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SALA AZUL: TEMPO E ESPAÇO NO CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE PEDRO MIRANDA 1912 – 2012 BUÍRA – VIÇOSA DO CEARÁ 2012

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SALA AZUL:

TEMPO E ESPAÇO NO CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE

PEDRO MIRANDA

1912 – 2012

BUÍRA – VIÇOSA DO CEARÁ

2012

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SALA AZUL Rodeada por jardins Inebriada pelo perfume das flores Toda revestida de azul! Recordo as tardes alegres dos domingos Do jogo de biscas, das conversas descontraídas Do som das ave-marias recitadas na capela Dos visitantes que vinham de longe Das histórias contadas e decisões ali tomadas Dos laços que uniam famílias perpassando as gerações Das crianças a balançar nas redes de tucuns entoando suas canções! Dos mais velhos a ensinar aos mais novos o verdadeiro sentido da vida, Da caridade também ali vivida! A Sala Azul da casa da Buíra sempre esteve de braços abertos! E no centenário de Pedro Mapurunga de Miranda, seu idealizador Que era um poeta e trovador Seus descendentes se reúnem para louvar o Senhor Celebrando com alegria a festa da vida no amor!

Clara Miranda

A verdadeira liberdade é ser fiel a Deus (Sêneca).

Quem é de Deus não morre, fica vivo o coração (Pedro Miranda).

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O Centenário Como Referencial Histórico

O centenário do nascimento de uma pessoa é um evento que delimita espaço de

tempo específico para investigação da sua existência e realizações no passado. Nesse sentido,

trazemos aqui uma breve reflexão sobre o marco histórico simbolizado pelo centenário do

nascimento de Pedro Mapurunga de Miranda, materializada no reconhecimento do valor que

ele representa para sua família como homem, como pai e como cidadão.

Consciente de que o verdadeiro valor de uma pessoa é o que ela significa de fato

para cada um em particular, sua família, comovida e agradecida pela grandeza de seus atos,

enaltecida pela conduta exemplar que praticou em vida, se empenha em registrar festivamente

esse evento como forma de perpetuar sua memória.

Por família entendemos não somente o conjunto daqueles que formam o núcleo

básico estruturado a partir de sua casa na Buíra, mas todos os aparentados que se sentem

como tal. Logo envolve cada um que, mesmo não o tendo conhecido, mas é consciente dos

laços de parentesco gerados na consangüinidade e na afinidade, nutre particular estima por

sua memória.

São todos esses, portanto, que se convoca para uma pequena reflexão, neste

momento em que se comemora o centenário do seu nascimento, relembrando suas origens e o

legado de amor e trabalho que deixou.

Para os mais jovens, que não tiveram a oportunidade de conhecer a Buíra no

tempo em que Pedro Miranda lá residia e construía as bases de sua família, convém esclarecer

alguns detalhes relacionados com aquele contexto histórico, visando facilitar a obtenção de

dados e informações. Para tanto, evoca-se o passado a partir do enfoque tradicional do espaço

e tempo, como forma de facilitar a obtenção do conhecimento sobre as pessoas e o lugar aqui

abordados.

Assim, torna-se necessário relembrar, inicialmente, o dever de conhecer a própria

evolução da família, tema preferido por ele, ao qual se dedicava com grande esforço, tanto se

esmerando na pesquisa dos dados como se empenhando em divulgá-los entre todos que dele

se acercavam. Por isso, a “sala azul”, evocada saudosamente na poesia da Clara, tanto

representa para quem esteve lá, naquele tempo, uma vez que era ali, preferencialmente,

deitado em um “tucum”, onde narrava respeitosamente os nomes e feitos dos seus

antepassados, algumas vezes emocionado até o pranto.

Sendo a história de sua família um tema sagrado, não seria justo, exatamente na

passagem do centenário de seu nascimento, deixar de relembrar a evolução genealógica a que

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tanto se dedicou. Por essa razão dela se traz aqui um breve esboço, considerando que a

matéria já foi tratada em profundidade no livro Três Séculos de Caminhada, escrito

exatamente em respeito à sua memória.

Mas é necessário refletir um pouco mais sobre sua personalidade humilde,

caracterizada pela formação exclusiva na roça, sujeita a rigorosa disciplina para o trabalho,

para a fé em Deus e para o respeito e acolhimento ao próximo. Quem o conheceu e privou do

seu convívio ficava sempre admirado do grau de conhecimento que possuía, em face da

realidade a que foi submetido pela necessidade de sobrevivência, onde só teve oportunidade

de frequentar 12 dias de escola. Era culto, porque lia muito e ouvia rádio. Os testemunhos do

Inácio e da Margarida evocam esses detalhes de sua conduta.

As dificuldades de sobrevivência influenciaram na sua determinação para vencer

na vida, concentrada em permanente dedicação ao trabalho e fervorosamente aferrada ao

compromisso de zelar pelo lugar onde nasceu.

Como relembra Margarida, o respeito que dedicava ao lugar, ao chão da Buíra, era

de tal ordem que ficou permanentemente simbolizado na edificação do "quarto dos santos",

capela construída por ele no centro da casa nova, quando da reforma de 1949, por ser

exatamente o lugar da alcova de seus pais na planta da casa velha.

Os seus não deverão esquecer que só calçou o primeiro par de sapatos quando já

tinha 18 anos de idade, como ele próprio afirmava. Por isso, é preciso registrar, mais uma vez,

as condições caracterizadoras do ambiente natural relativo à Buíra, como sítio isolado da zona

urbana, simbolizando pequeno enclave de sobrevivência com cultura exclusivamente rural,

fator determinante na formação das crianças que ali habitavam.

De fato, não se pode esquecer que a reflexão aqui proposta tem raízes fincadas no

passado e surgem, espontaneamente, da recordação de adultos que, de alguma forma, também

viveram sua infância e adolescência no contexto de uma Buíra voltada prioritariamente para a

produção de cachaça. Hoje, ocupados na luta cotidiana da existência, mesmo adotando outros

costumes e habitando outros lugares, quem foi criança na Buíra não esquece a realidade

daquele sítio. As recordações permanecem vivas.

São coisas simples como o canto das arapongas, que povoavam a “mata dos

benícios” e martelavam incessantemente o ferro imaginário, ou a "cruz do soldado" plantada

na margem do caminho arenoso que serpenteava por baixo da floresta escura, vestígios de um

passado que marcou mentes infantis como o conto da Clara nos faz rever.

Lá na Buíra, em noites de lua cheia, também havia as brincadeiras de esconde-

esconde, cantos de roda e adultos contando "estórias de trancoso", geralmente carregadas de

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moralismo e religiosidade. As noites escuras e frias do inverno, cobertas com o manto branco

da neblina espessa, eram riscadas pela luz intermitente dos vaga-lumes, num espetáculo

fascinante de milhares de pontos luminosos que se acendiam e apagavam. Alguma vez a

coruja batedeira e a rasga-mortalha atravessavam seu canto agourento na noite escura,

ecoando na mata, plantando um pavor soturno nas almas em formação. Mas quem dormia no

"quartinho", ao lado da alcova do papai, não sentia medo algum.

Sem energia elétrica, eram as lamparinas a querosene que emprestavam a luz

fumarenta capaz de permitir o conversar dos adultos. Criança não podia interromper, não dava

um pio.

Um dia, depois que o inverno começava, o cafezal amanhecia coberto de flores

brancas e perfumadas transformando a Buíra num recanto diferente, abençoado, com o sítio

todo envolto por um alvo manto, feito um grande lençol de algodão. Assim, cheiroso e

branco, cada cafeeiro se preparava para nos dar os frutos vermelhos que manteriam, durante

todo o ano, a chaleira permanentemente fervendo no fogão a lenha da cozinha de Leonor.

Os comboieiros, que vinham em busca da cachaça, nos davam notícias de outras

paragens, de outras gentes, de outras culturas. Às vezes contavam estórias aterradoras de

onças e “almas do outro mundo”.

Tudo isso tem a ver com a história da Buíra e precisamente marca o contexto

espaço e tempo que a reflexão sobre o centenário de Pedro Miranda procura revisar. Mas

também aqui se evoca o labor diário, o trabalho penoso e a disciplina que marcaram

profundamente os seres humanos que lá viveram no início de sua formação social.

E tudo se conta com palavras simples e texto curto, tentando uma reconstrução da

verdade histórica que, por vezes, alguém tenta macular por ignorância ou má fé. Dirigimo-nos

especialmente àqueles que ouviram as conversas no seio familiar, que tomavam café de bule e

comiam rosca de goma, em volta do fogão à lenha da velha Buíra, enquanto escutavam Pedro

Miranda contar estórias. Com isso, esperamos que assumam o papel de testemunhas de seu

tempo e ajudem a perpetuar a memória de uma pessoa de bem.

O objetivo maior, portanto, no momento em que se comemora o centenário de seu

nascimento, é refletir sobre o tema: Quem foi Pedro Miranda e qual o legado que nos deixou?

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1 As Origens de Pedro Miranda - Resumo biográfico

Pedro nasceu no sítio denominado Pará, depois Buíra, como ficou realmente

conhecido, em Viçosa do Ceará, no dia 17 de fevereiro de 1912, um dia de sábado, às 14:00

horas. Foi batizado, nove dias depois, na capela do sítio Esbarrado, propriedade de seus avós

maternos, por seu primo padre Carneiro, conforme registro que se transcreve fielmente do

certificado original:

Certifico que no dia 26 de fevereiro de mil novecentos e doze, na Capella de N. S. da Conceição do Esbarrado, na freguesia de Nossa Senhora da Assunção de Viçosa, do Bispado do Ceará, baptizei solenemente o inocente Pedro, nasceu em 17 de fevereiro do mesmo anno acima mencionado, filho legitimo de Vicente Ferreira de Miranda e Julia Carneiro Mapurunga. Foram padrinhos José Carneiro Passos e Nelsa Carneiro Mapurunga. Por ser verdade lavrei este certificado que assigno. In fide Parochi Esbarrado (Viçosa), 26 de Fevereiro de 1912 Pe Jose Carneiro da Cunha – Encarregado da Freguesia.

Na época em que nasceu, em meio exclusivamente católico, o registro de batismo

ainda representava um duplo significado, considerando a importância que a Igreja exercia na

vida política da Nação. Em primeiro lugar, assinalava o ingresso da criança no "rebanho" de

Cristo, passando a ser controlada como "freguês" vinculado a uma determinada Freguesia,

ficando os eventos básicos de sua vida registrados em livros eclesiásticos próprios (batizado,

crisma, casamento, morte).

Ao mesmo tempo, ainda retratava a competência que fora atribuída pelo Estado à

Igreja, desde os tempos coloniais, para o fim específico de efetivar o registro de nascimento,

casamento e morte das pessoas naturais. Embora o Decreto nº 9.886, de 7 de março de 1888,

tivesse impedido os efeitos civis dos registros eclesiásticos, a importância dessa condição de

freguês, vinculado ao vigário da freguesia, era de tal forma arraigada na cultura do povo

interiorano que o advento do registro civil custou a ser aceito pelos católicos. De fato, Pedro e

seus irmãos não foram devidamente registrados por seu pai - Vicente Ferreira de Miranda.

Para este, essa exigência do Governo não tinha nenhum valor.

Foi somente em 1934, contando já 22 anos de idade, que Pedro conseguiu

convencer seu pai a cumprir a nova lei, explicando-lhe que, em razão das disposições nela

contidas, dali para frente, sem o indigitado registro, ficaria impraticável exercer determinados

atos da vida civil. Por isso, deveriam aproveitar-se de norma extravagante que dispensava a

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multa dos retardatários, permitindo-lhes cumprir o dever de cidadão sem pagar a penalidade a

eles imposta.

