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UNIVERSIDADE DE ARARAQUARA Programa de Pós-Graduação em Processos de Ensino, Gestão e Inovação Sand Mayara Giacomelli de Melo Sobre o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio: um estudo bibliográfico a partir de publicações da ANPEd (2004 a 2015) ARARAQUARA - SP 2017

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UNIVERSIDADE DE ARARAQUARA

Programa de Ps-Graduao em Processos de Ensino, Gesto e Inovao

Sand Mayara Giacomelli de Melo

Sobre o ensino de Lngua Portuguesa no Ensino Mdio: um estudo bibliogrfico a partir

de publicaes da ANPEd (2004 a 2015)

ARARAQUARA - SP

2017

Sand Mayara Giacomelli de Melo

Sobre o ensino de Lngua Portuguesa no Ensino Mdio: um estudo bibliogrfico a partir

de publicaes da ANPEd (2004 a 2015)

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Processos de Ensino, Gesto e

Inovao da Universidade de Araraquara

UNIARA como parte dos requisitos para

obteno do ttulo de Mestre em Processos de

Ensino, Gesto e Inovao.

Linha de pesquisa: Processos de Ensino.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Betanea

Platzer

ARARAQUARA - SP

2017

Dedico este trabalho s pessoas mais especiais da

minha vida: meu esposo, minha me, meu pai e

minha av materna (in memoriam).

Obrigada por todo amor e carinho dedicados a mim.

Obrigada tambm por sempre acreditarem em mim

e, acima de tudo, me incentivarem a realizar mais

esse sonho.

minha orientadora, por todos os ensinamentos,

pela sua dedicao e, acima de tudo, pela pessoa

humana que s.

Agradecimentos

Ao finalizarmos uma jornada, jamais poderemos crer que a vencemos sozinhos. Chegar

at aqui foi fruto de muito esforo pessoal, mas sempre apoiada e amparada por muitos, o que

tornou o caminho um pouco mais leve e possvel de realizar.

Inquestionavelmente, quero agradecer:

minha adorvel orientadora, Profa. Dra. Maria Betanea Platzer, por me mostrar o

caminho, orientar meus passos, mas sempre me deixar seguir. Obrigada por tornar essa rdua

tarefa mais fcil, voc (com muita pacincia) me mostrou a vida acadmica de uma forma leve

e encantadora. A voc Profa. Dra. Maria Betanea Platzer e agora, querida amiga, Betanea,

minha eterna gratido!

UNIARA e a todos os professores do mestrado que compartilharam seus

conhecimentos conosco.

s professoras Dra.Dirce Charara Monteiro e Dra.Mrcia Regina Onofre pela leitura

criteriosa do trabalho e pelas valiosas contribuies no exame de qualificao.

A meus pais, Sidinei e Selma, que mesmo sem entender direito do que se tratava este

trabalho, sempre me respeitaram e incentivaram a sua realizao. Obrigada por sempre

acreditarem em mim, dando-me suporte e a segurana de que tanto precisei ao longo da vida e,

em especial, nesse desafio.

minha querida av (in memoriam), Maria, por sempre ser para mim um exemplo de

mulher e de pessoa, um espelho de dedicao e perseverana. E claro por ter me amado e ter

feito de minha infncia um dos melhores momentos de minha vida.

A meu marido, Diego Bertino, meu maior incentivador e companheiro. Obrigada por

toda pacincia nos momentos difceis, por compreender minha ausncia durante esses dois

longos anos. Sem voc nada seria o que .

A todos os colegas de mestrado, mas em especial s minhas amigas, Mariana,

Maringela e Patrcia, por todos os momentos de apoio, aprendizado, companheirismo e

descontrao. Sem vocs o caminho no teria sido leve. Obrigada pela amizade!

minha primeira professora, que me ensinou a ler e a escrever, Tia Sueli, em nome da

qual, homenageio todos os professores que passaram pela minha vida e que fazem parte da

minha histria.

Especialmente, a Deus, que me iluminou, me deu sabedoria e me carregou no colo!

Somos feitos da matria dos sonhos; nossa vida

pequenina cercada pelo sono.

William Shakespeare

RESUMO

Este trabalho investiga estudos publicados na Associao Nacional de Ps-Graduao e

Pesquisa em Educao (ANPEd) nos anos de 2004 a 2015, que versam sobre o domnio do

cdigo escrito, especificamente, de alunos que frequentam o Ensino Mdio, considerando que

essa etapa final da Educao Bsica deva proporcionar aos adolescentes uma autonomia em

relao a prticas competentes e significativas de leitura e escrita. Para tanto, por meio de uma

pesquisa de cunho bibliogrfico, buscamos conhecer e analisar as contribuies cientficas

disseminadas na ANPEd com foco no ensino de Lngua Portuguesa do Ensino Mdio,

verificando como essa temtica tem sido abordada nessas publicaes. Sendo assim, nosso

estudo envolve o mapeamento de artigos publicados na ANPEd com divulgao junto aos

Grupos de Trabalho (GTs): Didtica e Alfabetizao, Leitura e Escrita. Para o

desenvolvimento e mapeamento deste estudo consideramos alguns descritores a serem

contemplados nas publicaes, como: leitura e escrita; Ensino Mdio e, ainda palavras que

sinalizassem prticas de ensino de um modo geral. Nossa investigao apontou que entre os

340 estudos publicados na ANPEd nos ltimos 11 anos, apenas 9 artigos abordam o ensino de

lngua materna na ltima etapa da Educao Bsica. Para nossa pesquisa, os artigos

selecionados foram analisados a partir da definio dos seguintes eixos temticos: Estratgias

de ensino de Lngua Portuguesa: nfase na leitura; Estratgias de ensino de Lngua Portuguesa:

nfase na escrita e; Saberes docentes e prticas pedaggicas. Nossa investigao revela que as

reflexes sobre Lngua Portuguesa no Ensino Mdio esto sendo realizadas a partir de

diferentes enfoques. Alm disso, verificamos um nmero reduzido de estudos relacionados ao

ensino de Lngua Portuguesa nessa etapa final da Educao Bsica. Nesse universo, o

levantamento bibliogrfico aponta os temas, subtemas e contedos priorizados em pesquisas,

entre eles: estratgias de ensino e aprendizagem de leitura e escrita e discusses sobre os saberes

docentes e prticas pedaggicas referentes ao ensino de lngua materna no Ensino Mdio.

Verificamos ainda lacunas e necessidades de outros estudos acerca da rea do conhecimento

investigada.

Palavras-chave: Leitura. Escrita. Ensino Mdio. ANPEd.

ABSTRACT

This work investigates studies published at Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa

em Educao (ANPEd) from 2004 to 2015, which are about the realm of written code by

students who are in high school, specifically, considering that this final stage of Basic Education

might provide adolescents greater independence in relation to competent and significant

practices of reading and writing. For this purpose, through a bibliographic mark, the aim was

to know and analyze the scientific contributions disseminated at ANPEd focusing on the

teaching of Portuguese Language at High School, verifying how this issue has been approached

in these publications. Therefore, our study involves the mapping of published articles at ANPEd

with disclosure together with Groups of Work (GTs): Didactics and Literacy, Reading and

Writing. To the development and mapping of this study, we considered some keywords to be

contemplated in the publications such as reading and writing; High School and also words that

indicated teaching practices all in all. Our investigation pointed that among the 340 studies that

have been published at ANPEd in the past 11 years, only 9 articles approach the teaching of

mother language into account in the last stage of Basic Education. To our research, the selected

articles were analyzed from the definition of the following thematic axes: Teaching strategies

of Portuguese Language: reading emphasis; Teaching strategies of Portuguese Language:

writing emphasis and; Teacher knowledges and educational practices. Our investigation reveals

that the thinking about Portuguese Language in High School is being done from different

approaches. Besides that, we could verify a reduced number of studies related to the teaching

of Portuguese Language in this final stage of Basic Education. Inside this universe, the

bibliographic search points the themes, subthemes and prioritized issues such as teaching and

learning strategies for reading and writing and discussions about teacher knowledge and

pedagogical practice referred to mother tongue teaching in high schools. We could still notice

gaps and necessities of other studies in the investigated area of knowledge.

Keywords: Reading; Writing; High School; ANPEd.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Classificao e descrio do nveis de proficincia do SARESP - 2013 ............... 31

Quadro 2 - Classificao e temas dos Grupos de Trabalho da ANPEd .................................. 65

Quadro 3 - Principais informaes das publicaes selecionadas .......................................... 74

Quadro 4 - Eixos temticos ..................................................................................................... 75

Quadro 5 - Textos que compem o eixo Estratgias de Ensino de Lngua Portuguesa: nfase

na Leitura .................................................................................................................................. 78

Quadro 6 - Sntese do artigo analisado.................................................................................... 78

Quadro 7 - Sntese do artigo analisado.................................................................................... 81

Quadro 8 - Sntese do artigo analisado.................................................................................... 82

Quadro 9 - Sntese do artigo analisado.................................................................................... 84

Quadro 10 - Textos que compem o eixo Estratgias de Ensino de Lngua Portuguesa: nfase

na Leitura .................................................................................................................................. 93

Quadro 11 - Sntese do artigo analisado ................................................................................. 93

Quadro 12 - Sntese do artigo analisado ................................................................................. 95

Quadro 13 - Sntese do artigo analisado ................................................................................. 97

Quadro 14 - Textos que compem o eixo Saberes docentes e prticas pedaggicas ......... 105

Quadro 15 - Sntese do artigo analisado ............................................................................... 105

Quadro 16 - Sntese do artigo analisado ............................................................................... 107

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Total de publicaes nos Grupos de Trabalho da ANPEd ..................................... 66

Tabela 2 - Seleo de trabalhos por ttulo ............................................................................... 68

Tabela 3 - Seleo de trabalhos pelos resumos ...................................................................... 70

Tabela 4 -Seleo de trabalhos pela leitura integral dos artigos .............................................. 71

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANPEd Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao

