Schoenfeld91 - Resolução de Problema

download Schoenfeld91 - Resolução de Problema

of 11

description

Resolução de Problemas

Transcript of Schoenfeld91 - Resolução de Problema

  • 1

    Porqu toda esta agitao acerca da resoluo de problemas?1 2

    Alan Schoenfeld, Universidade da California, Berkeley, EUA

    Resumo. Este artigo oferece uma opinio fundamentada sobre a natureza da resoluo de problemas e o seu uso no currculo. Para estabelecer um contexto para discusso, comea com uma breve discusso his-trica das tendncias curriculares no sc. XX, levando corrente nfase da resoluo de problemas. O seu objectivo principal ilustrar como problemas bem escolhidos podem ser usados como catalisadores em discusses, levando os alunos a pensar matematicamente. So dados problemas que levantam assuntos importantes acerca do que significa pensar matematicamente, discutido um critrio esttico descreven-do as caractersticas de problemas particularmente teis.

    1. Introduo

    Na verso cinematogrfica de Alice no Pas das Maravilhas, dos fins de 1939, W. C. Fields desempenha o papel de Humpty Dumpty. Falando com ele, Alice rapida-mente fica baralhada. Quando ela se queixa acerca da confuso do uso daquelas pala-vras, Fields responde como s ele pode fazer: Palavras, significam aquilo que eu quero que elas signifiquem, rapariga nada mais, nada menos.

    O mesmo se passa com a resoluo de problemas.3 Por exemplo, nos Estados Unidos, o National Council of Teachers of Mathematics, declarou no seu Yearbook de 1980 (Krulik, 1980), que resoluo de problemas seria o tema dos anos 80. Avaliando do ponto de vista da literatura da educao matemtica na passada dcada, parece que assim foi. No entanto, se pedirmos a sete educadores matemticos para definir resoluo de problemas ser muito provvel obtermos, pelo menos, nove opinies diferentes. Para provar isto, considere os seguintes problemas. Brinque com eles, durante uns minutos, antes de prosseguir. Usarei estes problemas para discutir alguns aspectos dos passos a seguir na resoluo de problemas e para ilustrar tudo o que eu penso acerca do que realmente a resoluo de problemas.

    1 Schoenfeld, A. (1996). Porqu toda esta agitao acerca da resoluo de problemas? In P. Abrantes, L.

    C. Leal, & J. P. Ponte (Eds.), Investigar para aprender matemtica (pp. 61-72). Lisboa: APM e Projecto MPT. (Artigo originalmente publicado em 1991 na revista ZDM) 2 Partes deste artigo foram publicadas no volume 3, n. 3, do The Educator (Graduate School of Educa-

    tion, University of California em Berkeley, USA). (Nota do Autor) 3 Itlico no original.

  • 2

    1) Um autocarro do exrcito leva 36 soldados. Se 1128 soldados esto a ser mandados para os seus lugares de treino, quantos autocarros so precisos?

    2) Imagina que ests a falar com um aluno da tua sala ao telefone e queres que o aluno desenhe algumas figuras (podem ser partes de um trabalho de casa, por exemplo). Os outros alunos no podem ver as figuras. Escreve uma srie de instrues com as quais os outros alunos consigam desenhar as figuras mostradas na figura junta:

    3) Supe que os testes sida so 98% precisos: 98% das pessoas que tm a doena tes-tam positivamente e 98% das pessoas que no tm a doena testam negativamente. Supe ainda que 0.5% da populao (1 em cada 200) tem a doena. O teste feito a uma amostra aleatria da populao. Se uma pessoa tem um teste positivo sob estas condies, qual a probabilidade daquela pessoa ter a doena? Justifica a tua resposta.

    4) Todos ns sabemos que o teorema de Pitgoras diz que se a e b so o comprimento dos catetos de um tringulo rectngulo no plano e c o comprimento da hipotenusa, ento, a2 + b2 = c2. Vamos comear da. Podes provar o teorema? De quantas maneiras diferentes? Consegues estend-lo ou generaliz-lo? Sabes qual o nmero total de solues tipo, como por exemplo o (3,4,5)? H outros ternos idnticos? Consegues encontr-los todos? Quantos mais?

