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___________________________________________ISSN 1983-4209 - Volume 06– Número 01 – 2011
SAÚDE E DOENÇA: RECURSOS UTILIZADOS EM RITUAIS DE CURA NO ESTADO
DA PARAÍBA1
Érica Caldas Silva de Oliveira2; Everaldo Oliveira Costa Júnior
3
RESUMO - Este trabalho vem sendo desenvolvido com rezadores e benzedores do Estado da
Paraíba, nordeste do Brasil, com dados já coligidos em sete municípios paraibanos, localizados nas
mesorregiões do Sertão Paraibano (Boa Ventura), Agreste (Campina Grande, Areia Esperança e
Remígio), Borborema (São Mamede) e Mata Paraibana (João Pessoa), com a finalidade de estudar o
conhecimento e a percepção destes com relação aos recursos usados em seus rituais de cura. A
forma de apreensão das informações foi por meio de entrevistas livres e semi-estruturadas através
da aplicação de questionários, com as entrevistas compondo sempre o primeiro momento do
encontro, e posterior aplicação de questionário. Até o presente momento foram entrevistados 24
rezadores∕benzedores, elencados através de indicações de membros das sociedades de amigos do
bairro e ou clubes de mães, dentre os entrevistados 19 são mulheres e 5 são homens. Os primeiros
resultados evidenciam que os rezadores fazem uso de objetos como cordões, agulhas, pedras, além
de óleos vegetais e animais e água em suas práticas de rezas e benzimentos, atribuindo aos mesmos,
associados as suas orações, poderes de curar mazelas que afligem aqueles que os procuram e
revelando a importância destas práticas nos contextos sociais estudados. Entre as doenças tratadas
por rezadores e recursos usados, destaca-se neste estudo a “espinhela caída” que apresenta como
recursos mais importantes, cordão, agulha e pedaços de tecidos virgens. No universo simbólico dos
rezadores entrevistados muitos são os recursos aplicados em seus rituais de rezas, observa-se
também a importância dos recursos usados no entendimento dos rezadores∕benzedores.
Unitermos: Rezador, Benzedor, Medicina Popular, Rituais de Rezas.
HEALTH AND DISEASE: RESOURCES USED IN RITUAL HEALING IN THE STATE
OF PARAÍBA
ABSTRACT - This work has been done with prayers and healers of the State of Paraíba, Northeast
Brazil, with data already collected in seven municipalities of Paraíba, located in the Sertão Paraiba
(Boa Ventura), Wasteland (Campina Grande, Areia, Esperança and Remigio) Borborema (São
Mamede) and Mata Paraiba (Joao Pessoa), with the aim of studying the knowledge and perception
of these in relation to resources used in their healing rituals. The form of seizure of information was
through interviews, open and semi-structured through the use of questionnaires, interviews with
composing the first time ever the meeting, and subsequent questionnaire. So far interviewed 24
prayers / healers, listed by indications from members of partnerships and neighborhood friends or
mothers' clubs, among those interviewed 19 women and five are men. Early results show that
prayers make use of objects such as cords, needles, rocks, and animal and vegetable oils and water
in their practice of prayer and blessings, attributing to them, their associated prayers, healing
powers of those ills that afflict who seek them and revealing the importance of these practices in
social contexts studied. Among the diseases treated by prayers and resources used in this study
highlights the "midwife" who appears as the most important features, cord, needle and fabric pieces
virgins. In the symbolic universe of respondents, many prayers are the resources used in their rituals
1 Trabalho apresentado no II Congresso Latino Americano de Etnobiologia e VIII Simpósio de
Etnobiologia e Etnoecologia – Novembro de 2010, Recife – PE; 2 Departamento de Biologia,
UEPB/CCBS, NEEA, [email protected]; 3 Graduando do curso de Bacharelado em
Ecologia/UFPB/CAMPUS IV, [email protected]
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of prayers, there is also the importance of the resources used in the understanding of prayers /
healers.
Uniterms: prayers, healers, Popular Medicine, Rituals of Prayers.