DCNEB Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Bsica

DCNEM Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio

EAD Educao a Distncia

EFAP Escola de Formao e Aperfeioamento dos Professores do Estado de So

Paulo Paulo Renato Costa

EJA Educao de Jovens e Adultos

EM Ensino Mdio

ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio

ENDIPE Encontro Nacional de Didtica e Prticas de Ensino

GT Grupos de Trabalho

HQs Histria em Quadrinhos

INAF Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

MEC Ministrio da Educao

PCN Parmetros Curriculares Nacionais

PCNEM Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio

PCN+ Orientaes Educacionais Complementares aos Parmetros Curriculares

Nacionais

PDE Plano de Desenvolvimento da Educao

PDE Plano de Desenvolvimento da Escola

PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola

PIBID Programa Institucional de Bolsa Docncia

PISA Programa Internacional de Avaliao dos Estudantes

PNBE Programa Nacional Biblioteca da Escola

PNE Plano Nacional da Educao

PNLD Programa Nacional do Livro Didtico

PNLL Plano Nacional do Livro e Leitura

SAEB Sistema de Avaliao da Educao Bsica

SARESP Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar do Estado de So Paulo

SEE Secretaria da Educao do Estado

SEE-SP Secretaria da Educao do Estado de So Paulo

TLD Tertlia Literria Dialgica

UNESCO Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura

SUMRIO

INTRODUO ............................................................................................................................... 13

1. LNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MDIO BRASILEIRO: legislao, formao de

professores e processos avaliativos ................................................................................................. 22

1.1 O ensino de Lngua Portuguesa a partir de aspectos legais .................................................. 22

1.2 Reflexes sobre o processo de ensino e aprendizagem de Lngua Portuguesa no Ensino

Mdio: nfase nas avaliaes externas ....................................................................................... 26

1.3 Formao de professores na atualidade: contribuies para o debate .................................. 33

2. O ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA: QUAIS OS DESAFIOS DO PROFESSOR? ........ 45

2.1 Aes didtico-pedaggicas no ensino de Lngua Portuguesa no Ensino Mdio: alguns

apontamentos e reflexes ............................................................................................................ 45

2.2 O ensino de Lngua Portuguesa em sala de aula: sugestes metodolgicas ......................... 56

3. ANPEd: UMA ABORDAGEM SOBRE O ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA (CDIGO

ESCRITO) NO ENSINO MDIO (2004 A 2005) .......................................................................... 62

3.1 Compreendendo uma pesquisa bibliogrfica ........................................................................ 62

3.2 Os estudos referentes a Leitura e Escrita, Ensino Mdio e Prtica Docente ........................ 72

4. ANLISE DOS TRABALHOS PUBLICADOS NA ANPEd (2004 A 2105): REFLETINDO SOBRE O ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MDIO .................................. 77

4.1 Anlise dos Eixos Temticos ................................................................................................ 77

4.2 Textos selecionados no Eixo Temtico Estratgias de ensino de Lngua Portuguesa: nfase

na leitura ................................................................................................................................... 78

4.2.1 Sntese dos artigos selecionados no eixo Estratgias de ensino de Lngua Portuguesa:

nfase na leitura .................................................................................................................... 78

4.2.2 Reflexes relativas s principais ideias dos textos do Eixo Temtico Estratgias de

ensino de Lngua Portuguesa: nfase na leitura .................................................................... 86

4.3 Textos selecionados no Eixo Temtico Estratgias de ensino de Lngua Portuguesa: nfase

na escrita ................................................................................................................................... 93

4.3.1 Sntese dos artigos selecionados no Eixo Temtico Estratgias de ensino de Lngua

Portuguesa: nfase na escrita ................................................................................................ 93

4.3.2 Reflexes relativas s principais ideias dos textos do Eixo Temtico Estratgias de

ensino de Lngua Portuguesa: nfase na escrita ...................................................................... 98

4.4 Textos selecionados no Eixo Temtico Saberes docentes e prticas pedaggicas ......... 105

4.4.1 Sntese dos artigos selecionados no Eixo Temtico Saberes docentes e prticas

pedaggicas ......................................................................................................................... 105

4.4.2 Reflexes relativas s principais ideias dos textos do Eixo Temtico Saberes docentes

e prticas pedaggicas ......................................................................................................... 109

CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................................ 118

REFERNCIAS ............................................................................................................................ 123

13

INTRODUO

A anlise de desempenho da Educao Bsica, segundo Draibe, Costa e Silva (1999),

por meio de indicadores (tais como, o nvel de escolarizao da populao adulta, a taxa de

analfabetismo, a acelerao da melhoria do sistema educacional) nos levam a inferir

erroneamente que o perfil educacional brasileiro melhorou sensivelmente nos ltimos anos.

Nessa perspectiva, essa tendncia da observao da Educao Bsica aponta inequivocamente

para uma melhoria no desempenho da educao brasileira, j que [...] o perfil educacional da

populao mostra-se insatisfatrio, principalmente quando medido em termos comparativos

internacionais (DRAIBE, COSTA, SILVA, 1999, p. 37).

Sendo assim, podemos considerar que h, portanto, ainda uma margem relativamente

ampla de melhora a ser atingida na Educao Bsica, o que demanda esforos persistentes, alm

de polticas e programas especficos relacionados a todos os nveis do sistema educacional.

Diante das reflexes sobre a Educao Bsica, podemos considerar que na escola brasileira,

no raramente, as aes didtico-pedaggicas relativas ao ensino de Lngua Portuguesa so

desprovidas de significado e motivao.

Nesse universo, h inmeras crticas sobre o ensino de lngua materna para crianas, j

que Parece indiscutvel que as crianas de nossa sociedade devem aprender a ler e escrever

(COLELLO, 2007, p. 27). Contudo, podemos compreender que a sociedade, em geral, atribui

respostas vagas, por vezes incompletas e at paradoxais relativas ao valor e a importncia da

alfabetizao de crianas e/ou adolescentes. Nesse sentido, as expectativas do ensino do cdigo

oral e escrito so to imprecisas quanto a prpria compreenso do alfabetizar (COLELLO,

2007).

Diante dessa realidade, as aes didtico-pedaggicas relacionadas ao ensino de Lngua

Portuguesa aparecem estritamente ligadas vida estudantil no sentido de: ler para aprender e

escrever para comprovar o aprendizado. Embora esse seja o intento principal do ensino de

lngua materna no ambiente escolar, e at legtimo e desejvel, a nfase atribuda aos fins

tipicamente escolares mascaram o alcance da conquista da escrita, tornando-a artificial e, na

maioria das vezes, desprovida de significado e motivao (COLELLO, 2007).

De acordo com Jurado e Rojo (2006), o ensino de Lngua Portuguesa no Ensino Mdio

tambm enfrenta inmeros impasses, pois as aes didtico-pedaggicas relacionadas s

atividades de lngua materna na ltima etapa da educao bsica valorizam conhecimentos da

gramtica normativa, fragmentados e descontextualizados. Dessa forma,

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O ensino de leitura vai desde o desenvolvimento da capacidade de decodificar

a palavra escrita at a capacidade de compreender textos escritos mais como

uma decifrao do sentido pronto do texto, considerado como uma

combinao de palavras com significados nicos, literais, monofnicos,

cabendo ao leitor apenas o domnio desses significados para chegar

interpretao autorizada (JURADO; ROJO, 2006, p.42).

Podemos afirmar, ento, que o ensino de Lngua Portuguesa no Ensino Mdio est

fortemente baseado em atividades pedaggicas, que se pautam principalmente: na repetio,

memorizao de conceitos gramaticais e na decifrao dos textos. Esse tipo de prtica escolar

resulta em um aluno incapaz de construir os sentidos dos textos e um leitor que no tem

autonomia para interpretar o que l (JURADO; ROJO, 2006).

Nessa perspectiva, podemos considerar que os problemas e enfrentamentos relativos aos

processos de ensino e aprendizagem de Lngua Portuguesa no sistema educacional brasileiro se

estendem por toda a Educao Bsica, pois se manifestam desde a educao com crianas at a

educao com adolescentes.

Por reconhecermos a importncia de aes didtico-pedaggicas de lngua materna

pautadas nos usos sociais da lngua e na formao de um cidado ativo, tomaremos como

recorte de nossa pesquisa reflexes acerca do ensino de Lngua Portuguesa no Ensino Mdio,

por considerarmos que esta etapa da Educao Bsica deva proporcionar aos alunos uma

autonomia social, tornando um cidado ativo, crtico e consciente.

Para que o aluno egresso do Ensino Mdio desenvolva essa capacidade social, os

processos de ensino e aprendizagem de Lngua Portuguesa dessa etapa de ensino devem ser

capazes de conduzir os estudantes a uma construo gradativa de saberes sobre os textos que

circulam socialmente, isto , devem propiciar ao aluno o refinamento de habilidades de leitura,

escrita, fala e escuta, tornando-o um cidado ativo. Nessa perspectiva, as aes didtico-

pedaggicas de lngua materna podem ser entendidas como um reflexo de um srie de fatores

engendrados por demandas sociais, histricas, culturais e polticas de uma comunidade ou de

uma sociedade. Sob essa lgica, os processos de ensino e aprendizagem, em especial de Lngua

Portuguesa, tm como incumbncia a construo dos usos sociais da lngua, alm de reflexos

sobre variaes lingusticas, tendo em vista os interesses e propsitos sociais dos estudantes

(BRASIL, 2006).

Nesse universo, importante ressaltarmos que h inmeras discusses e propostas

relacionadas aos processos de ensino e aprendizagem na Educao Bsica, especialmente

relativas s prticas pedaggicas de Lngua Portuguesa no Ensino Fundamental. No entanto,

medida em refletimos sobre as prticas pedaggicas de lngua materna no Ensino Mdio nos

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faltam discusses, propostas e/ou respostas objetivas sobre como garantir o direito

aprendizagem de aspectos relacionados ao ensino de Lngua Portuguesa na ltima etapa da

Educao Bsica. exatamente nesse mago que se encontra a proposta de redimensionar a

ltima etapa da Educao Bsica, pois, de acordo com Queiroz (2015), um dos maiores desafios

enfrentados pelo Ensino Mdio a adaptao das aes pedaggicas conforme a realidade dos

alunos.

Sendo assim, os municpios, estados e unio investem cada vez mais em um Ensino

Mdio orientado por metodologias capazes de cativar o interesse dos estudantes, reduzir as

taxas de abandono e colaborar com a insero dos jovens no mercado de trabalho ou nas

universidades. Dentro dessa reorganizao das prticas pedaggicas no Ensino Mdio, os

processos do ensino e aprendizagem devem estar pautados no uso da pesquisa como princpio

educativo no sentido de desenvolver competncias socioemocionais, sobretudo, por meio da

interdisciplinaridade de saberes e conhecimentos, alm de apostarem em modelos educacionais

que integram o Ensino Mdio formao Tcnica (QUEIROZ, 2015).

