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    O Jornaleiro: Um projeto educomunicativo?

    Felipe dos Santos Schadt1

    Resumo:

    A cidade de Campo Limpo Paulista, interior de So Paulo, apresenta um quadro preocupante para a

    Educomunicao: de suas 42 escolas, apenas uma possui interveno educomunicativa. Nesse contexto, o

    jornal-laboratrio do curso de Comunicao Social da Faculdade Campo Limpo Paulista, O Jornaleiro,

    apresenta-se como uma possvel prtica educomunicativa para essas escolas. O objetivo tentar

    enquadrar o projeto como educomunicativos atravs das reas de interveno da educomunicao,

    dialogando, por sua vez, com as teorias da comunicao que so relevantes para explicar os fenmenos

    comunicativos apresentados.

    Palavras-chave: Educomunicao; O Jornaleiro; interveno; teorias da comunicao;

    1. Introduo

    Com quase dois anos de existncia, O Jornaleiro, projeto do curso de

    comunicao social dos alunos da Faculdade Campo Limpo Paulista, mostrou-se como

    um potencial projeto educomunicativo por fazer uso de preceitos que esse novo campo

    de interveno social tem como base, como por exemplo, o uso do dilogo na

    construo de conhecimento.

    Essa aproximao com a educomunicao se potencializou aps o projeto

    perceber que das 42 escolas do municpio de Campo Limpo Paulista, no qual est

    inserido, nenhuma possui, atualmente, um projeto educomunicativo. Sendo assim, O

    Jornaleiro se mostrou interessado em expandir seus horizontes, indo do ensino

    universitrio para o ensino fundamental e mdio.

    Mas para que essa ida s escolas seja feita de uma maneira saudvel para os

    membros da comunidade escolar, O Jornaleiro precisa se enquadrar nas premissas da

    educomunicao. E para isso, preciso fazer uma reflexo sobre o projeto tentando

    explica-lo atravs das reas de interveno da educomunicao. A partir da, entender

    essas reas dialogando com as teorias da comunicao que foram e so tendncias no

    pensamento acerca das aes comunicativas.

    1 Jornalista formado pela Faculdade Campo Limpo Paulista, com especializao em Histria, Sociedade e Cultura pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, professor de Tcnicas em Rdio e TV no curso de comunicao social da Faculdade Campo Limpo Paulista, coordenador do projeto O Jornaleiro e aluno do curso de ps-graduao lato-sensu em Educomunicao pela Escola de Comunicao e artes da USP.

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    Portanto, este artigo est dividido em mais cinco partes. Na primeira, iremos

    tentar desvendar a educomunicao e tentar definir suas aes e seus objetivos. Na

    sequncia, iremos trabalhar com essas definies educomunicativas e de como elas

    podem atuar no espao escolar. Logo aps, apresentaremos o projeto O Jornaleiro e

    desvend-lo atravs das reas de interveno que podem explicar suas aes e seus

    processos e, por sua vez, dialogar essas reas de interveno com algumas teorias da

    comunicao. Feito isso, o artigo apresentar nas consideraes finais o atual quadro da

    educao de Campo Limpo Paulista, justificando a emergncia de projetos

    educomunicativos nessa realidade. Por fim, uma concluso sobre o que foi abordado no

    presente artigo.

    2. Educomunicaoque?

    Explicar que raios essa tal de educomunicao se apresentou como uma

    tarefa complexa e que exige ateno e cuidado com as palavras escolhidas para dar o

    devido significado para esse neologismo. No podemos deixar que o termo, apresentado

    pela primeira vez em 1999 na revista Contato em Braslia aps intensa pesquisa do

    Ncleo de Comunicao e Educao da USP,2 caia em explicaes simplistas como o

    uso das tecnologias da comunicao na sala de aula; ou somente como uma

    alfabetizao para os meios de comunicao; to pouco como uma simples juno da

    educao e da comunicao. preciso um aprofundamento para buscar uma explicao

    satisfatria para o que Ismar de Oliveira Soares chama de um novo campo de

    interveno social.3 Ainda segundo Soares:

    Partimos da premissa de que a educomunicao, conceito que - no entendimento do Ncleo de Comunicao e Educao da USP - designa um campo de ao emergente na interface entre os tradicionais campos da educao e da comunicao, apresenta-se hoje, como um excelente caminho de renovao das prticas sociais que objetivam ampliar as condies de expresso de todos os seguimentos humanos, especialmente da infncia e da juventude.4

    2 Pesquisa realizada na dcada de 1990, pelo NCE-USP em 12 pases da Amrica Latina que possuam programas e projetos que trabalhavam com a interface entre comunicao e educao, com o objetivo de detectar o imaginrio desses agentes culturais sobre a referida interface. Leia mais em SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: o conceito, o profissional, a aplicao. So Paulo: Paulinas, 2011, p.34-35. 3 SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: o conceito, o profissional, a aplicao. So Paulo: Paulinas, 2011, p.11 4 Ibid., p.15

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    O que o professor livre-docente quis dizer que a educomunicao se apresenta

    como um novo paradigma para a educao e para a comunicao e que, por sua vez,

    confrontar inevitavelmente com os paradigmas j existentes que permeiam esses

    tradicionais campos sociais.

    No campo da educao, o paradigma apresentado o do ensino x aprendizagem.

    Esse sistema vertical de educao apresenta a instituio de ensino como nico local de

    aprendizagem, o professor como o detentor da sabedoria e o aluno como um ser que

    nada sabe pronto para receber todo o conhecimento vindo de fora para dentro. J o

    paradigma na comunicao se apresenta como um sistema hegemnico, onde poucos

    grupos possuem o poder de criar contedo atravs dos meios de comunicao, dando ao

    outro um status de mero receptor sem o direito de resposta por meio de suas prprias

    produes miditicas.

    Olhando para o mbito escolar, esses dois paradigmas, que claramente

    obedecem uma lgica funcionalista, impedem o discente de criar condies de se tornar

    um produtor de contedo com olhar crtico para a sociedade. Ao invs disso, h um

    esforo para a manuteno do status quo. A educomunicao busca criar um dilogo

    entre esses dois campos5 que sempre se apresentaram como heterogneos e distintos em

    suas funes sociais para poder dar, a esse jovem, reais condies emancipadoras. A

    questo que se deve fazer : Esse dilogo possvel?

    Primeiro precisamos entender essa separao social entre os campos da

    educao e da comunicao, onde cada uma delas era vista, atravs do prisma da

    racionalidade moderna, como neutras e com funes claras e especficas. Enquanto a

    educao deveria legitimar a ordem social proposta, a comunicao era um instrumento

    disciplinador da coletividade.

    A Modernidade nasceu com a instituio da crena nas possiblidades da razo, capaz de transformar a sociedade pela dominao da natureza pelo homem. Ao mesmo tempo imps a uniformizao das mentalidades como forma de controle da opinio pblica. Para tanto, a sociedade industrial conformou a educao (para sedimentar e legitimar a ordem social que queria ver estabelecida), fazendo, por outro lado,

    5 BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicao/educao e a construo de nova varivel histrica. In CITELLI, A. O.; COSTA, M. C. C. (Org.) Educomunicao: construindo uma nova rea do conhecimento. So Paulo: 2011, p. 31.

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    uma apropriao do discurso miditico, usando-o como seu mais poderoso instrumento disciplinador coletivo.6

    Mesmo aps a crise da Modernidade e o surgimento da cultura Ps-Moderna, a

    razo continua sendo o alicerce nas construes sociais. O que antes era apresentado

    como razo iluminista, passa a ser apresentado como razo tcnica amparada pelo

    predomnio da informao. Ainda assim, educao e comunicao continuam como

    campos distintos e com funes prprias.

    Enquanto a comunicao ganha valorizao pelo domnio da informao, a

    educao entra em crise devido ao seu tradicionalismo. Antes a educao era definida

    como base da construo da democracia moderna7 e nesse momento esse discurso

    estava sendo substitudo pelo discurso sobre a excelncia e a irreversibilidade da

    informao.8 Esse pensamento de valorizao social ao mundo da comunicao e de

    uma negao do mundo da educao defendida pelo pensador francs Pierre Furter,

    que ainda dir que a educao nesse perodo se torna territorial, nacionalizada,

    normativa e burocrtica, enquanto a comunicao se apresenta como desterritorializada,

    internacionalizada, no-formal e no-burocrtica.9

    Para construir um dilogo entre esses dois campos que, a partir das vises da

    Modernidade e da Ps-Modernidade so distintos em suas funes sociais, preciso

    entender que primeiro, a educao s possvel enquanto ao comunicativa e segundo,

    a comunicao em si uma ao educativa. Esses axiomas so apresentados por Ismar

    de Oliveira Soares como uma das linhas terico-prticas para se compreender a relao

    entre comunicao e educao.

