Saídas possíveis para uma sociedade hipermoderna

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SALVADOR SÁBADO 12/3/2011 5 2 LIVRO Sem pessimismo, Gilles Lipovetsky e Jean Serroy fazem análise realista do panorama cultural, econômico e político mundial Saídas possíveis para uma sociedade hipermoderna PEDRO FERNANDES Profusão de signos, crises nas bolsas internacionais, gripe suí- na, aquecimento global, subce- lebridades, cultura de marcas, Stella McCartney para C&A. Esse é o cenário que configura a era do “hipermoderno”, conceito trabalhado pelos franceses Gil- les Lipovetsky e Jean Serroy no livro A Cultura-Mundo – Respos- ta a uma Sociedade Desorien- tada (Cia. das Letras, 2011). O conceito não é novo, muito menos o fenômeno, que se pro- nuncia há cerca de três décadas, a partir da emergência da mun- dialização promovida pelas em- presas transnacionais, do fim das utopias socialistas e dos mo- delos de contrassociedade. De acordo com os autores, seus quatro sintomas, o hiper- capitalismo, a hipertecniciza- ção, a hiperindividualização e o hiperconsumo são os responsá- veis pela configuração de um novo estado da cultura, a “cul- tura-mundo”. Ela é marcada tanto por uma sensação de progresso, quanto por uma certa desorientação em relação ao caminho que se está a seguir. Essa hipertrofia gera desregulação. “O desnorteio hipermoderno aumenta paralelamente com a excrescência do universo tec- no-mediático-mercantil e com o estilhaçamento dos enquadra- mentos coletivos, a individua- lização da existência, deixando os indivíduos à mercê de si mes- mos“. Por outro lado, quanto mais o mundo se globaliza, afirmam Li- povetsky e Serroy, mais os par- ticularismos e exigências iden- titárias ganham relevo, induzin- do uma nova relação entre cul- tura e política. Uma das con- sequências, por exemplo, do re- cuo do religioso sobre as vidas comuns é a exacerbação do fun- damentalismo. Observa-se nesses tempos descritos pelos autores que a cultura do individualismo pro- gride mesmo nos países do Oriente. Tomemos como exem- plos atualíssimos as revoluções no Egito e na Líbia. A insurgência contra os regimes ditatoriais re- vela uma vontade de democra- cia, vontade do indivíduo de to- mar suas próprias decisões so- bre a política, a economia. Cultura de marcas Porém, se há mais liberdade, mais democracia, mais desen- volvimento tecnológico, mais consumo, contemporizam, não há “mais felicidade”. Há mais incerteza. Assim o consumo aparece como resposta. A cultura torna-se mundo de marcas e o mercantil torna-se cultural. No centro de tudo está a cultura, que se não deixou cair as barreiras hierárquicas entre A cultura-mundo é produto da era “hipermoderna”, caracterizada pela hipertrofia de signos, da tecnologia e do consumo A CULTURA-MUNDO – RESPOSTA A UMA SOCIEDADE DESORIENTADA / GILLES LIPOVETSKY E JEAN SERROY Companhia das Letras/ 208 páginas/ R$ 39,50 Que fim levou o corpo no Carnaval de Salvador? Mary Weinstein Jornalista, doutoranda em Cultura e Sociedade/Ufba [email protected] A coreógrafa carioca Deborah Colker que, literalmente, subiu pelas paredes em Casa (1999), e reinventou a roda em Rota (1997), e que, recentemente, foi ao Canadá criar para o Cirque du Soleil, veio ver o cotidiano do baiano que se apresenta no Car- naval. Ela subiu no trio elétrico da colega Daniela Mercury, on- de outros 30 dançarinos refor- çavam o requinte cênico que a cantora procura mostrar todo ano. Deborah pode ter sido o que houve de novo – foi uma no- vidade – na performance car- navalesca deste ano e, a partir dessa experiência entre coreó- grafa e público, o que poderá ocorrer com as artes do espe- táculo dela, ninguém sabe. Mas, e com as artes do corpo no meio desse Carnaval? Seria só meter o cotovelo e sair abrindo caminho? Nos músculos das malhas de- senhadas e coladas nos corpos dos percussionistas do Cortejo Afro, uma anatomia cor de rosa do nosso Carnaval se delineava. Se via que a força dos blocos afros não só provém da música e da dança, mas também da criatividade e ousadia artistica- mente inovadora. Para se apre- ciar desde a fantasia e o vigor dos drummers até o flanar dos dançarinos anônimos no chão, precisava-se apenas do movi- mento do olhar. Olhar antropológico Com a ajuda do teatro antro- pológico de Eugênio Barba, po- Colker já marcou presença nas Oficinas de Dança (anos 1980) que aconteciam na Bahia demos identificar o gestual ex- traordinário que se perde no cor- po a corpo do Carnaval baiano. Em modo contínuo, porque o carnaval prossegue o ano intei- ro, o movimento passa a ser or- dinário, no sentido de ser usual, incorporado ao dia a dia. Na medida em que a festa se as- sume como rotineira, o rebo- lado – desde o ano passado, “rebolation” – cai no trivial e reaparece integrado ao vocabu- lário ordinário de todos os dias. Assim, é preciso que o corpo dê um jeito para se superar e virar espetáculo de novo. A produção cênica não cessa. O ordinário se re-elabora na postura dos cantores dos trios que se deslocam em palcos am- bulantes que transitam pela ci- dade. Eles se relacionam com o público sempre da mesma for- ma, no espaço exíguo, em que se confundem entre músicos, instrumentos, figurinos, back vocals e aparelhagens, no lugar mais disputado do Carnaval, o mesmo que preenche o campo midiático. Outro palco, mesma disputa. Na geografia do trio elétrico, o corpo do personagem central – do cantor – é mal visto, por causa da angulação que se es- tabelece com o chão, onde está a plateia. Quem está no asfalto – e não no