    2. Uma breve histria das tendncias curriculares no sc. XX

    Antes de resolvermos os problemas acima descritos, vamos rever as tendncias na educao matemtica, no culminar dos anos 80. Desde o incio do sculo at aos anos 50, os currculos matemticos eram relativamente estveis e aborrecidos. A maioria dos estudantes limitava-se a memorizar factos e procedimentos, e no com-preendia os conceitos ou as tcnicas de aplicao. O psiclogo gestaltista Wertheimer, numa queixa j clssica em relao ao sistema, falava duma cega actividade mecni-ca e transcrevia conversas com crianas que diziam consigo adicionar, subtrair, divi-dir e multiplicar to bem como os melhores, o problema que nunca sei qual deles que devo utilizar.

  • 3

    Tudo isto mudou no dia 4 de Outubro de 1957. Os russos lanavam o Sputnik, e os americanos lanavam a Matemtica moderna4 em resposta. Este assunto foi falado em todo o mundo: leiam as edies especiais de Maio e Agosto de 1978 da revista Edu-cational Studies in Mathematics, que noticiava a nvel mundial os desenvolvimentos do currculo matemtico desde os anos 50 at aos anos 70, e vejam como todas as naes que foram investigadas disseram como tinham implementado a Matemtica moderna. Resumindo, os anos 60 tornaram-se uma dcada de abstraco na instruo matemtica. Infelizmente, professores e pais tinham a tendncia para no se sentirem vontade com a nova maneira de ensinar. Nos finais dos anos 60 a ideia geral era que a Matemtica moderna tinha falhado. As crianas no estavam a aprender as abstraces e as suas capacidades bsicas tinham-se perdido na mal sucedida pressa de ensinar a crianas muito jovens, coisas como a nova teoria dos nmeros (do estilo de aritmtica do rel-gio).

    A violenta reaco resultante tornou-se o movimento back to basics.5 De um modo resumido, o que aconteceu que do falhano da Matemtica moderna resultou a instruo em larga escala focada no lpis-e-papel e algoritmos bsicos. Esta perspectiva parece ter sido seguida de modo mais extremado nos EUA do que noutros stios, mas parece ter sido bastante generalizada. A dcada seguinte, de exerccios e prtica dos aspectos bsicos, consubstanciam os piores medos dos progressistas. No final, no s os estudantes eram incapazes de pensar matematicamente e de resolver problemas (o que no era surpresa nenhuma visto que isso no estava includo no currculo), como ainda os estudantes que fizeram os exerccios e a prtica eram, de facto, piores nas capacida-des bsicas do que aqueles que tinham tido a Matemtica moderna.

    No final dos anos 70, era quase impossvel localizar a resoluo de problemas como um aspecto identificvel do currculo. Em 1978, por exemplo, sugeri Comisso do Programa do ICME-4, que se veio a realizar em 1980, que devia haver sesses dedi-cadas resoluo de problemas. Asseguraram-me que haveria mas quando recebi o programa preliminar, tive que o ler trs vezes antes de conseguir encontrar a nica ses-so dedicada ao tpico por mim proposto. Estava indicada como aspectos pouco usuais do currculo.

    Contudo, o pndulo estava a mudar de lado. Nos EUA, o National Council of Teachers of Mathematics (1980), declarou que a resoluo de problemas devia ser o

    4 New math, em itlico no original.

    5 Itlico no original.

  • 4

    foco da Matemtica escolar. Declaraes semelhantes foram ouvidas a nvel mundial. O movimento favorvel resoluo de problemas, que tinha redescoberto Plya (1945, 1981) e que tinha sido activado pelo ressurgimento da resoluo de problemas em cam-pos como a inteligncia artificial, cresceu significativamente nos anos 80. Em 1984, o tema resoluo de problemas era um dos mais importantes no ICME-5.

