“São Sebastião, Padroeiro do Rio” -...

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1 Carta Pastoral do Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro “São Sebastião, Padroeiro do Rio” Aos irmãos e irmãs cujas vidas estão marcadas pelo sofrimento, particularmente a todos os que estão privados da sua liberdade nos presídios, aos que vivem presos ao seu leito hospitalar ou doentes em suas residências, aos mais esquecidos das periferias de nossas metrópoles, aos que já não conseguem vislumbrar uma centelha de misericórdia, vivendo fora da comunhão de Deus e da ação pastoral da Santa Igreja, aos que experimentam cotidianamente a violência, aos que deixaram de acreditar no amor e na bondade, a todos os leigos e leigas que levam adiante com alegria a missão, aos sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas

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Carta Pastoral do Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro

“São Sebastião, Padroeiro do Rio”

Aos irmãos e irmãs cujas vidas estão marcadas pelo sofrimento,

particularmente a todos os que estão privados da sua liberdade nos presídios,

aos que vivem presos ao seu leito hospitalar ou doentes em suas residências,

aos mais esquecidos das periferias de nossas metrópoles,

aos que já não conseguem vislumbrar uma centelha de misericórdia,

vivendo fora da comunhão de Deus e da ação pastoral da Santa Igreja,

aos que experimentam cotidianamente a violência,

aos que deixaram de acreditar no amor e na bondade,

a todos os leigos e leigas que levam adiante com alegria a missão,

aos sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas

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e aos irmãos bispos auxiliares,

que tanto ajudam na minha missão nesta

Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.

1. Pela quinta vez, dirijo-me aos irmãos e irmãs desta amada Arquidiocese

de São Sebastião do Rio de Janeiro através de uma Carta Pastoral. Tendo

manifestado o que penso e sinto a respeito de minha missão como pastor

desta parcela da Igreja de Deus1 e tendo expressado a alegria da

consagração,2 manifestado minha alegria de que “a esperança não

decepciona”,3 em sintonia com o Santo Padre, o Papa Francisco, já

trabalhamos a temática do Ano Santo extraordinário em que queremos

testemunhar “a misericórdia”.4 Agora, gostaria de propor uma reflexão

sobre a vida do nosso Glorioso Padroeiro vendo em seu testemunho, a

presença da misericórdia de Deus como fonte para manter a Fé, não perder

a Esperança e praticar a Caridade.

2. Depois das celebrações natalinas e da passagem do ano civil, o Rio de

Janeiro se alegra com as celebrações de seu padroeiro. Nós, os cariocas,

amamos profundamente nossa cidade. Por isso, alegramo-nos, como já

disse tantas vezes, pelas belezas naturais e humanas que a tornam

eternamente maravilhosa. Por outro lado, carregamos em nossos corações

angústias, quando, por exemplo, sentimos de perto a violência, o

desrespeito à pessoa humana, o desemprego e tantas outras causas de

preocupação. Por isso, é tão importante voltar os olhos e o coração para

                                                            1 Amar, Unir, Servir in Carta Pastoral, 25 de fevereiro de 2014. 2 Gratidão, Paixão, Alegria e Esperança in Carta pastoral para o Ano da Vida Consagrada, 2 de fevereiro de 2015. 3 A Esperança não decepciona in Carta Pastoral para o Ano da Esperança, 1º de novembro de 2015. 4 “Olhou com misericórdia e o escolheu” in Carta Pastoral para o Ano da Misericórdia, 13 de Dezembro de 2015.

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aquele que o Pai de Misericórdia deu como padroeiro para nossa cidade.

Podemos e devemos aprender com esse grande homem de Deus que

entregou a sua vida por amor à causa do Evangelho. Assim sendo, entrego,

com meu coração de pastor, mais esta Carta Pastoral no desejo de que ela

seja lida individual e comunitariamente, sendo uma ajuda para que os

cariocas enfrentem as dificuldades da vida com a mesma garra de seu

padroeiro, sempre confiantes na Misericórdia de Deus.

3. A vida dos Santos sempre nos ajuda a crescer no fervor de viver uma

vida cristã autêntica. É o caso do nosso São Sebastião. Porém temos poucas

informações históricas pois se trata de um homem de Deus do século III

que morreu mártir. Nesses casos as Atas dos martírios eram escritas muito

mais pelos torturadores que queriam demonstrar que não valia a pena ser

cristão com poucas referências às vidas dos que estavam sendo

martirizados. Por isso temos que nos mover entre algumas fontes históricas

escritas que são mínimas e outras fontes da tradição oral que se conservou

na comunidade cristã e que foi sendo transmitida por diversos meios.

Notemos também que o carinho do povo de Deus muitas vezes por razões

de piedade “enfeitou” essas vidas com episódios e sentenças salientando

algumas virtudes daquele que tanto querem bem. Por isso sempre haverá

algumas diferenças nas biografias de nossos mártires dos primeiros séculos.

4. Já há algum tempo, tenho refletido sobre a ligação entre São Sebastião e

a cidade num mundo em grandes transformações. São Sebastião nasceu em

Narbone, uma cidade ao sul da França. Ainda pequeno, migrou para Milão

e depois foi para Roma. Nestas cidades, recebeu os primeiros ensinamentos

a respeito da Fé, forjou sua personalidade na Esperança e descobriu a

grandeza da Caridade. Agora, como padroeiro e referência do povo carioca,

ele nos convida a viver numa outra grande cidade, nosso Rio de Janeiro,

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com as mesmas atitudes: acolher e transmitir a fé, não perder a esperança e

sempre praticar a caridade. Ele é o anunciador da misericórdia de Deus.

São Sebastião é um santo urbano, um santo das cidades de ontem para a

Cidade Maravilhosa de hoje.

5. Também me chama a atenção o que estava acontecendo no mundo no

tempo de São Sebastião. A grande Roma, fundada séculos antes, queria se

expandir. Através da guerra, anexava mais territórios, submetendo povos

inteiros, uma história que aprendemos ainda pequenos na escola. Depois de

um tempo de guerras violentas, um pouco de paz surgiu. De um certo

modo, os diversos povos tinham alguma liberdade para seguir seus

costumes, mas, no entanto, deveriam venerar (ou mesmo adorar) o

Imperador como valor mais sublime, mesmo que este fato viesse em

contrário aos costumes, às tradições e às crenças de cada povo. Foi neste

período que Jesus nasceu, cresceu, padeceu, morreu e ressuscitou. Foi neste

período que os primeiros cristãos, após o envio missionário, partiram

mundo afora, e foi ainda por volta desse período que viveu nosso

padroeiro. São Sebastião é, portanto, um santo também das épocas em que

tudo se transforma, das épocas em que a violência vai e vem, dos tempos

em que se acredita viver em paz, bastando, para isso, adorar quem se

apresenta como deus, ou seja, como realidade mais importante.

OS CRISTÃOS NUM MUNDO QUE NÃO OS COMPREENDE

6. Grandes cidades e grandes mudanças. Assim foi o surgimento e o

crescimento do Cristianismo. O número de cristãos cresce cada vez mais. A

partir do momento em que constituem um grupo numericamente

significativo, os discípulos de Cristo passam a ser vistos como ameaça. O

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Cristianismo chega a Roma vindo do Oriente. Os cristãos são, então, um

grupo de imigrantes cujos costumes, por não serem compreendidos,

tornam-se igualmente mal vistos. Alguns escritores cristãos, os apologistas,

tentam defender a sua comunidade diante da opinião pública e das

autoridades. Mas não conseguem impedir que a perseguição se abata sobre

os cristãos. A perseguição costumava começar com calúnias e difamações,

chegando, ao final do processo, com o martírio.

7. De todas as acusações, a mais grave estava no fato de que os cristãos não

praticavam os cultos tradicionais que o império romano tinha estabelecido

como condição de paz. Os cristãos não seguiam determinados costumes

considerados importantes. Chegava-se mesmo a acreditar que, se os

cristãos continuassem adorando Jesus Cristo e não o deus dos romanos,

catástrofes poderiam advir e os inimigos poderiam derrotar o Império. Com

isso, os cristãos foram, pouco a pouco, sendo considerados malditos,

inimigos e destinados à perseguição e à morte.

8. Apesar de tantas transformações, desde a Roma de São Sebastião até o

nosso Rio de Janeiro de hoje, creio que podemos perceber certa linha de

continuidade. O mundo se organiza de determinado modo, acreditando que

este modo gera a paz. Se alguém pensa e, mais ainda, age diferente, esta

pessoa é considerada estranha, maldita e sujeita a calúnias, difamações e

perseguições. Não há, desse modo, como não considerar São Sebastião um

santo profundamente atual, com um testemunho que nos deve interpelar a

todo momento, questionando nosso modo de viver a Fé. Quem não deseja a

paz? Quem se alegra com a violência e a guerra? Nossa cidade não está

acolhendo refugiados de regiões em guerra violentíssima? Os cristãos do

tempo das perseguições e, dentre eles, nosso querido São Sebastião, nos

ensinam que se desejamos a paz não podemos construí-la como se fosse um

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castelo de cartas. Um simples sopro e tudo cai. São Sebastião sabia onde se

enraizava verdadeiramente a paz. Por isso, ele foi um mártir.

