Sala de Audiências ou do Trono - Palácio de Mafra - Sala do Trono.pdf · 2017. 7. 17. · Sala de...

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Sala de Audiências ou do Trono A pintura desta sala, inserida na campanha promovida pelo Príncipe Regente, futuro D. João VI, no Real paço de Mafra, teve início em 1804 e ocupou, para além de Cirilo Volkmar Machado, outros pintores como Manuel Piolti e Domingos Sequeira. A sala é pintada a têmpera "... à maneira neoclássica, com alegorias Históricas e mitológicas ..."., como o pintor refere nas suas Memórias 1 Foi este quem se ocupou da pintura do painel central do tecto, onde representou o Anjo Tutelar de Portugal protegendo com o seu escudo o Rei e toda a Família Real, rodeado pelas figuras dos sábios, ministros, militares, e eclesiásticos beneméritos”. Desenhou também as outras figuras que foram depois executadas por pintores auxiliares como Bartolomeu Calisto, João de Deos, Fosquini e Joaquim Gregório. 2 Manuel Piolti ficou encarregue de desenhar a “perspectiva e os ornamentos”, executados depois por pintores auxiliares como José António Narciso, Anacleto José Narciso, Vicente Paulo, Eusébio de Oliveira, Eugénio Joaquim Alvares e José Thomaz. 1 2 Ibidem.

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  • Sala de Audiências ou do Trono

    A pintura desta sala, inserida na campanha promovida pelo Príncipe Regente,

    futuro D. João VI, no Real paço de Mafra, teve início em 1804 e ocupou, para além

    de Cirilo Volkmar Machado, outros pintores como Manuel Piolti e Domingos

    Sequeira.

    A sala é pintada a têmpera "... à maneira neoclássica, com alegorias Históricas e

    mitológicas ..."., como o pintor refere nas suas Memórias1

    Foi este quem se ocupou da pintura do painel central do tecto, onde representou o

    Anjo Tutelar de Portugal protegendo com o seu escudo o Rei e toda a Família Real,

    rodeado pelas figuras dos “sábios, ministros, militares, e eclesiásticos

    beneméritos”.

    Desenhou também as outras figuras que foram depois executadas por pintores

    auxiliares como Bartolomeu Calisto, João de Deos, Fosquini e Joaquim Gregório.2

    Manuel Piolti ficou encarregue de desenhar a “perspectiva e os ornamentos”,

    executados depois por pintores auxiliares como José António Narciso, Anacleto José

    Narciso, Vicente Paulo, Eusébio de Oliveira, Eugénio Joaquim Alvares e José

    Thomaz.

    1

    2 Ibidem.

  • Fotg Henrique Ruas/DGPC

    O painel pintado por Cirilo, "... tem mais de 30 palmos de comprido..."3 e

    representa o Anjo Tutelar da Nação Portuguesa (1) protegendo com o seu escudo o Rei

    D. João VI (2) “Acção que felizmente vimos realizada desde o fim de Novembro de

    1807, até agora, tendo o Ceo preservado toda a Real Família das insidias do mais

    impudente e ardiloso de todos os tiranos." 1

    A pintura evoca a ida da Família Real para o Brasil, a 7 Novembro de 1807,

    evitando assim que o Rei fosse deposto por Napoleão Bonaparte, o “ardiloso

    tirano”.

    3 MACHADO, Cirilo, “Aditamento” in As honras da Pintura (…), 1815, p. 127.

  • Em redor, vemos os Ministros, os Grandes, os Sábios, os Militares e os Eclesiásticos

    Beneméritos a quem a Providencia Regia que manda distribuir prémios.

    Todo o medalhão central está rodeado de anjos e querubins.

    Retomando a descrição de Cirilo, estes representariam “… a mais Alta Providencia

    [que] manda a coroa e o ceptro ao Augusto Possessor do Throno; e o Anjo Tutelar

    da Nação Portugueza o vai cobrir com seu escudo;”

    E rodeando o motivo central, este diz que pintou…” em quanto a Providencia Regia

    manda destribuir os competentes premios aos grandes, aos sábios, a ministros,

    militares, e ecclesiasticos benemeritos;”

    Continuando a descrição dos motivos que rodeiam o painel central, podemos ver:

    túnica branca e um manto rosa. Esta figura está sentada sobre uma nuvem e

    entrega com a mão direita um medalhão com a cruz da ordem de Cristo a um anjo.