Assim, compareceu ele próprio ao cartório, acompanhado de suas irmãs Rosalina

e Maria Vicença, para cumprir o rito legal do registro civil determinado no artigo 12 do

Código de 1916 (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916), que determinava: “Serão inscritos

em registro público: I – os nascimentos, casamentos, separações judiciais, divórcios e óbitos”.

Foi com essa cuidadosa providência que seis filhos de Vicente Ferreira de

Miranda e Júlia Carneiro Mapurunga passaram a ter oficialmente os seus nomes civis, como

consta no seguinte registro:

[...] n 2.327 - Aos nove de julho de 1934, nesta cidade de Viçosa, em meu Cartório me foram presentes os irmãos Rosalina Firmina de Miranda, Maria Vicença de Miranda e Pedro Mapurunga de Miranda e, perante as testemunhas infra assinadas, me declararam que de acordo com o novo Decreto que permite o registro sem multa, vinham fazer o registro de seu nascimento e, autorizados por seu pai Vicente Ferreira de Miranda, o de seus irmãos menores Vicente Miranda Filho, Alfredo Carneiro de Miranda e Maria Nébia de Miranda, ocorridos no lugar Pará, deste termo: o de Rosalina Firmina de Miranda, no dia 06 de julho de 1902, às 8 horas da noite, sendo esta a primeira deste nome e a sexta na ordem de filiação; o de Maria Vicença de Miranda, no dia 4 de Maio de 1904, às 11 horas do dia; e de Pedro Mapurunga de Miranda no dia 17 de Fevereiro de 1912, às 14 horas; o de Vicente Miranda Filho, no dia 3 de Fevereiro de 1914, às 22 horas; o de Alfredo Carneiro de Miranda, no dia 4 de Janeiro de 1916, às 20 horas e o de Maria Nébia de Miranda, no dia 2 de Março de 1918, às 13 horas. Que Rosalina é a 6ª Maria Vicença a 7ª, Pedro o 9º, Vicente Miranda Filho o 10º, Alfredo o 12º e Maria Nebia a 14ª, na ordem de filiação; que são filhos legítimos de Vicente Ferreira de Miranda e Dona Júlia Carneiro Mapurunga, residentes no dito lugar Pará e são seus avós pelo lado paterno João José de Miranda e Maria Joana, já falecidos e pelo lado materno José Carneiro da Cunha Mapurunga e Maria Fontenele Mapurunga, já falecidos. Para constar fiz este termo, que assinam com as testemunhas Sebastião Magalhães Nogueira e Francisco Costa Barros. Eu, Raimundo Evangelista da Silva, official interino o escrevi. (grifamos).

Essa, portanto, a origem de Pedro Mapurunga de Miranda, identificado como o

nono filho do casal Vicente Ferreira de Miranda e Júlia Carneiro Mapurunga.

Fora deste registro estavam seus irmão mais velhos que, por serem de maior

idade, estavam encarregados eles próprios de cumprirem a norma legal: Maria do Espírito

Santo de Miranda, nascida no dia 18 de fevereiro de 1892; Antônio Ferreira de Miranda,

nascido a 9 de junho de 1893; João Evangelista de Miranda, nascido a 15 de junho de 1896;

Francisca Firmina de Miranda, nascida a 23 de setembro de 1899; José Francisco de Miranda,

nascido a 4 de novembro de 1900; Júlio Ferreira de Miranda, nascido no dia 4 de junho 1906

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e Domingos Carneiro de Miranda, este nascido no dia 26 de março de 1910 e que, de fato,

efetivou o próprio registro no dia 4 de julho de 1934. Houve ainda dois irmãos que faleceram

criança: Vicentina e Bento.

Pedro casou-se com sua prima Leonor Cândida Vieira, fato ocorrido também na

capela do sítio Esbarrado, no dia 9 de janeiro de 1946, de cuja união nasceram sete filhos:

Maria Margarida, José Simplício, Vicente, Ana Júlia, Antônio Pedro, Clara Auta e Cândida

Assunção. Na verdade, como regra de ingresso no “rebanho” de Cristo, seus assentos de

batismo registram apenas o primeiro nome: Maria, José, Vicente, Ana, Antônio, Clara e

Cândida. Afinal, para se ir ao céu não precisa do nome civil.

A evolução familiar de Pedro foi devidamente demonstrada no livro Três Séculos

de Caminhada, razão porque aqui se apresenta apenas um resumo da sua ascendência.

2 Evolução genealógica paterna

2.1 Pai

Vicente Ferreira de Miranda - nasceu no dia 13 de dezembro de 1862 na casa

do seus pais, na fazenda Campo do Meio, distrito de Lambedouro, em Viçosa do Ceará.

Casou-se com Júlia Carneiro Mapurunga, no dia 14 de maio de1890, na igreja matriz de

Viçosa do Ceará. Faleceu no dia 24 de setembro de 1940 no sítio Pará (depois Buíra), também

em Viçosa do Ceará.

2.2 Avós paternos

João José de Miranda - nasceu no sítio Capim Frio, na serra da Meruoca, no dia

6 de fevereiro de 1822, e faleceu em Viçosa do Ceará, no dia 23 de julho de 1890.

Maria Joana da Maternidade - nasceu em 1824 na fazenda Lagoa do Barro,

distrito de Lambedouro, em Viçosa do Ceará, e faleceu na fazenda Campo do Meio, em 1877.

2.3 Bisavôs e bisavós paternos

2.3.1 Pais de João José de Miranda

Antônio José de Miranda e Anna Maria da Conceição, casados na Serra da

Meruoca, no dia 9 de outubro de 1807. Antônio José tinha a patente de Tenente da Quinta

Companhia do Regimento de Cavalaria Miliciana de Sobral, que lhe fora passada por D. João

VI, no dia 11 de fevereiro de 1815 (cf. Livro 25 - Arquivo Público do Ceará - fl. 251). Por

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volta do ano de 1830, transferiu-se para o vale do Lambedouro, em Viçosa do Ceará, onde se

notabilizou como pioneiro na produção de açúcar e rapadura daquele vale.

2.3.2 Pais de Maria Joana da Maternidade

José dos Santos de Oliveira Barcelos e Maria Ana de Jesus, casados na igreja

matriz de Villa Viçosa Real, no dia 22 de março de 1813.

2.4 Trisavôs (ós)

2.4.1 Pais de Antônio José de Miranda

Antônio Florêncio de Miranda Henriques e Isabel Francisca Xavier de

Oliveira, casados na igreja matriz de Sobral, a 26 de setembro de 1782.

2.4.2 Pais de Anna Maria da Conceição

José Lopes Freire e Francisca da Penha de São José, casados na matriz de

Sobral, a 16 de setembro de 1790.

2.4.3 Pais de José dos Santos de Oliveira Barcelos

Antônio do Espírito Santo de Oliveira Barcelos e Ignacia Maria do

Nascimento, casados na matriz de Sobral, no dia 17 de novembro de 1763.

2.4.4 Pais de Maria Ana de Jesus

Felix Borges de Pinho, nascido no Aracati e falecido em Viçosa, em1824 e

Maria Benaflita de Jesus, nascida na Vila de Granja em 1776.

2.5 Tetravôs (ós)

2.5.1 Pais de Antônio Florêncio de Miranda Henriques

Antônio José Correa de Sá, português natural de Lisboa, porta-bandeira da

infantaria paga do forte de Nossa Senhora da Assunção. No livro Três Séculos de Caminhada

(p.431), optamos por deixar o Porta Bandeira recolhido ao cárcere da Fortaleza das Cinco

Pontas, em Recife, até que fosse possível encontrar maiores detalhes sobre as causas de sua

condenação. Tais informações serão prestadas a seguir.

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Ana de Sousa Marinho dos Reis, natural do Rio Grande do Norte, era filha de

Sargento-mor Antônio de Sousa Marinho e Antônia Correa, residentes no Rio Grande do

Norte.

2.5.2 Pais de Isabel Francisca Xavier de Oliveira

João Gonçalves Ferreira, português natural da freguesia de São Miguel,

bispado de Coimbra (filho de João Gonçalves e de Joana Rodrigues), residente no lugar

Curimatã, casado em Sobral, no dia 21 de novembro de 1757, com:

Francisca Xavier de Oliveira (batizada em 11 de setembro de 1744), filha de

Antônio Rodrigues Magalhães e Quitéria Marques de Jesus.

2.5.3 Pais de José Lopes Freire

Vicente Lopes Freire, português, nascido no dia 1° de outubro de 1727, na Rua do

Cais das Lavadeiras, na freguesia de São João Batista de Vila do Conde. Era filho legítimo de

Vicente Lopes (este filho de Domingos Freire e Isabel Dias, naturais do reino e bispado do

Algarve, casados no dia 9 de maio de 1718 na Vila do Conde - Portugal) e de Francisca

Lopes, esta filha de Antônio Alves e Maria Lopes, moradores no lugar Azurara - Portugal.

Anna Maria da Conceição, nascida em 1741, filha do capitão Antonio Rodrigues

Magalhães e Quitéria Marques de Jesus.

2.5.4 Pais de Francisca da Penha de São José

Sargento-mor Francisco da Silva Costa, casado em Sobral, a 16 de setembro de

1790, com Francisca Gomes.

2.5.5 Pais de Antônio do Espírito Santo de Oliveira Barcellos

João de Oliveira Barcellos, natural da cidade de Ponta Delgada, bispado de Ilha

Terceira, e de Rosa Maria de Barcellos, natural de Recife de Pernambuco.

2.5.6 Pais de Ignacia Maria do Nascimento

Antônio Rodrigues Magalhães, nascido em Natal dos Reis Magos, no dia 3 de

junho de 1702, filho legítimo do português Luís de Oliveira Magalhães, natural de Sergipe

d´El Rey, e de Isabel Gonçalves. É considerado o fundador de Sobral.

Quitéria Marques de Jesus, filha do português Antônio Marques Leitão, nascido

em Sobral da Lagoa, Conselho de Óbidos, no ano de 1663, e de Apolônia da Costa, esta filha

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do português Antônio da Costa Peixoto, que chegou ao Ceará em 1676 (com 18 anos de

idade) para servir no forte de Nossa Senhora da Assunção.

2.5.7 Pais de Felix Borges de Pinho

José Joaquim Borges de Pinho, português natural do Porto, Capitão-mor das

Entradas da Serra da Uruburetama, com patente de 29 de junho de 1795 e Capitão-mor das

Ordenanças da Villa de Granja, e de sua mulher Antônia Maria de Jesus.

2.5.8 Pais de Maria Benaflita de Jesus

Joaquim José Borges de Pinho, falecido em Granja no dia 31 de outubro de 1803 e

Felipa Pereira de Sousa, esta filha do português Alexandre Pereira de Sousa e da índia

Antônia Ribeiro.

2.6 Ainda o Porta-Bandeira

Quando se publicou o livro Três Séculos de Caminha, optamos por deixar o porta-

bandeira Antônio José Correa de Sá recluso no Forte das Cinco Pontas, no ano de 1788,

porque não tinha sido possível colher maiores informações sobre ele.

A busca por tais informações continua, mas já foi possível comprovar que, de

fato, foi ele preso em Sobral e recambiado para o Forte das Cinco Pontas, em Recife, por

ordem do Ouvidor e Corregedor Geral, Manoel de Magalhães Pinto de Avellar de Barbedo.