alto – é quem balança o chão da praça, e, verdadei- ramente, faz a festa. Para mui- tos, é o espetáculo em si. Nessa de o corpo do artista ser um objeto de apreciação tão ele- vado, leva a melhor quem está nos camarotes, que a tudo as- siste de cima ou de longe. Bom lembrar que, ao contrário dos carros alegóricos, o trio elétrico foi criado para produzir som. Nem cantor existia na época. No transe e no trânsito do trio, a dança acontece numa intera- ção entre os próprios foliões e artistas. Desde o “mete o co- tovelo e vai abrindo o caminho”, (anos 70), até a fuga da Mulher Maravilha com o Super-Ho- mem, com gestual cheer lea- ders, dos americanos, de agora, muita dança rolou e, de extraor- dinário, sobrou, na Avenida Oceânica, a mise en scène de Carlinhos Brown, que, neste es- paço, igualmente restrito, fica para uma próxima matéria. CURTAS Feira de Artesanato está de volta Passados os agitos carnavales- cos, uma boa opção de passeio que pode agradar a toda a fa- mília, neste final de semana, é a Feira Baiana de Artesanato, promovida pelo Instituto Mauá e que reúne artesãos baianos, no bairro da Pituba, na orla de Salvador. Hoje e amanhã, a fei- rinha estará no Jardim dos Na- morados, no horário das 16 às 21 horas, com direito ainda a barracas de culinária e a shows musicais, a partir das 19 horas. O evento reúne uma amostra da produção artesanal de ar- tistas de todo o Estado. Camila Jasmin / Divulgação Feirinha é opção para toda a família no Jd. dos Namorados Comemoração especial para Salvador A partir de segunda-feira, o Es- paço Cultural da Barroquinha abre a sua programação cul- tural gratuita pelo aniversário de Salvador, dia 29 de março. A agenda, organizada pela Fun- dação Gregório de Mattos, pre- vê 17 dias de atividades. Ao longo da segunda quinzena, das 12 às 18 horas, a exposição fotográfica Salvador, ontem e hoje mostrará o cotidiano da cidade nas primeiras décadas do século 20 e nos dias atuais. Dia 20, a Orquestra Juvenil da Bahia (Neojibá) se apresentará no Farol da Barra, às 18 horas, com 150 músicos, sob a regên- cia de Ricardo Castro. No dia 29, o maestro Fred Dantas e sua orquestra se apresentam no Es- paço Cultural da Barroquinha. No Dia Nacional da Poesia, segunda, às 14 horas, poetas participam do Viva Poesia, no Espaço Barroquinha Hebe está de volta, terça, na Rede TV! A partir desta terça-feira, o Bra- sil vai voltar a sorrir e a se emo- cionar com a dama da televisão brasileira, Hebe Camargo. Três meses após deixar o SBT, emis- sora na qual trabalhou durante 25 anos, a apresentadora mais gracinha da televisão fará a sua grande reestreia na Rede TV!, para a alegria de milhares de fãs que ficaram “órfãos” de sua energia contagiante. A rees- treia será exibida com tecno- logia full HD 3D. O programa é semanal e terá quadros como “Amor para Recordar” e con- vidados especiais. 22h é o horário do programa de Hebe Camargo, que volta à telinha na estreia do seu programa na Rede TV! “Estou aqui após um ano em que tive problema de saúde, mas cheia de vida” HEBE CAMARGO, apresentadora Mila Cordeiro / Ag. A TARDE / 7.3.2011 Deborah Colker no trio elétrico alta e baixa cultura, experimen- ta uma mercantilização que as equipara. Para os autores, embora se reconheça a diferença, contem- pla-se um Van Gogh da mesma forma que se ouve Madonna. Turistas visitam a capela Sistina da mesma maneira que visitam as flaship stores de marcas fa- mosas. A experiência estética está atrelada à experiência de con- sumo. Exemplo disso são as marcas, de aparelhos eletrôni- cos às lojas de departamento, com suas concept stores criadas por arquitetos famosos e cole- ções de moda assinadas por es- tilistas de alta costura, vendidas a preços populares. E isso não é necessariamente ruim. Resistência O que o livro propõe é um ca- minho do meio entre cultura mercantil e cultura do espírito, O livro propõe um caminho do meio entre cultura mercantil e cultura do espírito, do homem do homem. A língua, a história, a literatura e a religião são pos- tas como os elementos de re- sistência para os que argumen- tam que as indústrias da infor- mação e do consumo homoge- nizam a cultura mundial. Se há Apple, Coca-Cola e Mc- Donalds em todo o mundo, não significa que os usos desses sig- nos transnacionais sejam os mesmos em todos os lugares. O jeans global é vestido por todos, mas sempre em negociação com a indumentária local. Da mesma forma que CNN, há a rede Al Jazeera que surge como uma alternativa lo- cal de interpretação dos fatos. Enquanto os EUA exportam sé- ries e filmes, México e Brasil exportam telenovelas para o Leste Europeu. Se por um lado há o universalismo do mercado, por outro há o universalismo dos direitos humanos. O cenário parece apocalípti- co, mas não resiste a uma aná- lise mais detalhada. Sem pes- simismo, mas sem a adesão dos integrados, Gilles Lipovetsky e Jean Serroy conseguem traçar um panorama cultural, político e econômico em que há espe- rança para essa tal sociedade desorientada. Redefinição Aos que sofrem das incertezas que acompanham a hipermo- dernidade, põe-se o desafio de superar o consumo como res- posta única a esses males. Ven- cê-los cabe ao indivíduo e ao Estado. Assim, a solução proposta passa pela redefinição da cul- tura do trabalho e do mérito, pela promoção da justiça e do desenvolvimento social e, por fim, pelo investimento em edu- cação e pesquisa. A ideia é di- recionar a economia para a eco- nomia do conhecimento. Times Square, NY: a cultura torna-se mundo de marcas Jen Davis / Divulgação

