Savoia, M. G. Escalas de eventos vitais e de estratégias de enfrentamento(Coping)

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TEMAS GERAIS Escalas de eventos vitais e de estratégias de enfrentamento(Coping) Mariangela Gentil Savoia 1 RESUMO O instrumento mais utilizado para medir eventos vitais tem sido a Escala de Reajustamento Social de Holmes e Rahe (1967). Devido a algumas desvantagens desse procedimento, propõe-se a integração desse instrumento com o London Life Event and Difficulty Schedule de Brown (1974) procurando-se aliar as vantagens dos dois instrumentos, não privilegiando a análise quantitativa nem a análise qualitativa. O instrumento para medir estratégias de enfrentamento (coping) apresentado é o Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus, traduzido e adaptado para o português. Propõe-se a utilização conjunta desses inventários para a análise de eventos vitais como desencadeantes de transtornos psiquiátricos e as estratégias de enfrentamento a esses eventos que os pacientes utilizam. Unitermos: Eventos Vitais; Estratégias de Coping; Instrumentos de Medida ABSTRACT Life Events and Coping Scales The Life Events Inventory more utilized was the Social Readjustment Schedule of Holmes e Rahe (1967). This procedure has some problems, so in this paper is recomended the integration with this scale with the London Life Event and Difficulty Schedule (Brown, 1974) with the objective of adding this advantages. The instrument sugested to measure coping is the Folkman e Lazarus's Ways of Coping Questionnaire, translated and adapted to Portuguese. The clinic premisse who conducted the conception of this paper is the life events

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TEMAS GERAIS

Escalas de eventos vitais e de estratégias de enfrentamento(Coping)

Mariangela Gentil Savoia 1

 

RESUMO

 

O instrumento mais utilizado para medir eventos vitais tem sido a Escala de Reajustamento Social de Holmes e Rahe (1967). Devido a algumas desvantagens desse procedimento, propõe-se a integração desse instrumento com o London Life Event and Difficulty Schedule de Brown (1974) procurando-se aliar as vantagens dos dois instrumentos, não privilegiando a análise quantitativa nem a análise qualitativa. O instrumento para medir estratégias de enfrentamento (coping) apresentado é o Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus, traduzido e adaptado para o português. Propõe-se a utilização conjunta desses inventários para a análise de eventos vitais como desencadeantes de transtornos psiquiátricos e as estratégias de enfrentamento a esses eventos que os pacientes utilizam.

Unitermos: Eventos Vitais; Estratégias de Coping; Instrumentos de Medida

ABSTRACT

Life Events and Coping Scales

The Life Events Inventory more utilized was the Social Readjustment Schedule of Holmes e Rahe (1967). This procedure has some problems, so in this paper is recomended the integration with this scale with the London Life Event and Difficulty Schedule (Brown, 1974) with the objective of adding this advantages. The instrument sugested to measure coping is the Folkman e Lazarus's Ways of Coping Questionnaire, translated and adapted to Portuguese. The clinic premisse who conducted the conception of this paper is the life events and the waus of coping are between the triggering factors of psychiatry disorders so would be studied simultaneously.

Key words: Life Events; Coping

 

 

O desenvolvimento do conceito de estresse e suas implicações para a saúde e o bem-estar tem-se desenvolvido de diversas maneiras.

O estresse, quando derivado da percepção do indivíduo do seu ambiente social, é chamado por alguns autores de estresse psicossocial (Appley e Trumbull, 1988). Uma das maneiras de estudá-lo tem sido pela

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forma de eventos vitais, que são mudanças relativamente inesperadas no ambiente social do indivíduo. Pode-se imaginar que a falta de mudanças seja igualmente estressante, devendo-se enfatizar que eventos vitais são apenas uma amostra dos estressores que os seres humanos enfrentam. Entretanto, é restringindo-o a uma amostra que os pesquisadores podem investigar se o estresse psicossocial é um importante fator contribuinte dos distúrbios emocionais.