    Infelizmente, muito do que passava por resoluo de problemas nos anos 80 (os meus co-autores neste volume esto entre as raras excepes) era muito superficial, consistindo em ideias para a resoluo de problemas de tipo truque, ou em mtodos rotineiros de resoluo para problemas de palavras elementares.6 Tais prticas podem ser mais valiosas que o exerccio e a prtica da tabuada, mas no muito mais. H muito mais na resoluo de problemas do que isso e muito mais na Matemtica do que a resoluo de problemas que outras pessoas te do para resolver.

    Durante os anos 80, os EUA tomavam conscincia das srias dificuldades senti-das com o seu ensino da Matemtica. A minha viso suspeita desta crise, que sim-bolizada pelos maus resultados dos estudantes americanos nos testes de comparao internacionais, maravilhosamente documentada no Everybody counts e tem tido pelo menos um lado positivo. Se no fosse a recente ateno nacional para as nossas dificul-dades, que resultou na mobilizaco de esforos, o movimento da resoluo de proble-mas nos EUA, poderia muito bem ter feito o seu curso e ter sido um falhano (e de certa maneira no deixa de o ser!) e ns seramos encaminhados para um currculo back to back to basics. A crise adiou a viragem do pndulo e prolongou-se a nossa oportunidade de darmos algum sentido resoluo de problemas. Deixem-me tentar fazer alguma coisa agora, voltando aos quatro problemas mencionados antes.

    3. Discusso dos problemas

    O problema 1 vem da Third National Assessment of Educational Progress (Car-penter et al., 1983), um exame nacional do desempenho em Matemtica dos estudantes americanos. Os dados mostram que 70% dos estudantes que fizeram o exame, fizeram o clculo correcto, concluindo que 36 cabe em 1128 num total de 31 vezes com um resto de 12. Ento, quantos autocarros so necessrios? Aqui vai o que os estudantes disse-ram:

    6 Elementary word problems, no original.

  • 5

    29% disseram que o nmero de autocarros necessrios 31, resto 12;

    18% disseram que o nmero de autocarros 31; e 23%, de um modo correcto, disseram que o nmero de autocarros

    necessrios 32; (30% fez o clculo incorrectamente).

    importante notar que 70% dos estudantes fez o clculo correcto. Eles aprende-ram as lies de Aritmtica, da maneira como Wertheiner descreveu: cegamente e de cor. Quando os estudantes referem que os autocarros tm sobras, claro que eles no olharam para o problema como se este fosse real. Eles vem-nos como problemas esco-lares de Matemtica, tpicos para exerccio e prtica que os estudantes no esperam que faam sentido. Os estudantes, simplesmente, fazem o clculo e escrevem a resposta por baixo. Imagine-se a situao em que os alunos, na escola, precisavam de autocarros para uma sada. Algum estudante pediria, ao telefonar a uma companhia de autocarros, 31 e um resto de 12 autocarros? Claro que no. E onde que os alunos aprenderam um tal disparate? Ora essa, nas suas aulas de Matemtica, atravs do exerccio-e-prtica de problemas de palavras. H uma esperana que o ensino da Matemtica ajude os alu-nos a pensar. claro que tal como em 1983, ns temos um longo caminho a percorrer.

    O problema 2 vem do California Assessment Program de 1987/88 de avaliao em larga escala das competncias matemticas dos alunos do 12. ano. Seguramente, deveramos esperar que os estudantes fossem capazes de explicar como traar figuras geomtricas simples. Considera a primeira das duas figuras, por exemplo. As instrues seguintes, algo palavrosas, so suficientes:

    Vais traar um tringulo rectngulo na tua folha de papel grfico. Por isso, arranja uma folha de papel grfico. O ngulo recto abre para a direi-ta; o tringulo tem uma altura de 4 unidades e uma base de 5 unidades. Para isso, comea por traar um segmento horizontal de 5 unidades de comprimento. O.K.? Agora, coloca a tua caneta no topo esquerdo do segmento que acabaste de traar, e traa um segmento que v direito para cima verticalmente 4 unidades. Isto faz um ngulo de 90, abrindo para a direita, O.K.? Agora, une os fins dos dois segmentos de recta, indo desde o topo da linha vertical at ao fim da direita da linha horizontal. Isto far um tringulo cuja hipotenusa se inclina para baixo e para a direita.