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Resenha sobre o livro "A cultura-mundo", de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy

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SALVADOR SÁBADO 12/3/20114 SALVADOR SÁBADO 12/3/2011 52 2Epifanias de James Joyce

Hélio PólvoraEscritor, membro da Academiade Letras da Bahia

Epifania, para o irlandês JamesJoyce, é um momento reveladorda escrita, quando esta desvelasignificados até então secretos,e de forma jubilosa.

Umaespéciedemanifestaçãomágica, sobrenatural, um ins-tante de repentina consciênciaintuitiva. Ou ainda um clarãoque estala, talvez a descoberta,abaixo da superfície, de uma luzqueardesemqueimareprovocaexultação.

Joyce condensou epifaniasnos quinze contos de Dubliners,coletânea de 1914, um dos mar-cos do conto moderno.

OcenárioserásempreDublin,mas sob visão impressionista.

Ele descreve personagens, masestá pouco empenhado em nar-rar uma sequência lógica deacontecimentos.

Em vez de mostrar persona-gens em ação, o autor preferedesvendar seus mecanismosmentais. Ao mesmo tempo, re-colhe circunstâncias, em geraladversas, portadoras de equí-vocos que desiludem ou frus-tram. Sem ser subjetivo, apoia-do em fatos supostamente con-cretos, o conto busca o momen-to instigador – o atrito que, afi-nal, traz o lume.