Schmidt (1990), ao rever as proposições conceituais sobre estresse, cita a classificação proposta por Lazarus (1977), que compreende três categorias: a que atribui maior atenção à resposta do indivíduo ao estressor, a que dá maior importância ao estímulo estressor e a que enfatiza as relações mútuas entre o organismo e o ambiente. Mejias (1992), da mesma forma, considera esses três modelos conceituais: o modelo baseado na resposta, o modelo baseado nos estímulos e o modelo interacional. Na primeira categoria são destacadas as reações do organismo diante dos estressores e, nesse caso, as respostas psicológicas e fisiológicas são consideradas como respostas ao estresse. Por exemplo, a conceituação de Selye (1976) apud Schmidt (1990) da "síndrome de adaptação geral" trata do preparo para a luta ou fuga, que consiste em três etapas: alarme, resistência e exaustão. A primeira etapa, um brado de alerta, consiste em reconhecer o estressor e preparar-se para ação; a segunda, é a preparação, pelo corpo, do dano físico causado pelo estresse. Quando as reações se tornam nocivas e podem conduzir a doenças graves, surge a terceira etapa, a da exaustão.

Na segunda categoria, a que dá maior importância aos estímulos externos, agrupam-se as definições que concebem o estresse referindo-se principalmente aos agentes estressores, ou seja, características do ambiente que são problemáticas ao indivíduo, sem levar em consideração as diferenças individuais no processo. Os pesquisadores com esse enfoque procuram essabelecer relações entre a intensidade do estressor e a intensidade da reação.

Na terceira categoria está a integração das duas anteriores, em que é ressaltada a importância da relação recíproca organismoambiente. As definições dessa categoria sugerem que a maioria das respostas de estresse excessivo é autoproduzida, Isso é, ocorre devido à interpretação que a pessoa dá a estímulos que podem ser relativamente inócuos. As condições que tendem a causar estresse, chamadas de estressoras, usualmente se combinam para pressionar um indivíduo de várias maneiras até que se desenvolva o estresse.

Qualquer mudança na vida gera um certo nível de estresse, e seus efeitos no desempenho podem ser positivos em uma relação direta _ à medida que o estresse aumenta o desempenho melhora _, o chamado "eutress". Por outro lado, aumentos excessivos podem ameaçar a capacidade de uma pessoa fazer perante o seu ambiente _ o chamado "distress" (Savoia, 1988). A relação direta citada acima varia de pessoa para pessoa, e até no mesmo indivíduo, conforme o período de vida em que o estresse ocorre.

Quando o estresse aumenta ou diminui, além ou aquém de determinado nível, o desempenho cai.

Os estressores podem ser encontrados no local de trabalho, ou estar ligados a assuntos pessoais e do meio ambiente, em sentido mais amplo. No primeiro caso, constituem exemplos as pressões de tempo, os conflitos inter e intrapessoais, os aspectos físicos negativos do local de trabalho; no segundo, as preocupações financeiras, os problemas com os filhos, os problemas conjugais, as preocupações de saúde; em relação ao meio ambiente; o local onde a pessoa reside é um exemplo, como no caso do centro de uma grande metrópole. Entretanto, deve-se ressaltar que as pessoas têm diferentes níveis de tolerância a situações estressantes. Algumas são perturbadas pela mais ligeira mudança ou emergência, outras são afetadas apenas por estressores de maior magnitude ou quando a exposição a eles é muito prolongada. McLean (1976) sugere, no entanto, que pequenos eventos do dia-a-dia (microestressores) podem agir de maneira cumulativa e transformar-se em grandes fontes de estresse.

Segundo Monroe e Wade (1988), a premissa básica é que diversos aspectos da experiência de vida podem ser conceitualizados e medidos como eventos discretos. Os eventos vitais constituem exigências de adaptação à vida dos indivíduos. Dois aspectos mostram-se particularmente atrativos para pesquisa. Primeiro, esses eventos representam um número comum de experiências que são relevantes para a maioria das pessoas e, portanto, estudar eventos vitais pode ser uma maneira de padronizar o estudo do estresse. Em segundo lugar, o enfoque nas mudanças de vida provocadoras de estresse, enfatizando as experiências que potencialmente são informativas para o comportamento futuro, diminui o interesse do debate sobre generalização.