Dali, a 3 de outubro de 1788, remeteu requerimento para a Rainha D. Maria I, declarando sua

inocência e pedindo para que autorizasse ao Governo do Ceará pagar cinco escravos que

havia comprado a Roque Correia Marreiros na Vila de Sobral, conforme escritura que fez

anexar ao pedido. Aconteceu que, além de mandar prender o porta-bandeira, o mesmo

Ouvidor mandara sequestrar tais escravos e colocá-los em depósito, sob a guarda do mesmo

vendedor Roque Correia, que lá ficaram trabalhando. Uma vez encarcerado longe do local da

lide, protestava Antonio José junto à Rainha contra a arbitrariedade cometida pelo Ouvidor,

que lhe impedia de opor embargos ao processo de expropriação e, para tanto, enviou

procuração para seu filho Antônio Florêncio de Miranda Henriques.

A causa de sua prisão era consistente nos “delitos de mancebia pública, uso de

armas curtas, perturbação do sossego publico e prática de homicídio”, como consta do

relatório da devassa procedida pelo Ouvidor e Corregedor Geral, Manoel de Magalhães Pinto

de Avellar de Barbedo. A denúncia oferecida por essa autoridade foi recebida pelo

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Governador de Pernambuco na época, José Cesar de Meneses, que, em 30 de junho de 1789,

encaminhou o processo para Martinho de Melo e Castro, então Secretário de Estado da

Marinha e Ultramar do império português, conforme documento que se transcreve fielmente:

Nesta ocasião remeto a Va. Sa. o Conselho de Guerra q.se fez nesta Capitania a Antonio José Correa de Sá Porta Bandeira da tropa paga q guarnece a Capitania do Siará-Grande, pelos delitos de mancebia publica, uso de armas curtas, perturbador do sucego publico, hua morte q cometeo na Vila de Sobral da mesma Capitania, em cujos crimes foi culpado pelo Doutor Ouvidor daquela Comarca nas Devassas que procedeo quando andava de Correição. Rogo a Va. Sa. q se digne de interpor a sua autoridade, e respeito, para proc. este Conselho de Guerra e o mais que daqui se tem remetido, q. sejam decididos para o exemplo destas Tropas q se achão habilitados e precisão verem q serão atribuidas punição pelos seus delitos graves outro castigo maior que a prisão.

Deos guarde Va. Sa. por muitos anos. Recife de Pernambuco 30 de junho de 1789.

Ilmo Exmo Senhor Martinho de Melo e Castro. José Cesar de Meneses (grifamos). (Arquivo Histórico Ultramarino - Caixa 160, Doc. 11.1516).

No dia 27 de setembro de 1790, o Governador de Pernambuco, D. Tomaz José de

Mello, enviou oficio ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e

Castro, dando ciência de que cumprira a sentença contra o porta-bandeira, que fora executada

na Vila de Recife:

Recebi a carta de V. Exa de onze de maio proximo preterito q. acompanhava a remessa dos Conselhos de Justiça pertencentes ao soldado Jose Luiz de Melo e o Porta Bandeira Antonio Jose Correa de Sá na qual me participa V. Exa que Sua Magestade é servido ordenar que se executem nesta cidade as sentenças do mesmo Conselho na forma q. nellas se declara. (grifamos). Logo que fui entregue das duas sentenças as fiz executar, como nas mesmas se determina, mandando para o Presidio de Fernando de Noronha o soldado Jose Luiz de Melo aonde a pena lhe fosse mais pesada na sua sentença, não pelo crime de q. era acusado, mas sim por ser um homem de tão pessima conduta q depois do dito crime fez uma morte na mesma prisão em que se achava a espera da decisão do seu Conselho de Guerra: do q dou parte a V. Exa para ficar ciente dos motivos porque não se executou nesta Villa a sua sentença como Sua Magestade determinou. Deus guarda a V. Exa muytos annos. Recife de Pernambuco 27 de Setembro de 1790 Ilmo Exmo Sr. Martinho de Mello e Castro

Thomaz Jose de Mello (Arquivo Histórico Ultramarino - Caixa 174, Doc. 12.231).

Na verdade, a sentença de Antônio José resumia-se ao seu afastamento de sua

base no Ceará, ficando servindo como agregado no Regimento de Infantaria de Recife, uma

vez que já cumprira 4 anos de prisão. Assim, fora solto em 11 de maio de 1792 ficando a

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serviço naquele regimento, de onde, no dia 27 de agosto de 1792, encaminhou requerimento

ao Monarca português, solicitando um ano de licença para ir a Lisboa tratar de assuntos de seu

interesse.

Diz Antonio Jose Corra de Sá porta-bandeira agregado ao Regimento de Infantaria paga do Recife de Pernambuco que elle tem precisão grande de vir a esta Corte tratar de negocios seos a que precisão da sua assistencia e como a não pode fazer sem permissão de Vossa Mage.

Pa Vossa Magestade seja servido conceder-lhe licença p tempo de hu anno para tratar dos referidos negocios. E.R.M (Arquivo Histórico Ultramarino - Caixa 181, Doc. 12.631).

A licença foi concedida sem vencimentos e Antônio José Correa de Sá seguiu, no

mês de setembro de 1792, para Lisboa, onde permanecerá até que possamos localizar outros

documentos que comprovem o destino dessa atribulada criatura.

3 Evolução genealógica materna de Pedro Miranda

3.1 Mãe

Júlia Carneiro Mapurunga - nasceu no sítio Esbarrado, em Viçosa do Ceará, no

dia 26 de julho de 1875, dia de Santa Ana. Casou-se na igreja matriz de Viçosa do Ceará, aos

14 anos de idade, no dia 14 de maio de 1890. Faleceu no sítio Buíra, no dia 19 de março de

1960 (dia de São José).

3.1 Avós maternos

José Carneiro da Cunha Mapurunga - nasceu na casa de seus pais na fazenda

Corredeira, no dia 12 de agosto de 1831. Casou-se na igreja matriz de Viçosa do Ceará, no dia

24 de setembro de 1854. Faleceu no dia 31 de julho de 1921 e foi sepultado na capela do sítio

Esbarrado, em Viçosa do Ceará. Pertenceu ao 43° Batalhão de Infantaria, criado pelo Decreto

n° 4.050, de 18 de dezembro de 1867, com o posto de Tenente Cirurgião,

Maria Joaquina do Rosário - nasceu na fazenda Lagoa do Mato, na localidade

Jacaraí de Baixo, no município de Piracuruca - Piauí, em janeiro de 1838. Foi batizada na

igreja matriz de Piracuruca, no dia 2 de fevereiro daquela ano de 1838. Faleceu no sítio

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Esbarrado, em Viçosa do Ceará, no dia 5 de março de 1922, aos 83 anos de idade, e foi

sepultada na capela ali construída sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição.

3.2 Bisavôs (ós) maternos

3.2.1 Pais de José Carneiro da Cunha Mapurunga

Joaquim Carneiro da Cunha - nasceu na casa de seus pais na fazenda Corredeira e

ali casou-se em 1828. Por volta de 1850, transferiu-se para o povoado Ibuaçu, no município

de Granja. Faleceu na fazenda Bosque Velho, localizada entre os rios Timonha e Ubatuba,

com distância aproximada de seis quilômetros da cidade de Chaval, no Ceará.

Francisca Joaquina do Nascimento - oriunda da família Aguiar, asd.

3.2.2 Pais de Maria Joaquina do Rosário

Gonçalo José Damasceno - nasceu na fazenda Lagoa do Mato, localidade Jacaraí

de Baixo, em Piracuruca-Piauí, no ano de 1813. Casou-se no Ibuaçu, em 1837. Faleceu na

fazenda Lagoa do Mato, no dia 20 de abril de 1854, com 41 anos de idade, tendo sido

sepultado na igreja matriz de Piracuruca.

Clara Joaquina do Rosário - filha de Guilherme Fontenele e de Ana Joaquina do

Rosário. Nasceu no Ibuaçu, no município de Granja-Ceará, e ali se casou em 1834. Fixou sua

família, com o esposo Gonçalo José Damasceno, na fazenda Lagoa do Mato, de propriedade

de seu sogro, José Antônio Damasceno, no vale do rio Jacaraí, no município de Piracuruca.

Naquela fazenda, faleceu de parto, no dia 11 de março de 1849, deixando cinco filhos na

orfandade, sendo deles a mais velha, Maria Joaquina do Rosário, depois avó de Pedro

Miranda.

3.3 Trisavôs (ós) maternos

3.3.1 Pais de Joaquim Carneiro da Cunha

José da Cunha Araújo - nasceu em 1770 e casou-se no ano de 1791 com sua prima

Joana Carneiro da Cunha Araújo. Foi o proprietário da fazenda Corredeira, na Serra da

Ibiapaba, local onde faleceu com 75 anos de idade, no dia 30 de janeiro de 1845.

Joana Carneiro da Cunha Araújo - nasceu em 1781 e era prima legítima de seu

marido José da Cunha Araújo, porque sua mãe, chamada Cosma Damiana do Espírito Santo,

era irmã da mãe de José, chamada Ana Teodoro do Sacramento.

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3.3.2 Pais de Gonçalo José Damasceno

José Antônio Damasceno – era filho de João Álvares Passos (o “João Ruim) e

Genoveva Rodrigues da Câmara. Segundo consta no registro de seu casamento nasceu em

Viçosa, no ano de 1788. Transferiu-se ainda jovem para o município de Piracuruca, onde

situou a Fazenda Lagoa do Mato, na localidade denominada Jacaraí de Baixo. Casou-se na

Fazenda da Chapada do Rosário, no ano dia 8 de novembro de 1812, com Maria da Rocha de

Cerqueira (filha do abastado fazendeiro Gonçalo Machado de Cerqueira), que também era sua

prima. Faleceu em Piracuruca, no dia 4 de junho de 1874.

Maria da Rocha de Cerqueira - nasceu em 1794 e casou-se, no dia 8 de novembro

de 1812, com José Antonio Damasceno. Faleceu em Piracuruca, no dia 23 de janeiro de 1882,

e foi sepultada no cemitério da Confraria de Nossa Senhora do Carmo.

3.3.3 Pais de Clara Joaquina do Rosário

Guilherme Fontenele - foi o terceiro filho do casal Jean Fontenelle e Umbelina

Maria de Jesus. Nasceu em Viçosa do Ceará, no ano de 1778 e faleceu no povoado Ibuaçu,

onde morava, no dia 27 de novembro de 1837, tendo sido sepultado na capela ali existente.

Ana Joaquina do Rosário - era filha do português Antônio Vaz dos Santos e de

sua mulher Clara Maria de Jesus (ou Rodrigues), esta filha de Ana Maria Rodrigues da

Câmara, nascida em 1728 no Ibuaçu, filha do português Antônio Ferreira Alvarenga e Ana

Maria Rodrigues da Câmara, moradores na Timbaúba. Ana Joaquina faleceu no Ibuaçu, no

dia 10 de janeiro de 1827, deixando 10 dos 11 filhos que tivera.