Descobrir as epifanias nessescontos, e estar preparado paracaptá-las quando no epicentroda sua aparição – eis um exer-cício decerto inútil, em termosde vida prática, e no entantoconfortador. Já falei de um de-les, Araby (Arábia), quando oacicate do amor sensual fere emcheio um adolescente, à vista deuma moça vizinha. Estava en-furecido de paixão.

Ocorre a epifania: “A luz da

lâmpada no outro lado colheu acurva branca do seu pescoço,iluminou o cabelo que ali pou-sava e, descendo, revelou a mãosobre o gradil. Depois, resva-lando por um lado do vestido,acendeu a branca fímbria daanágua, apenas visível quandoela se punha à vontade”.

Nemsempreepifaniassãoêx-tases. No conto mais extenso,The Dead (O Morto), provavel-mente o melhor, Joyce gastamuitas páginas a descrever achegada de convidados parauma festa natalina de duas gra-ves e ilustres senhoras: cumpri-mentos, conversas, brindes, fru-fru de vestidos. Prepara, no en-tanto, a epifania.

Esta começa na despedida,depois que um conviva percebea mulher ensimesmada, no pa-tamardaescada,aouviralguémao piano.

Somente então o leitor, quese sentia logrado, percebe o ras-tro subliminar da tensão – levee discreto desconforto que se

insinua entre os convidadosmais comunicativos, e, ainda as-sim, entediados. Algo irá acon-tecer. O casal se retira sobre aneve. Faz frio intenso.

Pernoitará em hotel, antes doretorno. Como de sobreaviso,dispensam luz elétrica, prefe-rem a penumbra que lhes chegados postes na rua pelas nesgasda janela.

Da semiescuridão dos rostosfluirá a verdade que inchou, pal-pitante, qual fruto amadureci-do. E então, de pergunta empergunta, o marido descobreque a mulher, antes do casa-mento, estivera apaixonada porum jovem que havia morrido.Ela o recompõe a partir do ins-tante em que, na festa, alguémtoca ao piano a canção preferidadele. O devaneio da mulher seprolonga em melancolia.

É uma situação em nada cô-moda, e honrosa, para o ma-rido; junto à janela, ele a vêadormecer na cama, alheada,distante, ciosa de haver reen-

contrado o amor, enquanto elesesentedespojadoedeprimido,em dura e amarga solidão, e noescuro.

Doravante, a vida de ambosserá atormentada ou sublimadapor esse assomo do passado –algo que, ao esvair-se, haveráde deixar uma borra no fundodocálice.Jamaispassará ligeiro,a dissipar-se como branca nu-vem de verão.

Tais epifanias, que segundo acrença católica resultam da apa-rição ou manifestação de umdeus ou ser sobrenatural (a re-velação de Jesus, como Cristo,aos reis magos e pastores), Ja-mes Joyce as transportou paraDubliners, com o sentido de des-coberta insuspeitada, aureola-da de magia – o mergulho, orelâmpago, o insight inespera-do.

Em suma, somos tocados poralgo de belo, de grandioso, etambém de desesperador, queaflora os sentidos, e jamais sedissipará.

Joyce condensouepifanias nos 15contos deDubliners,coletânea de 1914.O cenário seráDublin, sob visãoimpressionista

LIVRO Sem pessimismo, Gilles Lipovetsky e Jean Serroy fazem análise realista do panorama cultural, econômico e político mundial

Saídas possíveis para uma sociedade hipermodernaPEDRO FERNANDES

Profusão de signos, crises nasbolsas internacionais, gripe suí-na, aquecimento global, subce-lebridades, cultura de marcas,StellaMcCartneyparaC&A.Esseé o cenário que configura a erado “hipermoderno”, conceitotrabalhado pelos franceses Gil-les Lipovetsky e Jean Serroy nolivro A Cultura-Mundo – Respos-ta a uma Sociedade Desorien-tada (Cia. das Letras, 2011).

O conceito não é novo, muitomenos o fenômeno, que se pro-nuncia há cerca de três décadas,a partir da emergência da mun-dialização promovida pelas em-presas transnacionais, do fimdas utopias socialistas e dos mo-delos de contrassociedade.

De acordo com os autores,seus quatro sintomas, o hiper-capitalismo, a hipertecniciza-ção, a hiperindividualização e ohiperconsumo são os responsá-veis pela configuração de umnovo estado da cultura, a “cul-tura-mundo”.

