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DIVINO CLAUDIO DOS SANTOS O PROCESSO DE CRIAÇÃO EM ARTES VISUAIS MOTIVADO PELO ESPAÇO URBANO BRASÍLIA – 2011

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Autor: Divino Claudio dos SantosTítulo: O processo de criação em artes motivado pelo espaço Urbano [monografia].Ano: 2011Orientação: Carlos SilvaInstituição: Faculdade de Artes Dulcina de Moraes.

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DIVINO CLAUDIO DOS SANTOS

O PROCESSO DE CRIAÇÃO EM ARTES VISUAIS MOTIVADO PELO ESPAÇO URBANO

BRASÍLIA – 2011

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I

DIVINO CLAUDIO DOS SANTOS

O PROCESSO DE CRIAÇÃO EM ARTES VISUAIS MOTIVADO PELO ESPAÇO

URBANO

Trabalho apresentado à Faculdade

Dulcina de Moraes, como requisito

parcial à obtenção do título de

Licenciado em Artes Plásticas, sob a

orientação do professor Carlos Ferreira

da Silva

BRASÍLIA, 14 DE JUNHO DE 2011

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II

DIVINO CLAUDIO DOS SANTOS

A CONSTRUÇÃO DE POÉTICAS EM ARTES VISUAIS A PARTIR DO ESPAÇO

URBANO

Trabalho apresentado à Faculdade

Dulcina de Moraes, como requisito

parcial à obtenção do título de

Licenciado em Artes Plásticas, sob a

orientação do professor Carlos Ferreira

da Silva.

Aprovado em_______________

Conceito___________________

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________

Professor Carlos Ferreira da Silva

(Faculdade Dulcina de Moraes)

ORIENTADOR

___________________________________________________________________

EXAMINADOR

___________________________________________________________________

EXAMINADOR

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III

Dedicado a todos que caminham comigo e em especial ao meu Pai, sempre a me

guiar.

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IV

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus familiares, ao professor Carlos Silva, a professora Luciana

Paiva e demais professores da Faculdade Dulcina de Moraes que com suas aulas me

ajudaram a encontrar os caminhos para as questões que motivam este trabalho.

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V

“Os processos são os devires, e

esses não se julgam pelo

resultado que os findaria, mas

pela quantidade de seus cursos

e pela potencia de sua

continuação (...)”

Gilles Deleuze

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VI

RESUMO

Este texto apresenta o resultado de pesquisa sobre o processo de criação em artes

visuais motivado pelo espaço urbano. Nos primeiros capítulos é feita uma reflexão

sobre a minha produção em artes visuais principalmente a realizada durante a formação

nesta Faculdade em que aparece a construção de um modo de produção dependente do

espaço onde me situo. Nos capítulos seguintes buscou se traçar um paralelo entre a

produção de variados artistas comparando diferentes estratégias tendo em comum a

relação com o espaço urbano e em especial alguns que habitam as cidades do Distrito

Federal.

Palavra Chave: Poética, Processo criativo, lugar, espaço urbano.

ABSTACT

This text presents the research result on the process of creation in visual arts

motivated by the urban space. In the first chapters the carried through one during the

formation in this College is made a reflection on my production in visual arts mainly

where it appears the construction in a way of dependent production of the space

where I place myself. In the following chapters it searched if to trace a parallel enters

the production of varied artists comparing different strategies having in common the

relation with special the urban space and in some that inhabit the cities of the Federal

District.

Word key: Poetical, creative process, place, urban space.

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VII

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fig. 1 Coreografia Urbana, pintura - acrílica s/ tela 30x50 .................................................... 16

Fig. 2 Pintura s/ título acrílica s/ tela 2003 .......................................................................... 17

Fig. 3 Pintura s/ título acrílica s/ tela 2003 .......................................................................... 17

Fig. 4 Série Árvores do Parque - fotografias, 2006 ............................................................... 18

Fig. 5 Série de sombras – fotografias projeto desde 2000 ..................................................... 18

Fig. 6 Registro de sinais de direção pela cidade (projeto desde 2010) – fotografia ............... 19

Fig. 7 Flanagens – vídeo (detalhes) ........................................................................................ 20

Fig. 8 Fora do Plano - detalhe de RFII, 2010 ........................................................................ 21

Fig. 9 Paisagem I, fotografia digital ...................................................................................... 22

Fig. 10 Hotel, instalação com lâmpadas – Carmela Gross ...................................................... 26

Fig. 11 Publicidad, instalação de 2000 – Jorge Macchi .......................................................... 26

Fig. 12 Composição “Passagens” – Anna Bella Geiger ......................................................... 27

Fig. 13 Auto-retrato – pintura , 1989 – José Dalmácio Longuinho .......................................... 28

Fig. 14 Brasília Congestionada – colagem, 2010. – José Dalmácio Longuinho ...................... 28

Fig. 15 Serie heliografias . –León Ferrari ................................................................................ 28

Fig. 16 Vídeo Plano piloto - Eliezer Sturm ............................................................................ 30

Fig. 17 Ba(m)bar - performance - Polyanna Morgana .......................................................... 31

Fig. 18 Sapatos magnéticos – Francis Alÿs ............................................................................ 32

Fig. 19 Arco Toldado – Praça em Manhattan - escultura, 1981.- R. Serra ............................. 33

Fig. 20 Instalação Cidade dormitório de 2007 – Guga Ferraz ................................................ 33

Fig. 21 Ninhos - Instalação na 29ª Bienal de São Paulo – 2010 –H. Oiticica ........................ 34

Fig. 22 A Porta da Rua é a Serventia da Casa - adesivo em vinil 109/110 Asa Sul ................. 34

Fig. 23 Catedral Rosa – vídeo de ação na catedral de Brasília ............................................... 36

Fig. 24 Pichação na ponte entre zoológico – Saída Sul ........................................................... 36

Fig. 25 Detalhe de pichação na ponte entre zoológico – Saída Sul ......................................... 37

Fig. 26 Muro em casa no Setor Oeste da cidade do Gama ...................................................... 38

Fig. 27 Porta de loja na w3 sul, Quadra 507............................................................................. 38

Fig. 28 Contra Poluo de 2010 - cidade da Ceilândia – Pedro H. Pereira ................................. 38

Fig. 29 Grafites em casas da cidade de Lençóis, BA – Calma ................................................ 39

Fig. 30 Fotografias na Plataforma da Rodoviária ................................................................... 40

Fig. 31 Stickers no Conic, poste no Conjunto Cultural da República e Plataforma Rod. ........ 40

Fig. 33 Luneta de parede -2009 - Márcia Xavier .................................................................... 42

Fig. 33 Luneta de parede -2009 - Márcia Xavier .................................................................... 42

Fig. 34 Série Horizontes possíveis – 2010 – Márcia Xavier ................................................... 42

Fig. 35 Série Horizontes possíveis – 2010 – Márcia Xavier ................................................... 42

Fig. 36 Diálogos Geográficos (...) – Intervenção Clarissa Borges .......................................... 43

Fig. 37 Série Turista Censurado – Fotografias -Clarissa Borges ........................................... 43

Fig. 38 Detalhe do vídeo janelas 1 - Karina Borges ................................................................ 45

Fig. 39 Passager II, detalhe vídeo – Karina Borges ................................................................ 46

Fig. 40 Cidade Hydrospatial – maquetes –Gyula kosice ........................................................ 47

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VIII

SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................. 09

Referencial Teórico:

Capítulo I - Pesquisa para conhecer o processo ........................................................ 11

1.1 Caminhadas para descobrir e realizar experiências ............................................. 13

1.1.1 Algumas experiências no trajeto ..................................................................... 16

1.1.2 Recortes / fragmentos ...................................................................................... 17

1.1.3 Projetos ............................................................................................................ 20

1.1.4 Reflexão sobre estado atual da produção ........................................................ 22

Capítulo II - Antropofagia do espaço –as relações do lugar ..................................... 24

2.1 Diferentes modos de perceber ............................................................................ 25

2.1.1 Decalques ........................................................................................................ 25

2.1.2 Usuários / Espaço ............................................................................................ 28

2.1.3 Ações que retiram ou deixam marcas .............................................................. 29

2.2 Criar Situações .................................................................................................... 32

2.2.1 Interação / contestação ..................................................................................... 37

2.2.2 Colagens .......................................................................................................... 40

2.3 A cidade percebida como paisagem ................................................................... 41

2.4 Espaço paralelo ................................................................................................... 46

Considerações Finais ................................................................................................ 48

Referência ................................................................................................................. 50

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INTRODUÇÃO

O tema do presente trabalho é a produção em artes visuais a partir do espaço urbano. A

pergunta que guia a pesquisa é: como artistas plásticos se utilizam do espaço da cidade para a

construção de suas poéticas? O objetivo geral é investigar como artistas se servem do

ambiente próprio da cidade como elemento de construção de poéticas que guiam a produção

em artes visuais. Os principais objetivos específicos são: investigar como acontece a relação

do ambiente fomentando a criação da poética em artes visuais, identificar na produção local

artistas que se utilizam deste modo de criação e relacioná-los com a minha construção poética.