3.4 Tetravôs (ós)

3.4.1 Pais de José da Cunha Araújo

Gaspar da Cunha Araújo - casou-se na matriz de Sobral, no dia 10 de outubro de

1768, com Ana Teodoro do Sacramento. Era filho do português Francisco da Cunha Araújo,

este nascido na freguesia de Santa Marinha de Linhares, no ano de 1689, filho legítimo de

Agostinho da Cunha e Ana de Araújo, casados no dia 29 de setembro de 1660, sendo neto

paterno de Pedro Mendes e Maria Vaz e neto materno de Domingos de Araújo e Maria

Gonçalves, todos da Freguesia de Ferreira, com exceção de Maria Gonçalves, que era natural

de Santa Marinha de Linhares. A mãe de Gaspar, a esposa de Francisco da Cunha de Araújo,

se chamava Francisca de Andrade, e era filha de Antônio Andrade Araújo e Ana Maria da

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Trindade (ou de Abreu), sendo natural do Santo Antônio do Potengi, no Rio Grande do Norte.

Gaspar nasceu na fazenda denominada Pedra Branca, propriedade de seu pai, na margem

esquerda do Rio Acaraú, no município de Sobral, onde criavam gado e onde seu pai faleceu

no dia 1° de novembro de 1775.

Ana Teodoro do Sacramento - esposa de Gaspar da Cunha Araújo, casados no dia

10 de outubro de 1768 - era filha do sargento-mor Manoel Carneiro Rios, natural de Igarassu -

Pernambuco, e de sua mulher Maria do Livramento do Monte e Silva, natural da Lapa, da

freguesia da Santa Sé de Olinda, filha do pernambucano Gonçalo Ferreira da Ponte (nascido

em 1679 e falecido em 1762, que era neto do português Rodrigues da Costa Ferreira e Marusa

de Freitas) e de sua mulher Maria da Conceição do Monte e Silva. Manoel Carneiro Rios, que

era filho do português Vitorino Carneiro Rios e de sua mulher Maria do Reino, transferiu-se

para a Caiçara, hoje Sobral, na condição de Sargento-mor, exercendo ali grande influência. O

casamento de Manoel com Maria do Livramento ocorreu na matriz de Sobral, no dia 17 de

abril de 1748.

3.4.2 Pais de Joana Carneiro da Cunha Araújo

Capitão Custódio da Costa Araujo - era filho legítimo de Custódio da Costa

Araújo, português natural de São João d´El Rey, do arcebispado de Braga, e de Teresa de

Jesus Maria, natural de Boa Vista, freguesia da Santa Sé de Olinda. Por sua vez, Teresa de

Jesus Maria era filha de Manoel Rodrigues de Aguiar, português natural da Ponte de Lima, e

de sua mulher Josefa Martins Viana, esta filha legítima de Francisco Martins Viana, natural

de Viana, e de sua mulher Ana Martins da Costa, natural da Coira. O casamento de Custódio

com Cosma Damiana ocorreu na matriz de Sobral, no dia 6 de novembro de 1766. A patente

de Capitão de Cavalos da Ribeira do Coreaú foi concedia a Custódio pelo Governador

Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca, no dia 12 de abril de 1765 (Arquivo Público do

Ceará – Fortaleza, Livro 11, fl. 182).

Cosma Damiana do Espírito Santo - nasceu em 1750 e do seu casamento com

Custódio da Costa Araújo nasceu Joana Maria da Conceição, esposa de seu primo José

Carneiro da Cunha Araújo. Quando Custódio morreu, em 9 de julho de 1791, Cosma e seus

filhos órfãos ficaram sob a proteção do seu irmão, padre Manoel Carneiro da Ressurreição.

3.4.3 Pais de José Antônio Damasceno

João Alvares Passos – por alcunha “João Ruim”, morador na fazenda Jenipapo, no

município de Granja, onde faleceu no dia 9 de outubro de 1845, tombando morto em luta de

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faca travada com seu próprio filho, também denominado João Alvares Passos, que pereceu

igualmente na mesma contenda.

Genoveva Rodrigues da Câmara – filha do português Antônio Ferreira Alvarenga

(filho de Antônio Alvarenga e Domingas Ferreira, naturais de Lisboa) e de Ana Maria

Rodrigues da Câmara (filha do português Pedro da Rocha Franco e de Victória Rodrigues da

Câmara), casados no Ibuaçu, a 30 de agosto de 1750.

3.4.4 Pais de Maria da Rocha de Cerqueira

Capitão Gonçalo Machado Cerqueira – nasceu em Granja, no ano de 1752 e

faleceu em Piracuruca, onde foi sepultado na igreja matriz, no dia 14 de junho de 1834. Era

filho de Antônio Machado de Siqueira, português natural da freguesia de Barros, conselho de

Vila Verde, filho de André Ferreira e Luzia Machado. Antônio Machado casou-se na

freguesia de Granja – Ceará, no dia 4 de outubro de 1751, com Inácia Josefa de Jesus (ou

Inácia Maria de Jesus), natural do Cabo – Pernambuco, filha de João Lins de Albuquerque e

Rosa Maria Fernandes.

Bárbara Maria da Rocha – a esposa do Capitão Gonçalo Machado era filha do

português Constantino Gomes de Freitas e de Maria da Rocha de Cerqueira, moradores na

fazenda Poções, freguesia de Nossa Senhora do Carmo de Piracuruca, onde ela nasceu. Maria

da Rocha de Cerqueira, mãe de Bárbara, nasceu em 1743, na fazenda denominada Brejinho de

São Lazaro, no território da então Vila de São João da Parnaíba, sendo filha do português

Jacinto Botelho de Cerqueira (falecido na mesma fazenda no dia 26 de fevereiro de 1763) e de

sua mulher Luíza da Rocha.

3.4.5 Pais de Guilherme Fontenelle

Jean Fontanailles (Fontenelle) – era francês, engenheiro de minas, natural de

Melun (filho de Joan Pierre Fontanailles e Susana Molinier), que chegou ao Ceará, em 1743,

para trabalhar no projeto de mineralogia de Antônio Gonçalves de Araújo no arraial de

Ubajara. Faleceu em Viçosa do Ceará, no dia 8 de dezembro de 1800.

Umbelina Maria de Jesus – era natural de Jacobina – Bahia, sendo filha do

português Manoel Gonçalves Rodrigues, natural da Ilha da Madeira, e de sua mulher a baiana

Rosa Maria de Jesus. Umbelina faleceu em Viçosa do Ceará, no dia 20 de dezembro de 1820.

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3.4.6 Pais de Ana Joaquina do Rosário

Antônio Vaz dos Santos - era português, filho de Lourenço Vaz dos Santos e de

Maria Fernandes, naturais de Bragança. Antônio fixou residência no Ibuaçu, onde foi um

próspero fazendeiro.

Clara Maria de Jesus (ou Clara Maria Rodrigues) - era filha do Português Antônio

Ferreira Alvarenga e de sua mulher Ana Maria Rodrigues da Câmara (batizada no dia 3 de

janeiro de 1729), esta filha do português Pedro da Rocha Franco e de Victoria Rodrigues da

Câmara. Assim, Clara Maria de Jesus, esposa de Antônio Vaz dos Santos, era irmã de

Genoveva Rodrigues da Câmara, que se casou com João Álvares Passos (o João Ruim). Pedro

da Rocha Franco, fundador do Ibuaçu, era português natural do Conselho do Rio de Matinhos,

onde nasceu em 1675, sendo filho de Manoel de Maria e de Maria Rodrigues. Foi trazido para

a missão da Ibiapaba, hoje Viçosa do Ceará, pelo padre Ascenço Gago, tendo ali se casado

com Victoria Rodrigues da Câmara, esta, por voz corrente na região, filha do dito padre e neta

do cacique índio Dom Felipe de Sousa. Faleceu no Aquiraz, no dia 26 de julho de 1754, com

79 anos de idade.

Última foto da família – Os sete irmãos com a mamãe em Viçosa do Ceará

14-08-2001

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4 Buíra: casa do engenho e cozinha

Como sítio voltado essencialmente para a

lavoura da cana e, mais precisamente, para a

fabricação de cachaça, a Buíra se caracterizava por

dois elementos estruturais básicos: a casa do engenho

e a cozinha. Pedro cuidava do engenho. Da cozinha

cuidava Leonor.

Cada atividade com suas particularidades e dificuldades.

Era no engenho onde homens e animais, do nascer ao por do sol, diuturnamente,

se envolviam na luta sofrida da produção da aguardente: moendo cana, cortando lenha,

alimentando fornalha, carregando bagaço, estilando e subindo escadas com pesadas ancoretas

no ombro, cheias de cachaça, para despejar em tonel.

Sem declividade natural que facilitasse seu manejo, toda a garapa de cana

utilizada no fabrico artesanal da aguardente era movimentada a braço humano: do tacho para

a cuba; da cuba para a esquentadeira; da esquentadeira para o alambique. Da mesma forma se

dava com a água necessária para resfriar a serpentina.

Fazer cachaça artesanal era a vocação daquela gente, mas não era tarefa fácil,

tanto que praticamente se acabou. Buscando razão para esse fato, olhando o ciclo de produção

envolvido na atividade, iniciado com o preparo do terreno para o plantio da cana e seus

cuidados de adubação, limpeza e colheita, estendendo-se ao corte e fabricação da aguardente,

constata-se que eram necessários quase dois anos para se completar. Ao mesmo tempo,

quando se olha a estrutura de custo da atividade, avaliada face ao preço final do produto,

verifica-se que maior valia tocava ao atravessador. Era esse, na espreita, dispondo de capital,

que comprava e armazenava na safra para vender com farto lucro no inverno, quando cessava

a produção.

Para Pedro Miranda entender e contornar essa dificuldade foi razão básica de

sobrevivência, depois que passou a construir os tonéis e também poder guardar um pouco da

produção. O grande desafio era, portanto, manter a estrutura de custo no verão, fazendo sobrar

algum produto para vender no inverno.

Rapadura só se fazia para o gasto uma vez que, em razão do frio e da umidade no

inverno, não havia como guardar porque “melava”. Por isso que Pedro afirmava: “rapadura

chora antes do dono”. Ao contrário, em relação à cachaça, dizia: “aqui, se um homem

comprou uma camisa nova, foi com cachaça que ele conseguiu”.

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A cozinha tinha a incumbência de manter aquelas criaturas vivas e animadas. Ali,

diariamente, almoçavam e jantavam em torno de 30 pessoas, numa lida sem trégua, sem

férias, durante os 365 dias do ano. Sim, porque, quando o inverno chegava e o engenho

parava, a peleja continuava nos canaviais com a broca e a queima, com o plantio e a capina,

com a adubação e a construção dos regos e valas. Sempre com muita gente, que Leonor tinha

o dever de alimentar.

No tempo de seca, quando a fome rondava mal dissimulada no semblante sofrido

das levas de retirantes que subiam do sertão do Coreaú rumo ao Maranhão, a sobrecarga na

cozinha piorava muito. Afinal, para os retirantes, a Buíra se convertia no pouso emergente

onde se viam confortados na cozinha de Leonor.

Pelo menos no inverno se apanhava água da bica, para cozinhar e lavar a

montanha de tralhas utilizadas para cozinhar e servir os alimentos. No verão era mais difícil,

pois tanto a água da cozinha como a da fábrica era trazida do olho d´água, em lombo de burro,

subindo e descendo ladeiras.

Era tão sofrido esse problema da água que Leonor tinha vontade de ir embora para

o Rebentão, o terreno do papai onde de fato se produzia a cana moída na Buíra e havia água

com fartura. Mas Pedro nunca admitia nem pensar em tal possibilidade de mudança. Era

extremamente fiel ao compromisso que assumira com seu pai... ali era o lugar de sua família...

era ali que íamos continuar morando.

Margarida recorda bem esse fato e o revive em seu depoimento como testemunha

e vítima daquela situação. De fato, como filha mais velha, assumiu, desde cedo, uma posição

ao lado da mãe, tanto na lida da cozinha como ajudando com os seus irmãos menores.