Ela é marcada tanto por umasensação de progresso, quantoporumacertadesorientaçãoemrelação ao caminho que se estáa seguir. Essa hipertrofia geradesregulação.

“O desnorteio hipermodernoaumenta paralelamente com aexcrescência do universo tec-no-mediático-mercantil e com oestilhaçamento dos enquadra-mentos coletivos, a individua-lização da existência, deixandoos indivíduos à mercê de si mes-mos“.

Por outro lado, quanto mais omundo se globaliza, afirmam Li-povetsky e Serroy, mais os par-ticularismos e exigências iden-titárias ganham relevo, induzin-do uma nova relação entre cul-tura e política. Uma das con-sequências, por exemplo, do re-cuo do religioso sobre as vidascomuns é a exacerbação do fun-

damentalismo.Observa-se nesses tempos

descritos pelos autores que acultura do individualismo pro-gride mesmo nos países doOriente. Tomemos como exem-plos atualíssimos as revoluçõesnoEgitoenaLíbia.A insurgênciacontra os regimes ditatoriais re-vela uma vontade de democra-cia, vontade do indivíduo de to-mar suas próprias decisões so-bre a política, a economia.

Cultura de marcasPorém, se há mais liberdade,mais democracia, mais desen-volvimento tecnológico, maisconsumo, contemporizam, nãohá “mais felicidade”. Há maisincerteza. Assim o consumoaparece como resposta.

A cultura torna-se mundo demarcas e o mercantil torna-secultural. No centro de tudo estáa cultura, que se não deixou cairas barreiras hierárquicas entre

A cultura-mundo éproduto da era“hipermoderna”,caracterizada pelahipertrofia designos, datecnologia edo consumo

A CULTURA-MUNDO – RESPOSTA A UMA

SOCIEDADE DESORIENTADA / GILLES

LIPOVETSKY E JEAN SERROY

Companhia das Letras/ 208páginas/ R$ 39,50

UM SUSSURRO NAS TREVAS / H. P.

LOVECRAFT

Cultos secretos e criaturas inu-manas assombram Vermont,lugar escolhido para uma his-tória de horror concebida peloescritor. Ficção no melhor estiloinglês, livro de H. P. Lovecraftreafirma a ideia de que os alie-nígenas estão mesmo entre nós– só não vê quem não quer ounão tem vontade Hedra / 152 p./ R$ 20 / hedra.com.br

60 ANOS DEPOIS: DO OUTRO LADO DO

CAMPO DE CENTEIO / FREDRIK COLTING

Criador (J. D. Salinger) e cria-tura (Holden Caulfield) fazemum encontro inusitado, 60 anosapós publicação de O Apanha-dor no Campo de Centeio, a par-tir dos escritos de Fredrik Col-ting. 60 Anos Depois quase quenão é publicado, pois Salingertentoubarrarolançamento.Ve-rus / 245 p. / R$ 24,90 / ve-ruseditora.com.br

OS COMPARSAS / ELMORE LEONARD

Mestre da narrativa ágil, sexy eviolenta em inúmeros roman-ces policiais e de western, Leo-nard demonstra continuar emgrande forma neste novo livro.Entre ladrões de banco, mulhe-resdecaráterduvidosoegangs-ters, o ex-detento Jack Foleybusca se equilibrar numa cordasempre bamba. Leitura de ma-cho. Rocco / 256 p. / R$ 38,50/ www.rocco.com.br

JOHN M. KEYNES / BERNARD GAZIER

Após um período em baixa, du-rante o neoliberalismo, o pen-samento de John Maynard Key-nes (1883-1946) volta à baila,como opção pós-crise mundialde 2008. Considerado o “pai damacroeconomia”, ele é desven-dado nesta biografia não ape-nas como um economista bri-lhante, mas também um per-sonagem controverso. L&PM /128 p. / R$ 12 / lpm.com.br

MEU PAI FALA CADA M*RDA / JUSTIN

HALPERN

Um desempregado de 28 anosvolta a morar com o pai, umviúvo rabugento de 72 anos – epassa a postar seus resmungosno Twitter. Virou livro e a sitcomShit My Dad Says. Amostra:“Gosto dos seus amigos. Achoque eles não transariam comsua namorada, se você tivesseuma”. Sextante / 144 p. /R$ 19,90 / esextante.com.br