    Eis aqui uma verso mais concisa:

  • 6

    Vais traar um tringulo rectngulo numa folha de papel grfico. Para isso, obtm uma folha de papel grfico. O ngulo recto abre para a direi-ta; o tringulo tem uma altura de 4 unidades e 5 unidades de base. Para isso, traa um sistema de eixos e marca trs pontos A, B e C de (0,0), (0,4) e (5,0) respectivamente. Traa o tringulo ABC.

    Note-se que este problema apela para mais do que a mera compreenso da ter-minologia do plano. Apela a ser capaz de comunicar matematicamente7, para se expres-sar usando a linguagem matemtica. Isto uma arma importante e aparentemente sim-ples. Contudo, a aparncia pode ser enganadora. Menos que 15% dos alunos do 12. ano, trabalhando no problema 2, providenciaram respostas que adequadamente comuni-cavam a informao dada. Porqu, perguntam vocs. Em parte, os currculos matemti-cos no focaram instrumentos de comunicao. Os alunos a quem no tinha sido pedido para escrever em Matemtica ou falar sobre ela, no desenvolveram estas armas. E, na nossa sociedade crescentemente matemtica e tecnolgica, eles esto crescentemente atrs da oitava bola tecnolgica.

    O problema 3, retirado de Paulos (1988), de um tipo diferente. Deixem-me dar-vos a resposta antes que eu o trabalhe. Deveis achar isto chocante, e desejais pensar acerca do problema um pouco mais. O facto : dadas as condies do problema (1 em 200 tem a doena e a populao escolhida aleatoriamente), uma pessoa que tem resul-tados positivos num teste que 98% preciso, s tem cerca de 20% de probabilidade de, de facto, ter a doena.

    A razo que h de facto uma quantidade de falsos positivos. Suponhamos, por exemplo, que tomamos uma amostra aleatria de 10000 pessoas de uma populao. Destas, 50 tero a doena e 9950 no a tero (assumindo que 1 em 200 a tm). Das 50 pessoas que tm a doena, 49 (isto , 98%) tero teste positivo e 1 (2%) ter teste nega-tivo. Mas no se esquea do teste. Dos 9950 que no tm a doena, 9751 (98%) tero teste negativo mas os restantes 199 (2%) tero teste positivo e s 49 deles (aproxima-damente 20%) tero, de facto, a doena. A vasta maioria dos que testam positivo no tm a doena.

    provvel que no tenha visto este tipo de clculos, mas eles so vitalmente importantes. Trata-se de uma aplicao elementar do raciocnio estatstico, bastante acessvel a alunos da escola secundria. Compreender este tipo de raciocnio crtico. Alm disso, pense acerca das implicaes de testes forados sida ou s drogas, quando

    7 Itlico no original.

  • 7

    tem de o fazer (se os pressupostos so os mesmos que neste caso), que um teste que 98% preciso pode chegar a 80% de falsos positivos.

    O problema 4, tirado de Brown e Walter (1989) um dos que eu quase sempre uso nas minhas disciplinas de resoluo de problemas. Deixem-me descrever a maneira como uma turma recente lidou com o problema. De particular interesse a discusso da equao diofantina a2 + b2 = c2.