A teimosia daquele homem em não arredar pé da Buíra, por lealdade a sua mãe e a

seu pai, é que me comove e aumenta o respeito pela sua memória. Era de tal ordem o apego

que ele tinha por aquele lugar que obrigou Leonor a assumir o compromisso de dali nunca

sair.

O lazer daquele povo se resumia basicamente em ouvir missa, no domingo, na

cidade, e jogar alguma “bisca” ou “três sete”. Até pouco tempo não havia aposentadoria e o

trabalho se tornava prática obrigatória até à invalidez, ou à morte.

Essa realidade dura, somada à vaidade, tangia do campo para a cidade quem tinha

pele mofina, vocação para “negociar”. Quem ficava na lavoura enfrentava jogo bruto, era

“matuto”, geralmente discriminado quando chegava à cidade tentando arrumar um lugar para

amarrar o cavalo, enquanto ia até à igreja ouvir a missa ou comprar alguma coisa.

Quem viveu na roça conhece essa realidade, a Buíra é testemunha.

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A disciplina com as crianças era rigorosa. Ninguém estava imune ao trabalho. Eu

mesmo comecei minha vida tangendo boi, andando várias léguas por dia, rodeando o velho

engenho sem chegar a lugar algum. Era tanto caminhar que, às vezes, ia dormir com os pés

inchados. Lá perdi dois dentes, arrancados pelo coice de um animal bravo. Com nove anos de

idade, ganhei uma espingarda, um chapéu de aba grande e uma faca de cinta. Fiquei

autorizado a andar na cela do cavalo, quando ia para a cidade, mas, mesmo assim, continuei

com o dever de arear panela depois do jantar, para ajudar mamãe. Não posso esquecer que as

panelas passavam o dia no fogão a lenha, pegando tisna, mas tinham que "dormir" areadas,

brilhando. Era a disciplina.

No inverno, ia para o canavial como gente grande, com enxada no ombro. Lá,

mesmo sob os protestos de Leonor, almoçava coletivamente, no alguedá de barro, dividindo a

comida com os demais trabalhadores. Até quando já estudava fora, quando vinha de férias no

fim do ano, passava o tempo todo carregando lenha e cana no carro de bois.

Foi assim comigo, tinha sido assim com meu pai.

Por isso tudo, respeito profundamente sua memória e não admito que ninguém

venha me ensinar o que era ou foi a Buíra. Eu a conheci. Eu estive lá, mourejando por toda a

família, ajudando meus pais no engenho e na cozinha.

A verdade é esta. Esta é a história.

Engenho da Buíra e rótulo da cachaça ALCANTINA

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5 Leonor

O que dizer para a jovem mãe, que luta na

cozinha para alimentar um batalhão de pessoas utilizando-se

apenas de rústicos utensílios domésticos e debatendo-se com

a eterna escassez de água, sem geladeira, sem gás? Qual a

garantia que lhe é oferecida para cuidar, como enfermeira, de

crianças e adultos, longe de recursos médicos, inclusive para

ela própria? Onde arranjar paciência para cumprir, submissa,

o jugo dos que se acham no direito de serem servidos, muitas

vezes até com insolência? Onde buscar forças para suportar

o imenso ônus que o destino lhe colocara sobre os ombros?

Não se pode falar de Pedro sem ver Leonor. Não se pode falar de Leonor sem

admirar a força inquebrantável para cumprir a missão que a vida lhe determinou.

A força que Leonor demonstrou ao longo da vida, tanto no cumprimento das

tarefas, ao lado de Pedro, como depois de viúva, na liderança dos seus, sempre dedicada ao

serviço da família, é herança recebida da casa de seus pais: Antônio e Cândida. Ali se

aprendeu a humildade, a fé, a perseverança e a virtude da paciência, mesmo ante toda a

adversidade.

Na casa de Antônio e Cândida não há lamentação. Tudo que ali se ouve, ali se

encerra. Dali não sairá nenhuma conversa que alguém tenha trazido de fora. Ali se exerce com

maior grandeza a arte de escutar e falar pouco.

Pedro casou-se com sua prima Leonor, também na capela do Esbarrado, no dia 9

de janeiro de 1946, cumprindo o mesmo rito que a história cultural de seu povo lhe ensinara:

o papel da mulher era cuidar da cozinha e dos filhos. No caso dele, Leonor iria cuidar,

também, de Júlia, que era sua tia. Não escondia tal decisão: "casei com a Leonor para cuidar

de minha mãe!", dizia.

Cuidar da mãe, cuidar da subsistência, cuidar da saúde de todos, cuidar da higiene

e da limpeza da enorme casa, e parir. Por causa desse imenso ônus é que nunca vi minha mãe

dormindo, até o dia em que ela prostrou-se em coma e assim permaneceu por um ano inteiro

no leito de um hospital em Fortaleza. Foi ali que pude avaliar quanta falta o sono lhe fazia e

lhe foi negado ao longo de quase 50 anos de luta escrava na Buíra. Sim, praticamente como

escrava! Afinal, toda a sua vida foi consumida no serviço daquele sítio, para cuidar de todos,

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sem reclamar, sem exigir. Alguma vez eu a vi chorar baixinho, quase escondida, mas sempre

se negando a dizer o porquê.

Por que tinha que ser assim? Por que não íamos também para um lugar que fosse

asilo apenas de nossa família, no Rebentão?

Porque Pedro era leal ao compromisso tácito que fizera com seu pai e sua mãe, de

ficar cuidando do velho Pará, que Vicente Ferreira de Miranda um dia idealizara naquele mês

de janeiro do ano de 1901. E era ali que íamos continuar morando, até morrer.

E meus filhos, que serão? Que futuro poderá ser pensado para aquelas crianças de

apenas 6 e 8 anos que todo dia vão ao Rebentão, de urus ao lombo, apanhar feijão ou arrancar

batatas para o almoço do dia seguinte? Que esperanças lhes restam, se vivem amarrados a este

lugar, sem alternativa que não um cabo de enxada, rodeando um engenho na interminável

tarefa de tanger bois?

É dali, da lida cotidiana no engenho que lhe vêm muitas vezes os sobressaltos, que

lhe chegam aos ouvidos os lamentos e gritos por causa das queimaduras que sofrem nas

fornalhas, de algum que andou pelas alturas das tesouras, soerguido nos chifres de um boi

bravo.

Foi por isso, por refletir na tremenda injustiça que significa privar uma criança do

estudo, que Leonor se viu forçada a propor o encaminhamento dos filhos maiores para longe

de si, para o Convento.

A lá se fomos nós, eu com 10 e José com 12 anos, aos prantos, para longe de casa.

Mas ela não chorou na nossa frente, no dia em que partimos. Não demonstrava nenhum medo

face à nossa pouca idade e o tamanho do caminho que íamos percorrer sozinhos até nosso

destino. Ficou ali no alpendre, com a cabeça erguida e o olhar altivo de quem não se

amedronta fácil, vendo seus pequenos sumindo na curva do caminho.

Sofrer por eles e cuidar sempre - era o destino.

Aquele gesto nos marcou para sempre, porque significou o supremo sofrimento de

quem se priva da companhia dos que ama e obriga-os a partir pelo desconhecido, com o

sentimento de cuidar pelo seu futuro.

Que será dos meus filhos?

Essa a grande indagação e preocupação que povoou as noites não dormidas de

uma jovem mãe na Buíra. Sem saber notícia dos seus pequenos filhos, no tempo em que toda

a comunicação se limitava a cartas, com um tempo médio de três meses entre a ida e a volta

da notícia; quando a viagem de trem, entre Fortaleza e Campina Grande, demorava três dias e

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duas noites. Ah, Ipuarana! Quanto sofrimento pela ausência, quanta inquietação pelo

desconhecido, quanto choro convulso dissimulado em baixo do travesseiro.

Hoje, Pedro e Leonor, dormem o sono eterno em companhia de José, que também

foi retirado de nosso meio depois de muito pelejar pelo bem estar de todos e incorporar de

forma idêntica a preocupação de seus pais: que será de meus irmãos?

Assim, é justo que nós, os sobreviventes, recolhidos em nossas orações,

busquemos transmitir uma mensagem de agradecimento e de reconhecimento por tudo que

fizeram por nós, garantindo a certeza de nosso bem estar.

Por isso, Pedro, Leonor e José, durmam em paz porque estamos todos bem! A

Buíra está em boas mãos e continua muito bem cuidada!

Vicente Miranda

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Homenagem ao meu pai Pedro Miranda

Pai, as lembranças dos anos vividos em sua presença enchem-me de felicidade,

quando de minha infância e adolescência vivida no sítio da Buíra. Lembrar das viagens que

fazíamos a cavalos ao Sertão da Timbaúba, outras vezes ao Sertão do Padre Vieira, em visitas

à parentes e amigos. Pai, todas as vezes que o senhor agendava uma dessas viagens, lá estava

eu decidido acompanhá-lo, me alegrava viajar na sua companhia.

Pai, lembrar de você é lembrar os ensinamentos de bem que me transmitiu. O

senhor nunca desistiu de me mostrar os caminhos do bem, sempre com muita energia e

carinho me ensinava através de exemplos, o amor.

Você me presenteou com a virtude do equilíbrio, com a construção da paz. O

senhor nunca colocou em minha boca palavras de ódio e de desajustes. Ensinou-me o sentido

bom da vida.

O senhor será eternamente bendito por ter lutado com todas as suas qualidades na

minha formação.

Creio que está junto a Deus. Aceite esta homenagem em meio de saudades, muitas

saudades. Peço-lhe sua bênção, como quando eu era criança.

Seu filho,

Antônio Pedro

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Quarto dos Santos

Pedro Miranda, homem que muito

trabalhou, chefe de família organizado,

dedicado e que gostava de criar versos sobre os

mais diversos assuntos ou acontecimentos que

ouvia ou presenciava.

Ao raiar do dia, tomava seu café

com bolo, colocava seu chapéu de palha e com

uma bengala em uma das mãos saía pela estrada rumo a uma de suas terras, o Sítio Rebentão,

comentava que era o coração de suas propriedades. Sua esposa Leonor perguntou porque ele

não construía a casa nessa terra, por ser até mais fácil água, ele respondeu que não, que iria

reconstruir onde eles estavam, na Buíra, pois ali haviam morado seus pais tanto que o quarto

que eles dormiam transformou-se em um altar e colocou vários santos e recebeu o nome de

“Quarto dos Santos”.

Pessoa humilde gostava de trabalhar no engenho que se localizava próximo a sua

casa, onde fabricava cachaça, rapadura e, logo atrás do engenho, havia uma “casa de farinha”.

Apesar de não possuir nenhum estudo, através do seu rádio, que gostava de ouvir

a BBC de Londres, jornais e livros era bastante instruído, sabia e gostava de falar sobre a

origem das famílias e comentava: - "Aqui no meu cantinho viajo o mundo inteiro".

Muito católico, gostava de freqüentar a igreja e rezava o terço e a ladainha e em

uma noite acrescentava o ofício da Imaculada Conceição. Ao término do terço os filhos

tomavam a bênção aos mais velhos e beijavam a mão.

Passou aos filhos educação, pois oportunizou estudos a todos eles, respeito para

com os outros, valorização da família, amor e dedicação.

Portanto, papai, obrigada pela pessoa que você sempre foi e representou a todos

nós e ainda hoje passa para os netos através de memórias.