    Segundo Soares, a comunicao um fenmeno que se encontra em todos os

    modos de formao do ser humano. No caso, o tipo de comunicao adotado passa a

    emprestar identidade ao processo educativo, qualificando-o.10 O estudioso usa como

    exemplo a expresso adotada por Paulo Freire que diz respeito a uma educao

    verticalizada, a educao bancria e em contrapartida, tambm usa a expresso

    educao dialgica, utilizada para representar o esforo para a construo de uma 6 MILAN, Yara Maria Martins. Comunicao e educao: um ponto de mutao no espao de confluncia. In: SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: um campo de mediaes. In CITELLI, A. O.; COSTA, M. C. C. (Org.) Educomunicao: construindo uma nova rea do conhecimento. So Paulo: 2011, p. 15. 7 SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: um campo de mediaes. In CITELLI, A. O.; COSTA, M. C. C. (Org.) Educomunicao: construindo uma nova rea do conhecimento. So Paulo: 2011, p. 16. 8 Idem. 9 Idem. 10 SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: o conceito, o profissional, a aplicao. So Paulo: Paulinas, 2011, p.17

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    educao compartilhada e solidria. Esses dois exemplos mostram o quanto a

    comunicao se faz presente na prxis educativa, ora por meio de transferncia de

    conhecimento de um ponto para outro, ora por meio do dilogo e da troca de

    conhecimentos.

    No segundo axioma, Soares acredita que diferentes modelos de comunicao

    determinariam resultados educativos diferentes, onde uma comunicao dialgica

    contribuiria para um aumento significativo da participao e do interesse dos estudantes.

    [...] uma comunicao essencialmente dialgica e participativa, no espao do ecossistema comunicativo escolar, mediada pela gesto compartilhada (professor/aluno/comunidade escolar) dos recursos e processos da informao, contribui essencialmente para a prtica educativa, cuja especificidade o aumento imediato do grau de motivao por parte dos estudantes, e para o adequado relacionamento no convvio professor/aluno, maximizando as possibilidades de aprendizagem, de tomada de conscincia e de mobilizao para a ao.11

    Essa condio de transformar o ambiente escolar a partir da comunicao -

    enquanto produo simblica e transmisso de sentidos -, deixando de lado a

    burocratizada transferncia de informao pela construo de conhecimento atravs

    dilogo, dando condies para se formar indivduos com real poder transformador o

    que podemos chamar de educomunicao.

    3. A educomunicao no espao escolar

    Pensando ainda na educao dialgica, a educomunicao busca aes voltadas

    para o planejamento de prticas que desenvolvam ecossistemas comunicativos abertos e

    criativos no espao educativo, onde possibilite a expresso de todos os membros das

    comunidades educativas de uma maneira democrtica.12 O ecossistema comunicativo se

    torna, portanto, na rea de atuao da educomunicao. Esse termo defendido por

    Soares como:

    [...] uma figura de linguagem para nomear um ideal de relaes, construdo coletivamente em dado espao, em decorrncia de uma deciso estratgica de favorecer o dilogo social, levando em conta,

    11 SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: o conceito, o profissional, a aplicao. So Paulo: Paulinas, 2011, p.17 12 Ibid., p.36.

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    inclusive, as potencialidades dos meios de comunicao e de suas tecnologias.13

    Podemos concluir que o ecossistema comunicativo , portanto, um espao que

    privilegia a convivncia amparada por aes comunicativas. Como exemplo podemos

    pensar no espao familiar que, historicamente obedece uma hierarquia paternal,

    transformar-se em um ecossistema em que o dilogo seja a base das decises a serem

    tomadas, contrariando a sistemtica verticalista de pais que ordenam e filhos que

    obedecem. O dilogo nesse exemplo se torna uma ao comunicativa que vai amparar a

    convivncia dos membros do citado campo social.

    Pensemos, a partir de agora, no ecossistema comunicativo em um ambiente to

    tradicional quanto a famlia: o ambiente escolar. Quais so os desafios que se

    apresentam para que tal prtica se faa presente?

    Como vimos anteriormente, a escola representava na Modernidade uma

    instituio social com a funo de sedimentar e legitimar a ordem social e que, na Ps-

    Modernidade, entrou em crise devido o seu tradicionalismo. Esse tradicionalismo

    iluminista da escola se apresenta como um verdadeiro obstculo para a execuo de um

    ecossistema comunicativo. Primeiro por se tratar de um ambiente onde a hierarquia

    mantida e ensinada logo que a criana tem o primeiro contato com o ambiente escolar.

    Nessa lgica, o professor se torna o sujeito detentor da sabedoria, portanto necessrio

    respeit-lo e no contradiz-lo, pois ele tem o conhecimento ao seu favor. J o diretor,

    apresenta-se com mais fora ainda, onde ele no visto como um gestor da escola, mas

    sim como um disciplinador implacvel que lhe castigar caso voc saia da linha,

    causando medo quando se ouve a fatdica frase: v para a diretoria. Essa conscincia

    sobre esses personagens da educao s fortalece a lgica de que um tem poder sobre o

    outro e o dilogo no se faz presente.

    O desafio se apresenta a partir do momento que, para criar e desenvolver

    ecossistemas comunicativos preciso que as aes do educomunicador sejam

    inclusivas, democrticas, miditicas e criativas.14 Nesse sentido, ainda olhando para a

    escola, um ecossistema comunicativo ir convidar todos os membros da comunidade

    escolar a sentir-se inclusos no processo, reconhecer fundamentalmente a igualdade

    13 Ibid., p.44. 14 Ibid., p.37.

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    entre os envolvidos, valorizar as mediaes possibilitadas pelos recursos miditicos e

    sintonizar todas as formas de manifestao cultural.

    A educomunicao - enquanto teia de relaes (ecossistema) inclusivas, democrticas, miditicas e criativas - no emerge espontaneamente num dado ambiente. Precisa ser construda intencionalmente. [...] O obstculo maior , na verdade, a resistncia s mudanas nos processos de relacionamento no interior de boa parte dos ambientes educativos, reforada, por outro lado, pelo modelo disponvel da comunicao vigente, que prioriza, de igual forma, a mesma perspectiva hegemonicamente verticalista na relao entre emissor e receptor.15

    A partir do ecossistema comunicativo, a educomunicao se far presente por

    meio da chamada pedagogia de projetos que permite que mesmo ambientes fechados e

    rgidos possam ser beneficiados pela brisa educomunicativa.16 A pedagogia de projetos

    acredita na construo participativa do conhecimento pelo aluno, sendo esse

    responsvel pelo seu desenvolvimento.17 Portanto, a educomunicao, a partir da

    pedagogia de projetos, usando de projetos transdisciplinares que valorizem o uso da

    comunicao atravs de produtos miditicos, poder dar ao aluno, no s poder de

    crtica, mas tambm o poder de produo. Na educomunicao, o mbito

    transdisciplinar defende a criao e produo de contedo atravs de mdias,

    favorecendo o uso dos recursos da comunicao nas mltiplas atividades didticas na

    escola ou fora dela, atravs da pedagogia de projetos.18

    E se o ecossistema comunicativo o terreno de atuao, as reas de interveno

    sero a porta de entrada da educomunicao no ambiente escolar. Segundo Soares, a

    partir delas os sujeitos sociais passam a refletir sobre suas relaes no mbito da

    educao.19 Ou seja, essas reas podem ajudar no despertar da comunidade escolar

    para o conceito da educomunicao onde as reas de interveno se transformam em

    pontes que ligam o mundo da mdia escola.

    Seis reas de interveno so apresentadas: a) Educao para a comunicao; b)

    expresso comunicativa atravs das artes; c) mediao tecnolgica nos espaos

    educativos; d) pedagogia da comunicao; e) gesto da comunicao nos espaos

    comunicativos; f) reflexo epistemolgica sobre a prpria prtica em questo. 15 Idem. 16 Ibid., p.49. 17 ANDRADE, LBP; ROMANCINI, R. Educomunicao e Pedagogia de Projetos: abordagens e convergncias. XXXII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao. Curitiba-PR, 2009, p.11 18 SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: o conceito, o profissional, a aplicao. So Paulo: Paulinas, 2011, p.87. 19 Ibid., p.47.