Dessa forma, confirmamos ento, no caso especfico do Ensino Mdio e, em geral, da

Educao Bsica, a proposio de uma reorganizao nos processos de ensino e aprendizagem

impulsionada pelas prticas sociais de uma sociedade contempornea constituda de inmeras

culturas e tecnologicamente complexa (BRASLIA, 2006). No entanto, apesar da proposta de

ressignificao dos processos de ensino e aprendizagem da Educao Bsica, em especial do

Ensino mdio, a realidade nos mostra que o Brasil ainda encontra um enorme dficit em relao

leitura e escrita quando comparado com parmetros de pases mais ricos e desenvolvidos ou

at mesmo pases da Amrica Latina. Nota-se que apesar do progresso nos indicadores do

analfabetismo absoluto (que se caracteriza como a incapacidade de ler e escrever), ainda temos

muito a progredir, pois 8,5% da populao brasileira em 2012, ou seja, 13,2 milhes de

brasileiros so incapazes de ler e escrever (BRASIL, 2014).

Alm do estgio de analfabetismo absoluto, classificamos os leitores como analfabetos

funcionais, ou seja, indivduos que so capazes de decodificar minimamente um texto, mas

incapazes de compreend-lo em sua totalidade, no conseguindo abstrair informaes

subjacentes do mesmo. O Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (INAF, 2011)

classifica os leitores em trs nveis: no nvel rudimentar encontram-se indivduos com

capacidade de localizar informaes em textos curtos e familiares, ler e escrever nmeros usuais

e realizar informaes simples; j no nvel bsico identificam-se indivduos que possuem

habilidade para leitura de textos de mdia extenso, localizam informaes mesmo que sejam

necessrias pequenas inferncias, leem nmeros na casa dos milhes e resolvem problemas

16

envolvendo uma sequncia simples; por ltimo, considera-se como de nvel pleno pessoas cujas

habilidades no mais impem restries para compreender e interpretar textos em situaes

usuais e tambm, quanto matemtica, conseguem resolver problemas que exigem mais

planejamento, alm de interpretar tabelas, mapas e grficos.

O INAF evidncia que 27% ou 35 milhes de brasileiros so analfabetos funcionais

classificados no nvel rudimentar, que quase a metade ou 47% da populao total do pas

encontram-se no nvel bsico, e que um em cada quatro jovens brasileiros de 15 anos ou mais

consegue compreender totalmente as informaes contidas em um texto e relacion-las com

outros dados (INAF, 2011).

Faz parte das funes da escola contribuir para que o desenvolvimento do educando seja

pleno e efetivo. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN) 9.395/96 -

aponta para essa contribuio de diferentes modos e em diferentes nveis de escolaridade. Por

exemplo, no captulo II sobre as disposies gerais da Educao Bsica - formada pela

Educao Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Mdio prev como objetivo, o

desenvolvimento do educando, assegurando-lhe a formao comum indispensvel para o

exerccio da cidadania e fornecendo-lhe meios para a progresso no trabalho e em estudos

posteriores. Para o Ensino Fundamental, entre outros objetivos, no Art. 32, nos incisos I e III

respectivamente, prev-se o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios

bsicos o pleno domnio da leitura, da escrita e do clculo; e a melhoria da capacidade de

aprendizagem, considerando a aquisio de conhecimentos e habilidades e a formao de

atitudes e valores. No Art. 35, lemos que o Ensino Mdio tem por finalidade o aprimoramento

do educando como pessoa humana, incluindo a formao tica e o desenvolvimento da

autonomia intelectual e do pensamento crtico (BRASIL, 1996).

Dessa forma, podemos compreender por meio dos textos da LDBEN (BRASIL, 1996),

que a escola tem a incumbncia de atuar para promover o desenvolvimento humano, a conquista

de nveis complexos de pensamento e de comprometimento em suas aes.

No ambiente educacional, o professor o grande intermediador do papel da escola, e

ele que se relaciona intrinsicamente com o educando, verificando diariamente que crianas e/ou

adolescentes encontram-se, muitas vezes, em defasagem de aprendizagem em diferentes reas

do conhecimento.

Diante das reflexes sobre o ensino de Lngua Portuguesa, especificamente, dos alunos

que frequentam o Ensino Mdio, o presente estudo, que se constitui como uma Dissertao de

Mestrado, surgiu de inquietaes, dvidas e anseios pertinentes a minha prtica pedaggica,

constituda no cotidiano da sala de aula no Ensino Fundamental e no Ensino Mdio, em

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especial, no ensino profissionalizante. Trago como formao inicial minha graduao em Letras

(Portugus / Ingls), alm de um curso de ps-graduao lato sensu em Teorias Lingusticas de

Ensino.

Desde 2009 atuo na rea da educao como docente de Lngua Portuguesa e Inglesa nas

escolas pblicas de Ensino Fundamental e Mdio, e tambm orientando adolescentes em cursos

de Educao Profissional. No momento, dedico-me somente Educao Profissional,

especificamente com adolescentes que frequentam o Ensino Fundamental e Mdio

simultaneamente ao curso que leciono, ministrando aulas sobre postura, tica, cidadania,

mercado de trabalho, comunicao, lgica entre outros contedos, distanciando-me de minha

formao especfica, visto que no estou atuando diretamente como professora de Lngua

Portuguesa, mas nunca me afastando de minhas inquietaes, relacionadas, sobretudo, s

dificuldades de leitura e escrita de meus educandos, que me acompanham desde o incio de

minha carreira.

Em minha monografia do curso de Especializao (GIACOMELLI, 2011), realizei um

estudo que sugere o uso do gnero textual parbola nas aulas de Lngua Portuguesa, como uma

ao didtico-pedaggica para a ampliao da competncia leitora e escritora dos alunos, em

especial do 8 ano do Ensino Fundamental. Concentrei-me em refletir sobre o ensino de lngua

materna centrado nas prticas de leituras verticais, ou seja, uma leitura implcita, subjacente;

posicionando os alunos de forma crtica e ativa diante de diversos gneros textuais. A pesquisa

surgiu da dificuldade enfrentada em sala de aula de formar o aluno para uma leitura de mundo

e tambm da inteno de banir ao mximo os chamados analfabetos funcionais de nossa

realidade, contribuindo para uma autonomia desses alunos no que se refere ao domnio da

leitura e da escrita. Nesse universo de reflexes, minhas preocupaes tambm pautaram-se em

impasses lingusticos que constantemente identificamos nos resultados do Exame Nacional do

Ensino Mdio (ENEM) e de vestibulares.

Ao ingressar no presente Programa de Mestrado, a preocupao com as dificuldades de

leitura e escrita dos alunos me acompanham, mas agora no mais somente com as prticas de

ensino e aprendizagem focadas ao vestibular e ao ENEM, mas, sim, com uma formao do

aluno, que englobe aspectos como a leitura e a escrita crtica, tornando-o progressivamente ao

longo de sua vida escolar um sujeito autnomo, capaz de cumprir seu papel de cidado, ou seja,

minha preocupao agua-se em relao participao ativa do sujeito em sociedade em se

tratando de aspectos referentes ao uso do cdigo escrito.

E como retorno a esse complexo cotidiano, agora visto sob outra perspectiva, que esta

pesquisa se constitui, para contribuir acerca de reflexes que se tornam cada vez mais relevantes

18

aos sujeitos, que direta ou indiretamente se envolvem com o ensino entre eles: professores,

pesquisadores, formadores, gestores, estudantes, comunidade, famlia - em especial, de Lngua

Portuguesa na etapa final da Educao Bsica.

Alm da necessidade de responder aos desafios postos pela sala de aula, uma segunda

razo para realizarmos a presente pesquisa sobre o campo da linguagem escrita, a carncia de

estudos voltados especificamente para o ensino de lngua materna no Ensino Mdio.

Se muitas pesquisas aplicadas ao ensino j se debruaram sobre a realidade do

ensino fundamental I e do ensino fundamental II (por exemplo, Dionisio &

Bezerra, 2001; Rojo & Batista, 2003 a), isso no se repete para a etapa

posterior de escolarizao, o EM (cf. Perez, 1991, Bonini, 1998, Mendona,

2001). H de fato uma demanda por pesquisas que ajudem a compreender

porque razes, no EM, as competncias relativas ao campo da linguagem

ainda esto longe do patamar desejado, como indicam, mesmo que de maneira

parcial, avaliaes de nvel nacional como o Sistema de Avaliao da

Educao Bsica (SAEB) e o Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM)

(MENDONA, BUNZEN, 2006, p. 12-3).

Nesse universo, os autores afirmam, ainda, que apenas com a divulgao de dados

oficiais sobre o Ensino Mdio, alm dos resultados do ENEM e do SAEB, sem uma reflexo

adequada e uma postura propositiva, a disseminao desses dados pode causar um efeito

indesejvel e consequentemente at desnortear e desanimar os educadores (MENDONA,

BUNZEN, 2006). Nessa dinmica, justificamos, ento nossa inteno em investigar estudos

relativos ao ensino de lngua materna no contexto do Ensino Mdio.

Estudiosos do campo da linguagem escrita, entre eles, Geraldi (1999), Possenti (1999),

Silva (2010), Miller (2010), Lima (2011) e Berbel (2011) contribuem para questes

relacionadas ao ensino de Lngua Portuguesa na escola contempornea. No entanto,

percebemos, ainda, que a maioria dos estudos associados a essa rea da educao tem como

foco reflexes e discusses relacionadas aos anos inicias da Educao Bsica.