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Depue e Monroe (1986) ao analisarem a relação de eventos vitais com desordens crônicas, questionam implicações conceituais, de pesquisa e de avaliação. Quanto a implicações de pesquisa e avaliação, os mesmos autores discutem: a) a heterogeneidade dos procedimentos para se investigar a interação entre estresse e distúrbios, devido a diferentes modelos conceituais; b) os estudos retrospectivos de um ano ou mais; c) a natureza do transtorno influenciando a sensibilidade das escalas de medida; d) a quantificação de microestressores; e) a avaliação de dificuldades temporariamente prolongadas; f) o papel do suporte social.

O papel do suporte social no desencadear de distúrbios é um tema discutido por vários autores, além de Depue e Monroe (1986). Segundo Hendersom e Brown (1988), o suporte social pode provavelmente reduzir os riscos de desordens por meio de mecanismos variados, tais como: reduzir o impacto do estressor; influenciar na percepção de quanto essa experiência é ameaçadora; influenciar o curso de um transtorno desenvolvido como resposta ao estressor. Já Alloway e Bebbington (1987) afirmam que as evidências de que o suporte social tem um papel de "para-choques" são inconsistentes, refletindo as diferenças metodológicas nos estudos por eles analisados.

A medida de eventos vitais

O mais conhecido dos instrumentos utilizados para medir eventos vitais é a Escala de Avaliação de Reajustamento Social de Holmes e Rahe (1967) (anexo 1). Baseia-se na proposição de que o esforço exigido para que o indivíduo se reajuste à sociedade, depois de mudanças significativas em sua vida, cria um desgaste que pode levar a doenças sérias. Os pesquisadores construíram uma lista de acontecimentos considerados por eles como eventos significativos, como divórcio, nascimento de criança na família, morte na família, mudanças no trabalho e outros. essa lista é apresentada aos indivíduos, em uma entrevista, ou à parte, como uma escala impressa, pedindo que indiquem se experenciaram qualquer um dos acontecimentos apontados. Esses acontecimentos recebem escores e, de acordo com os autores, se durante o período de um ano anterior a contar do mês do início da avaliação, a pessoa sofreu entre 200 e 300 escores de estresse, há uma probabilidade de mais ou menos 50% de que ela venha a ficar doente devido ao excesso de estresse. Esse procedimento tem algumas desvantagens: a possibilidade de ausência na lista de um acontecimento importante para a pessoa; estes decidem se os eventos dos quais participaram pertencem ou não às categorias colocadas na lista; essa escala leva em conta apenas as grandes ocorrências da vida da pessoa e não os pequenos eventos do dia-a-dia.

Com o objetivo de minimizar as desvantagens, a escala de Holmes e Rahe (1967) tem sido objeto de vários estudos, e permanece como a mais utilizada em pesquisas de campo. Em muitos trabalhos, os pesquisadores fazem modificações quanto a ordem ou número dos eventos nela incluídos mas, basicamente, conservam a sua forma original.

Uma segunda maneira de medir eventos vitais foi desenvolvida por Brown (1974): London Life Event and Difficulty Schedule. Por meio de uma entrevista, os possíveis acontecimentos estressantes em diferentes fontes de estresse do indivíduo (familiar, trabalho, sociais etc.) são listados. Os eventos não são definidos anteriormente, o entrevistador registra com detalhes todos os que surgem no decorrer da entrevista, além de todas as informações sobre cada evento vital listado e o contexto social de sua ocorrência. Em seguida é feita a avaliação, através de um consenso entre o pesquisador e o paciente, sobre o grau de "ameaça" de cada ocorrência, sendo feito um painel com essas informações.

Ao comparar esses dois tipos de medida, Katschnig (1986) conclui que embora sejam muito diferentes um do outro quanto ao procedimento, aparentemente os resultados obtidos são similares. Esse fato mostra que não é possível dispensar informações detalhadas dos eventos e de seu contexto, como também parece ser prudente continuar a utilizar uma lista predeterminada de eventos vitais. O que os pesquisadores devem, segundo Katschnig (1986), é ser cautelosos quanto a interpretação e generalização dos dados.