MAIS VENDIDOS / FICÇÃO

1 A CabanaWilliam P. Young - Sextante

2 Querido JohnNicholas Sparks - Novo Conceito

3 CrescendoBecca Fitzpatrick - Intrínseca

4 Chama NegraAlyson Noël - Intrínseca

5 Diário de Uma PaixãoNicholas Sparks - Novo Conceito

NÃ0-FICÇÃO

1 1822 - Laurentino GomesNova Fronteira

2 Comer, Rezar, AmarElizabeth Gilbert - Objetiva

3 O Discurso do Rei - Mark Logue ePeter Conradi - José Olympio

4 50 Anos a Mil - Lobão e ClaudioJulio Tognolli - Nova Fronteira

5 Guia Politicamente IncorretoLeandro Narloch - Leya

FONTE:Folhapress

ARMÁRIO DE LETRAS

Descobrir asepifanias nessescontos: eis umexercício decertoinútil, em termosde vida prática

As palavras de Saramago

Milena BrittoProfessora do Instituto de Letrasda Ufba

[email protected]

O escritor José Saramago foi umdos mais polêmicos escritoresda atualidade. Suas opiniõesiam desde observações agudassobre a política até o radical eparadoxal lugar de ateu quepensava e estudava profunda-mente a bíblia. E isso em meioa uma guerra onde Deus – ouAlá – é a escusa. Em suas pró-prias palavras “O mundo teriapaz se todos fossem ateus”.

Sarcástico, preocupado, sé-rio, provocador, observador, oescritor se mostra através desuas frases. Ao fundo, sua li-teratura, que conjugava leituraalegórica do mundo e do ho-mem, originalidade na lingua-gem e a vontade de provocarmudanças.

A sua morte parece não haverceifado o poder e o alcance deseus pensamentos, suas opi-niões, suas palavras. Há aindademanda pelo desvendamentodos caminhos intelectuais per-corridos pelo escritor assim co-mocuriosidadepelohomemSa-ramago. Seu comunismo crítico,sua atenção aos problemas doseu tempo, sua vontade de de-bater os caminhos da política,da arte, da ecologia, tudo vaicompondo um homem escon-dido pela polêmica que ele pró-prio gerava.

O livro As palavras de Sara-mago reúne em três partes frag-mentos de entrevistas dadas em

diferentes períodos de sua vida.O que pretende o livro é oferecerum perfil do homem, do cida-dão e do escritor com as suaspróprias palavras. As máximas,ou fragmentos de respostas da-das a jornalistas, dividem e re-velam José Saramago sob ân-gulos diversos.

O escritor defende o intelec-tual como indivíduo funcionalno mundo, com seu papel de-finido como tão importantequanto o de um cirurgião. Paraele,umescritornãopodejamaisassociar-se ao poder. E diz aindaque a cultura não é refúgio etambém não deve ser usadacom fins pessoais.

Dizendo-se decepcionadocomos jogosdepoder,nãoacre-dita na democracia e defende oZapatismo como modelo a serseguido. A razão principal dadapor ele é que no âmago da ques-tão zapatista está o homem, in-dígena ou não.

Nas entrevistas, o cidadão Jo-sé Saramago critica o desenvol-vimento capitalista, observan-do que o ser humano deixou deser um sujeito para se tornar um“cliente” e o cliente só tem fun-ção na economia de compra evenda, deteriorando-se as de-mais relações, o que levaria aocaos, à solidão, à destruição danatureza que se vê em todos oscontinentes.

O autor fala ainda de censura,de Europa, de união europeia,de verdade, de imprensa; ana-lisa situações políticas e econô-micas, além de refletir sobre li-teratura, arte, comunicação demassa. Sua posição se revelapolêmica na maior parte dos

temas, mas talvez porque, namaioria das vezes, se absorvamas suas palavras fora de con-texto.

As palavras de Saramago, pe-sando-se todas as contradições,se revelam muito mais lúcidasdo que se gostaria, sobretudoporque a agudez das mesmas émuito mais uma tentativa deprovocar transformações de fa-todoquechamaraatençãoparasi. Para quem gosta de máxi-mas, aforismos – e de Sarama-go – o livro oferece um ma-nancial de palavras que fizeramo escritor português percorrer omundo e a vida.

AS PALAVRAS DE SARAMAGO / FERNANDO

GÓMEZ AGUILERA (ORG.)

Cia. das Letras/ 479 p. / R$ 39/ companhiadasletras.com.br

Que fim levou o corpo no Carnaval de Salvador?