Comecei a pensar neste tema para o trabalho de conclusão de curso a partir dos seminários

realizados na Faculdade onde pude ver os professores expondo seus trabalhos. Pude ali

perceber que podemos falar de algo que temos mais afinidade e, principalmente, podemos

falar do trabalho que já desenvolvemos. O trabalho que busco construir em artes visuais nos

últimos anos está muito ligado à questão do espaço da cidade, o ambiente por onde circulo

incita elementos e questões que utilizo para elaborações de propostas artísticas. Portanto, a

pesquisa permitirá conhecer melhor meu processo criativo.

A relevância para a instituição seria a de ter um registro de pesquisa sobre processo de

criação influenciado pelo espaço da cidade onde ela está localizada, fazendo, portanto, parte

desse ambiente. As hipóteses para a pesquisa: Artistas motivados pela configuração do espaço

da cidade o percebem do seu modo particular e criam obras relacionadas com este ambiente.

Outros artistas sentem no ambiente da cidade oportunidade de interferir dialogando com o

espaço. Outros, ainda se opõem a essa configuração e tentam modificá-la com suas

intervenções ou apresentam outras opções de vivências em lugares distantes da cidade como

oposição às configurações urbanas impostas.

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A pesquisa serviu-se de material bibliográfico, buscando em diversos autores conceitos

sobre espaço, lugar e urbanismo, processos criativos, e relatos históricos a fim de

contextualizar os movimentos em que artistas buscavam esta forma de criação; também em

catálogos de mostras, artigos em sites específicos na Internet, buscando citar obras e artistas

que se utilizam do processo investigado e ainda, pesquisa de campo localizando e registrando

obras pela cidade. Houve ainda citação de palestras assistidas, entrevistas informais com

artistas e anotações de vídeos assistidos em espaços expositivos e na televisão.

No capítulo I, procurei descrever minha trajetória onde são descritas as experiências mais

relevantes na identificação de um processo, que hoje guia meu trabalho na construção de uma

poética própria. Descrevo alguns trabalhos e projetos que podem fazer compreender como me

guio por este caminho que começo a construir.

No capítulo II, são apresentados artistas que constroem seus trabalhos referenciados no

espaço urbano. Os trabalhos foram escolhidos para exemplificar as diferentes formas e

estratégias, a fim de poder fazer entender as variadas maneiras de construir um processo onde

se baseiam as produções de um artista.

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CAPÍTULO I - A PESQUISA PARA CONHECER O PROCESSO

Criar é tão difícil ou tão fácil como viver

E é do mesmo modo necessário.

Fayga Ostrower (1977)

Antes do ingresso no curso de Licenciatura na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes em

2008, procurei ler alguns livros que tratavam de como trabalham artistas e além dos que

primavam em orientar como manusear materiais, encontrei em Criatividade e Processo de

Criação de Fayga Ostrower (1977), o que precisava para entender processo criativo e

orientação para a construção de uma poética.

A sinopse deste livro feita por Pedro de Sena Madureira1 destaca que neste trabalho

Ostrower não encara criatividade como propriedade de “alguns raríssimos eleitos, mas como

potencial próprio da condição do ser humano”. Essa e outras questões trazidas no livro me

atraíram, pois me incomodavam algumas definições feitas por algumas pessoas que convivia,

como: “não é todo mundo que sabe desenhar ou pintar”, “é preciso ter o dom” ou ver só

habilidade técnica em uma obra ou “Arte é só pintura”. Mas devo ressaltar que não

compreendi todas as questões tratadas no livro quando li em 1983. Faltavam-me então as

bases teóricas que encontrei nas matérias do Curso que estou terminando. Foram

especialmente nas falas dos professores, e em textos de artistas/teóricos, como Marcel

Duchamp, Helio Oiticica e Lygia Clark que encontrei informações que se juntaram às ideias

que consegui absorver do texto de Ostrower; que cheguei a uma concepção do que agora

entendo deva ser produção artística, necessidade que justifica e motiva uma criação.

Gilles Deleuze (1987, P.6) fala que “Um criador não é um ser que trabalha pelo prazer. Um

criador só faz aquilo de que tem absoluta necessidade”. Essa afirmação de Deleuze havia

percebido em leituras de biografias de artistas que podia encontrar em fascículos de coleções

1 Sinopse no endereço na internet do instituto http://www.faygaostrower.org.br/artista.php. Acessado em

25 de maio de 2011.

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como Mestres da Pintura, publicada pela Editora Abril e que saiam em bancas de revistas e

também alguns livros em formato Livro de Bolso. Uma das que mais me impressionou foi a

que narra a trajetória de Van Gogh, descrita por ele mesmo em Cartas a Theo (2007), nesta

trajetória se confirma o que diz Deleuze. Para alguns artistas, a vida esta determinada pelo

ofício. Apesar de que penso que a ação que trata Deleuze, traz uma espécie de satisfação e

completude que motiva a criação.

Ainda sobre a leitura do livro de Fayga Ostrower, quero só lembrar que a autora, além da

produção artística, se preocupava com a educação através de aulas, seminários e palestras.

Encontramos vídeos na Internet onde ela resume sem muito mistério o processo criativo. Sua

atitude de trazer as pessoas para uma maior aproximação com o fazer artístico e possibilitar

uma maior relação com todos os aspectos que a arte pode oferecer, está muito próxima do que

busca o ensino de arte nas orientações dos PCNs e recomenda Ana Mae Barbosa (2009) em

sua Abordagem Triangular: produzir, refletir e apreciar. E, Barbosa cita Ostrower ao falar de

produção:

Nem na arte existiria criatividade se não pudéssemos encarar o fazer artístico

como trabalho, como um fazer intencional produtivo e necessário, que amplia em

nós a capacidade de viver (...). A criação se desdobra no trabalho porque traz em si a

necessidade que gera as possíveis soluções criativas. (Fayga Ostrower (1977, p.31)

apud Ana Mae Barbosa, 2009, p. 6)

Esclareço que minhas intenções na presente formação não é somente descobrir meu

processo artístico como poderia supor na escolha do tema de Trabalho de Conclusão do

Curso, mas escolhendo este tema concordo com a ideia reforçada pelas falas de professores

que, ao lidarmos com a função de mediadores na educação em artes, precisamos estar

pesquisando em artes. O que incrementou meu desejo inicial de me tornar educador para lidar

com o que gosto. Ajudaram ainda as leituras de teóricos como José Carlos Libâneo (1994) e

especialmente Rosa Iavelberg (2003), que destaca a importância de conhecer como trabalham

os artistas como meio de conduzir a produção própria dos alunos.

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1.1 - A CAMINHADA PARA DESCOBRIR E REALIZAR EXPERIÊNCIAS

“Um passo à frente e você já não está mais no mesmo lugar”

Chico Science (Olinda, 1966 – Recife, 1987)2.

Comecei instintivamente a colher elementos para minhas criações no ambiente da cidade

do Gama onde moro, ainda no segundo grau, entre 1979 e 1981. Gostava muito das voltas da

escola quando podia acompanhar com calma a mutação da paisagem no fim do dia. Na época

morava na última rua do setor Oeste, e além das últimas casas, tinha o cerrado até o horizonte.

Essas observações me levaram a me aventurar no exercício de pintar algumas paisagens.

Quando comecei a trabalhar em 1981 e pude sair mais de casa, ampliaram-se as

experiências das caminhadas. Próximo ao local de trabalho, na quadra 502 Sul no Plano Piloto

existia muitas galerias que passei a visitar regularmente. Desta forma iniciei a prática de andar

pela cidade procurando novas mostras. Como faço todos os trajetos a pé, conheço todos os

caminhos com muita intimidade. Esta intimidade me faz retornar a certos lugares para

observar o que sei encontrar nos detalhes particulares de cada um.

Alguns autores conceituaram lugar usando terminologia diferente, mas com sentidos muito

próximos. Miriam Chnaiderman (2008, P.125) e Katia Canton (2009, 58-59), citam definições

de lugar em Marc Augé (Poitiers, 1935), que é “lugar e não-lugar”, sendo “lugar” “um local

fixo conhecido e confortável” e o não-lugar um lugar de “passagem”, sem identidade. Mas

Canton diz que o primeiro “nunca se realiza completamente” e o segundo “nunca é

completamente apagado”. Chanaidermam complementa que a definição de lugar em Augé é

oposta a de Michel de Certeau (Chambéry, 1925 - Paris, 1986), que define lugar como espaço

geográfico praticado. Canton (p.15) cita ainda no mesmo trabalho o sociólogo britânico

Antony Giddens (Londres, 1938) que considera “lugar” um “espaço particular, familiar,

2 Um Passeio no Mundo livre - Composição: Chico Science, Dengue, Lucio Maia, Gira, Jorge du Peixe e

Pupilo no álbum Afrociberdelia lançado pelo selo Sony Music em 1996.

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responsável pela construção de nossas raízes referenciais”. E usa a palavra “espaço” como

designação genérica. Apoiado no dito de Mario Pedrosa citado por Canton (p.15), que “A arte

é o exercício experimental da liberdade”, penso que para as realizações em artes o lugar, o

espaço e o tempo, podem ter variadas proposições conforme as intenções.