INTRODUÇÃO Práticas de cura associadas a rituais religiosos têm contribuído de modo relevante para a
compreensão de usos terapêuticos em rituais de cura no contexto brasileiro, a importância dos
cultos religiosos na interpretação e tratamento da doença tem sido amplamente reconhecida na
literatura antropológica e através dos sistemas religiosos de cura se pode ter uma explicação da
doença no contexto sociocultural mais amplo do sofredor (Oliveira, 1983; Rabelo, 1998).
Ao lidar com as representações de saúde e doença as populações reproduzem um conjunto
de crenças e práticas resultantes de difusão de medicinas eruditas passadas e das diferentes etnias
que compuseram a população brasileira. Contudo, ao analisar criticamente a literatura antropológica
sobre o tema saúde e doença até a metade do século passado, poucas foram às contribuições para o
desenvolvimento científico, uma vez que, o conjunto de pesquisas nesta área do saber esteve
impregnado de um forte caráter ideológico e etnocêntrico, cujos trabalhos enfocavam grandemente
o resgate de tradições regionais com a maioria destes tratando apenas de inventários, despojados de
qualquer intenção explicativa (Queiroz e Canesqui, 1986).
Uma forma de perceber a realidade associada à concepção de saúde e doença emerge do
pensamento de Bastide (1973), que faz surgir um relevante campo de estudos com esta temática no
Brasil, o das religiões populares e dentro dele, o das medicinas religiosas, conduzindo ao
desenvolvimento de pesquisas que abordavam práticas de curas religiosas, considerando suas
práticas rituais, seus sistemas de crenças e suas formas de organização dos poderes institucionais,
com destaque para os trabalhos de (Fry, 1975; Mott, 1976; Velho, 1975; Vergolino e Silva, 1976)
nas religiões pentecostais e umbandistas.
Em uma tentativa de explicar dentro do contexto cultural, as terapias populares e suas
vinculações com o mundo social em comunidades rurais e urbanas Fontenelle (1959) e Fernandes
(1979) percebem o mundo tradicional e, dentro dele, suas crenças e práticas de cura, como um
conjunto assistemático em vias de desintegração, uma vez que, são disfuncionais ao contexto sócio-
urbano moderno. Porém segundo Queiroz e Canesqui (1986), este pressuposto não se mantém, na
medida em que apesar da urbanização, persistem e se desenvolvem saberes e práticas de curas
populares como têm abordado várias pesquisas empíricas (Adams e Rubel, 1967; Queiroz, 1980b;
MacCormack, 1991; Marques, 1995; Costa-Neto, 2005; Walston, 2005; Bussman e Sharon, 2006).
Práticas de cura no contexto social brasileiro se encontram vinculadas a cultos religiosos
associados à figura de curandeiros, rezadores, pajés, xamãs e pastores evangélicos.
Falar de cura como realidade construída social e culturalmente significa, em larga medida,
explorar a perspectiva dos atores na análise do processo terapêutico (Rabelo, 1998).
Dentre os recursos utilizados por rezadores, benzedores, curandeiros, xamãs em seus rituais,
destacam-se plantas, brasas, cordões, velas, “banhas” de animais, ovos, animais inteiros, partes de
animais, sangue, cigarro, “perfumes” e “pós” extraídos de plantas a animais (Cavander e Albán,
2009; Alves et al., 2009; Alves e Rosa, 2008; Negi e Palyal, 2007), revelando explícitas relações
mitológicas como parte da visão de mundo da cultura pesquisada, e reforçando crenças e padrões
éticos desta cultura (Albuquerque, 1997).
O presente trabalho, tomando como base abordagens etnobiológicas, teve por objetivo
principal estudar práticas de curas em rituais de rezas e benzeduras por rezadores, em mesorregiões
do estado da Paraíba, Nordeste do Brasil.
MATERIAL E MÉTODOS
O estado da Paraíba se situa entre os meridianos de 34º45’54 e 38º45’45 a oeste de
Greenwich, e os paralelos de 6º02’12 e 8º19’18 de latitude sul, no nordeste oriental do Brasil,
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limitando-se ao norte com o estado do Rio Grande do Norte, ao sul com o estado de Pernambuco,
ao oeste com o Ceará, e ao leste com o Oceano Atlântico (SUDEMA, 2004). Até o momento sete
municípios foram estudados nas mesorregiões do Sertão Paraibano (Boa Ventura), Agreste
(Campina Grande, Areia, Esperança e Remígio), Borborema (São Mamede) e Mata Paraibana (João
Pessoa).