Maria Margarida de Miranda Vieira

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Carta de Ana Júlia

Para: Meu querido pai e amigo Pedro Miranda

Papai, antes de tudo, quero falar o quanto o senhor foi e

continua sendo importante na minha vida e na vida de minha

família.

A sua maneira de lidar com as pessoas e com as coisas,

seu jeito humilde de ser, sua honestidade e principalmente o amor

pela família nos contagiou de tal modo que reflete sempre em

nossas ações.

Papai, como dói sua ausência. Às vezes me pego chorando

de saudade e nessa hora me transporto para nossa velha casa da

Buíra, onde mergulhada em boas lembranças, me acalento.

Lembro quando sai de casa para vir morar em Fortaleza,

ao receber sua primeira carta não conseguia ler porque a saudade

era tanta e o choro maior. Entre tantas coisas que o senhor

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contava, também falava sobre o sofrimento do nosso cachorro, que

sentindo minha falta, me procurava em todos os ambientes da casa.

Como foi gratificante lhe dar a noticia do nascimento do seu

primeiro neto. Tivemos o prazer de batiza-lo em sua casa e tendo a

honra de ter os avos como padrinhos.

Hoje temos também outro filho o qual o senhor não

conheceu, mas que muito o admira.

Para nossa família, o senhor foi e sempre será o amigo,

conselheiro, exemplo de fé em Deus e o nosso porto seguro.

Deus abençoe o senhor por ter sido este grande pai e

obrigada por ser sua filha.

Beijos.

Ana Júlia de Miranda Fontenele

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No centenário de Pedro Miranda

As coisas boas da vida sempre deixam marcas que o tempo tem que “ralar”

muito para apagá-las em nossa memória. A lembrança no dia-a-dia, a saudade silenciosa, a

falta de uma pessoa querida nos momentos mais felizes falam de forma insistente o quanto a

grandeza humana pode permanecer no nosso convívio mesmo numa distância indeterminada.

Neste 17 de fevereiro de 2012, centenário do nascimento do Sr. Pedro Miranda,

muito me agrada registrar a admiração que tenho por esse homem tão simples e que dessa

simplicidade fez um poderoso instrumento de conquista e construção do seu grande ciclo de

amizade.

Conheci Sr. Pedro Miranda nos idos de 1975 em visita a sua casa, na Buíra, aí

começou uma convivência de muita amizade e confiança que durou até o seu falecimento em

1980. Desta amizade e parentesco, na qualidade de sogro/genro, muito aprendi sobre os

valores da vida e do ser humano: o trabalho com responsabilidade como um requisito de

cidadão; o amor como chefe de família; a lealdade como amiga; a igualdade como justiça

social; e, na espiritualidade, a fé cristã em seus valores de amor ao próximo, a generosidade, a

oração, a humildade, a caridade e o testemunho.

Com certeza, a prática desses valores redunda em exemplos que eram a sua

maneira frutífera de evangelizar.

Além dos valores citados, um homem alegre e bem humorado estava sempre de

braços abertos para acolher os amigos e visitantes que chegavam ao seu lar. Um diálogo

agradável e bem informado fazia parte da conversa permeada com o saboroso café, o cigarro

do fumo in natura ou a cachaça velha e uma vez por outra, um repente no seu estilo de poesia

doméstica, bem popular e brincalhão. Tudo isso fazia o passar do tempo com sutil rapidez.

A íntegra da vida de um homem como Sr. Pedro Miranda não se conta em uma

página ou, mesmo, em um bom livrinho. Por isto, apenas relembro algumas de suas

características para justificar o apreço oriundo de um relacionamento de apenas cinco anos

que nos rende até hoje uma saudade e o aprendizado de seus ensinamentos e exemplos ao lado

da também saudosa e querida D. Leonor.

Inácio Fontenele

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Carta de Osmar Filho

Vovô Pedro,

Lembro-me bem do dia em que o papai levantou-me nos ombros, pois era a

grande vontade de vê-lo através de uma janela de hospital. A verdade é que, naquele dia, só

pude avistar a tal da janela. No entanto, saber de sua proximidade já foi o suficiente para

acalentar aquele menino de quatro anos.

Passaram-se mais de trinta anos daquela tarde e é justamente de sua proximidade

que eu gostaria de falar. Saiba que sinto sua presença em minhas ações, em minhas decisões,

em meus pensamentos, e sim, em minhas conquistas. Sua humildade, honestidade,

inteligência e carinho com a família estão presentes em meu cotidiano em forma de

ensinamentos.

A saudade é grande, a emoção também, mas o amor, este é ainda maior.

De seu neto,

José Osmar Fontenele Filho

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Um Homem de Deus

A maior herança que recebi de meu pai, Pedro, foi a honestidade e o temor a Deus. Louvo

e agradeço a Deus por tê-lo me dado por pai. A seu modo, ele me ensinou a amar, a perdoar, a ter

esperança e a lutar com as armas da fé e da oração.

Penso hoje como foi herói este pai que criou sete filhos, sendo agricultor no interior do

Ceará, sem estudos, sem riqueza, mas com muita sabedoria e coragem. De tal forma que eu, quando

criança, pensava que éramos ricos, pois o meu pai não deixava transparecer para nós as dificuldades

que enfrentava para nos criar.

O seu gosto pelos livros e conhecimento, o amor pela natureza, o zelo pela família, o bom

humor e a alegria, o jeito de ser carinhoso e compreensivo e o senso de justiça são qualidades que

tenho na lembrança e repito para os meus filhos. Estes, infelizmente não o conheceram, mas sei que as

herdaram pela genética e/ou pela bênção que passa de geração em geração para aqueles que temem a

Deus.

Guardo cenas em que ele ficava feliz como com o canto de algum pássaro que voltava a

cantar depois de há muito haver desaparecido. Dizia ele “olha, a araponga voltou”, e seus olhos

brilhavam de alegria. O mais importante para ele não era o dinheiro, o ter, mas a convivência pacífica

com todos, inclusive com a natureza. Dizia que todos os que tinham ido morar na cidade um dia iriam

querer retornar, demonstrando sua visão de futuro e que era um homem a frente de seu tempo.

Tenho a certeza de que meu pai, por todos os papéis que desempenhou tão bem como

filho, esposo, irmão, pai e em todos os seus relacionamentos, foi acolhido pelo Senhor e sei que um

dia nos reencontraremos. Então, teremos tempo para vivermos o que não nos foi permitido, porque eu

o perdi muito cedo e ele me fez e faz muita falta, pois me dava segurança, assim como um super-herói.

Que o Senhor reserve para nós um cantinho onde possamos ouvir e nos alegrar com o canto dos

pássaros.

Obrigada, Senhor, pela minha família de origem, por ela ter sido conduzida por esse pai

que foi realmente a Tua imagem e semelhança.

Eu o amo meu pai, que o Senhor o guarde eternamente.

Sua filha,

Cândida Assunção

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Ao meu avô

Uma grande foto em preto e branco, emoldurada em vidro,

na capela da buíra. O rosto de um homem sério. Esta é a única

lembrança que tenho do avô que não conheci.

Cem anos de sua vida se passaram, e hoje nos reunimos para

agradecer a Deus pela dádiva que foi e que é a vida de Pedro

Mapurunga de Miranda.

Não tive a oportunidade de conhecê-lo em vida, mas sua

história, seus ensinamentos e seu exemplo é motivo de orgulho para

todos nós.

Nesta data tão importante de nossas vidas, quero louvar e agradecer a Deus pelo avô

que tive.

O senhor partiu, mas nos deixou uma grande herança: uma família fundamentada na

rocha firme e segura de seus ensinamentos e nos valores cristãos, de honestidade, de

simplicidade, de amor e união.

Obrigada vovô, por ter me proporcionado uma infância feliz na buíra, ao lado de uma

família unida e por ter crescido ali, ouvindo sua história de vida.

Clara Virgínia Miranda Fontenele Rios.

OBS. A foto acima, que serviu de base para a reprodução em grafite existente no “quarto dos santos”, foi tirada no dia 4 de março de 1964, quando Pedro tinha 52 anos.

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Doce Lembrança

Ao começar a escrever sobre meu sogro, Pedro Miranda, me vem à mente sua

religiosidade. Homem de muita fé, temente a Deus que soube transmitir com sabedoria esse

dom tão peculiar fazendo de sua casa um local de evangelização não só para sua família, mas

também para pessoas que ali frequentavam ou que por lá passavam.

O pouco tempo de convivência que tive com seu Pedro percebi o homem sincero,

sensível e emotivo que era. E em suas palavras transmitia conhecimentos que guardo em

minha memória.

Para ele a família era o maior bem de sua vida e não conseguia falar dos filhos

ausentes sem encher os olhos de lágrimas. Fico imaginando qual seria sua alegria se tivesse

alcançado a casa da Buíra cheia de filhos, netos e bisnetos! Com certeza não passaria em

branco seus conselhos, ensinamentos e lições de vida.

Penso que sua ida foi prematura, mas ao mesmo tempo sei que Deus tinha planos

melhores para ele e, pensando assim, me conforto, pois sei que ele está junto ao Pai rezando e

esperando por nós.

Dezessete de fevereiro – data que foi sempre lembrada em nossa casa. E de todas

as datas importantes na vida do Simplício asseguro que essa nunca foi esquecida. Ele fazia

questão de lembrar o sacrifício ou dificuldades que seu pai enfrentou para mantê-los em

colégio com educação de qualidade. Por essa e outras tinha motivo de sobra para admirá-lo e

tê-lo como ídolo.

No centenário de seu nascimento quero agradecer a Deus por fazer parte dessa

família e o meu muito obrigado pelo apoio recebido principalmente a partir da ida do

Simplício para sua morada definitiva.

Poema para PEDRO I Pretendia o primogênito, padre. Poeta de pensamento preciso Paciente, prudente e prático Prezava pelo poema polido. III Projetou-se passo a passo com Perseverança primaz. Pedia em prece ao Pai: Perdão, proteção, paz!

II Primavera, palavras no papel. Pairava aos pés plantações e pastagens Perene por pleno prodígio Permeando profusas paisagens. A todos Paz e Bem!

Maria Aldaci de Lima Miranda

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A MATA DOS BENÍCIOS

A mata densa ensombrava a estradinha arenosa que se estendia despreocupada

e servil aos que por ali passavam rumo à pequena e bucólica cidade serrana, destino dos

nativos dos sítios que a circundavam e para lá acorriam a fim de vender para os moradores o

que colhiam nas pequenas plantações e, assim também, adquirir destes, o que lhes faltava em

suas choupanas. Traziam, com certeza, menos do que levavam! A mata sombria não se

apercebia que muitos dos que por ali passavam só o faziam por extrema necessidade, pois ela

era a única via de acesso que levava a pequena cidade encimada no alto da serra.

A travessia era penosa para os menos corajosos e uma aventura desafiadora para

os destemidos. Os ruídos da mata causavam sobressaltos e arrepios. Passar por aquelas bandas

ao entardecer ou durante a noite era, para o caminhante, um verdadeiro suplício. Antes de

adentrar o caminho assombrado se valiam de rezas, puxavam os pavios das lamparinas para

melhor alumiar a escuridão. Uns e outros tomavam um gole de pinga velha para recobrar

coragem, as crianças agarravam-se nas barras das saias das mães e estas apressavam o passo,

chegando ofegantes na grande ladeira barrenta conhecida por “Rampa da Pedra-lipes”, onde

tomavam água, se refaziam na casa de uma comadre hospitaleira e só então desciam rumo a

matriz da cidade para assistirem à missa em honra da padroeira, pedindo a esta que lhes

protegesse quando da volta para casa.