Nesse sentido, compreendemos de acordo com Souza (2004), que o enfoque grandioso

atribudo a reflexes relacionadas alfabetizao, apenas fortalece um crculo vicioso movido

pela falsa ideia de que basta alfabetizar, quando, de fato, se no se formarem leitores efetivos e

eficientes tambm no se formaro mediadores de leitura. Nessa concepo, podemos inferir

ento, o foco de inquietaes relacionadas ao ensino de Lngua Portuguesa encontra-se em sua

maioria sobre os alunos dos anos inicias da Educao Bsica por se tratar do momento em que

o aluno alfabetizado e por se ter uma falsa concepo de que se a criana aprende a codificar

e a decodificar a palavra ela se tornar um leitor e um escritor eficiente. claro que se a criana

no for capaz de decodificar um texto ela jamais conseguir realizar uma leitura profunda do

mesmo, mas tambm precisamos entender que alm da leitura superficial os indivduos

19

necessitam, para cumprirem seu papel social, de habilidades de leitura e escrita mais densas. E

pensando na autonomia do indivduo que constatamos a importncia de compreenses e

anlises associadas a dificuldades leitoras e escritoras dos alunos do Ensino Mdio, que a

etapa final da Educao Bsica e que deve proporcionar ao adolescente a capacidade de atuar

como cidado ativo em uma sociedade extremamente globalizada.

Desse modo, admitimos a importncia de investigarmos e mapearmos o que relatam

pesquisas realizadas entre os anos de 2004 a 2015 e que foram publicadas em artigos na

Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd). Para tanto,

analisamos trabalhos com foco na leitura e escrita dos alunos do Ensino Mdio.

Com a finalidade de suavizar problemas e dificuldades referentes ao domnio da leitura e

da escrita dos alunos da Educao Bsica, acreditamos que as aes didtico-pedaggicas dos

professores de Lngua Portuguesa do Ensino Mdio devam estar pautadas e embasadas em um

aprendizado significativo, e concentrando as propostas de ensino e aprendizagem na mediao

do professor com atividades respaldadas na bagagem, que cada aluno traz de suas

experincias cotidianas, podendo a partir dessa perspectiva at trabalhar com projetos

especficos de leitura e escrita de textos, apresentando aos alunos gneros textuais que podem

proporcionar uma maior aproximao com o leitor, como proposta de superao das

dificuldades no somente na lngua escrita, mas tambm na superao de dificuldades da

linguagem como interao social, pensando em tornar o educando um sujeito-autor e no apenas

um mero enunciador de discursos alheios, promovendo a autonomia do educando por meio de

aprendizados significativos.

Diante das discusses sobre o domnio do cdigo escrito pelos alunos que finalizam o

Ensino Mdio, apontamos problemas nas aes didtico-pedaggicas referentes ao ensino de

Lngua Portuguesa, bem como no domnio da leitura e da escrita de jovens egressos da ltima

etapa da Educao Bsica.

Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo central mapear e investigar publicaes

da ANPEd, nos anos de 2004 a 2015, acerca do ensino de Lngua Portuguesa no Ensino Mdio,

verificando como essa temtica tem sido abordada pelos pesquisadores.

Nosso estudo envolve o mapeamento de pesquisas da base de dados da ANPEd, nos

anos de 2004 a 2015. Optamos por esse perodo em razo dos estudos investigados focarem os

ltimos 11 anos de publicaes, trazendo assim dados mais atuais para reflexes acerca do

ensino de Lngua Portuguesa. Para nosso mapeamento definimos tambm a anlise de estudos

com divulgao junto aos Grupos de Trabalho (GTs):

20

04 - Didtica;

10 - Alfabetizao, Leitura e Escrita;

A opo pelo GT 04 (Didtica) ocorre em razo desse Grupo de Trabalho apresentar

pesquisas referentes a questes sobre processos de ensino e aprendizagem e prtica docente. J

a escolha pelo GT 10 (Alfabetizao, Leitura e Escrita) ocorre em funo desse Grupo de

Trabalho evidenciar especificamente estudos relativos ao cdigo escrito.

Com suporte para o desenvolvimento e mapeamento das pesquisas publicadas nos GTs

04 e 10 da ANPEd, consideramos alguns descritores como: Leitura e Escrita; Ensino Mdio e,

ainda, palavras que sinalizassem prticas de ensino de um modo geral.

Assim sendo, nosso trabalho est organizado em 4 captulos que focalizam com

amplitude a realidade do Ensino Mdio. Temos, portanto, uma reflexo sistemtica tanto sobre

os documentos oficiais e suas consequncias nos processos de ensino e aprendizagem, quanto

sobre diversas dimenses acerca da realidade de aes didtico-pedaggicas no ensino de

Lngua Portuguesa. Deste modo, o desenvolvimento da presente dissertao foi dividido em

sees harmonizadas em captulos em um processo de refinamento, que vai de uma perspectiva

geral a um panorama especfico.

Na seo intitulada Aspectos do ensino de Lngua Portuguesa no Ensino Mdio

brasileiro, abordamos um alinhamento governativo criado em torno da avaliao em larga

escala, especialmente no contexto dos processos de ensino e aprendizagem de lngua materna.

Nesse prisma, analisamos, em termos conceituais, a institucionalizao e a disseminao dos

resultados das avaliaes externas no Brasil como: o Sistema de Avaliao da Educao Bsica

(SAEB), o Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM), a Prova Brasil, e as avaliaes do estado

de So Paulo. Alm tambm de refletirmos acerca de questes relacionadas qualidade na

educao, considerando o sentido adotado no presente estudo, tendo como foco o impacto das

avaliaes externas no processo de ensino e aprendizagem de Lngua Portuguesa dos alunos do

Ensino Mdio.

O captulo O ensino de Lngua Portuguesa: quais os desafios do professor? apresenta,

conforme indicado no ttulo, inmeras discusses relacionadas ao ensino de Lngua Portuguesa,

bem como apontamentos relativos a aes didtico-pedaggicas que oportunizem aos alunos

um desenvolvimento lingustico que atenda s necessidades sociais da vida contempornea.

Para tanto, nossas reflexes esto embasadas na realidade enfrentada pela escola atual no

desenvolvimento lingustico, em especial, dos alunos do Ensino Mdio e em discutir e ressaltar

o que estudiosos do campo da linguagem nos apontam como problemas e, acima de tudo,

possibilidades no ensino de lngua materna na etapa final da Educao Bsica.

21

Na seo ANPEd: mapeamento da produo cientfica brasileira (2004 a 2015),

traamos um panorama da produo cientfica relacionada ao ensino de leitura e escrita dos

alunos do Ensino Mdio, sistematizando os artigos publicados nos GTs 04 e 10 da ANPEd,

selecionados a partir dos temas: leitura e escrita; Ensino Mdio; prtica docente e ainda

expresses que sinalizem prticas de ensino de um modo geral.

No captulo denominado ANPEd: uma abordagem sobre o ensino de Lngua

Portuguesa no Ensino Mdio (2004 a 2015): nfase no cdigo escrito apreendemos os

impactos das anlises dos estudos publicados na ANPEd, e tambm as possveis relaes desses

impactos com nossas aes didtico-pedaggicas em nosso cotidiano na escola contempornea.

Essa anlise ocorreu a partir dos contedos de 9 pesquisas divulgadas na ANPEd, e que foram

categorizadas e interpretadas.

Nas consideraes finais, apresentamos um processo de inferenciao, encadeando as

temticas abordadas ao longo do trabalho, com foco especial no ensino de leitura e escrita na

etapa final da Educao Bsica, assim como estratgias e melhorias propostas pelas reflexes

sugeridas por meio das anlises dos estudos publicados na ANPEd.

exatamente por meio da leitura dos diferentes captulos do trabalho que pretendemos

refletir, a partir de publicaes da ANPEd (2004 a 2015), sobre a realidade do ensino de Lngua

Portuguesa no Ensino Mdio em seu estgio atual, alm de vislumbrar a escola que queremos

e que estamos construindo para nossos educandos.

22

1. LNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MDIO BRASILEIRO: legislao, formao

de professores e processos avaliativos

Neste captulo faremos uma discusso sobre alguns aspectos relativos ao ensino da

leitura e da escrita que vem sendo oferecido ao Ensino Mdio, especialmente no que se refere

s experincias de prticas do cdigo escrito escolar, favorecidas pelos documentos oficiais e

por polticas pblicas de avaliao em larga escala.

1.1 O ensino de Lngua Portuguesa a partir de aspectos legais

A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN) 9.394/96, em seu artigo 21,

introduz o conceito de Educao Bsica composta pela Educao Infantil, Ensino Fundamental

e Ensino Mdio. Em seu segundo captulo, prev como objetivo, o desenvolvimento do

educando, assegurando-lhe a formao comum indispensvel para o exerccio da cidadania e

fornecendo-lhe meios para a progresso no trabalho e em estudos posteriores.

Em se tratando da Educao Infantil, o Art. 29, preconiza como meta o desenvolvimento

integral da criana, em seus aspectos fsico, psicolgico, intelectual e social (BRASIL, 1996).

Para o Ensino Fundamental, entre outros objetivos, no Art. 32, nos incisos I e III

respectivamente, prev-se o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios

bsicos o pleno domnio da leitura, da escrita e do clculo; e a melhoria da capacidade de

aprendizagem, considerando a aquisio de conhecimentos e habilidades e a formao de

atitudes e valores (BRASIL, 1996).

Em relao ao Ensino Mdio, o documento destaca, em sua Seo IV no Art. 35, inciso

I e III, respectivamente, que esta etapa da educao tem por finalidade a consolidao e o

aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o

prosseguimento de estudos; alm do aprimoramento do educando como pessoa humana,

incluindo a formao tica e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento

crtico. J o Art.36 estabelece em seu pargrafo I que a lngua portuguesa deve ser

compreendida como um instrumento de comunicao, acesso ao conhecimento e exerccio da

cidadania (BRASIL, 1996).

Compreende-se aps a promulgao LDBEN - 9.394/96, que a lei maior da educao, a

partir do final da dcada de 90, atribui ao Ensino Mdio uma funo relevante na formao dos

jovens para a cidadania, alm de reafirm-lo como etapa imprescindvel de escolarizao,

23

passando assim, a defender a necessidade de garantir a todos os jovens matriculados nesse nvel

de ensino uma formao bsica comum.

Confirmando a LDBEN - 9.394/96, o Conselho Nacional de Educao estabelece em

1998 as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Bsica (DCNEB) que prev a

implantao de uma [...] base nacional comum, responsvel por orientar a organizao,

articulao, o desenvolvimento e a avaliao das propostas pedaggicas de todas as redes de

ensino brasileiras (BRASIL, 2013). Dessa forma, a promulgao das DCNEB prope ento

um conjunto de definies doutrinrias sobre princpios, fundamentos e procedimentos a serem

observados na organizao didtico-pedaggica e curricular de cada unidade escolar (BRASIL,

1998).

