Sala d

4
Sala D SÁBADO, 29 DE MARÇO DE 2014 SUPLEMENTO MENSAL PRODUZIDO PELO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UnC CANOINHAS Todo brasileiro gosta de fute- bol – eventualmente algum sujeito sisudo ou amargurado discorda- rá, mas esse é a exceção. E “gos- tar” não implica necessariamente “entender”, há muitas pessoas que sabem muito pouco o que é o futebol, não sabem o que faz o técnico, não sabem a função do lateral, do volante ou do zagueiro, não sabe o que é a linha de passe, - mais o importante- sabem que Neymar é da seleção e que quan- do ele chuta na direção da trave, pode correr pro abraço e comemo- rar o gol. E comemorar gol é com o brasileiro, nós sabemos come- morar de muitas formas: gritan- do, pulando, dançando, rezando. Há um caso no Piauí em que um bebe aprendeu a comemorar gol antes mesmo de falar “papai” e “mamãe”. Algum dia algum antro- pólogo se ocupará da importância do “comemorar um gol” para a identidade nacional: a essência do italiano é fazer pizza, do judeu é abrir uma “lojinha”, do brasileiro é comemorar gol. Peço boa vontade do leitor com o meu bom humor, o futebol é um assunto agradável que conversa- mos em roda de uma mesa com os amigos, ora xingando o juízo, ora tecendo hinos ao atacante valente que fez três gols no jogo. Embora assunto bem humorado – trivial para alguns -, o futebol pode ser assunto sério, que demanda atenção e responsabilidade, em especial quando se usa recursos públicos. Desta forma, convido o leitor para discutir com Silmar Ciriaco, Ingrid Trapp e Wilsoney Gon- çalves o futebol para além das quatro linhas e da jogada bonita, tentando pensar os desdobramen- tos sociais deste esporte que se tornou produto de entretimento que estabelece relações intimas com a identidade nacional. O fu- tebol deve ser pensado como uma empresa que movimenta bilhões de reais, que povoa o imaginário das crianças, que caracteriza a identidade nacional e que deman- da recursos públicos. Editorial Paulo Flavio de Andrade Acadêmico de Ciências Sociais da Universidade do Contestado [email protected]

description

Complemento do Jornal Diário do Planalto elaborado pelos acadêmicos do curso de Ciências Sociais da UnC

Transcript of Sala d

Page 1: Sala d

1Canoinhas (SC), sábado, 29 de março de 2014

Sala DSÁBADO, 29 DE MARÇO DE 2014

SUPLEMENTO MENSAL PRODUZIDO PELO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UnC CANOINHAS

Todo brasileiro gosta de fute-bol – eventualmente algum sujeito sisudo ou amargurado discorda-rá, mas esse é a exceção. E “gos-tar” não implica necessariamente “entender”, há muitas pessoas que sabem muito pouco o que é o futebol, não sabem o que faz o técnico, não sabem a função do lateral, do volante ou do zagueiro, não sabe o que é a linha de passe, - mais o importante- sabem que Neymar é da seleção e que quan-do ele chuta na direção da trave, pode correr pro abraço e comemo-rar o gol. E comemorar gol é com

o brasileiro, nós sabemos come-morar de muitas formas: gritan-do, pulando, dançando, rezando. Há um caso no Piauí em que um bebe aprendeu a comemorar gol antes mesmo de falar “papai” e “mamãe”. Algum dia algum antro-pólogo se ocupará da importância do “comemorar um gol” para a identidade nacional: a essência do italiano é fazer pizza, do judeu é abrir uma “lojinha”, do brasileiro é comemorar gol.

Peço boa vontade do leitor com o meu bom humor, o futebol é um assunto agradável que conversa-

mos em roda de uma mesa com os amigos, ora xingando o juízo, ora tecendo hinos ao atacante valente que fez três gols no jogo. Embora assunto bem humorado – trivial para alguns -, o futebol pode ser assunto sério, que demanda atenção e responsabilidade, em especial quando se usa recursos públicos.

Desta forma, convido o leitor para discutir com Silmar Ciriaco, Ingrid Trapp e Wilsoney Gon-çalves o futebol para além das quatro linhas e da jogada bonita, tentando pensar os desdobramen-

tos sociais deste esporte que se tornou produto de entretimento que estabelece relações intimas com a identidade nacional. O fu-tebol deve ser pensado como uma empresa que movimenta bilhões de reais, que povoa o imaginário das crianças, que caracteriza a identidade nacional e que deman-da recursos públicos.