Monroe e Wade (1988) também compararam esses dois procedimentos, concluindo que a entrevista baseada em uma lista prévia pode fornecer informações mais acuradas e confiáveis.

Em um estudo que desenvolvemos em 1995, utilizou-se a escala de Holmes e Rahe (1967), com algumas modificações quanto a ordem e número dos eventos incluídos. Essa escala serviu como roteiro segundo o qual os sujeitos marcaram as ocorrências no período solicitado. Elas eram discutidas e explicitadas,

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semelhante ao método do Painel de Brown (1974). Com esse procedimento, procurou-se aliar as vantagens dos dois modelos de medida, procurando diminuir as desvantagens de cada um. Na escolha desse instrumento foram seguidas as observações de Katschnig (1986) e Monroe e Wade (1988), no sentido de que uma entrevista baseada em uma lista prévia de eventos vitais pode fornecer informações mais acuradas do que uma entrevista aberta ou uma escala auto-administrada; os itens considerados pelos autores como mais estressantes têm maior peso que os outros.

Julgou-se que alguns itens deveriam ser suprimidos, tais como prisão, recebimento de multas ao cometer pequenas infrações, por não serem condizentes com a realidade brasileira. Outros foram considerados redundantes, tais como mudanças nos hábitos de alimentação, que podem ser incluídos em mudanças de hábitos pessoais, e mudanças de freqüência a reuniões familiares, incluído em mudanças de atividades sociais. Para efetuar as modificações pretendidas, tomou-se por base o protocolo das pesquisas realizadas anteriormente no Ambulatório de Ansiedade do HC FMUSP (AMBAN), no qual há uma sessão de eventos vitais já testada e aplicada em pesquisas no nosso meio. As modificações feitas, tomando por base esse protocolo, foram: quanto à ordem, os itens primeiramente ordenados foram aqueles relacionados à família, em seguida os relacionados ao trabalho e, finalizando, os relacionados a eventos pessoais; quanto ao número, alguns itens foram suprimidos, seguindo o protocolo do AMBAN; outros foram condensados, como divórcio e separação conjugal; saída do filho de casa e acréscimo ou diminuição de pessoas morando em sua residência (anexo 2).

A partir dos eventos vitais constantes do inventário de eventos vitais foram construídas seis categorias, tendo em vista a fonte estressante: trabalho, perda de suporte social, família, mudanças no ambiente, dificuldades pessoais e finanças (tabela 1).

Alguns eventos considerados importantes pelos pacientes não constavam do inventário e foram categorizados a parte por eles. Esses eventos eram: construção de casa, relacionamento extraconjugal, perda da empregada, relacionamento com o pai, morte do noivo, perda do emprego do marido, vestibular.

Para a tabulação desses itens foram considerados os conteúdos do comportamento verbal de acordo com Gottschalk e Gleser (1969), relatados pelos pacientes da seguinte forma: perda do emprego do marido, devido a dificuldades financeiras, foi tabulado na categoria finanças; vestibular, devido ao sujeito precisar parar de trabalhar para estudar, foi tabulado na categoria finanças; morte do noivo, foi tabulado na categoria de perda de suporte social; perda da empregada, significou para a pessoa teve que se readaptar na organização do trabalho com a casa e filhos, foi categorizado como dificuldades pessoais; relacionamento com o pai, foi categorizado como mudanças no ambiente, já que esse pai saiu de casa quando o paciente tinha oito anos, e passou a não o ver mais; construção de casa, foi categorizado como finanças, pois todos os relatos desse tipo incluíam a reestruturação do orçamento para o empreendimento; relacionamento extraconjugal foi incluído na categoria de dificuldades pessoais, pois os dois indivíduos que relataram esse tipo de experiência precisaram mudar costumes, valores e atividades para poder manter o relacionamento. 