Fundamentados na promulgao das DCNEB de 1998, o Conselho Nacional de

Educao pblica em 2013 novas Diretrizes Curriculares Nacionais para e Educao Bsica e

tambm para o Ensino Mdio. Em se tratando especificamente da atualizao das Diretrizes

Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio (DCNEM), o documento recomenda que as

transformaes no Currculo devem

[...] contemplar as recentes mudanas da legislao, dar uma nova dinmica

ao processo educativo dessa etapa educacional, retomar a discusso sobre as

formas de organizao dos saberes e reforar o valor da construo do projeto

poltico-pedaggico das escolas, de modo a permitir diferentes formas de

oferta e de organizao, mantida uma unidade nacional, sempre tendo em vista

a qualidade do ensino (BRASIL, 2013).

Sendo assim, a atualizao das DCNEM (2013) prope que as aes pedaggicas das

escolas ofeream aos professores indicativos para a estruturao de uma base nacional comum

ou um currculo para o Ensino Mdio. Nessa perspectiva, as novas DCNEM podem se constituir

como um documento orientador capaz de direcionar os agentes educacionais do Ensino Mdio

a atenderem as expectativas de uma escola de qualidade, a garantirem o acesso, a permanncia

e o sucesso no processo de ensino e aprendizagem e constituio da cidadania dos jovens

egressos da ltima etapa da Educao Bsica (BRASIL, 2013).

Dessa forma, o Ministrio da Educao (MEC) junto com o Conselho Nacional de

Educao compreendem que a escola deva ser um espao que possibilite ao aluno integrar-se

ao mundo contemporneo, e por isso concebem-se tambm a urgncia em se repensar as

diretrizes gerais e os parmetros curriculares que orientam o Ensino Mdio, propondo uma

reorganizao desse currculo (BRASIL, 2000).

Partindo dessa necessidade, o MEC, com a publicao dos Parmetros Curriculares

Nacionais para o Ensino Mdio (PCNEM) no ano de 1999 e fundamentado pelos princpios

24

definidos na LDBEN 9.395/96, chega a um novo perfil para o currculo com o intuito de que

estes parmetros cumpram [...] o duplo papel de difundir os princpios da reforma curricular e

orientar o professor, na busca de novas abordagens e metodologias (BRASIL, 2000, p.4).

Neste sentido, o que os novos documentos oficiais propem caminha ao encontro da ideia de

um currculo voltado para conhecimentos e competncias de tipo geral, em que se tenham como

principais contextos de sua aplicao o trabalho e a cidadania. O currculo, como ferramenta

para a cidadania, deve possuir como princpio orientador as quatro premissas - apontadas pela

Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura (UNESCO) como eixos

estruturais da educao na sociedade contempornea - aprender a conhecer, aprender a fazer,

aprender a viver e aprender a ser (BRASIL, 2000).

O documento, no que se refere especificamente ao tratamento dado aos Parmetros

Curriculares de Lngua Portuguesa, compreende que o objetivo do trabalho pedaggico deve

concentrar o ensino no nos contedos de tradio gramatical ou literria, e sim nos usos sociais

da lngua, que deve ser [...] geradora de significao e integradora da organizao do mundo

e da prpria identidade (BRASIL, 2000, p.95).

Embora as referncias relacionadas linguagem oscilem entre uma abordagem

cognitiva e outra interacionista, percebe-se, no documento, que a linguagem tratada como

forma de interao entre sujeitos, o carter scio interacionista da linguagem aponta para a

construo e desconstruo de significados sociais, levando o educando a desenvolver seu

potencial crtico (BRASIL, 2000).

Levando em considerao os fundamentos da reformulao do Ensino Mdio, as

Orientaes Educacionais Complementares aos Parmetros Curriculares Nacionais (PCN+)

preconizam que:

O professor do ensino mdio deve ter clareza quanto ao fato de que o objetivo

final do curso no o ensino da gramtica e dos cnones da norma culta do

idioma. O domnio da estrutura lingustica envolve, todavia, o conhecimento

gramatical como suporte estratgico para a leitura e interpretao e produo

de textos (BRASIL, 2002, p.104).

Reafirmando a LDBEN 9.395/96 , o PCNEM (BRASIL, 2000) e o PCN+ (BRASIL,

2002) definem que o aluno egresso do ensino mdio dever ter desenvolvido capacidades que

lhe garantam o conhecimento sobre as diversas manifestaes da linguagem verbal, de modo a

posicionar-se em relao a elas, aplic-las ou transform-las, buscando desenvolver no aluno

seu potencial crtico, sua percepo das mltiplas possibilidades de expresso lingustica, sua

capacitao como leitor efetivo dos mais diversos textos, alm de torn-los hbeis para ampliar

25

e articular conhecimentos e competncias que possam ser mobilizados nas inmeras situaes

de uso da lngua com que se depara, na famlia, entre amigos, na escola e no mundo do trabalho.

Isso implica o desenvolvimento de capacidades como saber avaliar e interpretar os

textos representativos das diversas manifestaes de linguagem; saber julgar, confrontar,

defender e explicar suas ideias, de modo a tomar uma posio consciente em relao ao ato

interlocutivo. Alm disso, ser capaz de refletir sobre as possibilidades de usos da lngua e

finalmente abrir espao para diferentes abordagens do conhecimento, cumprindo, dessa forma,

o maior intento da disciplina de Lngua Portuguesa na reformulao do Ensino Mdio, que o

de formar jovens cada vez mais aptos para cumprirem ativamente seu papel social na vida

adulta.

Pelos apontamentos realizados, verificamos, ento, que a preconizao da LDBEN

9.394/96, como diretriz educacional brasileira, e tambm com a publicao do PCNEM (1999)

e do PCN+ (2007), como forma de orientar e auxiliar as equipes escolares na execuo de suas

aes educativas, conduzem o sistema educacional brasileiro, em especial a Educao Bsica,

a formar e preparar crianas, e jovens para o exerccio da cidadania. Nesse sentido, o espao

escolar pode ser compreendido como um universo para o desenvolvimento da capacidade de

aprender, alm de aprimorar o educando como pessoa humana; para tanto, o aluno, por

intermdio, especificamente do professor, deve construir sua competncia investigativa e

compreensiva de suas relaes sociais.

De acordo com a anlise dos aspectos legais referentes Educao Bsica e em especial

disciplina de Lngua Portuguesa no Ensino Mdio, podemos compreender que os documentos

oficiais relativos ao ensino de lngua materna definem que o aluno egresso dessa etapa de ensino

dever ter desenvolvido capacidades que lhe garantam o conhecimento sobre diversas

manifestaes da linguagem verbal, de modo a posicionar-se em relao a elas, compreend-

las, aplic-las ou transform-las em diversas situaes e contextos sociais. Diante dessa

constatao, apresentaremos a seguir algumas reflexes e questionamentos relativos ao domnio

da leitura e da escrita dos alunos que finalizam o Ensino Mdio, bem como alguns apontamentos

acerca dos processos de ensino e aprendizagem, em especial de Lngua Portuguesa. Nessa

perspectiva, refletiremos sobre [...] as capacidades leitoras limitadas dos alunos egressos do

ensino mdio, diagnosticadas nas avaliaes e exames [...] (JURADO, ROJO, p.45, 2006),

bem como as capacidades escritoras desses mesmos alunos relacionando-as possivelmente aos

processos de ensino e aprendizagem de Lngua Portuguesa sobre o qual os estudantes estiveram

expostos durante toda a sua escolarizao.

26

1.2 Reflexes sobre o processo de ensino e aprendizagem de Lngua Portuguesa no Ensino

Mdio: nfase nas avaliaes externas

Como podemos observar, a escola constitui-se como patrimnio da sociedade, e tem

como funo social ensinar e educar por meio de aes didtico-pedaggicas que levem o

educando a obter sucesso nos processos de ensino e aprendizagem. Para tanto, o Brasil, nas

duas ltimas dcadas, estabelece alm de novos parmetros de gesto do sistema educacional,

polticas pblicas de avaliaes em larga escala. Confirmando, ento, uma tendncia mundial

utilizao dessas avaliaes, como forma de mensurar o desempenho escolar dos alunos,

segundo as diretrizes educacionais brasileiras, que so fortemente ratificadas pelos parmetros

curriculares, os quais foram elaborados para auxiliar as equipes escolares na execuo de seus

trabalhos. Isto , os PCNs tm como pblico alvo os educadores, uma vez que fornecem

fundamentos reflexivos e planejamentos sobre a ao didtica docente, alm de, sobretudo,

sugerir o desenvolvimento do currculo. (BRASIL, 2016)

Essa perspectiva global reforada na participao de 65 pases no Programme for

international Student Assessment (PISA) Programa Internacional de Avaliao dos

Estudantes que uma iniciativa de avaliao comparada, aplicada a estudantes na faixa dos

15 anos, idade em que se pressupe o trmino da escolaridade bsica obrigatria na maioria dos

pases (BRASIL, 2016), e que tem como objetivo produzir indicadores que contribuam como

subsdios a polticas de melhoria do ensino bsico, alm de verificar at que ponto essas

polticas pblicas esto preparando seus jovens para exercer o papel de cidados na sociedade

contempornea.

Refletindo o movimento proposto pelo PISA, o Brasil - reforando que h

conhecimentos tidos como necessrios e que, portanto, devem ser comuns e de direito de todos

os educandos - vem adotando sistemas de avaliao educacional como referncia para uma

qualificao e maior eficcia da Educao Bsica.

A formao mdia como etapa integrante da Educao Bsica e a sua expanso do

atendimento, a partir da dcada de 1990, ocasionam um forte movimento de incluso do Ensino

Mdio nas avaliaes, antes voltadas apenas para o Ensino Fundamental, fazendo-nos entender

que a avaliao educacional [...] no apenas ratifica o EM como etapa essencial da formao

escolar, mas influencia fortemente na reviso e consolidao de propostas curriculares [...]

(MARCUSCHI, 2006, p.59).