A forma de apreensão das informações foi por meio de entrevistas livres e semi-estruturadas
utilizando questionários aplicados a 24 rezadores/benzedores, no período de maio de 2004 a
dezembro de 2008 em sete municípios paraibanos, localizados nas mesorregiões do Sertão
Paraibano, Borborema, Agreste e Mata Paraibana. Entrevistas livres ou abertas se mostraram
eficazes na coleta de dados por “possibilitarem ao entrevistado expressar-se livremente sobre
determinado assunto, garantindo uma maior liberdade de expressão de aspectos sócio-culturais
pertinentes”, (Mourão e Nordi, 2006). Os questionários semi-estruturados tinham por finalidade
principal direcionar a busca por informações de maneira mais direta e objetiva, compondo sempre
um segundo momento do encontro com o informante, apresentando como aspectos mais relevantes
a serem informados o número, idade, tempo que pratica o ofício de rezador, tipos de doenças “folk”
reconhecidas e tratadas, especializações de cura. A escolha dos especialistas locais se deu por
indicação de pessoas das comunidades analisadas, elencados através de indicações de membros das
sociedades de amigos do bairro e ou clubes de mães, que buscavam nestes a cura para seus males
(Anexo 01).
As entrevistas tiveram lugar em localidades urbanas e rurais, nos centros urbanos em áreas
de periferias e nas localidades rurais em comunidades mais tradicionais de pequenos municípios e
mesmo em sítios, próximos aos centros urbanos destes.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram entrevistados até o presente momento 24 rezadores, dentre os quais 19 são mulheres,
correspondendo a 79,2% e cinco são homens, 20,8%, revelando uma forte representatividade do
gênero feminino nas práticas ritualísticas de rezas e benzeduras, os rezadores professam a fé
católica, sendo ou não praticantes.
A faixa etária dos informantes variou de 42 a 88 anos entre as mulheres, com média de idade
de aproximadamente 66,8 anos e entre os informantes do sexo masculino a idade variou de 66 a 90
anos, com média de 80 anos.
O tempo de prática do ofício de rezador/benzedor variou entre 8 a 70 anos, com uma média
periódica de práticas de rezas de 38,2 anos para os informantes. De um modo geral os rezadores
fazem orações ou o sinal da cruz antes de iniciarem os rituais de rezas, segundo eles, tais orações
fecham seus corpos contra males do corpo e da alma dos doentes.
No universo simbólico dos rezadores entrevistados muitos são os recursos utilizados em
seus rituais de rezas, observa-se também certa especificidade entre determinadas doenças e os
recursos usados. A tabela 1 apresenta os recursos utilizados e as doenças reconhecidas e tratadas
pelos rezadores/benzedores.
TABELA 1. Recursos utilizados por rezadores/benzedores e doenças tratadas em mesorregiões do estado da
Paraíba. TIPO DE RECURSO
DOENÇA RECONHECIDA E TRATADA
Corda e imposição de dedos, cordão,
agulha e pedaço de tecido virgem
“Espinhela caída”
Cordão “Peito aberto”
Copo d’água, cinza e pano branco Dores de cabeça
Cordão e imposição de dedos Dores de dente
Cont.
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Cont.
Agulha, linha e pedaço de pano, cordão Torções (“pé triado, nervo torcido”)
Banha de galinha “Eczema – Czema”
Óleo de mamona “Izipra – Izipa”
Fio de algodão e agulha “Carne quebrada”
Descrição de Algumas Doenças
Eczema – na medicina oficial trata-se de uma dermatose inflamatória aguda ou crônica, não
contagiosa, caracterizada por vermelhidão, prurido ou lesões vesiculares confluentes, exudativas,
que se tornam escamosas, crotonosas ou liquenificadas. Na fala dos rezadores/benzedores
pesquisados eczema ou czema é doença de pele que provoca descamação, “a pele resseca e
descasca”.