    Note-se que bem conhecida a soluo da equao diofantina: qualquer mate-mtico pode, rapidamente providenciar uma prova de que todos os ternos pitagricos (um terno inteiro (a, b, c) com a propriedade que a2 + b2 = c2) deve ter a forma (m2 - n2, 2mn, m2 + n2). Leva cerca de dez minutos a apresentar a prova a uma classe, familiarizada com as ideias bsicas de teoria de nmeros. Na minha disciplina, onde eu no apresentei o assunto desta maneira, os alunos dedicaram, talvez, dois dias ao pro-blema, mas eu argumento que, dado o que eles fizeram, o tempo gasto valeu a pena.

    Na altura em que ns trabalhmos neste problema, em meio do semestre, os alu-nos j aprenderam que uma abordagem emprica pode ser til em Matemtica. Eles comeam a trabalhar na questo listando os ternos pitagricos que conhecem, entre eles (3, 4, 5), (5, 12, 13), (7, 24, 25), (8, 15, 17), (9, 40, 41) e (12, 35, 37). Notaram que os mltiplos de ternos conhecidos por exemplo (6, 8, 10) como mltiplo de (3, 4, 5) eram aborrecidos (ou seja, fcil de gerar e de interesse pouco profundo) e decidiram restringir a sua ateno aos ternos onde a, b e c so primos entre si. Olhando a sua lista, notaram que, em cada um dos seus exemplos, c era mpar. Conjecturaram que isto seria sempre o caso em ternos triplos entre si ( um resultado bem conhecido), e prova-ram-no. Observaram ento que sempre que a perna mais pequena (cateto menor) nos seus exemplos era mpar, a hipotenusa era a unidade maior que a perna mais larga (cateto maior). Conjecturaram que haveria uma infinidade (infinitamente muitos) de ternos da forma (a, b, b+1), e provaram-no. No resto dos seus exemplos, onde a perna mais pequena era par, eles notaram que c era duas unidades maior que b. Eles conjectu-raram que haveria uma infinidade de ternos da forma (a, b, b+2), e provaram-no tam-bm. Uma vez que estas duas classes de ternos esgotavam todos os exemplos que conheciam, conjecturaram (incorrectamente) que no haveria outros. Propuseram-se, ento, provar que no h (primos entre si) ternos da forma (a, b, b+3), e provaram-no. Um aluno ergueu, ento, a sua mo e perguntou se (como parecia provvel) eles pode-riam ser capazes de provar a sua conjectura, a turma tinha um teorema publicvel.

  • 8

    Evidentemente a resposta questo do aluno foi no. A conjectura falsa, e a soluo global do problema bem conhecida. De facto, eu em breve demonstrei a solu-o completa turma. Contudo, no deveramos desvalorizar os esforos dos alunos. Nem eu, nem os meus colegas de Berkeley estvamos familiarizados com os trs lemas que os alunos desenvolveram: que h uma infinidade de ternos relativos entre si, de cada tipo (a, b, b+l) e (a, b, b+2), e que no h ternos relativos entre si na forma (a, b, b+3). Tais descobertas, embora no publicveis, eram decididamente no triviais. Mais precisamente, elas indicavam que os meus alunos estavam a fazer8 Matemtica. Isto , os alunos no estavam meramente a dominar tcnicas e exerccios tpicos; esta-vam envolvidos no processo de conjectura matemtica e prova, e a encontrar boas nor-mas matemticas de o fazer.

    4. Reflexes sobre a resoluo de problemas: Um problema esttico

    Deixem-me voltar ao tema da resoluo de problemas. Embora o meu livro seja intitulado Mathematical problem solving, confesso na sua introduo ter tido algumas desconfianas acerca do ttulo. O que preocupava que a ideia de resoluo de proble-mas era muito estreita para representar a minha actividade. O objectivo do meu ensino era no s ensinar os meus alunos a resolver problemas especialmente, problemas de outras pessoas9 mas ajud-los a aprender a pensar matematicamente. intil dizer que a resoluo de problemas uma parte significativa do pensamento matemtico mas isso dificilmente representa a histria toda. Na minha perspectiva, pensar matema-ticamente significa: (a) ver o mundo de um ponto de vista matemtico (tendo predilec-o por matematizar, modelar, simbolizar, abstrair, e aplicar ideias matemticas a uma larga gama de situaes), e (b) ter as ferramentas do ofcio para matematizar com suces-so. Nas disciplinas de resoluo de problemas uso problemas como ponto de partida para discusses matemticas, mas h mais. Quando as coisas funcionam bem, as disci-plinas servem como um microcosmos de (uma seleco de aspectos de) cultura mate-mtica10 lugares onde os alunos so membros de uma comunidade matemtica que faz Matemtica. A discusso (acima) do problema 4 ilustra uma maneira em que a comuni-dade funcionou. Para outros, ver Schoenfeld (em preparao).