Os tropeiros e cavaleiros chicoteavam os animais para acelerarem o galope, pois

não se arriscavam trotar naquele trecho da estrada. Passavam disparados em frente à Cruz do

Soldado, mal dando tempo de tirar o chapéu ou benzer-se em sinal de respeito e temor à

memória de um jazigo vazio.

No ermo daquela mata, quatro forquilhas bem finas, fincadas à margem da

estradinha sustentavam poucas palhas de palmeiras, que serviam de teto àquela cruz que tanto

imprimia respeito como ajudava a compor o imaginário pueril dos passantes.

Os mais velhos contavam para os mais novos o que já haviam escutado de seus

antepassados e assim era sedimentada, oralmente, a história daquele jovem soldado, que fora

acometido de uma doença mortal e contagiosa e, para não contaminar as pessoas daquela

cidade, fora obrigado a viver como eremita naquela mata onde tinha por teto apenas uma

minúscula latada coberta com folhagens nativas, sustentadas por varas finas, quando foi tudo

o que conseguiu num esforço sobrenatural arranjar para se defender das chuvas torrenciais

que costumavam desabar naquela região. Doente e abandonado o rapaz viveu seu calvário de

dor, medo, fome, sede e frio. Almas caridosas deixavam-lhe água e comida à beira do

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caminho, mas apressadas se evadiam temerosas em se depararem com o doente, o medo do

contágio era pavoroso, pois além do sofrimento causado pela doença remeteria qualquer um

aquela mesma situação de abandono e desprezo total a qual fora submetido àquele pobre

homem.

Passavam-se os dias e as noites apenas o céu, os pássaros e os animais daquela

mata assistiam à agonia daquele moribundo, que esquálido e já sem forças não mais se

arrastava para pegar o alimento deixado a beira da estrada. Seu corpo ficou insepulto, o solo

daquela mata foi o seu abrigo e o seu cemitério. Os que levavam água e comida presumiram

sua morte quando encontraram as vasilhas no lugar costumeiro reviradas pelos animais

silvestres, os donos absolutos daquele chão.

As frondosas e centenárias árvores daquela mata acostumadas a sinfonia da

passarada em festa, pois acolhiam em seus galhos as arapongas, os bem-te-vis, as rolinhas, os

joões-de-barro, os galos-de-campina, os rouxinóis, os sabiás e toda a diversidade da sua fauna,

se fizeram também ouvintes de um lamento doloroso, de um choro sem consolo, de uma dor

sem lenimento, de um sofrimento infindo, emanados por um humano que em seus troncos se

contorcia e que renegado pelos de sua própria espécie, a morte a Deus pedia.

As gerações se sucederam, a Mata dos Benícios desapareceu com a ação

transformadora, e destruidora, do homem na natureza. A estradinha arenosa e ensombrada foi

suplantada pelo o asfalto negro e escaldante, o canto da passarada e o grito da araponga foram

substituídos por roncos e fonfonar de buzinas, mas o marco daquele mártir degredado ainda é

mantido como símbolo de resistência e santidade, sob um teto de alvenaria que virou local de

romaria em agradecimento daqueles que recorrem a sua intercessão para alcançar graças

diante de Deus.

Clara Miranda.

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Cemitério dos Anjinhos

Havia um lugar na Buíra que

inspirava nas crianças uma mistura de medo e

reverência. Era o “cemitério dos anjinhos”,

localizado por trás da casa, sob a sombra dos

grandes pés de cedro. Ali estavam plantados

nossos irmãos natimortos, cada um num

cercadinho de madeira de sabiá.

Quem nasceu e sobreviveu na Buíra faz parte de uma terrível estatística que

caracterizou as condições de saúde naqueles tempos difíceis. No nosso caso, dos treze que

nascemos seis ficaram no cemitério dos anjinhos, representando 46% de natimortos. Tal

indicador não era particularidade da Buíra, pois decorria da absoluta ausência de recursos

preventivos de saúde em toda a região, onde não havia nenhuma assistência pré-natal.

Mesmo nascendo viva, a criança corria sério risco de não escapar das doenças

infantis (sarampo, catapora, tosse-braba, erisipela, catarrão, verminose, etc.). Por isso, era

comum encontrar-se pelos caminhos os “enterros de anjinhos”, conduzidos em pequenos

caixões azuis carregados por um cortejo de outras crianças.

Não havia médicos, medicamentos ou instrução adequada e a solução para os

problemas era confiar em Deus, rezar e tomar chá. Nós, que escapamos, viemos ao mundo

pelas mãos da velha Maria da Penha, a parteira que ajudava minha avó Cândida nos partos de

mamãe.

Os “preparos” de Maria da Penha incluíam assepsia com base em cachaça, que ela

utilizava para lavar as mãos e, também, para beber uma talagada e acalmar os nervos. Se a

criança escapava no nascimento passava a viver confortavelmente na alcova perfumada com

alfazema, num bercinho ao lado da cama grande, até criar corpo para ocupar a própria rede no

“quartinho”.

Mamãe passava um mês se alimentando dos capões que haviam sido

diligentemente preparados para o período após parto. Sim, naqueles tempos galinha era

remédio e mulher parida não podia comer outra coisa. E era comida tão boa que a gente

sempre chegava por ali na hora em que ela estava comendo sentada na cama.

O acúmulo de crianças pequenas e a lida permanente na cozinha fizeram a

mamãe despachar Margarida para a casa de nossa avó Cândida, onde passou a ser tratada

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como princesa e nem queria mais voltar. E nós outros íamos sacudir e balançar garrafa de leite

in natura até desnatar, porque criança pequena não podia beber leite com nata.

E assim é que devemos dar graças a Deus por ter nascido e escapado para contar a

história, fora do cemitério dos anjinhos.

Vicente Miranda

VERSOS

Pedro admirava a arte de exprimir-se através de versos. A poesia para ele era a

forma mais bela de revelar crenças e expressar sentimentos. Foi precisamente através de

versos que procurou deixar mensagens sobre sua religião, sua família e sua forma de ver o

mundo e as coisas, algumas vezes utilizando-se do pseudônimo de “Chico Ladeira”.

Impossibilitado de ter a família toda perto de si, uma vez que os filhos tinham que

ir estudar fora, era através de versos que registrava a dor da ausência e a alegria quando

chegavam.

No dia 2 de março de 1969, escreveu longo poema para seu filho José que,

naquele dia, viera para comemorar com os pais o aniversário de 22 anos de idade. Tal poema

retrata bem a essência do pensamento e da alma de Pedro: a veneração a Deus, o amor à sua

família, o incondicional respeito à memória de seus pais e o apego ao lugar onde nasceu.

Saudades de 2 de março I Minha alma triste suspira Em deslumbrante desejo A saudade de meus filhos Que há tempos não os vejo É este o triste suspiro De um coração sertanejo III Pelo sinal da santa cruz Terceiro verso que digo Em nome do Padre na testa E do filho no umbigo E do Espírito Santo dos lados Para livrar do inimigo V Já que terminei o quarto Para o quinto eu me passo

II Este meu segundo verso É a Jesus oferecido Agradecendo a bondade De me haver feito nascido E de me comutar as bênçãos Como até hoje tenho vivido IV Este meu quarto verso Fechando assim uma quadra Com muito prazer ofereço A Maria Imaculada Para no tribunal divino Ser a minha advogada VI Há 28 de fevereiro Um dia de sexta-feira

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Minha pena corre saudosa Sem encontrar embaraço Me recordando do acontecimento Que se deu a 2 de março VII Quando vieram chegar Lá pras três da madrugada Aí conversamos contentes Até o cantar da passarada E seguimos no outro dia Para a nossa velha morada IX Quando foi no outro dia A coisa foi se animando A família por ali De vez em quando chegando Era meu filho primogênito Que estava aniversariando XI Para um pai que estima É grande satisfação Custa tanto a ver o filho E ver nesta ocasião Não pode se conter Pois é grande a emoção XIII Senti a falta dos ausentes Como nesta ocasião Faltaram três de minhas irmãs E o mais novo dos irmãos Para abrilhantar melhor A festa no varandão XV Aqui eu peço desculpas A este velho e grande amigo Que queira me desculpar Isto que disse contigo O que eu disser com você Você pode dizer comigo XVII À custa destes meus versos Muita gente acha graça Achando que é uma crítica Por onde esta crônica passa

Fomos para nossa casa Na rua Lamartine Nogueira Esperamos a caravana Quase que a noite inteira VIII É o sitio Mirandópolis A nossa velha habitação Que em memória de meus pais Eu tenho em conservação Onde nasci e me criei E os filhos do meu coração X No varandão da fazenda Todos por ali brincando Muitos dos familiares Vinham por ali chegando Vinte e duas primaveras Meu filho estava completando XII No auge dessas coisas Sentia a boca ficar quente Como um poeta que ao morrer Solta seu último repente Pois faltava ao meu lado O meu querido Vicente XIV Estava o senhor Zezito Ostentando grande pôse O senhor Vicente Miranda Com os filhos e a esposa E o velho amigo Tio Que parecia uma raposa XVI Acho que estou desculpado Estamos de tanto a tanto Não se aborreça comigo Que de meu lado eu garanto Poeta é mesmo crítico Mesmo que seja um santo XVIII Assim, todos somos raposas Os que gostamos de aguardente Pois só os mortos não bebem Essa bebida excelente

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Todos conhecem o provérbio É como raposa por cachaça XIX Estava o senhor José Miranda Hoje o mais velho dos irmãos Olhando-se o seu braço esquerdo No mesmo faltando a mão Pois quem é de Deus não morre Fica vivo o coração XXI É o que tenho a dizer Deste arquimilionário Que do Banco Real de Minas É alto funcionário E se não é o que digo Mas foi o que me informaram XXIII Por aqui vou terminar Estes versos mal polidos Os versos de minha lavra E aos amigos oferecidos Se merecer ser criticado Não ficarei aborrecido XXV Comecei a fazer verso Com 15 anos de idade Verso qualquer pensamento Pela força da vontade O velho Pedro Miranda O poeta da saudade XXVII Quando todos vão embora E me deixam aqui sozinho Faço como ave noturna Passo o dia todo no ninho E quando a saudade aperta Faço estes versos miudinhos

É remédio pra dor de barriga Que cura até dor de dente XX Também estava o João do Tio Um moço bem educado Que juntamente com meus filhos É bastante relacionado Tornando-se assim Um amigo dedicado XXII Todos sabem que poeta É igual a um transmissor Quem tiver o seu segredo Não conte pra cantador Que transforma em poesia Seja em que linhas for XXIV No campo da poesia Eu sou bastante inspirado Porem não posso ser poeta Por não haver estudado Pois da opinião crítica Mereço ser desculpado XXVI Todos os pássaros cantam Quando vem rompendo a aurora Até a pobre Mãe-da-lua Tanto como chora Assim também faço eu Quando meus filhos vão embora XXVIII Repente em min há cabeça Sobra que cai no chão Tudo que existe no mundo Passa por transformação Para os pais filho não muda Pois é corda do coração. Pedro Mapurunga de Miranda – Buíra, 2 de março de 1969

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Outros Versos1

Fim da terceira humanidade Verso da Cachaça

I Abra-se lábios meus Pra descrever a verdade não com poder profetizo pois não tenho capacidade certo é que estamos no fim da terceira humanidade II Bendito Deus poderoso que fez o céu e a terra castigou Adão e Eva por terem sido infiel amaldiçoôu a Caim que fez justo Abel III Castigou com justiça o orgulhoso Luzbel2 que fez aldez revolta pra se apoderar do céu fez a confusão das línguas a destruição de Babel. IV Deu muitos castigos ao dragão infernal a Elias como foi justo teve o paraíso terreal salvou Noé e a família do dilúvio universal. V Eva pela fraqueza caiu na tentação pra maldita corrupção ficando sujeito a morte todos descendentes de Adão VI Fez descer fogo do céu e Sodoma foi consumida

I Agora pego na pena o leitor pegue também vamos descrever a cachaça o valor que ela tem cachaça deliciosa nunca fez mal a ninguém II Muída a cana no engenho genuinamente fabricada quem bebe ela não pode nunca se queixar de nada se fosse bebida estrangeira tinha fama dobrada III Porém por toda parte o seu valor é conhecido que as maiores autoridades só tomam ela escondidos e as mulheres não tomam na presença dos maridos. IV Cachaça deliciosa é bebida da nobreza bebe rei e rainha bebe príncipe e princesa aqueles mais vergonhosos bebem debaixo da mesa. V Bebe o moço pra conservar o prazer da mocidade bebe o velho pra despertar energia e atividade bebem também os amigos pra conservar as amizades VI Tinha um padre velho

1 Existem mais versos, que o Inácio vai disponibilizar em outro trabalho. Alguns estão disponíveis na internet,

no seguinte endereço: http://mirandus.org/buira. 2 OBS. Luzbel – nome também atribuído pela Bíblia a Lúcifer (“portador da luz”), que era considerado o anjo mais bonito do paraíso.

