário. Esteve em meu escritório e imaginei que soubesse. Eu mesmo cuidei do contrato de Cadence como de todos os livros de Harrison Mann.

Eu estava boquiaberta, pasma.

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— E agora está se oferecendo para cuidar de meu livro... Não poderia estar mais sem graça. Tantos meses e eu sempre

achando que ele era arrogante, que se dava ares de superioridade, quando, na verdade, era um perito no assunto!

— Você é quem sabe se vai aceitar meus préstimos, ou não.

— Ora, se é bom o suficiente para Harrison Mann, quem sou eu para dizer não? Mas... devo me desculpar com você, sabe? Este tempo todo fui tão... distante... Acho que queria fazer tudo sozinha e... agora que meu livro foi aceito, sinto como se tivesse acabado de ser aceita num clube muito especial e privativo, do qual não conheço as regras ainda.

— Por isso precisa de mim.

— Claro... Quer ajuda no fogão?

— Não, não. Está quase tudo pronto. Mas pode colocar uma música, se quiser.

Ele apontou para a sala, onde o aparelho de som ficava. Fui até lá e escolhi entre os inúmeros CDs. Estava surpresa por ver que tínhamos o mesmo gosto musical. Escolhi um CD e depois olhei com mais atenção a coleção de peças de artesanato mexicano que ele tinha na estante.

— Onde comprou estes objetos? — indaguei.

— Viajei para o México por três meses no intervalo entre o termino da faculdade e o mestrado.

Dane aproximou-se, pegando uma peça que representava uma sala de aula em que os alunos estavam todos com chifrinhos na cabeça e a professora mostrava-lhes a língua.

— Este é meu preferido — disse. Tive de rir.

—Faz-me lembrar dos tempos do segundo grau. E quais lugares visitou no México?

— Tudo que é considerado turístico. Já esteve por lá, imagino.

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— Algumas vezes, mas foram paradas muito breves.

O assunto terminou de repente e um desses silêncios estranhos e incômodos caiu entre nós. Tive a impressão exata de que Dane iria me beijar, mas meu celular tocou, quebrando o encanto do momento.

— Aqui é Shannon Atkins, do Serviço Interno da Companhia Aérea Atlas. Gostaria de falar com Hailey Lane, por favor.

— Sou eu...

— Ah, que bom encontrá-la. Acho que ainda não percebeu, mas perdeu seu crachá.

— Eu?!

— Sim. Estou com ela aqui, sobre minha escrivaninha. Talvez tenha caído de seu pescoço e nem tenha percebido. Lawrence a encontrou no chão, do lado de fora de seu escritório e a trouxe imediatamente. Quando pode passar aqui para pegá-la?

— Não sei... — Ela estava, realmente, alheia a tudo que acon-tecera? Não sabia que eu me demitira? Ou Lawrence teria voltado atrás por algum motivo que eu desconhecia?

— Bem, vou deixá-la em uma de minhas gavetas. Ligue quando vier buscá-la, está bem? Bom fim de semana, Hailey!

— Para você também. — Desliguei sem saber o que pensar ou fazer.

— Está tudo bem? — Dane estranhou. Olhei para ele e sorri.

— Não vai acreditar quando eu lhe contar.

— Este restaurante* é, de fato, um dos melhores da cidade — brinquei, recostando-me na cadeira. Estava feliz, e nem sabia direito por quê. — Como pode cozinhar tão bem?

— É meu hobbie.

— E aposto que Jake adora as sobras. — Olhei para o cachorro, que estava deitado num dos tapetes da cozinha e que moveu as

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orelhas assim que seu nome foi pronunciado, embora não reagisse mais do que isso.

— Bem, quando vou poder ler seu livro?

—- Acho que quando ele for revisado, editado, colocado nas melhores livrarias da cidade...

— Ah, então vai me fazer esperar até o fim.

— Bem, você não me pareceu assim tão interessado antes de ele ser^aceito pela editora.

— Pois se nunca me deixou entrar em sua vida o suficiente para falarmos abertamente sobre ele...

— É verdade. Tem razão. E sinto muito por isso.

— Não sinta. Tudo está resolvido agora. E então? Vai ficar para que possamos ver um bom filme?

Encarei-o, descobrindo, de repente, que estava vivendo os me-lhores momentos que já tinha experimentado na vida. Não queria sair dali, enfrentar a noite fria, voltar para casa...

— Que filmes tem aí?

— Uma boa seleção, posso garantir. Por que não escolhe um enquanto coloco a louça na máquina?

— Não quer que eu ajude?

