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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ESCOLA DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA E DE PETRÓLEO CURSO DE ENGENHARIA DE PETRÓLEO SANGUE-NEGRO A RELAÇÃO E A INFLUÊNCIA DO PETRÓLEO NOS PRINCIPAIS CONFLITOS BÉLICOS DA HUMANIDADE MONOGRAFIA DE GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PETRÓLEO MATHEUS PEREIRA LEITE Niterói, 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

ESCOLA DE ENGENHARIA

DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA E DE PETRÓLEO

CURSO DE ENGENHARIA DE PETRÓLEO

SANGUE-NEGRO – A RELAÇÃO E A INFLUÊNCIA DO PETRÓLEO NOS PRINCIPAIS

CONFLITOS BÉLICOS DA HUMANIDADE

MONOGRAFIA DE GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PETRÓLEO

MATHEUS PEREIRA LEITE

Niterói, 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

ESCOLA DE ENGENHARIA

DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA E DE PETRÓLEO

CURSO DE ENGENHARIA DE PETRÓLEO

MATHEUS PEREIRA LEITE

SANGUE-NEGRO – A RELAÇÃO E A INFLUÊNCIA DO PETRÓLEO NOS PRINCIPAIS

CONFLITOS BÉLICOS DA HUMANIDADE

Monografia apresentada ao Curso de

Engenharia de Petróleo da Universidade

Federal Fluminense, como requisito parcial

para a obtenção do título de Bacharel em

Engenharia de Petróleo.

Orientador: Albino Lopes d‟Almeida

Niterói

2013

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer primeiramente a Deus, por me abençoar em todas as minhas

ações e sempre me dar força para seguir em frente.

Aos meus pais, Sérgio e Rosa, ao meu irmão, Lucas, a minha namorada, Mayara, e

a todos os meus outros familiares, que estão sempre comigo, seja compartilhando bons

momentos ou me ajudando nos momentos difíceis, e sem os quais não seria possível

chegar até aqui.

Ao meu professor orientador, Albino Lopes d‟Almeida, e a todos os outros

professores que contribuíram para a realização desse trabalho.

E a todos os meus amigos, que também estão sempre presentes e contribuíram de

alguma forma para a realização dessa monografia.

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"Por quase um século e meio o petróleo

vem trazendo à tona o melhor e o pior

de nossa civilização. Vem se

constituindo em privilégio e em ônus.

(...) Ele tem sido o palco para o nobre e

o desprezível do caráter humano. (...)

Foi isso que fez a era do petróleo."

Daniel Yergin

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RESUMO

A ambição por hegemonia faz parte da natureza humana, assim como a guerra. O

petróleo, desde sua descoberta, se transformou em sinônimo de riqueza e poder. Como

conseqüência, ele sempre esteve relacionado com os principais conflitos da história da

humanidade. Desde a Antiguidade, passando pelas duas guerras mundiais, até os recentes

conflitos no Oriente Médio, o petróleo sempre esteve presente, muitas vezes

desempenhando um papel-chave. Esse trabalho tem por objetivo relatar essa relação entre

petróleo e guerras, de forma a reiterar a importância dessa matéria-prima para a história da

humanidade.

Palavras-chave: petróleo, guerra, história.

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ABSTRACT

The ambition for hegemony is part of human nature, as well as war. Oil, since its

discovery, has become synonymous with wealth and power. As a result, he has always been

related with the main conflicts in human history. Since ancient times, through the two world

wars, until the recent conflicts in the Middle East, oil has always been present, often playing

a key role. This paper aims to describe the relationship between oil and war in order to

reiterate the importance of this raw material for the history of mankind.

Keywords: oil, war, history.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

BP British Petroleum

BPD Barris por Dia

EUA Estados Unidos da América

IEA International Energy Agency

OAPEC Organization of Arab Petroleum Exporting Countries

ONU Organização das Nações Unidas

OPA Office of Price Administration

OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo

OSCO Oil Service Company of Iran

PAW Petroleum Administration for War

PIB Produto Interno Bruto

PLUTO Pipeline Under the Ocean

PNAC Projeto por um Novo Século Americano

RAF Real Força Aérea Britânica

REP Reserva Estratégica de Petróleo

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LISTA DE FIGURAS

Figura 2.1 Mapa da 2ª Guerra Mundial na Europa e no Norte da África........................ 34

Figura 2.2 Mapa da 2ª Guerra mundial no Pacífico ....................................................... 39

Figura 3.1 O Canal de Suez .......................................................................................... 49

Figura 3.2 As Conquistas de Israel na Guerra dos 6 Dias ............................................ 55

Figura 4.1 O rio Shatt-al-Arab ....................................................................................... 73

Figura 4.2 O Campo Petrolífero de Rumaila ................................................................. 81

Figura 4.3 As ilhas de Warba e Bubiyan ....................................................................... 82

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................................. 12

I. Objetivo.................................................................................................................................... 12

II. Justificativa............................................................................................................................. 12

III. Metodologia........................................................................................................................... 12

IV. Relevância e Contextualização do Trabalho........................................................................ 12

V. Estrutura do Trabalho............................................................................................................ 13

CAPÍTULO 1 – DESDE A ANTIGUIDADE ATÉ A 1ª GUERRA MUNDIAL................................. 14

1.1. Na Antiguidade.................................................................................................................. 14

1.2. Na Idade Contemporânea................................................................................................. 14

1.3. Na 1ª Guerra Mundial........................................................................................................ 16

1.3.1. O Pré-Guerra................................................................................................................. 16

1.3.2. O Conflito....................................................................................................................... 19

1.3.2.1. O Petróleo nos Campos de Batalha........................................................................ 20

1.3.2.2. O Suprimento Mundial de Petróleo Durante a 1ª Guerra Mundial........................... 21

1.3.2.2.1. O Suprimento dos Aliados................................................................................. 21

1.3.2.2.2. O Suprimento da Alemanha.............................................................................. 24

1.3.3. O Fim do Conflito e a Consagração do Petróleo........................................................... 25

CAPÍTULO 2 – O PETRÓLEO E A 2ª GUERRA MUNDIAL........................................................ 26

2.1. O Pré-Guerra...................................................................................................................... 26

2.1.1. Na Alemanha................................................................................................................. 27

2.1.2. Na Grã-Bretanha........................................................................................................... 27

2.1.3. No Pacífico.................................................................................................................... 28

2.2. As Batalhas do Petróleo................................................................................................... 30

2.2.1. Na Europa...................................................................................................................... 30

2.2.1.1. As Batalhas na União Soviética............................................................................... 31

2.2.1.1.1. A Operação Blau............................................................................................... 31

2.2.1.1.2. A Batalha de Stalingrado................................................................................... 32

2.2.1.2. A Batalha do Bulge.................................................................................................. 32

2.2.2. Na África …………........................................................................................................ 33

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2.2.3. No Atlântico................................................................................................................... 34

2.2.4. No Pacífico……............................................................................................................. 35

2.2.4.1. Pearl Harbor…......................................................................................................... 35

2.2.4.2. A Batalha de Balikpapan…...................................................................................... 36

2.2.4.3. A Batalha de Midway............................................................................................... 37

2.2.4.4. A Batalha de Marus................................................................................................. 37

2.2.4.5. A Batalha das Ilhas Marianas.................................................................................. 38

2.2.4.6. A Batalha das Filipinas............................................................................................ 38

2.2.4.7. A Batalha de Okinawa............................................................................................. 38

2.3. Inovações Relacionadas ao Petróleo Feitas Durante o Conflito................................... 39

2.3.1. A Construção do Big Inch e do Little Inch...................................................................... 39

2.3.2. A Utilização da Gasolina de 100 Octanas..................................................................... 40

2.3.3. PLUTO........................................................................................................................... 41

2.4. O Suprimento de Petróleo Durante a 2ª Guerra Mundial............................................... 41

2.4.1. O Suprimento da Alemanha.......................................................................................... 41

2.4.2. O Suprimento do Japão................................................................................................. 42

2.4.3. O Suprimento dos Aliados............................................................................................. 44

2.4.3.1. A Organização da Indústria Petrolífera Britânica..................................................... 44

2.4.3.2. A Organização da Indústria Petrolífera Americana................................................. 45

2.4.3.2.1. O Racionamento nos EUA................................................................................. 46

2.4.3.3. O Suprimento nos Fronts de Batalha...................................................................... 47

CAPÍTULO 3 – O PETRÓLEO E OS CONFLITOS NO ORIENTE MÉDIO - PARTE 1................ 49

3.1. A Guerra no Canal de Suez............................................................................................... 49

3.2. A Guerra dos Seis Dias..................................................................................................... 54

3.3. A Guerra do Yom Kippur................................................................................................... 57

3.3.1. O Pré-Guerra................................................................................................................. 57

3.3.1.1. No Oriente Médio..................................................................................................... 57

3.3.1.2. Nos EUA.................................................................................................................. 58

3.3.2. O Conflito....................................................................................................................... 59

3.3.3. As Conseqüências do Conflito....................................................................................... 63

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3.4. A Revolução Islâmica no Irã............................................................................................. 65

3.4.1. O Pré-revolução............................................................................................................. 65

3.4.2. Os Conflitos................................................................................................................... 66

3.4.3. As Consequências da Revolução Islâmica no Irã......................................................... 68

CAPÍTULO 4 – O PETRÓLEO E OS CONFLITOS NO ORIENTE MÉDIO - PARTE 2................ 73

4.1. A Guerra Irã x Iraque......................................................................................................... 73

4.1.1. O Pré-guerra.................................................................................................................. 73

4.1.2. O Conflito....................................................................................................................... 74

4.1.3. O Contrachoque do Petróleo......................................................................................... 75

4.1.4. O Fim da Guerra............................................................................................................ 78

4.2. A Guerra do Golfo.............................................................................................................. 79

4.2.1. O Pré-guerra.................................................................................................................. 79

4.2.2. O Início da Crise – A Invasão do Iraque ao Kuait.......................................................... 81

4.2.3. Operação Tempestade no Deserto............................................................................... 84

4.2.4. As Conseqüências da Guerra do Golfo......................................................................... 85

4.3. A Guerra do Iraque............................................................................................................ 87

4.3.1. O Pré-guerra.................................................................................................................. 87

4.3.2. A Relação do Petróleo com a Guerra do Iraque............................................................ 89

4.3.3. A Guerra........................................................................................................................ 89

CAPÍTULO 5 – CONCLUSÃO...................................................................................................... 91

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................. 93

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INTRODUÇÃO

I – Objetivo

A presente monografia tem por objetivo relatar a relação e a influência do petróleo

nos principais conflitos bélicos da humanidade, desde a antiguidade até os dias atuais.

Através da abordagem do papel do petróleo antes, durante e após as principais guerras do

mundo, objetiva-se reiterar a importância dessa matéria-prima para a história da

humanidade.

II – Justificativa

A relação entre petróleo e guerras é um assunto de extrema importância, não só

para a indústria de petróleo, mas também para a sociedade em geral, uma vez que o mundo

atual é completamente dependente dessa matéria-prima. Apesar de ser um assunto

extremamente relevante, ainda não foi abordado em projetos finais do curso de Engenharia

de Petróleo da Universidade Federal Fluminense.

III – Metodologia

O presente trabalho foi feito através de revisão bibliográfica, cujas principais fontes

foram livros e artigos disponíveis na internet. Destaque para o livro “O Petróleo: Uma história

mundial de conquistas, poder e dinheiro”, de Daniel Yergin (2009), que por ser uma obra

que relata a história da indústria petrolífera mundial de forma profunda e detalhada, foi a

base para o desenvolvimento desse trabalho.

IV – Relevância e Contextualização do Trabalho

A guerra faz parte da natureza humana. Diversos são os motivos que levam o ser

humano a entrar em conflito com seus semelhantes: raça, religião, territórios, riquezas,

poder, etc. Entretanto, a ambição por poder e hegemonia pode ser considerada o principal

fator que há mihares de anos leva o ser humano à guerra.

O petróleo, a partir de sua descoberta, tornou-se uma grande fonte de riqueza. Com

o passar dos anos, ele deixou de ser apenas uma maneira de enriquecer, passou a ser vital

para civilização moderna e, com isso, tornou-se a maior fonte de poder e hegemonia

existente no mundo. E, consequentemente, a maior fonte de guerras.

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V – Estrutura do Trabalho

A monografia proposta está dividida em 3 partes. Na primeira, é feita uma introdução

ao trabalho, na qual são apresentados objetivo, justificativa, relevância e metodologia do

mesmo.

Na segunda parte, é feito o desenvolvimento do assunto proposto em 4 capítulos. No

capítulo 1 é abordada, de forma sucinta, a influência do petróleo em conflitos na

Antiguidade, como a Guerra de Tróia e a tomada da Babilônia pela Pérsia, e também em

conflitos da Idade Contemporânea, como a Guerra de Secessão e a Guerra Russo-

Japonesa. Por fim, é relatada a influência do petróleo na 1ª Guerra Mundial, abordando o

seu papel no cenário pré-guerra, a transformação proporcionada por ele nos combates e a

questão do suprimento de petróleo dos principais países envolvidos na guerra.

No capítulo 2 é relatada a influência do petróleo na 2ª Guerra Mundial, abordando a

sua relevância no cenário pré-guerra e nas principais batalhas do conflito, as inovações

relacionadas ao petróleo ocorridas durante a guerra e o suprimento de petróleo dos

principais países participantes da guerra.

Nos dois capítulos seguintes é relatada a influência do petróleo nos principais

conflitos ocorridos no Oriente Médio após a 2ª Guerra Mundial, retratando os papéis que o

petróleo teve nessas guerras – desde motivador até arma política. No capítulo 3 são

abordados os principais conflitos ocorridos entre o fim da 2ª Guerra e o 2º Choque do

Petróleo: Guerra no Canal de Suez, Guerra dos Seis Dias, Guerra do Yom Kippur e

Revolução Islâmica no Irã. No capítulo 4 são analisados os principais conflitos a partir do

Contra-choque do Petróleo: Guerra Irã-Iraque, Guerra do Golfo e Guerra do Iraque.

Na terceira parte, capítulo 5, é feita uma avaliação final sobre a relação entre

petróleo e guerras.

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CAPÍTULO 1

DA ANTIGUIDADE ATÉ A 1ª GUERRA MUNDIAL

1.1) Na Antiguidade

Milhares de anos antes de Edwin L. Drake encontrar petróleo em Titusville, na

Pensilvânia, a humanidade já conhecia essa preciosa substância. Os primeiros registros de

betume vieram da Mesopotâmia, três mil anos antes de Cristo. Já na Antiguidade, o betume

era um valioso artigo de comércio: era utilizado em paredes, como argamassa; em

embarcações, como impermeabilizante; na construção de estradas; e como remédio. No

século I D.C., o naturalista romano Plínio descreveu o uso farmacêutico do betume,

destacando a eficácia deste contra várias enfermidades, como hemorragias e feridas.

Data da antiguidade também uma função que se tornaria recorrente e decisiva na

história da humanidade: a bélica. O petróleo, convertido em chama, foi uma das principais

armas da Guerra de Tróia, conflito entre Grécia e Tróia, datado por volta de 1250 A.C.,

narrado de forma lendária e poética por Homero, na Ilíada. Muitos historiadores e estudiosos

ainda discutem se o conflito de fato ocorreu, apesar da descoberta das ruínas da cidade de

Tróia. O poder do fogo proveniente do petróleo também foi decisivo durante a tomada da

Babilônia pela Pérsia, em 539 A.C. A partir do século VII, o fogo grego – oleo incendiarum –

substância constituída pela mistura de petróleo e cal, foi utilizado pelos bizantinos para fins

bélicos, e foi considerado durante muito tempo mais destrutivo que a pólvora (YERGIN,

2009).

1.2) Na Idade Contemporânea

O grito que ecoou em agosto de 1859 através dos estreitos vales do oeste da Pensilvânia – de que o maluco yankee, o Coronel Drake, havia encontrado petróleo – deu início a uma imensa corrida ao petróleo, que nunca mais teve fim desde então. E, daí em diante, na guerra e na paz, o petróleo ganharia o poder de construir ou destruir nações e seria decisivo nas grandes batalhas políticas e econômicas do século XX. (YERGIN, 2009, p. 886)

A partir da descoberta de Drake, em 27/08/1859, o petróleo passou a estar

relacionado, de algum modo, com a maioria dos conflitos da humanidade. A Guerra de

Secessão – conflito civil ocorrido nos EUA de 1861 a 1865, entre os estados do sul e os do

norte, motivado principalmente pelas diferenças econômicas e pela questão da escravatura

– influenciou o primeiro boom do petróleo, ocorrido em Oil Regions, na Pensilvânia, a partir

de 1861. Com a guerra, os estados do norte não tiveram mais acesso à terebintina do sul,

da qual se obtinha o canfeno, um óleo iluminante barato, o qual foi substituído pelo

querosene proveniente do petróleo de Oil Regions. Além disso, devido ao conflito, os

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estados do norte não tiveram mais participação nos lucros gerados pela exportação do

algodão; a exportação do petróleo da Pensilvânia para a Europa compensaria essa perda,

fornecendo uma nova fonte de lucros. E, com o fim da guerra, milhares de veteranos se

mudaram para Oil Regions, atraídos pelo sonho de riqueza proporcionado pelo petróleo.

Também nos EUA, ocorreu a chamada Guerra do Petróleo, em fevereiro de 1872,

devido à tentativa de John D. Rockfeller, presidente da Standard Oil Company, de

monopolizar a indústria de refino do país. Na ocasião, 3 mil homens, representando os

produtores independentes que estavam sendo extremamente prejudicados pela South

Improvement Company (empresa criada por Rockfeller com o único objetivo de possibilitar o

monopólio), se mobilizaram, boicotando refinadores e ferrovias aliados da Standard Oil.

Apesar do esforço ter resultado no fechamento da South Improvement, Rockfeller atingiu

seu objetivo. E, na primavera de 1872, converteu-se “no chefe do maior grupo de refinarias

do mundo” (YERGIN, 2009, p. 44).

Em março/1873, ocorreu outro fato que demonstrou como o petróleo estava ligado

com a atividade militar, mesmo que de forma indireta. Os suecos irmãos Nobel, donos de

uma grande fábrica de armamentos, entraram na indústria do petróleo quando Robert, o

irmão mais velho, estava em uma viagem pelo Cáucaso a procura de suprimentos de

madeira para a fabricação de coronhas de espingardas (a empresa havia fechado um

acordo lucrativo com o governo russo para o fornecimento de espingardas). Ele

desembarcou em Baku, onde a indústria de petróleo começava a proliferar, e foi atraído pelo

negócio. Posteriormente, os irmãos criariam a Companhia de Produção de Petróleo Irmãos

Nobel, que se destacaria na indústria petrolífera russa.

Outra demonstração da relação indireta entre petróleo e a guerra foi o fato de

Marcus Samuel, dono da companhia de transporte e armazenagem de petróleo M. Samuel

& Co., ter feito fortuna como um dos principais fornecedores de armas e suprimentos para o

Japão durante a guerra contra a China, ocorrida entre 1894 e 1895. Marcus foi o fundador

da Shell Transport and Trading Company, que mais tarde seria parte do Royal Dutch-Shell

Group, empresa que viria a ter uma posição de destaque na indústria petrolífera mundial.

No final do século XIX, duas guerras influenciaram o mercado petrolífero. A Guerra

dos Bôeres, conflito que ocorreu de 1899 a 1902 na África do Sul, entre as Repúblicas

Bôeres da África do Sul (compostas por colonos descendentes de holandeses e franceses)

e a Grã-Bretanha, ocasionou uma alta nos preços do petróleo. Já a Guerra dos Boxers,

movimento antipopular e antiocidental ocorrido entre 1899 e 1900 na China, arrasou o país e

sua economia, acabando com “um dos mais promissores mercados da Shell” (YERGIN,

2009, p. 131).

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No início do século XX, ocorreu a Guerra Russo-Japonesa, com a qual a indústria

petrolífera também estava relacionada. O conflito, que ocorreu entre 1904 e 1905, teve

como principais motivadores a disputa pelo controle dos territórios da Manchúria e da Coréia

e a crise que o regime czarista de Nicolau II enfrentava na Rússia. A região do Cáucaso

(hoje Azerbaijão) era o centro dos descontentamentos e dos protestos russos – segundo

Yergin (2009, p. 144), Baku era a “estufa revolucionária do Cáspio”, onde a indústria do

petróleo propiciou o campo de treinamento para um grande número de líderes bolcheviques,

como Mikhail Kalínin, Klementi Voroshílov e Joseph Djugashvíli, que mais tarde seria

conhecido por Joseph Stalin. Diante da crise, o czar viu na guerra contra o Japão uma

solução para rechaçar os protestos e restaurar a paz no Império. Porém, a estratégia não

deu certo, e a guerra piorou o cenário russo.

Em 1905, ocorreu em São Petersburgo o chamado Domingo Sangrento, no qual

trabalhadores foram recebidos a tiros pela polícia quando se dirigiam ao Palácio de Inverno

para fazer reinvidicações ao czar. O Cáucaso foi tomado por greves e pelo conflito étnico

entre os armênios cristãos, que eram os principais líderes do petróleo na região, e os

tártaros mulçumanos, apoiados pelo governo. Durante o conflito, os tártaros incendiaram

centenas de torres e poços de petróleo, destruindo a indústria petrolífera de Baku. Com o

fim da revolução e da guerra, em 1905, o resultado se mostrou desastroso para a Rússia:

dois terços dos poços de petróleo do país foram destruídos.

Entretanto, foi a invenção do motor de combustão interna que tranformou o papel

estratégico do petróleo na arte da guerra. A revolução causada pela introdução do motor a

combustão interna no final do século XIX mudou dramaticamente a natureza do petróleo

para as nações e para a humanidade, e em poucos anos o “ouro negro” ascenderia ao seu

status de commodity estratégico vital para a segurança nacional das grandes potências

(MAUGERI, 2006).

1.3) Na 1ª Guerra Mundial

“Os Aliados flutuaram para a vitória em uma onda de petróleo.” (Visconde Curzon de

Kedleston)

1.3.1) O Pré-Guerra

No final do século XIX, o governo alemão tinha começado a sua tentativa em larga

escala em direção ao reconhecimento da Alemanha como potência mundial e à supremacia

global política, estratégica e econômica – a chamada Welpolitik. Porém, a Inglaterra possuía

a supremacia em alto-mar, com sua Armada Real movida a carvão galês e respeitada em

todos os mares do mundo. A Alemanha tinha consciência de que a supremacia inglesa em

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alto-mar poderia impedir suas ambições e que, por isso, deveria construir uma armada que

pudesse competir com a inglesa. Assim, em 1897, os alemães começaram sua corrida

naval. O governo britânico, alarmado com a segurança do Império e com a possibilidade de

perder a liderança industrial, deu início à modernização de sua armada, através de um

amplo programa de reconstrução, que teve como personagens fundamentais John

Arbuthnot Fisher e Winston Spencer-Churchill.

John Fisher era um almirante inglês, que posteriormente passaria a ser conhecido

como “o chefão do óleo", e tinha como uma das paixões de sua vida a Armada Real Inglesa.

No início do século XX, defendia arduamente o avanço tecnológico da marinha, tendo como

principal objetivo a mudança da propulsão dos navios do carvão para o óleo, pois acreditava

que o óleo combustível provocaria uma revolução na estratégia naval (YERGIN, 2009).

Porém não tinha o apoio dos outros almirantes, que confiavam no carvão galês e relutavam

em mudar. Em meados de 1903, o primeiro teste de uso de óleo combustível num

encouraçado inglês foi feito, em Portsmouth, porém foi um fracasso. O objetivo do teste era

que o navio, chamado de HMS (His Majesty Ship) Hannibal, saísse do porto movido a

carvão e durante a viagem passasse a ser movido por óleo. Enquanto queimava carvão,

tudo ocorrera normalmente, porém quando passou a utilizar óleo, um queimador defeituoso

fadou o teste ao fracasso. Em 1904, Fisher, já como Primeiro Lorde do Mar, estava

convencido de que a Inglaterra enfrentaria a Alemanha imperial, e mais convencido ainda de

que o petróleo desempenharia um papel fundamental nessa inevitável guerra.

Apesar da ameaça alemã, a Inglaterra estava dividida em relação à corrida naval, e

nesse cenário surgiu Winston Churchill, à época Secretário do Interior. No início, ele era

contra a expansão naval, pois não acreditava num conflito inevitável contra a Alemanha, e

por isso defendia um acordo entre os dois países, para assim liberar dinheiro para reformas

sociais. Porém, após um ato imperialista do governo alemão – que mandou um navio

canhoneiro, Panther, ao porto marroquino de Agadir – Churchill concluiu que a Alemanha

tinha por real objetivo a guerra, e passou a defender arduamente o fortalecimento da

Armada Real, pois acreditava que se a Inglaterra perdesse sua supremacia naval, toda a

riqueza acumulada ao longo da história do império se perderia. (YERGIN, 2009).

Em 1911, Churchill se tornou Primeiro Lorde do Almirantado e, ao aliar-se a Fisher

no processo de modernização da armada, foi logo instruído por ele sobre a questão do óleo:

Lembre-se de que o óleo, ao contrário do carvão, não se deteriora, e assim é possível acumular grandes estoques em tanques subterrâneos, de modo a evitar a destruição por incêndio, bombardeios ou incendiários, e a leste de Suez o óleo é mais barato que o carvão! (...) Quando um vapor de carga pode economizar 78% em combustível e ganhar 30% em espaço para carga com a adoção da propulsão por combustão interna e praticamente se livrar

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dos foguistas e maquinistas, é óbvio que com o óleo uma prodigiosa mudança está às nossa portas. (YERGIN, 2009, p. 173,174)

Ao chegar ao almirantado, Churchill se deu conta que os encouraçados de guerra –

a principal parte da frota – ainda eram propelidos a carvão, apesar de a Armada já possuir

embarcações propelidas somente a óleo (56 destróieres e 74 submarinos). Assim, decidiu

criar uma nova linhagem de encouraçados, com armamento e blindagem superiores e,

acima de tudo, mais rápidos, pois em sua concepção, a velocidade era a principal arma no

combate em mar. Essas mudanças só seriam possíveis com o petróleo. Além de oferecer

maior velocidade e aceleração mais rápida, o óleo admitia o reabastecimento no mar, com

menos energia humana necessária se comparado ao carvão, além de possibilitar um raio de

ação maior. E Churchill tinha consciência disso:

À medida que um navio a carvão usava seu carvão, precisava-se de um número cada vez maior de homens, que eram retirados das armas para transportar com pás o carvão de depósitos distantes e incômodos até outros mais próximos das fornalhas ou até as próprias fornalhas, diminuindo assim a eficiência do combate do navio talvez no momento mais crítico da batalha (...) O uso do óleo possibilitava, em qualquer tipo de navio, mais poder de fogo e mais velocidade contra menos tamanho ou menor custo. (YERGIN, 2009, p. 174)

Entretanto, Churchill criou uma comissão, liderada por Fisher, para avaliar as

questões relacionadas à conversão do carvão para o óleo, como preço, disponibilidade e

segurança do fornecimento. Após o comitê concluir que o óleo combustível era

extremamente mais vantajoso que o carvão, o governo britânico deu início, em 1912, ao

programa naval que seria referido por Churchill como o “mergulho do destino”: a criação de

uma divisão ligeira, a classe Queen Elizabeth, composta de cinco encouraçados movidos

somente a óleo. Posteriormente, mais dois programas navais seriam feitos (1913 e 1914),

com todos os navios movidos somente a óleo, constituindo, em termos de custo e de

mudança de rumo, “o maior acréscimo da história da Armada Real até aquela época”

(YERGIN, 2009, p. 175).