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    Quanto mais reas de interveno estiverem sendo cobertas - simultaneamente - pelos projetos em desenvolvimento numa escola, mais pessoas - professores, alunos e membros da comunidade - estaro envolvidas no processo, permitindo que a educomunicao se torne visvel, notada especialmente por seus efeitos benficos.20

    Nesse contexto, inmeros projetos podem se apresentar como pertinentes s

    causas educomunicativas. Podemos citar o exemplo do Educom.rdio,21 que beneficiou

    alunos, professores e membros de comunidades escolares de 455 escolas de Ensino

    Fundamental da cidade de So Paulo. Esse projeto visava levar a essas escolas

    condies para que as mesmas pudessem construir conhecimento atravs do rdio, onde

    alunos e professores participavam democraticamente da concepo dos programas que

    discutiam assuntos relevantes comunidade escolar.

    As possibilidades de projetos se mostram infinitas: projetos televisivos onde os

    alunos criam o prprio programa de televiso; criao de curta, mdia ou longa-

    metragem na escola para abordar os anseios da comunidade escolar; um jornal escolar

    onde os discentes discutem fatos do seu cotidiano que reflitam diretamente na escola e

    na comunidade que ela est inserida, entre outros. Esses so s alguns outros exemplos

    de possveis projetos transdisciplinares que podem levar a educomunicao para dentro

    da escola.

    J vimos que quanto mais reas de interveno contemplam um projeto, mais

    prximo ele fica da educomunicao. A partir dessa afirmao, apresentaremos no

    tpico a seguir O Jornaleiro, um jornal-laboratrio que nasceu no curso de

    comunicao social da Faculdade Campo Limpo Paulista (FACCAMP) e se mostra

    como um potencial projeto para as escolas da mesma cidade. Discutiremos se o projeto

    atende as especificidades da educomunicao, atravs das reas de interveno,

    buscando uma tentativa de dilogo entre elas e as teorias da comunicao que foram e

    so tendncias nas discusses sobre o tema.

    20 Ibid., p.50. 21 O projeto foi confiado pela Secretaria de Educao da Prefeitura de So Paulo ao NCE-USP, que, para sua execuo, despendeu de sete semestre, entre 2001 e 2004, atendendo, ao todo, aproximadamente 11 mil agentes educacionais, incluindo professores, estudantes e membros das comunidades educativas, todos vinculados a 455 escolas de Ensino Fundamental da rede pblica municipal.

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    4. O Jornaleiro e as reas de interveno

    Antes de falarmos do projeto, devemos tentar defender o uso do jornal como

    ferramenta pedaggica. Nesse contexto transdisciplinar, o jornal impresso se apresenta

    como um meio eficiente para ser utilizado como ferramenta dentro da sala de aula.

    Comparado com outras mdias como a internet ou a prpria televiso, o jornal possui

    caractersticas favorveis para seu uso no ambiente escolar. Isso se faz atravs do

    contato direto que o aluno tem com as notcias que fazem parte de seu cotidiano.

    Sendo assim, o jornal se torna uma alternativa de interdisciplinaridade, podendo

    ser, em determinados casos, mais eficiente que o prprio livro didtico. Vejamos:

    Determinada notcia fala sobre os problemas no transporte pblico. Ao se deparar com a reportagem, o professor pode trabalha-la em sala de aula discutindo com os alunos suas experincias com a temtica. Diretamente envolvidos com o tema, por ser parte de seu cotidiano, os alunos estaro envolvidos na discusso e prontos para participarem dela. A partir da, o professor pode trabalhar inmeras situaes, como por exemplo, inserir problemas matemticos na discusso de nmero de passageiros por nmero de carros disponveis, tempo que determinado nibus demora para fazer seu trajeto etc.22

    Jos Pricles Diniz aponta para o desenvolvimento do olhar crtico do aluno que

    tem o jornal como ferramenta de aprendizagem, pois ele passa a ser um leitor que

    escolhe e critica o que l.

    Ao usar o jornal como material didtico, o professor estar aproximando a escola do mundo que a cerca. Apenas em praticar o manuseio tpico de um leitor de jornal, o aluno est aprendendo a fazer escolhas crticas em relao ao que quer e quando quer ler.23

    Diferentemente dos textos didticos que, em sua maioria, nada tem a ver com o

    cotidiano dos alunos, os textos jornalsticos so, alm de fcil compreenso, devido a

    sua escrita simples e direta, atuais e pertinentes s experincias desses cidados que

    frequentam a escola. Portanto, tornam-se um excelente material para ser usado em sala

    de aula, interferindo diretamente no hbito de leitura dos alunos.

    Se o uso de jornais como ferramenta pedaggica j desperta no aluno o olhar

    crtico e o hbito leitura, o que aconteceria se ao invs de meros leitores, os alunos

    22 SCHADT, Felipe dos Santos. O Jornaleiro: O Jornal-laboratrio como possibilidade de projeto educomunicativo nas escolas de Campo Limpo Paulista-SP. IV Colquio Catarinense de Educomunicao/III Colquio Ibero-Americano de Educomunicao. Florianpolis-SC, 2009. 23 DINIZ, Jos Pricles. O jornal impresso na formao de conscincia crtica. Revista da FAEEBA - Educao e Contemporaneidade. Salvador: v. 13, n.21, p. 129-141, jan./jun., 2004.

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    passassem a ser, tambm, produtores de seu prprio meio de comunicao? A resposta

    pode ser totalmente positiva, pois a criao desse espao de produo pelo jornal como

    projeto transdisciplinar faz com que a juventude de fato se reconhea como agente

    transformador de sua realidade, a partir da escola.24

    A partir dessa busca por protagonismo juvenil, entra em cena o projeto O

    Jornaleiro, um jornal-laboratrio que nasceu dentro do curso de Comunicao Social da

    Faculdade Campo Limpo Paulista junto aos alunos e se mostra interessado em entrar

    nas escolas como projeto educomunicativo transdisciplinar.

    O Jornaleiro iniciou suas atividades no dia 6 de agosto de 2012, com o intuito

    de possibilitar que o aluno do curso de Comunicao Social da FACCAMP (Faculdade

    Campo Limpo Paulista) pudesse ter um contato com a prtica jornalstica, auxiliada

    com a teoria desenvolvida em sala de aula.

    Em sua primeira semana de veiculao, O Jornaleiro contou com apenas trs

    alunos do curso de Jornalismo. Esses alunos produziram, cada um, uma matria sobre

    temas diversos escolhidos coletivamente. As trs primeiras matrias foram sobre a

    Bienal do Livro de 2012, a polmica envolvendo as sacolas plsticas e os malefcios das

    bebidas alcolicas. Essas matrias, por sua vez, foram diagramadas em um formato

    prximo ao de uma pgina de um tabloide e veiculada atravs da rede social Facebook,

    dentro de uma pgina criada para esse fim.25

    A proposta inicial era que fossem divulgadas, pelo menos, trs matrias por

    semana, inicialmente entre os meses de agosto e dezembro de 2012. Para suprir essa

    demanda, outros alunos se juntaram equipe e se revezavam na produo das

    reportagens.

    Nos seus primeiros seis meses de existncia, O Jornaleiro contava com a

    colaborao de 15 alunos do curso de Comunicao Social (Jornalismo, Publicidade e

    Rdio e TV) entre o primeiro e o sexto semestre, alm de uma aluna do curso de

    Matemtica. Nesse perodo de agosto a dezembro, foram publicadas 74 matrias de

    diversos assuntos, lidas por cerca de 250 curtidores no Facebook, o que correspondia a

    uma mdia de 120 visualizaes/leituras por publicao.

    24 SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: o conceito, o profissional, a aplicao. So Paulo: Paulinas, 2011, p.55. 25 Ver em: Acesso em: 28 mar. 2014.

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    Devido ao bom trabalho realizado com as publicaes online e aps convite da

    coordenao do curso de Comunicao Social, O Jornaleiro passou a tambm ser um

    veculo impresso. Com publicaes bimestrais, o jornal-laboratrio produziria matrias

    com relevncia acadmica e regional para compor as editorias da verso impressa. O

    primeiro jornal a ser rodado, com uma tiragem de 1500 exemplares, no modelo tabloide

    com oito pginas preto e branco, contou com nove matrias divididas em seis editorias.