Quem anda pela cidade pode ter variadas intenções. Há quem busca andar pela cidade sem

pressa pensando ver em todo seu conjunto uma nova apresentação ou os mesmos elementos

em situação ainda não confirmados; outros, a mesma apresentação confirmando o que já se

sabe, para passar a fim de realizar atividades alheias ao lugar. Encontros planejados ou

buscados como surpresa é o que faz o Flâneur, referido por Charles Baudelaire (1996, P.20),

o sensível caminhante é um usuário do espaço comum da cidade. Paola Berstein Jaques

(2004), fala da ação de errâncias, citando artistas que se utilizaram de caminha pela cidade

para produzirem, e distingue as diversas formas de caminhadas o que classifica de momentos:

o primeiro, Flanâncias Urbanas, que remete a criação da figura do Flâneur em Charles

Baudelaire (Paris, 1821 - 1867); o segundo, Deambulações, corresponde à ação dos

Dadaístas; e o terceiro, Derivas, corresponde ao pensamento urbano dos situacionistas3. Creio

que minha ação esteja mais próxima da do Flâneur descrito por Baudelaire (1996). As

caminhadas servem para momentos de pesquisa, reconhecimento e apreciação do que

acontece dentro do espaço em que circulo regularmente. Em A Invenção do Cotidiano, Michel

de Certeau (1998, p. 178) diz que na ação de caminhar, o usuário transforma as expectativas

da criação urbanística da cidade. Mas é desta dupla relação que começo a construir reflexões e

intenções de criação a partir do lugar que sinto. Penso que na construção de alguns trabalhos

posso trazer questões que faça refletir sobre condições que observo na cidade, em seus

espaços e como vivenciamos as oportunidades que ela oferece e as que podemos criar com

nossas ações diárias.

3 - Sobre o movimento, ver Paola Berenstein Jaques (org.). Apologia da Deriva - escritos situacionistas sobre

a cidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.

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No mesmo capitulo sobre a prática do espaço, Certeau (1998, p. 183), diz que “Caminhar é

ter falta de lugar, é o processo indefinido de estar ausente e à procura de um próprio”, um

“lugar sonhado.”

Penso na deriva como uma busca e não um vagar sem intenções. Que a minha relação com

o espaço é uma complementação e o que procuro construir, não é uma representação

exatamente do que vejo, mas como vejo, ou sonho. Certeau, mais além no seu texto, diz que a

identidade do lugar é “simbólica (nomeada)”. Lembro-me que vi muitos destes lugares sendo

construídos, cheguei aqui com menos de um ano, em 1964, e continuo acompanhando o

espaço se modificando. Penso nos espaços vazios como algo que ainda está por se construir,

nas distâncias que se diminuem com as construções de novos setores, mais possibilidades de

experimentação que se somam aos naturais.

Sobre essas intenções ainda um pouco nubladas, as palavras da professora Luciana Paiva,

orientando meu trabalho, me ajudaram a entender que: “(...) A questão central parece ser a

relação do indivíduo com a cidade/paisagem, onde estão inseridos, as caminhadas e a relação

entre sujeito/arquitetura x sujeito/natureza aferidas nessas passagens ou recortadas do

cotidiano”. Esta síntese me ajudou a compreender o que começa a se configurar como

construção de uma poética. As leituras, orientações, o estudo da produção de artistas e

reflexões sobre as experimentações que proponho, têm sido importantes para encontrar o meu

caminho e aprender a valorizar cada passo.

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1.1.1 - Algumas experiências no trajeto

“tão importante quanto a técnica está

o ofício que representa a vivência que

determina a particularidade da técnica”.

Rubem Grilo 4

Em 1983, conheci e comecei a frequentar o casa/ateliê do artista José Dalmácio Longuinho, e

com sua ajuda aprimorei a técnica de pintura, e logo depois, com outros artistas da cidade,

participei do grupo Via Satélite, a fim de viabilizar projetos em comum. Participei então de

algumas mostras coletivas.

A produção mais relevante foi em 1989, uma série com pinturas retratando cenas de

pessoas à espera de ônibus em paradas, em interiores de ônibus lotados, vendedores

ambulantes, pivetes cheirando cola em meio aos passantes e filas na rodoviária. Era a

tentativa de traçar retratos do cotidiano e fazer pensar esses ambientes e os modos de vida.

Chamei essa produção de Coreografia Urbana (Fig. 1).

Fig. 1 - Coreografia Urbana, 1989 - acrílica s/ tela 30x50

A escolha de temas já ligados ao cotidiano que estava observando veio mais uma vez do

entendimento do texto de Ostrower (1977), onde nos faz entender que a nossa criatividade se

constrói dependente do contexto cultural onde estamos inseridos e Paulo de Tarso Cheida

Sans (1994, p.101): “A criatividade é um processo resultante da inter-relação da pessoa com o

4 - A fala aparece no Vídeo com direção de Adriana Maciel exibido na mostra “Xilográfico” no Conjunto

Cultural da Caixa em Brasília – maio-junho de 2011.

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mundo.” Comecei a perceber que deveria falar do que me atraia visualmente traduzindo as

questões envolvidas com as situações do cotidiano de onde as imagens vinham. Como em um

texto, as questões que sustentam um discurso, estariam a determinar a própria criação. A

produção de pinturas veio com a necessidade de se expressar, de um diálogo com o mundo, de

participação com o meio.

Em outras pinturas e gravuras tentei retratar as pessoas que estão pela cidade: pessoas

solitárias, casais, meninos e mendigos, gente dormindo na rua, etc. Esses trabalhos (fig. 2 e 3)

derivam de ilustrações que fiz para uma revista virtual chamada “Verbo” sobre literatura que

esteve na rede em 2000. Fazia os desenhos e pinturas sem determinação de tema, e os editores

aproveitavam como queriam. Nos trabalhos, abstraía o fundo para o lugar poder ser o lugar

imaginado.

Fig. 2 e 3 - S/ título, Pinturas, acrílica s/ tela2000/2003

1.1.2 - Recortes

O trabalho por quase vinte anos em laboratório de fotografia, serviu pra alimentar a paixão

pela fotografia. No trabalho, não havia oportunidade de experimentação. Mas aproveitava o

material para ficar imaginando possibilidades. A observação de imagens, recortes de cenas

particulares e do cotidiano, fez pensar em cinema, na ilusão do movimento a partir de

fragmentos.

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Apesar de não ter feito curso de fotografia ou vídeo fiz algumas experiências com

intenções próximas. A experiência com fotografias mais relevante que inicia um processo

mais próximo do que hoje busco, começou em 2006, em uma caminhada no final da tarde

pelo parque da cidade, quando fiz com a câmera do celular, registros de diferentes árvores. À

medida que ia passando o tempo da caminhada, as árvores ficavam cada vez menos visíveis

devido à luz minguando. Depois trabalhei no computador realçando cor e contraste. Pensei

como registro de passagem em que a mudança de tempo é percebida através da iluminação

dos registros.

Fig. 4 - Série Árvores do Parque, 2000 - fotografia digital manipulada (projeto).

Logo depois, iniciei alguns registros de sombras em paredes e no chão, que tem a intenção

de ligar a imagem da pessoa com o ambiente. A princípio, usando minha própria imagem

como referencia para pensar a relação com os lugares.

Fig. 5 - Série sombras – fotografias digitais – a partir 2000

As fotos de sombra me instigaram a pensar em calçadas como páginas de álbum que

guardam a memória da ação dos usuários do espaço da cidade transformando-a.

Outros estudos que desenvolvem experiências como os das sombras no chão são os

registros de placas que indicam lugares e trajetos. Esses elementos me interessam por

carregarem vestígios deixados na cidade. E sobre as sinalizações, tanto nas placas como no

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chão, chamam a atenção para a questão de determinarem direções, enquanto que se vê, por

exemplo, pelas trilhas criadas nos gramados, que os usuários fazem trajetos alternativos,

passando ao largo de alguns calçamentos. Falam da forma como usam a cidade, sobre

deslocamentos e caminhadas. Encontrei na fala de Michel de Certeau ao falar da

determinação do lugar e do modo como caminham os usuários que pode modificar algumas

situações:

Em primeiro lugar, se é verdade que existe uma ordem espacial que organiza um

conjunto de possibilidades (por exemplo, por um local por onde é permitido

circular) e proibições (por exemplo, por um muro que impede prosseguir), o

caminhante atualiza algumas delas. Deste modo, ele tanto as faz ser como aparecer.

Mas também as desloca e inventam outras, pois as idas e vindas, as variações ou as

improvisações da caminhada privilegiam, mudam ou deixam de lado elementos

espaciais.

(Michel de Certeau, 1998, p.178).

Este pensamento de que a ação na cidade refaz a cidade, cria situações, que tento refletir no

trabalho das placas que sinalizam passagens, e além destas questões, como são imagens

retiradas da cidade, pretende demonstrar a materialidade que a constitui, dando conta do que

fisicamente se transforma. É um centro urbano real com seus muitos elementos a se

autoalimentarem e concretizando ou não o que no Plano Urbanístico era impreciso, esperança

e incertezas. Quem pode prever, só ao traçar planos de uma cidade, o que ali será vivido? E

mesmo nós aqui envolvidos, poderemos prever algo sobre os destinos deste lugar ou de algum

outro?