Após o governo britânico decidir que sua armada seria movida a óleo, a auto-

suficiência energética do país, que era baseada no carvão, fora perdida para sempre, e a

busca por fontes de petróleo estáveis e invulneráveis se tornou uma necessidade vital para

a Grã-Bretanha (MAUGERI, 2006). Havia apenas duas escolhas para o fornecimento de

petróleo: o poderoso Royal Dutch-Shell Group, liderado por Henri Deterding e Marcos

Samuel; e a Anglo-Persian Oil Company, empresa menor e em delicada situação financeira,

que tinha nos campos petrolíferos da Pérsia sua principal atividade, liderada por Charles

Greenway.

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A Anglo-Persian ofereceu um contrato de abastecimento de 20 anos ao Almirantado,

em troca de uma ajuda financeira do governo inglês. Greenway, que tinha uma rivalidade

intensa com a Royal Dutch-Shell, defendia veementemente a idéia de que, sem a ajuda do

governo, a Anglo-Persian não teria outra saída senão ser absorvida pela empresa de

Deterding e Samuel, que assim teria o monopólio do óleo. Como consequência, a Armada

Real ficaria a mercê da Royal Dutch-Shell, sujeita a preços absurdos de petróleo. Além

disso, Greenway dizia que se a Anglo-Persian fosse absorvida, o governo alemão a

controlaria, uma vez que a Royal Dutch, liderada pelo holandês Deterding, controlava a

Shell, e o governo holandês era suscetível à pressão alemã. As teses de Greenway foram

aceitas por Fisher, e logo depois pelo Ministério das Relações Exteriores, mas não pelo

Almirantado. Porém, após crescerem as dúvidas sobre disponibilidade de petróleo em

outros lugares além da Pérsia, e a pressão de Churchill sobre o Almirantado – que

argumentava que o óleo era indispensável para o acesso do Império Britânico à outras

matérias-primas fundamentais para a economia, como milho e algodão – o Almirantado

mudou de idéia.

Assim, após Churchill conseguir a aprovação do Parlamento, a Anglo-Persian

passou a ter o governo britânico como acionista majoritário – segundo Maugeri (2006), esse

fato marcou pela 1ª vez na história a conexão estratégica entre petróleo, segurança nacional

e poder mundial.

1.3.2) O Conflito

A 1ª Guerra Mundial se iniciou em 28/07/1914. O estopim para o conflito foi o

assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do Império Austro-Húngaro, e de

sua esposa, a duquesa Sofia de Hohenberg, ocorrido em Saravejo, em 28/06/1914, por um

estudante sérvio pertencente a um grupo nacionalista, que lutava pela unificação dos

territórios que continham sérvios. A guerra foi disputada entre as principais potências

européias, que se dividiram em 2 grupos: a Tríplice Aliança, inicialmente formada por

Alemanha, Império Austro-Húngaro e Itália, e a Tríplice Entente, inicialmente formada por

Rússia, França e Inglaterra. No decorrer do conflito, alterações ocorreram nessas alianças,

como a mudança de lado da Itália, em 1915, a saída da Rússia do conflito, em 1917, e a

entrada dos EUA, como aliados da Tríplice Entente, também em 1917.

Com o início dos combates, veio a revolução causada pelo petróleo nos campos de

batalha, como escreveu Yergin (2009, p. 187): “Durante a 1ª Guerra Mundial, o óleo e o

motor de combustão interna mudaram todas as dimensões do conflito armado, até mesmo o

próprio significado da mobilidade na terra, no mar e no ar.”

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1.3.2.1) O Petróleo nos Campos de Batalha

Antes da 1ª Guerra, as operações militares em terra eram baseadas nos sistemas

ferroviários e na capacidade muscular de homens e animais: tropas e suprimentos eram

transportados até a extremidade da linha férrea, e a partir dali a movimentação se dava a

cavalo ou a pé. Essas operações estavam, portanto, sujeitas à inflexibilidade dos sistemas

ferroviários e à resistência física dos homens e dos cavalos.

A Alemanha dispunha de uma superioridade em ferro e carvão, e de um sistema

ferroviário bem estruturado e não atribuía importância estratégica ao petróleo; por isso, o

governo alemão acreditava que tomaria o Ocidente de forma rápida e decisiva. Porém, o

petróleo deu sua primeira demonstração de importância estratégica, de uma forma

inusitada, no início de setembro/1914, quando a Alemanha estava prestes a tomar Paris.

Com o exército alemão a apenas 64 km de distância, a cidade evacuada e o comandante-

chefe do exército francês considerando uma retirada, o governador militar de Paris, general

Joseph Gallieni, recusou-se a entregar a cidade aos alemães e iniciou um contra-ataque.

Apesar do sucesso inicial da ofensiva, as forças francesas precisavam de reforços que,

localizados nos arredores de Paris, estavam impossibilitados de chegarem ao front – o

sistema ferroviário francês fora destruído; os veículos militares disponíveis eram poucos; e,

com a chegada de mais tropas germânicas, não havia tempo para se deslocarem a pé.

Nesse momento crítico, Gallieni viu no motor a combustão interna dos 3 mil táxis de Paris

uma possível solução para a vitória, e decidiu que uma armada de táxis seria organizada

para deslocar milhares de soldados franceses até o front. Assim, de 06 a 08/09, os 3 mil

táxis saíram em comboios de 25 a 50 carros, levando rapidamente milhares de soldados ao

ponto crítico da batalha, sendo decisivos para o fortalecimento da linha francesa e a

conseqüente retirada alemã.

Quando a Alemanha suspendeu a retirada, a 1ª Guerra transformou-se numa guerra

estática de defesa, devido ao uso difundido da metralhadora e das trincheiras. O primeiro a

apresentar uma solução ao impasse da guerra das trincheiras foi o coronel inglês Ernest

Swinton que, juntando seu conhecimento sobre o potencial da metralhadora e experiências

militares com tratores da agricultura, idealizou um veículo militar, de motor de combustão

interna e movido sobre tratores, com blindagem resistente às balas de metralhadora: o

tanque. Essa solução não foi bem vista pelo alto comando inglês. Churchill, pelo contrário,

gostou da idéia, e passou a destinar os fundos da Armada para o desenvolvimento do

veículo. O tanque foi utilizado pela primeira vez na Batalha do Somme, em 1916, e teve

papel fundamental na Batalha de Amiens, em 08/08/1918, dia que seria chamado como o

“dia negro do exército alemão na história da guerra” pelo general Erich Ludendorff (YERGIN,

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2009, p. 191). A importância do tanque foi tanta que o Alto Comando alemão atribuiu à

introdução deste como a primeira razão para a derrota na guerra.

O carro e o caminhão também foram de extrema importância para a vitória dos

aliados na 1ª Guerra Mundial, superando o bom transporte ferroviário alemão no

deslocamento de tropas e suprimentos. Em 1914, o exército inglês contava apenas com

827 carros a motor; no fim do conflito, a frota militar se expandiu para 56 mil caminhões, 23

mil carros a motor e 34 mil motocicletas e bicicletas motorizadas. Muitos dizem que a vitória

dos aliados sobre a Alemanha foi “a vitória do caminhão sobre a locomotiva” (YERGIN,

2009, p. 192).

Assim como os veículos terrestres, o avião também teve papel de destaque no

conflito. Antes da 1ª Guerra, a aviação não tinha utilização militar. Porém, após o início do

conflito, a situação mudou, como relatou um comentarista da aviação inglesa no início de

1915:

Desde que eclodiu a guerra, o aeroplano fez coisas tão surpreendentes que até mesmo os menos imaginativos começam a perceber que ele constitui um grande auxiliar das operações navais e militares, e possivelmente até mesmo um veículo para uso corrente quando cessa a guerra. (YERGIN, 2009, p. 192)

O aeroplano desempenhou papel militar importante primeiramente nas áreas de

reconhecimento e observação. Logo depois, surgiu o avião de combate e, com ele, os

bombardeios tático e estratégico – o primeiro foi fundamental para o exército inglês devastar

os turcos e conter o avanço alemão no front em 1918, e o segundo foi iniciado pelos

alemães na “primeira batalha da Grã-Bretanha”.

Já no mar, apesar da corrida naval ter sido um dos motivadores do conflito, não

houve muitos confrontos – a Grande Frota Inglesa e a Armada Alemã de alto-mar se

enfrentaram uma única vez, em 31 de maio de 1916, na Batalha de Jutland.

1.3.2.2) O Suprimento Mundial de Petróleo Durante a 1ª Guerra Mundial

O petróleo mudou radicalmente os combates militares, tanto em terra quanto no ar e

no mar. Assim, devido à sua utilização nos campos de batalha, a questão do suprimento de

petróleo foi fundamental para o desfecho da 1ª Guerra.

1.3.2.2.1) O Suprimento dos Aliados

Um pouco antes da 1ª Guerra, a Inglaterra fechara um acordo com a Anglo-Persian,

na qual seria dona de 51% das ações da empresa. Porém, antes de a compra ser finalizada,

o conflito se iniciara e o empreendimento na Pérsia, que em 1914 representava apenas 1%

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do petróleo mundial, não era prioridade do exército inglês. Apesar disso, a produção de

petróleo persa não sofreu perturbações intensas durante a guerra, representando, no final

de 1916, 1/5 da necessidade de óleo da Armada Inglesa, e aumentando mais de dez vezes

entre 1912 e 1918 – passou de 1,6 mil barris por dia para 18 mil.

Foi durante a guerra que a Anglo-Persian começou a gerar lucros e,

consequentemente, crescer: comprou a British Petroleum, uma das maiores redes de

distribuição de petróleo do Reino Unido e desenvolveu uma frota de petroleiros, passando

de uma empresa que produzia exclusivamente petróleo bruto para uma companhia

integrada de petróleo. Além disso, seu diretor administrativo, Charles Greenway, tinha por

objetivo transformar a Anglo-Persian numa empresa totalmente inglesa, que defenderia

patrioticamente o petróleo do Império Britânico. Greenway não media esforços para atacar a

sua rival, a Royal Dutch-Shell, frequentemente acusando o grupo de deslealdade, por lucrar

com a venda de produtos do petróleo para a Alemanha.

Apesar das acusações, a Royal Dutch-Shell foi peça-chave no fornecimento de

petróleo para a Inglaterra durante a guerra – adquiria e organizava, ao redor do mundo, os

suprimentos para o exército inglês – e foi fundamental para a vitória dos Aliados –

assegurava a entrega dos produtos oriundos de Borneu, Sumatra e EUA no ponto final das

linhas férreas e nos campos de aviação da França. Marcos Samuel, acusado de desleadade

por Greenway, mostrou-se um verdadeiro patriota inglês, ao arquitetar um plano em 1915

para assegurar o fornecimento de explosivos da Inglaterra. No início da guerra, o tolueno,

ingrediente essencial do explosivo TNT, era extraído do carvão, porém a produção mostrou-

se insuficiente. A Shell possuía uma fábrica que extraía tolueno do petróleo em Roterdam,

na Holanda, que estava sendo utilizada pelo exército alemão para a fabricação de

explosivos; uma equipe, liderada por Samuel, desmontou em uma noite a fábrica peça por

peça, transportando-a para Inglaterra. Mais tarde, a fábrica, junto com outra construída

posteriormente pela Shell, garantiria o fornecimento de TNT para o exército britânico, sendo

responsável pela fabricação de 80% do tolueno utilizado em combate.

Apesar do fornecimento de petróleo vindo da Anglo-Persian e da Royal Dutch-Shell,

a Inglaterra enfrentou uma escassez de petróleo a partir de 1916. Essa crise do petróleo

inglês aconteceu por duas razões principais: a ação dos submarinos alemães movidos a

diesel, que destruíram vários petroleiros (como o John D. Archbold, da Standard Oil of New

Jersey, e o Murex, da Shell); e o aumento exponencial da demanda, devido à utilização

massiva do petróleo nos campos de batalha. Em 1917, a situação era crítica, com os

alemães cada vez mais bem-sucedidos nos ataques de submarinos. Nesse cenário, o

secretário de Estado para as Colônias, Walter Long, constatou a importância do petróleo

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para a guerra: “Pode-se ter homens, munições e dinheiro, mas se não se tem óleo, que hoje

é a grande força motriz, todas as demais vantagens com que se conta são de pouco valor”

(YERGIN, 2009, p. 198).

Diante da crise, vários comitês e órgãos foram criados, com o objetivo de coordenar

a política do petróleo, como o Poder Executivo do Petróleo. Na França, a crise também

estava grave, e foi criado o Comité Général Du Pétrole, inspirado no Poder Executivo do

Petróleo inglês. Em ambos os países, os EUA e seus navios-petroleiros surgiram como

solução para a crise. Em dezembro/1917, o primeiro-ministro, Geroges Clemenceau, ao ser

advertido que o país poderia ficar sem petróleo em março/1918, fez um apelo ao presidente

americano, Thomas Woodrow Wilson, dizendo que a gasolina era “tão vital quanto o sangue

nas próximas batalhas” (YERGIN, 2009, p. 198). Diante dessa situação, Estados Unidos,

Inglaterra, França e Itália se reuniram em fevereiro/1918, na Conferência de Petróleo

Interaliada, objetivando uma ação conjunta em relação ao suprimento de petróleo dos

aliados. A conferência, aliada ao combate aos submarinos alemães e à contribuição efetiva

da Standard Oil of New Jersey e da Royal Dutch-Shell, fizeram com que os problemas de

suprimento dos países aliados fosse resolvido.

Os EUA passaram então a ser responsáveis por 80% das necessidades bélicas de

petróleo dos aliados. Com isso, a produção americana, que em 1914 era de

aproximadamente 730 mil bpd e correspondia a 65% da produção mundial, passou para 918

mil bpd em 1917, correspondendo a 67% do total mundial. Porém, ao entrar na guerra e

“salvar” os aliados, os EUA se viram diante de um desafio: conciliar as demandas da guerra

com as da sua crescente economia industrial.

Para isso, foi criada em agosto de 1917 a Divisão de Petróleo da Administração do

Combustível, com o objetivo principal de estabelecer uma relação inédita de trabalho entre o

governo e a indústria de petróleo. Atuando em conjunto com o Comitê Nacional de Petróleo

para o Serviço de Guerra (que organizava o suprimento de óleo americano para a 1ª

Guerra), a Divisão de Petróleo criou um novo padrão de colaboração entre governo e

empresa privada, que contrastava com a guerra travada entre o governo e a extinta

Standard Oil, de John D. Rockfeller, há uma década atrás. Apesar de alguns problemas,

como aumento do preço do petróleo – que dobrou entre 1914 e 1918, mas foi controlado

posteriormente – e a restrição de atividades essenciais (como os “Domingos sem gasolina”),

que geraram protestos, os EUA não chegaram a enfrentar uma crise do petróleo.

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1.3.2.2.2) O Suprimento da Alemanha

Se por um lado os países aliados não sofreram uma crise prolongada de petróleo, o

mesmo não pode se dizer da Alemanha. Após bloqueios dos Aliados, a única fonte de

petróleo possível para os alemães era a Romênia – segundo maior produtor europeu na

época, atrás da Rússia – que tinha declarado guerra contra a Áustria-Hungria e,

consequentemente, contra a Alemanha. O Alto Comando alemão tinha consciência de que a

vitória contra a Romênia era imprescindível para a continuidade da ofensiva alemã, assim

como o Comitê de Guerra do Gabinete Britânico tinha consciência de que não poderia medir

esforços para impedir que os alemães tomassem posse do petróleo romeno.

Com a inevitável vitória alemã nos campos de batalha da Romênia, o governo

britânico decidiu destruir a indústria petrolífera romena. A missão foi dada ao coronel John

Norton-Griffiths, conhecido como “Jack Império”. Segundo Daniel Yergin (2009, p. 204), Jack

Império cumpriu sua missão com sucesso:

O aparato dos campos foi destruído; dinamitaram-se torres; foram tapados poços com pedras, pregos, lama, correntes quebradas, pedaços de broca e o que estivesse à mão; os oleodutos foram inutilizados; e enormes tanques de armazenamento foram incendiados, explodindo com grandes estrondos.

Quando os alemães chegaram, Norton-Griffiths já estava fora de alcance, e havia

deixado um rastro de detruição: cerca de 70 refinarias destruídas e aproximadamente 800

mil toneladas de petróleo bruto e derivados perdidos. A intenção do governo britânico fora

atingida, e a produção de petróleo romeno ficou extremamente debilitada durante todo o ano

de 1917, recuperando-se somente em 1918.

Assim que conseguiu recuperar a produção na Romênia, a Alemanha passou a

vislumbrar outra fonte de petróleo, para tentar reverter a situação na 1ª Guerra: Baku, no

Cáucaso. Inicialmente, os alemães tentaram chegar ao petróleo de Baku pacificamente,

através do Tratado de Brest-Litovsk, assinado com a Rússia revolucionária em março/1918,

que a esta altura já tinha se retirado do conflito. Porém, as forças turcas, aliadas da

Alemanha, avançaram em direção à região petrolífera, e o governo britânico novamente

interveio, enviando uma tropa, que tinha por objetivo impedir que os turcos chegassem ao

petróleo e, se necessário, repetir a façanha de Jack Império na Romênia. A luta entre

ingleses e turcos durou um mês, tempo necessário para enfraquecer a Alemanha ainda

mais. Quando os ingleses se retiraram e os turcos tomaram Baku, “já era muito tarde para

fazer algo em favor dos alemães e de seu suprimento de petróleo” (YERGIN, 2009, p. 204).

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1.3.3) O Fim do Conflito e a Consagração do Petróleo

A perda de Baku foi um golpe duro para a Alemanha, que não tinha mais opções de

suprimento de petróleo e via suas reservas se esgotarem. Em outubro/1918, a situação era

desesperadora, e a vida da Alemanha na 1ª Guerra estava com os “dias contados”: o

suprimento para a indústria bélica, movida a óleo, esgotaria em dois meses. Diante dessa

situação, em 11/11/1918, a Alemanha se rendeu e o armistício foi assinado. Terminava

assim a 1ª Guerra Mundial.

Dez dias após o fim da guerra, a Conferência de Petróleo Interaliada se reuniu em

Londres, para um jantar, onde o senador Bérenger, diretor do Comité Général Du Pétrole,

resumiu a importância do petróleo, o qual chamava de “o sangue da terra”, no conflito e nos

anos que viriam:

O petróleo foi o sangue da vitória (...) A Alemanha se jactou demasiadamente de sua superioridade em ferro e em carvão, mas não deu a devida importância à nossa superioridade em petróleo. Como o petróleo foi o sangue da terra, ele será do mesmo modo o sangue da paz. Nessa hora, no início da paz, nossas populações civis, nossas indústrias, nosso comércio, nossos fazendeiros estão pedindo mais petróleo, sempre mais petróleo, mais gasolina, sempre mais gasolina. Mais petróleo, sempre mais petróleo! (YERGIN, 2009, p. 205)

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CAPÍTULO 2

O PETRÓLEO E A 2ª GUERRA MUNDIAL

“O petróleo foi um produto indispensável, em todas as suas formas, para as

campanhas aliadas ao redor do mundo. Sem ele, a 2ª Guerra Mundial nunca poderia ter sido

vencida pelos Aliados” (MILLER, 2002). Essa frase de Keith Miller resume a importância do

petróleo no “de longe maior, e provavelmente mais sanguinário, conflito” da história

(BALDWIN, 1959). A guerra, que iniciou-se em 01/09/1939 com a invasão da Polônia pela

Alemanha, foi disputada entre as principais potências mundiais, que se dividiram em 2

grupos: os Aliados, que tinham como principais forças os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e

a União Soviética; e o Eixo, liderados pela Alemanha, Itália e Japão.

O petróleo, em suas diversas formas, foi a fonte de produtos bélicos indispensáveis,

como tolueno para as bombas, a borracha sintética para os pneus, o combustível utilizado

nos veículos terrestres (jipes, caminhões, tanques), navios e aviões, além de lubrificantes

para as armas e máquinas.

Enquanto a 1ª Guerra Mundial se caracterizou pela estaticidade, a 2ª Guerra Mundial

se caracterizou pela mobilidade. Devido a isso, muito mais petróleo foi consumido na 2ª

Guerra, como descreve Yergin (2009, p.427 e 428):

Durante a 2ª Guerra, nos momentos de pico, as forças americanas na Europa usaram 100 vezes mais gasolina do que na 1ª Guerra. A tropa americana típica, durante a 1ª Guerra, usava 4 mil HP; na 2ª Guerra, 187 mil HP. (...) cerca da metade da tonelagem total embarcada pelos EUA durante a guerra foi de petróleo. O Serviço de Inteligência calculava que, quando um soldado americano partia para combater no exterior, ele necessitava de 30 kg de suprimentos e equipamentos para manter-se, e a metade era de produtos derivados de petróleo.

Michael Klare (2001 apud FUSER, 2008, p. 41, 42) descreveu a importância do

petróleo para o conflito:

Embora as explosões nucleares em Hiroshima e Nagasaki tenham determinado o fim da guerra, foi o petróleo que serviu de combustível para os exércitos que derrotaram a Alemanha e o Japão. O petróleo deu às forças aliadas uma vantagem decisiva sobre seus adversários, que não dispunham de fontes seguras desse combustível.

2.1) O Pré-Guerra

Na véspera da 2ª Guerra Mundial, o petróleo já tinha assumido um papel importante

como estratégia militar nas economias modernas. Os EUA eram o “centro de gravidade” da

produção de petróleo do mundo, produzindo 3,6 milhões bpd – o equivalente a mais de 60%

da produção mundial (5,7 milhões bpd). O Oriente Médio ainda estava no início de sua

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produção, com apenas 330 mil bpd, sendo superado pela União Soviética e pela Venezuela,

que eram, respectivamente, o 2º e 3º maiores produtores mundiais na época. Entretanto,

como fonte de energia, o petróleo ainda era superado significativamente pelo carvão, que

era responsável pelo fornecimento de aproximadamente 80% da energia primária mundial.

Porém, a 2ª Guerra Mundial iria mudar esse panorama e levaria o petróleo ao status de

recurso mais vital da história contemporânea (MAUGERI, 2006).

2.1.1) Na Alemanha

Em 1932, ainda como líder do Partido Nacional Socialista, Adolf Hitler já planejava

chegar ao poder como chanceler da Alemanha e transformá-la novamente numa potência

mundial. Porém, o país possuía mínimas reservas de petróleo. No final da década de 1930,

a matriz energética germânica ainda tinha como carro-chefe o carvão (90%), com o petróleo

correspondendo a cerca de 5%, sendo que a maioria desse óleo era importado,

principalmente do Ocidente. E Hitler sabia que isso era um grande obstáculo às suas

ambições. Por isso, passou a apoiar o programa de combustível sintético da I.G.Farben, a

principal indústria química alemã, que seria fundamental para a máquina de guerra nazista.

Ao chegar ao poder em 1933, o führer começou a construir bombardeiros, aviões de

combate, tanques e caminhões, todos movidos a petróleo.

Hitler, que já tinha a certeza de que o petróleo era crucial para seus planos,

vivenciou um acontecimento que comprovou ainda mais a importância dessa matéria-prima.

Em outubro de 1935, a Itália, liderada por Benito Mussolini, invadiu a Abissínia (hoje

Etiópia). A Liga das Nações impôs sanções econômicas à Itália e ameaçou um embargo às

exportações de petróleo, como modo de tentar frear o ditador italiano. Mussolini sabia que

sem petróleo, seu exército se tornaria inútil e a invasão fracassaria. Apesar das ameaças, o

embargo não aconteceu, e a Abissínia foi conquistada em 1936. Mais tarde, Mussolini

confidenciaria a Hitler que se o embargo tivesse ocorrido, o exército italiano não teria

condições de ficar na Abissínia por mais de uma semana (YERGIN, 2009).

Em 1936, Hitler inaugurou o Plano Quadrienal, que tinha com um dos principais

objetivos reduzir a dependência alemã de petróleo importado, através da produção

acelerada de combustíveis sintéticos.

2.1.2) Na Grã-Bretanha

Em 1937, já prevendo um conflito com a Alemanha, o governo britânico iniciou uma

avaliação em relação ao petróleo disponível para a guerra. Como a maior parte do petróleo

utilizado pelos ingleses era importado, uma corrente do governo passou a considerar a

possibilidade de a Inglaterra extrair óleo do carvão, uma vez que possuía extensas reservas

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desse mineral. Porém, a estratégia dos combustíveis sintéticos foi rejeitada. Porque o custo

seria mais elevado, uma vez que o país tinha acesso ao petróleo mais barato em todas as

partes do mundo, além de sediar duas grandes companhias internacionais, a Royal Dutch-

Shell e a Anglo-Iranian (antiga Anglo-Persian). E também porque, na guerra, as usinas de

hidrogenação seriam alvos mais vulneráveis do que os navios e portos utilizados na

importação de petróleo convencional.

Durante o período de planejamento para a guerra, o futuro do grupo Royal Dutch-

Shell ficou indefinido, o que gerou um certo pavor no alto comando britânico, pois a

companhia fora o “quartel-general da Grã-Bretanha para o petróleo durante a 1ª Guerra

Mundial” (YERGIN, 2009, p. 413). Isso porque Henri Deterding, o presidente da companhia,

passou a admirar os nazistas e, particularmente, Hitler, em meados da década de 30. O

fascínio era tanto que em 1935 Deterding iniciou, por conta própria, negociações com o

governo alemão sobre a possibilidade de sua companhia fornecer petróleo a crédito para a

Alemanha, que não vingaram devido à veemente rejeição do conselho do grupo. Ainda

assim, ao se aposentar em 1936, Deterding se mudou para a Alemanha e passou a

cooperar com o regime nazista. Com sua morte, no início de 1939, os nazistas vislumbraram

a possibilidade de tentar tomar o controle da empresa, mas não tiveram sucesso. De acordo

com as normas da empresa, as ações que davam direito ao controle poderiam ficar somente

sob o domínio de diretores – com a morte de Deterding, suas ações foram rapidamente

distribuídas entre outros diretores.

Uma das medidas mais marcantes do governo britânico durante o planejamento para

a 2ª Guerra Mundial foi que as indústrias petrolíferas britânicas deveriam eliminar a

competição entre si no período de guerra – Royal Dutch-Shell, Anglo-Iraniana e a subsidiária

britânica da Standard Oil of New Jersey eram donas de 85% das refinarias e da distribuição

locais – e deveriam cooperar totalmente com o país.

2.1.3) No Pacífico

A partir de 1930, o Japão intensificou sua expansão imperial na Ásia Oriental

(iniciada no final do século XIX) motivado pela opressão econômica que vinha sofrendo –

devido à Grande Depressão e ao colapso do comércio mundial – e pelo espírito nacionalista

extremo pregado pelo exército e por segmentos importantes da sociedade.

Tomados pelo nacionalismo, os militares japoneses passaram a condenar o

liberalismo, o capitalismo e a democracia, defendendo uma doutrina de guerra total.

Entretanto, o Japão possuía mínimos suprimentos de petróleo – no final da década de 1930,

de todo o petróleo consumido no país, a produção interna correspondia a somente 7%, com

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o restante sendo importado dos EUA (80%) e das Índias Orientais Holandesas [hoje

Malásia, Indonésia e Cingapura] (13%). E os militares nipônicos sabiam que o petróleo era

fundamental para suas pretensões expansionistas. Assim, com o objetivo de dominar a

indústria petrolífera no país, os militares aprovaram em 1934 a Lei Industrial do Petróleo – a

partir dessa lei, o governo passou a controlar importações, fixar preços e estabelecer quotas

no mercado de ações, além de exigir que as empresas estrangeiras mantivessem estoques

acima dos níveis comerciais normais. Simultaneamente, com o objetivo de pressionar as

companhias ocidentais, os japoneses criaram um monopólio de petróleo na Manchúria .

Entretanto, em 1937, o Japão entrou em guerra com a China, e se viu obrigado a

frear sua política de dominação da indústria petrolífera, reatando as relações com as

companhias estrangeiras. Desde o início da Guerra Sino-japonesa, o Japão foi considerado

o vilão da história pelos americanos, que pressionavam o presidente Franklin Roosevelt a

cessar a exportação de equipamentos militares ao Japão. Com a continuidade do conflito, a

pressão aumentava. E, em 1939, a maioria da população apoiava essa posição. Porém, o

presidente buscava uma solução menos enérgica, para não desencadear uma crise no

Pacífico, uma vez que os EUA já estavam se deparando com a ameaça da Alemanha

Nazista.