TABELA 1 Categorias de eventos vitais 

Categorias Itens do inventárioTrabalho mudança de trabalho 

dificuldades com chefia perda do emprego reconhecimento profissional

Perda de suporte social morte de alguém da família morte de um amigo morte do cônjuge

Família doença na família separação casamento gravidez nascimento na família

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Mudanças no ambiente mudança de escola mudança de casa mudança do número de pessoas morando em casa

Dificuldades pessoais problemas de saúde mudanças de hábitos pessoais mudanças de atividades sociais mudanças de atividades recreativas mudanças de atividades religiosas acidentes dificuldades sexuais aposentadoria

Finanças perdas financeiras dívidas

Esse estudo de 1995, que teve como um dos objetivos verificar a ocorrência ou não dos eventos e a sua descrição detalhada, sem atribuir-lhes nenhum valor, foi possível, em grande parte, devido ao procedimento de medida utilizado, no qual se aliaram as vantagens do procedimento de painel de Brown com a escala de Holmes e Rahe (1967). Esse procedimento mostrou ser útil em pesquisa na área clínica, pois não privilegia a análise quantitativa, nem a qualitativa. Sugere-se a utilização dessa técnica em pesquisas posteriores, inclusive para avaliar a sua efetividade em outros estudos.

 

ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO (COPING)

As habilidades desenvolvidas para o domínio das situações de estresse e adaptação a elas são denominadas coping. Autores como Lazarus e Folkman (1984), Moss e Billings (1984) e Ray e Gibson (1982) preferem falar de estratégias ou processos de coping, em vez de respostas de coping. O coping é definido como todos os esforços de controle, sem considerar as conseqüências, ou seja, é uma resposta ao

estresse (comportamental ou cognitiva) com a finalidade de reduzir as suas qualidades aversivas. O coping é uma resposta com o objetivo de aumentar, criar ou manter a percepção de controle pessoal. O sentido de controle pode, porém, ser ilusório. As pessoas podem ser consistentes no modo como percebem o estresse e na maneira como o combatem, mas essa consistência envolve variações sistemáticas de situações ou estilo. A tendência a escolher uma determinada estratégia de coping depende do repertório individual (muitas estratégias podem ser úteis para uma mesma situação) e de experiências tipicamente reforçadas.

Embora sejam muitas as classificações de respostas de coping, nenhuma é amplamente aceita. Aliás, as concepções de coping apresentam-se na literatura de formas bem variadas. Segundo Lazarus e Folkman (1984), os enfoques tradicionais de coping surgiram em duas literaturas separadas e distintas: experimentação animal e psicologia ego-psicanalítica. O modelo animal define normalmente coping como atos que controlam condições aversivas e assim reduzem o impulso ou a ativação. A ênfase dá-se principalmente em comportamento de fuga e esquiva. Na tradição da psicologia ego-psicanalítica, o coping é geralmente concebido como uma hierarquia de estratégias, que progridem a partir de mecanismos de defesa imaturos ou primitivos, que distorcem a realidade, até mecanismos maduros. Segundo Meninger apud Lazarus e Folkman (1984), qualquer recurso que indique descontrole ou desequilíbrio diante de uma situação não é um recurso de coping. Esses autores identificam cinco ordens de recursos reguladores que são dispostos de acordo com o nível de desorganização que indicam. No topo dessa hierarquia estão os processos de coping. A tendência dessa teoria é avaliar coping por meio de estilos ou traços de personalidade, ao invés de processos comportamentais.

Além desses enfoques de coping, derivados da literatura, Lazarus e Folkman (1984) citam o modelo de comportamento tipo A/B, que surgiu de observação clínica em vez de teorias. Esse modelo de Friedman e Rosenman apud Lazarus e Folkman (1984) define como pessoas propensas a ter uma doença cardíaca, as do tipo A. São pessoas envolvidas de forma agressiva em uma luta incessante e crônica para realizar cada vez mais em cada vez menos tempo. As do tipo B raramente se sentem apreensivas por obter um número

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crescente de coisas ou de participar de uma série interminavelmente crescente de acontecimentos. Esse modelo de comportamento pode ser visto como um estilo de coping que inclui propriedades comportamentais, motivacionais e cognitivas.

Lazarus e Folkman (1984) apresentam sua própria definição de coping: como "os esforços cognitivos e comportamentais constantemente alteráveis para controlar (vencer, tolerar ou reduzir) demandas internas ou externas específicas que são avaliadas como excedendo ou fatigando os recursos da pessoa". Essa definição distingue os esforços de coping de comportamentos adaptativos automatizados, quando cita mudanças constantes como resposta às necessidades de estímulos específicos. Evita o problema de se confundir a resposta de coping com conseqüências, quando se define como esforços de controle, permitindo incluir qualquer coisa que a pessoa faz ou pensa, sem considerar esse comportamento como certo ou errado.