Fig. 6 – Registro de sinais de direção pela cidade (projeto desde 2010) – fotografia digital

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A fotografia, por um processo de execução mais simples, passou a estar mais nos meus

planos, mesmo que seja só para pensar outras construções. Com fotografias consigo

resultados que no momento me satisfazem mais. Principalmente porque com esse material

consigo fazer experimentações mais práticas e imediatas e extensões de proposições, levando

à primeira ideia a outras e juntando matérias e maneiras de trabalhar que vão além da técnica

própria da fotografia, sem exigir mais do material simples que tenho acesso.

A vontade de experimentação veio da observação do trabalho de artistas como Cildo

Meireles e Rosangela Renó, que transitam por técnicas diversas com muita naturalidade

subvertendo muitas vezes suas práticas tradicionais. Sinto vontade de realizar proposições em

que a técnica não fique tão evidenciada, talvez se junte a outras e acabe por se tornar algo

indefinido. Além da arquitetura o interesse por design de objetos, influencia meus projetos.

Então quando manipulo as fotografias, penso em apresentá-las de forma que envolva a

construção de objetos que ofereçam condições e situações para diferentes fruições.

A série das sombras influenciou os primeiros vídeos de Flanagens, 2010, que repetem a

intenção de colocar o chão como personagem. A figura que pratica a caminhada como um

mediador da experiência que entre outras pretende que quem vê tente identificar o lugar

mostrado e se reconheça no lugar.

Fig. 7 - Flanagens – vídeo (detalhes), 2010.

A intenção é que observador se coloque na posição de quem pratica a experiência da

caminhada, não para repetir exatamente a experiência mostrada nos registros, mas para

experimentar de sua maneira e conduzir a outras. Que os elementos possam remeter a imagens

guardadas. Fazer pensar a relação de cada um com lugares que visitaram ou poderão visitar.

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21

1.1.3 – Projetos

Penso em construir algumas propostas que a partir de referências externas consiga

provocador de situações para fazer pensar o que não pode ser visto. Trabalhar por exemplo a

partir dos efeitos diversos que surgem com a alteração da luz natural e/ou artificial, fazer a

interação com o ambiente em diferentes situações e propiciar ao observador, possibilidades de

visibilidades além do formal, buscando a complementação através do seu exercício de

imaginar.

Quando realizei trabalhos para a “Mostra Dulcina”, já havia identificado o que

procurava construir com a ação de andar pelo espaço da cidade. Resolvi deixar isso bem claro

e montei alguns objetos e instalações como: Ela esta pela Cidade, um quadro como um mapa

para turistas indicando através de lâmpadas vermelhas a localização de espaços Galerias e

Museus na cidade; Entre, uma instalação com a palavra recortada em vinil e instalada no

encontro de duas paredes da galeria feita de vidro e mostrando o exterior, era como um

convite para se entrar no ambiente da cidade. Em baixo da inscrição aparecia um mapa da

cidade para guiar o possível novo visitante.

Apresentei ainda mais duas propostas que foram recusadas: Derive-se, composto por uma

placa como um tabuleiro de um jogo com decalque de um mapa esquemático de cidade que

propõe que se interfira mudando a composição de setas que estão grudadas sobre o desenho,

criando novos percursos; E Fora do Plano, um objeto que apresenta configurações noturnas

de algumas cidades (Regiões Administrativas), do Distrito Federal formadas por pequenas

lâmpadas fixadas sobre borracha e coberta por tecido preto. O objeto fazia parte de um projeto

de instalação apresentado na matéria de Projetos em Artes Visuais. Seria uma série de objetos

instalados na galeria escura de forma que pudessem sugerir a impressão de visão noturna dos

referidos espaços.

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Fig. 8 - Fora do Plano - detalhe de RFII, 2010- lâmpadas sobre

borracha e tecido

A ideia surgiu da observação da situação no deslocamento entre as cidades satélites à

noite, mas em seguida me fez lembrar uma entrevista que vi com Oscar Niemayer há algum

tempo na TV, onde o arquiteto de Brasília falava do prazer que sentia quando vinha visitar a

capital e conseguia ver em meio ao imenso cerrado a imagem feita de luzes do “avião”, a

forma da cidade no plano urbanístico idealizado por Lúcio Costa. Essa configuração hoje aos

poucos vai ficando cada vez menos distinta, pois os espaços das cidades satélites,

condomínios e novos setores, vão se alargando tornando cada vez mais difícil identificar onde

começa ou acaba cada região administrativa. As cidades vão se alastrando muito além dos

planos. E é à noite que desaparecem os limites determinados pelo cálculo e ação topográfica

dos homens na organização das cidades.

1.1.4 - Reflexão sobre o estado atual da produção

“O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta por sua

vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar.”

Fayga Ostrower (1977)

Recentemente tentei participar de alguns salões, para avaliar meus projetos. Apresentei no

2º Salão de Artes Visuais das regiões Administrativas do Distrito Federal5, uma fotografia em

que aparece como nos trabalhos anteriores, questões como a passagem do tempo, lugar

afetivo, memória, e identidade criada a partir do lugar. Além do mistério próprio que a

fotografia traz que é o da aparição.

5 - Realizado em Março de 2011 na cidade de Sobradinho – 2º lugar em fotografia - Premio aquisitivo.

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Na experiência constatei que apesar do trabalho ter sido bem aceito, a execução ainda não

me satisfaz totalmente, mas, no atual estágio consigo identificar o que preciso melhorar.

Aprendi a fazer registros e construir projetos. Também a lidar com as dúvidas e observar com

clareza o que pode ser mais bem trabalhado ou explorado. E principalmente saber direcionar

pesquisas e reflexões de forma mais determinadas.

Fig. 9 - Paisagem I, fotografia digital – 15x 20, 2011. Registro de imagem projetada na parede.

Observando assim, creio que meu trabalho segue um caminho mais próximo do que desejo

realizar. Onde a apresentação formal resolvida de forma que me agrade, ajude a propiciar

experiências variadas conforme intenções das propostas de cada trabalho. Acredito que a

maturidade tanto em termos técnicos como conceituais deve surgir com as práticas e

pesquisas que começo a realizar.

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CAPÍTULO II - ANTROPOFAGIAS DO ESPAÇO (as relações com o lugar)

“A criação pode ser olhar as coisas por um ângulo diferente”

Rubem Grilo6

Os que recolhem no ambiente da cidade elementos para construírem suas propostas

artísticas em artes visuais é o foco deste capítulo. A construção destas poéticas tem motivação

um pouco variada conforme as maneiras que lidam com os elementos que observam dentro da

cidade. Neste capitulo, são descritos artistas que constroem seus trabalhos elaborados a partir

de elementos e questões que estão ou são originários do espaço urbano. Pretendo também

estabelecer paralelos com a minha produção descrita no capitulo anterior, para esclarecer

questões que são comuns.

Chama atenção constatar que apesar de em muitas vezes estarem em ambientes de cidades

diferentes, artistas trabalhem questões muito próximas e tendo resultados que dialogam.

Moacir dos Anjos (2007, p.16), usa o termo transculturação para explicar a contaminação

múltipla rompendo fronteiras de espaço de tempo e lugar. As transformações das cidades,

impostas pelo movimento de globalização, as tornam muito parecidas em suas configurações,

possibilitando que de um lugar para outro se busque repetir cada vez mais modelos de

padronização e criação de mais não lugares.7

2.1 - OS DIFERENTES MODOS DE PERCEBER

Em alguns artistas, o trabalho fica bem claro a relação com a cidade e em outros, mais

distanciadas. Alguns se utilizam das caminhadas para visualizar aspectos da cidade, outros

fotografam ou se apropriam de imagens, outros a referência não depende da visita aos locais,

mas se espelham no que para eles significa a cidade. Quanto à forma de apresentação,

dependem do modo como o artista trabalha, do que objetiva com sua proposta, ou ainda das

6 - Documentário da TVSESC – a arte de Rubem Grilo.

7 - Não lugares segundo Marc Auge, são lugares que servem apenas para passagens. (in Canton, 2009, p.58-59).

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questões a que o trabalho se refere. Há artistas que se utilizam de formas variadas e pode

produzir tanto para o espaço de galerias e museus, quanto para a rua. As separações aqui só

procuram orientar melhor entendimento das variadas formas de produção.

2.1.1 - Decalques

Em Carmela Gross (São Paulo, 1946), é muito presente a identificação com elementos

buscados e encontrados como surpresas ao se locomover de carro a fim de observar aspectos

da maior cidade da América do Sul. Gross retira em suas caminhadas, elementos referenciais

da cidade que ajudam a compor objetos diversos que desenvolve. No vídeo dedicado a artista

no projeto Investigações do Instituto Itaú8, Gross fala da cidade de São Paulo, enquanto

circula de carro com o diretor Luiz Duva: “Meu trabalho esta decalcado por e nesta cidade”,

no vídeo Gross vai descrevendo o que a atrai na cidade. Fala do que vê e as relações que

estabelece com o que sente envolve-la: “enquanto atravessamos a cidade ela também nos

atravessa”, “sou formada por tudo que está na cidade”, “Ela me constitui”.