Em setembro/1940, após o Japão iniciar o avanço sobre a Indochina e,

paralelamente, conduzir um acordo com Alemanha e Itália, Roosevelt cortou toda a

exportação de ferro e aço aos japoneses, mas manteve a de petróleo. O motivo era evitar

uma guerra com o Japão na véspera das eleições presidenciais.

No final de 1940, os japoneses concluíram que, para que a vitória contra a China

fosse possível, precisariam do petróleo das Índias Orientais Holandesas. Mas sabiam que a

frota americana no Havaí significava um grande obstáculo à invasão e, por isso, começaram

a planejar o ataque à Pearl Harbor.

Em meados de 1941, o governo americano ainda debatia sobre um embargo de

petróleo ao Japão. De um lado, o Secretário do Interior Harold Ickes defendia o corte total

das exportações; do outro, o presidente Roosevelt argumentava que a suspensão do

fornecimento levaria os EUA a uma guerra, num momento em que o país já estava se

estava se preparando para outra guerra, a da Europa. Assim, para evitar o embargo e

manter o foco militar no Atlântico, mas tentando frear o avanço japonês na Indochina, o

presidente decidiu pelo congelamento de todas as operações financeiras do Japão nos EUA

em 25/07 – mas que no fim das contas, funcionaria como um embargo sobre o petróleo.

Grã-Bretanha e Holanda seguiram os EUA, congelando os bens japoneses e fazendo um

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embargo de petróleo. Esse embargo, segundo Samuel Eliot Morison, tornou “a guerra com o

Japão inevitável” (BALDWIN, 1959).

Com o embargo, os estoques de petróleo do Japão começaram a cair drasticamente

e se esgotariam em 2 anos. A partir daí, os japoneses começaram a discutir sobre recuar e

obter uma conciliação com os EUA ou continuar a sua expansão e enfrentar os americanos

em uma guerra. Em outubro/1941, o primeiro-ministro príncipe Konoye, que era a favor da

conciliação, foi substituído pelo ministro da guerra Hideki Tojo, que descartava qualquer

acordo com os EUA. Em novembro, foi realizada uma Conferência Imperial, que aprovou

uma lista de exigências a serem feitas aos EUA para que um conflito não se deflagrasse. Ao

receber a lista de exigências, o governo americano propôs o reatamento do comércio

americano com o Japão, contanto que as tropas japonesas se retirassem da Indochina e da

China. O governo japonês considerou a proposta um ultimato e ordenou que uma força-

tarefa, que estava reunida nas Ilhas Kurilas, zarpasse em direção ao Havaí. A guerra no

Pacífico entre EUA e Japão estava prestes a começar.

2.2) As Batalhas do Petróleo

Nos múltiplos fronts da guerra, o petróleo provou ser “a cartada da vitória”, seja nos

ataques e ocupações terrestres, nas campanhas aéreas ou nas batalhas navais (MAUGERI,

2006). Os esforços para conquistar áreas ricas em petróleo e/ou evitar que as tropas

inimigas tivessem acesso a elas foi um dos principais fatores que determinou a estratégia na

2ª Guerra Mundial – campanhas foram decididas ou influenciadas pela disponibilidade de

petróleo das tropas. (BALDWIN, 1959)

2.2.1) Na Europa

Diversas batalhas por petróleo ocorreram na Europa (figura 2.1). Segundo Yergin

(2009), a estratégia básica de guerra alemã, a blitzkrieg (guerra relâmpago), foi moldada

baseado na preocupação de Hitler com o petróleo – os ataques alemães tinham que ser

concentrados, violentos e rápidos, de maneira à alcançar a vitória antes que os problemas

com fornecimento de petróleo surgissem.

No início da guerra, o exército nazista conquistou a Polônia, a Noruega, os Países

Baixos e a França de maneira rápida e fácil, o que fez com que o fornecimento de petróleo

não fosse um problema no início da guerra para a Alemanha – o combustível gasto nas

invasões era consideravelmente inferior às quantidades capturadas.

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Mesmo após a derrota nas Ilhas Britânicas em meados de 1940, Hitler tinha por

objetivo dominar completamente a Europa, e por isso direcionou seu exército para a União

Soviética.

2.2.1.1) As Batalhas na União Soviética

Diversos são os fatores que motivaram Hitler a invadir a União Soviética, mas pode-

se dizer que o petróleo foi um dos principais, se não o principal. Hitler acreditava que se

tomasse posse das vastas reservas petrolíferas do Cáucaso, seu império se tornaria

invulnerável – assim como os japoneses acreditavam que o petróleo das Índias Orientais e

do Sudeste Asiático era o fator que os tornariam invencíveis. Além disso, os nazistas

consideravam os soviéticos uma ameaça aos campos de petróleo de Ploesti, na Romênia,

aliada da Alemanha. Fora da União Soviética, a maior produção de petróleo da Europa era a

dos campos de Ploesti, e a Alemanha dependia dessa produção – em 1940, 58% das

importações alemãs eram provenientes da Romênia.

Após Stálin ordenar a tomada de uma parte do nordeste da Romênia, usando como

justificativa o pacto Nazi-Soviético de 1939, Hitler concluiu que os campos de petróleo de

Ploesti estavam em perigo, e decidiu invadir a União Soviética. O ataque teve início em

22/06/1941 e, baseando-se no sucesso da blitzkrieg, os nazistas previam mais uma vitória

fácil e rápida. No início, suas previsões foram até superadas, porém os problemas

decorrentes do fornecimento de petróleo logo começaram a surgir. As estradas russas eram

de péssima qualidade e os terrenos eram de difícil acesso, o que fazia os veículos

consumirem mais combustível do que o normal – e os alemães não levaram isso em

consideração no cálculo de suas provisões. Apesar disso, Hitler estava entusiasmado com o

sucesso inicial da campanha e mandou seu exército ir em direção a Criméia e tomar Baku,

enquanto seus generais achavam que deviam direcionar as forças nazistas em Moscou.

Mais tarde, Hitler mudou de idéia e concordou com seus generais, mas essa demora teve

seu preço. A 30 km do Kremlin, o estoque de petróleo e outros suprimentos havia esgotado,

e o exército alemão ficou vulnerável ao inverno que se aproximava e aos contra-ataques

soviéticos, que se iniciaram em dezembro e impediram o avanço alemão.

2.2.1.1.1) A Operação Blau

Apesar do fracasso na tentativa de tomar Moscou, os nazistas planejaram um novo

ataque na União Soviética, que tinha por objetivo tomar o petróleo do Cáucaso, e

posteriormente os campos do Irã, Iraque e Índia – a chamada Operação Blau. Os alemães

sabiam que o petróleo soviético era fundamental para a continuidade da Alemanha na

guerra.

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No final de julho/1942, os alemães interromperam, na cidade de Rostov, o oleoduto

proveniente do Cáucaso e no início de agosto chegaram a Maikop, a região petrolífera mais

ocidental do Cáucaso. Mas a produção dessa região era pequena e, além disso, os

soviéticos haviam destruído tudo, desde os campos de petróleo até as ferramentas das

oficinas, tornando a produção insignificante – em janeiro/1943, eram extraídos apenas 70

bpd.

A ofensiva alemã continuou e, em meados de agosto, os alemães chegaram ao topo

do Monte Elbrus, o ponto mais alto do Cáucaso e da Europa. Porém, nesse momento, a

escassez de petróleo foi novamente um problema – os alemães até se apossaram dos

tanques russos, mas estes continham diesel, inúteis para a divisão blindada alemã que,

movida a gasolina, ficou dias parada à espera de combustível. Os caminhões responsáveis

pelo reabastecimento não chegavam por falta de combustível para eles próprios. A situação

era tão desesperadora que o petróleo começou a ser transportado no dorso de camelos.

Assim, devido ao problema do suprimento de petróleo, a operação fracassou. “A ironia da

Operação Blau estava em que os alemães ficaram sem petróleo em sua busca pelo

petróleo” (YERGIN, 2009, p.376).

2.2.1.1.2) A Batalha de Stalingrado

Os alemães também enfrentaram o problema da escassez de petróleo na Batalha de

Stalingrado. O alto comando militar queria que as tropas do Cáucaso se movessem para o

front, mas Hitler ainda tinha a intensão de tomar o petróleo de Baku, pois acreditava que se

isso não acontecesse, a guerra estaria perdida. Quando o führer deu a ordem para as tropas

saírem do Cáucaso e partirem para Stalingrado, já era tarde. No início de fevereiro/1943, o

exército alemão estava encurralado e sem recursos – e principalmente, sem petróleo – o

que levou à sua rendição. Com a primeira derrota na guerra, os alemães passaram para a

defensiva. Era o fim da fase do blitzkrieg.

2.2.1.2) A Batalha do Bulge

Acuada e quase sem petróleo após a derrota na União Soviética, a Alemanha partiu

para sua última tentiva de mudar sua situação na guerra em 16/12/1944, nas florestas de

Ardennes, a leste da Bélgica e de Luxemburgo, na chamada Batalha de Bulge. Depositando

todas suas forças e suprimentos restantes nesse ataque, e utilizando a surpresa como maior

arma, os nazistas tiveram êxito no início, avançando sobre as linhas inimigas, mas logo a

escassez de petróleo impediu a continuidade do avanço.

Porém, nessa batalha, os alemães estiveram pertos de causar uma reviravolta na

guerra. Em 17/12, o coronel alemão Jochem Peiper e sua unidade Panzer, ao avançarem

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sobre a área de Stavelot, no leste da Bélgica, chegaram a 300 m do “maior depósito de

combustível dos Aliados e certamente o maior posto de abastecimento da Europa” – 9

milhões de litros estavam estocados lá, além de 2 milhões de mapas rodoviários, e as

estradas a redor continham centenas de milhares de latões de combustível (YERGIN, 2009,

p. 390). Ao verem os nazistas se aproximando, um grupo de soldados aliados ateou fogo

num poço em uma tentativa desesperada de impedir o avanço das tropas alemães,

formando uma pequena parede de chamas; Peiper, que possuía mapas desatualizados e

por isso não tinha conhecimento do depósito, ordenou que sua unidade seguisse em outra

direção. Mais tarde, por ironia do destino, a unidade alemã ficou sem combustível e foi

capturada. Yergin (2009, p. 390) definiu o acontecimento da Batalha de Bulge como “um

daqueles incidentes de batalha com conseqüências monumentais”:

As provisões de combustível em Stavelot eram equivalentes às necessidades dos primeiros 10 dias de toda a ofensiva alemã em Ardennes; a sua captura teria dado aos alemães o combustível para prosseguirem em direção a Antuérpia e ao canal da Inglaterra, no momento em que os aliados ainda estavam vacilantes por efeito da desorganização e confusão.

2.2.2) Na África

Em fevereiro de 1941, tropas germânicas foram enviadas para o norte da África para

somar forças a uma tropa italiana, que estava sendo derrotada pelo exército britânico (figura

2.1). Liderados pelo general Erwin Rommel, as tropas alemãs, conhecidas como Afrika

Korps, tiveram êxito no início, avançando por mais de 500 km e fazendo as forças britânicas

recuarem. Rommel não tinha por objetivo principal ajudar os italianos, mas sim conquistar o

Cairo e o canal de Suez, depois Palestina, Iraque e Irã, e finalmente Baku e suas reservas

petrolíferas. Rommel estava travando uma guerra de movimento – avançava rapidamente e

por longas distâncias – o que exigia vastos estoques de petróleo.

Porém, ao avançarem rapidamente, os nazistas criaram um problema para si

próprios – as vias de reabastecimento do exército se tornaram muito longas, e os caminhões

de combustível, encarregados do reabastecimento dos veículos militares, gastavam mais

gasolina para ir ao front e voltar do que transportavam em seus tanques. Além disso, os

navios e aviões com suprimentos estavam sendo atacados pela Marinha Real e pela Real

Força Aéra Britânica (RAF), que fizeram uma base na ilha mediterrânea de Malta, ao largo

da costa da Líbia. Depois de longos conflitos – como as duas Batalhas de El Alamein e a

Batalha de Alan Halfa – os alemães, sem petróleo, foram obrigados a recuar e,

posteriormente, se render.

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Após a morte de Rommel, foram encontradas anotações suas sobre as batalhas no

norte da África e, numa delas, o general alemão definira a importância do petróleo nos

conflitos:

O homem mais corajoso nada pode fazer sem armas, nada vale sem fartura de munição, e tanto armas como munição têm pouca valia em uma guerra móvel, a menos que haja veículos com petróleo em quantidade para transportá-las. (YERGIN, 2009, p.383 e 384)

Figura 2.1 – Mapa da 2ª Guerra Mundial na Europa e no Norte da África. Fonte: Yergin (2009, p. 378).

2.2.3) No Atlântico

O grande problema do esquema de suprimento de petróleo americano para a Grã-

Bretanha eram as grandes extensões que os petroleiros e cargueiros tinham que navegar no

Atlântico, o que transformou esses navios em alvos fáceis para os submarinos alemães U-

boat na chamada Batalha do Atlântico.

Já no início de 1941, a campanha dos submarinos alemães causou grandes perdas

que, somadas à crescente demanda gerada pela guerra, fizeram com que os estoques de

petróleo britânico chegassem a um nível crítico. Em julho do mesmo ano, a Marinha Real

tinha combustível para apenas mais dois meses de combate, sendo que o nível de

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segurança era de 7 meses, e os estoques de gasolina eram suficientes para apenas 5

semanas.

Com o objetivo de combater os submarinos alemães, as forças militares americanas

estabeleceram bases em diversas partes do Atlântico, como Terra Nova, Groelândia,

Islândia e Bermudas. Com a ajuda dos britânicos, que decifraram os códigos navais

alemães e passaram a organizar comboios contras os U-boat‟s, os níveis dos estoques

britânicos deixaram de ser críticos, pelo menos temporariamente.

No decorrer de 1942, a Batalha do Atlântico se mostrava cada vez mais desastrosa

para os Aliados – ¼ da tonelagem dos petroleiros americanos fora destruída e em dezembro

a Grã-Bretanha possuía combustível para apenas mais 2 meses. Isso porque os alemães

alteravam seus códigos secretos, tornando-os indecifráveis, e conseguiam decifrar os

códigos dos inimigos. Além disso, os submarinos U foram aperfeiçoados – passaram a

operar com um maior raio de ação, maior capacidade de imersão e um sistema de

comunicação avançado – e grandes submarinos de abastecimento, os chamados Milchkuhs,

foram agregados à frota nazista.

Porém, no início de 1943, a situação mudou. Os Aliados passaram a decifrar os

códigos inimigos, ao passo que tornaram seus códigos indecifráveis. Paralelamente,

começaram uma contraofensiva que contava com radares aperfeiçoados e comboios

marítimos extremamente coordenados e precisos, além de aviões de longo alcance. Como

resultado, 30% dos submarinos alemães foram abatidos somente no mês de maio. Os

nazistas não tiveram outra alternativa senão bater em retirada em 24/05/1943. Assim, após

45 meses, terminava a Batalha do Atlântico.

2.2.4) No Pacífico

“No Pacífico, o petróleo – combustível para os navios e gasolina para os aviões – foi

o sangue da vitória” (BALDWIN, 1959).

2.2.4.1) Pearl Harbor

Na manhã de 07/12/1941, o Japão iniciou o bombardeio à Pearl Harbor, a base

americana no Havaí (figura 2.2). O ataque surpreendeu o governo dos EUA, que acreditava

que o Japão iria atacar o Sudeste Asiático, ou mesmo a União Soviética. O Japão havia

utilizado a mesma estratégia na Guerra Russo-Japonesa – iniciaram o conflito com um

ataque-surpresa sobre a frota russa em Port Arthur.

Os japoneses atacaram Pearl Harbor para que a invasão às Índias Orientais e ao

restante do Sudeste Asiático não fosse comprometida pela frota americana e, ao mesmo

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tempo, para proteger as rotas marítimas – em especial, as rotas dos petroleiros que saíam

de Sumatra e Bornéu com destino às ilhas de base. Os resultados do ataque para os EUA

foram assustadores – “o choque mais devastador da história da América” (YERGIN, 2009, p.

365) – 8 encouraçados, 3 cruzadores, 3 destróires e 4 embarcações auxiliares afundados;

centenas de aviões destruídos; e 2.335 soldados e 68 civis mortos. Em contraste, o Japão

perdeu apenas 29 aviões. Com o ataque à Pearl Harbor, a guerra entre EUA e Japão se

iniciou.

Apesar do sucesso do ataque, os japoneses falharam em relação a um fator, talvez o

mais importante: o petróleo. Os japoneses, apesar da intensa e meticulosa preparação, não

planejaram atacar os estoques de petróleo da ilha de Oahu, o que foi um erro dos mais

graves. Considerando as reservas de combustíveis e os tanques de armazenamento, Pearl

Harbor continha cerca de 4,5 milhões de barris. Se os japoneses tivessem destruído essas

reservas, toda a frota americana da ilha ficaria imobilizada – uma vez que só poderiam obter

novos suprimentos de petróleo na Califórnia, muito distante – e a guerra poderia ter sido

prolongada por mais 2 anos (YERGIN, 2009).

Paralelamente aos ataques ao Havaí, os japoneses bombardearam Hong Kong,

Cingapura, Filipinas e as ilhas de Wake e Guam, invadiram a Tailândia e se preparavam

para invadir as Índias Orientais. Segundo Yergin (2009), toda essa campanha ofensiva tinha

os campos de petróleo das Índias Orientais como principal alvo.

2.2.4.2) A Batalha de Balikpapan

Um dos principais objetivos dos japoneses na 2ª Guerra era tomar posse do centro

refinador de petróleo de Balikpapan (um dos maiores centros do grupo Royal Dutch-Shell) e

dos campos de petróleo ao seu redor, em Bornéu, nas Índias Orientais Britânicas (figura

2.2). Os diretores da Royal Dutch-Shell sabiam disso e, antes mesmo do ataque à Pearl

Harbor, o complexo já possuía planos de evacuação e abrigos antiaéreos.

No início de 1942, as forças japonesas estavam se aproximando de Bornéu e as

primeiras ordens para a destruição dos campos de petróleo foi dada.

Arrancavam a tubulação, cortavam-na em pedaços, e colocavam-na de volta dentro dos poços junto com bombas, bielas, parafusos, porcas e brocas de perfuração que estivessem à mão e, além disso, jogavam uma lata de TNT em cada poço. Os poços explodiam. (YERGIN, 2009, p.393)

Paralelamente, a demolição da refinaria fora planejada. Em 20/01/1942, com as

frotas nipônicas a menos de um dia de Balikpapan, iniciou-se a destruição. O depósito de

minas, o cais e os imensos tanques de armazenamento de petróleo foram detonados. Em

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menos de um dia, os petroleiros de Bornéu destruíram 40 anos de construção industrial

(YERGIN, 2009).

No dia 24/01 aconteceu a Batalha de Balikpapan, a primeira entre EUA e Japão no

mar. Apesar das perdas no conflito – 4 destróires americanos destruíram 4 transportadores

de tropas nipônicos e um barco-patrulha – os japoneses tomaram toda a ilha de Bornéu.

Apesar das destruições de reservas de petróleo em Balikpapan e em outras

localizações das Índias Orientais, o Japão conquistou, em menos de 3 meses, todo o

Sudeste Asiático e seus recursos – em particular o petróleo, principal motivo da entrada do

Japão na guerra (YERGIN, 2009).

2.2.4.3) A Batalha de Midway

Com o sucesso da campanha japonesa, os EUA, que ainda se recuperavam do

ataque à Pearl Harbor, começaram a traçar a estratégia para combater o Japão no pacífico.

O principal objetivo era bloquear as rotas por onde o petróleo do Japão era transportado.

Os militares japoneses, cientes do poderio americano, sabiam que tinham que atacar

rapidamente para alcançarem a vitória. Assim, em junho/1942, iniciaram um ataque à Ilha de

Midway, localizada a 2.000 km do Havaí (figura 2.2). Porém, foram surpreendidos pela

rápida recuperação da marinha norte-americana, que saiu vitoriosa do conflito. Segundo

Yergin (2009, p.397), “Midway foi o verdadeiro momento decisivo da guerra do Pacífico, o

fim da ofensiva japonesa”.

2.2.4.4) A Batalha de Marus

O Japão considerava as Índias Orientais a sua fonte de petróleo para a guerra – os

estoques japoneses eram suficientes para apenas 2 anos de combate. Porém, a frota

mercante responsável pelas conexões entre as Índias Orientais e o país se mostrou

extremamente vulnerável aos submarinos americanos, o que foi considerado por muitos

historiadores o “calcanhar de Aquiles do Japão” (YERGIN, 2009).

Apesar dos esforços dos militares nipônicos em tentar combater os submarinos

americanos através de comboios, o resultado da chamada Batalha de Marus foi desastroso

para o Japão – 86% de sua frota foi afundada e outros 9% foram seriamente avariados,

sendo os petroleiros japoneses o principal alvo da marinha americana. A partir da Batalha

de Marus, o Japão começou a sofrer as conseqüências da falta de petróleo.

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2.2.4.5) A Batalha das Ilhas Marianas

A escassez de petróleo obrigou os militares japoneses a mudar suas estratégias de

combate, o que resultou em perdas significativas para o Japão. Durante a batalha pelas

Ilhas Marianas, em junho de 1944, a frota japonesa ficou imobilizada pela falta de

combustível e as esquadrilhas aéreas, com o objetivo de poupar combustível, atacaram os

americanos em linha reta em vez de círculos. Resultado: 273 aviões japoneses abatidos,

contra apenas 29 americanos, e o perímetro de segurança interna do Japão penetrado.

2.2.4.6) A Batalha das Filipinas

No dia 15/09/1944, americanos e japoneses se enfrentaram na “maior das batalhas

na história das guerras marítimas” (BALDWIN, 1959), a Batalha das Filipinas, e a falta de

petróleo mais uma vez pesou contra o Japão. Enquanto alguns encouraçados nipônicos

nem entraram no conflito pela falta de combustível, outros se moveram vagarosamente,

para economizar combustível, e chegaram atrasados. E num momento em que o curso da

batalha poderia ter sido revertido para o Japão, o petróleo decretou a derrota japonesa – a

frota estava prestes a entrar no golfo Leyte, próximos às Ilhas Filipinas, porém foi obrigada a

bater em retirada devido à falta de combustível.

Foi nesse cenário de escassez de petróleo e economia de combustível a qualquer

custo que surgiram os Kamikazes – pilotos japoneses suicidas que arremessavam seus

aviões contra os navios americanos.

2.2.2.7) A Batalha de Okinawa

Praticamente sem petróleo, a marinha nipônica elaborou uma missão suicida. Com o

objetivo de impedir a conquista da ilha de Okinawa pelos americanos, os japoneses

planejaram uma Força Especial de Ataque, que teria como trunfo o Yamato, “o maior navio

de guerra do mundo e o orgulho da frota nipônica”, mas que teria combustível somente para

a ida.

A frota partiu para a missão no dia 06/04/1945, totalmente desprovida de suporte

aéreo, uma vez que os aviões disponíveis estavam sendo utilizados na campanha

Kamikaze. No dia 07/04, 300 aviões americanos afundaram o Yamato e a maioria dos

outros navios, impedindo a missão suicida de ter qualquer sucesso e marcando “o fim da

Marinha Imperial” (YERGIN, 2009, p. 405 e 406).

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Figura 2.2 – Mapa da 2ª Guerra mundial no Pacífico. Fonte: Yergin (2009, p. 402).

2.3) Inovações Relacionadas ao Petróleo Feitas Durante o Conflito

Devido à magnitude do petróleo no conflito, várias inovações foram feitas pelos

Aliados, como um sistema especial portátil para o transporte de petróleo para os fronts,

desenvolvido pela Royal Dutch-Shell, que continha bombas de sucção, o qual substituiu o

transporte por caminhões; e também a substituição dos latões com capacidade para 10

galões de gasolina pelos de 5 galões, que já eram utilizados pelos nazistas e por serem

mais leves, permitiam uma maior mobilidade.

Mas as maiores inovações feitas foram a construção de dois oleodutos nos EUA (o

Big Inch e o Little Inch) e a utilização da gasolina de aviação de 100 octanas, ao invés das

tradicionais de 75 ou 87 octanas, além do PLUTO (Pipeline Under the Ocean).

2.3.1) A Construção do Big Inch e do Little Inch

Em 11/12/1941, 4 dias após o ataque japonês a Pearl Harbor, a Alemanha declarou

guerra aos EUA, e os submarinos U passaram a atacar os petroleiros americanos. No

primeiro trimestre de 1942, os alemães afundaram o equivalente a 4 vezes o número de

petroleiros construídos. Para atenuar essa situação, comboios passaram a ser feitos ao

longo da Costa Leste. Porém, o governo americano sabia que tinha que diminuir a

quantidade de petróleo transportada via navios, pois caso contrário os estoques americanos

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iriam chegar a níveis críticos. Como o transporte ferroviário não era uma alternativa devido

ao seu alto custo, a solução encontrada foi a construção de um oleoduto, chamado de Big

Inch (Grande Polegada), que se estenderia por 2.000 km, do Texas à Costa Leste. Sua

construção se iniciou em agosto/1942 e foi considerada por Yergin “um dos marcos

extraordinários da engenharia na 2ª Guerra Mundial”:

Nada semelhante havia sido feito antes. As transportadoras de petróleo e as indústrias de construção foram mobilizadas para construir um oleoduto que teria a capacidade de transportar 5 vezes mais petróleo que o convencional, um duto que iria estender-se pela metade do país e exigir uma pletora de equipamentos recém-desenhados. (YERGIN, 2009, p. 420)

No final de 1943, o Big Inch já era responsável pela metade do suprimento de todo o

petróleo bruto da Costa Leste. Entre abril de 1943 e março de 1944, outro oleoduto foi

construído, o Little Inch (Pequena Polegada), que se extendia por 2,3 mil km e transportava

gasolina e outros produtos refinados do sudoeste para a Costa Leste. Juntos, os dois

oleodutos responderam por 42% do transporte do petróleo americano no final de 1944.

Segundo Miller (2002), os dois oleodutos tiveram um papel importante na vitória dos

Aliados – um exemplo disso foi a grande quantidade de óleo cru e refinado que foi

transportada nos oleodutos e foram enviadas para a Europa para serem utilizados na

invasão da Normândia, no famoso Dia D.

2.3.2) A Utilização da Gasolina de 100 Octanas

O combustível de 100 octanas, desenvolvido na década de 1930 pela Royal Dutch-

Shell, fornecia maior velocidade de partida, decolagens mais rápidas, maior potência, maior

alcance, poder de manobras mais apurado e mais economia, se comparado aos

combustíveis tradicionais de 75 ou 87 octanas. A superioridade desse combustível foi

comprovada na Batalha da Grã-Bretanha em 1940.

Com o aumento da demanda, os EUA, que eram responsáveis por quase 90% do

fornecimento, lançaram um programa para a produção em larga escala da gasolina de 100

octanas – “um dos maiores e mais complexos empreendimentos industriais feitos na guerra”

(YERGIN, 2009, p. 429). Várias unidades de craqueamento catalítico – que tinha sido

descoberto no final de 1930, pelo francês Eugene Houdry e pela Sun Oil, e tinha a facilidade

na produção da gasolina de 100 octanas uma das principais vantagens em relação ao

craqueamento térmico – foram construídas em tempo recorde, e muitas das outras fábricas

já existentes foram convertidas. Além disso, um verdadeiro monopólio de gasolina de

aviação foi formado, com o objetivo de maximizar a produção. Como resultado, os EUA

conseguiram acompanhar a demanda, que em 1945 era 7 vezes maior do que o previsto no

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início do conflito, e produziram 514 mil bpd de gasolina de 100 octanas no último ano da

guerra. Como comparação, em 1940, a produção era inferior a 40 mil bpd.