9. As calúnias populares eram compostas por três acusações: 1- os cristãos

são ateus; 2- os cristãos praticam o incesto e 3- os cristãos são

antropófagos. Detalhemos: 1- os cristãos são ateus – como eles não

participam de cultos tradicionais das religiões oficiais, supõe-se então que

não tenham nenhuma religião. Para a mentalidade antiga, trata-se de uma

aberração. O equilíbrio da cidade se encontraria ameaçado. Com efeito, os

deuses afrontados se vingam enviando calamidades tais como inundações,

tremores de terra, epidemias, invasões dos bárbaros. Pensa-se que os

cristãos têm outro culto inconfessável, o culto do asno, ou de um bandido

condenado à cruz. 2- os cristãos praticam o incesto – se reúnem para

refeições noturnas, e isso ocorre para se entregarem às orgias, às piores

torpezas entre “irmãos” e “irmãs”. As calúnias e difamações tomam corpo

e são divulgadas como verdades. 3- os cristãos são antropófagos – esse

corpo e esse sangue que ingerem são os de uma criança vítima de um

assassínio ritual.5 Não compreendem o mistério da Eucaristia e traduzem de

maneira errônea.

O QUE É UM MÁRTIR?

10. “Mártir” evoca aquele que morre em meio a suplícios cruéis por causa

da fé. Mas é necessário recordar que essa palavra, em sua origem significa

“testemunha”. O mártir, de fato, é alguém que dá testemunho de sua fé em

Jesus, como o único Senhor, excluindo qualquer outro, até mesmo o

                                                            5 Ibidem.

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Imperador ou quem se apresente como se fosse deus. O cristão não busca o

martírio, muito embora isso possa acontecer. Ele pode fugir à perseguição,

pois todos somos chamados a preservar a vida. Mas, quando a perseguição

e o martírio chegam, é preciso dar testemunho até o fim, imitando Jesus em

sua paixão e em sua morte. Portanto, o mártir se identifica com Jesus e

chegará à ressurreição juntamente com o seu Mestre.

PERSEGUIÇÕES E MÁRTIRES

11. Os séculos II e III (até o ano de 313) na História do Cristianismo são

marcados pelas perseguições do Império Romano e pelo sangue derramado

dos mártires. O altíssimo valor deste testemunho – de quem preferia

entregar a própria vida a renegar a fé em Cristo – foi logo percebido e deu

lugar a muitos documentos, celebrando o heroísmo dos cristãos e, logo

depois, a um verdadeiro culto, que se intensificou nos séculos III e IV.

12. Posteriormente, o culto dos mártires e a admiração por eles suscitada

geraram também certo número de lendas e interpretações exageradas na

devoção e na literatura populares. É claro que aqui devemos nos ater aos

fatos comprovados, ou razoavelmente certos, e não a fábulas, mesmo

piedosas ou edificantes. O Cristianismo não precisa senão dos fatos para a

sua história e a sua grandeza. Uma visão realista e honesta dos

acontecimentos será também a mais eficaz lição para hoje, e poderá

suscitar permanentemente o zelo e a dedicação à causa da justiça e da

liberdade cristã. Mas até podemos compreender o modo de falar com certo

exagero dos “heróis da fé”, pelo entusiasmo dos cristãos ao sentirem-se

impelidos a venerar tão grandes testemunhas.

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A GRAVE CRISE DO TERCEIRO SÉCULO (200-300)

13. O século terceiro vê Roma em gravíssima crise. As relações entre

Cristianismo e Império Romano transformam-se, embora nem todos o

percebessem. A grande crise é assim descrita pelo historiador grego

Herodiano: “Jamais houve, nos duzentos anos passados, um tão frequente

suceder-se de soberanos, nem tantas guerras civis e contra os povos

limítrofes, nem tantos movimentos de povos. Houve uma quantidade

incalculável de assaltos a cidades no interior do Império e em muitos países

bárbaros, de terremotos e pestilências, de reis e usurpadores. Alguns deles

exerceram o comando longamente, outros mantiveram o poder por

brevíssimo tempo. Algum deles, proclamado imperador e glorificado,

permaneceu um só dia e logo desapareceu”.

14. Em meados do século terceiro, por volta de 250, Roma começou a

perder seu poder e sua influência. Do leste e do norte vieram duríssimos

ataques. Eram terríveis os amontoados de destroços que deixavam. A peste

atingiu os soldados e se espalhou por todo o Império. A vida regrediu ao

estado primitivo e selvagem. A agricultura e o comércio foram

praticamente aniquilados.

15. Na hora do desespero, as pessoas costumam correr para qualquer canto,

apegando-se a quem promete proteção e vitória. Não foi diferente no tempo

de São Sebastião. Como o Imperador perdera o seu poder, as pessoas

começaram a se agarrar às mais diversas divindades. Surge, por exemplo,

numa região conhecida como Quirinal, em Roma, um templo à deusa

egípcia Isis. O Imperador impõe a adoração do deus sol. O povo recorre a

ritos mágicos para manter a peste distante. Enquanto isso, continuam as

terríveis perseguições contra os cristãos. Alguns dos novos imperadores,

mesmo não sendo romanos de nascimento, veem o retorno à centralização

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em torno do Imperador e de sua religião como único caminho para se

livrarem de tanto mal. Com isso, decretam a extinção dos cristãos, sempre

mais numerosos. Era o desejo de lançar fora esse “corpo estranho”, cada

dia mais forte e sólido, por isso visto como ameaça.

O IMPÉRIO DE DIOCLECIANO

16. Em 271, o Imperador Aureliano tomou a decisão de abandonar algumas

áreas que poderiam fornecer recursos para a sobrevivência do Império.

Com isso, sobrou ao povo arcar com as despesas. Aumentaram-se as taxas

sobre diversas situações. Há quem diga que, naquele tempo, o povo não

sabia se trabalhava para sobreviver ou se para pagar as taxas do Imperador.

Interessante como esses fatos se repetem pela história afora, e também hoje

sofremos do mesmo sintoma.

17. Em 284, Diocleciano foi aclamado imperador. Desde então, as taxas

seriam pagas por cada pessoa e por cada pedaço de terra cultivável. A

coleta das taxas foi confiada a uma esperta e imensa burocracia, que punia

de modo desumano quem não cumpria com as obrigações das taxas. Estas

eram tão pesadas que tiravam a vontade de trabalhar. A solução foi proibir

que se abandonasse o lugar de trabalho, o pedaço de terra que se cultivava,

a oficina, o uniforme militar. “Teve início, dessa forma a feroz tentativa do

Estado “de espremer a população até a última gota”… Sob Diocleciano é

realizada uma ditadura integral do estado: terrorismo de funcionários,

fortíssima limitação da ação individual, progressiva interferência estatal,

pesadas taxações”.6

                                                            6 Ibidem.

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18. Os primeiros vinte anos do reino de Diocleciano não molestaram os

cristãos. Em 303, como um golpe de cena, desencadeou-se a última

perseguição contra eles, levada a efeito pelo oficial Galério, uma espécie de

assistente muito próximo de Diocleciano. Este homem “pôs fim, em 303, à

política prudente de Diocleciano, que se abstivera de atos intransigentes e

intolerantes. Quatro editos consecutivos entre fevereiro de 303 e fevereiro

de 304 impuseram aos cristãos a destruição dos lugares de culto, o confisco

dos bens, a entrega dos livros sagrados e a tortura até à morte para quem

não oferecesse culto em honra do Imperador. Como sempre, é difícil

determinar os motivos que levaram Diocleciano a aprovar uma atitude

deste tipo. Pode-se supor que tenha sido objeto de pressões por parte de

ambientes pagãos fanáticos. Numa situação de angústia generalizada,

acreditava-se que só o retorno à antiga religião de Roma poderia unificar o

povo e persuadi-lo a enfrentar tantos sacrifícios. Era preciso retornar às

antigas leis e à tradicional disciplina romana.7 Este foi o tempo de São

Sebastião, um tempo com diferenças, mas também com semelhanças com o

nosso. O desespero diante das dificuldades é capaz de levar as pessoas, em

qualquer situação, a cometer atitudes que não ajudarão a solucionar os

problemas, mas, ao contrário, só os tornarão piores. São Sebastião, porém,

não caiu nas armadilhas do desespero.

SEBASTIÃO

19. Era um soldado romano que foi martirizado por professar a fé em

Cristo Jesus, diante da forte pressão para renegá-la. Sua história é

conhecida somente pelas atas romanas de sua condenação e martírio.

Nessas atas de martírio de cristãos, os escritores anotavam poucos detalhes

                                                            7 Ibidem.

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sobre o martirizado e muitos detalhes sobre as torturas e sofrimentos

causados a eles antes de morrerem. Essas atas eram expostas ao público nas

cidades com o fim de desestimular a adesão ao Cristianismo.