Na 27ª Bienal de Artes de São Paulo, a artista instalou um letreiro como os que estão pela

grande metrópole. No momento da realização da Bienal o prédio da Bienal se transforma em

um hotel. Um hotel de obras de arte.

Fig. 10 - Hotel, 2006 - instalação com lâmpadas.

8 - Carmela Gross – Investigações – Vídeo de Luiz Duva para Projeto Investigações do Itaú Cultural, 2000.

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Jorge Macchi (Buenos Aires, em 1963), Realiza vários trabalhos referendados nos

espaços urbanos. Apresentou na 4º Bienal do Mercosul, um trabalho que também apropria de

elemento encontrado na cidade. São criações feitas a partir da observação de anúncios

improvisados de trabalhadores informais e colocados em pontos estratégicos da cidade.

Macchi reproduz respeitando a forma amadora do anuncio e apresenta em lugar reservado

aos anúncios pagos pelas agencias de publicidade.

Fig. 11 – Publicidad, instalação, 2000 apresentado na 4º Bienal do Mercosul, 2003.

Com Passagens de 1975, Anna Bella Geiger (Rio de Janeiro, 1933), retorna a ação dos

deslocamentos, tema de um dos seus primeiros vídeos passagens I de 1974. Em Passagens se

apropria do registro em fotos de Paula Gerson de sua ação performática no metro de Nova

York em 1975, e faz uma composição onde as fotos dispostas em sequência na horizontal,

sugerem uma narração como se assistíssemos a um vídeo, reforçada por detalhes que se

sobrepõem como as colunas que aparecem ao fundo e a moldura formada pelo distanciamento

das fotos na montagem, e permite pensar em fotogramas de uma película cinematográfica.

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Fig. – 12 - Composição “Passagens - composição através de registro fotográfico de performance – metro de

Nova York – 1975.

No catálogo9 da exposição em Brasília, o curador Adolfo Montejo Navas (Madri, 1954),

fala das intenções da artista com o trabalho e confirma que a artista constrói uma narrativa

intencionalmente imprecisa. Não percebemos uma narrativa linear e sim na forma da

apresentação a oportunidade de observar mais detidamente a ação em cada momento, o tempo

congelado, e poder perceber outras situações diferentes do vídeo. As imagens não deixam

claras as relações estabelecidas com o lugar. A figura da artista ao se misturar aos demais

elementos torna-os parte da sua própria imagem como numa simbiose: tornando todos os

elementos identidade de um lugar. Há nas imagens ainda uma atmosfera de solidão nos vazios

que se somam aumentam o mistério do deslocamento. Destaca ainda Navas no texto do citado

catálogo (P8-9), que é paradoxo o fato da composição converter tempo e espaço em um local

não territorizado, e ainda se mantém identitário.

2. 1.2 – Usuário / espaço

José Dalmácio Longuinho (Vitoria da Conquista, 1956), é um artista que faz em suas

composições referência a modos particulares de viver nas cidades. Em meio a diversos

usuários do espaço urbano, destaca os componentes de tribos que buscam viver de forma

alternativa. Esses seres “errantes” que observa, são retratados como modelos em anuncio

9 - Texto do catálogo da mostra no Conjunto Cultural da Caixa Econômica, Junho a Julho de 2010.

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publicitário. A cidade aparece como cenário e também como principal motivadora da

presença de tais figuras.

Fig. 13 – Auto-retrato, pintura, 1989 Fig. 14 - Brasília Congestionada – colagem, 2010.

Em trabalhos mais recentes destaca a questão da circularidade na cidade de Brasília: O

transito congestionado e o espaço mais dedicado aos automóveis. A configuração da cidade se

apresenta como um caos. Longuinho critica a organização dos espaços que exclui, discrimina

e oferece poucas oportunidades a experiências.

O artista argentino León Ferrari (Buenos Aires, Argentina 1920), na serie de heliografias

(Fig 15), lembra as construções de Longuinho em que o fluxo de automóveis na cidade

aparece em uma situação sem saída. Com a repetição de elementos faz notar a situação

caótica da vida urbana. Em alguns trabalhos, Ferrari tratada os usuários como a arquitetura e

os automóveis. As pessoas aparecem como ícones em um espaço esquemático que lembra as

representações de mapas querendo descrever percursos confusos e improváveis.

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Fig. 15 - Serie heliografias, 1980.

Brissac (2004, p.408) fala de mapeamento como uma “visão” que abarca de forma

especial a “fusão do real e do abstrato”. Mapas orientam usuários e informam o que acontece

numa visão que não se pode “apreender diretamente pelo olho”.

2.1.3 - Ações que retiram ou deixam marcas

Na Mostra Cidade Imaginário na Galeria Marco Antonio Vilaça no Tribunal de Contas da

União em Brasília no mês de maio de 2010 com curadoria de Renata Azambuja encontramos

a obra Plano Piloto de autoria de Eliezer Szturm, composta de fotografias de calçadas

apresentadas através de projeções no chão da galeria que, acaba por proporcionar uma visão

muito próxima da condição original do objeto escolhido pelo artista para seu trabalho.

Acompanha a obra um texto onde o artista explica que teve a idéia do trabalho ao descobrir

nas calçadas rachadas a reprodução da forma do projeto original da cidade de Brasília. O

artista propõe que repitamos sua experiência e vejamos nas imagens projetadas, a reprodução

do projeto original de Lucio Costa. Esse olhar particular e poético é sugerido pelas imagens

coletadas em andanças pela cidade. No catálogo da Mostra, o texto da curadora complementa

que o trabalho de Sturm remete a “ação do tempo e a ação fundadora da Capital”.

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Fig. 16 - Detalhes do vídeo apresentado na galeria Marco Antonia Vilaça – maio, 2010.

Polyanna Morgana (Gama, 1979), é uma artista que realiza performances, vídeos,

instalações e em alguns aparece questões relacionadas ao uso que faz do espaço da cidade. Às

vezes o uso deste lugar é temporário e serve só de referencia. Essa referência é muitas vezes

para criticar o seu uso ou fazer pensar maneiras de utilizar determinado espaço. Em alguns

trabalhos se utiliza de relatos. Segundo Michel de Certeau (1998), “Todo relato é um relato de

viagem – uma pratica do espaço. O autor fala em as “táticas cotidianas”.

Também na mesma Exposição onde esteve o trabalho de Sturm, podíamos encontrar um de

Polyanna Morgana, intitulado “Polyannas” de 2001, um texto onde faz entender distâncias

dentro da cidade tendo como referencia sua própria medida. O uso de unidade de medida não

padronizada pela artista denota a intenção de dar novo significado a medição de espaço, ou

fazer pensar a importância deste espaço ao ser relacionado com um espaço íntimo que é o

próprio corpo. Como construindo um mapa relacional.

Medida em Polyanna não é uma medida Universal.

Uma Polyanna mede um metro e sessenta e cinco centímetros.

Uma Tatiana é mais alta um pouco.10

10

- No Catálogo da Mostra Cidade Imaginário na Galeria Marco Antonio Vilaça no Tribunal de Contas da

União em Brasília no mês de maio de 2010 – P. 58.

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Fig. 17 - Ba(m)bar - performance no conic.

Em “Ba(m)bar”, outra performance de 2010, Morgana a medida em que caminha na praça

central do setor de diversões norte conhecido como “Conic”, retira da boca um fio e vai com

auxilio dos dedos dos pés que recebem o fio que desce, fixando a linha ao piso deixando o

registro da suas passadas. O gesto com articulações como dança, é orquestrada e tem uma

execução que carrega uma tensão que faz pensar que a artista se arisca como se estivesse a

caminhar suspensa no ar como equilibrista, carregando o fio de sua sustentação que vem de si

mesma para segura-la. A artista falando a respeito do trabalho resume apenas que tem algo de

antropofágico. Deixando algo seu no espaço da cidade como registro de presença. A cidade

passiva acolhe como um álbum, mais um material, e a somatória de vários elementos a torna

outra e não mais o que era há poucos instantes. Ação que se repete continuamente, a cidade

uma mutante.

O artista Francis Alÿs (Bélgica, 1959), em “Sapatos Magnéticos” de 1994, calça um

sapato com imãs e percorre a cidade de Havana em Cuba a recolher elementos deixados nas

ruas por transeuntes. Brissac (2004, p.105), destaca que com usos que fazem os seus usuários,

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a cidade se transforma. Alÿs com seu gesto coloca em xeque o uso que fazem os moradores

deste espaço.

Fig. 18 - Sapatos magnéticos – Imagem retirada do vídeo disponível no YOUTUBE.

Alÿs, através de varias ações, questiona situações locais de tensões políticas e/ou sociais,

ou até da própria situação geográfica que relaciona a forma como vivem moradores dessas

regiões. Quase todas as ações envolvem caminhadas, mostrando que os conflitos que o artista

se interessa, estão ligados ao local. Em alguns trabalhos critica as formas como são tratados os

estrangeiros como ele que mora por opção no México desde 1980.

2.2 - Criar situações – (intervenções que visam sugerir diferentes leituras).