Por razes de ordem institucional, as legitimaes de avaliaes externas se prendem na

necessidade de um controle organizacional ao nvel de sistema de ensino que no correspondem

27

proposta de descentralizao educacional, em que as escolas e seus atores educacionais

ganham mais autonomia, mobilidade e flexibilidade em suas aes pedaggicas. Diante disso:

A escola encarada como uma instituio dotada de uma autonomia relativa [...] (NVOA,

1992, p.20), pois essa autonomia, que dada com a proposta de descentralizao, fiscaliza e

responsabiliza, direta ou indiretamente, todos os agentes educacionais.

Dessa forma, a implantao dos testes ganha um lugar de destaque, para mensurar o

desempenho dos alunos e da escola, exercendo um tipo de prestao de contas sociedade. O

regime educacional brasileiro apresenta ao longo de anos o Sistema Nacional de Avaliao da

Educao Bsica (SAEB), o Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM), a prova Brasil e a

avaliao estadual de So Paulo como testes substancias sobre a qualidade e o nvel de

conhecimento dos estudantes.

O SAEB, avalia a cada dois anos, uma amostra dos alunos regularmente matriculados

no 6 e 9 anos do Ensino Fundamental e no 3 ano do Ensino Mdio, em escolas pblicas e

privadas localizadas em rea urbana e rural (INEP,2006 ), e que se tornou com o tempo uma

maneira de diagnosticar e monitorar a evoluo da qualidade da Educao Bsica, no de uma

forma individualizada, mas integral, na qual seus resultados [...] no permitem apoiar a

introduo de polticas de responsabilizao de professores, diretores e gestores por melhorias

de qualidade nas unidades escolares (BONAMINO, SOUSA, 2012, p.377).

Com o intuito de realizar um teste com um valor estatstico mais caracterstico e

especfico de cada escola e aluno, o Ministrio da Educao introduz, em 2005, a Prova Brasil,

indicando assim as limitaes do Saeb em subsidiar polticas pblicas de qualidade. A prova

Brasil, instrumento de medida de competncia leitora e matemtica, aplicada desde 2005 a cada

dois anos para os estudantes do 5 e 9 anos do Ensino Fundamental, produz informaes que

possibilitam aos estados e municpios traarem estratgias e metas, visando a melhoria da

qualidade do ensino. A novidade dos resultados, amplamente divulgados pela mdia e tambm

devolvidos para as escolas, permitem alm de uma comparao, ao longo do tempo, entre o

desempenho das escolas e dos alunos a uma responsabilizao, mesmo que sem sanes diretas

aos agentes educacionais (BRASIL, 2011).

Enquanto o MEC avanava sob a institucionalizao do SAEB e da Prova Brasil como

forma de mensurar o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, as Secretarias de Educao de

inmeros estados e municpios constatavam tambm a necessidade de institurem seus prprios

sistemas avaliativos. Diante dessa realidade, a Secretaria de Educao do Estado de So Paulo

estabelece em 1996 o Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar do Estado de So Paulo

(SARESP) como mtodo de diagnstico da situao da escolaridade bsica paulista, visando

28

orientar os gestores do ensino no monitoramento das polticas voltadas para a melhoria da

qualidade educacional das escolas do estado de So Paulo.

Associando fortemente a avaliao a eficcia do sistema educacional, o SARESP sugere

que tal qualidade est submetida, por um lado ao compromisso dos gestores e professores, e por

outro, das escolas. Nessa perspectiva, o governo do estado de So Paulo insere a noo de

responsabilizao direta quando institui um bnus, ou seja, uma quantia em dinheiro cuja

distribuio do pagamento leva em conta o resultado obtido na avaliao, isto ,

responsabilizando duramente os funcionrios escolares em relao ao desempenho dos alunos

nos testes.

Diferentemente de todas as outras avaliaes, o ENEM prioritariamente um exame

facultativo e que o MEC preconiza como uma alternativa total ou parcial ao exame de ingresso

no ensino superior, e por isso vem conquistando ano a ano uma maior visibilidade. Sendo assim,

seus resultados, apesar de alheios de valores estatsticos, so tomados como um diagnstico das

aes educacionais praticadas no Ensino Mdio, desempenhando dessa forma, junto com as

outras avaliaes externas, o papel de colaborar com polticas de educao para esta etapa

educacional.

O foco dessas avaliaes encontra-se, em sua maioria, na verificao quanto ao domnio

das habilidades envolvidas Lngua Portuguesa e Matemtica. No que tange Lngua

Portuguesa, os eixos norteadores dos testes situam-se na compreenso da leitura, ainda que

algumas avaliaes solicitem dos alunos uma produo textual. tambm de natureza desses

exames compreender que a finalidade do ensino de Lngua Portuguesa, tanto no Ensino

Fundamental quanto no Mdio, seja de assegurar ao aluno o domnio ativo do discurso, em

diversas situaes de uso pblico da lngua, tanto na compreenso quanto na produo textual.

A ttulo de exemplo, os resultados obtidos pelo SAEB, so traduzidos em uma escala de

desempenho, que expressa o nvel de letramento esperado dos estudantes, segundo seu grau de

escolaridade. Essa escala se desdobra em oito nveis de proficincia em Lngua Portuguesa e

tambm pode confirmar e classificar que percentual de alunos j construram as competncias

e habilidades desejveis, quantos ainda esto no processo de construo, quantos esto abaixo

do nvel e quantos esto acima do nvel que seria desejvel para determinada etapa da

escolaridade.

Os estgios de construo de competncia de uma forma geral so classificados em:

muito crtico, crtico, intermedirio e adequado. Assim sendo, podemos inferir que para a

disciplina de Lngua Portuguesa, especificamente dos alunos do 3 ano do Ensino Mdio, o

nvel muito crtico prev que os estudantes no so bons leitores e que neste caso no

29

desenvolveram habilidades de leitura compatveis com a 4 e a 8 sries; para a categoria crtica

supe tambm que ainda no so bons leitores , e que apresentam algumas habilidades de leitura

aqum das exigidas para a srie (leem apenas textos narrativos e informativos simples); diante

do intermedirio subentende-se que os educandos so capazes de desenvolverem algumas

habilidades de leitura, porm insuficientes para o nvel de letramento da 3 srie, j na categoria

adequado, podemos reconhecer que os alunos so leitores competentes e que demonstram

habilidades de leitura compatveis com as trs sries do Ensino Mdio (INEP, 2006).

O resultado do SAEB 2001 revela-nos a partir das provas de Lngua Portuguesa, que

4,9% dos alunos do EM situaram-se no estgio muito crtico; 37,2% esto no estgio crtico;

52,5% alcanaram o estgio intermedirio; e somente 5,3% encontram-se no estgio adequado,

isto , apenas um pouco mais de 5% do percentual de alunos matriculados no ensino Mdio

podem ser considerados leitores competentes (INEP, 2005, p.50). Sendo assim, conclui-se que

mais da metade dos estudantes egressos do EM concentram-se no nvel intermedirio, aqum,

portanto, do esperado nesse grau de escolarizao e que, a grande maioria dos estudantes sequer

atingiram as habilidades previstas para a terceira etapa da Educao Bsica.

No ENEM os resultados obtidos pelos alunos so apresentados em trs faixas de

desempenho denominadas como, insuficiente a regular; regular a bom e bom a excelente; alm

de serem associadas a cinco competncias e habilidades, que so consideradas essenciais aos

jovens ao trmino da escolaridade bsica (INEP, 2002).

A primeira competncia destaca o domnio da norma culta da Lngua Portuguesa e o

uso das linguagens matemtica, artstica e cientfica; a segunda remete-nos compreenso de

fenmenos naturais, de processos histrico-geogrficos, da produo tecnolgica e das

manifestaes artsticas, abordando assim reas de conhecimento especficas. Distintamente

das competncias I e II a competncia III supe selecionar, organizar, relacionar, interpretar

dados e informaes para enfrentar situaes-problema; e a competncia IV que presume

relacionar informaes representadas em diferentes formas para a construo de uma

argumentao consistente; so mais amplas e, portanto, no esto situadas em reas de

conhecimento pontuais. O foco do quinto item, no est propriamente em uma competncia,

mas sim em um comportamento tico e social desejvel que se refere a conhecimentos

desenvolvidos na escola como proposta de elaborao e interveno da realidade. importante

ressaltar que a compreenso da leitura est diretamente relacionada s competncias e

habilidades elencadas como forma de mensurar o desenvolvimento cognitivo do estudante.

Com base na matriz de competncia e habilidade explicitada acima o produto do ENEM

2002 indica que 16,1% dos participantes foram classificados no nvel insuficiente a regular;

30

72,3% atingiram o nvel regular a bom e somente 11,7% alcanaram o nvel bom a excelente.

Os dados revelam um desempenho mediano dos participantes na produo de texto, pois,

podemos concluir que cerca de 84% dos estudantes conseguiram compreender e desenvolver a

estrutura solicitada, e que desse percentual apenas, 11,7%, que esto inseridos na faixa bom a

excelentes e encaixam em um grau de desenvolvimento intelectual para esse nvel de ensino

(INEP, 2002).

Nos resultados gerais da parte objetiva da prova, os alunos, egressos do Ensino Mdio,

se situaram na faixa insuficiente a regular. Pois nessa etapa da avaliao, a distribuio das

mdias gerais das notas, em cada uma das cinco competncias apresenta que 74% dos

estudantes tiveram um desempenho insuficiente a regular, 23,5% atingiram a faixa regular a

bom e a menor e quase irrisria porcentagem, 2,5%, apresentou o desempenho da faixa bom a

excelente (INEP, 2002).

Os resultados do ENEM ressaltam, assim como j havamos salientado no resultado do

SAEB, que a ausncia do domnio da leitura foi possivelmente a grande causa do desempenho

ruim apresentado pelos estudantes, pois somente uma leitura superficial e fragmentada pode

explicar a opo errnea das alternativas das respostas.

Como estratgia para medir o nvel de desenvolvimento cognitivo, a Secretaria de

Educao do Estado de So Paulo utiliza a equalizao e interpretao da escala do SAEB,

porm a cada ano, com base nos resultados anteriores, a escala atualizada e, a partir dos pontos

dessa escala so definidos quatro nveis de proficincia - abaixo do bsico, bsico, adequado e

avanado. Alm disso so identificadas e classificadas expectativas de aprendizagem

estabelecidas para cada ano/srie e disciplina no Currculo do estado de So Paulo como

descrito no quadro a seguir:

31

Quadro 1- Classificao e descrio do nveis de proficincia do SARESP 2013

FONTE: SEE de So Paulo, 2014, p.15.