SOLDADO ROMANO E CRISTÃO

20. São Sebastião nasceu na cidade de Narbona, na França, em 256. Seu

nome, de origem grega, Sebastós, significa divino, venerável. Ainda

pequeno, sua família mudou-se para Milão, na Itália, onde ele cresceu e

estudou. Sebastião optou por seguir a carreira militar de seu pai.

21. No exército romano, chegou a ser capitão da 1ª guarda pretoriana. Esse

cargo só era ocupado por pessoas ilustres, dignas e corretas. Sebastião era

muito dedicado à carreira, tendo o reconhecimento dos amigos e até mesmo

do imperador romano, Maximiano. Na época, o Império Romano era

governado por Diocleciano, no Oriente, e por Maximiano, no Ocidente. O

Imperador Maximiano não sabia que Sebastião era cristão. Não sabia

também que Sebastião, sem deixar de cumprir seus deveres militares, não

participava dos martírios nem das manifestações de idolatria dos romanos.

Por isso, São Sebastião é conhecido por ter servido a dois exércitos: o de

Roma e o de Cristo. Sempre que conseguia uma oportunidade, visitava os

cristãos presos, levava uma ajuda aos que estavam doentes e aos que

precisavam. Praticou assim as obras de misericórdia de visitar os cativos e

consolar os aflitos.

MISSIONÁRIO NO EXÉRCITO ROMANO

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22. De acordo com escritos atribuídos a Santo Ambrósio de Milão,8

Sebastião teria se alistado no exército romano já com a intenção de afirmar

e dar força ao coração dos cristãos, enfraquecidos diante das torturas. Nessa

destacada posição, Sebastião se tornou o grande benfeitor dos cristãos

encarcerados em Roma naquele tempo. Visitava com frequência as pobres

vítimas do ódio pagão, e, com palavras de dádiva, consolava e animava os

candidatos ao martírio aqui na Terra, que receberiam a coroa de glória no

Céu.

PERSEGUIÇÃO

23. Enquanto o Imperador empreendia a expulsão de todos os cristãos do

seu exército, Sebastião foi denunciado por um soldado. O imperador

sentiu-se traído, e ficou perplexo ao ouvir do próprio Sebastião que era

cristão. Tentou, em vão, fazer com que ele renunciasse ao Cristianismo,

mas Sebastião com firmeza se defendeu, apresentando os motivos que o

animava a seguir a fé cristã e a socorrer os aflitos e perseguidos.

MARTÍRIO

24. Ao tomar conhecimento de cristãos no exército romano, Maximiano

realizou uma caça a eles, expulsando-os do exército. Só os filhos de

soldados ficaram obrigados a servir o exército. E este era o caso do Capitão

Sebastião. Para os outros jovens a escolha era livre.

                                                            8 Santo Ambrósio – Ambrósio foi um arcebispo de Mediolano (hoje Milão) que se tornou um dos mais influentes membros do clero no século IV. Ele era prefeito consular da Ligúria e Emília, cuja capital era Mediolano, antes de tornar-se bispo da cidade por aclamação popular em 374. Ambrósio fora um fervoroso adversário do arianismo.

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25. O Imperador, enraivecido ante os sólidos argumentos daquele cristão

autêntico e decidido, deu ordem aos seus soldados para que o matassem a

flechadas. Maximiano mandou que ele fosse morto para servir de exemplo

e desestímulo a outros. Tal ordem foi imediatamente cumprida: num

descampado (ou numa floresta), os soldados despiram-no, amarraram-no a

um tronco de árvore e atiraram nele uma chuva de flechas. Depois o

abandonaram para que sangrasse até a morte.9

26. A dureza do coração humano é capaz das piores atrocidades. Não basta

querer tirar a vida de um ser humano, ainda há de fazê-lo com requintes de

crueldade? Quando será que o mundo vai compreender que a morte de um

ser humano, seja ele quem for, mutila toda a humanidade? O modo desse

primeiro martírio de São Sebastião – que sangrasse aos poucos até a morte

– era tremendamente cruel e doloroso.

RECUPERAÇÃO

27. Santa Irene, uma cristã devota, e um grupo de amigos, foram ao local e,

surpresos, viram que Sebastião continuava vivo. Levaram-no dali e o

esconderam na casa de Irene, que cuidou de seus ferimentos.

28. É fascinante ver a força da comunidade de fé. Mesmo diante das

ameaças do Imperador, a comunidade dos cristãos daquele tempo não

hesitou em se arriscar para salvar a vida do jovem Sebastião. Ninguém

deve ter pensado que haveria guardas escondidos para garantir que a

sentença fosse cumprida. O importante era tentar salvar um irmão na Fé,

um ser humano, um filho de Deus. Por isso, eu também me fascino diante

do muito que vejo neste Rio de Janeiro, Rio de São Sebastião. Vejo

                                                            9 Idem.

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comunidades atuantes, marcadas pela Misericórdia e pela Caridade, vejo

pessoas que, apesar dos sofrimentos, alguns comparáveis à tortura, não

perdem a Esperança, porque, assim como São Sebastião, sabem em quem

colocaram sua Fé (2 Tm 1,12). Estas pessoas e estas comunidades são, para

mim, sinais da misericórdia do Pai.

29. Necessitamos de novas “Irenes” que, com suas comunidades, tenham

coragem de enfrentar desafios e ajudar a curar as “flechadas” que a cidade

recebe na vida de seus moradores. São muitos os sofrimentos das pessoas,

mas são muitas as atitudes de cristãos comprometidos que dão suas vidas

para que o irmão “tenha vida em abundância”.

SEGUNDO MARTÍRIO

30. Passado um tempo, já restabelecido, São Sebastião quis continuar a sua

missão de evangelizador e, em vez de se esconder, com valentia

apresentou-se de novo ao Imperador, censurando-o pelas injustiças

cometidas contra os cristãos, acusados injustamente de inimigos do

Estado.10 Corrigir os que erram e orientar os que não sabem fazem parte

também das obras de misericórdia.

31. Porém, na liberdade de aceitar ou não a luz, o imperador Maximiano

não atendeu ao seu pedido. Sebastião insistia para que ele parasse de

perseguir e matar os cristãos. Desta vez, porém, o Imperador mandou que o

açoitassem até morrer e depois fosse jogado numa fossa para que nenhum

cristão o encontrasse.

                                                            10 Ibidem.

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32. É igualmente fascinante perceber o modo como São Sebastião reagiu a

tamanha maldade. Talvez, no lugar de São Sebastião, pensássemos apenas

em fugir ou evangelizar em local distante do Imperador. O mundo é tão

grande que podemos cair na tentação de justificarmos nossa preservação

com a possibilidade de evangelizar em outros lugares. É aqui, no entanto,

que atua a Misericórdia de Deus. Nosso soldado Sebastião sabia que a

causa maior do sofrimento das pessoas e da perseguição em razão da Fé

estava no Imperador. São Sebastião sabia que era preciso buscar também a

conversão do Imperador. Como, então, ir a outro lugar que não fosse de

volta ao Imperador a fim de clamar por sua conversão? São Sebastião não

se deixou alimentar pelo ódio, pela revolta, nem mesmo pela mágoa ao

Imperador. Ele se preocupou em converter o Imperador e, com isso, ajudar

também os demais cristãos. Assim acontece quando a Misericórdia de Deus

toma conta dos nossos corações. Aprendemos a separar o pecado do

pecador. Lutamos contra o pecado, mas buscamos a preservação da pessoa

do pecador, pois toda pessoa é filha do Deus que ama a todos por igual. O

Evangelho nos fala do Pai misericordioso que ama tanto o filho que saiu

como o que ficou em casa. A única diferença é como o filho responde ao

amor do Pai.

33. Talvez alguém diga que seria certo São Sebastião agredir o Imperador,

usando até mesmo de suas habilidades militares para assassiná-lo Afinal, se

foi tratado com violência, também com violência poderia tratar o

Imperador. Imagino alguém falando aos ouvidos de São Sebastião que

Deus teria manifestado Seu poder preservando a vida depois das flechadas,

e que este mesmo Deus manifestaria ainda mais Seu poder na hora em que

Sebastião matasse o Imperador. Não é assim que às vezes lidamos com

nossos problemas e, mais ainda, com quem nos faz sofrer? Não é assim que

achamos que a justiça de Deus funciona? Grandioso soldado Sebastião!

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Soube perceber que o poder e a justiça de Deus se manifestam exatamente

na Misericórdia, e esta não quer outra coisa que não seja a salvação de

todos, especialmente do pecador. São Sebastião é um anunciador da

Misericórdia de Deus!