Alguns artistas querem fazer pensar as circulações pela cidade e discutir o uso deste espaço

e também sua configuração, que podem modificar mesmo que temporariamente, a fim de

sugerir situações diferenciadas de relações. Em alguns a proposta se aproxima da idéia do

movimento da Internacional Situacionista11

: “Construção de situações, isto é, a construção

concreta de ambiências momentâneas da vida e sua transformação em uma qualidade

passional superior”, (Jaques, 2003, p. 21).

Richard Serra (Califórnia- EUA, 1939), com seu Arco Toldado de 1981, uma placa de aço

com 3,7 m se altura e 36,5 m de extensão, instalado na Federal Plaza, local de grande

11

- Sobre movimento, ver Paola Berenstein Jaques (org.). Apologia da Deriva escritos situacionistas sobre

a cidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.

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circulação no centro de Manhattan em Nova York, interrompe a passagem dos transeuntes

forçando-os a desviar o caminho. Serra faz pensar em opções de circulação.

Fig. 19 - “Arco Toldado” – Praça em Manhattan - escultura, 1981.

O artista ao retirar o trabalho atendendo aos protestos, declarou: “To remove the work is to

destroy the work”12

. Que indo para outro espaço não teria sentido, pois perderia o sentido sem

o lugar e a relação para qual foi projetada.

Guga Ferraz (Rio de Janeiro, 1974), artista carioca, que em seus trabalhos questiona

acontecimentos cotidianos que o incomoda na cidade e usa de estratégias diversas interferindo

no ambiente para fazer pensar violência, a falta de espaço, desigualdades sociais, etc.

Fig. 20 - Instalação Cidade dormitório, de 2007 – Parte externa da

galeria Gentil carioca no Rio de Janeiro.

Em Cidade dormitório, de 2007, segundo Zelinda Cartaxo na apresentação da

instalação na Galeria Gentil Carioca no Rio de Janeiro, Ferraz sinaliza os problemas sociais

ao escolher o lugar, o centro da cidade degradada. A interação do publico, em especial os

12

- Remover o trabalho é como destrui-lo. Citado no artigo “Sobre o Conceito de Instalação” de Fernanda

Junqueira, publicado na revista Gávea Nº 14 de 14 de setembro de 1996.

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moradores de rua, ajudou a reafirmar a intenção do artista de chamar a atenção para a falta de

moradias e a necessidade de pensar em reestruturar espaços para criar oportunidades dentro da

cidade.

Hélio Oiticica (Rio de Janeiro, 1937 – 1980), é um artista que graças aos seus escritos e

depoimentos podemos conhecer mais do seu processo. Helio fala em diversas entrevistas

sobre seu modo de andar pela cidade a fim de construir proposições como os “labirintos”,

“ninhos”, “penetráveis”, que são como criação de novos lugares preparados para

experimentações “deslocadas do cotidiano” em entrevista a Gilse Campos13

, “Quero fazer

uma comunidade enorme, uma coisa que seja totalmente construída pelas pessoas” e a

construção que diz que deveria dar liberdade, “uma coisa muito mais orgânica, como

arquitetura e vida”. Explica como chega à criação destes lugares: “Quando a pessoa

estabelece uma relação afetiva com o lugar, pode criar muito mais em todos os sentidos”.

Afirma Paola Berenstein Jaques (2011, p.4)14

, que Oiticica conhecia os escritos

Situacionistas e que as ideias de Guy Debord, concordavam com algumas proposições de

Oiticica de criar situação dentro do espaço urbano que faziam pensar mudanças na

constituição das cidades propondo vivências alternativas.

Fig. 21 - Ninhos - uma instalação de madeira,

juta e lâmpadas, com colchões espalhados em

cabines pequenas.

13

- Entrevista reproduzida em Hélio Oiticica – entrevistas. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.Com

título de Uma Arte Sem Medo, P89.

14

- Paola Berenstein Jaques, 2011 - Elogio aos Errantes - Breve Histórico das Errâncias Urbanas. Artigo

publicado no site www.vitruvius.com.br em 20/10/2004, acessado em janeiro de 2011.

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Moema Coelho (Brasília, 1982), é uma artista que tem um trabalho instalado no viaduto

que liga as quadras 109/110 e 209/210 na Asa Sul, com o titulo “A Porta da Rua é a Serventia

da Casa.” A artista aplicou a imagem de um portal impresso em adesivo colado

estrategicamente em um ponto do viaduto que, em determinada hora do dia deixa penetrar

pela abertura zenital a luz natural e faz destacar sua mensagem a fim de quem passa nos dois

sentidos da passagem possa perceber. Com o trabalho a artista interage com a organização do

espaço da cidade e entre outras questões possíveis, questiona a circularidade e uso que

podemos fazer da configuração que é dada pelo plano urbanístico da cidade. Faz os moradores

e visitantes pensarem o que a cidade oferece de oportunidades informando que as “portas”

estão abertas para entrar e sair.

Fig. 22 - Foto da instalação na mostra Cidade imaginária na galeria Marco AntonioVilaça em maio de 2010.

Catedral Rosa é um vídeo com registro de uma intervenção realizada em Brasília no dia de

junho de 2006, às 18h40 minutos a partir da idéia de Fabio Baroli (Uberaba, 1981) e

Suzanna Aune (Brasília, 1987), que contaram com a ajuda de amigos. A intervenção que

teve várias fases descritas no vídeo mostra a organização dos integrantes, todos portando uma

moldura de acetato na cor rosa para ser colocada a frente dos holofotes que iluminam o

prédio, o que possibilitaria a mudança na apresentação da construção originalmente branca

respeitando a integridade do monumento.

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Fig. 23 - Catedral Rosa, vídeo

apresentado na Mostra Cidade

Imaginário na Galeria Marco

Antonio Vilaça no Tribunal de

Contas da União em Brasília no

mês de maio de 2010.

Cada participante ficou com um holofote localizado junto ao espelho d‟água que circunda

o prédio. A intenção dos idealizadores era que a ação tivesse uma duração mínima já que se

trata de um ato subversivo, então a ação teve a duração de 5 minutos. Na intervenção Catedral

Rosa, vemos o poder de uma cor simbólica romper com a aparente imparcialidade do

monumento. A obra faz pensar sobre limites de intervenção e se há oportunidade para as

minorias se expressarem no espaço da cidade.

2.2.1–Interação/Contestação

“A caminhada é longa..., mas a vista é bela!!”- Autor desconhecido.

Fig. 24 – ponte próxima ao Zoológico, Saída Sul sentido Aeroporto.

Pichações e grafites, autorizados ou não, são ações dependentes do espaço urbano.

Geralmente os praticantes escolhem lugares vivenciados dentro da cidade onde há

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freqüentação de pessoas. Essas preferências denotam a intenção de interação não só com o

lugar, mas também com os que utilizam os espaços e com isso fazer pensar as questões que

tratam em seus trabalhos. As intervenções nas paredes interferem nas rotinas e modifica

aspectos da arquitetura e criam ambientes próprios. Sergio Leal arquiteto e urbanista,

entrevistado por Kátia Canton (2009, P.47), diferencia entre os “desenhados” e os “escritos” e

diz que nos últimos se desenvolve uma tipografia, uma assinatura pessoal e cria uma estética

própria uma linguagem para entendidos. OSGÊMEOS, Gustavo e Otávio Pandolfo (São

Paulo, 1974), em palestra no Centro Cultural Banco do Brasil pelo projeto Arte e

Inconsciente, em 09 de dezembro de 2009, dia reservado a discussão sobre Arte Urbana,

Falam que não gostam de diferenciar grafite e pichação e dizem que alguns trabalhos são

direcionados aos que são do meio. O que faz o trabalho tem é o local: a rua. “Grafite é o que

está na rua, na galeria é outra coisa.” E que preferem a rua porque “lá não há duble”. Falaram

sobre sua trajetória e justificam a ação relatando que ao serem abordados por policiais

querendo saber do porque “sujavam as paredes”, Justificavam: “Também moro nesta cidade e

não gosto dela cinza”. A atitude era de quem toma parte de algo que lhe diz respeito.

OSGEMEOS falaram sobre as relações que às vezes são conflituosas e outras há respeito pelo

trabalho do outro e trocas de experiências. Os trabalhos são muitas vezes realizados em grupo,

são ações que requerem caminhadas pela cidade para escolha dos locais, e a escolha de alguns

de difícil acesso para desafiar os grupos rivais.15

Fig. 25 - pichação Saída Sul sentido aeroporto - detalhe da provocação feita aos “fâs” (concorrentes ao espaço).

15

- Grupo “Pixação SP”, participante da 29ª Bienal de São Pulo em 2010 - Ver catálogo da Mostra.

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38

Depois que grafites passou a ocupar espaços de galerias e museus, grafiteiros passaram a

ser requisitados para ocupar espaço com diversas intenções, desde evitar que paredes sejam

“sujadas” por pichações, até projetos para pichadores virarem “artistas”.16

Fig. 26 e 27 - Detalhe de muro em casa no Setor Oeste da cidade do Gama e loja na w3 sul, Quadra 507.

Pedro Henrique Pereira é um artista do Distrito Federal que realiza entre grafites,

lambelambe (sticker), um projeto de intervenção em que se utiliza da pichação: Contrapoluo,

que é um “Conjunto de ações que pretende questionar e protestar contra prática da poluição

visual fazendo da mesma forma: poluindo!”.17

Fig. 28- Contra Poluo, 2010,

ação em paredes pela cidade da

Ceilândia.