— Não, obrigado. Os filmes estão no armário da sala íntima. Encontro você lá em cinco minutos.

Entrei na sala e me lembrei de imediato de quando deixara o livro de Cadence cair. O armário tinha uma infinidade de filmes, e, embora reconhecesse muitos títulos de alguns que eu adorava, logo vi que demoraria a escolher. Passei os olhos rapidamente pela fileira de cima. Tirei dois filmes e voltei os olhos para a mesinha onde o livro de Cadence tinha estado da outra vez. Era estranho como ainda me incomodava o fato de ela estar presente na vida , de Dane. Pela primeira vez, tive consciência do enorme ciúme que sentia. E ciúme era algo que só poderia sentir se houvesse algum tipo de sentimento

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mais sério de minha parte em relação a Dane. Havia? Havia. Tudo ficou muito claro para mim, então. Tola! Como tinha sido tola, completamente idiota, aliás, por ter mascarado o que sentia com a impressão de que o detestava, o achava esnobe.

Então, toda a antipatia que pensava que sentia era apenas um disfarce para um sentimento mais profundo, um interesse verdadeiro? Sim, era! Deus, como sou confusa! — avaliei. Confusa e tola.

Meus olhos não deixavam a mesinha enquanto eu pensava. E devia estar com uma expressão muito eloqüente, pois nem percebi Dane aproximar-se para perguntar:

— Está pensando onde isto foi parar?

Voltei-me, vendo-o com o livro nas mãos. Sabia que tinha três opções no momento: ficar parada, calada, absolutamente imóvel e ver o que acontecia fingir que estava procurando por alguma coisa, ou encarar a situação de frente.

Escolhi a primeira.

— Hailey, você está bem?

— Ah... Sim. Achei que... Tinha deixado meu... Copo na me-sinha...

— Tem certeza de que não estava imaginando onde este livro poderia estar?

Pronto! Ele insistia no assunto. O que fazer agora? Fugir da situação? Talvez.

— Não sei se... vou ficar para o filme... está ficando tarde.

— Hailey...

Cerrei os olhos. Onde minha covardia iria me levar afinal? Não bastava fazer de conta? Por que não encarar a situação, abrir o jogo, mostrar a ele que tinha algum interesse? Esse poderia ser meu caminho para a felicidade!

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— Dane, eu... sei que pode parecer estranho, mas... tenho algo a lhe dizer... Sabe, da outra vez em que estive aqui, eu... vi esse livro na mesinha e... bem, sei que não era da minha conta, mas peguei-o e li a dedicatória. — pronto. Estava tudo confessado e nem doera.

Aquele silêncio horrível caiu entre nós outra vez. Mas Dane sorriu e murmurou:

— Hailey, não estou saindo com Cadence. Nunca estive, aliás. — E aproximou-se perigosamente, provocando um arrepio por todo meu corpo. Deus, eu nunca me sentira assim perto de um homem antes!

— Eu... eu sei... Quero dizer... que bom. Não, não é isso que quero dizer. Bem seja como for, eu não deveria ter sequer aberto o livro, muito menos ter lido. o que ela lhe escreveu.

—Leu e interpretou de forma errada, pelo que parece. Imaginou que havia algum tipo de relacionamento amoroso entre mim e Cadence e passou a me evitar de forma ostensiva, inclusive viajando para a Grécia e mudando-se do prédio. Não acha que foi exagero demais?

— Na verdade, não sei se fiz tudo isso só para ficar longe de você, quando...

— Quando?

— Quando queria ficar perto...

— Hailey, posso perguntar-lhe uma coisa? Diga-me que vai responder com sinceridade.

— Mas... claro.

— Por que veio aqui esta noite?

— Ah... bem... você se ofereceu para comemorarmos a edição de meu livro e... como era a terceira pessoa com quem eu gostaria de comemorar...

— Quem são as outras duas?

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— Minha mãe e um amigo de muitos anos. Ah, e minha amiga da Grécia. Assim, acho que você era, realmente, a quarta pessoa...

Eu estava sorrindo, completamente embaraçada. Foi então que ele me beijou. Sabe tudo que eu disse antes sobre os beijos de outros homens que eu achava sensacionais? Não eram nada. Absolutamente nada quando comparados com o beijo de Dane. O que senti me tirou do chão. Mas, como eu tinha passado os últimos seis anos de minha vida praticamente fora do chão, viajando pelo mundo, a sensação não foi estranha. Mas foi simplesmente a melhor coisa que eu já tinha experimentado em toda minha vida.

Fim

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