SEPULTAMENTO

34. Uma piedosa mulher, Santa Luciana, sepultou-o nas catacumbas. Isso

aconteceu no ano de 287. Faz parte das obras de misericórdia dar sepultura

aos falecidos. Mais tarde, no ano de 680, suas relíquias foram solenemente

transportadas para a Basílica Superior construída pelo Imperador

Constantino, onde se encontram até hoje. Naquela ocasião, uma terrível

peste assolava Roma, vitimando muitas pessoas. Entretanto, tal epidemia

desapareceu a partir do momento da transladação dos restos mortais desse

mártir, que passou a ser venerado como o padroeiro contra a peste, a fome

e a guerra. Além disso é invocado como padroeiro dos atletas e de muitas

cidades, entre as quais a nossa.

35. O tempo passou desde que São Sebastião viveu e foi martirizado.

Entretanto, quando ouvimos palavras como peste, fome e guerra ficamos

com a impressão de que o mundo não mudou tanto assim. É verdade que o

mundo se modernizou e se moderniza a cada dia, com o avanço da

tecnologia. Mas, é igualmente verdade que os mesmos flagelos que

atingiam o tempo de São Sebastião atingem o tempo atual. As pestes

existem de vários tipos, desde o retorno de antigas doenças que, com um

pouco mais de atenção dos responsáveis, não precisariam reaparecer, até

catástrofes naturais que poderiam ser evitadas com um pouco menos de

ganância nos lucros e mais atenção com a natureza. O mundo de nossos

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dias tem tecnologia suficiente para alimentar todos os seres humanos. Se

não o faz é porque a mesma ganância roubou o lugar da Misericórdia na

mentalidade de muita gente. A guerra entre povos, a guerra em nome de

Deus, a guerra de facções dentro da cidade, a guerra entre famílias, a guerra

entre irmãos. A guerra tem novas formas, a ponto de o Santo Padre

Francisco, com sua voz profética, alertar o mundo que já estamos vivendo

uma terceira guerra mundial, “lutada aos poucos com crimes, massacres,

destruição" 11.

SÃO SEBASTIÃO PADROEIRO

36. Os santos, por serem invocados por muitos cristãos de um determinado

local, passaram a ser tidos como protetores desses lugares, tornando-se

assim padroeiros ou oragos. É daí que vem a tradição de colocar um santo

como padroeiro de uma cidade, arquidiocese, diocese, prelazia, paróquia e

quase-paróquia, bem como nas comunidades eclesiais. É claro que nos

primeiros séculos não tínhamos já as divisões territoriais eclesiásticas tal

qual temos hoje.

37. A data que marca a escolha do padroeiro para as catedrais, igrejas ou

localidades é o século VII. A partir desse século quase todas as igrejas

começam a organizar-se no sentido de elegerem os seus padroeiros, sendo

escolhidos, em primeiro lugar, naturalmente, as figuras do Divino Salvador

e da Virgem Maria, seguidos dos Santos Mártires.

38. Em documentos da Idade Média, é usual o nome de uma localidade ser

antecedido do nome do padroeiro, datando dessa época o processo da

                                                            11 Papa Francisco, discurso no Cemitério de Redipuglia, 13 de setembro de 2014

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constituição das paróquias formadas em núcleos sociais, a assinalar a vida

comunitária e religiosa das populações. Símbolo da fé do povo e sinônimo

de proteção à comunidade paroquial – a delimitar, por vezes, o próprio

território que lhe cabe, como guardião das terras e dos seus respectivos

habitantes, o santo padroeiro significa o amparo e o confidente, o protetor,

aquele que, por sua intercessão junto de Deus, tem a faculdade e a missão

de defender e obter para quem a ele recorre, o louva e nele confia, as graças

pedidas em oração e voto de promessa – particularmente nas alturas mais

precisas e difíceis da vida de cada um.

39. Temos muitos padroeiros para tantas situações e cidades. Também

temos muitos santos militares – Sebastião foi um destes soldados romanos

mártires e santos, cujo culto nasceu no século IV e atingiu o seu auge nos

séculos XIV e XV, tanto na Igreja Católica como na Igreja Ortodoxa. São

Sebastião é celebrado no dia 20 de janeiro. Existe uma capela no Palatino

em Roma com uma pintura que mostra Irene tratando das feridas de

Sebastião. Irene também foi canonizada, e sua festa é no dia 30 de março.

40. A devoção é um carinho especial que os católicos têm em relação a um

ou mais santos e santas. Não se trata de deixar de reconhecer que a

Misericórdia de Deus, quando acolhida e transmitida gera santidade, e que

o convite a ser misericordioso como o Pai tem sido acolhido por um

número incontável de homens e mulheres ao longo da história do

Cristianismo. No caso das devoções, trata-se de perceber que aquela vida,

aquele testemunho traz um significado especial para nós, sendo, como

todos os demais santos e santas, intercessor e modelo de fé, esperança e

caridade. O padroeiro nos inspira a buscar a misericórdia do Pai através do

reconhecimento de nossos pecados e da reconciliação. O padroeiro nos

inspira a transmitir a misericórdia do Pai através do testemunho, das ações

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missionárias, da caridade e de tudo mais que, brilhando entre os homens,

permita-lhes dar glórias ao Pai (cf. Mt 5,16).

A PIEDADE POPULAR

41. Para preparar a Festa do Padroeiro introduzimos em nossa Arquidiocese

uma trezena. Ao final dela, revejo tudo o que aconteceu e me vem à mente

a importância de se evangelizar através da presença junto às pessoas. Uma

Igreja em saída é uma Igreja que percorre, como Jesus fazia, as aldeias e

cidades, mas é também uma Igreja que, no seguimento de Jesus, chega aos

corações das pessoas do jeito que estes corações são, em suas buscas e

encontros do Deus de Misericórdia. Há uma necessidade muito grande de

um contato pessoal com os pastores. Vejo quantas necessidades que nos

são apresentadas e que supõem encaminhamentos para uma evangelização

e catequese.

42. Aproveitamos o início do ano civil para viver a Festa de São Sebastião

e, ao mesmo tempo, preparamos os grandes temas que norteiam a nossa

caminhada pastoral. Assim é que em 2012 aprofundamos a preparação da

Jornada Mundial da Juventude com o tema: São Sebastião, jovem discípulo

de Jesus Cristo. No alvorecer do ano da JMJ em 2013 era importante

suscitar a alegria do acolhimento e assim o tema foi: São Sebastião, irmão

na fé, acolhei-o! Dentro do Plano de Pastoral esse ano foi também o ano da

Fé. No ano seguinte, para os trabalhos da caridade social iniciamos o ano

com o tema: São Sebastião, discípulo do amor e da caridade. No ano

passado, ano da esperança foi essa temática que marcou a trezena: São

Sebastião, testemunha da esperança. Neste ano, ao alvorecer do jubileu da

misericórdia a imagem peregrina de São Sebastião percorreu mais de 2.700

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km e visitou mais de 105 lugares durante a trezena chamando a

Arquidiocese a entrar nesse tempo especial: São Sebastião, anunciador da

misericórdia de Deus.

43. Nesse sentido, uma trezena atinge o coração das pessoas que ainda

trazem um pouco dos inícios da fé aprendida no catecismo. Porém, isso

ainda está dentro do que os Documentos da Igreja chama de religiosidade

ou piedade popular, que deve ser um caminho para muitas pessoas

encontrarem e perceberem o amor misericordioso do Pai, manifestado em

Jesus, pela força do Espírito Santo.

44. Algumas vezes, encontramos resistências em relação a este jeito tão

simples e tão afetuoso de viver e manifestar a fé. É claro que isso é apenas

um resgate de pessoas que estavam talvez um pouco longe da Igreja ou um

reanimar algumas outras que necessitam de voltar ao caminho. Reconheço-

me cada vez mais convencido daquilo que, na verdade, sempre foi um dado

importante na nossa fé: Deus fala ao coração, Deus ouve o coração, Deus e

o ser humano se falam a partir do coração.

45. Os bispos da América Latina, reunidos em Aparecida, reconheceram

que exatamente esta religiosidade popular tem exercido um papel muito

importante na história do continente (DAp 37), sendo capaz de conduzir “a

Cristo, Senhor da Vida, em quem se realiza a mais alta dignidade de nossa

vocação humana” (DAp 43). Este, portanto, é “o precioso tesouro da Igreja

Católica na América Latina” (DAp 258), um tesouro que precisa ser

cuidado, zelado com carinho, purificado às vezes e, de modo criativo e fiel

ao Evangelho, sempre traduzido para o hoje de pessoas e povos (DAp 99).

Sim, estou plenamente convencido de que “é necessário cuidar do tesouro

da religiosidade popular de nossos povos para que nela resplandeça cada

vez mais a pérola preciosa que é Jesus Cristo (DAp 509).

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46. Por isso, bendizendo ao Deus de Misericórdia pelas maravilhas

acontecidas a cada Trezena, peço a este mesmo Deus forças para cada

católico carioca, pessoalmente e em comunidade, não considerar o trabalho

da missão popular da Trezena encerrado no dia 20 de janeiro. Ao contrário,

a Trezena, que faço tanta questão de participar integralmente, abre portas e

corações para um trabalho evangelizador que não pode parar. Continuemos,

portanto, caminhando, ao longo do ano, pelas ruas de nossas cidades

evangelizando e catequisando pelas diversas formas de presença. Em cada

momento desses, imagino a voz de Santa Isabel a manifestar o espanto por

se perceber visitada pelo Salvador (Lc 1,43). Para Isabel, o Salvador era

levado pela Virgem Maria.