2.3.3) PLUTO

Porém, nem todas as inovações foram bem sucedidas. O maior exemplo disso foi o

Pipeline Under the Ocean (oleoduto submarino), um sistema aquático de oleodutos

projetado para ligar o lado britânico do canal da Mancha ao francês. O PLUTO, como ficou

conhecido, tinha como objetivo fornecer metade do combustível necessário para o avanço

aliado através da França em direção à Alemanha. Entretanto, vários problemas técnicos

ocorridos durante sua instalação fizeram com que o PLUTO fosse um fracasso – de junho a

outubro de 1944, foram transportados no oleoduto apenas 150 mil bpd.

2.4) O Suprimento de Petróleo Durante a 2ª Guerra Mundial

“A logística da 2ª Guerra foi concentrada nos produtos do petróleo. A guerra

começou e terminou com grandes esforços em manter o sangue da guerra – o petróleo –

correndo nas veias das máquinas de guerra” (BALDWIN, 1959).

2.4.1) O Suprimento da Alemanha

Em 1939, quando a 2ª Guerra Mundial se iniciou, a Alemanha possuía 14 fábricas de

hidrogenação, sendo que mais 6 estavam sendo construídas. Em 1940, 72.000 bpd de

combustíveis sintéticos eram produzidos, correspondendo a 46% do fornecimento total do

combustível alemão. Essa produção era ainda mais fundamental no campo militar: 95% da

gasolina de aviação utilizada pela Luftwaffe, a Força Aérea Alemã, era proveniente da

hidrogenação.

Com as derrotas na União Soviética e no norte da África, o petróleo de Baku deixou

de ser uma opção para Hitler, que então voltou suas atenções para a produção de

combustíveis sintéticos. Novas tecnologias de produção e melhores catalisadores foram

empregados, possibilitando utilizar uma maior variedade de tipos de carvão como matéria-

prima, o que proporcionou um significativo avanço – a produção passou de 72.000 bapd em

1940 para 124 mil bpd em 1943. No primeiro trimestre de 1944, 92% da gasolina de aviação

utilizada pelos nazistas era proveniente dos combustíveis sintéticos, assim como 57% do

abastecimento total. Segundo Yergin (2009), os combustíveis sintéticos foram responsáveis

por metade da produção total de petróleo da Alemanha durante a 2ª Guerra Mundial.

A partir de maio/1944, os Aliados passaram a atacar a indústria de combustíveis

sintéticos alemã – anteriormente, estavam atacando outros alvos, como a indústria de

aviação, estações ferroviárias e fábricas de rolamentos, sem prejudicar significativamente a

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máquina de guerra nazista. Os ataques se iniciaram em 12/05/1944 e se mantiveram

constantes durante maio e junho. Devido a isso, o Alto Comando nazista ordenou operações

de reconstrução e fragmentação das unidades – deveriam ser reconstruídas em lugares

escondidos e menores, para ficarem mais protegidas, como no subsolo, pedreiras e nos

escombros das fábricas destruídas. Apesar do esforço germânico, os ataques aéreos foram

implacáveis, e a produção de combustível sintético começou a declinar: passou de 92.000

bpd em maio para apenas 5 mil bpd em setembro. Os ataques afetaram principalmente a

Luftwaffe – a produção de gasolina de aviação em setembro/1944 foi de 3.000 bpd, fazendo

a companhia aérea operar com apenas 10% do mínimo de gasolina exigida. Com isso, não

havia combustível para os caças alemães, recém-inventados, protegerem as fábricas de

hidrogenação, o que fez a produção cair ainda mais. Ao mesmo tempo, os campos de

petróleo de Ploesti, na Romênia – a principal fonte de petróleo bruto dos nazistas – foram

capturados pela União Soviética.

Com o fracasso na Batalha de Bulge, a Alemanha estava praticamente sem petróleo.

Em fevereiro/1945, menos de 500 t de gasolina de aviação foram produzidas; em março,

apenas 40 t e em abril a produção cessou. A situação era desesperadora, como relatou

Baldwin (1959): “A força aérea alemã permaneceu no chão devido aos tanques vazios (...)

veículos terrestres passaram a ser movidos para o front por bois”. Diante desse cenário, a

derrota de Hitler foi apenas uma questão de tempo.

A escassez de petróleo não foi a única responsável pela derrota da Alemanha, mas

mesmo se o país não tivesse sofrido um colapso geral na primavera de 1945, a falta de

petróleo teria feito a máquina de guerra nazista parar posteriormente (BALDWIN, 1959).

2.4.2) O Suprimento do Japão

Apesar da destruição das reservas petrolíferas das Índias Orientais pelos Aliados no

início da ofensiva japonesa – Balikpapan pela Royal Dutch-Shell e Sumatra pela Stanvac -

os japoneses conseguiram restaurar a indústria petrolífera da chamada Zona Sul. Em 1940,

antes da destruição, a produção anual foi de 65,1 milhões de barris. Em 1942, já tomada

pelo Japão, essa região produziu apenas 25,9 milhões. Porém, em 1943, os japoneses

conseguiram produzir 49,6 milhões de barris – 75% do nível de 1940. No primeiro trimestre

de 1943, o Japão importou 80% a mais de petróleo que no mesmo período de 1941.

Para melhorar ainda mais a situação dos seus estoques de petróleo, os japoneses

encontraram uma vasta reserva de petróleo na Sumatra Central em 1943, a estrutura Minas.

Antes da deflagração da guerra, a Caltex, parceira da Standard Of California e da Texaco no

hemisfério leste, tinha conhecimento do potencial dessa jazida e mandou para lá todo o

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aparato necessário para a perfuração, inclusive uma plataforma. Os japoneses, utilizando os

equipamentos da Caltex, perfuraram um poço exploratório – o único poço perfurado, em

zona pouco explorada, em toda a 2ª Guerra Mundial – e descobriram a maior reserva

existente entre a Califórnia e o Oriente Médio (YERGIN, 2009).

Porém, após a Batalha de Marus, a situação do Japão em relação ao petróleo

mudou drasticamente. A partir de 1943, cada vez mais petroleiros foram afundados, o que

teve consequência direta nas importações de petróleo. Com as perdas superando

significativamente a quantidade de navios construída, a importações caíram pela metade no

primeiro trimestre de 1944, comparadas ao mesmo período em 1943, e cessaram em 1945.

Diante do sucesso dos ataques dos Aliados, os japoneses tentaram diversas

improvisações para evitar uma escassez de combustível: transportaram petróleo em

tambores, recipientes de fibra, sacos de borracha e até mesmo em seus próprios

submarinos, além de forçar uma troca com os submarinos alemães (petróleo pelo acesso às

oficinas de reparo japonesas). O programa de combustíveis sintéticos, iniciado em 1937,

falhou, principalmente pela falta de aço, equipamentos e recursos humanos – em 1943,

somente 1 milhão de barris de combustíveis sintéticos foram produzidos, o equivalente a 8%

da marca de 14 milhões estabelecida no início do programa.

No decorrer de 1944, a crise de petróleo se intensificou, e os militares sofriam as

conseqüências cada vez mais. A esquadrilha aérea japonesa passou a utilizar gasolina

extraída da terebintina e misturada com álcool e o treinamento de pilotos foi gradativamente

eliminado. Na marinha, um princípio primário de estratégia militar – nunca dividir suas forças

frente a um inimigo superior – teve que ser violado devido à falta de petróleo. Uma parte da

tropa ficou estacionada no Japão, utilizando o combustível restante, e a outra em Cingapura,

à espera dos suprimentos das Índias Orientais – o que facilitou o avanço das forças aliadas.

Havia um abismo gigantesco entre a quantidade de petróleo utilizada pelo Japão e

pelos EUA. No segundo semestre de 1944, enquanto 120 mil barris de gasolina de aviação

eram enviados por dia para Guam, a maior base americana no Pacífico, toda a força aérea

japonesa consumia apenas 21 mil bpd. O que os japoneses utilizavam em todas as suas

frentes de batalha, os americanos possuíam 6 vezes mais, em apenas uma de suas bases.

A situação era tão desesperadora que alguns navios japoneses foram convertidos para

queimar carvão, o que garantiu segurança de combustível, mas resultou em perda de

velocidade e flexibilidade.

A população japonesa também sentiu as conseqüências da falta de petróleo: em

1944, o consumo de gasolina reduziu-se a apenas 4% do total de 1940 (257 mil barris).

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Veículos a gasolina foram reequipados com combustores de carvão vegetal e lenha.

Passou-se a extrair óleo de soja, amendoim, coco e mamona para uso industrial, e até

estoques de batata, açúcar, vinho de arroz e saquê foram convertidos em álcool

combustível. Muitos livros foram queimados para servirem de combustível para o inverno de

1944-1945, assim como ruínas carbonizadas de cidades bombardeadas foram utilizadas

para cozinhar alimentos.

A situação era cada vez mais crítica para o Japão. No início de 1945, as ilhas de

Manila, nas Filipinas, e Iwo Jima foram reconquistadas pelos EUA, assim como Burma (atual

Mianmar) pelos ingleses. Além disso, os japoneses tiveram que abandonar o porto

petrolífero de Balikpapan, nas Índias Orientais.

Após a derrota na Batalha de Okinawa, desesperados pela falta de petróleo, os

japoneses lançaram uma campanha para extrair combustível de raiz de pinheiro. A

campanha foi um fracasso, com apenas 3 mil barris de gasolina de aviação extraídos do

óleo de raiz de pinheiro ao final da guerra, e nenhuma evidência que essa gasolina fora

realmente utilizada. (YERGIN, 2009).

Além dessa fracassada campanha, os japoneses tentaram negociar com a Stálin a

exportação do petróleo soviético. Porém, um acordo já tinha sido feito entre a União

Soviética e os Aliados. Em troca de concessões territoriais – Manchúria, Ilhas Kurilas e parte

das Ilhas Sakhalinas – Stálin declarou guerra ao Japão.

Apesar da falta de petróleo evidente – os estoques de petróleo, que em abril/1937

estavam no nível de 29,6 milhões de barris, estavam em apenas 800 mil barris em julho – e

da destruição causada pelos cada vez mais bem sucedidos ataques americanos, o Alto

Comando japonês rejeitava a rendição, defendendo o slogan “100 milhões de pessoas

unidas e dispostas a morrer pela nação”. Porém, após o lançamento das bombas atômicas

em Hiroshima e Nagasaki e a crescente ameaça soviética, o Japão se rendeu em

15/08/1945, encerrando a guerra no Pacífico.

2.4.3) O Suprimento dos Aliados

2.4.3.1) A Organização da Indústria Petrolífera Britânica

Com o início da guerra, uma cooperação entre governo e indústria petrolífera foi

colocada em prática rapidamente na Grã-Bretanha. Um verdadeiro monopólio nacional foi

criado – todas as companhias britânicas incorporaram suas produções à Petroleum Board,

as bombas foram pintadas de verde-escuro e o petróleo passou a ser comercializado sob a

marca única “Pool”, sob o controle da Shell-Mex House.

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Antes da invasão da França, a Grã-Bretanha oferecera US$ 60 milhões à Romênia,

em troca da destruição de seus campos de petróleo, com o objetivo de impedir que os

alemães tomassem posse do petróleo romeno – assim como foi feito na 1ª Guerra. Porém,

as partes não chegaram a um acordo, e Hitler tomou posse da Romênia.

Em 1940, com os alemães prestes a conquistar o canal da Mancha, após terem se

apossado dos estoques de petróleo da França, o governo britânico elaborou planos para

destruir seus próprios estoques. Paralelamente, 17.000 postos de gasolina a leste e sudeste

do país foram rapidamente fechados e as vendas e estocagem de combustível passaram a

se concentrar em apenas 2.000 postos.

2.4.3.2) A Organização da Indústria Petrolífera Americana

Assim como na 1ª Guerra Mundial, os EUA e sua vasta produção de petróleo – no

início da década de 1940, a produção americana correspondia a quase 2/3 da produção

mundial (YERGIN, 2009) – seriam a garantia de suprimento de petróleo para a Grã-

Bretanha.

Devido ao sistema de rateio federal – criado durante a década de 1930, em função

da produção descontrolada do leste do Texas que desestabilizou a indústria petrolífera

americana – os EUA possuíam uma capacidade de produção extra, de aproximadamente 1

milhão bpd, o equivalente a 30% da produção em 1941 (3,7 milhões de bpd). Segundo

Yergin (2009, p. 415), essa capacidade extra “revelou-se uma margem de segurança

valiosa, um recurso estratégico de imensa importância”, sem a qual “o curso da 2ª Guerra

poderia ter sido muito diferente”. Assim, apoiado pela Lei de Empréstimo e Arrendamento

(Lend Lease), os EUA começaram a abastecer a Grã-Bretanha: já na primavera de 1941, 50

petroleiros americanos, destinados ao abastecimento da Costa Leste, foram desviados para

a Grã-Bretanha.

Para organizar a indústria petrolífera americana para a guerra, o secretário do

Interior, Harold Ickes, foi nomeado Coordenador do Petróleo para a Defesa Nacional.

Primeiramente, Ickes teve que mudar o relacionamento conflituoso entre o governo de

Franklin Roosevelt (que era do partido Democrata) e a indústria do petróleo, causado pela

política do New Deal, que criticava veementemente o “monopólio” do petróleo: em 1940, o

Instituto Americano de Petróleo, 22 grandes companhias de petróleo e 345 companhias

menores sofreram um processo antitruste. Além disso, Ickes tinha que fazer com que a

indústria petrolífera americana maximizasse a produção, evitasse a escassez e cooperasse

totalmente com o governo, nos moldes do que foi feito na Grã-Bretanha.

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Durante a 2ª Guerra, a Petroleum Administration for War (Administração do Petróleo

para a Guerra), chefiada por Ickes, teve como um dos principais objetivos aumentar a

produção americana e manter uma capacidade de expansão, uma vez que a duração do

conflito era desconhecida, bem como a quantidade de petróleo que seria usada pelos

Aliados. Porém, a PAW frequentemente sofria oposição de outras agências federais, como a

War Production Board (Conselho de Produção de Guerra), responsável pela distribuição de

aço e outros materiais; a War Shipping Administration (Administração de Transporte Bélico),

responsável pelos petroleiros; e o Office of Price Administration (Escritório de Administração

de Preços), órgão regulador dos preços do petróleo. A PAW e o OPA travaram uma batalha

particular. De um lado, Ickes defendendo um aumento de US$ 0,35 em todos os tipos de

petróleo, acima do máximo de US$ 1,19, com o objetivo de estimular a exploração e a

atividade de produção; do outro, o OPA rejeitando a proposta, com receio da inflação. No

final, o aumento não ocorreu, com exceção do óleo espesso da Califórnia, e toda a indústria

petrolífera criou uma aversão ao OPA. Apesar de tudo, a PAW conseguiu atingir seu

objetivo e a produção americana aumentou 30% em 5 anos, passando de 3,7 milhões bpd

em 1940 para 4,7 milhões bpd em 1945.

Yergin (2009, p. 424) relatou a importância do petróleo americano na 2ª Guerra

Mundial:

Ao todo, entre dezembro/1914 e agosto/1945, os Estados Unidos e seus aliados consumiram quase 7 bilhões de barris de petróleo, dos quais 6 bilhões eram provenientes dos Estados Unidos. Sua produção no período da guerra foi equivalente a mais de ¼ de todo o petróleo produzido nos Estados Unidos, desde os tempos do poço do Coronel Drake até 1941.

2.4.3.2.1) O Racionamento nos EUA

Em meados de 1941, Harold Ickes lançou, com o apoio das companhias de petróleo,

uma campanha de redução do consumo de petróleo na Costa Leste americana, com o

objetivo de mandar mais petróleo para os britânicos, que estavam com os estoques de

petróleo em níveis críticos devido à campanha dos submarinos alemães no Atlântico. Os

postos de gasolina passaram a funcionar somente de 7h às 19h e adesivos com a frase

“Estou consumindo 1/3 de gasolina a menos” foram distribuídos aos montes; além disso,

tentou reinstaurar os “Domingos sem gasolina”, campanha utilizada durante a 1ª Guerra

Mundial, e fazer um programa de uso coletivo dos automóveis. Porém, o esforço de Ickes

pela economia voluntária fracassou, obrigando-o a pressionar as companhias a reduzir de

10 a 15% a distribuição de combustível aos postos de gasolina. Produtores, refinadores e

distribuidores independentes, imprensa e população não entendiam o por quê da redução,

visto que Ickes não tornou público o motivo – por questões estratégicas – e muitos protestos

ocorerram no país. Com a regularização dos níveis de seus estoques, os britânicos

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passaram a devolver os petroleiros que tinham sido transferidos para a Grã-Bretanha e a

situação do abastecimento na Costa Leste melhorou.

Entretanto, apesar de todo o esforço do governo americano, a sombra de uma

escassez de petróleo frequentemente pairou sobre os EUA durante a 2ª Guerra. Assim, o

governo norte-americano, ao mesmo tempo em que trabalhava para aumentar a produção,

empenhava-se para que o consumo de petróleo por parte dos americanos diminuísse. “O

foco da contenção era a gasolina” (YERGIN, 2009, p.424).

As primeiras medidas tomadas pelo governo foram a proibição do uso de gasolina

nas corridas de automóveis e, posteriormente, o racionamento na Costa Leste, que foram

seguidos de veementes protestos por parte da população. A administração Roosevelt viu-se

forçada a encontrar algum fator que justificasse o racionamento e, assim, fizesse com que a

população cooperasse. Esse fator foi a borracha. Os EUA importavam borracha natural das

Índias Orientais e da Malásia, mas com a conquista desses territórios pelo Japão, a

importação foi reduzida em 90%, e o país passou a sofrer uma escassez de borracha.

Assim, o uso do carro (e consequentemente da gasolina) tinha que ser reduzido, para que a

demanda popular por pneus também reduzisse e as reservas de disponíveis de borracha

fossem direcionadas para as forças armadas. A estratégia do governo funcionou e,

juntamente com outras medidas, como a redução do limite de velocidade para 60 km/h, fez

com que o consumo médio de gasolina por carro de passeio fosse 30% menor em 1943 do

que em 1941.

2.4.3.3) O Suprimento nos Fronts de Batalha

O suprimento de petróleo dos Aliados na 2ª Guerra Mundial foi feito em conjunto

pelos EUA e pela Grã-Bretanha, a fim de não deixar faltar petróleo em nenhum front, como

descreveu Yergin (2009, p. 426):

Eles trabalhavam com o princípio de que, em cada área de conflito, apenas um dos dois seria o responsável pelo abastecimento das tropas e das forças aéreas de ambos os países. Dessa forma, no Reino Unido e no Oriente Médio eram os ingleses que abasteciam os tanques de gasolina americanos; no Pacífico e no norte da África, depois da invasão dos Aliados no final de 1942, os americanos eram os responsáveis pelo abastecimento de todas as forças.

Esse sistema conseguiu abastecer os principais pontos aliados (Europa, norte da

África, Pacífico e economia interna dos EUA), apesar de diversas falhas terem ocorrido

nesse sistema: suprimentos ficavam dias à espera de navios nos portos, ou navios

chegavam e não havia carga para ser transportada. E houve um momento em que o sistema

enfrentou uma séria crise.

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Durante a invasão da Europa Ocidental, na primavera de 1944, os Aliados

avançaram de forma extremamente rápida pela França, excedendo seus estoques de

gasolina e, com isso, criaram um problema logístico para si. Os estoques de petróleo

estavam muito distantes das forças armadas e, como não havia estradas férreas

apropriadas, os caminhões estavam utilizando quantidades muito maiores de seu próprio

estoque de combustível para ir ao front e voltar. Como consequência, as principais unidades

do exército aliado – o Terceiro Exército, comandado pelo general George Patton Jr., que

estava prestes a invadir a Linha Siegfried, e o Primeiro Exército americano, liderado pelo

general Bernard Montgomery, que estava prestes a tomar posse da Antuérpia – enfrentaram

uma escassez de combustível no final de agosto/1944. Diante dessa situação, o alto

comando militar teve de priorizar uma das unidades, decidindo enviar os suprimentos para

Montgomery. Após a tomada da Antuérpia em 04/09, o exército de Patton finalmente

recebeu combustível para prosseguir em direção a Berlim, porém as tropas alemãs se

aproveitaram do tempo que o Terceiro Exército ficou imóvel para se agruparem. Como

resultado, mais 9 meses de batalha se seguiram, até que os soviéticos tomaram Berlim.

Muitos estudiosos e historiadores discutem se o alto comando militar aliado tomou a

decisão correta. Como argumenta Yergin (2009, p. 434 e 435):

Das milhões de baixas sofridas pelas Forças Aliadas durante a libertação da Europa Ocidental, mais da metade ocorreu depois da completa interrupção do avanço das tropas de Patton em setembro. Outros tantos milhões morreream em consequência da ação militar e nos campos de concentração alemães, nos últimos 8 meses de guerra. Além disso, caso os Aliados tivessem invadido a Alemanha pelo Ocidente mais cedo, o mapa pós-guerra da Europa teria sido desenhado de um modo bem diferente, pois as forças soviéticas não teriam conseguido um avanço tão profundo no coração da Europa.

Para o general Dwight Eisenhower, o Supremo Comandante dos Aliados, a decisão

foi correta, uma vez que havia muitos riscos globais e uma grande possibilidade de Patton

falhar em sua investida, o que levaria a uma “derrota inevitável” (YERGIN, 2009, p.435).

Para outros, a decisão correta era unir as forças e concentrar o ataque em Ruhr, em

direção a Berlim, o que poderia ter antecipado o fim da guerra.

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CAPÍTULO 3

O PETRÓLEO E OS CONFLITOS NO ORIENTE MÉDIO – PARTE 1

3.1) A Guerra no Canal de Suez

Nos primeiros anos após a 2ª Guerra Mundial, uma corrente nacionalista rebelde

cresceu no mundo árabe e a ordem do petróleo começou a se desestabilizar. Esse

fenômeno teve maior intensidade no Egito, com a chegada ao poder, por meio da força, do

coronel Gamal Abdel Nasser, em 1954.

Nasser, que visionava a criação de uma nação árabe unificada e sem fronteiras

internas (inspirada nos princípios socialistas), defendia o uso do petróleo como arma para os

países árabes se libertarem no domínio ocidental – segundo ele, o controle do petróleo

deveria ser usado como uma ferramenta de chantagem política. Em seu livro, “Filosofia de

uma Revolução”, o líder egípcio definira o petróleo como um dos 3 pilares fundamentais do

poder árabe e como a arma mais eficiente para que os direitos da nação árabe

prevalecessem sobre os direitos das potências do Ocidente (MAUGERI, 2006).

O Canal de Suez – passagem construída em 1859 pelo francês Ferdinand De

Lesseps, que se extende por 161,5 km no meio do deserto egípcio e liga o mar Vermelho ao

mar Mediterrâneo – era uma das principais representações do domínio do Ocidente no

Egito, sendo controlado pela Grã-Bretanha e França (figura 3.1).

Figura 3.1 – O Canal de Suez. Fonte: https://www.cia.gov/library/center-for-the-study-of-intelligence/csi-publications/csi-

studies/studies/vol51no2/the-art-of-strategic-counterintelligence.html.

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O canal, além de ser uma importante fonte de renda para britânicos e franceses,

tinha uma importância geopolítica extraordinária. Grande parte do comércio internacional de

e para o Golfo Pérsico passava através do canal, e mais do que qualquer outra coisa, ele

era a principal via para o transporte de petróleo do Oriente Médio para os mercados

europeus (MAUGERI, 2006). Em 1955, 2/3 do petróleo utilizado na Europa passavam pelo

canal, que se tornou o “elo vital na estrutura pós-guerra da indústria internacional de

petróleo” (YERGIN, 2009, p. 540), sendo que quase todo o lucro da Companhia do Canal

era destinado aos acionistas da Europa, como o governo britânico.

O governo egípcio, sedento por novas fontes de capital, aspirava expulsar os

britânicos e assumir o controle do canal e, principalmente, dos lucros obtidos com as tarifas.

Assim, uma campanha anti-britânica foi colocada em prática, baseada em sequestros,

assassinatos e ataques terroristas à base militar que os britânicos mantinham na Zona do

Canal.

A rejeição de Nasser ao ocidente ficou clara em 1955, quando o ditador egípcio

assinou um acordo com a União Soviética, que forneceria armas em troca de algodão

egípcio, marcando o início do envolvimento direto da União Soviética no Oriente Médio

(FUSER, 2008). A partir desse acordo, a preocupação com a expansão da influência

soviética no Egito chegou aos EUA. Em 1956, foi colocado em pauta a revisão do Acordo

Voluntário de 1950 (feito em decorrência das perdas do fornecimento de petróleo do Irã),

que viabilizaria uma cooperação mútua, tanto entre as próprias companhias de petróleo

como entre as mesmas e o governo americano, caso o tráfego de petroleiros fosse

interditado no canal. Porém, temerosas com as ações antitrustes, as companhias desistiram

dessa possibilidade.

Tentando conter a repulsão de Nasser ao ocidente, os governos americano e

britânico, em uma ação conjunta, fizeram uma oferta de empréstimo para que o ditador

contruísse uma represa em Assuã, no rio Nilo. A oferta agradou Nasser, mas não os

políticos de Washington. Duas correntes se mostraram contra o empréstimo: os senadores

do sul, ligados à agricultura do país, que temiam um aumento da produção de algodão

egípcio (possibilitado pela barragem), o que prejudicaria as exportações de algodão

americano no mercado mundial; e os membros do Congresso simpatizantes de Israel, que

se negavam a aprovar uma ajuda externa à um país que se declarava inimigo dos

israelenses (FUSER, 2008). Devido à oposição de Washington, o governo americano, com o

consentimento do governo britânico, cancelou a oferta de empréstimo.

Nasser se sentiu traído e humilhado com o cancelamento do empréstimo e se vingou

em 26/07/1956, ao ordenar a tomada do canal pelas forças militares egípcias. Ao mesmo

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tempo, congelou o tráfego no Golfo de Aqaba, no mar Vermelho, que era vital para o

fornecimento de petróleo para Israel. Com o Canal de Suez expropriado, uma crise no

fornecimento de petróleo para a Europa seria inevitável: em 1956, o Oriente Médio produziu

3,5 milhões bpd, exportando cerca de 90% do mesmo; cerca de 1,3 milhão de barris

passavam através do Canal de Suez a cada dia, fornecendo mais da metade do petróleo

utilizado na Europa (MAUGERI, 2006). Com isso, uma longa crise diplomática se iniciou.

De um lado, Inglaterra e França defendiam o uso da força para retomar a posse do

canal, mas não queriam agir de maneira que o fluxo no canal, principalmente de petróleo,

fosse interrompido. De outro, os EUA defendiam o uso da diplomacia para resolver a

situação.

Dwight D. Eisenhower, presidente americano, era o principal defensor da diplomacia,

se mostrando totalmente contra uma investida militar por parte dos britânicos e franceses.

Segundo ele, uma ação militar no Egito faria com que todo o mundo árabe se voltasse

contra o Ocidente, o que fortaleceria a União Soviética. E, mais importante ainda, poderia

fazer com que os líderes árabes simpatizantes ao Ocidente se tornassem inimigos, o que

colocaria em risco o fornecimento do petróleo proveniente do Oriente Médio. Além disso, as

eleições presidenciais americanas estavam se aproximando e Eisenhower, que concorria

como um presidente pacífico (acabara com a guerra na Coreia em seu governo), não

desejava ser responsável por uma crise militar (YERGIN, 2009).