Em sua análise de coping, Lazarus e Folkman (1984) avaliam as funções de coping para as pessoas e as formas pelas quais elas o utilizam. Ressaltam a diferença entre função e conseqüência do coping. A função diz respeito ao propósito a que a estratégia serve; as conseqüências dizem respeito ao efeito produzido pela estratégia. Uma estratégia pode ter a função, por exemplo, de impedimento, mas a utilização dessa estratégia não resulta, necessariamente, que a situação ameaçadora seja evitada. Em outras palavras, as funções não são definidas em termos de conseqüências ainda que se possa esperar que determinadas funções venham a ter conseqüências determinadas.

O coping tem duas funções, segundo a análise desses dois autores: modificar a relação entre a pessoa e o ambiente, controlando ou alterando o problema causador de "distress" (coping centrado no problema); adequar a resposta emocional ao problema (coping centrado na emoção). Em geral, as formas de coping centradas na emoção são mais passíveis de ocorrer quando já houve uma avaliação de que nada pode ser feito para modificar as condições de dano, ameaça ou desafio ambientais. Formas decoping centrados no problema, por outro lado, são mais prováveis quando tais condições são avaliadas como fáceis de mudar.

O coping centrado no problema e na emoção influenciam-se mutuamente em todas as situações estressantes. As pessoas utilizam ambas as formas de coping, o que pode impedir ou facilitar a manifestação de uma ou outra forma. A forma pela qual uma pessoa usa o coping está determinada, em parte, por seus recursos, os quais incluem saúde e energia, crenças existenciais, habilidades de solução de problemas, habilidades sociais, suporte social e recursos materiais. O coping é também determinado por variáveis que diminuem o uso dos recursos pessoais. Podem ser de natureza pessoal, incluindo valores e crenças culturais que prescrevem certas formas de déficits de comportamentos. Podem ser ambientais, incluindo demandas que competem com os recursos pessoais e/ou agências como instituições que impedem os esforços decoping.

Fleming et al. (1984) definem o coping como a parte central do processo de estresse e nele incluem respostas abertas ou encobertas direcionadas para a redução desse processo.

Justice (1988) enfatiza que o coping é um conceito a ser explorado em pesquisas, mais até do que o estresse. Isso porque pode ser definido com maior grau de precisão por ser um processo pelo qual as pessoas tendem a modificar ou eliminar os problemas que surgem. Pode ser correlacionado com medidas quantitativas de cognições, comportamentos, emoções, reações fisiológicas e situações sociais, tanto em ambientes controlados quanto naturais.

Medidas de coping

As medidas de coping refletem as classificações que os autores fazem das estratégias de coping. Assim, Moss e Billings (1984), que organizaram as estratégias em três áreas de acordo com o enfoque principal do indivíduo (enfoque avaliativo, enfoque no problema e enfoque na emoção), desenvolveram um instrumento de medida em conformidade com essas, que não se excluem. Isso faz com que o processo de medida que elas envolvem não seja muito preciso.

O inventário de estratégias de coping de Folkman e Lazarus (1985) (anexo 3) é um questionário que contém 66 itens, englobando pensamentos e ações que as pessoas utilizam para lidar com demandas

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internas ou externas de um evento estressante específico. Geralmente o evento é relatado em entrevista, com breve descrição de quem estava envolvido, o local em que se deu o evento e o que aconteceu. Cada administração do questionário centraliza-se no processo de coping de uma situação particular e não no coping como estilos ou traços de personalidade. A situação é que determina o padrão de estratégias de coping e não variáveis pessoais. Tanto Stone e Neal (1984) quanto Folkman e Lazarus (1985) apresentam essa conclusão.