  • Com mão esquerda segura a faixa cor-de-rosa onde o medalhão está pendurado “a

    Providencia Regia” [que] “manda destribuir os competentes premios”. (fotog. 18)

    outro medalhão, e outros dois. Um tem entre as mãos uma trompeta e o outro

    segura uma harpa.

    -nos um velho barbado que

    segura com a mão esquerda uma chave (S. Pedro?), mas com uma outra de jovem

    que olha para baixo (dupla face - Jano?). E por baixo deste, duas figuras femininas.

    Uma segura uma corda que prende um cesto que tem às costas e dentro deste

    ramos de oliveira ou loureiro e encimado por um caixa de hóstias ou uma cúpula

    branca que tem no topo uma cruz dourada. A outra figura segura um instrumento

    musical.

    Por baixo da figura principal, está um grupo de anjos. O que está mais próximo da

    figura central segura uma palma e tem junto de si outros três anjos. Por baixo

    destes um outro anjo que segura uma grinalda de flores.

    Rodando do lado nascente para norte, temos:

    Sentado numa outra nuvem, um menino vestido de vermelho, comendo frutos. E

    sobre este duas figuras femininas que ajudam alguns anjos a segurar uma grinalda

    de flores. Entre estas duas figuras aparecem-nos duas caras, uma de velho e outra

    jovem, a espreitar.

    No painel, a sudoeste, está pintado o conjunto dos “Ministros” e “Grandes”.

  • Fotog. Gabriela Cordeiro/PNM

    Os Ministros são representados por três figuras com cabeleira e jabot, sentados

    numa nuvem, tendo o personagem do meio ao peito uma cruz de Cristo. As três

    figuras estão a receber de um anjo um mapa enrolado. (1)

    No grupo dos Grandes encontramos um pintor (2) que na mão direita tem uma

    paleta e um pincel e com o braço esquerdo ampara um retrato do Príncipe Regente

    (3). Também a figura que com a sua mão direita segura um compasso e com a

    esquerda abraça um anjo (4) e a de um escultor que abraça um busto de mulher

    (5). Junto ao pedestal deste busto, estão representados um escopro e um martelo.

    E finalmente, um grupo representando músicos com os sues instrumentos (6)

    A sudeste do tecto, aparecem-nos um grupo de quatro frades, dois agostinhos e

    dois franciscanos intercalados tendo, entre eles, outras figuras a espreitar. O grupo

    está rodeado de querubins e anjos. São os “ecclesiasticos benemeritos”.

  • Fotog. Gabriela Cordeiro/PNM

    A sudeste existe ainda o grupo dos “militares”, hoje difícil de observar devido à

    grande quantidade de fungos que cobrem o tecto.

    Nos topos nascente e poente da sala estão pintados dois enormes dosséis vermelhos

    com franjas douradas, seguros por diversas figuras de querubim, também da

    autoria de Manuel Piolti.

    Sob ambos os dosséis, a figura central representa a Lusitânia figura central vestida

    à maneira romana com um elmo emplumado.

    A figura a nascente segura na mão direita o cordão de um medalhão com uma

    efígie e apoia-se com a mão esquerda numa aljava. Do seu lado direito está um

    cisne. A figura pisa com o pé direito uma outra, deitada, que se esconde por detrás

    de uma máscara. Esta figura está assente sobre um plinto aonde nos aparece uma

    cerimónia de coroação. Ladeando a figura central existem duas figuras masculinas.

    A do lado direito segura, com a mão direita, uma coroa de ouro, outra de louros e

    um colar com a cruz de Malta. Na mão esquerda tem uma palma e uma parra.

  • Entre estas duas figuras encontra-se um querubim que olha para a figura masculina

    enquanto segura o cordão que a figura central tem na mão. Do lado esquerdo, uma

    figura de velho tem na mão direita uma alabarda e sobre si, seguras com a mão

    esquerda umas grilhetas abertas, simboliza provavelmente a libertação de

    Portugal. Entre esta figura e a central temos um outro querubim que tem na mão

    duas setas cruzadas, que segreda à figura de velho. Estas figuras laterais

    encontram-se deitadas, ocupando o resto da largura do painel e observam a figura

    central.