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a maior cidade do mundo não ficou sinal de vida quem as coisas divinas despreza na miséria se liquida VII Grande Deus Onipotente Senhor do céu e da terra só vos sabes o que é justo vossa santa lei não erra que castiga os erros da humanidade com seca, fome peste e guerra VIII Houve coisas naqueles tempos que é bem prestar atenção Jonas no ventre da baleia Daniel na cova dos leões a paciência de Jó e o saber de Salomão. IX Infeliz primeira humanidade que foi destruída na segunda veio Jesus que teve mal acolhida terceira orgulhosa e injusta com foço em breve se liquida. X Cairá fogo do céu e tudo será queimado morre os justos pelos injustos os direitos pelos errados desaparecerá da face da terra tudo que é do pecado XI Jesus Cristo veio ao mundo pra nos redimir do pecado pelo seu pobre povo Ele foi rejeitado com infâmias e calunias mataram-no crucificado. XII Lamentações e desordem é com que o povo se defronta

vigário de uma freguesia aconselhava os paroquianos por esta forma dizia vocês bebam cachaça de noite mas não vão trabalhar de dia. VII Bebe o pobre analfabeto bebe o doutor formado o prefeito da localidade o Major e o delegado até o coronel velho de cachaça tem tombado VIII Bebem os vaqueiros pra adquirir nas vaquejadas a ligeireza bebem os soldados em serviço pra adequirirem destreza e bebem as mulheres feias para adequirirem beleza. IX Até hoje ninguém deu o valor do aguardente que cura dor de barriga canelada e dor de dente quem é que pode amaldiçoar uma bebida tão excelente X Bebem uns pra ficar rico e outros pra não empobrecer bebem uns pra distrair e outros pra esquecer e assim o jeito que tem é todo mundo beber XI Bebe o chefe de policia o vigario e o sacristão O presidente do estado e o chefe da Nação Elizabeth da Inglaterra e o Iroito do Japão XII Bebe branco e bebe preto bebe toda a cachorrada

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vai apertando o cerco juntando ponta com ponta até que chegará o dia do ajuste de contas. XIII Moral dever e justiça tudo desapareceu de compaixão ninguém sabe consciência se escondeu firmeza fugiu de noite falsidade apareceu. XIV No mundo está existindo imensa contrariedade inveja, injuria e ganancia acabouce as amizades o que exista nos homens é a grande felicidade. XV Oriente e Ocidente terão que se defrontar milhares de bombas atômicas estão acabando de preparar a grade civilização em cinza vai se tornar. XVI Palestinos e Israelenses vivem se degladiando de vez enquanto um levante é o estopim que está queimando a bombardeiro no Viatinã com a população acabando. XVII Quando o sexto anjo a sua redoma lançar haverá grandes estrondos toda a terra tremerá secarão todos os rios morrerão os peixes do mar. XVIII Raras vezes fico pensando a grande sabedoria que Deus deu ao homem terra mar e astronomia

até freira de convento também bebe boas goladas só não bebe o sino porque tem a boca emborcada XIII Uns dizem que a cachaça foi inventada pelo cão mas quem inventou foi Noé pai de toda geração logo que saiu da arca tomou o seu pifão XIV O velho tomou a bebida e logo se embriagou mas nem ele nem a bebida Deus não amaldiçoou amaldiçoou foi o filho que o pai escandalizou XV Ela só é perniciosa para quem é viciado quem toma ela com excesso está cometendo pecado pois uma das coisas ridículas é o homem embriagado XVI Pois ex aqui a forma que o homem deve tomar toma antes de dormir e depois que acordar bebe pra esquentar o frio e também pra refrescar XVII Cachaça é feita pra gente não é pra burro nem jumento uns bebem pra esquecer os seus grandes sofrimentos ate velhos de cem anos bebem que ficam cinzentos XVIII Elixir de longa vida aperitivo das sobremesas quem bebe ela não sofre cansaço fadiga e fraqueza

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hoje a maior a ciência a grande tecnologia. XIX Surgirá a besta fera conforme viu São João seiscentos e setenta e seis em breves dia verão aparecer falsos profetas pra estabelecer confusão XX Tristes dias se aproximam desta pobre humanidade que vive engolfada em erros corrupção e vaidade sem lembrar que do outro lado existe a eternidade. XXI U mundo convulsiona no maior dos desespero uns apoderados das riquezas são donos de todo o dinheiro a pobreza rola na miséria do que é bom não sente o cheiro. XXII Verão todos em uma nuvem Jesus se apresentar e dizer vindes filhos queridos que eu hoje vim vos buscar e ides malditos de satanás com eles no inferno morar. XXIII Zombarão os incrédulos desta minha advertência que no sujeito a critica com muita calma e prudência quem zombar da verdade terá em breve a recompensa. XXIV Vamos nestes versos vinte e quatro letras traçadas descrevendo o que vi na escritura sagrada desculpe a este poeta

os poetas a classificam de bom produto da natureza XIX Eu já ouvi alguém dizer quem bebe cachaça não presta mas quem se achar muito bom ponha um letreiro na testa pois se não houvesse cachaça também não haveria festa XX Uns tomam de esfamiados que bebem até as verdes caiem nas coxias outros no pé da parede a procura dela eu já vi até gente na rede. -FIM- Pedro Mapurunga de Miranda De Cândida para Nossa Senhora I Mãe, hoje é teu dia Viemos te visitar prosternados aos vossos pés a tua face beijar Mãezinha do coração queira nos abençoar II Pois que é Santa Rainha Teu manto cor da aurora Jesus o grande Rei da Glória também chamou mamãezinha III Dá-me a vossa benção Ó mãe tão querida És vida da minha vida mãezinha do coração IV Ainda que esteja ausente Viemos te visitar e a tua mão beijar precisa se fazer presente

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se encontras frases erradas. -FIM- Chico Ladeira - 10/09/1974

V Na tristeza na dor e na prova o teu augusto nome é quem manda Cândida Assunção de Miranda é quem te oferece estas trovas P.M.M - 9 de maio de 1971

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MENSAGEM FINAL

Sob a visão de sua família, o centenário de Pedro Miranda é, antes de tudo, uma

reflexão sobre o espaço e o tempo em que ele viveu. Por isso, procuramos trazer algumas

informações, dados, fatos e fotos que simbolizam a realidade dura que marcou sua existência

de agricultor na Buíra, nos idos de 1912, quando nasceu, até 1980, ano em que morreu.

Ao nosso modo, ali a família viveu feliz, sem vaidades e praticando a humildade

como credo, numa casa grande com lugares denominados para facilitar a comunicação: sala

azul, sala do rádio, sala da frente, alcova da madrinha, quartinho, armazém de dentro,

armazém de fora, etc. Tinha um canto para as espingardas e para as lamparinas e latas de

querosene.

A alegria em torno da mesa farta dava aos visitantes daquele sítio a falsa

impressão de que o seu líder era um homem rico. De fato, Pedro soube fazer crescer o

diminuto patrimônio que recebeu como herança de seu pai, Vicente Ferreira de Miranda,

conforme consta no inventário deste realizado em Viçosa do Ceará, no dia...

Pedro acreditava que a terra era a única esperança para quem se dedica à

agricultura. Assim, por opção, investia o pequeno retorno de sua atividade rural nas chamadas

“garrinhas”, que eram pequenas posse de terras cujos proprietários procuravam vender nos

tempos de seca para irem embora para o Maranhão.

Naquelas pequenas áreas fazia a produção de cana aumentar, porque comprava

estrume de bode para servir como adubo. Além disto, ia repondo a cobertura da terra brocada

com o bagaço da cana moída no engenho. Carro de boi não andava vazio: na ida, levava cana

para o engenho; na volta, trazia bagaço para fazer cobertura.

Não havia poupança e tudo que sobrava era investido em meios de produção:

terra, boi e porco. Vaidades nem pensar. Roupa nova somente uma vez por ano, na festa de

agosto.

A cana era aproveitada ao máximo, sendo ele próprio o moedor. Nessa atividade,

ficava ao pé do engenho, de macete em punho, quebrando a pancadas os nós da cana para

facilitar a passagem pelas moendas, reduzindo o esforço dos animais de tração na manjarra.

Enquanto teve saúde, na Buíra trabalhava-se initerruptamente de segunda a sábado

e seu descanso reduzia-se a uns poucos minutos após o almoço, quando tirava um cochilo.

Aos domingos ia à Missa, a cavalo, e voltava logo para o jogo de “bisca” ou “três sete” com

os parentes e amigos. Se demorasse um pouco mais era porque estava na reunião dos “Irmãos

do Santíssimo”, de que era devoto.

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O almoço, aos domingos, era a oportunidade em que se reuniam os irmãos,

parentes e amigos, na alegria da mesa farta e da conversa alegre e franca. Depois que os filhos

foram embora, era normal um choro naquela cabeceira de mesa, ao pensar se os filhos em

lugar distante e sem comunicação tinham o que comer.

E com isto se diz tudo. Na Buíra não havia queixumes, reclamações ou expressões

de auto piedade. Lá se trabalhava muito e se rezava idem, porque o sentimento permanente

era de devoção a Deus e à família. A frase de Aldaci resume bem o teor dessa nossa reflexão:

para Pedro Miranda “a família era o maior bem de sua vida”.

Queira assim, querido pai, receber as homenagens daqueles que continuam em

vida honrando o seu nome e, mergulhados na saudade, revendo os ensinamentos que

sabiamente nos transmitiu. Refletindo sobre esse intervalo de tempo de cem anos e sobre o

espaço que lhe acolheu em vida, sua adorada Buíra, expressamos nosso profundo respeito e

agradecimento por tudo que fez por nós.

Somos agora muita gente, vindos ao mundo por seus filhos José, Maria, Vicente,

Ana, Antônio, Clara e Cândida que, em permanente crença em Deus e na esperança da

ressurreição, expressam o seu MUITO OBRIGADO.

Buíra, 17 de fevereiro de 2012.