Editorial

Paulo Flavio de AndradeAcadêmico de Ciências Sociais

da Universidade do [email protected]

Page 2: Sala d

2Canoinhas (SC), sábado,

29 de março de 2014Sala D

Caro leitor o presente texto tem a finalidade de convidá-lo para uma breve reflexão sobre uma das principais geradoras de alegrias no planeta, onde grandes investimentos são feitos no país que sedia a tão “magna” copa do mundo. Esperamos eufóricos, por um período de quatro anos até que, enfim, chega o grande momento em que nos colocamos a celebrar uma vitória antes mesmo do pri-meiro jogo iniciar, compramos fogos de artifícios, convidamos os amigos, onde muitos se preparam com bebidas, churrascos etc, até que o primeiro gol acontece e o Brasil delira com a voz de Galvão Bueno dizendo: “Gôôôôôôôôl, éééééé do Brasiiiiiil”, o marido fes-teja, a mulher festeja, a criança, sem entender muita coisa, também festeja unindo seu grito aos gritos de seus pais para comemorar uma grande vitória rumo ao hexa. Ane-xo a esta alegria é possível iden-tificar os grandes investimentos empregados em tal evento, pois são inúmeras as preparações para recepcionar os amantes do fute-bol que investirão muito dinheiro em hotéis, restaurantes, pontos turísticos etc. trazendo um lucro considerável à cidade ou estado anfitrião.

No entanto, todos nós somos sabedores que para a manutenção, de um estádio de futebol, são exigidos grandes investimentos, como por exemplo reformas, am-pliações e inúmeras contratações, pois na assistência do mesmo necessita-se de profissionais qualificados para o exercício de determinadas funções. Ora em

meio a alegria que se apresenta ainda é possível ver, como uma verdadeira contradição, os refle-xos das insatisfações de um povo que à alguns meses reclamava seus direitos indo as ruas com faixas e grupos formados por contatos intermediados por sites da inter-net, os grupos não gritavam por uma possível vitória, mas por seus direitos que aos poucos estavam sucumbindo em uma infinidade de planejamentos que não atendia ao interesse do povo. Ora, quando analisamos os acontecimentos e as crises ficamos perplexos com as atitudes governamentais para ludibriar o povo, pois mesmo havendo deficiências na saúde onde inúmeros profissionais são contratados sendo trazido até mesmo de outros países, ainda enfrentamos a terrível burocracia que impede muitos de chegar aos recursos necessários para o trata-mento de suas doenças, falamos de uma manutenção na educação que parece não passar de discursos, bem elaborados, para convencer que tudo está bem, diz um certo provérbio: “Pão e circo já são suficientes para alegrar o povo”, porem parece-me que o problema não é o circo, mais sim os palhaços que perderam a graça.

Nisto a maior preocupação que perturba os brasileiros, não são as comemorações que se darão na copa, mais sim as conseqüências que teremos que enfrentar quando toda essa euforia passar, e assu-mimos, novamente, a realidade que se apresentará, desafiadora e com mais intensidade do que já presenciamos.

A Influência do Futebol num Período de Crise democrática

SILMAR CIRIACOAcadêmica de Ciências Sociais da Universidade do Contestado

Page 3: Sala d

3Canoinhas (SC), sábado, 29 de março de 2014 Sala D

INGRID TRAPPAcadêmica de Ciências Sociais da Universidade do Contestado

A relação do brasileiro com o fu-tebol é antiga, pouco se sabe como ele chegou em terras tupiniquins, de certo apenas quem o trouxe, Charles Miller. O inglês trazia na bagagem a sua experiência de jogador, alguns manuais e uma bola maltratada pelo tempo. A primeira partida que se tem registro no Brasil foi em abril de 1895, entre os funcionários da companhia de Gás e os funcionários da companhia São Paulo Railway.

Os primeiros torcedores não sentiram entusiasmo pelo esporte estrangeiro, o brasileiro comum co-nhecia luta livre, puxão de orelha, briga de galo e corrida, não conse-guia compreender a finalidade de 22 marmanjos correndo atrás de uma bola suja e desengonçada. Mas a ignorância demorou pouco tempo, aos 34 minutos do segundo tempo, depois de muita correria, marcação, caneladas e tropeços, João da Luz acerta um potente chute na direção de dois postes e o grito de Gol ecoou – nascia naquele momento a paixão nacional. Daquele momento em dian-te gol de falta, de pênalti, por acaso, de barriga, contra ou de placa, se tornou motivo de comemoração em qualquer rincão deste país.