Apoiado nesse mtodo de avaliao o SARESP 2013, em Lngua Portuguesa para os

alunos do 3 ano de Ensino Mdio, revela que 39,7% dos estudantes encontram-se no nvel

insuficiente; 59,6% alcanaram a categoria suficiente; e menos de 1% atingiu o nvel

avanado. A prova de redao mostrou que 16,5% desses mesmos alunos se encaixam no

nvel insuficiente; apresentou-nos tambm que 81,3% completaram o estgio suficiente; e

que novamente (a minoria) 2,2% esto inclusos no nvel avanado, isto , tanto na prova

objetiva quanto na redao a minoria dos educandos atingiu um desenvolvimento intelectual

considerado mnimo para a ano/srie em que se encontram (SO PAULO, 2014).

Nos currculos pressupostos pelo SAEB, ENEM e SARESP para a Lngua Portuguesa,

ao trmino do Ensino Mdio, o estudante deve ser capaz de ler textos argumentativos mais

complexos, dominar recursos lingustico-discursivos utilizados na construo de gneros, alm

dominar a norma culta e de ter uma leitura compreensiva dos textos. Embora as avaliaes

tragam informaes valiosas sobre algumas competncias leitoras e escritoras que o aluno

domina, essa concepo de divulgao dos resultados s foi amplamente popularizada aps a

implementao da Prova Brasil, que apesar de apreciar somente estudantes do Ensino

Fundamental, consolidou as avaliaes em larga escala como polticas pblicas de destaque,

como meio de mobilizao da sociedade e agentes educacionais em favor da qualidade da

educao.

No entanto, podemos considerar que algumas avaliaes, em especial para o Ensino

Mdio, apontam uma responsabilizao indireta como o ENEM e o SAEB, cuja finalidade -

alm do ingresso na universidade como no caso do ENEM - seja acompanhar a evoluo da

Classificao Nveis de

Proficincia Descrio

Insuficiente Abaixo do

Bsico

Os alunos, neste nvel, demonstram domnio insuficiente

dos contedos competncias e habilidades desejveis para

o ano/srie escolar em que se encontram.

Suficiente

Bsico

Os alunos, neste nvel, demonstram domnio mnimo dos

contedos, competncias e habilidades, mas possuem as

estruturas necessrias para interagir com o currculo no

ano/srie subsequente.

Adequado

Os alunos, neste nvel, demonstram domnio peno dos

contedos, competncias e habilidades desejveis para o

ano/srie escolar em que se encontram.

Avanado Avanado

Os alunos, neste nvel, demonstram conhecimento e

domnio dos contedos, competncias e habilidades acima

do requerido no ano/srie escolar em que se encontram.

32

qualidade da educao, pois de um modo geral, esses testes, apenas divulgam seus resultados

na Internet, mdia, ou outras formas de disseminao, sem que os resultados da avaliao sejam

devolvidos para as escolas. J o SARESP indica polticas de responsabilizao direta e

explicitadas, pois contempla sanes e mecanismos de remunerao em decorrncia dos

resultados das escolas.

Os efeitos da autonomia relativa (NVOA, 1992) na educao brasileira produzem um

ensino baseado nos resultados e fundamentado em uma cultura de auditoria, sob a qual pratica-

se uma forma de regulao pautada no controle indireto das aes praticadas por diversos

agentes educacionais. Um sistema escolar orientado pela auditoria leva a uma

responsabilizao, que envolve como princpio, testes para estudantes, recompensa, sanes

entre outros aspectos que so disseminados com a aplicao, divulgao e responsabilizao

das avaliaes em larga escala. As recompensas e sanes compem o carter meritocrtico do

sistema, em que professores e escolas so responsabilizados e penalizados pelo desempenho de

seus alunos. Por esse prisma devemos compreender que, Responsabilizao e Meritocracia

so duas categorias, portanto, intimamente relacionadas (FREITAS, 2012, p.386).

A prtica dessa Meritocracia pode gerar riscos ao invs de benefcios para as instituies

escolares, uma vez que professores e gestores adotam a ttica de ensinar para o teste que,

segundo Certeau (1998), pode ser entendida como escolhas e atitudes tomadas a partir de uma

determinada ocasio, levando a inteligncia e inventividade do mais fraco (CERTEAU, 1998).

Constata-se por meio dos resultados do SAEB, do ENEM e do SARESP que apesar dos

esforos da Unio e do estado de So Paulo, os jovens egressos do Ensino Mdio, em sua grande

maioria, no atingem o nvel de desenvolvimento intelectual pretendido para esse nvel de

ensino e, consequentemente, as dificuldades leitoras e escritoras perduram.

Dessa forma, ensinar para o teste aparece como ttica quando os docentes concentram

seus esforos pedaggicos preferencialmente nos tpicos que so avaliados, utilizando tambm

provas e questes de anos anteriores como ferramentas para o treino em sala de aula, alm das

escolas de uma forma geral implantarem simulados bimestrais com questes objetivas como

forma de preparar os alunos para se habituarem aos textos, aos comandos e extenso dos testes

de leitura.

33

1.3 Formao de professores na atualidade: contribuies para o debate

Os professores ao se sentirem acuados pela necessidade de assegurarem um salrio

varivel, na forma de bnus, pressionam seus alunos e tambm reproduzem prticas que tendem

a afastar da escola alunos com dificuldades para a aprendizagem. A competio entre

professores e escolas tambm leva diminuio da possibilidade de colaborao entre os

agentes educacionais, gerando mais uma privao para o sistema educacional brasileiro

(FREITAS, 2012).

A viso estreita do currculo educacional proposta pelas polticas pblicas de avaliaes

federais, estaduais e municipais atenta-nos ainda para o fato de que a programao escolar

possui muitos outros objetivos, alm daqueles avaliados nos testes que tipicamente visam metas

relacionadas leitura e matemtica e que levam novamente os sujeitos educacionais a

cometerem o equvoco de supervalorizarem alguns contedos escolares em detrimento de

outros (FREITAS, 2012).

Gimeno Sacristn (2013) define currculo como uma prtica escolar capaz de selecionar

e organizar os contedos a serem trabalhados nos processos de ensino e aprendizagem na sala

de aula. Essa seleo e organizao dos contedos regularo as aes didtico-pedaggicas

presentes em todo o ambiente escolar. Portanto, o conceito de currculo e a utilizao que

fazemos dele esto intrinsicamente relacionados

[...] ideia de seleo de contedos e de ordem na classificao dos

conhecimentos que representam, que ser a seleo daquilo que ser coberto

pela ao de ensinar. [...] poderamos dizer que, com essa inveno

unificadora, pode-se em primeiro lugar, evitar a arbitrariedade na escolha de

o que ser ensinado em cada situao, enquanto em segundo lugar, se orienta,

modela e limita a autonomia dos professores (GIMENO SACRISTN, 2013).

Dessa forma, o currculo pode ser compreendido como um plano de estudos ou uma

inveno reguladora imposta pela escola a seus agentes educacionais nos processos de ensino

e aprendizagem. Ele se comporta como um instrumento capaz de estruturar a escolarizao, a

vida nos centros educacionais e sobretudo as prticas pedaggicas, proporcionando assim uma

normalizao do que pra ser ensinado, ou deveria ser ensinado em cada etapa da escolarizao.

O estreitamento curricular valida um currculo bsico como referncia. Nesse sentido,

os sujeitos educacionais julgam, erroneamente, que somente os contedos valorizados pelo teste

so bons para todos, j que o bsico. O destaque das aes pedaggicas, no conhecimento tido

como bsico pelo currculo, tem como consequncia o esquecimento de uma formao crtica

34

e cultural do jovem que, [...] em nome de uma promessa futura: domine o bsico e, no futuro,

voc poder avanar para outros patamares de formao (FREITAS, 2012, p.390).

Outro contratempo, ratificado pela prtica de um currculo tido como bsico, o

apostilamento das redes de ensino, pois dessa forma, a Unio, os Estados e Municpios

garantem, que os contedos testados pelas avaliaes sejam abordados em sala de aula, e que

por meio dessa estratgia, os ndices educacionais brasileiros, mensurados pelas avaliaes

sejam cada vez mais elevados. No entanto, o apostilamento contribui para que o docente fique

dependente do material didtico, destituindo dele a qualificao necessria para aes didtico-

pedaggicas de acordo com as necessidades de cada aluno, turma ou escola (FREITAS, 2012).

Ao estabelecer o apostilamento como tcnica de ensino as Secretarias de Educao

fundamentam a precarizao da profissionalizao docente brasileira, que segundo Sampaio e

Marin (2004) tem seu incio, na da dcada de 90, a partir da proposio da massificao da

Educao Bsica. Como consequncia da popularizao da escolarizao, a educao

brasileira, passava a buscar um nmero maior de profissionais que concretizassem a tarefa

docente de ensinar, para tanto, O crescimento rpido de tal oferta de escolaridade e o

recrutamento de docentes para efetivar tal escolarizao da populao certamente no contavam

com quadros de reserva qualificada para a funo [...] (SAMPAIO, MARIN, 2004, p. 1206).

O fato do uso de tticas educacionais como proposta de aes didtico-pedaggicas

certifica que os resultados das avaliaes na verdade no cumprem o papel de ofertar subsdios

para a orientao e o replanejamento do trabalho escolar, mas sim de implantar iniciativas que

possam ajudar os alunos a obterem melhores resultados gerando uma interpretao errnea dos

mesmos. Diante dessa realidade, podemos compreender que o desafio da educao brasileira

est intrinsicamente relacionado a expanso das avaliaes em largar escala, j que dessa forma

a escola jamais ser vista pela sociedade como um ambiente de socializao e de acesso

cultura.

O desafio da educao brasileira decorre desse aspecto, pois a escola deve ser entendida

como um ambiente de socializao e de acesso cultura e no como uma instituio que se

paute apenas nos contedos mensurados nas avaliaes de larga escala.

Soma-se a grande expanso das redes de ensino uma urgncia formativa de professores,

que diante dessa condio encontram-se com uma formao enfraquecida, pois, como

apresenta-nos Gatti (2013/2014), a grande maioria dos cursos e das matrculas em licenciaturas

est nas instituies privadas de ensino superior, e que o crescimento do nmero de alunos

interessados e matriculados em cursos de licenciatura proporcionalmente muito menor do que

35

o crescimento nos demais cursos de graduao. Podemos inferir que os jovens esto cada vez

mais desestimulados para seguirem a carreira docente.