16

- Ver como exemplo o projeto “Picasso não pichava” do Governo do Distrito Federal.

17

- blog Intervenção Urbana (Blog alunos matéria intervenção urbana da Faculdade Dulcina de Moraes).

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39

No trabalho de “Calma”, pseudônimo de Stephan Doitschnoff (São Paulo, 1977), a cidade

é usada como suporte e acolhe um projeto que se formou no contato com o ambiente e os

moradores.

De volta ao Brasil após residência em Londres, se instala por três anos em Lençóis no

interior da Bahia a fim de realizar um projeto de intervenção em moradias da cidade. O

trabalho traz elementos recorrentes no seu trabalho, mas o artista primeiro fez um contato com

a população para que seu tema tivesse uma relação com o lugar e vai definindo o tema e

construindo seus estudos através de conversas com os moradores enquanto pede autorização

para usar a paredes de suas casas. "No meu trabalho, sempre existiu uma pesquisa da relação

entre sagrado e profano, religião, morte e tempo" (...) "Na cidade, todos esses fatores já

estavam ali, na cultura popular marcada pela região e bem supersticiosa.".18

Fig. 29 - Stephan Doitschinoff, o “Calma” realizando grafites em casas da cidade de Lençóis, BA.

18

- Declaração em “Temporal”, vídeo produzido pela Movie Art e dirigido por Bruno Mitih durante o tempo

da realização do trabalho de 2005 a 2008.

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40

2.2.2 - Colagens

A ação de inserção de reprodução de fotografias antigas como retiradas de álbum de

família em paredes do setor comercial sul e na plataforma da rodoviária, podem estar a

questionar o estado de conservação ou evidenciar o passar do tempo dentro da cidade.

Algumas dessas fotografias apresentavam datas e dedicatória trazendo um dado de

familiaridade e relação de intimidade com quem observa ou com o ambiente que as recebe.

As paredes onde são fixadas apresentam um aspecto de descuido e deterioração, fazendo

um contraste com os pôsteres, quase todos em preto e branco. A intervenção, sem assinatura,

tinha uma indicação fixada de onde poderiam ser encontradas as demais imagens, mas foi

retirada como algumas das imagens pouco depois.

Figs. 30 e 31- Fotografias na Plataforma da Rodoviária.

As fotos são como stickers ou lambe-lambes interagindo com cartazes publicitários e em

placas de sinalização tendo a permanência relativa sofrendo as ações do tempo, como os

locais onde estão fixados.

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Fig. 32 - Stickers no Conic- SDS, em poste no Conjunto Cultural da República e Plataforma Rodoviária

Os sticks remetem adesivos que vinham em chicletes e como são preparados tem a

oportunidade de poder ser um pequeno trabalho guardado em lugares minúsculos até

participar de maneira mais visível, concorrendo com a propaganda fazendo mas por terem um

aspecto que denuncia uma produção artesanal, remetem imediatamente ao pessoal e acabam

por exigir uma visão mais poética. Leitura esta que pode se estender ao local onde está fixada.

2.3 - A Cidade Percebida Como Paisagem

“há quem passe pelo bosque e só veja lenha para a fogueira”

Leon Tolstoi (escritor russo - 1828-1910)

Nelson Brissac (2004, P. 104), diz que “A cidade é a paisagem contemporânea”. Brissac

destaca que a velocidade cada vez mais urgente do deslocar transforma a cidade em paisagem.

Com o deslocar cada vez mais veloz e determinado não conseguimos mais distinguir nem o

anúncio que se nos coloca à frente de outro que ficou há poucos minutos atrás na caminhada e

sua mensagem pode se confundir em nossa mente como se fosse uma só.

Essa impossibilidade de percepção não só pode ocorrer quando deslocamos no interior de

algum veiculo rápido, mas também pelas calçadas, pois estamos envolvidos no ritmo que

concorre com o dos veículos. Muitas vezes, as vias são contiguas e se cruzam. O movimento é

quase hipnótico e envolve como condição de quem está circulando junto a muitos. Seria

necessário para quebrar esse circular robótico um distanciamento. Uma necessidade de buscar

contrapor esta situação instituída em alguns locais. Essa postura, em alguns casos, é buscada

pelos que se utilizam da cidade de forma a transformar esses lugares de passagem em lugar de

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compartilhamento. Um lugar que atenda suas necessidades além do momentâneo, um lugar

que possa completar e fazer surgir oportunidades para todos que fazem uso do espaço próprio

da cidade.

Márcia Xavier (Belo Horizonte, 1967), é uma artista que mora em São Paulo e tem uma

produção calcada em apropriações de fotografias feitas por seu pai que era aviador e gostava

de registrar impressões dos lugares para onde viajava, para depois apreciar junto à família.

São imagens que estão relacionadas à memória da família.

Fig. 32 e 33 - Luneta de parede, 2009

Fig. 34 e 35 - Série Horizontes possíveis – 2010

Para apresentar as imagens, a artista desenvolveu objetos que remetem a instrumentos que

auxiliam na observação como os Binóculos e as lunetas, mas com formatos diversos que a

artista chama de “aparelhos ópticos” em entrevista no documentário exibido no programa

“Artes Visuais” da TVSESC. Os objetos que se utilizam de espelhos e lentes são instalados

no chão ou nas paredes da galeria e permite que manipulando ou mudando de posição, o

expectador experimente uma visão distorcida das paisagens fotografadas. A artista diz que

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deseja com o trabalho oportunizar visões diferenciadas, novas percepções questionando a

visão real. Brissac (2004, p. 408), fala sobre os aparelhos ópticos: “eles projetam um mundo

fora do nosso alcance” o que faz com que se perda a noção das distancias e dimensões.

Clarissa Borges (Tallahassee – EUA, 1976), trabalha preferencialmente com fotografias

transformadas em objetos e instaladas em ambientes.

Fig. 36 - Diálogos Geográficos: Um

encontro com o Parque Sabiá – Intervenção -

impressão sobre polietileno, 2008.

Em Diálogos Geográficos, como o título sugere, tenta fazer um diálogo com um espaço

específico, deslocando imagens de outro compondo nova situação ou oportunizando uma

experiência fora do que esse local naturalmente permitiria.

Fig. 37 - Série Turista Censurado - Fotografia digitalizada manipulada – 60 x 40 cm, 2003.

Em “Turista Censurado” registra lugares turísticos de Brasília e interfere nos registros

inserindo uma de tarja preta escondendo detalhes que dificultam a identificação do local

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fotografado. As informações a respeito da obra no local da exposição nos fala da intenção da

artista de censurar na foto os monumentos que são procurados por “turistas”.

Nelson Brissac (2004, p.31) destaca que o olhar estrangeiro é mais passível de não se

contaminar com a visão instituída da cidade. Brissac diz que o “estrangeiro” não sabendo o

que as estatuas (monumentos), significam “Pode ter acesso ao rosto interior das cidades”. Mas

o turista ou usuário da cidade que o trabalho pretende despertar com as imagens limitadas

com as tarjas, é o que vem para a cidade ter experiências decididas por imagens impostas e

assim não buscam relações fora dos monumentos que muitas vezes não consegue relacionar

com o que a cidade pode oferecer em sua totalidade.

Subproduto da circulação das mercadorias, a circulação humana considerada

como consumo, o turismo, reduz-se fundamentalmente à distração de ir ver o que já

se tornou banal. A ordenação econômica dos frequentadores de lugares diferentes é

por si só a garantia da sua pasteurização. A mesma modernização que retirou da

viagem o tempo, retirou-lhe também a realidade do espaço. (Guy Debord 1967,

p.109).

A artista fala sobre o trabalho por ocasião da mostra na Feira de Arte de Frankfurt na

Alemanha em 2002, revelando que suas fotografias fazem notar que a cidade sem os

monumentos é um “grande vazio” e com a intervenção faz um protesto onde a tarja representa

“luto por uma promessa não cumprida”.

A artista Karina Dias (Brasília, 1970) no seu trabalho faz pensar a visão da paisagem. Em

sua dissertação de mestrado, Paisagem (2010, p. 3), em uma abordagem histórica, diz que “a

paisagem necessita de uma pré disposição cultural para existir. Estar perto ou em contato

direto com ela não significa percebê-la”. E que ela não existe só no objeto, mas na interação

com o sujeito. È determinada por “uma maneira de ver o mundo”. No o livro publicado em

2010, Entre Visão e Invisão: Paisagem (por uma experiência da paisagem no cotidiano)19

,

explica que “Queria entender em que momento os caminhos de todos os dias, cujas

19

- Karina Dias – Entre Visão e Invisão: Paisagem – (uma experiência da paisagem no cotidiano), Ed.

Programa de Pós Graduação da Universidade de Brasília - UNB, 2010 - Comentários da autora sobre sua

pesquisa, encontrado em: http://www.karinadias.net/livro/index.ht.

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finalidades são mais práticas que contemplativas, transformam-se em paisagens, como se o

olho as estivesse vendo pela primeira vez”.