Apesar da oposição de Eisenhower, Grã-Bretanha e França estavam cada vez mais

próximas de realizar uma intervenção militar no Egito. Os franceses estavam motivados em

derrotar Nasser para reinvidicarem o canal para si e também para acabar com influência que

o ditador exercia sobre os rebeldes no norte da África, território sob domínio francês. Os

israelenses também objetivavam derrotar Nasser, em represália ao congelamento do tráfego

no Golfo de Aqaba, além do fato de o ditador egípcio ser um inimigo declarado e ameaçar

um confronto com o país. Porém, os britânicos eram os que mais tinham a perder com a

crise de Suez, principalmente devido à questão do petróleo.

Segundo Yergin (2009), o canal era a “veia jugular” do fornecimento de petróleo

proveniente do Oriente Médio. Se Nasser não fosse derrotado, ele poderia corromper outros

regimes árabes, e a posição do petróleo britânico estaria em risco no Oriente Médio – a Grã-

Bretanha ficaria a mercê do Egito. Harold Macmillan, Ministro das Finanças, relatou a tensão

que pairou sobre a Inglaterra:

Se tomarmos uma atitude enérgica contra o Egito, e, como resultado, o canal for fechado, os oleodutos para o Levante serão interrompidos, o Golfo Pérsico se rebela e a produção de petróleo pára – e então o Reino Unido e

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a Europa Ocidental estarão „fritos‟. No entanto, se sofrermos uma derrota diplomática, se Nasser conseguir „escapar impune‟ – e os países do Oriente Médio, na excitação, nacionalizarem o petróleo (...) nós também „estaremos fritos‟. O que devemos fazer, então? A mim parece claro que devemos aproveitar a única chance que temos – empreender uma ação enérgica e torcer para que nossos amigos do Oriente Médio resistam, que nossos inimigos sejam derrotados e que o petróleo possa ser salvo. (YERGIN, 2009, p. 547)

Paralelamente à preparação militar da França e Grã-Bretanha, o governo americano

elaborou planos para combater uma crise do petróleo que poderia ocorrer num futuro

próximo. Foi criado um comitê de emergência para o Oriente Médio, que trabalharia em

conjunto com o British Oil Supply Advisory Commitee (Comitê Consultivo para o

Fornecimento de Petróleo Britânico) e com a Organization for European Economic

Cooperation (Organização para Cooperação Econômica Europeia), caso o canal fosse

fechado e o fluxo de petróleo interrompido. Ao contrário do governo britânico, as

companhias de petróleo tinham no aumento da produção no Ocidente e na capacidade extra

de produção dos EUA e da Venezuela a razão para não estarem preocupadas com uma

possível falta de petróleo na Europa Ocidental.

Em setembro, o governo americano tentou convencer o rei da Arábia Saudita, Ibn

Saud, a pressionar Nasser para que um acordo pacífico fosse feito. A estratégia americana

foi o blefe: disseram aos sauditas que haviam feitos grandes avanços na área nuclear,

tornando essa energia mais barata e mais eficiente que o petróleo, e a disponibilizariam à

Europa, se necessário, o que faria o Oriente Médio perder seu grande trunfo estratégio. Mas

os sauditas não caíram no blefe.

No final de outubro/1956, o cenário de guerra começou a ser montado. Em 24/10, os

governos britânico, francês e israelense se reuniram secretamente em Sèvres, na França,

para planejar a ofensiva militar no Egito. Paralelamente, Egito, Síria e Jordânia selaram um

acordo de cooperação militar, sob a liderança dos egípcios. As ofensivas no Egito

começaram 5 dias após o encontro na França, com o ataque de Israel a Península do Sinai.

Um dia depois do ataque de Israel, britânicos e franceses deram um ultimato a Nasser: se o

conflito continuasse, invadiriam o canal. Como Nasser não se rendeu, a Grã-Bretanha

iniciou seus ataques, bombardeando os campos de aviação do Egito.

Porém, a invasão do canal demorou a ser feita pelos franceses e britânicos, dando

um tempo precioso para Nasser: ordenou o bloqueio total do canal, a fim de interromper o

fornecimento de petróleo do ocidente. Adicionalmente, ordenou operações de sabotagem

nas estações de bombeamento ao longo do oleoduto da Companhia Iraquiana de Petróleo.

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As ofensivas franco-britânicas foram realizadas sem o conhecimento do governo

americano, para a ira de Eisenhower, que temia que o conflito em Suez levasse os EUA a

um confronto direto com a União Soviética, que estava envolvida em outra crise

internacional. Simultaneamente aos ataques franco-britânicos no Egito, os soviéticos

invadiram Budapeste (capital da Hungria) para acabar com uma revolução contra o controle

de Moscou, o que foi condenado por grande parte da comunidade internacional. Como

maneira de mostrar a reprovação americana ao conflito, nenhuma ajuda à França e Grã-

Bretanha, em relação a suprimentos (principalmente petróleo), foi autorizada pelo

presidente. Além disso, o governo americano apresentou uma resolução à ONU

(Organização das Nações Unidas) em 01/11, exigindo a cessação das hostilidades no Egito

e a restauração da situação pré-conflito (MAUGERI, 2006).

Em 05/11, Sinai, o aeroporto de Gaza e o estreito de Tiran já estavam sobre o

controle de Israel, e britânicos e franceses iniciaram o ataque aéreo à Zona do Canal.

Porém, com os EUA inflexíveis em relação a qualquer ajuda no fornecimento de petróleo,

França e Grã-Bretanha selaram um cessar-fogo em 06/11. Mas Eisenhower estava decidido:

os EUA só iriam fornecer petróleo à Europa Ocidental se as tropas fossem retiradas do

Canal de Suez. O motivo da posição firme do presidente americano era simples – não

queria que os EUA fossem vistos como inimigos dos árabes, pois isso poderia acarretar em

um embargo de todo o petróleo do Oriente Médio.

Não demoraria muito para a Europa Ocidental ficar sem petróleo. Além do canal

(responsável pelo fornecimento de ¾ do petróleo) e dos oleodutos estarem bloqueados,

um embargo contra os britânicos e franceses foi feito pela Arábia Saudita. Nesse momento,

os estoques europeus eram suficientes para apenas algumas semanas. O auxílio dos EUA

era imprescindível, e por isso os europeus solicitaram a ativação do Comitê de Emergência

do Oriente Médio. Mas Eisenhower manteve sua posição. Além de impedir a ativação do

Comitê, influenciou na decisão do Fundo Monetário Internacional de negar uma ajuda

financeira emergencial para a Grã-Bretanha.

Com uma escassez de petróleo cada vez mais inevitável, britânicos e franceses se

renderam ao presidente americano e, no final de novembro, garantiram a retirada das forças

militares do canal.

Com a retirada das forças franco-britânicas do canal, deu-se início ao programa

emergencial de abastecimento, chamado de Alavanca do Petróleo. O hemisfério ocidental

(principalmente os EUA) seria a principal fonte de ajuda à Europa. Os petroleiros tiveram

seus trajetos alterados, e toda uma cooperação entre as companhias de transporte foi

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colocada em prática, com o objetivo de fornecer petróleo o mais rápido possível para uma

Europa “à beira de uma crise energética” (YERGIN, 2009, p. 555).

Na Europa, foi criado um Grupo de Emergência para o Petróleo, responsável pela

distribuição do suprimento emergencial entre os países europeus. Paralelamente, várias

medidas para racionar o uso de petróleo nesses países foram feitas, como proibição do uso

de automóveis aos domingos, aumento nos preços da gasolina e óleo combustível e até

incentivos à substituição do petróleo pelo carvão nas centrais elétricas.

Apesar de várias complicações, a Alavanca do Petróleo funcionou. No início de

1957, 90% dos suprimentos perdidos haviam sido compensados, e a crise do petróleo havia

chegado ao fim na Europa. Em abril, o canal de Suez (sob controle total do Egito) já estava

livre para o tráfego de petroleiros e com isso a Alavanca do Petróleo foi suspensa.

Terminava assim a crise do Suez.

Segundo Yergin (2009), uma reflexão em torno da segurança no transporte de

petróleo foi feita na indústria petrolífera mundial após a crise de Suez. O canal e os

oleodutos do Oriente Médio se mostraram bastante vulneráveis, o que levou as companhias

internacionais a uma alternativa: fornecer petróleo para a Europa Ocidental através do cabo

da Boa Esperança. Mas para que a alternativa fosse viável, petroleiros com maior

capacidade de carga tinham de ser construídos, o que coube aos japoneses. Assim, umas

das principais conseqüências do conflito no Canal de Suez para a indústria petrolífera

mundial foi o surgimento dos superpetroleiros.

Além disso, a crise de Suez selou o “fim da hegemonia britânica no Oriente Médio” e

“estimulou os sentimentos nacionalistas no mundo árabe de uma forma nunca vista antes”

(FUSER, 2008, p. 111 e 112).

3.2) A Guerra dos Seis Dias

Na década de 60, Gamal Abdel Nasser ainda estava determinado a criar um mundo

árabe livre do domínio ocidental e a acabar com Israel, seu inimigo mortal - para ele, a

criação de Israel fora o “maior crime internacional da história” (YERGIN, 2009, p. 541).

Motivado pelo triunfo em Suez, mais uma vez o ditador egípcio desencadeou uma crise no

Oriente Médio, no ano de 1967.

Suas ações começaram em maio, ao expulsar os observadores das Nações Unidas

que estavam no Egito desde o conflito de 1956. Posteriormente, bloqueou o golfo de Aqaba,

impossibilitando que a frota mercante israelense tivesse acesso ao porto de Eilat, colocando

em risco a importação de petróleo por parte de Israel. Além disso, enviou tropas à Península

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do Sinai. Paralelamente, fez uma aliança militar com a Jordânia (o Iraque se uniria a eles

posteriormente), além de ganhar o apoio de outros países árabes, que colocaram suas

forças militares à disposição do Egito.

Diante da ameaça de um conflito, Israel partiu para a ofensiva em 05/06/1967,

atacando a Síria, Jordânia e Egito, dando início a Terceira Guerra árabe-israelense. De

forma avassaladora, os exércitos israelenses destruíram todas as tropas árabes em apenas

6 dias (a força aérea egípcia fora totalmente abatida logo nas primeiras horas do conflito),

daí o nome de Guerra dos Seis Dias. Com a rápida vitória nos campos de batalha, Israel

tomou posse do Sinai, Jerusalém, Faixa de Gaza e das Colinas de Golan (figura 3.2).

Figura 3.2 – As Conquistas de Israel na Guerra dos 6 Dias (Modificada). Fonte: http://www.mundovestibular.com.br/articles/4378/1/A-GUERRA-DOS-SEIS

DIAS/Paacutegina1.html.

O conflito, apesar de breve, “assinalou a primeira vez em que os governos árabes

recorreram à „arma do petróleo‟ em represália pelo apoio ocidental a Israel” (FUSER, 2008,

p.117), o que desencadeou mais uma crise na indústria petrolífera mundial. Um dia após o

início dos ataques israelenses, um embargo de petróleo foi feito pela Arábia Saudita, Kuait,

Iraque, Líbia e Argélia contra EUA, Grã-Bretanha e Alemanha Ocidental (países

simpatizantes de Israel). Segundo Maugeri (2006), essa decisão representou um fato

completamente novo na política internacional do pós-guerra. A intensidade dessa decisão

pôde ser comprovada na carta enviada pelo ministro árabe do petróleo, Ahmed Zaki

Yamani, às companhias que formavam a Aramco (Exxon, Móbil, Texaco e Standard of

Califórnia):

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Solicitamos que suas companhias deixem de enviar, a partir de agora, petróleo para os Estados Unidos da América e para o Reino Unido. Vocês devem ter em mente que esta é uma decisão rigorosa e que essa companhia será gravemente responsabilizada caso uma só gota de nosso petróleo venha a ser desembarcada em qualquer das nações mencionadas. (YERGIN, 2009, p. 627)

Simultaneamente, diversos distúrbios ocorreram nas indústrias petrolíferas

estrangeiras localizadas no Oriente Médio: sabotagem e destruição das instalações, motim

contra funcionários e greve nos campos de petróleo (como exemplo, a refinaria em Abadã,

uma das maiores do Oriente Médio, teve que ser fechada, pois os pilotos navais iraquianos

se recusaram a continuar operando no canal de Shatt-al-Arab). Além disso, o canal de Suez

e os oleodutos do Iraque e da Arábia Saudita estavam bloqueados. Como conseqüência,

houve uma redução de 40% no fluxo de petróleo árabe e uma perda total de 6 milhões bpd.

Esse cenário levou o subsecretário americano do Interior a declarar que a crise de 1967 era

muito mais grave que a de 1956, e que a Europa estava prestes a sofrer uma escassez de

petróleo (YERGIN, 2009). Para agravar ainda mais a situação, iniciou-se em julho a guerra

civil na Nigéria: devido ao conflito, o governo nigeriano cessou as exportações de petróleo,

causando mais uma perda no mercado (500 mil bpd).

Diante da ameaça de escassez de petróleo na Europa, o governo dos EUA, assim

como na crise de Suez, convocou um Comitê de Fornecimento de Petróleo Estrangeiro para

coordenar a distribuição de petróleo mundial. Esse comitê era formado por mais de 10

companhias de petróleo americanas, as quais teriam liberdade para formar um truste e

combater a crise em conjunto, se fosse necessário. O maior desafio a ser enfrentado pelo

comitê era a logística - para reorganizar o fluxo de petróleo, as rotas de petróleo tinham de

ser alteradas, principalmente devido ao bloqueio do canal de Suez e dos oleodutos do

Iraque e da Arábia Saudita. Esse desafio fora atenuado pela utilização dos superpetroleiros,

que surgiram após a crise de 1956 e foram aperfeiçoados ao longo dos anos: em 1967,

petroleiros 5 vezes maiores que os de 1956 já eram utilizados, e diante da crise, 6 novos

superpetroleiros, 7 vezes maiores que os utilizados em 1956, foram construídos.

Apesar do pavor inicial, a crise não fora tão grave. Os EUA, com suas reservas de

petróleo estocado, elevaram sua produção diária para aproximadamente 1 milhão de barris,

impedindo que a Europa sofresse uma escassez. Outros países também aumentaram sua

produção e auxiliaram os europeus, como Venezuela, Irã e Indonésia. Apesar de o Comitê

de Fornecimento de Petróleo Estrangeiro ter sido imprescindível, as leis antitrustes

americanas nem precisaram ser suspensas – a atuação individual das companhias

internacionais fora suficiente para conter a crise.

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Com a contenção da crise por parte do Ocidente, os países árabes viram que a

“arma do petróleo” havia fracassado e que eles próprios foram os maiores perdedores (num

encontro da cúpula árabe em agosto, Nasser admitira que o Egito estava falido). Assim, os

líderes árabes decidiram acabar com o embargo no início de setembro.

Segundo Maugeri (2006), a derrota na Guerra dos Seis Dias freou a ascendência de

Nasser, mas não a sua mensagem de revolta contra o Ocidente, que se espalhou por todo o

Oriente Médio e teve como conseqüência imediata a militarização da sociedade civil árabe.

Fuser (2008) ressalta ainda que após o conflito de 1967, os EUA passaram a ser os vilões

para os árabes, uma vez que apoiaram os ataques israelenses e não pressionaram Israel a

devolver os territórios que conquistou: “os norte-americanos se tornaram um alvo do ódio

árabe tal como os ingleses depois da crise de Suez” (PALMER, 1992 apud FUSER, 2008, p.

117).

3.3) A Guerra do Yom Kippur

3.3.1) O Pré-Guerra

3.3.1.1) No Oriente Médio

Com a morte de Gamal Abdel Nasser em 1970, Anuar Sadat assumiu o poder no

Egito e encontrou um país politicamente humilhado e financeiramente falido. Ao contrário de

seu antecessor, não queria formar um novo mundo árabe, mas sim recuperar seu próprio

país. Para isso, sabia que era necessário acabar com a briga com Israel, que desgastava

frequentemente a imagem e os cofres egípcios. Apesar de seus sucessivos esforços, não

conseguiu chegar a um acordo com Israel. Tentou ganhar a simpatia do Ocidente ao

expulsar milhares de conselheiros militares soviéticos de seu país em meados de 1972, mas

também não obteve sucesso. Assim, no início de 1973, elaborou um plano para alcançar

seus objetivos: a guerra. Porém, Sadat não via a guerra como um fim, mas como um meio:

desencadearia o conflito não por interesses territoriais, mas sim para que uma crise fosse

iniciada e, posteriormente, as negociações que outrora falharam viessem a ter sucesso. A

intenção de Sadat “era muito mais psicológica e diplomática do que militar”, como relatou

Henry Kissinger, assessor de Segurança Nacional dos EUA (YERGIN, 2009, p. 671). Em

abril/1973, Sadat começou a elaborar com Hafez al–Assad, líder sírio, um ataque conjunto

de Egito e Síria, com o conhecimento do rei Faissal da Arábia Saudita.

Até o início da década de 70, o rei Faissal era contra a utilização do petróleo como

arma, principalmente devido ao fato de que isso afetaria os EUA, país com o qual possuía

um relacionamento que era fundamental para o seu reino. Entretanto, sua posição começou

a mudar no início de 1973. Nesse ano, a Arábia Saudita havia tomado o posto do Texas

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como “produtor alternativo para o mundo inteiro” (YERGIN, 2009, p. 672), o que fez com que

suas exportações de petróleo aumentassem substancialmente (sua parte nas exportações

mundiais passaram de 13% em 1970 para 21% em 1973), assim como sua produção

(passou de 5,4 milhões bpd em julho de 1972 para 8,4 milhões bpd em julho de 1973).

Porém, uma corrente que defendia que esse aumento da produção não era lucrativo,

baseado nas sucessivas desvalorizações do dólar americano, passou a crescer na Arábia.

Paralelamente, Sadat, o líder egípcio, pressionava o rei constantemente para que esse

concordasse em utilizar a “arma do petróleo” em apoio aos futuros ataques de Egito a Israel.

Além da pressão de Sadat, o rei passou a sentir a pressão da sociedade árabe: sucessivas

sabotagens ocorreram em terminais petrolíferos e oleodutos.

Diante dessa situação, o rei Faissal decidiu iniciar a utilização do petróleo como

arma: a Arábia Saudita não iria aumentar sua produção de petróleo, de modo a não atender

a crescente demanda, se os EUA mantivessem seu apoio a Israel. Em entrevista a imprensa

americana, o rei justificou sua decisão:

Nós não desejamos, de nenhuma forma, restringir nossas exportações de petróleo para os Estados Unidos, mas o total apoio da América ao sionismo e sua atitude contra os árabes fazem com que seja extremamente difícil, para nós, continuar fornecendo petróleo para os Estados Unidos ou até mesmo permanecer amigos dos Estados Unidos. (YERGIN, 2009, p. 675)

3.3.1.2) Nos EUA

Ao assumir a presidência dos EUA em 1969, Richard Nixon se deparou logo com um

grande desafio: a questão do petróleo no mercado interno americano. O cenário não era

animador. A produção americana estava em declínio (o número de equipamentos de

perfuração, que já vinha diminuindo desde 1955, chegou, em 1970, a pouco mais de 1/3 da

quantidade utilizada na década de 50) e, com a demanda de energia crescendo cada vez

mais, a indústria produzia a quantidade máxima que podia, fazendo com que os EUA

perdessem sua capacidade extra de produção. Porém, a produção interna não estava

atendendo a demanda, o que acarretou num aumento das importações de petróleo.

Em abril/1973, diante de uma crise energética iminente, Nixon cancelou o sistema de

cotas de importação de petróleo, substituindo-o por um sistema de distribuição voluntária.

Segundo Yergin (2009, p. 668), esse ato do presidente simbolizou a mudança pela qual o

mercado petrolífero mundial estava passando: “As cotas destinavam-se a manipular e limitar

os suprimentos num mundo de produção excedente, enquanto a distribuição tinha o objetivo

de dividir proporcionalmente os suprimentos disponíveis num mundo de racionamento.”

Com as cotas abolidas, as empresas americanas, assim como os refinadores

independentes, lançaram-se no mercado mundial numa busca desenfreada por petróleo. As

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importações americanas dispararam: de 3,2 milhões bpd em 1970 para 4,5 milhões bpd em

1972, chegando a 6,2 milhões bpd em 1973. No início de 1973, os EUA ultrapassaram o

Japão como o maior importador de petróleo do mundo (FUSER, 2008). Assim como os EUA,

outros países passaram a comprar petróleo freneticamente. Esse aumento exponencial da

demanda, num momento em que não havia excedente no mercado, fez os preços

dispararem. Com o aumento dos preços do petróleo, os países exportadores começaram a

se mobilizar para tirar proveito da situação.

Líbia, Iraque e Argélia começaram a pressionar as empresas para que os acordos de

Teerã e de Trípoli (nos quais o sistema de preços de petróleo se baseavam) fossem

revisados: com o aumento dos preços do petróleo, apesar de o lucro dos exportadores

aumentar, a parte das empresas nos lucros também estava aumentando, o que não era do

interesse dos exportadores. Assim, em setembro, os países da OPEP (Organização dos

Países Exportadores de Petróleo – grupo criado em 1960 por Arábia Saudita, Venezuela,

Kuait, Iraque e Irã, composto em 1973 por Argélia, Líbia, Nigéria, Emirados Árabes Unidos,

Qatar e Indonésia, além dos países fundadores) decidiram que um novo acordo de preços

com as empresas petrolíferas deveria ser feito, e uma reunião entre as duas partes fora

marcada para o dia 08/10 em Viena. Mas antes dessa reunião, o conflito no Oriente Médio

estourou.

3.3.2) O Conflito

Em 06/10/1973, no dia do feriado de Yom Kippur – um dos principais feriados

judaicos – iniciou-se a 4ª guerra árabe-israelense, a chamada Guerra do Yom Kippur. O

conflito teve início com os ataques-surpresa do Egito às forças israelenses localizadas no

Canal de Suez e na Península do Sinai, que foram seguidos por bombardeiros da força

aérea síria na fronteira norte de Israel.

Os ataques-surpresa foram muito bem planejados por Sadat. O líder egípcio

escolheu o feriado de Yom Kippur para iniciá-los pois pegaria o inimigo despreparado, uma

vez que nessa data Israel literalmente parava: todas as atividades eram suspensas para que

os israelenses meditassem e orassem em sua busca espiritual. Além disso, simulara

anteriormente movimentações militares de guerra, as quais fizeram com que as forças

militares de Israel se mobilizassem inutilmente, o que acarretou em gastos elevados

desnecessários e críticas da opinião pública. Assim, após os blefes de Sadat, o governo

israelense já não acreditava mais em uma guerra. Por isso os ataques foram tão chocantes

e bem sucedidos – segundo Yergin (2009, p. 682), “a magnitude da surpresa do ataque

árabe teria para os israelenses o que Pearl Harbor tivera, 32 anos antes, para os

americanos”.

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No início do conflito, o governo dos EUA se mobilizou em prol de uma trégua entre

os países em guerra, mas logo viu que isso não seria possível. Entretanto, não queria se

envolver diretamente no conflito – ao contrário da União Soviética, que estava fornecendo

constantemente suprimentos e armamentos para Egito e Síria. Inicialmente, os EUA

acreditavam que uma ajuda a Israel não seria necessária, visto a superioridade militar desse

país. Mas com o desenrolar do conflito, a visão americana mudou.

As forças militares israelenses acreditavam que a guerra não duraria mais de 3

semanas e estocaram suprimentos somente para esse período, baseado na Guerra dos

Seis Dias. Porém, diferentemente do conflito de 1967, Israel fora pego de surpresa e estava

na defensiva, totalmente acuado, o que fez com que seus suprimentos se esgotassem

rapidamente, bem antes do tempo calculado. Diante dessa situação, o governo dos EUA

autorizou o abastecimento de aviões israelenses em território americano, desde que não

estivessem com a identificação da força aérea israelense. Porém, essa medida não se

mostrou suficiente, uma vez que os soviéticos estavam mandando cada vez mais

suprimentos para Egito e Síria. O Departamento de Estado americano começou então a

pressionar as companhias aéreas a enviar seus aviões comerciais com suprimentos para

Israel.

Em 08/10, com o conflito se intensificando no Oriente Médio, iniciaram-se as

negociações em Viena: os representantes da empresas ofereceram um aumento de 15%

em relação ao preço fixado, enquanto os países da OPEP queriam um aumento de 100%.

Como a diferença das propostas era muito grande, as empresas decidiram que os principais

governos do Ocidente deveriam ser consultados para que uma resposta fosse dada aos

árabes. Os principais líderes ocidentais consideraram a proposta árabe inviável e

concordaram que a proposta inicial das empresas deveria ser mantida. Essa resposta

provocou a ira dos árabes, e as conseqüências seriam sentidas brevemente.

Em 12/10, a situação era crítica. O presidente americano recebeu 2 cartas: uma dos

presidentes da Exxon, Móbil, Texaco e Standard of Califórnia (empresas que formavam a

Aramco), na qual advertiram Nixon de que “se os Estados Unidos aumentassem seu apoio

militar a Israel, poderia haver um „efeito bola de neve‟ que produziria uma grande crise no

fornecimento de petróleo” (YERGIN, 2009, p. 684); a outra era da primeira-ministra de Israel,

Golda Meir, na qual dizia que seu país estava a beira de um colapso e pedia

desesperadamente a ajuda dos EUA. Com a recusa das companhias aéreas americanas em

enviar seus aviões comerciais para uma zona de combate, o governo americano não tinha

outra saída a não ser utilizar sua força aérea para auxiliar Israel, afinal um aliado seu estava

sendo derrotado por um inimigo patrocinado pela União Soviética.

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Washington prezava pelo sigilo de sua ajuda a Israel, para não desencadear uma

crise do petróleo. Assim, os aviões da força aérea norte-americana deveriam chegar à noite

em Israel e decolar pela manhã. Entretanto, logo no primeiro dia, condições climáticas

adversas atrasaram as decolagens dos aviões americanos, que chegaram em território

israelense durante o dia. A partir dali, os EUA foram considerados aliados de Israel na visão

dos árabes. Com o auxílio norte-americano, Israel conseguiu se reestruturar e partiu para a

ofensiva em 15/10.

Paralelamente, após o fracasso das negociações em Viena, uma delegação da

OPEP, composta por 6 países do Golfo Pérsico (Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuait, Emirados

Árabes Unidos e Qatar), se reuniu em 16/10 na cidade de Kuait e decidiu alterar

unilateralmente o preço o petróleo, sem consentimento das empresas: aumentaram em 70%

o preço do petróleo (passou de US$ 2,90 para US$ 5,11 por barril). Essa atitude foi um

marco na história da indústria petrolífera mundial – o 1º “choque do petróleo”, como ficou

conhecido. Segundo Gilpin (1981 apud FUSER, 2008, p. 123), esse acontecimento foi “a

maior redistribuição forçada de riqueza da história do mundo”. Para Kolko (1988 apud

FUSER, 2008, p. 123), foi “um ponto de virada histórico nas relações econômicas entre os

países produtores de petróleo do Terceiro Mundo e os principais países capitalistas, os EUA

em primeiro lugar”. Yergin (2009, p. 686) retratou a mudança que ocorreu no mercado

petrolífero mundial a partir desse momento:

A transição agora se completava partindo dos dias em que as companhias fixavam o preço unilateralmente, passando pelos dias em que os países exportadores tinham pelo menos direito a veto para os preços negociados conjuntamente, até esta nova fase em que os exportadores assumiam a condição de suseranos únicos.

Após a decisão de aumentar o preço do petróleo, os governantes árabes se reuniram

novamente para debater sobre uma outra questão, que afetaria ainda mais o mercado

petrolífero mundial: a utilização da “arma do petróleo”.

O rei Faissal, ao contrário de Sadat e dos outros governantes árabes, não queria

declarar “guerra” aos EUA através do petróleo. Assim, em 17/10, uma comitiva de ministros

de Relações Exteriores árabes foi para Washington discutir o impasse. Na reunião, o

governo dos EUA reiterou que o apoio americano a Israel se tratava de um modo de

combater a União Soviética, e não os árabes, e que Washington era a favor de um cessar-

fogo e de uma solução diplomática para o conflito. Os árabes se mostraram dispostos a

negociarem e a reunião terminou de forma positiva.