Mary WeinsteinJornalista, doutoranda em Culturae Sociedade/Ufba

[email protected]

A coreógrafa carioca DeborahColker que, literalmente, subiupelas paredes em Casa (1999),e reinventou a roda em Rota(1997), e que, recentemente,foi ao Canadá criar para o Cirquedu Soleil, veio ver o cotidiano dobaiano que se apresenta no Car-naval. Ela subiu no trio elétricoda colega Daniela Mercury, on-de outros 30 dançarinos refor-çavam o requinte cênico que acantora procura mostrar todoano.

Deborah pode ter sido o quehouve de novo – foi uma no-vidade – na performance car-navalesca deste ano e, a partirdessa experiência entre coreó-grafa e público, o que poderáocorrer com as artes do espe-táculo dela, ninguém sabe.Mas, e com as artes do corpo nomeio desse Carnaval? Seria sómeter o cotovelo e sair abrindocaminho?

Nos músculos das malhas de-senhadas e coladas nos corposdos percussionistas do CortejoAfro, uma anatomia cor de rosado nosso Carnaval se delineava.Se via que a força dos blocosafros não só provém da músicae da dança, mas também dacriatividade e ousadia artistica-mente inovadora. Para se apre-ciar desde a fantasia e o vigordos drummers até o flanar dosdançarinos anônimos no chão,precisava-se apenas do movi-mento do olhar.

Olhar antropológicoCom a ajuda do teatro antro-pológico de Eugênio Barba, po-

Colker já marcoupresença nasOficinas de Dança(anos 1980) queaconteciam naBahia

demos identificar o gestual ex-traordinário que se perde no cor-po a corpo do Carnaval baiano.Em modo contínuo, porque ocarnaval prossegue o ano intei-ro, o movimento passa a ser or-dinário, no sentido de ser usual,incorporado ao dia a dia. Namedida em que a festa se as-sume como rotineira, o rebo-lado – desde o ano passado,“rebolation” – cai no trivial ereaparece integrado ao vocabu-lário ordinário de todos os dias.Assim, é preciso que o corpo dêum jeito para se superar e virarespetáculo de novo. A produçãocênica não cessa.

O ordinário se re-elabora napostura dos cantores dos triosque se deslocam em palcos am-bulantes que transitam pela ci-dade. Eles se relacionam com opúblico sempre da mesma for-ma, no espaço exíguo, em quese confundem entre músicos,instrumentos, figurinos, backvocals e aparelhagens, no lugarmais disputado do Carnaval, omesmo que preenche o campomidiático. Outro palco, mesmadisputa.

Na geografia do trio elétrico,

o corpo do personagem central– do cantor – é mal visto, porcausa da angulação que se es-tabelece com o chão, onde estáa plateia. Quem está no asfalto– e não no alto – é quem balançao chão da praça, e, verdadei-ramente, faz a festa. Para mui-tos, é o espetáculo em si.

Nessa de o corpo do artista serum objeto de apreciação tão ele-vado, leva a melhor quem estános camarotes, que a tudo as-siste de cima ou de longe. Bomlembrar que, ao contrário doscarros alegóricos, o trio elétricofoi criado para produzir som.Nem cantor existia na época.

No transe e no trânsito do trio,a dança acontece numa intera-ção entre os próprios foliões eartistas. Desde o “mete o co-tovelo e vai abrindo o caminho”,(anos 70), até a fuga da MulherMaravilha com o Super-Ho-mem, com gestual cheer lea-ders, dos americanos, de agora,muita dança rolou e, de extraor-dinário, sobrou, na AvenidaOceânica, a mise en scène deCarlinhos Brown, que, neste es-paço, igualmente restrito, ficapara uma próxima matéria.

CURTAS

Feira de Artesanatoestá de volta

Passados os agitos carnavales-cos, uma boa opção de passeioque pode agradar a toda a fa-mília, neste final de semana, éa Feira Baiana de Artesanato,promovida pelo Instituto Mauáe que reúne artesãos baianos,no bairro da Pituba, na orla deSalvador. Hoje e amanhã, a fei-rinha estará no Jardim dos Na-morados, no horário das 16 às21 horas, com direito ainda abarracas de culinária e a showsmusicais, a partir das 19 horas.O evento reúne uma amostrada produção artesanal de ar-tistas de todo o Estado.