Fig.38 - Detalhe do vídeo janelas 1

No vídeo “janelas 1”, em que aparece um trecho do setor residencial a margem do Lago

Paranoá em Brasília, de forma fragmentada em retângulos verticais, como em janelas, que em

cada uma, apresenta um momento diferente do registro. A passagem do tempo é o elemento

que permite fazer-nos notar que os recortes se complementam e mostra um mesmo lugar, a

paisagem se altera. O trabalho permite variadas formas de apreciação. É como se na posição

de observadores pudéssemos avançar e retroceder no tempo ou então, guardar na memória

impressões que durassem até poderem ser comparadas a outras que ainda estão por vir. A

artista faz pensar a memória que guardamos de lugares. “Ter visto é o armazenamento, é a

memória, é a organização interna do que estamos vendo, é o que chamo de „invisão‟, um

mosaico de imagens que formam paisagens íntimas de cada observador.”

“Experimentá-la então, seria como ativar um movimento do olhar onde ver e não

ver se articulam, onde os pontos de não visão, de certo estado de cegueira se

transformam em invisão, em uma visão interna. E é nesta dialética entre ver e não

ver, entre não ver e ver internamente que se constitui o que chamamos de paisagem.

Aqui, não se trata de ver tudo, mas sim de se aproximar para habitar, de se situar

para olhar no mesmo, no espaço de sempre, a diferença.” - Karina Dias ( no site da

artista ver nota rodapé 19).

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Fig. 39 - Passager II, detalhe do vídeo.

Em outro vídeo “Passager II”, um lugar é mostrado com um deslocamento da esquerda

para a direita através de uma janela central em formato panorâmico. À medida que vai sendo

mostrados os lugares vai se abrindo janelas menores verticais abaixo com fotografias que

percebemos, são retiradas do que apresentado na janela horizontal. Este vídeo remete a ação

de quem viaja olhando tudo que vem ao alcance de sua visão e seleciona lugares que acha

mais interessante e registra. Remetem os recortes a uma das formas de registros de viagem: a

fotográfica. A fotografia é apenas um recorte possível da apreciação e o ato determina a

exclusão da maioria para privilegiar o que mais atrai ou que pode vir a representar o geral.

“Minha intenção é, através da minha prática artística, desenvolver a idéia de que

a paisagem cotidiana se revela em meio às coisas, em um movimento acelerado de

pontos de vista distintos, ela é passagem, um deslocamento do olhar.” - Karina Dias

(no site da artista, ver nota de rodapé 19)

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2.4 – Espaço Paralelo

“Vou-me embora pra Pasárgada”

Manuel Bandeira

Fig. 40 - Cidade Hydrospatial, 12 maquetes

apresentadas na 4ª bienal do Mercosul, 2003.

Gyula Kosice (Košice, Checoslováquia, 1924), cria esculturas que instala em galerias e

com seu trabalho critica a constituição das cidades apresentando uma mostra do que ele acha

mais coerente como projeto de arquitetura e urbanismo. Em um manifesto (Manifesto

Madi)20

, em que apresenta formas alternativas de viver “habitat no espaço”. Em declaração no

seu site o artista diz que "O homem não deve terminar seus dias na Terra”. Kosice em texto

publicado no catálogo da Mostra da 4º Bienal do Mercosul, explica as ideias do trabalho

apresentado:

“Em La Cidad Hidroespacial nos proponemos destituir la angustia y lãs

enfermidades, revalorizar el amor, los recreos de la inteligência del humor, el

esparcimiento lúdico, los desportes, los júbilos indefinidos, lãs possibilidades

mentales hasta ahora no exploradas, la abolicion de los limites geográficos y del

pensamento.”21

Adriana Rosemberg, curadora da Mostra Argentina, no texto do catalogo, aponta que o

artista “Transgride regras habituais de espaço, tempo, gravidade, lugar, Norte-Sul, leis

construtivas da arquitetura, consolida a realização da arte com a vida.”

20

- No site do artista encontrado em: http://www.kosice.com.ar/esp/afirmacionesdearturo. php.

21

- Na cidade hidro-espacial nós propomos distruir a angustia e as enfermidades, revalorizar o amor, os

recreios da inteligência, o humor, os espaços lúdicos, os júbilos indefinidos, as possibilidades mentais até agora

não exploradas, a abolição dos limites geográficos e do pensamento. - Texto de Gyula Kosice, artista

representando a Argentina na mostra, com curadoria de Adriana Rosemberg, no catalogo IV Bienal do Mercosul

Fundação de Artes Visuais do Mercosul, Porto Alegre, Brasil, 2003.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O real dever do artista é salvar o sonho”

Modigliani

Para concluir este trabalho vou me servir de uma declaração encontrada no Catálogo da

Mostra Antoni Tàpies realizada em Brasília no CCBB entre os dias 25 de abril e 19 de maio

de 2005, onde Antoni Tàpies (Barcelona, 1923), fala sobre o cotidiano do artista em seu

ofício: “Todos os dias ao entrar no ateliê nos deparamos com tela branca que traz todos os

problemas para encontrarmos soluções. Mas no meu caso, não encontro tela em branco para

resolver, parto de uma infinidade de dados encontrados fora e o trabalho é saber reordená-los

para conseguir construir algo que me deixe feliz.” Este modo simples de Tàpies de descrever

como um artista trabalha e encontra motivação para sua produção é a intenção deste trabalho

que concluo.

No Primeiro capítulo, relato minhas procuras e formas de lidar com os elementos que

encontro no lugar onde vivo para construir minha poética. No segundo capitulo, busquei

relacionar artistas para descrever seus modos de produção construídos a partir de elementos

colhidos do seu ambiente. Consegui perceber, que artistas se utilizam de variadas estratégias

buscando enfatizar aspectos que julgam mais relevantes dentro das suas intenções, pensando o

que podem atingir com suas propostas. Aprendi que não existem limites a criação, há sempre

possibilidades de “invenção” como dizia Hélio Oiticica. Fazendo agora uma reflexão sobre os

trabalhos dos artistas citados e outros que observo por terem um método de pesquisa parecido,

destaco que além do fato de buscarem no meio em que estão situados os elementos para

construção de seus projetos artísticos, existe a também a necessidade da participação nas

questões que o meio traz e de alguma forma buscar maneiras de colaborar com possíveis

mudanças. A poética do lugar que é tema da 8ª Bienal do Mercosul e de muitas mostras

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realizadas recentemente, denotam a preocupação na contemporaneidade com as questões do

lugar. A cidade é a realização para o homem na atualidade, sua construção diária passou a ser

o ideal. Então a Arte, realização dos homens, quer continuar a fazer ver e pensar as ações dos

homens.

O andar é só uma dentre as várias formas de se locomover que permite experiências

diferenciadas. Acredito que os caminhos podem ter trechos parecidos, e levarem a direções

muito próximas, mas cada um, com suas características, levam a lugares distintos. O ato de

caminhar provoca a necessidade de mais conhecer/experimentar. Lembrando as lições de

Fayga Ostrower (1977), a maturidade do processo se faz com a prática, e o exercício na

produção consciente. Após a pesquisa concluo que o conhecimento se alarga a ponto de poder

visualizar outros futuros caminhos, com a consciência de que há muito a construir além do

horizonte quando se sabe como seguir e o que fazer com o que se pode encontrar.

Desde antes da pesquisa, meu modo de recolher elementos para meu trabalho era as

caminhadas pelos lugares que sinto curiosidade e ao visitar as mostras dos diferentes artistas

com suas propostas diversas, procurei aprender com seus modelos de trabalhar os temas e usar

os materiais, pensando como faria se fosse eu a realizar tais trabalhos. De certa forma havia

descoberto uma fórmula de criação. Mas foi nas leituras que se confirmou ou aprimorou

algumas descobertas feitas intuitivamente. O que buscamos com a produção em artes está

relacionado à vida e como esta, está cheia de incertezas. Sabemos simplesmente, como em

Van Gogh, que devemos nos esforçar por fazer algo que faça valer a pena os prazeres e as

penúrias da procura. Salvar ou criar o sonho para mim é um pouco do muito que a criação

pode oferecer como resposta do artista à humanidade que espera sempre de alguém uma

atitude heróica diante da vida.

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B – VÍDEOS

A Xilogravura de Rubem Grilo – Vídeo de Tarcisio Tatit Sapienza- DVDTECA Arte na Escola. Coordenação

de Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque. São Paulo: Instituto Arte na Escola, 2006.

Rubem Grilo – Xilográfico – Vídeo de Adriana Maciel, 2011. Na Mostra do Conjunto Cultural da caixa

Econômica em maio e junho de 2011.

A porta da Rua é a serventia da Casa de Moema Coelho disponível em

http://www.youtube.com/watch?v=H0FRGYXTy-s

Carmela Gross – Investigações – Vídeo de Luiz Duva para Projeto Investigações do Itaú Cultural, 2000.

Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=HHn0d_Wrros.

C - SITES E BLOGS

http://clarissaborges.blogspot.com/p/turista-censurado.html

http://www.karinadias.net/livro/index.htm

http://intervencao-urbana.blogspot.com/ com trabalhos da disciplina intervenção urbana da Faculdade Dulcina

de Moraes.

http://www.bienalmercosul.art.br/blog/