Entretanto, no mesmo dia, membros da OAPEC (Organization of Arab Petroleum

Exporting Countries – Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo) – uma

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OPEP paralela constituída somente por produtores árabes (MAUGERI, 2006) – se reuniram

no Kuait e decidiram fazer um embargo de petróleo a todos os países aliados de Israel, em

principal aos EUA: a produção seria diminuída em 5% (em relação ao nível de

setembro/1973) e posteriormente continuaria a diminuir 5% a cada mês, até que Israel se

retirasse dos territórios ocupados na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Vários países

produtores concordaram com o embargo, comprometendo-se a cooperar ainda mais que o

combinado – cortariam a produção em 10%. Irã e outros países produtores se recusaram a

participar do embargo. Uma exceção foi o Iraque, que tinha planos mais radicais – além de

um embargo total de petróleo aos EUA e demais aliados de Israel, o governo iraquiano

objetivava estatizar todas as empresas americanas presentes em território árabe e retirar

todos os fundos árabes de bancos americanos – que não foram aceitos pelos outros

ministros. Porém, 2 dias mais tarde, os árabes tomariam uma atitude mais radical, como

objetivava Israel, devido a um ato dos EUA.

Em 19/10, o governo norte-americano anunciou mais um auxílio militar a Israel, desta

vez no valor de US$ 2,2 bilhões. A intenção de Washington era equilibrar o conflito (uma vez

que a União Soviética reabastecia constantemente Egito e Síria), para que assim nenhum

lado ficasse numa situação superior e então buscassem uma solução diplomática. Porém, o

resultado foi a ira dos árabes, que decidiram utilizar a “arma do petróleo” com força total: no

mesmo dia, a Líbia impôs um embargo de todas as remessas de petróleo aos EUA; no dia

seguinte, a Arábia Saudita fez o mesmo, seguida de vários outros países. Segundo Yergin

(2009), o embargo total surpreendeu Washington, apesar de várias evidências de que isso

estava por vir, como a tentativa fracassada em 1967 e a situação crítica do mercado

petrolífero a partir de 1970. De acordo com Fuser (2008), a ajuda militar americana foi o

estopim para a imposição do embargo.

Em 21/10, representantes de EUA e União Soviética, em reunião em Moscou,

decidiram que um cessar-fogo deveria acontecer no Oriente Médio. Entretanto, este não fora

cumprido de imediato, o que fez com que a relação EUA x União Soviética chegasse ao

limite da tensão. Com o avanço israelense, o Terceiro Exército do Egito estava prestes a ser

derrotado. Então, o líder da União Soviética, Leonid Brezhnev, considerando inadmissível a

derrota de um exército suprido por seu país – pois isso arruinaria a imagem da União

Soviética no Oriente Médio – exigiu que soviéticos e americanos interviessem no conflito,

ameaçando intervir unilateralmente em caso de recusa dos americanos.

Após a ameaça de Brezhnev, os americanos, além de descobrirem que tropas

soviéticas estavam de prontidão, detectaram uma possível ameaça de ataque nuclear.

Diante dessa situação, Washington decidiu que os EUA deviam responder às ameaças

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soviéticas à altura, afinal a ordem internacional estava em jogo. Com isso, em 25/10, todas

as tropas americanas ao redor do mundo ficaram em alerta nuclear. A situação foi uma das

mais tensas da história da humanidade, como relatou Yergin (2009, p. 693): “Os Estados

Unidos e a União Soviética estavam diretamente se colocando em posição de ataque, o que

não acontecia desde a crise dos mísseis cubanos. Um simples erro de cálculo conduziria a

um confronto nuclear.”

Entretanto, em 26/10, após o reabastecimento do Terceiro Exército do Egito, o

cessar-fogo entrou em vigor e as partes entraram em negociação, colocando fim a Guerra

do Yom Kippur e a ameaça de um confronto nuclear entra EUA e União Soviética. Apesar

do fim do conflito, o embargo do petróleo continuou.

3.3.3) As Conseqüências do Conflito

Segundo Fuser (2008, p. 125), a Guerra do Yom Kippur “deu aos países

exportadores uma oportunidade de ouro para afirmar sua autonomia e exercer plenamente o

poder sobre o mercado que já vinham adquirindo desde 1970”.

De acordo com Maugeri (2006), o impacto ocasionado pelo “embargo seletivo” foi

relativamente pequeno. O autor argumenta que “o mercado de petróleo é como um mar,

cujas águas são provenientes de vários rios, cada qual com seus afluentes e seja qual for o

curso que as águas façam, todas elas acharão um caminho para esse mar” (idem, p. 113).

Ou seja, os países não afetados pelo embargo poderiam vender o petróleo para quem

quisessem, inclusive para os países afetados pelo embargo, com tanto que o fizessem de

maneira discreta. Além disso, o autor utiliza os números para sustentar seus argumentos:

em setembro/1973, a produção total árabe fora de 19,4 milhões bpd; em novembro, com os

cortes na produção, esse número caiu para 15,4 milhões bpd – uma perda de 4 milhões

bpd. Mas nesse período, outros países aumentaram suas produções e exportações,

adicionando 900.000 bpd ao mercado, fazendo com que o déficit efetivo de petróleo fosse

de 3,1 milhões bpd – cerca de 5,5% do consumo mundial. Segundo ele, essa quantidade

poderia ser compensada facilmente por outros países produtores. E, realmente, os EUA,

principais alvos do embargo, não sofreram uma escassez significativa de petróleo.

Porém, a ignorância e a confusão ampliaram os efeitos do embargo, gerando o

pânico no mercado e a elevação dos preços. Como argumentou o economista Morris

Adelman, não foi a falta de petróleo, mas sim o medo de uma possível falta que elevou os

preços (ADELMAN, The Genie, apud MAUGERI, 2006). Entre outubro e dezembro/1973, os

preços de petróleo atingiram valores absurdos, uma vez que as companhias e os países

mais afetados pelos cortes de produção árabes estavam desesperados por petróleo, em

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clima de “„salve-se quem puder‟, para garantir seus suprimentos de energia” (FUSER, 2008,

p. 124). Como exemplo, em uma ocasião o Irã conseguiu obter o preço de US$ 17 por barril

ao vender, em um leilão, 450.000 barris. No final de dezembro, a OPEP decidiu aumentar o

preço oficial do petróleo para US$ 11,65, o que significou que o preço do petróleo

quadruplicou em menos de 4 meses e, se comparado ao valor de 1970, aumentou quase 10

vezes (MAUGERI, 2006).

Em abril/1974, os países árabes pararam com os cortes da produção e normalizaram

os cortes de petróleo, sem justificativas ou pronunciamentos. Entretanto, o “terremoto”

provocado por eles já havia quebrado algumas certezas econômicas do pós-guerra

(MAUGERI, 2006).

Fuser (2008) destaca as principais conseqüências do 1º “choque do petróleo”: crise

econômica nos principais países ocidentais; hegemonia global dos EUA desafiada;

aceleração no processo de nacionalização das concessões petrolíferas no Oriente Médio

(como exemplos, no Kuait o governo se apossou totalmente das concessões, antes

pertencentes a British Petroleum e a Gulf, e na Arábia Saudita a Aramco foi totalmente

nacionalizada e passou a se chamar Saudi Aramco); aumento exponencial da renda dos

países da OPEP: as receitas agregadas desses países aumentaram de US$ 14 bilhões em

1972 para US$ 23 bilhões em 1973, atingindo US$ 96 bilhões em 1974 (em particular, a

Arábia Saudita: nos anos após o “choque” suas receitas internacionais ultrapassaram

sucessivamente as de Japão, EUA e Alemanha, passando de US$ 3,9 bilhões em 1973 para

US$ 14,3 bilhões em 1974, atingindo US$ 49,6 bilhões ao final de 1976); e fortalecimento do

nacionalismo e do antiamericanismo em todo o Oriente Médio. Maugeri (2006) destaca

como consequência também a criação, em 1974, da IEA (Internacional Energy Agency –

Agência Internacional de Energia), uma associação governamental dos principais países

industrializados importadores de petróleo, que segundo Henry Kissinger tinha por principal

objetivo conter e, se possível, quebrar a OPEP. Entretanto, a agência passou a funcionar

mais como um fórum que reunia e processava dados sobre fornecimento e demanda de

energia, gerava estudos e cenários e sugeria políticas e medidas para seus membros

adotarem.

A Guerra do Yom Kippur e a crise do mercado petrolífero mundial ocorreram

paralelamente a outro acontecimento: o caso de Watergate – escândalo ocorrido nos EUA

em 1972, devido a tentativas frustradas do partido do presidente Richard Nixon em espionar

o Partido Democrata, cuja sede se localizava no edifício Watergate, em Washington

(GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL, 1998). Esse escândalo ganhou

dimensões desastrosas, que “provocaram consequências diretas e graves para o Oriente

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Médio e para o petróleo” (YERGIN, 2009, p. 691). Segundo o autor, Watergate consumiu a

imagem e a força do presidente americano, impedindo que este tomasse providências antes

e durante a guerra no Oriente Médio (como abrir uma mesa de negociações entre Egito e

Israel, negociar com os países da OPEP em relação à crise do petróleo e lidar com a

influência soviética no conflito).

A repercussão de todos esses acontecimentos gerou desconfiança e confusão na

opinião pública, dando espaço para o fortalecimento das “teorias de conspiração”: alguns

achavam que a crise do petróleo fora manipulada pelos políticos de Washington para

justificar a crise de energia americana, outros que a guerra no Oriente Médio era um artifício

de Nixon para que Watergate fosse “esquecido”. No fim, todos esses acontecimentos

simultâneos fizeram com que a indústria do petróleo saísse como a grande vilã, como

relatou Yergin (2009, p. 691):

(...) afluíam ao mesmo tempo na mente do público, ampliando grandemente a já tradicional desconfiança na indústria do petróleo e levando muitos a crer que a Guerra de Outubro, o embargo e a crise de energia haviam todos sido criados e magistralmente manipulados pelas companhias petrolíferas em nome da ambição.

3.4) A Revolução Islâmica no Irã

3.4.1) O Pré-revolução

Durante a década de 70, o Irã tinha uma produção de petróleo diária de 5,5 milhões

de barris (quase 10% da produção global, o que o tornava o 4º maior produtor mundial, atrás

de EUA, União Soviética e Arábia Saudita), dos quais 4,5 milhões eram exportados, o que

fez com que o país se tornasse o segundo maior exportador de petróleo do mundo, ficando

atrás somente da Arábia Saudita. Entretanto, todo o lucro proveniente do petróleo não fez

com que o Irã crescesse – de um ponto de vista mais crítico, pode-se dizer que todos os

petrodólares fizeram com que o país regredisse.

O governo do xá Mohammed Reza Pahlavi tinha por ambição tornar o Irã uma

potência militar e econômica, nos moldes ocidentais, e por isso gastava grande parte da

renda oriunda das exportações de petróleo em dispendiosos e ineficazes programas de

modernização. A militarização era apoiada, de acordo com Maugeri (2006), na política do

“Grande Pilar” feita pela Casa Branca, que considerava o Irã uma região estratégica para os

interesses americanos no Oriente Médio – segundo o autor, o xá recebeu “luz verde” de

Washington desde 1972 para comprar qualquer arma convencional que ele quisesse. Entre

1970 e 1978, o xá gastou US$ 20 bilhões em material bélico feito pelos EUA. Além disso, a

corrupção imperava no país. Somados a isso, havia o grande êxodo rural, motivado por uma

reforma agrária improdutiva, que ficou conhecida como a “Revolução Branca” (FUSER,

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2008). Além de piorar as condições de vida nos centros urbanos, cuja infra-estrutura já era

precária, o deslocamento da massa rural fez a produção agrícola despencar e,

consequentemente, as importações de alimentos dispararem. Como conseqüência de todos

esses fatores, a inflação disparou e uma grave crise econômica tomou conta do país. Diante

desse cenário de crise e descontentamentos, a oposição se fortaleceu.

O principal opositor do governo do xá era o clero xiita (a seita islâmica dominante),

que tinha como principal líder Aiatolá Ruhollah Khomeini, que considerava o governo de

Pahlavi corrupto e ilegítimo. Suas críticas ao governo eram tão ferozes que Khomeini fora

exilado no Iraque. De lá, continuava sua oposição, cujas denúncias “eram moldadas na

retórica do sangue e da vingança” (YERGIN, 2009, p. 764) e incitavam a população iraniana

a se revoltar contra o governo do xá. Segundo Maugeri (2006), Khomeini foi o catalisador

político da revolução.

No final de 1977, o filho de Khomeini fora assassinado. Apesar de evidências não

terem sido encontradas, a Savak, polícia secreta do Irã, fora apontada como autora do

crime. Para incitar ainda mais sua ira, o líder xiita foi duramente criticado em um artigo de

jornal de Teerã em 07/01/1978. Segundo Yergin (2009), esse artigo foi o estopim para uma

nova etapa na luta pelo poder no Irã, que já havia sido tomado por uma sangrenta batalha

na década de 20, disputada entre a casa real (liderada por Reza Pahlavi, pai de

Mohammed) e os xiitas.

3.4.2) Os Conflitos

Após a publicação do artigo, uma onda de revoltas ocorreu na cidade de Quom, lar

espiritual de Khomeini, que terminou com vários manifestantes mortos diante da ação das

tropas do governo. A partir daí, o Irã foi tomado por uma onda de confrontos entre xiitas e o

exército iraniano, que acabavam com centenas de pessoas mortas. Para agravar a situação,

o governo retirou os subsídios às instituições religiosas xiitas. Em agosto, vários cinemas

foram incendiados por exibirem filmes de conteúdo impuro e pecador (em certas ocasiões,

as salas eram incendiadas com pessoas trancadas dentro). Em 08/09, a capital do país,

Teerã, foi cenário de protestos violentos que terminaram em um massacre, fazendo o dia

ficar lembrado como a “Sexta-Feira Negra” (MAUGERI, 2006). Segundo Yergin, (2009, p.

766), “esse foi o momento decisivo. Daí em diante, o governo do xá entrou em colapso

como força de controle efetiva”.

Juntamente com os protestos violentos, as greves estavam ocorrendo com força

total. O xá, enfraquecido por um câncer, não tomava as medidas necessárias para retomar o

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controle de sua nação; ao invés disso, insistia em instaurar um programa de liberalização no

país.

Assim como o resto do país, a indústria petrolífera iraniana foi tomada pelas greves e

“caminhava numa escalada para o caos” (YERGIN, 2009, p. 768). A principal área de

produção de petróleo localizava-se no sudeste do país – conhecida como “The Fields”,

incluía Masjid-i-Suleiman, a região onde petróleo foi encontrado pela primeira vez na Pérsia,

em 1908, pela Anglo-Persian – e era controlada pela Oil Service Company of Iran, a OSCO.

Em outubro, um pequeno grupo de grevistas se mudou para o escritório central da empresa,

localizado na cidade de Ahwaz. Em novembro, centenas de grevistas estavam acampados

no edifício, orando e protestando. Devido a greve, as exportações iranianas caíram de 4,5

milhões bpd para menos de 1 milhão bpd. Diante dessa situação, o xá instalou um governo

militar. Com tropas nos campos de petróleo (e até no escritório central da OSCO), a

produção, temporariamente, voltou ao normal.

Entretanto, o mês de dezembro/1978 se iniciou com Khomeini prometendo “um mês

de vingança e de „torrentes de sangue‟” (YERGIN, 2009, p. 770). Diversos protestos

violentos, que resultaram em muitas mortes, ocorreram em todo o país. A onda de violência

chegou também à indústria de petróleo. No início de dezembro, um gerente geral da OSCO

sofreu um atentado na porta de casa. A partir daí, apesar de o gerente ter saído ileso, o

pânico assolou a indústria petrolífera iraniana: planos de evacuações para os mais de 1000

trabalhadores expatriados de The Fields e suas famílias passaram a ser traçados, as greves

voltaram com força total e a produção de petróleo caiu bruscamente. Para agravar a

situação, um outro executivo do petróleo foi morto com um tiro na cabeça quando estava em

seu carro indo para o trabalho, alguns dias depois. Logo após o assassinato, iniciou-se a

evacuação dos trabalhadores estrangeiros. No final de dezembro, as exportações de

petróleo iraniano cessaram completamente.

A queda na produção de petróleo, além de afetar o mercado internacional de

petróleo (os preços já começavam a subir em determinados lugares), passou a afetar o

consumo interno do Irã – a população passou a enfrentar longas filas para obter gasolina ou

querosene, utilizados para cozinhar. Diante desse cenário caótico, os governantes decidiram

que o xá deveria deixar o Irã e um governo de coalizão deveria ser formado. Ao mesmo

tempo, a Osco decidira que todos os funcionários expatriados deveriam sair do Irã.

Mohammed Pahlavi deixou o Irã em 16/01/1979, marcando o fim da dinastia Pahlavi. O país

ficou em festa. Entretanto, essa festa duraria somente algumas semanas. Em 01/02,

Khomeini regressou ao Irã, trazendo consigo um grupo de revolucionários que objetivavam

governar o país, liderado por Mehdi Bazargan. Na segunda semana de fevereiro, tropas do

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governo de coalizão e de Khomeini se enfrentaram num conflito, que terminou com

Bazargan assumindo o governo do Irã. Assim como a dinastia Pahlavi entrou em colapso, o

mundo do petróleo estava entrando em pânico (MAUGERI, 2006).

3.4.3) As Consequências da Revolução Islâmica no Irã

Em 1978, o medo de uma escassez de petróleo já tinha criado uma psicologia

distorcida no mercado mundial, o que serviu para preparar o cenário para um 2º choque do

petróleo. Faltava somente um catalisador para iniciá-lo. A Revolução Islâmica no Irã foi

muito mais que um catalisador, foi uma tempestade que assolou o mercado mundial por

quase 2 anos e elevou os preços do petróleo para os maiores patamares jamais vistos

(MAUGERI, 2006). Como relatou Yergin (2009, p. 775):

E, do Irã, como se tivesse sido sacudido por um violento terremoto, uma onda gigante espalhou-se pelo mundo, varrendo tudo (...) A onda gerou o Segundo Choque do Petróleo, elevando os preços de US$ 13 para US$ 34 o barril, desencadeando mudanças maciças não apenas na indústria petrolífera internacional, mas também, pela segunda vez em menos de uma década, na economia e na política mundiais.

Para compensar a perda do petróleo iraniano no mercado, os países da OPEP

aumentaram sua produção – como exemplo, a Arábia Saudita aumentou sua produção de

8,5 milhões bdp para 10,5 milhões bpd no final de 1978, passando para 10,1 milhões bpd no

primeiro trimestre de 1979. Com isso, o mercado sofreu uma perda em torno de 2 milhões

bpd, o equivalente a 4% da demanda mundial (50 milhões bpd). Entretanto, apesar de a

perda ter sido pequena, o preço do petróleo sofreu um aumento de 150%. Para Yergin

(2009), o principal fator que ocasionou o aumento astronômico no preço foi o “forte poder da

emoção”: com a crise do petróleo iraniano, as pessoas se deixaram levar pelo medo

(acreditavam que uma profecia de escassez de petróleo a partir da década de 80 tinha se

cumprido) e pelas incertezas (não sabiam qual a repercussão e alcance a revolução iraniana

podia tomar).

Os compradores foram os que mais se deixaram levar pelo medo: receosos com os

aumentos progressivos dos preços e, mais ainda, com uma possível escassez de petróleo,

passaram a acumular petróleo desesperadamente. Companhias petrolíferas, usuários

industriais, servidores públicos, motoristas. Todos compartilhavam do mesmo medo e

tiveram a mesma atitude: conseguir petróleo além do que era realmente preciso. Isso

ocasionou uma demanda extra de 3 milhões bpd que, somada a perda de 2 milhões bpd do

petróleo iraniano, fez que com o mercado sofresse uma perda de 5 milhões bpd (10% do

consumo). “Em suma, as compras geradas do pânico para formar estoques mais que

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dobraram a escassez real, alimentando em seguida o próprio pânico. Esse foi o mecanismo

que elevou o preço do barril de US$ 13 para US$ 34” (YERGIN, 2009, p. 778).

Uma demonstração de quanto o medo estava tomando conta do mercado petrolífero

mundial foi invocação em massa da cláusula force majeure (força maior, também chamada

de “Ato de Deus”) no início de 1979 – temerosos com uma possível falta de petróleo, as

empresas começaram a cancelar seus contratos de fornecimento de petróleo. A 1ª a fazer

isso foi a British Petroleum, companhia petrolífera mais afetada pela crise no Irã (45% de

seu petróleo era extraído daquele país). Antes da crise, a BP obtinha petróleo muito mais

que o necessário e por isso vendia esse excedente, tanto para outras empresas como para

refinadores independentes. Porém, com a crise, a empresa deixou de ter essa capacidade

extra e cancelou vários contratos através da force majeure. A partir daí, houve um efeito

dominó. Todas as outras empresas fizeram o mesmo, pois além de serem afetadas pelos

cortes do Irã e da BP, foram tomadas pelo pânico. Com isso, vários refinadores

independentes ficaram subitamente sem petróleo (principalmente o Japão, que comprava

20% do seu petróleo do Irã). O resultado: companhias (privadas e estatais) e refinadores

independentes de vários países não tiveram outra saída a não ser entrar no mercado de

petróleo à vista.

Esse mercado – conhecido como “Mercado Roterdam” – que até então não tinha

expressão (em 1978, correspondia a apenas 4% do mercado total de petróleo), começou a

ser o centro das negociações. Consequentemente, os preços alavancaram: em fevereiro de

1979, os preços no mercado à vista eram o dobro dos oficiais. Diante do boom do mercado

à vista, os exportadores de petróleo viram, mais uma vez, uma oportunidade de lucrarem

ainda mais. Assim, passaram a acrescentar bônus aos preços oficias dos carregamentos

que possuíam contratos de longo prazo. E, paralelamente, passaram a invocar a force

majeure e cancelaram vários contratos de longo prazo, para vender petróleo à vista.

No início de março/1979, a produção do Irã começou a se estabilizar e o petróleo

desse país começou a voltar ao mercado. Com isso, os preços à vista recuaram e se

aproximaram dos preços oficiais. Mas como relatou Yergin, (2009, p. 780), “o pânico e a

competição febril do mercado haviam adquirido vida própria”. As dúvidas quanto à

estabilização da produção iraniana começaram a surgir, juntamente com rumores de que

vários países da OPEP diminuiriam suas produções. No final de março, com os preços à

vista 30% mais caros, os países da OPEP se reuniram. Após a reunião, ficou decidido que

cada país poderia acrescentar taxas e bônus nos preços oficiais “a seu bel-prazer” ou, nas

palavras de Yamani, a partir dali era “cada um por si” (YERGIN, 2009, p. 780). O ministro

árabe estava certo: os produtores começaram a disputar os maiores lucros, vendo quem

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conseguia vender petróleo pelo preço mais alto. Aliado a isso, havia a busca frenética dos

compradores por fornecimento. A situação do mercado de petróleo em meados de 1979

pode ser resumida por um relato de um coordenador de suprimentos da Shell:

Ninguém controlava nada. Nós só brigávamos pelo óleo. Em todos os níveis, tínhamos a sensação de que era preciso comprar agora, qualquer que fosse o preço era bom se comparado com o que custaria amanhã. Tínhamos que dizer „sim‟ ou fracassaríamos. Essa era a psicologia do comprador. Por piores que fossem as condições do nosso ponto de vista, amanhã seriam ainda mais terríveis. (YERGIN, 2009, p. 781)

Para piorar a situação do mercado petrolífero mundial, jovens iranianos fanáticos –

partidários de Khomeini – invadiram a embaixada dos EUA em Teerã em 04/11/1979,

fazendo 50 americanos reféns. Esse ato teve como principal motivador o exílio que o

governo dos EUA fornecera, em outubro, para o xá Mohammed Pahlavi. Segundo Yergin

(2009), Khomeini sabia do plano dos “estudantes” (como os jovens iranianos ficaram

conhecidos) e, mais ainda, o encorajou – afinal, seu “ódio ao xá era comparável apenas ao

horror que devotava aos Estados Unidos, que considerava o principal elemento de apoio ao

regime de Pahlavi” (YERGIN, 2009, p. 764). O governo dos EUA reagiu ao ataque à

embaixada embargando as importações de petróleo do Irã, além de congelar todos os bens

iranianos. Em retaliação, o Irã proibiu a exportação de petróleo para os EUA e qualquer

companhia americana. As atitudes dos 2 governos causaram uma redistribuição de petróleo

no mundo, o que serviu para aumentar o pânico e, consequentemente, os preços – em

determinadas situações, o petróleo passou a ser vendido por US$ 50 o barril.

No final de dezembro/1979, houve a 55ª reunião da OPEP. Reunidos em Caracas,

os ministros do petróleo estavam extasiados com os preços do petróleo e objetivavam

aumentá-lo ainda mais. Uma exceção era a Arábia Saudita. Os sauditas estavam temerosos

com o rumo que a situação estava tomando e com as conseqüências que poderiam ocorrer,

como perda de controle sobre o mercado e até uma grave crise econômica mundial. Assim,

defendiam a diminuição e estabilização dos preços – estavam aumentando sua produção

para forçar uma baixa nos preços, o que não estava ocorrendo. Na reunião, Yamani reiterou

aos outros ministros o ponto de vista da Arábia, advertindo que a demanda estava

diminuindo e que uma saturação poderia ocorrer em breve. Porém, não foi levado a sério.

Os exportadores estavam confiantes de que a demanda aumentaria cada vez mais,

possibilitando o aumento dos preços e, consequentemente, dos seus lucros. Nas palavras

de Maugeri (2006, p. 124), “estavam convencidos de que os preços do petróleo poderiam

desafiar a lei da gravidade enquanto não houvesse alternativa econômica para o petróleo”.

Após a reunião, a maioria dos países aumentou novamente os preços do petróleo. Para

Yergin (2009, p. 798), esse “foi o momento que os exportadores perderam contato com a

realidade do mercado”.

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Também no final de 1979, vários acontecimentos ocorreram no Oriente Médio,

motivados pelo ódio aos EUA e ao Ocidente, como a tomada da Grande Mesquita de Meca

por 700 fundamentalistas armados e os protestos xiitas na região petrolífera de Al-Hasa, na

Arábia Saudita. Além disso, houve a invasão do Afeganistão pela União Soviética no final de

dezembro/1979, cujo principal alvo era o Golfo Pérsico e suas gigantescas reservas de

petróleo (MAUGERI, 2006) – “a primeira incursão em larga escala das forças militares

soviéticas fora do bloco comunista desde a 2ª Guerra Mundial” (YERGIN, 2009, p. 795).

Diante de todos esses fatos, em janeiro/1980 o presidente Carter, em seu discurso

anual The State of the Union, “vinculou o petróleo e a segurança do Golfo Pérsico em 2

parágrafos-chave” (FUSER, 2008, p. 139). No 1º parágrafo, o presidente reiterou a

importância daquela região para o mercado petrolífero mundial:

A região que agora é ameaçada pelas tropas soviéticas no Afeganistão é de grande importância estratégica. Ela contém mais de 2/3 do petróleo exportável no mundo. O esforço soviético de dominar o Afeganistão trouxe as forças militares soviéticas a uma distância de 300 milhas do Oceano Índico, perto do Estreito de Hormuz, por onde passa a maior parte do petróleo do mundo. (CARTER, 1980 apud FUSER, 2008, p. 140)

No 2º parágrafo, anunciou a postura dos EUA em relação a situação, o que ficou

conhecido como a Doutrina Carter:

Vamos deixar absolutamente clara a nossa posição: qualquer tentativa de uma força externa de obter o controle da região do Golfo Pérsico será considerada um ataque aos interesses vitais dos Estados Unidos da América, e esse ataque será repelido por todos os meios necessários, inclusive a força militar. (CARTER apud FUSER, 2008, p. 140)

Em abril/1980, diante do impasse da crise dos reféns no Irã, o presidente decidiu que

os EUA interviriam militarmente. Assim, foi planejada uma operação de resgate: 8

helicópteros e 6 aviões de transporte Hercules C-130 seriam utilizados para que as forças

militares americanas retomassem o controle da embaixada e libertassem os reféns.