Camila Jasmin / Divulgação

Feirinha é opção para toda afamília no Jd. dos Namorados

Comemoração especial para Salvador

A partir de segunda-feira, o Es-paço Cultural da Barroquinhaabre a sua programação cul-tural gratuita pelo aniversáriode Salvador, dia 29 de março. Aagenda, organizada pela Fun-dação Gregório de Mattos, pre-vê 17 dias de atividades. Aolongo da segunda quinzena,das 12 às 18 horas, a exposiçãofotográfica Salvador, ontem ehoje mostrará o cotidiano dacidade nas primeiras décadasdo século 20 e nos dias atuais.Dia 20, a Orquestra Juvenil daBahia (Neojibá) se apresentaráno Farol da Barra, às 18 horas,com 150 músicos, sob a regên-

cia de Ricardo Castro. No dia 29,o maestro Fred Dantas e suaorquestra se apresentam no Es-paço Cultural da Barroquinha.

No Dia Nacional daPoesia, segunda, às14 horas, poetasparticipam do VivaPoesia, no EspaçoBarroquinha

Hebe está de volta,terça, na Rede TV!

A partir desta terça-feira, o Bra-sil vai voltar a sorrir e a se emo-cionar com a dama da televisãobrasileira, Hebe Camargo. Trêsmeses após deixar o SBT, emis-sora na qual trabalhou durante25 anos, a apresentadora maisgracinha da televisão fará a suagrande reestreia na Rede TV!,paraaalegriademilharesdefãsque ficaram “órfãos” de suaenergia contagiante. A rees-treia será exibida com tecno-logia full HD 3D. O programa ésemanal e terá quadros como“Amor para Recordar” e con-vidados especiais.

22hé o horário do programa deHebe Camargo, que volta àtelinha na estreia do seuprograma na Rede TV!

“Estou aqui apósum ano em quetive problema desaúde, mas cheiade vida”HEBE CAMARGO, apresentadora

Mila Cordeiro / Ag. A TARDE / 7.3.2011

DeborahColker no trioelétrico

alta e baixa cultura, experimen-ta uma mercantilização que asequipara.

Para os autores, embora sereconheça a diferença, contem-pla-se um Van Gogh da mesmaforma que se ouve Madonna.Turistas visitam a capela Sistinada mesma maneira que visitamas flaship stores de marcas fa-mosas.

A experiência estética estáatrelada à experiência de con-sumo. Exemplo disso são asmarcas, de aparelhos eletrôni-cos às lojas de departamento,com suas concept stores criadaspor arquitetos famosos e cole-ções de moda assinadas por es-tilistas de alta costura, vendidasa preços populares. E isso não énecessariamente ruim.

ResistênciaO que o livro propõe é um ca-minho do meio entre culturamercantil e cultura do espírito,

O livro propõe umcaminho do meioentre culturamercantil e culturado espírito,do homem

do homem. A língua, a história,a literatura e a religião são pos-tas como os elementos de re-sistência para os que argumen-tam que as indústrias da infor-mação e do consumo homoge-nizam a cultura mundial.

Se há Apple, Coca-Cola e Mc-Donalds em todo o mundo, nãosignifica que os usos desses sig-nos transnacionais sejam osmesmos em todos os lugares. Ojeans global é vestido por todos,mas sempre em negociaçãocom a indumentária local.

Da mesma forma que háCNN, há a rede Al Jazeera quesurge como uma alternativa lo-cal de interpretação dos fatos.Enquanto os EUA exportam sé-ries e filmes, México e Brasilexportam telenovelas para oLeste Europeu. Se por um ladohá o universalismo do mercado,por outro há o universalismodos direitos humanos.

O cenário parece apocalípti-

co, mas não resiste a uma aná-lise mais detalhada. Sem pes-simismo, mas sem a adesão dosintegrados, Gilles Lipovetsky eJean Serroy conseguem traçarum panorama cultural, políticoe econômico em que há espe-rança para essa tal sociedadedesorientada.

RedefiniçãoAos que sofrem das incertezasque acompanham a hipermo-dernidade, põe-se o desafio desuperar o consumo como res-posta única a esses males. Ven-cê-los cabe ao indivíduo e aoEstado.

Assim, a solução propostapassa pela redefinição da cul-tura do trabalho e do mérito,pela promoção da justiça e dodesenvolvimento social e, porfim, pelo investimento em edu-cação e pesquisa. A ideia é di-recionar a economia para a eco-nomia do conhecimento.

Times Square,NY: a culturatorna-se mundode marcas

Jen Davis / Divulgação