MISSÃO PERMANENTE

47. Para as pessoas de hoje, o Salvador é levado pela Igreja. Daí meu

pessoal estímulo a que se continuem as visitas missionárias com as imagens

de Nossa Senhora, tão querida dos cariocas; de São Sebastião, o padroeiro

amado, e de todos os demais santos e santas. É claro que nesses momentos

o anúncio da Palavra de Deus que transforma pela ação do Espírito Santo e

convida o povo a uma nova vida é o centro dessa missão. Fico feliz em

ouvir relatos, como o de um local de trabalho, onde a cada dia uma imagem

da Virgem Maria permanece na mesa de um dos trabalhadores. Ao final do

dia, numa breve oração, a imagem é entregue a outro funcionário e, desse

modo simples e imediato, a presença de Deus vai sendo percebida e

acolhida, numa cidade que pode dar a impressão de que se esqueceu d’Ele

e de sua misericórdia, mas que, na verdade, O busca incessantemente,

convidando-nos a levá-Lo a todos os lugares, em todos os momentos.

48. Porém, muito mais somos chamados a fazer. Nunca Igreja em saída, a

nossa presença nos ambientes culturais, sociais, turísticos, comunitários,

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além dos locais religiosos e sagrados, faz parte dos desafios do nosso

tempo. A visita às pessoas abandonas, dependentes e vivendo uma vida

desumana é outro modo de uma presença que nos compromete com uma

transformação da sociedade. A mídia arquidiocesana exerce muito bem

esse trabalho, anunciando através de suas atitudes concretas o Reino de

Deus. Em tudo a Palavra vai sendo anunciada através dos sinais, das

leituras, das proclamações, das homilias, das escutas e orientações.

49. Agradeço a Deus por tantos belos testemunhos de bispos, padres,

consagrados e leigos que nesta grande cidade são presença evangelizadora.

Na convergência de carismas (no mesmo Espírito Santo), maravilhas

acontecem ao anunciar na unidade a alegria do Evangelho. Sejamos

missionários o ano inteiro (missão permanente), percorrendo também, entre

outros, o caminho da religiosidade popular. Assim, contribuiremos para o

resgate da identidade católica de nosso povo, identidade que, embora tenha

marcado profundamente a história latino-americana, como uma “preciosa

tradição”, começa a se diluir, a ponto de não conseguir mais se transmitir às

novas gerações (DAp 37-39). Trata-se, desse modo, de uma opção pastoral

que, integrada com uma sólida rede de comunidades, sempre aberta à

iniciação cristã e com forte animação bíblica de toda a vida, fortalecerá

ainda mais o rosto missionário da Igreja, a serviço da vida em todas as

situações.

50. Neste tempo de transformações culturais enormes, vejo como é

importante encontrar caminhos de presença junto ao nosso povo. Temos

uma longa trajetória a percorrer. Porém, confio que, unidos e juntos,

faremos o melhor para a nossa querida cidade tão bela, mas tão necessitada

de curas de suas feridas.

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51. A evangelização continuada e reiterada pelo anúncio do Kerigma, a

formação de uma paróquia comunidade de comunidades, o encontro em

torno da Palavra de Deus, a celebração dos sacramentos, em especial da

Eucaristia, uma sólida iniciação cristã e um comprometimento com os mais

necessitados e excluídos nos fazem viver esse tempo de grandes

transformações sabendo caminhar nos diversos carismas convergindo para

a comunhão, para a unidade. Eis o papel do nosso Plano de Pastoral

Arquidiocesano.

SEBASTIÃO TESTEMUNHA DA FÉ, DA ESPERANÇA E DA

CARIDADE

52. Estamos chegando ao final do nosso Plano de Pastoral Arquidiocesano.

Vamos nos preparar para iniciar os estudos para o novo. Será importante,

inspirados por São Sebastião, fazermos um retrospecto dos temas

vivenciados nestes últimos anos sobre as três virtudes teologais da Fé, da

Esperança e da Caridade. Abrindo o Ano da Misericórdia, chegou o

momento de olhar para o futuro de nossa evangelização e o novo Plano de

Pastoral. O nosso Santo Padroeiro viveu as virtudes teologais e, por seu

testemunho, ensinou e ensina a vivê-las nos dias de hoje, em pleno século

XXI. Recordo que a vivência destas três virtudes deve ser feita sempre na

perspectiva da Misericórdia. É esta que dá a tonalidade com que devemos

viver o seguimento de Jesus Cristo a cada dia de nossa existência.

53. As virtudes aqui tratadas são chamadas de teologais, pois se referem

diretamente a Deus e à comunhão com Ele. São infundidas no ser humano

em seu Batismo, o que não isenta esse mesmo ser humano de cultivá-las

em toda a sua vida por meio do conhecimento de cada uma delas e também

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da sua prática. São Paulo é que nos elenca e comenta a fé, a esperança e a

caridade, com certa frequência, em seus escritos (cf. 1Cor 13,13; 1Ts 1,3;

5,8). Vejamos cada uma das virtudes teologais, tendo sempre presente o

exemplo de vida de São Sebastião.

A FÉ

54. A Fé nos leva ao conhecimento de Deus no plano sobrenatural ou tendo

em vista a participação do homem e da mulher na vida santa neste mundo a

conduzir-nos à visão face a face na eternidade (cf. 1 Jo 3,1-3; 1Cor 13,12).

A fé é dada por Deus, mas exige uma resposta livre a Deus que lhe fala.

Falou, no Antigo Testamento, por meio dos Patriarcas e Profetas e, no

Novo Testamento, revelou-Se plenamente em Jesus Cristo (Hb 1,1-2), o

Verbo Divino feito carne por amor de Deus na plenitude dos tempos (cf. Gl

4,4). Esse mesmo Verbo, Jesus Cristo, deixou-nos a Igreja, seu Corpo

Místico prolongado na história (cf. Cl 1,4), por meio da qual renascemos

para a vida divina como filhos no Filho (cf. Gl 4,5) pelo Batismo. Este é o

primeiro sacramento a ser recebido, insere o ser humano na vida eclesial. É

bom ser Igreja! Ter senso de Igreja! Sentir com a igreja! Porém, é também

uma grande responsabilidade para com Deus e com os irmãos!

55. A fé é ato livre. Se um ser humano fosse (como, infelizmente, às vezes

foi e é) coagido a crer em algo, não se poderia dizer que essa pessoa vive a

verdadeira fé. Daí se dizer que o ato de fé passa pelo intelecto e pela

vontade, ou seja, é um ato da inteligência que não vê a verdade de fé como

irracional ou absurda, mas também não a entende plenamente por ser

suprarracional (está acima da razão) e daí passa a decisão à vontade: o

querer ou o não querer crer. Em outras palavras, na falta de evidência, o

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intelecto não precisa dizer “Sim”. Ele só o dirá se a vontade o mover a isso.

Daí, quem se põe a pensar em uma verdade de fé parece ter o seguinte

caminho: a fé diz que Jesus é, ao mesmo tempo, Deus e homem. Isso para a

inteligência não é evidente, mas também não se faz absurdo. Então, entra a

vontade em ação, ou seja, a inteligência parece perguntar-lhe: posso ou não

crer nessa proposição de fé? A vontade responderá de acordo com suas

disposições interiores: se está livre de preconceitos ou tem uma vida moral

que não se opõe a Deus, muito provavelmente acreditará, ainda que nem

sempre compreenda bem.

56. É Deus, a grandeza por excelência, que nos convida (e isso envolve o

nosso limitado intelecto) a participar de seus mistérios, que só a fé pode

abranger no claro-escuro ou na certeza de alguém que se lança não sempre

porque bem compreendeu, mas porque Aquele que revelou essa verdade é

digno de crédito. É dom d’Ele (cf. 1Tm 2,4).

57. É certo, no entanto, que ter fé não é a mesma coisa que ser crédulo ou

acreditar em tudo. Embora ultrapasse os limites da razão, ela não é

irracional e exige uma coerência interna como pré-requisito àquele que crê.

Isso nos afasta do fanatismo, que tanto destrói o ser humano com suas

realidades violentas.

58. Como Deus não pode se contradizer (cf. 2Tm 2,13), jamais imporá a fé

em um círculo quadrado, na parte maior do que o todo ou em outras

aberrações que ferem a lógica e o bom-senso humano. Nem por isso, no

entanto, a fé é mero ato do intelecto e da vontade, mas também do amor, de

modo que aquele(a) que mais ama, melhor entende o Senhor e seus

desígnios, até mesmo sem estudo algum. Deus se digna, às vezes, revelar

coisas aos pequeninos, mas não aos sábios e entendidos (cf. Mt 11,25-27).

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Devemos, portanto, fazer sempre atos de fé e rezar como o cego: Eu creio,

Senhor, mas ajuda a minha falta de fé! (cf. Mc 9,27).