Ao longo do tempo o futebol tor-nou-se motivo de laser, de competi-ção, de oração, de vibração, alegria e fervor entre as torcidas. E como paixão acabou levando alguns ao fanatismo extremo, que é um fator gerador da violência constante entre torcidas organizadas. É assustador a violência entre algumas torcidas rivais. O que acaba tornando o que era pra ser um lazer em uma guer-ra. Seres humanos deixam de lado a diversão para dar ênfase a uma competição em nível de animalidade.

Outra questão que envolve o fu-tebol é como ele se tornou um fator econômico, como intervém na econo-mia, por exemplo em 2012, a renda do torneio chegou a 2,4 bilhões de reais. Com a copa do mundo em 2014 foi investido pelo governo dinheiro em melhorias de estádios e infra-estruturas, o que deixou parte da população chateada com relação ao futebol. O que antes era algo para ser um lazer hoje se tornou um mercado competitivo, envolvendo a busca

pelo capital. A cada instante vemos propagandas envolvendo o futebol e o consumo: camisas, bandeiras, objetos personalizados, etc. Também vemos nas negociações milionárias na compra e venda de jogadores, seres humanos vendidos e aprisio-nados por contratos. Não importa o laser e a diversão, mas, o cumprir de um contrato milionário. O sonho de muitos meninos: o sucesso através do futebol, o reconhecimento e a fama, que a mídia constantemente aponta como caminho de “Glória”, ou seja, ser um jogador famoso.

Não se pode negar o fato de que apesar dos prós e contras, ainda a muitas pessoas que gostam do fute-bol pela arte, pelos lances bonitos, jogadas perfeitas. Há um instinto natural da competitividade nas apos-tas e na vontade ver o time preferido campeão. A competição é algo natu-ral, os mais fortes sobrevivem (os grandes times), e os mais fracos ou evoluem ou caem no esquecimento.

O torcer, o acreditar em um time uma questão de sair um pouco do cenário cotidiano uma fuga da reali-dade, uma forma de esquecer os pro-blemas em busca do entretenimento. E o futebol arte acabou sendo o que se tornou uma paixão nacional, uma competitividade da qual a quem ame e a quem odeie...

Futebol: uma história de arte, paixão e competição

Page 4: Sala d

4Canoinhas (SC), sábado,

29 de março de 2014Sala D

Nos últimos meses, a sociedade brasileira tem acompanhado pela mídia complexas dis-cussões, que vão assumindo cada vez mais um grau de importância nacional. Diante deste imenso caldeirão de reivindicações que presenciamos no ano que se passou, reportar-me-ei neste artigo ao que chamo “verdades e mentiras”, em uma reflexão que envolve a realização neste ano de 2014, da Copa do Mundo de Futebol da FIFA, aqui no Brasil.

Mesmo reconhecendo a importância deste evento de escala global, que coloca o Brasil nos holofotes do mundo e, somando no que pese este evento aos diversos interesses pri-vados, públicos e sociais, ao fortalecimento da identidade do povo brasileiro ao futebol. Teríamos certamente ingredientes políticos, econômicos e culturais suficientes para um cenário favorável a realização desta grande atividade esportiva.

Entretanto percebe-se que o debate tem sido realizado a partir das paixões e vaidades ideológicas partidárias, que insiste em focar uma parte apenas e ocultar outra parte da reflexão. De forma perigosa, este direciona-mento ideológico tem conformado a ideia de que a Copa do Mundo é algo negativo. Sobre tudo, porque este sentimento se apresenta a partir do censo comum, que dissemina eloqüentemente “verdades e mentiras” ide-ológicas. Isso porque, o assunto é difundido via grandes mecanismos de comunicação e nas paginas de relacionamento da internet, sem qualquer envolvimento pessoal, o que inibe que o assunto seja debatido pelas pessoas de forma real, pois a internet é um fácil mecanismo para omitir opinião, sem qualquer comprometimento posterior.

Estas “verdades e mentiras” são difundi-das, compartilhadas e divulgadas de forma a estabelecer um violento juízo de valor que não permite uma reflexão ampla por parte da população, que em grande medida se move pelo censo comum, pela falta de informação e por interesses obscuros que não buscam aprofundar o debate.