    A primeira edio do O Jornaleiro Impresso foi distribuda no dia 21 de maio de 2013,

    nas dependncias da FACCAMP para a comunidade acadmica, composta de alunos,

    funcionrios e professores da instituio. A partir da, a atuao do O Jornaleiro se

    dividiu entre matrias para a plataforma online a para o impresso.

    Hoje, O Jornaleiro conta com cerca de 1530 curtidores na sua pgina no

    Facebook, mais de 250 matrias publicadas entre online e impressas, uma

    visualizao/leitura mdia de 850 por publicao e mais de 40 alunos colaboradores do

    jornal-laboratrio.26

    4.1 O Jornaleiro dilogo

    Uma das principais caractersticas do projeto est no uso do dilogo para a

    tomada de decises e para a construo do conhecimento. J na primeira reunio, os

    primeiros trs alunos participantes, junto com o professor responsvel pelo projeto,

    decidiram coletivamente como O Jornaleiro iria seguir, como deveriam ser feitas as

    publicaes e como deveria ser a dinmica dos encontros. A partir disso, as reunies do

    jornal-laboratrio sempre aconteceram em roda, dando vez e voz para todos os

    membros.

    Esse tipo de configurao de espao fsico - em roda - possibilita o

    fortalecimento de um discurso que privilegia uma educao dialgica, pois tira a

    centralidade de uma figura [o professor] e passa a dar protagonismo para todos os

    presentes. A condio de que uma figura ensina e a outra aprende colocada de lado

    para que todos possam colaborar para a construo do dilogo, dessa forma, a

    contradio educador-educando, em que o professor era o sujeito e o aluno objeto

    passivo, superada.27

    26 Dados contabilizados no dia 25 de maio de 2014 e disponvel em 27 ZATTI, Vieccnte. Autonomia e educao em Immanuel Kant e Paulo Freire. Porto Alegre. EDIPUCRS, 2007, p. 63.

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    O uso dessa prtica pode ser explicado atravs de Paulo Freire, onde o filsofo

    defendia o dilogo e a construo do conhecimento de forma coletiva e democrtica. J

    agora ningum liberta ningum, como tampouco ningum se liberta a si mesmo: os

    homens se libertam em comunho.28 Vale destacar que o autor usa a palavra libertar

    no mesmo sentido que a palavra educar, onde est ltima aparece em edies anteriores

    no trecho citado da mesma obra.

    Outro autor que vai corroborar com o entendimento da importncia do dilogo,

    o terico e filsofo alemo, Jrgen Habermas. Um dos mais notveis pensadores da

    segunda gerao da Escola de Frankfurt trabalha com o conceito de ao comunicativa,

    onde todos os envolvidos tm direito fala e que essa fala no guiada por interesses

    prprios e egostas, mas sim pelos objetivos da coletividade no qual se encontra. A ao

    comunicativa se faz

    [...] sempre que as aes dos agentes envolvidos so coordenadas, no atravs de clculos egocntricos de sucesso, mas atravs de atos de alcanar o entendimento. Na ao comunicativa, os participantes no esto orientados primeiramente para o seu prprio sucesso individual.29

    Tanto Freire quanto Habermas iro ajudar a defender a ideia do ecossistema

    comunicativo, onde o dilogo ser capaz de transformar as relaes no ambiente

    escolar. No O Jornaleiro, essa conscincia de comunicao democrtica atravs do

    dilogo se mostra eficaz e pertinente, pois os participantes se encorajam a fazer parte do

    projeto, tomando-o como seu. E essa relao proporciona um crescente

    desenvolvimento do discente participante, pois alm de fazer valer sua opinio,

    consegue compreender e respeitar posies contrrias s suas, gerando assim um poder

    de crtica e autocrtica. Alm disso, esse dilogo proporciona uma nova viso dos

    participantes atravs dos demais olhares apresentados nas discusses, fazendo com que

    seja possvel conhecer outras formas de enxergar um determinado assunto.

    Talvez essa relao de comunicao democrtica dentro do projeto possa

    explicar o crescente nmero de participantes e sua fidelizao, uma vez que so poucos

    os discentes que entram para O Jornaleiro e o abandonam na sequncia.

    [...] a educomunicao se preocupar, essencialmente, com o

    aluno, com sua relao consigo mesmo, enquanto pessoa, tanto

    28 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1987, p. 75. 29 HABERMAS, Jrgen. The theory of communicative action, 1984. In: PINTO, Jos Marcelino de Rezende. A teoria da ao comunicativa de Jrgen Habermas: conceitos bsicos e possibilidades de aplicao administrao escolar. Rio Preto, Paidia FFCLRP-USP, 1995, p. 80.

  • 13

    quanto com sua relao com os colegas, os docentes, a escola e a

    sociedade ao seu redor.30

    4.2 Jornaleiros: mestres e aprendizes

    Na Europa dos sculos XII e XIII, as Corporaes de Ofcio eram compostas de

    trs classes de trabalhadores que se dividiam entre os mestres, os jornaleiros e os

    aprendizes. Os mestres eram os donos da oficina que acolhiam os jornaleiros que eram,

    tambm, responsveis pelo adestramento dos aprendizes.31 Os jornaleiros faziam um

    papel de auxiliar do mestre no treinamento do aprendiz que, aps receber treinamento

    suficiente, tambm se tornava um jornaleiro que, por sua vez, tambm se tornaria um

    mestre.

    Era, sim, uma lgica que obedecia a um sistema de valor pr-estabelecido que

    mantinha o mestre como dono do saber a ser passado para classes com menos

    conhecimento. Porm, o que chama a ateno o papel do jornaleiro que atua, ao

    mesmo tempo, como aprendiz e como mestre, onde aprendia novos conhecimentos e

    tambm tinha a chance de ensin-los.

    Essa condio de aprender e ensinar usada pelo projeto O Jornaleiro, onde os

    discentes tomam o papel de mestre e transferem seu conhecimento para outro membro

    do projeto afim de que mais pessoas tomem posse das aptides que mantm o jornal-

    laboratrio na ativa: o controle das pautas; a reviso dos textos; e a diagramao das

    reportagens.

    Uma vez por semana, os componentes do projeto se renem para discutirem as

    pautas que sero abordadas nas reportagens. Essa reunio de pauta guiada por um dos

    alunos que tem a funo de um pauteiro, onde procura mediar os debates e as escolhas

    dos temas que sero trabalhados posteriormente pelos alunos responsveis na

    reportagem. A pauta tem um papel fundamental no jornalismo, pois ela o primeiro

    roteiro para a produo de textos jornalsticos e material iconogrfico32 e, portanto, faz

    com que o papel do pauteiro seja de relevncia para o projeto.

    30 SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: o conceito, o profissional, a aplicao. So Paulo: Paulinas, 2011, p.46. 31 XIMENDES, Carlos Alberto. A Cmara de So Lus e o mundo do trabalho (1646-1755). Outros Tempos, Maranho, vol. 1, p. 106. 32 FOLHA de So Paulo. Manual de Redao. 17 edio. So Paulo: Publifolha, 2011, p. 48.

  • 14

    O aluno que est responsvel pela pauta fica na funo durante um ms e, em

    sua companhia, tem a presena de outro aluno. Esse outro discente acompanhar o

    pauteiro em suas funes e o responsvel pela pauta ter, tambm, a responsabilidade

    de passar seus conhecimentos sobre o assunto para o aluno-aprendiz. Passados os 30

    dias, o aluno-aprendiz assume as responsabilidades com a pauta, tornando-se o

    pauteiro, e recebe outro aluno para poder repassar o conhecimento, gerando, assim, uma

    corrente. Essa dinmica acontece da mesma forma com a reviso e a diagramao dos

    textos, fazendo com que os alunos ensinem um aos outros, em uma prtica chamada de

    cultura pr-figurativa.