59. Façamos, pois, nossas essas palavras do cego, e pedindo também a

intercessão de São Sebastião que, não obstante os sofrimentos físicos e

morais, soube acreditar a ponto de dar a sua vida plenamente à causa do

Evangelho e ele o fez por saber que não estava se doando em vão, mas,

sim, a uma causa nobre, ou à Causa mais nobre que há, entregar-se a Deus

em sua Igreja para o bem da humanidade, ainda que esse testemunho custe

a própria existência terrena, que abre as portas da eternidade feliz.

60. Nesse ano de 2013 em que o nosso Plano de Pastoral nos apontava a

necessidade do aprofundamento da virtude da fé, o nosso ato concreto foi a

realização da Jornada Mundial da Juventude. Sem dúvida que foi um ato de

fé corroborado por todos de nossa Arquidiocese, que se desdobraram para

que todos fossem bem-acolhidos, e que fosse um evento que marcasse a

nossa vida eclesial nesse século.

A CARIDADE

61. Na sequência de anos, o tema seguinte tratado foi a virtude teologal da

Caridade (o amor), que se liga também à misericórdia de Deus. Para bem

entendermos a questão é necessário dizer que os gregos tinham três termos

para designar amor: éros, philia e ágape. O Papa Bento XVI descreve

muito bem esses termos. Eros é o amor egocêntrico, interesseiro que pode

facilmente cair na depravação do ser humano, deriva daqui a palavra

erótico em sentido negativo; philia é o amor de amigos, daí vem o termo

Filosofia (amor/amizade para com a Sabedoria), e ágape é o amor fraterno,

serviçal, desinteressado, que domina a quase totalidade dos evangelhos e

dos demais escritos do Novo Testamento, em grego. Tal fenômeno é novo

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na história, dado que os povos cultos da Antiguidade Clássica muito se

valiam de éros e philia.

62. Essa novidade tem uma razão teológica de ser: Jesus Cristo é o Enviado

do Pai como gesto concreto do amor misericordioso do Senhor para com a

humanidade. Sim, é o maior gesto de misericórdia, pois Jesus se dá a nós

sem que O mereçamos, ou seja, quando ainda éramos pecadores (cf. Rm

5,7s; 1Jo 4,10). Ora, se Deus nos amou assim, devemos nos amar também

exercitando para com o irmão e a irmã um pouco dessa grande prova de

amor que Ele nos deu (cf. 1Jo 4,11). E esse amor, em nós infundido no

Batismo, nos faz participantes do amor divino (cf. Rm 5,5), daí amamos a

Deus como o Bem Supremo por ser Ele quem é e merecer do nosso amor, e

amamos o próximo por amor de Deus. Caso não fosse assim, não seria

ágape ou caridade (caritas, tis), mas mera filantropia, que é louvável em

muitos casos, mas não ultrapassa, como a própria análise etimológica da

palavra mostra, o aspecto humano. Ora, se amamos o outro por causa de

Deus não são decisivas as qualidades ou defeitos dele para que eu ame (a

simpatia e a antipatia ficam em segundo plano). Como exemplo desse amor

desinteressado, Deus dá o sol e faz chover sobre bons e maus (cf. Mt 5,45)

e manda amar – à diferença dos pagãos – a amigos e inimigos (cf. Mt 5,44;

Lc 6,27-35).

63. Distingue-se o amor afetivo e efetivo. O afetivo (de afeto) move os

sentimentos naturais para as criaturas visíveis e atraentes; já o amor efetivo,

embora possa deixar as pessoas um pouco frias com relação aos bens

visíveis, porque é objetivo e vai direto ao assunto, efetua o que significa e

faz o bem do próximo acontecer. É um amor consciente e profundo,

dirigido, em primeiro lugar a Deus, evidentemente, e ao próximo, em

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seguida, como manda a Escritura: amar a Deus e ao próximo (cf. Mc 12,29;

Lc 10,27, por exemplo).

64. Importa dizer ainda que o amor ou a caridade (ágape) se destaca entre

as demais virtudes teologais. É o centro delas e por isso as ilumina e dirige.

Não pode existir virtude autêntica sem amor, pois é ele que nos dirige

amorosamente a Deus e ao próximo. Sem amor nada se faz. Daí dizer Santo

Agostinho: “Ama e faze o que quiseres”! Sentença muito repetida, mas

pouco compreendida: seu sentido autêntico é o de que se a pessoa está

cheia do amor ágape (e não de outro tipo de amor, embora eles possam ser,

inclusive o éros, elevados pelo ágape) tudo o que ela praticar redundará em

bem ao próximo. Em outras palavras, com amor no coração a pessoa pode

fazer o que desejar e estará bem com Deus, consigo mesma e com o

próximo.

65. Resumidamente, aprofundemos o amor a Deus e ao próximo que se

fundem, mas, para melhor compreensão, devem ser tratados em separado:

a) o amor a Deus deve ser cultivado cada vez mais até chegar a se

manifestar de modo visível no bem do próximo. Quanto mais a pessoa vai

cultivando o amor a Deus, mais esse amor vai se fortalecendo e se

transmitindo na vida do dia a dia, de modo que ela não só se afasta do

pecado grave, mas também do pecado leve e, assim, chega à via da

perfeição cristã; b) o amor ao próximo é esboçado já na Lei de Moisés, no

Antigo Testamento (cf. Lv 19,18.33s), mas levado à plenitude em Jesus

Cristo a nos recomendar que todo ser humano, imagem de Deus, merece a

nossa solicitude (cf. Mt 25,31-46); Jesus mostra, na Parábola do Bom

Samaritano, que o amor não conhece limites (cf. Lc 10,29-37) e é o grande

distintivo dos cristãos (cf. Jo 13,34s), ensinado por Jesus, que deu a vida

pela nossa salvação.

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66. Ligadas ao amor ao próximo estão as obras de misericórdia12, que são

sete espirituais e sete corporais. As corporais são: dar de comer aos

famintos; dar de beber aos sedentos; vestir os nus; acolher os peregrinos;

visitar os enfermos; visitar os encarcerados e sepultar os mortos. As

espirituais são: aconselhar os duvidosos; ensinar os ignorantes; admoestar

os pecadores; consolar os aflitos; perdoar as ofensas; suportar

pacientemente as pessoas incômodas, e rezar pelos vivos e defuntos.

67. Dentro dos preceitos cristãos está também a correção fraterna, que deve

ser feita segundo Mateus 18,15-17, que leva aquele que corrige a detestar o

erro, mas a amar o errante, de modo que seja equilibrado, proceda por

etapas que o próprio Evangelho indica e não exponha a boa fama a que o

outro tem direito por um mero capricho pessoal. Aliás, a propósito,

parafraseando São Tomás de Aquino (†1279), o Papa Francisco disse, em

homilia na Casa Santa Martha, no dia 12/09/14: “Se você não é capaz de

fazer a correção fraterna com amor, com caridade, na verdade e com

humildade, você fará uma ofensa e uma destruição ao coração daquela

pessoa. Você fará uma fofoca a mais, que fere e, assim, você se tornará um

cego hipócrita, como diz Jesus” (cf. Mt 7,1-5).

68. Olhando para seu mestre Jesus, São Sebastião não teve medo de se

entregar e de assumir que era cristão. São Sebastião desempenhou

corretamente seus deveres como soldado, mas, por baixo das vestes

militares, estava um verdadeiro seguidor de Jesus Cristo, e dentro de seu

corpo pulsava um coração ardente de desejo de apoiar os perseguidos e

ajudá-los a seguir o Divino Mestre, não só durante esta vida, mas também

quando se encontravam prestes a partir para a eternidade. Mantinha em

segredo sua fé, como era comum entre os cristãos nas épocas de

                                                            12 Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2005, p. 197.

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perseguição, pois assim podia ajudar os que dele precisavam, mas não tinha

receio de perder seus bens ou sua própria vida.

69. Nesse Ano da Caridade (2014) procuramos continuar reorganizando os

nossos trabalhos sociais em redes e dando passos na presença junto a

pessoas que necessitam de uma presença da Igreja. O nosso gesto concreto

que marcou este ano foi a coleta de alimentos para o Haiti, que ultrapassou

– e muito – a proposta inicial. Um sinal da abertura e fraternidade dos

católicos do Rio de Janeiro.

A ESPERANÇA

70. No ano passado (2015) aprofundamos a virtude da esperança. Ela é a

posse antecipada dos bens que esperamos (cf. Hb 11,1). Abraão,

considerado o pai dos que creem, caminhava neste mundo, mas com a

esperança de chegar à cidade cujo arquiteto é Deus (cf. Hb 11,10). Todos

os Patriarcas e também nós hoje, enquanto pessoas de fé, somos

convidados, em meio às realidades visíveis, a pensar nas invisíveis, de

modo que a fé sempre desperta a esperança de chegar um dia a ver o que,

agora, acreditamos com a virtude teologal da fé. Por ela, temos a confiança

de viver o face-a-face da eternidade com a graça de Deus que a ninguém

falta. Ora, se Deus é o objeto máximo da nossa esperança, essa espera, que

é certa porque está fundamentada no próprio Deus, só pode nos trazer a

felicidade máxima, ou seja, aquela que, mesmo em meio às agruras deste

mundo, nos preenche de verdade, pois tem o olhar dirigido aos bens eternos

que nem a traça nem a ferrugem consomem (cf. Mt 6,19-21).