Izipra – expressão popular relativa a uma enfermidade que acomete a pele, alguns rezadores
denominam também de izipa ou izipela. Na fala de alguns rezadores izipra pode resultar ainda de
um “corte, furão na pele, bolhas na pele”
A rezadeira Maria Araújo que vive na região do sertão paraibano define izipra como uma
doença de pele e diz também que a doença é conhecida por “má de monte”. Esta rezadeira
descreveu a oração que utiliza para curar izipra: Pedro Paulo foi a Roma encontrou com Jesus
Cristo, Pedro para onde tu vais? Vou curar de má de monte, izipra ou izipela, que do tutano vai ao
osso, do osso vai à carne, da carne vai à pele, (Reza três vezes).
Em sua pesquisa sobre representações simbólicas de saúde/doença/cura na comunidade do
Saco do Mamanguá em Paraty, Rio de Janeiro, Sá Xavier (2004), discute aspectos de
saúde/doença/cura na comunidade e ressalta que entre as práticas culturais analisadas se destacam
os rituais de cura praticados por benzedeiras, e embora a autora afirme que o “conhecimento
tradicional é o primeiro recurso curativo buscado antes do médico, este saber aos poucos está sendo
perdido naquela comunidade”. Dentre as doenças curadas através de benzimentos no Saco do
Mamanguá está a “izipa” e como observado na pesquisa com rezadores/benzedores no estado da
Paraíba, percebe-se uma semelhança entre as orações proferidas usadas na cura da “izipa” pelas
rezadeiras do Saco do Mamanguá - Rio de Janeiro: Izipa vem do tutano, do tutano tu vem os ossos,
dos ossos tu vem à carne, da carne tu vem à pele, da pele tu vai ao mar, para nunca mais voltar,
(Reza três vezes, mulher de 55 anos – Praia do Cruzeiro Paraty, Rio de Janeiro), Sá Xavier (2004).
Espinhela caída – expressão que o rezador/benzedor utiliza para definir inúmeras doenças.
Campos (1967) define espinhela caída como uma patologia atribuída a queda do externo, com o
paciente apresentando falta de ar, falta de apetite, dores no estômago, vômitos. Provoca abatimento
em todo o organismo e grande dificuldade de respiração pelo resfriamento dos músculos do tórax e
depois, principalmente pela queda da cartilagem mucronada.
Carne quebrada – mal estar geral que acomete os doentes e provoca dores por todo o corpo,
alguns rezadores descrevem como “má de monte”.
Ao rezar de carne quebrada os rezadores/benzedores fazem uso de fio de algodão e agulha,
segundo eles o fio de algodão e a agulha simbolizam a costura do corpo do doente.
O que se observa no universo de simbolismos que envolve a prática da benzedura é que
muitas vezes as doenças que acometem os clientes embora se manifestem como um mau físico, são
resultantes de um “mau-olhado”, de um “olho grande” da qual a pessoa foi vítima. Essa carga de
energia negativa predispõe a pessoa a desenvolver problemas físicos, como afirma Quintana (1999),
a referência ao mau-olhado pode ser feita de maneira alusiva através de suas conseqüências.
Embora se trate de um mal estar físico as pessoas procuram os rezadores, algumas vezes já
procuraram a medicina oficial, mas não se sentiram completamente tratados pela terapêutica oficial.
A busca pelo rezador (a) é a tentativa de esclarecer melhor as razões que desencadearam aquele
estado doente, aquele corpo carregado, algo que possa dar significado a sua doença e favoreça a sua
cura, assim a benzedura constitui-se segundo Quintana (1999, p.148), “o ponto de união que
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permite não somente a idéia de domínio incontrolável. Poder-se-ia dizer que todo o trabalho da
benzedeira consiste na recuperação de um elo perdido”.
Para Rabelo (1998, p. 47-48) “a principal diferença entre a terapêutica oficial e a medicina
popular, associada a rituais mágico-religiosos, e suas idéias de causas reside no fato de que os
médicos consideram a doença algo objetivo que pode ser analisada separada do paciente, os
curandeiros, rezadores/benzedores integram o corpo e o sujeito. Para estes terapeutas a cura se
constitui uma explicação: a construção de uma narrativa na qual a doença é localizada numa
estrutura temporal de acontecimentos, que propicia a ambos, cliente e curandeiro, lidarem com suas
experiências de uma nova maneira”. É o que Seppilli (1972) afirma existir entre a benzedeira e seus
pacientes uma espécie de ideologia comum no terreno da magia, que favorece o processo de
comunicação entre eles.