    Não existe qualquer explicação de Cirilo para esta composição. No entanto, e

    comparando com outras pinturas murais deste nomeadamente no Palácio da Ajuda

    e o manuscrito de Frei João de Santa Anna4, podemos supor que se trata de uma

    alegoria à Lusitânia libertada do jugo francês.

    No topo poente está pintada, a mesma figura central (1) segurando na mão direita

    um ceptro (2) e, na esquerda, o escudo com as armas da coroa portuguesa. (3)

    Fotog Luís Pavão

    4 SANTA ANNA, Frei João de, Real Edificio Mafrense visto por fora e por dentro(...), 1828, p.398.

  • Segundo, Frei João de Santa Anna esta figura representa também a Lusitânia5,

    tendo no elmo o dragão da Casa de Bragança (4).

    A Lusitânia pisa com o pé direito a Perfídia (5). De cada lado, uma figura apoiada

    num grande pote de onde jorra água, simboliza os Oceanos (6 e 7 ).

    Ambas as figuras da Lusitânia estão pousadas sobre um plinto que tem esculpido, a

    nascente a coroação de D. João IV e a poente, a consagração da coroa de Portugal

    a Nossa Senhora da Conceição pelo mesmo Rei.

    A nascente e poente da sala, por baixo de cada uma das grandes figuras de topo

    encontram-se quatro Atlantes. Estes estão de joelhos e seguram um entablamento

    arquitectónico fingido. São também pintados com a técnica do claro/escuro.

    Por baixo de cada conjunto de atlantes está outro quadro, também em

    claro/escuro, com duas figuras femininas segurando o escudo português. A do lado

    nascente tem por baixo do escudo o sol nascente , enquanto que a do lado poente

    tem umas grilhetas abertas, mais uma vez a simbolizar a libertação da Nação

    Portuguesa.

    A sala está rodeada por oito figuras da autoria de Domingos Sequeira (1768/1837),

    representado a Virtudes Reais, a saber:

    Do lado Norte:

    Perfectio/Perfeição

    5 SANTA ANNA, Frei João de, Real Edificio Mafrense visto por fora e por dentro(...), 1828, p.398.

  • Fotog Paulo Andrade

    Tranquilitas/Tranquilidade ou Calma.

  • Fotog Paulo Andrade

    Docilitas/Docilidade ou Brandura

    Sciencia/Ciência ou Conhecimento

  • Fotog Paulo Andrade

    Do lado Sul

    Generositas/Magnanimidade

  • Fotog Paulo Andrade

    Concorditas/Harmonia [não pintado]

    Fotog Paulo Andrade

  • Constantia/Constância

    Fotog Paulo Andrade

    Diligentia/Diligência ou Prudência

  • Fotog Paulo Andrade

    Por baixo de cada uma das virtudes está representado um quadro com cenas de

    batalha.

    Estes painéis em claro/escuro foram executados com base em desenhos de

    Domingos António de Sequeira, como refere o próprio Cirilo6.

    Para o estudo dos volumes e sombras destes baixos-relevos, o Director da Escola de

    Escultura de Mafra ao tempo, Brás Toscano de Melo, modelou em parceria com o escultor

    Roberto Luís da Silva Campos, aluno nesta escola, modelos tridimensionais em gesso que

    ainda hoje fazem parte do acerco do monumento.

    Segundo Frei João de Santa Anna, na sua descrição do Monumento de Mafra, estes

    quadros representariam as campanhas da Índia.

    6 MACHADO, Cirilo Volkmar, “ Aditamento” in As Honras da Pintura, esculptura e architectura de João

    Pedro Bellori, 1815, p. 128.

  • No entanto, para Ayres de Carvalho na Obra Mafrense, as cenas representadas

    corresponderiam às Guerras da Restauração.

    Pela análise destes desenhos, bem como dos próprios painéis e por comparação

    com reproduções de trajes da época em livros de história do traje, parece-nos mais

    correcta esta segunda interpretação, uma vez que, tanto quanto nos foi dado

    observar, não existem figuras de orientais representadas, mas apenas militares com

    traje europeu.

    Isabel Yglesias de Oliveira

    com Mª Fernanda Santos, Mª Gabriela Cordeiro e Rita Miranda

    Comemorações do Centenário das Guerras peninsulares 2007/2006