    A antroploga norte-americana, Margaret Mead, estabelece diferenas entre trs

    tipos de cultura: a ps-figurativa, a cofigurativa e a pr-figurativa. A cultura ps-

    figurativa aquela em que os jovens aprendem primordialmente atravs dos adultos, j

    a cultura cofigurativa tanto jovens como adultos aprendem na conjuntura das relaes

    sociais que esto envolvidos e por fim, a cultura pr-figurativa os adultos tambm

    aprendem com os jovens.33 Portanto, essa dinmica do O Jornaleiro obedece a uma

    lgica pr-figurativa, diferentemente de instituies primitivas, como as religiosas, que

    sustentam uma cultura ps-figurativa dando autoridade sempre para aquele que mais

    velho.

    Nesse sentido de transferncia de conhecimento que no est subjugado a uma

    lgica ps-figurativa, os alunos envolvidos deixam de lado as hierarquias e passam a

    compreender que o conhecimento pode ser construdo coletivamente, negando

    completamente o paradigma funcionalista da comunicao, onde os processos

    comunicacionais cumprem a funo, entre outras, de transmitir a herana social de uma

    gerao para a outra. Nesse contexto, a teoria funcionalista da comunicao, diz que:

    [...] com respeito ao problema da conservao do esquema de valores, o subsistema das comunicaes de massa parece funcional, na medida em que cumpre parcialmente a tarefa de corroborar e reforar os modelos de comportamento existentes no sistema social.34

    Segundo o estudioso italiano, Mauro Wolf, as teorias funcionalistas da

    comunicao se concentram em entender as funes do sistema comunicativo na

    33 MEAD, Margaret. Cultura y compromiso: estudio sobre la ruptura generacional, 1980. In: SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: um campo de mediaes. In: CITELLI, A. O.; COSTA, M. C. C. (Org.) Educomunicao: construindo uma nova rea do conhecimento. So Paulo: 2011, p. 23. 34 WOLF, Mauro. Teorias das comunicaes de massa. Martins Fontes, So Paulo, 2003, p. 53.

  • 15

    sociedade35, dando importncia para os efeitos verificveis da ao da mdia sobre as

    massas, alm de ter um papel preciso na manuteno do funcionamento social.

    [...] a teoria funcionalista ocupa uma posio muito precisa, que consiste em definir a problemtica da mdia a partir do ponto de vista da sociedade e do seu equilbrio, da possibilidade do funcionamento total do sistema social e da contribuio que seus componentes (inclusive os meios de comunicao de massa) lhe trazem. O campo de interesse de uma teoria dos meios de comunicao de massa no mais definido pela dinmica interna dos processos de comunicao (como tpico sobretudo da teoria psicolgico-experimental), mas pela dinmica do sistema social e pela funo que as comunicaes de massa nela desenvolvem.36

    A comunicao a servio da manuteno do funcionamento social pode ser

    explicado pelo pensamento do estudioso da Fundao Rockfeller, Harold Lasswell.

    Apresentado pelo autor, Francisco Rdiger, Lasswell v a comunicao como parte de

    um processo onde o principal preceito a influncia sobre o comportamento alheio.37

    Essa afirmao colabora com o entendimento citado acima por Wolf, onde a influncia

    do sistema atravs das comunicaes de massa serve para manter o funcionalismo

    social.

    No caso do O Jornaleiro, afirmamos que existe uma negao a essa sistemtica

    funcionalista, pois internamente a comunicao se faz atravs do dilogo, onde a troca

    de saberes horizontalizada vai de contra mo ao funcionalismo social dentro do

    ambiente escolar, por exemplo. Portanto o projeto no obedece ao funcionalismo da

    cultura ps-figurativa de transferncia de conhecimento atravs de uma comunicao

    voltada para a influncia sobre o outro, afim de manter o status quo. Procuramos

    justamente o contrrio: dar ao jovem condies de transformar sua prpria histria e

    libert-lo das funes que a sociedade, limitadamente, oferece-lhe.

    Educomunicativamente falando, estamos tentando

    [...] garantir ao jovem a possibilidade de sonhar, no exatamente com um mundo fantstico e seguro que lhe seja dado pelos adultos, mas com um mundo que ele mesmo seja capaz de construir, a partir de sua capacidade de se comunicar. o que a educomunicao tem condies de propor.38

    35 Ibid., 2003, p. 50. 36 Ibid., p. 54. 37 RDIGER, Francisco. As teorias da comunicao. Porto Alegre: Penso, 2001, p. 56. 38 SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: o conceito, o profissional, a aplicao. So Paulo: Paulinas, 2011, p.53.

  • 16

    E essa garantia pode ser dada a partir do momento que o jovem se reconhece

    como mestre e aprendiz, ensinando e aprendendo ao mesmo tempo e tendo condies de

    entender, criticar e mudar a sua histria e a da sua comunidade perante a sociedade.

    4.3 O uso da mdia para gerar conhecimento

    As produes do O Jornaleiro perpassam entre duas plataformas: Online e

    Impressa. E cada uma delas trs maneiras peculiares de produo textual, dando ao

    aluno a possibilidade de conhecer diferentes estilos dentro dos gneros jornalsticos.

    A plataforma de publicao online se mostrou a melhor opo desde o incio do

    projeto, pois possvel fazer uma divulgao massiva, rpida, limpa e, mais importante,

    gratuita. O Jornaleiro se amparou na internet por esses motivos e por oferecer o que

    Bardoel e Deuze39 apontam como um dos quatro elementos do jornalismo desenvolvido

    na Web: interatividade. atravs dela que conseguimos entender o que nosso leitor est

    achando sobre nossas publicaes.

    O Facebook foi escolhido como plataforma para veiculao das matrias do

    projeto por ter apelo de um grande nmero de usurios. Hoje, cerca de 76 milhes de

    internautas brasileiros, segundo reportagem veiculada no site do grupo Bandeirantes em

    agosto de 2013,40 possuem um perfil no Facebook, alm disso, a rede social permite

    interatividade entre os usurios e as publicaes. Essa interatividade se d atravs de

    comentrios, o dispositivo curtir e o compartilhamento. Atravs dessas ferramentas,

    podemos mensurar a audincia das publicaes. Dentro dessa proposta, apresentamos

    dois estilos diferentes de textos: Nota e Notcia.

    A Nota um texto rpido e, em sua maioria, curto. Um breve relato sobre um

    determinado assunto sem o devido aprofundamento, graas a sua agilidade de apurao.

    Esse tipo de texto informativo corriqueiramente usado no O Jornaleiro para veicular

    acontecimentos que acabaram de ocorrer. Apelidado pelo jornal-laboratrio de Extra,

    Extra, essas notas so lanadas na pgina do projeto no Facebook, acompanhada de uma

    39 BARDOEL, Jo; DEUZE, Mark. Network Journalism: converging competences of old and new media professionals. 2000 Disponvel em: Acesso em: 20 mar. 2014 40 Disponvel em: Acesso em: 28 mai. 2014

  • 17

    foto sobre o fato. Esse texto no planejado e, portanto, no est dentro das reunies de

    pauta, o que d a ele um ar de notcia de ltima hora.

    O Extra, Extra tem a capacidade de colocar o aluno de frente com a notcia,

    dando a ele pouco tempo para apurar o fato e escrever o texto, porm autonomia para o

    desenvolvimento da matria. A agilidade para apurao, escrita, edio e veiculao

    imprescindvel para esse estilo na proposta adotada pelo O Jornaleiro. Aps escritos, os

    textos so veiculados na internet diretamente pelo aluno colaborador que tem acesso

    pgina do O Jornaleiro no Facebook e pode postar sua nota de onde estiver atravs de

    um aparelho celular, por exemplo.

    Essas publicaes so as que rendem o maior nmero de acesso, uma vez que

    retratam acontecimentos de ltima hora e que refletem, diretamente, na regio no qual o

    projeto est inserido, sendo, na maioria das vezes, o primeiro veculo de comunicao

    da regio a noticiar alguns fatos.

    Outro produto que usa as caractersticas de uma nota jornalstica o Dicas do

    Jornaleiro. Nele, o discente escreve sobre qualquer assunto de relevncia cultural e de

    importncia pessoal para apresenta-lo ao leitor, por exemplo: no dia 2 de maio de 2014

    um dos discentes resolveu escrever sobre um grupo de rap formado por trs garotas de

    sua cidade, o Odisseia das Flores. No texto feito por ele, o aluno contou a histria do

    grupo e publicou links com vdeos e msicas das trs garotas.