Entretanto, a missão foi abortada antes mesmo de os militares chegarem na embaixada,

pois vários problemas ocorreram no caminho devido as condições climáticas: 3 helicópteros

tiveram problemas mecânicos e outro se perdeu numa tempestade de areia e colidiu com

um avião C-130, explodindo ambos e matando 8 soldados americanos (MAUGERI, 2006). A

operação (denominada “Garra da Águia”), apesar de ter fracassado, foi a primeira

intervenção militar norte-americana efetiva no Golfo Pérsico e “inaugurou uma nova era: o

emprego direto da força militar norte-americana, exatamente como propõe a Doutrina

Carter” (FUSER, 2008, p. 153).

A tentativa da operação de resgate e seu fracasso, juntamente com a queda da

produção iraniana, agravaram o pânico no mercado petrolífero mundial. Em junho/1980, os

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países da OPEP se reuniram novamente. A Arábia Saudita mais uma vez tentou convencer

os outros países a abaixarem e estabilizarem os preços (desta vez com o apoio do Kuait), e

mais uma vez fracassou. O preço médio do barril estava em US$ 32, quase 3 vezes o preço

de meados de 1978, e o mercado já dava sinais de saturação: os estoques das empresas

estavam cada vez maiores e a demanda estava diminuindo.

Entretanto, o mercado de petróleo estava prestes a sofrer uma crise de proporções

inéditas e históricas.

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CAPÍTULO 4

O PETRÓLEO E OS CONFLITOS NO ORIENTE MÉDIO – PARTE 2

4.1) A Guerra Irã x Iraque

4.1.1) O Pré-guerra

A rivalidade entre Irã e Iraque data da antiguidade. Há 5.000 anos atrás, quando a

civilização do Crescente Fértil ainda estava se iniciando, soldados de Elam (atual Irã) e

soldados da Mesopotâmia (atual Iraque) já guerreavam. Depois de quatro milênios, o

cenário não havia se modificado. Dentre as várias rivalidades entre os 2 países (étnicas,

religiosas, políticas, econômicas, etc.), “a geografia estava, sem dúvida, no coração do

conflito” (YERGIN, 2009, p. 801).

O rio Shatt-al-Arab, que funcionava como fronteira ao longo de 200 km entre os 2

países, era um dos principais motivos da disputa (figura 4.1). Primeiramente, pois o rio era o

único acesso iraquiano ao alto-mar e o principal meio de acesso iraniano ao Golfo Pérsico.

Além disso, grande parte das instalações petrolíferas (refinarias, tanques de estocagem,

estações de bombeamento, etc.), tanto do Irã quanto do Iraque, estavam localizadas nas

proximidades do rio e/ou eram dependentes dele. A maior parte do petróleo produzido no

Iraque era exportada pelo rio, com poucos oleodutos na Síria e na Turquia como

alternativas. Já a indústria iraniana, apesar de também ser dependente do rio, possuía mais

alternativas, como um terminal marítimo acessível a superpetroleiros, localizado na ilha de

Kharg, além de vários oleodutos.

Figura 4.1 – O rio Shatt-al-Arab. Fonte: http://news.bbc.co.uk/2/hi/middle_east/4619604.stm

Em 1975, antes da revolução no Irã, o xá Pahlavi e os militantes Ba‟thistas (regime

que assumiu o poder do Iraque em 1968) fecharam um acordo, no qual foi reconhecido que

o limite entre os dois países era o meio do leito navegável o rio. Entretanto, o controle total

do rio continuava a ser uma ambição das 2 nações.

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Além da disputa pela soberania sobre o Shatt-al-Arab, havia a disputa entre

Khomeini – líder da oposição xiita iraniana e responsável pela Revolução Islâmica no Irã no

final dos anos 70 – e Saddam Hussein – o homem forte do regime Ba‟thista, que assumiu a

presidência do Iraque em 1979. Durante seu exílio no Iraque, na década de 70, Khomeini

desenvolveu um ódio implacável ao regime iraquiano, cuja “ira se concentrava sobre o

presidente Saddam Hussein” (YERGIN, 2009, p. 802). Muito antes de chegar à presidência,

Saddam já era considerado um shaqawah: um homem cruel e frio, que utilizava qualquer

meio (principalmente a força) para alcançar seus objetivos e a quem todos deveriam temer.

Com a Revolução Islâmica no Irã, os xiitas do Iraque – que correspondiam a quase

metade da população – começaram a se agitar, uma vez que o partido Ba‟th era baseado na

minoria sunita. Em abril/1980, o vice-primeiro-ministro iraquiano sofreu uma tentativa de

assassinato. Em represália, o mais importante aiatolá xiita do Iraque foi executado, a mando

de Husseim.

Diante do caos pós-revolução que se instaurou no Irã (anarquia nas ruas e

desorganização das Forças Armadas, devido ao expurgo em massa de oficiais favoráveis ao

xá Pahlavi), o líder iraquiano vislumbrou a oportunidade de destruir um forte inimigo seu –

Khomeini – para assim acabar com a ameaça xiita no Iraque e, acima de tudo, de conquistar

o controle total do Shat-al-Arab. Além de proteger as instalações petrolíferas iraquianas, um

ataque ao Irã traria outro benefício relacionado ao petróleo: a região do Khuzistão,

localizada no sudoeste iraniano, a qual concentrava 90% das reservas petrolíferas do Irã.

Husseim planejou se apresentar como um “libertador” da minoria árabe da região e

incorporar seu território. Se saísse vitorioso do ataque, o Iraque poderia se tornar uma das

principais potências petrolíferas mundiais e o principal líder árabe. Nas palavras de Fuser

(2008, p. 166), “o que estava em jogo aos olhos do líder iraquiano era a hegemonia

regional”. Ainda segundo o autor, os EUA encorajaram, em sigilo, o Iraque, com o objetivo

de “arrancar definitivamente esse país da órbita soviética e usá-lo como um instrumento na

nova frente de combate contra os aiatolás iranianos” (idem, p. 167).

4.1.2) O Conflito

Em 22/09/1980, a força área iraquiana iniciou um ataque-surpresa a vários alvos em

território iraniano, ao mesmo tempo em que o exército iraquiano invadia a fronteira entre os

2 países e atacava várias cidades. Iniciava-se assim a Guerra Irã x Iraque, “colocando mais

uma vez em risco o sistema de fornecimento de petróleo, ameaçando um terceiro choque”

(YERGIN, 2009, p. 800).

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A estratégia militar do Iraque era arrasar o Irã rapidamente, com vários ataques

simultâneos e pesados, no melhor estilo blitzkrieg alemão. Husseim calculara que a vitória

seria alcançada de maneira fácil e rápida. Porém, equivocou-se. O Irã resistiu a blitzkrieg

iraquiana e iniciou um contra-ataque igualmente violento. Khomeini conseguiu unir e

mobilizar a população em prol da República Islâmica: “certos de que „a maior alegria no Islã

é matar e ser morto por Deus‟” (YERGIN, 2009, p. 805), milhares de jovens e crianças se

lançavam aos fronts, a frente do exército iraniano.

Os principais alvos no conflito eram as instalações petrolíferas. O Iraque

bombardeou durante um mês a refinaria de Abadã (a maior do mundo), além de desferir

vários outros ataques a portos e cidades iranianas ligadas ao petróleo, como Ahwaz. O Irã

por sua vez destruiu várias instalações iraquianas na região do golfo, além de ter persuadido

a Síria (que era governada por um partido Ba‟th rival ao de Husseim) a sabotar os oleodutos

iraquianos que atravessam o país, deixando somente um oleoduto na Turquia como meio de

exportação de petróleo iraquiano. Como resultado, as exportações do Irã caíram e as do

Iraque quase cessaram, o que serviu para agitar o mercado mundial.

Inicialmente, a guerra causou uma perda no mercado de 4 milhões bpd (o

equivalente a 8% da demanda mundial), o que causou mais uma alta nos preços à vista – o

petróleo árabe leve atingiu o preço de US$ 42. Apesar de a demanda estar em declínio e as

companhias estarem com excesso de estoque, o medo que havia assolado o mercado

mundial e causado o 2º choque começava a ganhar força novamente. A IEA reiterava às

companhias a não agirem movidas pelo medo: deveriam recorrer aos seus estoques ao

invés de comprarem petróleo desnecessariamente. Entretanto, seus esforços não estavam

surtindo efeito. Em dezembro/1980, a OPEP se reuniu em Bali, e mais um aumento nos

preços fora decidido: o barril de petróleo seria vendido a US$ 36. Entretanto, enquanto a

guerra se desenrolava no Oriente Médio, o mercado petrolífero começou a mudar.

4.1.3) O Contrachoque do Petróleo

No final/1980, os estoques continuavam em excesso, assim como a demanda

continuava a cair. A Arábia Saudita, ainda contra os aumentos irrestritos dos outros países

da OPEP, aumentou sua produção. Além disso, vários países fora da OPEP também

aumentaram sua produção, como México, Inglaterra e Noruega. Diante desse cenário, as

companhias passaram a recorrer aos seus estoques ao invés do mercado à vista.

Consequentemente, os preços começaram a cair. Além disso, os produtores fora da OPEP

passaram a dar descontos em seus preços oficiais para ganhar mais mercado. Em

outubro/1981, os países da OPEP, diante da situação, decidiram baixar o preço para US$

34, enquanto a Arábia subiria o seu de US$ 32 para US$ 34, reunificando os preços. Mas

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essa medida não seria suficiente para enfrentar as transformações pela qual o mercado

mundial estava passando.

A demanda por petróleo continuava em declínio nos primeiros anos da década de

80. Inicialmente, isso se deveu a grande recessão econômica que atingiu os países

industrializados do Ocidente entre 1980 e 1982. Diante dos altos preços decorrentes dos

choques, o petróleo começou a perder espaço no mercado de energia para outras fontes,

como o carvão e a energia nuclear. Além disso, após a recuperação econômica, os países

do Ocidente começaram a dar ênfase ao consumo de energia – como exemplos, em 1985

os EUA se tornaram 32% mais eficientes no consumo de petróleo do que em 1973, e o

Japão 51% no mesmo período. Como conseqüência, o consumo de petróleo dos países

ocidentais passou de 51,6 milhões bpd em 1979 para 45,7 milhões bpd em 1983 (uma

diminuição de quase 6 milhões de bpd). E a participação do petróleo na matriz energética

dos países industrializados caiu de 53% em 1978 para 43% em 1985.

Ao contrário da demanda, a produção de petróleo fora da OPEP só aumentava. Isso

porque os altos preços do petróleo estimularam o desenvolvimento de novas tecnologias e a

exploração em novas áreas. Assim, a produção em regiões como o Alasca e mar do Norte

aumentaram, bem como de vários outros países, como México, Egito, Angola e China.

Assim, entre 1979 e 1983, a produção extra-OPEP aumentou em 4 milhões bpd.

Diante dessas transformações, a OPEP começou a perder mercado. Porém, os

países produtores não aceitavam baixar os preços e então decidiram, em março/1982,

baixar a produção: um limite de 18 milhões bpd foi estabelecido (como comparação, a

organização produzira 31 milhões bpd em 1979), com cotas individuais de produção para

cada país. A única exceção foi a Arábia Saudita, cuja produção funcionaria como um

regulador do sistema. Segundo Maugeri (2006), com esse ato a OPEP se transformou em

um verdadeiro cartel. Mas a demanda mundial continuava a cair, bem como os preços à

vista. E a produção extra-OPEP só aumentava. Em março/1983, os países da OPEP tiveram

que tomar uma atitude histórica: baixaram seus preços de US$ 34 para US$ 29 o barril (um

corte de 15%).

No decorrer da década de 80, o petróleo estava cada vez mais abundante no

mercado e seu preço, consequentemente, estava caindo. Diante desse cenário, os lucros

dos países da OPEP começaram a cair e os mesmos começaram a burlar os sistemas de

cotas. Com as fraudes aumentando cada vez mais, a Arábia Saudita começou a sofrer os

prejuízos de tentar ser o controlador dos preços da OPEP: sua receita, que em 1981 era de

US$ 119 bilhões, caiu para US$ 26 bilhões em 1985. Além disso, o país estava perdendo

cada vez mais mercado. Com a perda de mercado, vinha a perda de influência no Oriente

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Médio. Após advertirem os demais países da OPEP que não aceitariam mais essa situação

e não verem nenhuma mudança ocorrer, os sauditas tomaram uma atitude – não iriam mais

tentar manter os preços da OPEP, mas sim assegurar que sua produção alcançasse um

nível satisfatório. Para isso, passaram a fazer acordos de lucros garantidos: ao invés de

cobrar um preço fixo dos refinadores, cobrariam um preço baseado no que os produtos

refinados rendessem.

Os contratos de lucros garantidos fizeram com que não houvesse mais um preço

oficial do petróleo saudita, mas sim um preço que iria depender do mercado. Para competir

com a Arábia Saudita, os outros exportadores da OPEP passaram também a fazer os

contratos de lucros garantidos. Em novembro/1985, após uma reunião, a OPEP “anunciava

sua intenção de disputar com os países não membros a recuperação dos mercados

perdidos (...) e já não praticava o protecionismo nos preços” (YERGIN, 2009, p. 849). A

partir daí, os preços do petróleo começaram a cair bruscamente – como exemplo, a West

Texas Intermediate reduziu o preço do barril de US$ 31,75 para US$ 10, enquanto no Golfo

Pérsico o barril passou a ser negociado até a US$ 6. Iniciava-se assim o contrachoque do

petróleo.

Segundo Maugeri (2006), o contrachoque choque quebrou todas as regras e

percepções estratégicas que governaram a indústria petrolífera mundial durante todo o

período pós-guerra. Ao contrário dos outros 2 choques, foi a vez dos exportadores serem

tomados pelo pânico, os quais começaram a travar verdadeiras batalhas por mercado. E os

compradores, dessa vez, tiravam proveito da situação e tentavam conseguir petróleo pelo

menor preço possível. A única saída para os exportadores conseguirem mercado era

oferecer cada vez mais descontos e acordos. Pela primeira vez na história da indústria

petrolífera mundial, não havia estrutura de fixação de preços. Yergin (2009, p. 850) defende

2 fatores como as principais causas do contrachoque do petróleo:

Não era um tipo específico de acordo – o de lucros garantidos ou o que fosse – que causava o colapso dos preços, mas sim 2 fatores fundamentais, um deles que havia mais petróleo à procura de mercados do que mercados à procura de petróleo e o outro que a mão de um regulador, no caso a OPEP e em especial a Arábia Saudita, fora eliminada.

O colapso dos preços permaneceu até dezembro/1986, quando a OPEP se reuniu

em Genebra e decidiu que um “preço de referência” de US$ 18 seria adotado, bem como

uma quota individual a todos os países membros (com exceção do Iraque, que estava em

dissidência temporária com a OPEP por causa da guerra ainda em andamento com o Irã). A

medida tomada pela OPEP funcionou, apesar de em determinados momentos dos anos

seguintes uma sombra do colapso dos preços ter se formado no mercado. Enquanto o

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contrachoque do petróleo chegava ao fim, a guerra entre Iraque e Irã chegava ao seu sétimo

ano de duração.

4.1.4) O Fim da Guerra

Em 1987, “a guerra transpôs barreiras que a tinham mantido restrita aos dois países

beligerantes e pela primeira vez internacionalizou-se, atraindo tanto os demais países

árabes do Golfo, quanto as duas superpotências” (YERGIN, 2009, p. 866).

No início de 1987, o Iraque, através de sucessivos ataques aéreos, estava arrasando

as frotas mercantes iranianas do Golfo, na chamada “guerra dos petroleiros”. O Irã – que

após conquistar em 1986 a península de Fao, no extremo sul do Iraque, não conseguia mais

avançar – concentrou seu contra-ataque no Kuait, que estava auxiliando o Iraque. Além do

próprio Kuait, as tropas iranianas tinham como alvo principal os petroleiros kuaitianos.

Diante do sucesso do Irã, o governo do Kuait pediu o auxílio dos EUA para proteger seus

navios: solicitou que 8 de seus petroleiros navegassem com bandeira norte-americana.

Como o mesmo pedido foi feito à União Soviética, o governo norte-americano logo acatou o

pedido. Os navios kuaitianos passaram então a navegar com bandeira norte-americana sob

proteção da Marinha dos EUA. Baseado no discurso do secretário de defesa Harold Brown –

“a proteção do fluxo de petróleo do Oriente Médio é claramente uma parte do nosso

interesse vital” e por isso “nós vamos levar a cabo qualquer ação que for necessária,

inclusive o uso da força militar” (BROWN, 1983 apud FUSER, 2008, p. 154), os EUA

mandaram vários navios de guerra para o Golfo. Para Palmer (1992 apud FUSER, 2008, p.

174), esse foi “um ponto de virada na história do envolvimento norte-americano no Golfo

Pérsico”, a partir do qual os EUA se tornaram os “guardiões do Golfo”. Outros países

também mandaram frotas militares para a região, como Inglaterra, França, Itália, Bélgica e

Países Baixos. O Irã respondeu a presença naval do Ocidente intensificando a utilização de

minas marítimas nas rotas dos petroleiros kuaitianos, além de passar a utilizar suas

plataformas de petróleo como base militar para bombardear os navios. Após uma

embarcação norte-americana ser avariada por uma mina marítima, as Forças Armadas

americanas reagiram “com a mais agressiva das suas ações militares na Guerra Irã-Iraque,

a Operação Louva-Deus” (FUSER, 2008 p. 173): metade da frota naval iraniana no Golfo foi

destruída, além de 2 plataformas de petróleo.

Em meados de 1988, o Iraque estava em vantagem na guerra, principalmente devido

ao intenso uso de armas químicas (como o gás mostarda e o gás dos nervos, em grande

parte fornecidas pelos EUA) e ao auxílio naval dos EUA no Golfo. O Irã, que fora expulso de

todas as posições anteriormente conquistadas, estava sendo cada vez mais devastado pela

guerra (em um só mês, a capital Teerã foi atingida por 140 mísseis iraquianos). Com isso, o

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regime de Khomeini enfraqueceu (assim como o próprio aiatolá, que estava velho e doente).

Coube a Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, o homem forte da República Islâmica após

Khomeini, tomar a liderança e decidir que a guerra tinha que acabar. Para reforçar ainda

mais a posição de Rafsanjani, durante uma batalha naval em julho/1988, um destróirer

norte-americano derrubou um airbus iraniano, que levava 290 passageiros, ao confundi-lo

com uma aeronave de combate. Para alguns líderes iranianos, não se tratou de um engano,

mas sim de um sinal de que se fosse preciso, os EUA interviriam diretamente no conflito.

Após o incidente, o Irã tentou ganhar apoio diplomático na comunidade internacional, mas

fracassou. Como relatou o historiador Charles Tripp (2003, apud FUSER, 2008, p. 174):

Aos olhos de Teerã, o Irã agora estava envolvido numa guerra não simplesmente com o Iraque, mas também com as potências ocidentais com as quais o Iraque vinha desenvolvendo um relacionamento cada vez mais estreito durante a guerra.

O Irã estava arruinado, isolado e sem possibilidade de sair vitorioso. Assim, em

17/07, anunciou sua posição favorável a um cessar-fogo. Após semanas de negociações, o

Iraque aceitou o cessar-fogo em 20/08/1988, colocando fim “a mais longa guerra

convencional do século XX” (FUSER, 2008, p. 165). Para Yergin (2009), não houve vitorioso

no conflito, mas sim um empate com leve inclinação para o Iraque, que saiu da guerra com

a ambição de se tornar o principal poder no Golfo e uma das principais potências

petrolíferas mundiais. Ainda segundo o autor, o fim da guerra teve um significado muito mais

amplo:

Parecia que a ameaça à livre vazão de petróleo do Oriente Médio havia sido afinal removida; e, com o silenciar das armas ao longo da costa do Golfo Pérsico, a era da crise duradoura no mundo petrolífero iniciado com a Guerra de Outubro, 15 anos antes, ao longo das margens de outro canal, o de Suez, finalmente parecia ter chegado ao fim. (idem, p.869)

4.2) A Guerra do Golfo

4.2.1) O Pré-guerra

O início do ano de 1990 foi marcado pelo fim da Guerra Fria e por uma expectativa

de democracia e paz em todo o mundo. Essa calmaria também estava presente no mercado

mundial de petróleo. O preço havia se estabilizado em US$ 18 e as reservas mundiais

comprovadas aumentaram consideravelmente (de 670 bilhões de barris, em 1984, para 1

trilhão de barris em 1990). O petróleo parecia ter se tornado “apenas mais uma mercadoria”,

como a nova sabedoria convencional havia proclamado (MAUGERI, 2006).

Entretanto, o aumento das reservas comprovadas concentrou-se no Golfo Pérsico –

em 1990, 2/3 das reservas mundiais se localizavam nessa região. Assim, apesar de não

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haver nenhuma previsão de crise no fornecimento de petróleo, havia a concepção de que o

mundo estava dependente do extremamente instável Golfo Pérsico. Ao contrário da Europa,

onde o otimismo era total, o Oriente Médio (e mais precisamente o Golfo Pérsico) enfrentava

problemas como rápido crescimento demográfico, estagnação econômica e pobreza da

maioria da população, com exceção das monarquias do petróleo – nas palavras de Fuser

(2008, p. 178), “a região permaneceu à margem da maré democrática que varreu o leste

europeu”. Segundo o então presidente norte-americano George H. W. Bush, “a região era „o

centro nervoso‟ das economias ocidentais desenvolvidas” – e o controle de seus recursos

petrolíferos era uma prioridade estratégica dos EUA (BROWN, 1994 apud FUSER, 2008, p.

176).

Após o contrachoque do petróleo, a maioria dos países exportadores passaram a se

aproximar dos países consumidores, com o objetivo de serem vistos como fontes seguras e

confiáveis de petróleo. Essa era a atitude mais racional, afinal “o petróleo precisava de

mercados e os mercados precisavam de petróleo” (YERGIN, 2009, p. 874). Uma exceção

era o Iraque.

O Iraque não admitia um relacionamento saudável com o mundo industrializado.

Apesar do “empate” na longa e dispendiosa guerra contra o Irã, Saddam Hussein ainda

tinha ambições totalitárias. Objetivava dominar o Golfo Pérsico e todo o mundo árabe, para

emergir como uma potência mundial, tanto petrolífera quanto militar. Desde 1985, o Iraque

havia se tornado o maior comprador de armas do mundo e, no início de 1990, Hussein

continuava sua corrida armamentista, destinando 30% do PIB (Produto Interno Bruto)

iraquiano para fins militares, com ênfase nas armas de destruição em massa (químicas,

biológicas e nucleares).

Entretanto, o país estava falido financeiramente, principalmente devido à guerra

contra o Irã (em 1980, no início do conflito, o Iraque possuía US$ 36 bilhões em reservas; no

final do conflito, possuía uma dívida de US$ 80 bilhões, da qual quase a metade era com

países produtores de petróleo do Oriente Médio, como Kuait e Arábia Saudita). Assim, para

sustentar sua máquina de guerra, Hussein precisava de um aumento no preço do petróleo –

o preço mínimo satisfatório para o Iraque era de US$ 25 o barril, sendo que o preço cotado

estava em torno de US$ 18. O ditador iraquiano afirmava que “cada dólar a menos no preço

do barril de petróleo significava, para seu país, uma perda anual de US$ 1 bilhão por ano”

(HIRO, 2002 apud FUSER, 2008, p. 182). Para que o preço fosse elevado, o Iraque passou

a pressionar os países da OPEP para que a cota de produção fosse respeitada (a cota total

proposta era de 24 milhões bpd, enquanto 26 milhões bpd estavam sendo produzidos).

Kuait e Emirados Árabes eram os principais responsáveis pela produção excedente

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(aproximadamente 80% do excedente vinha desses 2 países), o que levou Saddam a

acusá-los de conjurar com os EUA para manter os baixos preços do petróleo e assim

prejudicar o Iraque (MAUGERI, 2006). Em julho/1990, o ditador iraquiano mandou 100 mil

homens de seu exército para as fronteiras com o Kuait. Diante desse ato, Kuait e Emirados

Árabes passaram a respeitar suas cotas, mas o exército iraquiano continuou em suas

posições.

4.2.2) O Início da Crise – A Invasão do Iraque ao Kuait

Saddam não havia deslocado seu exército só para que o Kuait respeitasse suas

cotas, mas sim para invadir e anexar o país. E assim o fez em 02/08/1990. Não houve muita

resistência (a família real kuaitiana fugiu rapidamente) e o país logo foi invadido pelos

iraquianos.

Hussein utilizou de vários argumentos para justificar sua invasão: além da questão

da dívida iraquiana com o Kuait (segundo o ditador, as mesmas deveriam ser perdoadas,

pois haviam sido feitas para proteger todo o mundo árabe de um inimigo em comum, o Irã) e

das cotas de produção, o Iraque acusava o Kuait de roubar petróleo do vasto campo de

Rumaila – localizado na fronteira dos 2 países, parte do campo se estendia pelo subsolo

kuaitiano (figura 4.2). Segundo Saddam, os kuiatianos estavam explorando o campo para,

além de roubar petróleo, diminuir a pressão do reservatório e, assim, dificultar a exploração

por parte do Iraque (MAUGERI, 2006).

Figura 4.2 – O Campo Petrolífero de Rumaila. Fonte: http://www.voltairenet.org/article162816.html.

Além disso, o Iraque acusava o Kuait de ter roubado 2 ilhas no Golfo (Warba e

Bubiyan), que pertenceriam ao território iraquiano (figura 4.3). A reivindicação sobre a

soberania das 2 ilhas solucionaria um problema histórico da geografia iraquiana: seu

limitado acesso ao mar. Aumentar o acesso do Iraque ao mar era um dos principais

objetivos do ditador iraquiano, uma vez que isso era essencial para suas as exportações de

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petróleo. Grande parte do petróleo iraquiano era exportado através de oleodutos que

cruzavam outros países – além de limitar as exportações, isso forçava Saddam a manter

uma política de “boa vizinhança”, diminuindo sua autonomia política.

Figura 4.3 – As ilhas de Warba e Bubiyan. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Ku-map.gif.

No final das contas, o petróleo foi o principal motivo da invasão. Se o Iraque tomasse

o controle total do Kuait, passaria a deter 20% da produção da OPEP e, mais importante

ainda, 20% das reservas mundiais de petróleo. Com isso, o país dominaria o poder do Golfo

Pérsico e se tornaria uma das principais potências petrolíferas mundiais. Saddam então

influenciaria os preços e as condições de fornecimento do petróleo do Oriente Médio, e “os

países ocidentais teriam que se curvar diante dele” (YERGIN, 2009, p. 876). Além disso, os

vastos campos petrolíferos da Arábia Saudita estavam próximos do Kuait: os principais

poços estavam a apenas 40 km de distância da fronteira kuaitiana. Em caso de ofensiva de

Hussein, o exército saudita, muito menor, seria derrotado facilmente – enquanto 525 mil

soldados iraquianos estavam no Kuait, o exército saudita continha apenas 38 mil soldados.

Muita coisa estava em jogo com a invasão do Kuait, como relatou Michael Klare (2004 apud

FUSER, 2008):

Uma vez que ele (Saddam) adquiriu o Kuait e deslocou para lá um exército tão grande, estará em posição de poder ditar o futuro da política de energia em escala mundial, e isso dará a ele uma posição de controle sobre nossa economia.