Nesta pesquisa que aborda o uso de recursos em rituais de cura no estado da Paraíba pode-se
observar a utilização de alguns recursos para o tratamento de doenças “folk”, mas, que encontram
um paralelo com doenças reconhecidas e tratadas na terapêutica oficial, entretanto, independente
deste fator os rezadores são procurados para curar os males que afligem aqueles que buscam e
fazem uso de elementos que em seus contextos sócio-culturais tem um significado importante
dentro do ritual de cura. É o que observa Quintana (1999, p. 174), quando afirma que “diversos
elementos se articulam para produzir um sentido no processo da benzedura, e da mesma forma que
um significante somente se define na sua relação com outro significante, também aqui cada
elemento não produz sentido por si, mas quando articulado dentro do contexto ritual”.
A presença destes símbolos dá significado às práticas de cura observadas entre os
rezadores/benzedores, curandeiros, xamãs, pagés. Em pesquisa realizada com o uso de plantas
mágicas por curandeiros nas terras altas do Equador, Cavander e Albán (2009) citam o uso de
muitos recursos utilizados pelos curandeiros além de plantas. Estes autores relatam a utilização de
outras matérias médicas como ovos, velas, aguardente, água benta, colônia, galinha, porquinho da
Índia, crânio de cachorro, sangue, entre outros. Todos estes elementos têm um significado no
processo de diagnóstico e cura de males que atormentam seus clientes. O porquinho da Índia, por
exemplo, de acordo com os curandeiros funcionam como um raio-X, sendo friccionado na pessoa e
servindo para examinar o coração, pulmões, fígado, estômago, rins e intestinos. Os ovos são
utilizados também em diagnóstico de doenças, sendo friccionados por todo o corpo e
posteriormente quebrados em um recipiente, onde se avalia sua configuração e coloração, cabendo
ao curandeiro interpretar sinais de doenças através da leitura deste recurso.
O uso de recursos animais para fins medicinais e mágico-religiosos foi analisado também
por Alves et al. (2009) ao estudar espécies de répteis utilizados para fins terapêuticos e mágico-
religiosos no Brasil. Neste trabalho os autores relatam o uso de 13 espécies de répteis com
propósitos mágico religiosos, destacando sua aplicação em rituais afro-brasileiros, contra feitiços e
magias, mau-olhado, na produção de amuletos e “patuás” estes últimos servindo para atrair bons
fluidos, recuperar um amor perdido, trazer sucesso financeiro e no amor e também para acalmar
pessoas. As matérias utilizadas para estas finalidades são, segundo os autores, os animais inteiros ou
partes destes como: pele, cabeça, carne, cauda, dentes, gorduras entre outras.
Nesta pesquisa as doenças conhecidas como “espinhela caída”, “torções” e “carne
quebrada” fazem uso de fios de algodão, cordão, agulhas e pedaços de tecidos em seus rituais de
cura contra males do corpo, o fato dos rezadores costurarem porções de tecidos durante as rezas tem
um significado simbólico da costura do corpo, da restituição do bem estar físico aquele corpo
quebrado, atingido por um mal estar físico e ou espiritual.
O uso de “banha” de galinha por rezadores foi referido para o tratamento de eczema. Outros
recursos citados nesta pesquisa foram o sal, que é utilizado durante as rezas de dores e quebrantos,
sendo colocado no copo de água a medida que a reza evolui, de acordo com a rezadeira que citou
este recurso o sal vai se diluindo na água e afastando os males. Uma rezadeira revelou o uso de vela
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para rezar “mau-olhado”, de acordo com esta rezadeira ela prefere usar a vela quando o olhado é
grande.
CONCLUSÃO
Práticas simbólicas de cura fazem parte do universo cultural em comunidades mais
tradicionais no estado da Paraíba.
As práticas de cura encontram-se vinculadas a figuras de rezadores/benzedores considerados
especialistas locais que exercem o ofício de rezador/benzedor e é figura de muita respeitabilidade
no seio de suas comunidades.
A despeito dos avanços nas práticas terapêuticas oficiais, práticas populares de cura são
ainda um recurso muito utilizado no Estado, considerando o recorte geográfico objeto desta
pesquisa.