    Alm de notas sobre msica, o Dicas do Jornaleiro tambm contempla notcias

    sobre artes plsticas, dana, sites, teatro, shows, jogos, esportes, lazer, educao, moda e

    qualquer outro tipo de manifestao artstico-cultural. Esses textos so lanados de

    segunda sexta-feira na pgina e organizado por um aluno. Esse discente coordena

    um grupo de outros dez alunos, onde cada um escreve duas notas sobre assuntos pr-

    estabelecidos por eles durante as reunies de pauta. O aluno responsvel pelas dicas

    colhe esse material e publica na pgina do O Jornaleiro no Facebook.

    J a Notcia , segundo o manual de redao da Folha de So Paulo, o puro

    registro dos fatos [...], exatido o elemento-chave.41 Principal texto de um veculo

    jornalstico com objetividade e com um aprofundamento maior, alm da consulta s

    fontes e, sobretudo, amparado por entrevistas. Planejados nas reunies de pauta e

    41 FOLHA de So Paulo. Manual de Redao. 17 edio. So Paulo: Publifolha, 2011, p. 90.

  • 18

    acompanhado pelo professor responsvel pelo jornal-laboratrio, esses textos do ao

    aluno a possibilidade de apurao, entrevista e escrita.

    Aps escrito, a notcia enviada para reviso e para a diagramao, que por sua

    vez feita atravs do software Adobe InDesing 5.5. Essa diagramao segue os moldes

    de um jornal tabloide, com quatro colunas e tamanho de 246 milmetros por 297

    milmetros. acompanhada de Ttulo, Linha Fina, Crdito ao autor da notcia, Texto,

    Imagem, Crdito ao autor da imagem e Legenda. Alm disso, a diagramao feita com

    cores no formato RGB. Quando a diagramao finalizada, a pgina exportada para o

    formato JPEG e divulgado na internet na pgina do O Jornaleiro no Facebook.

    Os assuntos abordados pelas notcias so, em sua maioria, de cunho regional e

    que faam parte do cotidiano dos alunos e da comunidade no qual ele se encontra. Na

    produo o aluno tem o auxlio do professor responsvel pelo projeto e tambm dos

    colegas que j escreveram e/ou escrevem com frequncia. A seleo dos alunos que

    respondero pelas notcias escolhidas nas reunies de pauta feita livremente onde, na

    maioria das vezes, o aluno que sugeriu a pauta aquele que produzir a matria.

    Tambm pode acontecer de dois ou mais alunos se interessarem pelo mesmo assunto,

    fazendo com que eles dialoguem entre si e encontrem um denominador comum para o

    problema apresentado. Quando isso ocorre, os participantes do projeto sugerem que o

    mesmo tema seja visto de ngulos diferentes, dando a possibilidade de dois ou mais

    discentes escreverem sobre o mesmo assunto.

    Alm da plataforma online, O Jornaleiro conta com um jornal impresso que se

    apresenta em um formato de jornal tabloide no qual cada pgina tem aproximadamente

    246 milmetros por 297 milmetros. As notcias publicadas no O Jornaleiro Impresso

    seguem a tendncia desse formato, sendo matrias rpidas, porm sem deixar de lado o

    aprofundamento necessrio de uma notcia jornalstica.

    Sua diagramao dividida em quatro colunas, diferentemente dos jornais

    convencionais, os chamados Standards, que possuem seis colunas. Dentro dessas quatro

    colunas, o texto divide espao com imagens, que dependendo de sua qualidade,

    relevncia e disponibilidade, podem ocupar de duas at as quatro colunas. As imagens

    so escolhidas pelo aluno responsvel pela matria, dando preferncias para imagens

    feitas por ele ou pelos colegas que contriburam para a concepo da matria atravs de

    fotografias.

  • 19

    Os textos so divididos em seis editorias que so distribudas em oito pginas. A

    capa, que fica naturalmente na primeira pgina, a editoria de Entrevista, que fica na

    terceira pgina, a editoria destinada a matrias sobre a FACCAMP, que ficam na quarta

    e quinta pgina e a editoria de Cotidiano, que ocupa a ltima pgina, so editorias fixas

    e sempre recebem matrias com o mesmo direcionamento.

    Na editoria Entrevista, uma personalidade regional submetida a uma entrevista

    no formato pingue-pongue - estilo de entrevista que apresenta a pergunta do reprter e a

    resposta do entrevistado. Na editoria FACCAMP, os assuntos abordados so referentes

    ao universo acadmico. J na editoria Cotidiano, dado espao para a produo de

    crnicas e artigos. Alm disso, a ltima pgina tambm recebe Charges e Tirinhas

    que so produzidas pelos prprios alunos.

    As demais editorias so escolhidas previamente na reunio de pauta destinada

    produo do jornal impresso. Com isso, o aluno colaborador pode se sentir a vontade

    para sugerir pautas de qualquer assunto e, essa pauta aprovada coletivamente,

    submetida a alguma editoria adequada.

    A escolha das pautas feita atravs de uma reunio que ocorre com 45 dias antes

    da data de distribuio do jornal. As pautas so apresentadas pelos alunos e discutidas

    em conjunto com os demais colaboradores. Para ser escolhida, a pauta deve ter

    relevncia regional e conter fcil acesso para sua produo. Aprovada pela maioria, a

    pauta liberada para ser produzida.

    Assim que as matrias so finalizadas e entregues dentro do prazo previamente

    estipulado, elas so revisadas e diagramadas pelos alunos responsveis. Aps esses

    processos, o jornal enviado para a grfica e distribudo pelos prprios discentes

    participantes do projeto nas dependncias da instituio e em seu entorno. Os 1500

    exemplares so distribudos no horrio de intervalo de aula para a comunidade

    acadmica, formada por alunos, funcionrios e professores da Faculdade Campo Limpo

    Paulista, alm dos moradores dos bairros adjacentes faculdade.

    Acreditamos que todo esse material veiculado pelo projeto leva conhecimento e

    pode contribuir para a formao de quem os l e de quem os escreve. Esse processo

    muito semelhante a mais uma rea de interveno da educomunicao: a educao para

    a comunicao que, segundo Soares

  • 20

    [...] tem como objetivo a compreenso do fenmeno, tanto no nvel interpessoal e grupal quanto no nvel organizacional e massivo. Volta-se, em consequncia, para o estudo do lugar dos meios de comunicao na sociedade e seu impacto.42

    Portanto, ao deixar de ser apenas um mero leitor de jornal, o aluno passa a ser,

    tambm, um produtor de notcias que vai enxergar o fato atravs de uma tica

    completamente diferente na qual ele estava acostumado a ver. A partir do momento que

    o aluno produz um texto jornalstico ele comea a entender seu funcionamento e, com

    isso, comea a criar condies de crtica ao veculo.

    Podemos pensar as produes do O Jornaleiro atravs de uma outra

    especificidade da rea de interveno da educao para a comunicao que trabalha com

    os estudos de recepo. Vejamos a categoria de textos que esto acoplados no nicho das

    publicaes online. Como citado anteriormente, a internet possibilita interao imediata

    com o pblico e, atravs das ferramentas do Facebook [compartilhamento, curtir e

    comentrios] possvel entender como as publicaes esto sendo recebidas e

    resignificadas pelos leitores.

    Com esse processo, deixamos claro nossa inteno de entender o internauta que

    acompanha o projeto no como um mero receptor que ser atingido pela mensagem e,

    consequentemente, ser estimulado a ter uma resposta previamente esperada.

    Entendemos esse internauta como um agente que participa ativamente no processo de

    comunicao do O Jornaleiro. Essa ideia defendida pelos estudos de recepo. Para a

    professora Dra. Roseli Fgaro:

    Pensar a comunicao a partir da recepo permite entender o papel dos meios de comunicao na vida da sociedade contempornea, como eles atuam no cotidiano dos grupos sociais, nas diferentes comunidades e culturas. Possibilita sair da oposio emissor todo-poderoso versus receptor passivo, ou, por outro lado, emissor neutro versus receptor/consumidor todo-poderoso.43

    Assumir essa posio tambm negar alguns preceitos da Escola de Frankfurt

    que, por sua vez, vai tratar o receptor como passvel s mensagens do emissor. Mas

    segundo a professora Dra. Maria Immacolata Vassalo de Lopes, os estudos de recepo

    42 SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: o conceito, o profissional, a aplicao. So Paulo: Paulinas, 2011, p.47. 43 FGARO, Roseli. Estudo da recepo para a crtica da comunicao. In CITELLI, A. O.; COSTA, M. C. C. (Org.) Educomunicao: construindo uma nova rea do conhecimento. So Paulo: 2011, p. 91.