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Assim como no início da guerra contra o Irã, o ditador iraquiano presumiu que a

vitória seria alcançada de forma simples e rápida. E mais uma vez, se equivocou. Apesar de

o Kuait não ter oferecido resistência, toda a comunidade internacional se voltou contra o

Iraque, principalmente os EUA. Como represália à invasão, a ONU impôs um embargo às

exportações de petróleo iraquiano e kuaitiano em 06/08, além de sanções econômicas.

Com o embargo imposto pela ONU, o mercado sofreu uma perda de 4 milhões bpd

(7% da demanda mundial, que girava em torno de 65 milhões bpd). Essa perda, assim como

nos outros choques, causou pânico, que foi seguido de um aumento significativo do preço

do petróleo – aumentou de US$ 20 o barril em julho/1990 para US$ 30 em agosto,

alcançando a marca de US$ 40 o barril em setembro, devido à ameaça de Hussein em

destruir o sistema de fornecimento de petróleo da Arábia Saudita. Diante dessa situação,

vários países exportadores aumentaram suas produções, principalmente os países da

OPEP – somente a Arábia Saudita aumentou em 3 milhões bpd sua produção (o equivalente

a ¾ da perda). Assim, em dezembro/1990, a produção perdida foi completamente

compensada. Simultaneamente, a demanda começou a baixar, devido à recessão

econômica que atingia os principais países consumidores. Além disso, o governo dos EUA

anunciou que se fosse preciso, usaria sua REP (Reserva Estratégica de Petróleo) –

constituída por 600 milhões de barris – para evitar mais um choque. Como resultado, o

mercado acalmou e os preços começaram a cair – nas primeiras semanas de janeiro/1991,

o preço era de US$ 30 o barril.

O foco das preocupações da comunidade internacional não era o Kuait, mas sim o

petróleo. Uma coligação contra o Iraque, composta por 33 países e liderada pelos EUA, foi

formada com o aval da ONU. Segundo Fuser (2008), os EUA entraram na guerra contra o

Iraque por 2 motivos: primeiramente, para manter a hegemonia norte-americana no mundo

pós-Guerra Fria; e mais importante, para garantir o acesso ao petróleo do Golfo Pérsico.

Inicialmente, a preocupação da coligação era defender os campos petrolíferos sauditas.

Para isso, o governo norte-americano enviou 200 mil soldados à Arábia Saudita (na

chamada Operação Escudo no Deserto). O presidente norte-americano George H. W. Bush

justificou a mobilização militar norte-americana no Golfo: “Nossos empregos, nosso modo de

vida, nossa própria liberdade e a liberdade dos países amigos ao redor o mundo, todos

sofreriam se o controle das grandes reservas de petróleo do mundo caíssem nas mãos de

Saddam Hussein” (MAUGERI, 2006, p. 148). Posteriormente, outros países, como Grã-

Bretanha, França, Itália, Arábia Saudita, Síria e Egito enviaram tropas para o Golfo Pérsico

para se juntarem as forças americanas. Yergin (2009, p. 877) reitera sobre a importância do

petróleo naquele momento:

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Este foi o real significado do “fator petróleo”, a forma pela qual o petróleo seria traduzido em dinheiro e poder: político, econômico e militar. Se ele (Saddam Hussein) mantivesse o controle sobre o Kuait, o Iraque seria a potência dominante do petróleo no planeta (...) e ele poderia dar a palavra final sobre a economia mundial. (...) Em suma, o petróleo era fundamental para a crise, não o “petróleo barato”, mas sim o petróleo como um elemento fundamental no equilíbrio global de poder, como tinha sido desde a 1ª Guerra Mundial.

Enquanto isso, o exército iraquiano continuava em ação no Kuait. Saddam estava

convencido de que o tempo era um aliado seu: quanto mais tempo persistisse, mais fraca

ficaria a pressão internacional. O governo norte-americano, com o desenrolar da situação,

também chegou à conclusão de que o tempo era um aliado do Iraque. Assim, em 08/11,

Bush decidiu dobrar o contingente militar americano no Golfo, enviando mais 200 mil

soldados para o Golfo, com o objetivo de dar aos EUA e a coligação “uma opção militar

ofensiva” (EVEREST, 2004 apud FUSER, 2008, p. 186). Mesmo diante desse ato, Saddam

não se intimidou: não acreditava que os EUA entrariam num conflito direto, pois isso

acarretaria em muitas baixas. Segundo o ditador, ao contrário dele, os EUA eram um país

que não aceitavam muitas baixas em uma guerra (YERGIN, 2009).

Em 29/11/1990, o Iraque recebeu um ultimato do Conselho de Segurança das

Nações Unidas: baseado na Resolução 678, o país tinha até 15/01/1991 para se retirar do

Kuait, caso contrário “todos os meios necessários” seriam utilizados para que isso

ocorresse. Em dezembro, vários reféns foram libertados por Saddam, que acreditava que

isso seria suficiente para atenuar a situação. Porém, a ONU manteve sua posição.

Em 09/01/1991, o secretário de Estado norte-americano, James Baker, se reuniu

com o Ministro das Relações Exteriores do Iraque, Tariq Aziz, para tentar persuadir o Iraque

a acatar a resolução da ONU, mas as negociações fracassaram. Em 12/01, o Congresso

americano votou a favor da guerra, o que foi seguido de vários protestos no país e também

na Europa. Em 15/01, data limite, a situação não havia se alterado. Não havia mais saída,

senão a guerra.

4.2.3) Operação Tempestade no Deserto

Em 17/01, “os EUA transformaram a Operação Escudo no Deserto em Operação

Tempestade no Deserto” (FUSER, 2008, p. 186). A coligação desferiu um ataque aéreo

destruidor – 700 aeronaves, de diversos países da coalizão, atacaram simultaneamente

vários alvos iraquianos. Iniciava-se assim a Guerra do Golfo (apesar de alguns historiadores

considerarem que a guerra se iniciou com a invasão iraquiana ao Kuait, em 02/08/1990).

Em represália à ofensiva aérea da coalizão, o Iraque atacou Israel e Arábia Saudita

com mísseis soviéticos Scud modificados (num primeiro momento, houve grande apreensão

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em todo o mundo, pois suspeitava-se que os mísseis Scud estavam transportando armas

químicas, o que não ocorreu) . A intenção de Saddam era trazer Israel para o conflito e

dividir os países árabes integrantes da coalizão. Porém, Israel foi persuadido a não contra-

atacar.

Nas primeiras horas do ataque ao Iraque, o preço do petróleo aumentou de US$ 30

para US$ 40. Entretanto, caiu para US$ 20 no mesmo dia, diante da atuação esmagadora

da coalizão. Além disso, a REP norte-americana estava à disposição. Com isso, “o preço do

petróleo foi simplesmente retirado da mesa no início da guerra” (YERGIN, 2009, p. 882).

Os ataques aéreos continuaram maciçamente por 1 mês – segundo Hiro (2003 apud

FUSER, 2008, p. 187), “141.000 t de explosivos foram despejadas no Iraque, o equivalente

a 7 vezes a bomba atômica lançada em Hiroshima em 1945”. Ao final, toda a capacidade de

defesa aérea iraquiana fora destruída, de forma fácil e rápida.

Após 5 semanas de guerra aérea, iniciaram-se os confrontos em terra. Segundo

Fuser (2008, p. 184), “o objetivo da Casa Branca já não era conter Saddam (...) mas sim

impor uma derrota inequívoca ao Iraque e remover Saddam Husseim do poder”. Bush

relatou isso posteriormente em seu livro:

Acreditávamos que uma campanha terrestre seria necessária não importa o quanto o poder aéreo tenha alcançado, pois para nós era essencial destruir a capacidade ofensiva do Iraque. Esse também era um objetivo importante, embora não tenha sido viável dizer isso abertamente enquanto uma solução pacífica para a crise ainda fosse possível. (BUSH & SCOWCROFT, 1998 apud FUSER, 2008, p. 187)

Segundo Saddam, essa seria “a mãe de todas as batalhas” (YERGIN, 2009, p. 882).

Entretanto, a batalha no solo durou aproximadamente 100 horas, com vitória esmagadora

da coalizão. Com isso, as forças iraquianas começaram a bater em retirada. Mas antes de

saírem completamente do país, Saddam ordenou, em 22/02, que a indústria petrolífera

kuaitiana fosse destruída. Em menos de uma semana, mais de 800 poços foram

incendiados, além de refinarias e tanques de estocagem (MAUGERI, 2006). Segundo Yergin

(2009), nesse período de destruição, mais de 6 milhões de barris de petróleo foram

incendiados por dia.

Em 28/02/1991, um cessar-fogo entrou em vigor, colocando fim a Guerra do Golfo.

4.2.4) As Conseqüências da Guerra do Golfo

O Iraque sofreu punições severas após a guerra. O país teve que pagar a

reconstrução do Kuait, além de ser investigado pela ONU quanto ao desenvolvimento de

armas de destruição em massa (químicas, biológicas e nucleares). Mas as sanções

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econômicas impostas após o conflito foram as piores conseqüências. O país ficou proibido

de importar qualquer material que pudesse ser utilizado para a fabricação de armas

biológicas, como fertilizantes, máquinas agrícolas, pesticidas e até remédios essenciais para

a população. A importação de livros técnicos e científicos também foi proibida, bem como a

instalação de internet. E, mais importante, suas exportações de petróleo foram

completamente suspensas – a produção iraquiana ficou em torno de apenas 600 mil bpd,

cuja uma pequena parte era exportada, sob a forma de contrabando, para países vizinhos

como Jordânia e Turquia (MAUGERI, 2006). O Conselho de Segurança da ONU autorizou a

retomada das exportações iraquianas somente em 1996. Ainda assim, o país só podia

vender US$ 2 bilhões em petróleo, a cada 6 meses, para assim importar suprimentos (sendo

que 30% da receita das exportações eram destinadas ao Kuait, como reparação de guerra).

Esse esquema ficou conhecido como “petróleo em troca de comida” (FUSER, 2008, p. 194).

Logo após o fim da Guerra do Golfo, eclodiu a Guerra Civil no Iraque, em

março/1991: o norte do país foi tomado por um levante dos curdos, enquanto o sul foi

tomado por insurreições xiitas. Bush e Scowcroft (1998 apud FUSER, 2008, p. 190)

relataram a posição dos EUA diante dessa situação:

Ao mesmo tempo que tínhamos a esperança de que uma revolta popular ou um golpe viesse a depor Saddam, nem os EUA nem os países da região gostariam de ver a ruptura do Estado iraquiano. Estávamos preocupados com o equilíbrio de poder no Golfo. A quebra do Estado iraquiano causaria um sério problema de desestabilização.

Após dominarem cidades importantes como Karbala e Najaf, os xiitas foram

dizimados pelas tropas de Saddam. A mesma brutalidade foi usada contra os curdos, o que

causou um êxodo de 1,5 milhão de pessoas em direção à Turquia, a qual negou autorização

para o ingresso dos refugiados. Diante dessa situação, o Conselho de Segurança da ONU

aprovou, em 05/04, a Resolução nº 688, ordenando o fim das repressões no Iraque e a

entrada no país de forças de paz. Os EUA mandaram 5 mil soldados para a região, os quais

estabeleceram (junto com tropas de outros países) “abrigos seguros” para a população que

estava sendo perseguida por Saddam. Além disso, foram criadas as “zonas de vôo proibido”

em aproximadamente 2/3 do território iraquiano, para impedir que a força aérea dizimasse a

população.

Segundo Fuser (2008, p. 191), “essas medidas representaram um passo em direção

a um envolvimento militar dos EUA com o Iraque muito mais intenso e prolongado do que o

governo norte-americano imaginara inicialmente”. Ainda segundo o autor, uma das

conseqüências da presença militar norte-americana na região foi o surgimento da Al Qaeda

– “uma organização terrorista islâmica ousada e agressiva, que opera em escala

internacional e tem como alvo prioritário os EUA e seus aliados” (idem, p. 175).

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4.3) A Guerra do Iraque

4.3.1) O Pré-guerra

Quando os EUA colocaram em ação a Operação Tempestade do Deserto, em 1991

no Iraque, o objetivo era depor Saddam Hussein do poder. Porém não o fizeram. Para Fuser

(2008), dois motivos impediram os EUA de acabarem com o regime do ditador iraquiano

ainda na Guerra do Golfo. Em primeiro lugar, pois o mandato concedido pela ONU para a

operação militar tinha por fim a libertação no Kuait – se os EUA invadissem e ocupassem o

Iraque, perderiam o apoio da comunidade internacional. Em segundo lugar, a Casa Branca

estava temerosa com um possível “2º Vietnã”: uma ocupação do Iraque gerava muitas

incertezas e medos, principalmente em relação às baixas militares e aos custos. “A aposta

de Washington se concentrava na expectativa da deposição de Saddam por seus próprios

generais” (FUSER, 2008, p. 190). Porém, Saddam continuou no poder. A partir daí, os EUA

passaram a utilizar 3 métodos para tirá-lo do poder de maneira “indireta”: sanções

econômicas, para gerar descontentamento popular; desarmamento do país, através de

inspeções da ONU; e apoio a conspirações contra o ditador (EVEREST, 2004 apud FUSER,

2008, p. 192).

Em 1997, foi formado nos EUA o Projeto por um Novo Século Americano (PNAC),

cuja uma das principais metas era uma ação militar contra o Iraque. Em 1998, em carta

enviada ao então presidente norte-americano Bill Clinton, os membros do PNAC alertavam

que as sanções econômicas não estavam funcionando, que o Iraque continuava a

desenvolver armas de destruição em massa e que, se nenhuma medida mais enérgica fosse

tomada, “a segurança das tropas norte-americanas na região, de nossos amigos e aliados...

e uma porção significativa dos suprimentos mundiais de petróleo correrão perigo” (PNAC,

1998 apud FUSER, 2008, p. 220).

Em setembro/2000, no manifesto “Reconstruindo as Defesas da América”, o PNAC

mais uma vez reiterou a questão do Iraque:

Os EUA têm procurado há décadas desempenhar um papel mais permanente na segurança regional do Golfo. Embora o conflito não resolvido com o Iraque proporcione a justificativa imediata, a necessidade da presença de uma força norte-americana no Golfo transcende a questão do regime de Saddam Hussein. (apud FUSER, 2008, p. 220)

No início de 2001, George W. Bush foi eleito presidente dos EUA e, segundo relatos

de Paul O‟Neil (secretário do Tesouro nos primeiros anos do governo) em sua biografia,

assim que tomou posse, o presidente passou a estudar meios de depor Saddam através da

força militar. Ainda segundo O´Neil, o secretario de Defesa Donald Rumsfeld ordenou a

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elaboração de um mapa com os principais campos petrolíferos iraquianos e de uma lista de

empresas que poderiam explorá-los (FUSER, 2008).

Em 11/09/2001, “pela primeira vez desde a invasão de Pearl Harbor, em 07/12/1941

(...) os EUA foram atacados, e com perdas de vidas em quantidades enormes” (YERGIN,

2009, p. 890). Dois aviões comerciais foram seqüestrados por terroristas do movimento Al-

Qaeda e colidiram propositalmente contra as torres do centro comercial World Trade Center,

em Nova York (um outro avião também foi seqüestrado e atingiu o Pentágono). Era o início

da “Guerra Santa”, inspirada por Osama Bin Laden – fundador do Al-Qaeda. Para Maugeri

(2006), um dos principais motivadores da “Guerra Santa” era a presença militar norte-

americana na terra sagrada da Arábia Saudita durante e após a Guerra do Golfo que, para

Bin Laden, era um símbolo tanto de impiedade quanto da subjugação muçulmana aos

interesses americanos e ocidentais. Osama demonstrou seu sentimento de ódio aos EUA

em uma carta aberta à civilização norte-americana:

Vocês (americanos) roubam nossa riqueza e nosso petróleo a preços insignificantes devido às suas influências internacionais e ameaças militares. Esse roubo é de fato o maior roubo jamais testemunhado pela humanidade em toda a história do mundo. (apud MAUGERI, 2006, p. 185)

Em represália aos ataques de 11/09, os EUA iniciaram a “guerra contra o terror”.

Tropas militares (dos EUA e de aliados) foram enviadas ao Afeganistão (país onde a base

da Al-Qaeda operava) e, de forma rápida, depuseram os Talibãs, aliados do movimento

terrorista. Após a rápida vitória no Afeganistão, o Iraque voltou a ser o centro das atenções.

Richard Clarke (assessor da Casa Branca para o combate ao terrorismo no governo de

Bush) conta em seu livro que somente horas após os ataques de 11/09, um ataque ao

Iraque foi colocado em pauta:

O secretário Rumsfeld reclamou que o Afeganistão não tinha alvos decentes para serem bombardeados e que deveríamos pensar no Iraque que, disse ele, tinha alvos melhores. A princípio, achei que Rumsfeld estava brincando. Mas ele estava sério e o presidente não rejeitou de imediato a idéia de atacar o Iraque. Ao contrário, ele observou que o que precisávamos fazer com o Iraque era mudar o governo, não só atingi-lo com mais mísseis de cruzeiro, como Rumsfeld havia sugerido. (2004 apud FUSER, 2008, p. 221)

Defensores de uma ação militar no Iraque passaram a argumentar que Saddam

Hussein possuía ligações com a Al-Qaeda e outros movimentos terroristas, além de estar

desenvolvendo armas de destruição em massa secretamente. Apesar de nenhuma

evidência de que as acusações tinham fundamento ter sido descoberta, “o ímpeto em

direção à guerra era muito forte” (YERGIN, 2009, p. 891).

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4.3.2) A Relação do Petróleo com a Guerra do Iraque

Em abril/2001, um relatório intitulado Strategic Energy Policy – Challenges for the

21st Century (Política Estratégica de Energia – Desafios para o Século XXI) foi feito por dois

importantes institutos norte-americanos. Esse relatório, que “serviu de base para a

elaboração da política do governo Bush para o setor” (FUSER, 2008, p. 205), apontava o

problema que o Iraque representava para a segurança estratégica dos EUA:

O Iraque permanece uma influência desestabilizadora para os aliados dos EUA no Oriente Médio, assim como para a ordem regional e global e para o fluxo do petróleo para os mercados internacionais. Saddam Hussein também demonstrou uma disposição de ameaçar usar a arma do petróleo e de usar seu próprio programa de exportações para manipular os mercados de petróleo. (RELATÒRIO BAKER/CFR apud FUSER, 2008, p. 226)

Não há dúvidas de que o petróleo foi um dos principais motivadores da Guerra do

Iraque. John Duffield (2005 apud FUSER, 2008, p. 227) relatou os benefícios relacionados

ao petróleo que a guerra traria para os EUA e que, consequentemente, motivaram a

operação militar:

Primeiro, eles (os norte-americanos) poderiam esperar que a eliminação do regime de Saddam Hussein viesse acabar, de uma vez por todas, com a persistente ameaça do Iraque de dominar diretamente ou por meio da coerção os vastos recursos petrolíferos do Golfo. Em segundo lugar, era possível esperar que a mudança de regime viesse a liberar um potencial significativo da produção petrolífera do Iraque, que tinha sido artificialmente limitada pelos danos de guerra, pelas sanções e pela falta de investimento. Ambas as mudanças poderiam, por sua vez, trazer a expectativa de uma maior estabilidade nos mercados mundiais de petróleo do médio para o longo prazo.

Além disso, havia o interesse dos EUA de “fortalecer (sua) posição no mercado

petroleiro em relação à Arábia Saudita, dona de 27% das reservas mundiais” (FUSER, 2008,

p. 227). Os EUA estavam receosos de que os sauditas usassem sua soberania no mercado

de petróleo para pressioná-los em relação à política com Israel.

4.3.3) A Guerra

Em 20/03/2003, iniciou-se a Guerra do Iraque (também chamada de 2ª Guerra do

Golfo). Assim como 12 anos antes, uma coalizão, liderada pelos EUA, foi feita contra o

Iraque. Entretanto, dessa vez o número de países participantes era menor. França e

Alemanha, por exemplo, considerados aliados-chave dos americanos, ficaram de fora –

segundo Yergin (2009), a justificativa desses países para a não participação foi o excesso

de otimismo dos americanos, que estavam subestimando as conseqüências do pós-guerra.

Para EUA e Inglaterra (principal aliado), a vitória na “Liberdade Iraquiana” (codinome

da operação militar) seria rápida. O conflito entre as tropas da coalizão e as de Saddam

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realmente não se prolongou – em 09/04, a estátua do ditador iraquiano no centro de Bagdá

foi derrubada, colocando fim ao seu regime. Saddam conseguiu escapar – foi capturado

somente em 13/12/2003 e executado em 30/12/2006, após ser considerado culpado por

crimes contra a humanidade. Mas, ao invés de anunciar o início de uma nova era de paz e

estabilidade, a conclusão da guerra foi o início de um novo pesadelo para o Iraque e sua

indústria petrolífera (MAUGERI, 2006).

Uma violenta guerra civil eclodiu no país, entre os sunitas e os xiitas. Ataques

terroristas em todo o território iraquiano viraram rotina, sendo as instalações petrolíferas o

principal alvo. A indústria petrolífera iraquiana sofreu com escassez de tecnologia,

qualificação e segurança (o que acarretou em níveis de produção inferiores aos dos anos

antes da guerra), privando o mercado de uma importante parcela de petróleo. Como relatou

J. Robinson West (2003 apud MAUGERI, 2006, p. 186):

Mesmo com Saddam deposto, pessoas como o CEO da ExxonMobil, Lee Raymond, alertaram de que levariam alguns anos para que as empresas confiassem na estabilidade política e comercial do Iraque antes de quaisquer novos grandes investimentos serem feitos.

A indústria petrolífera iraquiana iniciou sua recuperação somente em 2007, quando

conseguiu superar os níveis de antes da invasão – atualmente a indústria já está

completamente recuperada, com o Iraque sendo o 2º maior produtor de petróleo da OPEP.

Após mais de 8 anos de ocupação do Iraque, nenhuma arma de destruição em

massa foi encontrada – segundo Fuser (2008, p. 222), os governos de EUA e Inglaterra

manipularam “informações, ocultando dados relevantes ou veiculando informações falsas, a

fim de obter apoio político e diplomático à guerra e de influenciar a opinião pública”. A

intenção dos EUA de estabilizar o Iraque e implantar um regime sob sua influência, para

assim fortalecer sua posição energética global, falhou. As tropas americanas, após

permaneceram no país por um longo período (sujeitas a ataques terroristas e rebeliões, que

causaram milhares de baixas), se retiraram do país em 15/12/2011, colocando fim a Guerra

do Iraque.

Para Maugeri (2006), a Guerra do Iraque foi o prelúdio do 1º choque do petróleo do

século 21 – o aumento exponencial do preço do petróleo, que passou de US$ 30 o barril em

2003 para US$ 145 em 2008. Essa crise do petróleo, somada a crise de crédito nos setores

bancários e hipotecários dos EUA, causou “uma crise financeira pior do que a Grande

Depressão, uma retração econômica mundial” (YERGIN, 2009, p. 894).

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CAPÍTULO 5

CONCLUSÃO

“Uma gota de petróleo vale uma gota de sangue” (PÉAN, 1975). Essa afirmação –

feita por Georges Clemenceau, então primeiro-ministro francês, durante a 1ª Guerra Mundial

– mostra a relação do petróleo com a guerra. Isso se deve ao fato de o petróleo ser, além de

principal fonte de energia, o principal símbolo de poder e hegemonia do mundo, como

descreve Fuser (2008, p. 228):

A questão do acesso e controle das principais reservas de petróleo do mundo envolve uma questão que transcende a importância puramente econômica do petróleo como commodity e fonte de energia – envolve a

disputa pelo poder em escala internacional.

Essa relação iniciou-se na 1ª Guerra Mundial, quando o petróleo causou uma

revolução nos campos de batalha – substituiu o carvão como combustível nos navios de

guerra e foi o combustível para o recém-inventado motor de combustão interna, utilizado nos

tanques, aviões e veículos de combate – e foi peça-chave para o desfecho do conflito. Na 2ª

Guerra Mundial, o petróleo foi ainda mais imprescindível, devido à sua utilização como

matéria-prima para os mais variados materiais bélicos, além de combustível para a máquina

de guerra. A partir daí, o petróleo se tornou a fonte de soberania para as nações, que então

passaram a buscar e disputar reservas dessa matéria-prima.

Após a 2ª Guerra Mundial, a maior parte das reservas de petróleo do mundo

passaram a se localizar no Oriente Médio, que se transformou no centro petrolífero mundial.

Essa região, que desde a Antiguidade era palco de guerras motivadas por religião e

disputas territoriais, passou a ser a principal detentora da maior fonte de poder existente.

Como consequência, o Oriente Médio se tranformou no palco dos principais conflitos da

humanidade. Desde a Crise de Suez, em 1956, até a Guerra do Iraque, que só terminou no

final de 2011, o petróleo esteve diretamente relacionado com os diversos conflitos que

ocorreram na região. E esse cenário não tem previsão para se alterar.

De acordo com dados da BP do final de 2011, quase metade das reservas mundias

provadas de petróleo (48,1%) estão localizadas no Oriente Médio. E a região continua a

sediar crises e conflitos. No final de dezembro/2010, iniciou-se a “Primavera Árabe”: onda de

protestos populares contra os governos ditatoriais em todo o Oriente Médio (e também no

Norte da África). Apesar de diversos ditadores terem sido depostos até o final de 2012

(como Zine el-Abdine Ben Ali, da Tunísia; Hosni Mubarak, do Egito; Muamar Kadafi, da

Líbia; e Ali Abdullah Saleh, do Iêmen), diversas revoltas e conflitos eclodiram no início de

2013 (com maior intensidade na Síria, Egito e Tunísia), deixando a região a beira do caos

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total e sem previsão de calmaria. Além disso, há uma enorme tensão devido às alegadas

ambições nucleares do Irã. O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Danny

Ayalon, resumiu a situação no Oriente Médio no início de 2013: “A Primavera Árabe está se

tornando o Inverno Islâmico” (EURONEWS, 2013).

Além da instabilidade do Oriente Médio, há a crescente tensão entre EUA e China:

enquanto os EUA querem se manter como a única superpotência mundial, a China, que vem

crescendo espantosamente nos últimos anos, aspira chegar ao patamar de superpotência.

Em novembro/2011, o presidente norte-americano Barack Obama declarou que o foco dos

EUA passaria a ser a manutenção do poderio militar e da consequente hegemonia na Ásia e

no Pacífico. No final de 2011, Michael Klare relatou no artigo Playing With Fire – Obama`s

Risky Oil Threat to China as consequências que a nova política norte-americana poderia

desencadear:

Em uma tentativa de virar a página em duas guerras desastrosas no Grande Oriente Médio, ele (Barack Obama) pode ter acabado de lançar uma nova guerra fria na Ásia, mais uma vez, vendo o petróleo como a chave para a supremacia global.

No início de 2013, Klare novamente alertou para a situação entre EUA e China no

artigo The Military Powder Keg in the Pacific:

As condições estão se deteriorando no Pacífico. As coisas estão ficando feias, com consequências que podem ser fatais e catastróficas para a economia global. (...) A possibilidade de uma crise iraniana continua em destaque por causa do risco óbvio de desordem no Oriente Médio e da ameaça à produção e ao transporte de petróleo mundial. Uma crise nos mares do leste ou do sul da China (essencialmente, extensões ocidentais do oceano pacífico) poderia, no entanto, representar um maior risco devido à possibilidade de um confronto militar entre EUA e China e à ameaça a estabilidade econômica da Ásia.

Assim, podemos concluir que a relação entre petróleo e guerra está longe de chegar

ao fim. Enquanto o petróleo continuar desempenhando seu papel de principal matéria-prima

e principal fonte de poder do mundo moderno, manterá uma profunda relação com a guerra.

Como relatou Monteiro Lobato (1948 apud FUSER, 2008):

Esse produto é o sangue da terra; é a alma da indústria moderna; é a eficiência do poderio militar; é a soberania; é a dominação. Tê-lo é ter o Sésamo abridor de todas as portas. Não tê-lo é ser escravo. Daí a fúria moderna na luta pelo petróleo.

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