Muitos recursos simbólicos são utilizados nas práticas de cura e suas respectivas doenças
folk, nas comunidades analisadas, assim estes símbolos encontram um significado no contexto
sócio-cultural destas comunidades, respondendo como uma identidade cultural de um povo,
oferecendo ainda uma visão de mundo destas comunidades e uma prova de resistência destas
práticas terapêuticas no estado da Paraíba.
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ANEXO
PROJETO: O USO DE PLANTAS E OUTROS RECURSOS EM RITUAIS DE REZAS E
BENZEDURAS: UM OLHAR SOBRE ESTA PRÁTICA NO ESTADO DA PARAÍBA.
FICHA DE CATALOGAÇÃO – N°:__________________________
1. ENTREVISTADO (A) – DADOS PESSOAIS
NÚMERO: _______________________________________________ IDADE: ___________
ENDEREÇO: ______________________________________________SEXO: ( ) F ( ) M
MUNICÍPIO: ________________________ UF: _________________________________
GRAU DE ESCOLARIDADE: _________-______________________________________
2. DADOS DA AMOSTRAGEM (FORMAS DE APREENÇÃO DO SABER)
- COM QUEM APRENDEU A PRÁTICA DA REZA?
( ) PAI
( ) MÃE
( ) AVÓ/AVÔ
( ) TIO/TIA
( ) VIZINHO/A
( ) AMIGO/A
( ) OUTROS
IDADE QUE INICIOU A PRÁTICA:____________________ANOS
TEMPO QUE FAZ USO DAS PRÁTICAS DE REZAS:_____________ANOS
QUE ORAÇÕES APRENDEU INICIALMENTE? (ESPECIFICAR A CORRELAÇÃO ORAÇÃO
– DOENÇA)
EXISTE UM HORÁRIO QUE PREFIRA REZAR? (ESPECIFICAR PORQUÊ)
FAZ ALGUMA PREPARAÇÃO PARA INICIAR A REZA? QUAL?
3. AMOSTAGEM DAS PLANTAS (IDENTIFICAÇÃO)
NOME COMUM DAS PLANTAS UTILIZADAS:______________________________________
PARTE DA PLANTA UTILIZADA;
( ) APENAS FOLHAS
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( ) RAMOS COM FOLHAS
( ) RAÍZES
EXISTE UM HORÁRIO PARA COLETAR A PLANTA PARA A REZA? ESPECIFICAR QUAL,
EVIDENCIANDO O PORQUÊ
NO ENTENDER DO REZADOR, QUAL A FUNÇÃO DA PLANTA NO RITUAL DA REZA?
ASSOCIAR A ESPÉCIE VEGETAL USADA E A DOENÇA TRATADA
PARA CADA DOENÇA TRATADA EXISTE UMA PLANTA ESPÉCÍFICA?
_______________________________________________________________________________
ESPECIFICAR QUANTAS VEZES A PLANTA É CITADA
_______________________________________________________________________________
O REZADOR ACREDITA NO PODER DA PLANTA? DE QUE MANEIRA?
OBS. AQUI O REZADOR PODE FALAR ABERTAMENTE DA SUA CRENÇA NAS
PLANTAS, DA SUA PERCEPÇÃO DURANTE A PRÁTICA DA REZA OU BENZEDURA, DE
COMO ELE (A) IDENTIFICA A DOENÇA DA PESSOA NA QUAL ESTÁ REZANDO.
DE QUE MANEIRA SENTE DURANTE A REZA QUE A PESSOA TEM A DOENÇA?
O REZADOR BENZEDOR FAZ O USO DE OUTROS RECURSOS EM SEUS RITUAIS DE
REZAS E BENZEDURAS?
QUE OUTROS RECURSOS SÃO RELATADOS?
EXISTE UMA RELAÇAO DE ESPECIFICIDADE ENTRE O RECURSO UTILIZADO E O TIPO
DE DOENÇA FOLK TRATADA? QUAL?
QUE TIPOS DE DOENÇAS SÃO TRATADAS COM OS RECURSOS PELOS
REZADORES/BENZEDORES?
AQUI O REZADOR PODE FALAR ABERTAMENTE DE SUAS CRENÇAS EM RECURSOS
UTILIZADOS EM SEUS RITUAIS DE CURA, SEUS SIMBOLOS.