Lipp (1984), em seu Inventário de Controle de Estresse, agrupa as estratégias de coping em: 1) aspectos fisiológicos que englobam exercícios físicos, práticas gerais de nutrição e saúde, formas de relaxamento; 2) sistemas de apoio, envolvendo o suporte social da família e de amigos, sessões de psicoterapia, freqüência a uma igreja; 3) trabalho voluntário, recreação e hobbies; 4) habilidades interpessoais e de controle que englobam treinamentos e experiências de crescimento pessoal.

Verifica-se que o volume da literatura em relação a medidas de coping não tem se mostrado muito extenso, principalmente quanto à quantidade de instrumentos construídos, inclusive no Brasil.

Savoia (1995) selecionou, dos instrumentos mencionados, o Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus (1985), por ter sido construído e validado de acordo com critérios metodológicos e técnicos de boa aceitabilidade. Os itens desse inventário foram avaliados por meio de análise fatorial com rotação oblíqua. Essa técnica estatística foi escolhida pelos autores, pois eles acreditavam que as pessoas elegessem um grande número de estratégias ao invés de apenas um conjunto delas. As pesquisas por eles desenvolvidas anteriormente apoiavam essa proposição.

Duas escalas derivaram do trabalho daqueles autores. A primeira é derivada de um estudo de eventos estressantes relatados por uma amostra de casais de meia-idade (Folkman e Lazarus, 1980). A segunda é derivada de amostra de estudantes diante de um exame acadêmico (1985). Os autores sugerem que, em geral, se utilize a primeira escala, porque o fator de análise foi derivado de uma amostra grande de pacientes e de muitos eventos estressantes. Entretanto, se a investigação envolve exames acadêmicos, ou estudantes, a segunda escala seria mais apropriada.

Seguindo a sugestão dos autores para utilização do inventário em uma população não-acadêmica, optou-se por trabalhar com os dados da primeira escala que consiste em oito fatores: confronto, afastamento, autocontrole, suporte social, aceitação de responsabilidade, fuga e esquiva, resolução de problemas e reavaliação positiva. Feita a escolha do instrumento, procedeu-se à tradução e à investigação de alguns aspectos ligados ao conteúdo do inventário de coping, tais como: verificar a adequação da tradução, a confiabilidade e a validade do instrumento com pacientes brasileiros que permitissem sua utilização imediata (Savoia et al., 1996). Os resultados desse estudo demonstraram que existe correspondência entre a versão original em inglês e a sua tradução para o português; que existe concordância entre as respostas dos brasileiros em situação de teste-resteste sobre a forma em português; que os fatores mantêm certa homogeneidade quanto à resposta a uma determinada estratégia de coping(consistência interna); que os resultados da análise fatorial foram bastante similares aos do estudo de Folkman e Lazarus. Com base nesses resultados, foi decidido como apropriada a utilização do inventário (tabela 2).

Propõe-se a utilização conjunta dos inventários aqui apresentados quando se pretende utilizar a análise dos eventos vitais como desencadeantes de transtornos psiquiátricos, pois as estratégias de coping utilizadas pelos pacientes nessas situações não podem ser desconsideradas. Sugere-se, ainda, que o número de eventos vitais não é o determinante da relevância desses eventos no desencadeamento dos transtornos psiquiátricos em geral, e sim as estratégias de coping utilizadas pelas pessoas, juntamente com o impacto desses eventos vitais em suas vidas.

 

Tabela 2

Fatores do inventário de estratégias de coping 

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Fator 1 - Confronto itens 47, 17, 40, 34, 07, 28 Fator 2 - Afastamento itens 41, 13, 44, 21, 06, 16, 10 Fator 3 - Autocontrole itens 15, 14, 43, 54, 35 Fator 4 - Suporte social itens 42, 45, 08, 31, 18, 22 Fator 5 - Aceitação de responsabilidade itens 51, 09, 52, 29, 48, 25, 62 Fator 6 - Fuga e esquiva itens 58, 59 Fator 7 - Resolução de problemas itens 49, 26, 46, 01 Fator 8 - Reavaliação positiva 

itens 38, 56, 60, 30, 39, 20, 36, 63, 23 

 

REFERÊNCIAS

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Page 10: Savoia, M. G. Escalas de eventos vitais e de estratégias de enfrentamento(Coping)

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