71. É por essa fé (traduzida em fidelidade) que o servidor fiel pode ouvir o

grande convite para entrar na alegria do seu Senhor (cf. Mt 25,23). Deus

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também é o grande motivo de nossa esperança, pois sem Ele não se pode

alcançar a salvação. É na esperança que somos salvos (cf. Rm 8,24), de

modo que, antes de Cristo, diz S. Paulo, os pagãos viviam sem esperança

(cf. Ef 2,12; 1Ts 4,13).

72. Essa esperança dos bens eternos em Deus e não apenas de bens

passageiros é que se chama de virtude teologal da esperança. Quem recorre

a Deus somente para pedir coisas passageiras parece não ter essa virtude,

pois, no mais íntimo de seu ser, vê o Senhor como um pai bonachão que dá

tudo o que o filho quer ou, pior, vive uma espécie de magia na qual se

obrigaria – pensa – o Senhor a fazer o que o fiel quer. Ele tem quase

certeza de que obriga a Deus ou faz d’Ele um grande empregado. Ora, as

esperanças do verdadeiro cristão se concentram em Cristo, pois só n’Ele

está a glória prometida pelo Pai aos seus filhos (cf. Cl 1,27; 1Tm 1,1).

73. É certo que, no caminho do visível ao invisível, podemos cair no

desespero, pois caminhamos como viajantes rumo a algo que não sabemos

bem como é. A beleza e a grandeza do além é indescritível (cf. 1Cor 2,9), e

isso pode nos assustar e levar mesmo cada um a se perguntar: terei forças

para cumprir tão alta meta? Que farei para corresponder ao chamado de

Deus em minha vida, que é nada mais nada menos que ser santo como

Deus é santo (cf. Mt 5,48)? Como chegarei lá? – A resposta não é difícil: se

eu confiar em mim mesmo e nas minhas próprias forças, poderei cair, me

perder e, consequentemente, ficar a meio do caminho; mas se eu tiver fé em

Deus, terei também a esperança de que tudo se realizará, dado que o Senhor

mesmo é a nossa força (cf. Fl 4,13) e Ele é quem me conduzirá à meta

almejada.

74. Longe do temor, a esperança em Deus inspira o amor. Vamos, no claro-

escuro da fé, descobrindo o grande chamado do Pai a cada um de nós:

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sermos filhos no Filho (cf. Gl 4,5). Enfim, se Deus colocou dentro de nós

essa esperança da eternidade, ela não será vazia. Mais ainda: não é ilícito

nem errôneo agir neste mundo esperando os bens definitivos, como ensina

o próprio Senhor Jesus ao falar que será grande a nossa recompensa no céu

(cf. Mt 5,12). Dessa recompensa grandiosa temos a certeza dada pela fé, e

almejamos com ardor pela esperança em nós infundida e alimentada pelo

mesmo Senhor. Ela assegura que nada nem ninguém pode nos separar do

amor de Deus (cf. Rm 5,35-37), por isso devemos caminhar sempre na

alegria do Senhor, pedindo a graça da perseverança nos Seus caminhos,

apesar dos percalços da vida presente que somos convidados, como bons

cristãos, a analisar com perspicácia e tentar ajudar a resolver com prontidão

de verdadeiros filhos e filhas de “uma Igreja em saída” e não fechada em si

mesma, como tanto nos tem alertado o Papa Francisco.

75. Durante o Ano da Esperança fomos convidados a ser missionários,

principalmente nas regiões mais longínquas e periféricas. O gesto concreto

da missão foi preparado e executado nesse ano. Além disso, quisemos que

fôssemos anunciadores da esperança em uma sociedade multifacetada

como a nossa. A missão permanente deve ser um movimento constante

para evangelizar e criar uma capilaridade católica em nossos bairros.

Continuar reevangelizando a grande cidade na missão permanente, e

aprofundando a fé em uma profunda iniciação cristã.

SÃO SEBASTIÃO E A SUA CATEDRAL

76. São Sebastião dá nome a muitos logradouros, prédios, regiões e eventos

em nossa cidade. A sua devoção anima tantas situações e leva os fiéis a se

inspirarem em seu exemplo para vencerem as dificuldades da vida e mesmo

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assim praticarem atos de misericórdia. Dentre os vários locais para os quais

São Sebastião dá nome, destaco dois deles: a nossa Catedral e a Basílica

Menor.

77. Dentre os monumentos dedicados a São Sebastião se destaca a Catedral

São Sebastião do Rio de Janeiro – bastante conhecida e o segundo

monumento mais visitado depois do Cristo do Corcovado. É um dos

prédios mais destacáveis do centro do Rio. Dentro de uma região com

domínio do concreto, a nossa Catedral é uma proposta atualizada para

trazer as nossas sadias tradições inculturadas com as realidades de hoje.

Com formas especiais, o local tem uma longa e bela história para contar. A

Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro passou séculos sem uma

catedral própria. Por isso, precisou utilizar várias igrejas antigas, como nos

primeiros 58 anos (entre 1676 e 1734) quando uma capela foi erguida no

Morro do Castelo. No ano de 1734, a Catedral foi transferida para a igreja

de Santa Cruz dos Militares, também no Morro do Castelo. Por lá ficou por

até 1737. Após isso, se mudou para a igreja de Nossa Senhora do Rosário e

São Benedito dos Homens Pretos. Essa nova instalação durou até 1808.

78. Com a chegada da família real, a casa mudou novamente. Dom João VI

mandou erguer a igreja Nossa Senhora do Carmo, na Praça XV. No

entanto, ainda não era o que o clero e os fiéis da Igreja do Rio de Janeiro

queriam. Depois de muito tentar, o clero carioca conseguiu, em 1964, um

terreno para, enfim, fazer a Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro. A

pedra fundamental foi abençoada e lançada por D. Jaime de Barros

Câmara.

79. D. Jaime faleceu em 1971 e não conseguiu ver a conclusão das obras da

nova Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, que aconteceu um ano após

seu falecimento e foi presidida por D. Eugênio de Araújo Sales. A Catedral

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mede 75 metros de altura externa e 64 metros de altura interna, 106 metros

de diâmetro externo e 96 de diâmetro interno, cada vitral: 64,50 x 17,80 x

9,60 metros; área de 8.000 m², com capacidade para abrigar 20.000 pessoas

em pé ou 5.000 sentadas. É como se fosse uma grande praça coberta para

as grandes celebrações da grande cidade.

80. Nossa Catedral inspira curiosidade já em seu estilo arquitetônico,

diferente dos estilos de muitas igrejas e diferente também dos prédios que a

circundam. Por fora, assemelha-se a uma forma cônica em concreto,

convidando quem a percebe a descobrir o que existe em seu interior. Este

fato tem um sentido evangelizador muito importante para nós. Se, por fora,

o que se vê é algo que inspira curiosidade, ao se entrar na Catedral, ao

perceber e contemplar seus quatro vitrais, a altura da igreja, ouvir um

pouco de música sacra de fundo musical e visitar todas as instalações que

ali existem, uma realidade nova se descortina. Já não é mais apenas um

monumento em concreto que mexe com nossa curiosidade, mas é a beleza

de uma obra de arte que nos aponta para o Deus Misericordioso que nos

quer abrigados junto a si (Lc 13,14; Mt 28).

81. De longe, Jesus pode inspirar várias interpretações (Mt 16,13-16). Só

percebe verdadeiramente Jesus Cristo quem mergulha para dentro Dele e O

deixa mergulhar para dentro de si. Não bastam a curiosidade nem a

distância. É necessário o envolvimento. Só então, assim como o visitante

fascinado pela nossa Catedral depois que nela ingressa, podemos, em

nossas vidas, repetir como São Pedro que Jesus é o “verdadeiro Messias”.

Essa foi a descoberta que São Sebastião fez ao longo de sua vida, uma

descoberta tão radical que não o fez temer nem mesmo o martírio.

82. Em nossa catedral se concentram as direções dos importantes trabalhos

pastorais, como a Caritas Arquidiocesana e o Banco da Providência. Além

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de concentrar as várias celebrações litúrgicas, reuniões arquidiocesanas,

museu de arte sacra, arquivo arquidiocesano e proporcionar a acolhida de

turistas ali existe um belo trabalho com os moradores de rua, que não

faltam nessa região central. Neste ano do Jubileu da Misericórdia é uma

importante referência para nossos trabalhos sociais.