  • 21

    eram herdeiros dos estudos crticos da comunicao na dcada de 1970.44 Mas dez anos

    depois, esta linha de pesquisa procurou superar as limitaes epistemolgicas de

    modelos como os da pesquisa dos efeitos, pesquisa de audincias, pesquisa de usos e

    gratificaes, estudos de crtica literria e estudos culturais.45

    A teoria crtica da comunicao nasceu com os tericos alemes, Theodor

    Adorno e Max Horkheimer em 1923 no Institut fr Sozialforschung, em Frankfurt,

    Alemanha. Essa teoria pretendia compreender o sentido dos fenmenos estruturais,

    primrios, da sociedade contempornea, o capitalismo e a industrializao.46 nesse

    mbito que surgir a expresso indstria cultural que, por sua vez, designava o uso da

    lgica industrial na produo cultural.

    Horkheimer, Adorno, Marcuse e outros referiram-se com o termo indstria cultural converso da cultura em mercadoria, ao processo de subordinao da conscincia racionalidade capitalista, ocorrido nas primeiras dcadas do sculo XX. [...] Noutras palavras, a expresso designa uma prtica social, atravs da qual a produo cultural e intelectual passa a ser orientada em funo de sua possibilidade de consumo no mercado.47

    Nesse momento, o receptor ser visto como passivo, sem poder de autonomia.

    Um receptculo vazio que preenchido pelas mensagens da mdia e levado a tomar as

    decises pr-estabelecidas pela indstria cultural. Na era da indstria cultural, o

    indivduo no decide mais autonomamente: o conflito entre impulsos e conscincia

    resolvido com a adeso acrtica aos valores impostos.48

    Devido crena da teoria crtica sobre a fora da indstria cultural sobre o

    indivduo, dando a ele um status de receptor vazio, ns a negamos. Essa negao

    acontece pelo fato de acreditarmos nos estudos de recepo que vai defender o receptor

    como um indivduo altamente complexo que, atravs de toda sua bagagem cultural, vai

    receber a mensagem de uma maneira totalmente nica e resignific-la tambm de uma

    maneira particular. No podemos pensar a recepo das mensagens como estmulo e

    resposta, pois para entender esse processo de recepo preciso levar em conta

    inmeros fatores, como o espao de produo, como o tempo de consumo, ambos

    44 LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Pesquisa de recepo e Educao para os Meios. In CITELLI, A. O.; COSTA, M. C. C. (Org.) Educomunicao: construindo uma nova rea do conhecimento. So Paulo: 2011, p. 43. 45 Ibid., p. 44. 46 WOLF, Mauro. Teorias das comunicaes de massa. Martins Fontes, So Paulo, 2003, p. 74. 47 RDIGER, Francisco. Escola de Frankfurt. In HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz Cludio; FRANA, Vera Veiga (org.). Teorias da Comunicao: conceitos, escolas e tendncias. Petrpolis: Vozes, 2007, p. 138. 48 WOLF, Mauro. Teorias das comunicaes de massa. Martins Fontes, So Paulo, 2003, p. 77.

  • 22

    articulados pela cotidianidade (usos/consumo/prticas) e pela especificidade dos

    dispositivos tecnolgicos e discursivos (gneros) da comunicao de massa.49

    Portanto, no O Jornaleiro entendemos que o nosso leitor pode contribuir com

    sua viso sobre nossas publicaes, pois acreditamos que a recepo das mensagens

    ser dada de formas diferentes e, atravs dos comentrios, esse internauta pode

    participar do processo de dilogo que tanto presamos no projeto.

    4.4 O uso das tecnologias

    Outro produto que O Jornaleiro est explorando so os aparatos audiovisuais,

    isso porque os alunos demonstraram um grande interesse em tambm produzir contedo

    atravs de outras plataformas, como o vdeo. Apresentou-se, ento, a possibilidade do

    projeto trabalhar com produes audiovisuais, mas a proposta, at mesmo inicialmente,

    era que os prprios alunos manuseassem todos os equipamentos de uma produo de

    vdeo, passando pelas cmeras at a edio final feita com um programa de computador.

    Sendo assim, alguns vdeos foram produzidos. O primeiro deles foi uma

    produo intitulada de Quem encara O Jornaleiro? que consistia em um programa de

    entrevista, onde o diferencial seria o uso de seis cmeras capitando o mximo de

    ngulos possveis do cenrio e dos participantes. O entrevistado, que poderia ser

    qualquer pessoa com alguma histria para ser contada, era submetido a perguntas de

    dois alunos que faziam o papel dos entrevistadores. Essas perguntas eram decididas

    previamente em uma reunio de produo. A produo do quadro tambm era composta

    por 100% de alunos. Eles se revezavam nos cargos de direo, produo, tcnica,

    roteiro, edio e filmagem. Como se tratava de uma produo grande, era necessrio o

    envolvimento de, no mnimo, oito alunos.

    O programa consistia em uma gravao direta de at dez minutos, onde os

    entrevistadores submetiam o entrevistado a qualquer tipo de pergunta, seja ela de cunho

    social, poltico ou pessoal. As seis cmeras eram responsveis por capitar todas as

    reaes dos entrevistadores e do entrevistados, dando um ar de arena. Aps filmado, o

    material era submetido a edio, esta feita atravs de um programa especfico para este

    49 LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Pesquisa de recepo e Educao para os Meios. In CITELLI, A. O.; COSTA, M. C. C. (Org.) Educomunicao: construindo uma nova rea do conhecimento. So Paulo: 2011, p. 47.

  • 23

    fim. O aluno responsvel pela edio era acompanhado pelo professor responsvel pelo

    projeto e do aluno responsvel pela direo do quadro. Assim que finalizada, o vdeo

    era apresentado para todos os alunos - inclusive os que no tiveram a oportunidade de

    participar das gravaes - e, aps aprovado pela maioria, era divulgado na pgina do O

    Jornaleiro no Facebook.

    Depois dessa experincia, os alunos se animaram e propuseram outras produes

    com audiovisual. Uma delas foi a filmagem de um vdeo agradecimento aos mil

    curtidores da pgina do O Jornaleiro na rede social. A dinmica do processo foi a

    mesma: alunos produzindo e ficando responsveis pelas filmagens, tcnica e edio.

    Mas dessa vez, o vdeo intitulado 1000 x O Jornaleiro teve a produo de um making

    of, tambm produzido por um aluno, que mostrou todo o processo de produo. Aps

    filmado e editado, o vdeo foi apresentado e, como todos os produtos do projeto, depois

    da aprovao da maioria, foi divulgado na internet.50

    Essas produes mostram a importncia do uso das TICs (tecnologias da

    informao e da comunicao) no ambiente escolar. O Jornaleiro busca fazer com que o

    manejo desses aparatos sejam democrtico e solidrio, corroborando com mais uma rea

    de interveno da educomunicao: a rea da mediao tecnolgica na educao.

    Segundo Ismar de Oliveira Soares, essa rea de interveno vai se preocupar

    [...] com os procedimentos e as reflexes sobre a presena das tecnologias da informao e seus mltiplos usos pela comunidade educativa, garantindo, alm da acessibilidade, as formas democrticas de sua gesto. Trata-se de um espao de vivncia pedaggica muito prximo ao imaginrio da criana e do adolescente, propiciando que no apenas dominem o manejo dos novos aparelhos, mas que criem projetos para o uso social das invenes que caracterizam a Era da Informao. Esta rea aproxima-se das prticas relacionadas ao uso das Tecnologias da Informao e da Comunicao (TIC), sempre que entendidas como uma forma solidria e democrtica de apropriao dos recursos tcnicos.51

    Entendemos, portanto, que o uso dessas tecnologias importante para a

    formao do aluno, no somente pelo simplismo do uso tcnico sem aprofundamento

    conceitual, mas sim por um uso no qual auxilie o discente a construir sua mensagem da

    maneira que ele quiser dentro das inmeras possibilidades oferecidas pelas tecnologias

    da informao. 50 Para ver as produes em audiovisual do O Jornaleiro, basta acessar a pgina do projeto no Facebook.