Alm dos aspectos citados acima, h uma visvel migrao dos cursos de licenciatura

para o regime a distncia, o que no ocorre na mesma proporo com outros cursos de

graduao. Os cursos de Educao a Distncia (EAD) encontram-se em sua maioria sob a posse

das instituies privadas de ensino, que obviamente, preocupam-se muito mais com seu

desenvolvimento econmico, o que sinaliza uma grande multiplicao de consrcios e polos

para oferta desses cursos sem um projeto poltico-pedaggico de formao docente mais densa

e articulada. Diante dessa massificao da oferta de cursos de licenciatura distncia, nota-

se, de acordo com Gatti (2013/2014), que os alunos frequentantes dessa modalidade de ensino

so, em mdia, dez anos mais velhos que os dos cursos presenciais, o que sinaliza que a EAD

procurada tardiamente por pessoas, que em geral, procuram alterar sua condio empregatcia,

alm de serem oriundas de escolas pblicas. Gatti (2013/2014) afirma, ainda, que os estudantes

de EAD:

[...] no so favorecidos com um convvio em cultura acadmica, como o

dilogo direto com colegas de sua rea e de outras, com professores no dia a

dia, com a participao em movimentos estudantis, debates, e com vivncias

diversas que a vida universitria oferece de modo mais intenso. Ou seja, ficam

os futuros professores carentes de uma socializao cultural no desprezvel

(GATTI, 2013/2014, p.37).

Percebemos pela afirmao de Gatti (2013/2014) que a modalidade de oferta de cursos

de licenciatura a distncia no favorece, muitas vezes, aspectos indispensveis para a

profissionalizao docente. Para uma formao inicial adequada de professores

imprescindvel que haja uma coerncia entre a formao docente e as necessidades da educao

escolar.

No entanto, alm dos impasses apresentados acima pela profissionalizao docente nos

cursos de Educao a Distncia, podemos, de acordo com Pimenta (2005) reconhecer que a

formao inicial docente em cursos presenciais, tanto em instituies pblicas quanto em

instituies privadas de ensino, tambm demonstram diversas lacunas na formao do professor

da Educao Bsica.

[...] os cursos de formao, ao desenvolverem um currculo formal com

contedos e atividades de estgios distanciados da realidade das escolas, numa

perspectiva burocrtica e cartorial que no d conta de captar as contradies

presentes na prtica social de educar, pouco tm contribudo para gestar uma

nova identidade do profissional docente (PIMENTA, 2005, p.16)

36

Reconhecemos, dessa forma, que a profissionalizao docente deve mobilizar

conhecimentos capazes de desenvolverem e formarem docentes preparados para

compreenderem a realidade social da escola contempornea, na qual atuaro futuramente.

Diante disso, o professor deve passar de uma formao tecnicista, centrada excessivamente em

aspectos curriculares, em que a profissionalizao os coloca apenas como meros aplicadores

e executores de valores, normas e diretrizes impostas por polticas pblicas educacionais,

para uma formao voltada no profissional relativamente autnomo, pois, os profissionais da

educao devem ser sujeitos reflexivos, que repensam sua prpria prtica educativa

(PIMENTA, 2005).

A autora observa tambm, que os cursos de formao produzem nos seus alunos um

sentimento de iluso, pois aceita-se que o conhecimento tcnico e especfico fornea, aos

futuros professores, a capacidade de saber ensinar, disciplinar, entre outros aspectos peculiares

da ao docente, isto , assume-se, que se o professor compreende o contedo, ou a matria a

ser trabalhada em sala, logo, est pronto para solucionar todos os conflitos presentes em sala.

Nesse caso, o curso de formao inicial deve estar estreitamente articulado com a realidade

escolar, e deve tambm procurar embasar seus conhecimentos em pesquisas empricas, isto ,

as licenciaturas devem trabalhar constantemente essas pesquisas como processo formativo na

docncia (PIMENTA, 2005).

De acordo com Gatti (2013/2014), no existe, no Brasil, nenhum curso de licenciatura,

independente da modalidade de ensino, que centralize a formao do professor de modo

integrado. Nesse sentido, os cursos de formao inicial docente segregam os conhecimentos

pedaggicos das reas especficas, portanto, existe muita divergncia entre os projetos

pedaggicos dos cursos e a estrutura curricular realmente oferecida, pois percebe-se claramente

uma ausncia na busca para a construo de um professor capaz de atuar na Educao Bsica.

O cerne da profissionalizao docente no Brasil est exatamente na questo de que os cursos

de licenciatura oferecem apenas um verniz superficial de formao pedaggica, alm de

constantemente observarmos uma reduo da carga horria til desses cursos. Diante dessas

constataes:

Pode-se perguntar se a formao panormica e fragmentada, reduzida,

encontrada nos currculos dessas licenciaturas suficiente para o futuro

professor vir a planejar, ministrar, avaliar ou orientar atividades de ensino na

educao bsica, lidando adequadamente com os aspectos de

desenvolvimento humano de crianas, adolescentes e jovens, oriundos de

contextos diferenciados, com interesses e motivaes heterogneos,

comportamentos e hbitos diversos (GATTI, 2013/2014, p. 40)

37

A profissionalizao docente est enfraquecida tambm pelas condies em que os

estgios curriculares so oferecidos nos cursos de formao inicial. De acordo com Gatti

(2013/2014), ao invs do estgio obrigatrio proporcionar aos licenciados um contato mais

profundo sobre a realidade escolar de forma planejada e orientada pelo professor-supervisor de

estgio, essa atividade apenas envolve atividades de observao, j que os estudantes, muitas

vezes, procuram por conta prpria as escolas, sem plano de trabalho e sem articulao entre as

instituies de ensino superior e as escolas que os licenciados realizaro o estgio. Diante dessa

caracterstica, podemos perceber que a superviso do estgio acaba tendo mais um carter

burocrtico que um carter pedaggico e, nesse sentido, o estgio perde sua essncia de espao

rico e privilegiado de aprendizagens de prticas docentes.

No entanto, em contrapartida a prtica dos estgios curriculares foi institudo em 2010

na Universidade Federal de Uberlndia o Programa Institucional de Bolsa Docncia (PIBID)1

que visa [...] apoiar a iniciao docncia de estudantes de licenciatura nas universidades

brasileiras com o fortalecimento da sua formao para o trabalho nas escolas pblicas

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA, 2016, S/P).

O PIBID refora a ideia de reformulao dos estgios docentes, e tem como objetivo a

reaproximao das universidades da realidade das salas de aula. Nessa perspectiva, o programa

reconhece que

[...] as salas de aula so ambientes de aprendizagem nas quais os alunos

recebem informaes, respondem s solicitaes dos professores e participam

de modo ativo na construo de conhecimento, podemos afirmar que tambm

promovem oportunidades de aprendizagem relevantes pera os professores

(PLATZER et al., 2012, p 4).

Diante dessa realidade que se coloca a importncia de programas de formao inicial

e continuada para professores. Dessa forma, o PIBID tem como prtica a insero e interlocuo

de futuros professores com docentes em exerccio, auxiliando assim os participantes do

programa (universitrios) a analisarem a realidade da sala de aula de acordo com seu

conhecimento profissional e consequentemente levarem os universitrios a repensarem sua

funo na sala de aula (PLATZER et al., 2012).

Por meio da implantao do programa, o Ministrio da Educao reconhece, portanto,

que a parceria entre universidades e redes de ensino estaduais e municipais, bem como a troca

de experincias entre universitrios e professores em exerccio [...] proporcionou mudana de

postura e mentalidade e reforou ainda mais a importncia do investimento de programas dessa

1Ressaltamos ainda que o Programa Institucional de Bolsa Docncia foi institudo pelo Ministrio da Educao

em 2007.

38

natureza (PLATZER, et al., 2012, p. 8). Nessa perspectiva, podemos afirmar, ento, que o

MEC e as Secretarias de Educao reconhecem a necessidade de se repensar a proposta de

estgios nos cursos de licenciatura, contudo, a realidade nos mostra que a efetiva

institucionalizao e ampliao do programa tem ainda um longo caminho a percorrer para uma

efetiva ampliao do Programa.

Alm da falta de incentivo a efetiva institucionalizao de programas de estgios como

o PIBID, a Educao Bsica brasileira enfrenta como contrariedade a prtica de contratao

emergencial, j que, a partir da expanso do atendimento educacional, os rgos

governamentais, ao longo das dcadas, assumem essa referida prtica: a admisso de docentes

sem habilitao especfica para lecionar; o ingresso de professores que atuam, ao mesmo tempo,

em disciplinas de reas diferentes, e at mesmo a nomeao de docentes sem nvel de formao

superior. Como consequncia dessa prtica de ausncia de professores qualificados em sala

de aula, a educao brasileira dispe, atualmente, de um grande nmero de docentes com

dificuldades extremas para o enfrentamento da realidade escolar (SAMPAIO; MARIN, 2004).

De acordo com Azzi (2005), o professor deve perceber que seu espao de trabalho

imediato e que ele deve estar preparado para assumir a sala de aula com suas heterogeneidades

e conflitos; porm, muitas vezes, o que vemos um agente educativo tecnicista e pragmtico,

no por decorrncia da diviso do trabalho na escola, mas sim por limitaes vinculadas sua

qualificao formao inicial e continuada e tambm pelas suas condies de trabalho. No

se trata de assegurar que a qualificao docente, pode proporcionar melhorias na Educao

Bsica, mas acredita-se que polticas pblicas educacionais precisem de professores

qualificados e preparados para atuarem nas escolas contemporneas, conforme apontado. No

entanto, a conservao na escola de um professor capacitado e a atrao de novos professores

dependem tambm de uma poltica de valorizao docente.

A precarizao profissional docente, o conceito de currculo bsico, e a prtica do

apostilamento, como artimanha de polticas pblicas educacionais, levaram a Secretaria da

Educao do Estado de So Paulo (SEE-SP) a criar em 2009 Escola de Formao e

Aperfeioamento dos Professores do Estado de So Paulo Paulo Renato Costa (EFAP) com

a inteno de pri