83. Façamos nós também estas descobertas, renovando-as sempre que

formos à Catedral para as celebrações arquidiocesanas e para a oração

pessoal. Aproveitemos este Ano Santo e atravessemos a Porta Santa que ali

está. Arquitetonicamente, a porta santa da Catedral é muito ampla. Possui

20 metros de largura por 6 metros de altura. Por ela passam altos e baixos,

magros e gordos, santos e pecadores, ilustres e simples, adultos e crianças,

tristes e alegres, arrependidos e orgulhosos. Nossa Catedral, com sua

imensa porta se assemelha ao coração misericordioso do Pai, que acolhe a

todos. O importante, porém, é não sair do mesmo modo como se entrou.

Para isso precisa-se estar com a porta santa do seu coração aberta. É não

passar por Jesus deixando Jesus passar, pois Ele não quer ser visto apenas

de longe. Ele quer estar junto, quer acolher, quer transformar. Sabemos,

porém, que a porta do Reino de Deus é estreita (Mt 7,13-14) no sentido de

que são necessárias a conversão e a contínua vigilância, mas alegro-me por

termos uma Catedral onde, na Arquitetura, se manifesta o convite a estar

com Jesus e a grandeza do seu misericordioso coração.

84. A nossa Igreja Mãe está de portas abertas para que nesse lugar a nossa

Arquidiocese possa viver sua identidade e unidade concreta em vários

momentos durante o ano, reunindo-nos principalmente para algumas ações

litúrgicas. A peregrinação à Catedral não se faz apenas no Ano Santo! Ela

acontece sempre que saímos de nossas casas e paróquias para celebrar

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nossa unidade e comunhão, participando de momentos que o Senhor nos

proporciona em nossa caminhada de povo de Deus desta grande cidade.

BASÍLICA DE SÃO SEBASTIÃO

85. Além da Catedral, há, no Rio de Janeiro, outras igrejas, capelas e

paróquias dedicadas a São Sebastião. Uma delas, neste período das

festividades de nosso padroeiro, se destaca. É a Igreja Matriz da Paróquia

de São Sebastião, situada na Tijuca, Rio de Janeiro, mais conhecida como a

“igreja dos capuchinhos” por serem eles que servem a essa comunidade

como párocos e vigários paroquiais. Ela foi inaugurada em 15 de agosto de

1931. Sucede a antiga Igreja do Morro do Castelo, edificada em 1567, e

reconstruída por Salvador de Sá em 1583. Para este local foram

transportados o que chamamos de “Relíquias Históricas da Cidade”: os

restos mortais do fundador da cidade do Rio de Janeiro, Estácio de Sá,

morto em 1567; o marco zero (português) da cidade fundada em 1565, e a

pequena imagem de São Sebastião, de 1563.13

86. Em 1842, a Igreja de São Sebastião do Castelo foi entregue aos

cuidados dos frades capuchinhos. Essa igreja sobreviveu até 1922, quando

foi demolida juntamente com o Morro do Castelo. Embora com isso o Rio

de Janeiro tenha perdido uma das partes mais significativas de sua história

antiga, muitas coisas foram conservadas e transferidas para a igreja de São

Sebastião, na Tijuca.14 A memória da cidade iniciada na Praia de Fora na

Urca, entre os Morros Cara de Cão e o Pão de Açúcar, e do Morro do

Castelo, onde estavam os principais lugares marcantes da cidade, hoje é

conservada nessa Igreja da Tijuca, cumprindo assim as palavras do Frei

Eugênio de Cômiso: “A Igreja de São Sebastião não desaparecerá”

                                                            13 CARDEAL TEMPESTA, Orani. In artigo: Basílica de São Sebastião. Site da Arquidiocese do Rio de Janeiro. 14 Idem.

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(Palazzolo, Frei Jacinto, in Album Comemorativo do Jubileu de Prata da

Igreja de São Sebastião do antigo morro do Castelo, pg. 21).

87. A Igreja Matriz da Paróquia foi elevada por mim a Santuário

Arquidiocesano de São Sebastião, e, depois a Basílica Menor. No dia 17 de

junho de 2015, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos

Sacramentos emitiu o decreto que concede o título à igreja que fica

localizada no bairro Tijuca 15. Tive a alegria de concretizar esse título no

dia 1º de novembro do ano passado. Assim, esta igreja com tantas marcas

para a história da cidade do Rio de Janeiro recebe merecidamente os títulos

que a tornam de importância principal para a cidade, como foi considerada

por decreto municipal.

88. Com relação ao título de Basílica é importante recordar que o Papa é

quem concede o título de “basílica” a um templo. Só existem 4 basílicas

com o título de “Basílica Maior”, todas elas situadas na cidade de Roma:

São Pedro, São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo

Extramuros. As demais basílicas ostentam o título de “Basílica Menor”.

Existem cerca de 1.500 ao redor do mundo, algumas das quais aqui no Rio

de Janeiro. Uma Basílica Menor é uma igreja considerada importante por

diferentes motivos, tais como: veneração que lhe devotam os cristãos,

transcendência histórica e beleza artística de sua arquitetura e decoração.16

89. A Igreja Matriz de São Sebastião na Tijuca, administrada pelos Frades

Capuchinos, também Santuário Arquidiocesano e Templo de interesse

afetivo para o município do Rio de Janeiro, é a mais nova Basílica desta

cidade. É uma marca para os 450 anos de fundação deste município. A

Basílica Menor de São Sebastião é um lugar de grande devoção de todo o

                                                            15 Ibidem. 16 Ibidem.

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povo carioca, onde se encontram a imagem histórica do patrono do Rio

trazida por Estácio de Sá, o marco da cidade e os restos mortais do

fundador. É de onde sai todos os anos a grande procissão de São Sebastião,

no dia 20 de janeiro, depois do período missionário com a Trezena

Arquidiocesana. Queremos que este sinal litúrgico e sacramental, de

unidade desta Igreja-Basílica-Santuário com a Sé de Pedro, reafirme a

nossa unidade com o Santo Padre e o nosso compromisso de fazer mais

conhecido, amado e seguido o exemplo do santo patrono de nossa cidade,

São Sebastião. Que o santo mártir continue protegendo nossa cidade contra

a peste, a fome e a guerra, e nos alcance de Deus a paz!17

CONCLUSÃO

90. Ao celebrar o Ano da Misericórdia e comemorando a Solenidade do

Padroeiro da nossa Arquidiocese, quis apresentar São Sebastião como um

homem que foi verdadeiro seguidor e anunciador da misericórdia, que é o

próprio Jesus Cristo. São Sebastião é exemplo para todos nós, neste mundo

onde muitos perderam a sua fé e a sua esperança. Que ele seja exemplo

para cada um de nós para vivermos a caridade. Exemplo de fé, de

seguimento, de verdadeiro soldado de Cristo e anunciador da misericórdia.

91. Ao concluir os temas e o tempo de vigência de nosso Plano de Pastoral,

volto meus olhos para o futuro e para nossas futuras decisões para melhor

evangelizar a grande cidade. Deus habita na cidade! São Sebastião é um

homem de Deus que foi habitante de grandes cidades em sua época. Foi

alguém que testemunhou Cristo em meio a grandes conflitos e dificuldades.

Rogo a sua intercessão para que sejamos inspirados pelo Espírito Santo

para encontrarmos novos caminhos para bem realizar nossa missão para os

próximos anos. São desafios de todo nós, católicos desta cidade, que somos

                                                            17 Ibidem.

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chamados a contribuir para o bem de toda a população. As dores desta

cidade devem repercutir em cada um de nós a encontrarmos a inspiração

em “Santa Irene”, para ajudar na recuperação do tecido social danificado

por tantas feridas e flechadas.

92. O novo Plano de Pastoral deve levar em consideração o que foi

realizado até hoje e propor novos desafios a serem vencidos para que

sejamos testemunhas autênticas de Cristo hoje na cidade de São Sebastião

do Rio de Janeiro. Confio na unidade e colaboração de cada um que se

empenha em fazer a caminhada conosco nesta querida Arquidiocese.

93. Confiemos à intercessão de São Sebastião as nossas vidas e a nossa

caminhada:

Ó glorioso mártir São Sebastião, Vós que derramastes Vosso sangue e

destes a Vossa vida em testemunho da fé em Nosso Senhor Jesus Cristo,

intercedei ao Pai para alcançarmos a graça de sermos vencedores dos

nossos verdadeiros inimigos: o ter, o poder e o prazer. Ó glorioso mártir

São Sebastião, protegei-nos com a Vossa intercessão, suplicando para que

sejamos livres de todo o mal, de toda a epidemia corporal, moral e

espiritual. Que o seu exemplo, conduzidos pela ação do Espírito Santo, faça

com que se convertam para Jesus aqueles que se perderam na fé, e

ajudando para que o justo persevere até o fim em sua fidelidade ao Senhor.

Olhai por vossa cidade e seus habitantes e apresentai ao Pai nossas súplicas

e o desejo de seguirmos Jesus Cristo Nosso Senhor.

São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ, 20 de janeiro de 2016, na Solenidade

de São Sebastião, Padroeiro da Arquidiocese e da cidade.

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Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