  • 24

    Porem, o que acaba tendo muita importncia aqui o processo que esse uso

    feito. To interessante quanto pensar no produto final, de como a mensagem ser

    transmitida e se ela chegar com perfeio ao seu destino pensar na prpria

    mensagem. Aqui podemos dialogar com a teoria matemtica da informao que se

    preocupa simplesmente com o caminho que a mensagem ir perseguir at chegar ao seu

    destino e se essa mensagem sofrer ou no interferncias de rudos.

    O que os pensadores Claude Shannon e Warren Weaver vo pensar de

    comunicao se ela feita com preciso, atravs de um olhar completamente tcnico.

    Segundo Rdiger

    [...] a problemtica da interao se reduz ao problema da transmisso de informao, tem a ver com o estabelecimento das condies necessrias para a otimizao da transferncia de mensagens do emissor para o receptor, diz respeito capacidade de o canal conduzir as informaes sem rudo para o destinatrio, capacidade essa que passvel de definio tcnica.52

    Portanto, o contedo da mensagem pouco importa para essa teoria que v na

    tcnica e na eficcia da emisso da mensagem o que realmente importa para a

    comunicao. J para O Jornaleiro, as produes em vdeo tem sim sua importncia

    tcnica, onde enviar mensagens sem rudos de suma importncia, porm a mensagem

    se torna o principal elemento dessa comunicao. Uma coisa depende da outra, ou seja,

    de nada importa a emisso da mensagem ser perfeita e sem rudos se a mensagem em si

    no eficiente ou clara o bastante para representar aquilo que o emissor queria enviar.

    5. Consideraes finais

    O Centro de Polticas Sociais da Fundao Getlio Vargas realizou, em 2009, uma pesquisa intitulada de Motivos da Evaso Escolar, constatando que 40,1% dos jovens de 15 a 17 anos deixam de ir escola por acharem-na desinteressante.53 J a ONG Ao Educativa, de So Paulo, revela em sua pesquisa Que Ensino Mdio Queremos? que 59% dos jovens entrevistados dizem que s se interessam pela escola as vezes, enquanto 28% responderam que raramente acham a escola interessante.54

    Esses dados chamam a ateno por mostrarem que a escola est, ao contrrio do que se espera, distanciando os jovens de dentro das salas de aula, por ser, segundo as

    52 RDIGER, Francisco. As teorias da comunicao. Porto Alegre: Penso, 2001, p. 19. 53 SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: o conceito, o profissional, a aplicao. So Paulo: Paulinas, 2011, p.25. 54 Idem.

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    pesquisas, desinteressante ao aluno. Ismar de Oliveira Soares nos atenta para entender que:

    [...] uma educao eficiente precisa inserir-se no cotidiano de seus estudantes e no ser um simulacro de suas vidas. Fazer sentido para eles significa partir de um projeto de educao que caminhe no mesmo ritmo que o mundo que os cerca e que acompanhe essas transformaes. Que entenda o jovem. E no d para entende-lo, sem se quer escut-lo.55

    nesse contexto que a educomunicao se faz pertinente ao criar aes que modifiquem o espao escolar, transformando-o em um local onde o jovem deixe de ser mero elemento da educao para se transformar em agente criador. Tornar os alunos, no que Alain Tourraine vai classificar como criadores de si mesmos e produtores da sociedade.56

    Ao sairmos da capital e migrarmos rumo ao interior paulista, mais precisamente na cidade de Campo Limpo Paulista - 60 km de So Paulo - , iremos constatar que a realidade to preocupante quanto a mostrada nas pesquisas citadas. A cidade possui 18 escolas municipais de ensino fundamental (EMEF), cinco escolas municipais de educao infantil (EMEI) e seis escolas estaduais (EE), alm de 13 escolas particulares do ensino bsico, passando pelo mdio at o profissionalizante. Dessas, apenas uma possui uma interveno educomunicativa.

    Das 42 escolas de Campo Limpo Paulista, somente a EMEF Governador Andr Franco Montoro, situada em um bairro perifrico da cidade, possuiu um projeto que podemos incluir como educomunicativo. O UCA (Um Computador por Aluno), do Ministrio da Educao, tem como objetivo, segundo o site da prefeitura da cidade, integrar os recursos tecnolgicos ao currculo pedaggico.57 Na mesma reportagem divulgada no portal, a responsvel pelo UCA, Renata Ribeiro de Menezes, faz um balano positivo sobre o projeto que disponibiliza notebooks para alunos e professores trabalharem em sala de aula. Segundo ela, a maioria dos alunos, oriundos de famlias carentes, nunca haviam tido contato com um computador.

    Porem, atualmente a escola Governador Andr Franco Montoro no est trabalhando com os computadores do UCA por, segundo alguns professores, no haver interesse da escola em continuar com o projeto. Com isso restam todas as escolas do municpio esto longe da realidade e dos benefcios da educomunicao que, por sua vez, poderia promover uma significativa mudana no ambiente escolar e na melhoria no desenvolvimento do aluno que, em poucos anos, estar colocando prova todo o seu conhecimento adquirido nesse espao.

    55 Ibid., p.8. 56 TOURRAINE, Alain. Crtica da modernidade. Lisboa: Piaget, 1992, p. 269. 57 Disponvel em: Acesso em: 28 mai. 1014

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    A educomunicao fala de relacionamento, liderana, dilogo social e protagonismo juvenil. Posiciona-se, de forma crtica, ante o individualismo, a manipulao e a competio. A cidadania vencendo a ditadura do mercado: o que ela busca, transformando as oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias em instrumentos de solidariedade e crescimento coletivo.58

    Pensando na importncia de projetos educomunicativos no ambiente escolar,

    faz-se urgente a interveno por meio da Educomunicao nessas escolas. Um exemplo

    de interveno est no mbito transdisciplinar, propondo que os educandos se

    apoderem das linguagens miditicas [...] para aprofundar seus conhecimentos quanto

    para desenhar estratgias de transformao das condies de vida sua volta.59 a

    partir daqui que se manifestou o anseio por levar O Jornaleiro para essas escolas com a

    esperana de que, moldando o projeto s realidades de cada ambiente escolar, seja

    instaurado a educomunicao atravs de um verdadeiro ecossistema comunicativo.

    6. Concluses

    Acreditamos que O Jornaleiro pode oferecer para as escolas de Campo Limpo

    Paulista uma oportunidade educomunicativa que mudaria a realidade desses colgios,

    pois o projeto se mostra como um potencial projeto educomunicativos devido sua

    aproximao com as reas de interveno.

    Na tentativa de descrever o projeto e liga-los s reas de interveno da

    educomunicao, dialogando com as teorias da comunicao, entendemos que O

    Jornaleiro est no caminho certo para se tornar um projeto educomunicativos.

    Beneficiado pelo uso da educao e comunicao dialgicas e amparado por, pelo

    menos trs reas de interveno (educao para comunicao, mediao tecnolgica na

    comunicao e reflexo epistemolgica), podemos afirmar que o projeto tem condies

    de conceder aos alunos das escolas citadas poder de transformar suas prprias histrias

    no contexto social.

    Desde o incio o dilogo se mostrou a base do O Jornaleiro, dando ao aluno

    participante a noo de que ele e os demais podem construir o conhecimento de uma

    forma solidria e democrtica, fazendo-o entender a importncia da comunicao e

    educao dialgica na construo dos agentes sociais.

    58 SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicao: o conceito, o profissional, a aplicao. So Paulo: Paulinas, 2011, p.95. 59 Ibid, p.19.

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    As trs reas de interveno tambm colaboram para a legitimao do O

    Jornaleiro como um projeto voltado para a educomunicao. A educao para a

    comunicao ajuda os participantes a entenderem o que eles recebem como informao

    e criticarem-na, alm de dar condies que eles, ao produzirem contedo, entendam o

    papel do receptor e sua contribuio para a comunicao. Na rea de mediao

    tecnolgica, os participantes do projeto entendem o papel das tecnologias como

    ferramentas para a construo de contedos e que, por sua vez, o uso dessas ferramentas

    devem ser democrticos e solidrios. Por fim, a reflexo epistemolgica o que est

    sendo feito com a produo de artigos como esse para entender todo esse processo

    envolvendo projetos e a educomunicao.

    Entendemos que ainda h muito o que fazer para tornar O Jornaleiro um projeto

    totalmente educomunicativos que contribua efetivamente para transformar o ambiente

    escolar em um lugar que o jovem se reconhea como agente transformador, porm os

    primeiros passos foram dados e o trabalho est s comeando.

    7. Referncias bibliogrficas

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