Um exemplo de “verdade” que deflagra esta situação se encontrar no argumento que, o dinheiro investido nos estádios da copa do mundo resolveria o problema da saúde. Esta proposição amigo leitor, é uma “verdade” ou uma “mentiras”? Para além de juízo de valor, parece ser necessário refletir e colocar em “jogo” algumas questões para ampliarmos esta análise.

Com o aumento anunciado este ano do orçamento para obras da copa, que levará dos cofres públicos o montante de R$ 25 bi para a conclusão das obras de infra estrutura na realização do Mundial, é necessário perceber que deste montante, apenas aproximada-mente R$ 9 bi são para a infra estrutura dos estádios de futebol, a cifra restante de 14 bi compreende outros investimentos de infra estrutura, em especial, as que o governo chama de mobilidade urbana.

Conquanto seja imprescindível refletir mais sobre estes números, ressalto que não levaremos em consideração os efeitos imediatos destes recursos na geração de emprego e na construção civil, ou ainda no retorno financeiro promovido pelo setor turístico, tão pouco nos argumentos que se fortalecem se entendermos estas obras, como importantes espaços que atenderão outras demandas esportivas e culturais.

Os valores que se aproximam de R$ 9 bi

para os investimentos nos estádios não serão extraídos no exercício orçamentário apenas do ano de 2014. Este capital financeiro está dividido em orçamentos anuais, ou seja, é necessário para termos a noção do impacto financeiro, distribuir estes valores nos últi-mos quatro orçamentos anuais.

Percebendo então que existe certa redução do investimento atual (2014) para a conclusão dos estádios de futebol, o que evidencia que, os números alardeados de forma calculista e tendenciosa por determinados segmentos, buscam a instabilidade a qualquer custo. Mesmo porque, é preciso ter clareza de que estes valores retornarão de forma direta e indireta aos cofres públicos, bem como, de reconhecermos que é imperioso o investi-mento público em obras de impacto social, sobre tudo de esporte e cultura.

Da mesma forma, é desejável e necessário que reflitamos a relação destes investimentos na questão dos estádios de futebol com a situação da saúde do País.

Nesta direção temos o anuncio do Go-verno Central em Brasília, que aprovou no congresso o orçamento para este ano de aproximadamente R$ 100 bilhões em re-cursos federais para a Saúde. Portanto, se considerarmos que teremos ainda alguns ajustes no orçamento para a conclusão dos estádios na divisão do orçamento supraci-tado (quatro últimos anos), prevendo assim que 2014 seja o ano que estas obras levaram maiores quantias orçamentárias. Então de forma aqui especulativa, digamos que a Presidente Dilma aplique nos estádios este ano o valor de R$ 5 bi, isso representaria apenas 5% do orçamento previsto para do investimento na saúde.

Ora atento leitor, não é difícil perceber que 5% do orçamento não são suficientes para resolver os problemas incrustados no sistema de saúde no Brasil. Isso porque, en-frentamos de forma muito tímida algumas situação e problemas que vão para além das cifras orçamentárias, a exemplo do corpora-tivismo das empresas farmacêuticas, o lobby de parte dos médicos brasileiros contra os médicos estrangeiros, em especial aos cuba-nos, a tímida valorização que o povo dá em debates e pleitos eleitorais a investimentos relacionados à ciência e tecnologia, e que, de forma assustadora exista ainda gestores em administrações públicas municipais e estaduais que não aplicam o orçamento mínimo obrigatório, e ou, mesmo depois de denúncias de corrupção e falta de trans-parência, ainda estejam atuando no cenário político brasileiro.

Para além da pretensão de definir o que é “verdades e mentiras”, o fato é que não podemos anular a dimensão política do debate, qualificando e ampliando a efetiva participação das pessoas na coisa pública, onde é imprescindível debatermos constan-temente nossas relações, neste “jogo” que não é o da copa do mundo de futebol, mas sim, dos interesses de grupos e de ideologias frente aos interesses geral do povo.

É fundamental que nos permitamos con-frontar as ideias, extirpando a manipulação do censo comum nos processos de decisão, e sim expondo as múltiplas formas de se ver o mundo a qual estamos inseridos, com capacidade analítica para não deixarmos que obscuros e tendenciosos interesses conforme a opinião pública com duvidosas “verdades e mentiras”.

Verdades e Mentiras!

WILSONEY GONÇALVESAcadêmico de Ciências Sociais