    8 Itlico no original.

    9 Itlico no original.

    10 Itlico no original.

  • 9

    Em conformidade, os problemas que vemos quer na resoluo de problemas ou em instruo regular deveriam servir como introdues ao pensamento matemti-co. Ao longo destas linhas, pode ser til considerar uma esttica dos problemas11 que caracterize os problemas que eu acho potencialmente valiosos. Os problemas que uso nas minhas disciplinas, esforo-me para que tenham as seguintes 4 propriedades:

    A. Em geral, os bons problemas so (relativamente) acessveis. Eu gosto de pro-blemas que sejam facilmente compreendidos e que no requeiram uma quantidade de vocabulrio ou maquinaria para poder fazer progressos neles. Note-se que estes critrios no me restringem ao domnio do trivial: alunos universitrios podem comear a traba-lhar no problema das quatro cores e no ltimo teorema de Fermat sem saber muito do suporte matemtico.

    B. Tento preferir problemas que possam ser resolvidos, ou pelo menos aborda-dos, por vrios caminhos. H muitas razes para esta preferncia. Para iniciantes (alu-nos) bom ver mltiplas solues: os alunos tendem a pensar que h s uma maneira de resolver qualquer problema (usualmente o mtodo de resoluo que o professor acabou de mostrar na aula). Tambm preciso que eles compreendam que o fundamental no obter uma resposta mas as ligaes. (Por exemplo, qualquer um de ns ficaria contente se encontrasse uma verdadeira prova do teorema de Pitgoras, mesmo pensando que h centenas de provas conhecidas. Encontrando nova prova significava ver novas conec-es). E, ao nvel do processo, a possibilidade de mltiplas aproximaes, abre sadas para decises executivas que direces ou aproximaes devemos perseguir com a resoluo de problemas e porqu? (Decises executivas muitas vezes fazem ou param um esforo na resoluo de problemas. Ver Schoenfeld, 1985, para detalhes).

    C. Os problemas e as suas solues devem servir como introduo a importantes ideias matemticas. Isto pode acontecer de duas maneiras, pelo menos. Obviamente, os tpicos e as tcnicas matemticas envolvidas na resoluo de problemas podem ser de importncia compatvel. Igualmente importantes so as solues de problemas que podem ilustrar importantes estratgias de resoluo de problemas e servir como terreno de treino para o desenvolvimento de instrumentos heursticos dos estudantes.

    D. Finalmente, os problemas usados na minha disciplina devem servir, se poss-vel, como germens para boas e honestas exploraes matemticas. Problemas aber-tos12 como o problema 4 (discutido acima) so uma maneira de levar os alunos a fazer13

    11 Itlico no original.

    12 Open-ended problems, no original.

    13 Itlico no original.

  • 10

    Matemtica. Outra escolher problemas que sejam extensveis e generalizveis. Bons problemas conduzem a mais problemas e se o domnio suficientemente rico, os alunos podem comear com problemas grmen e comear a fazer o seu percurso. (Um exem-plo de um problema simples de arranque, discutido em Schoenfeld (em preparao), solicita aos alunos que encontrem quadrados mgicos de 33 . Este problema trivial, mas extenses e generalizaes tm ocupado muitos matemticos durante anos.)

    5. Discusso

    Faamos agora o crculo completo e voltemos aos quatro problemas que inicia-ram este artigo. Dos quatro, s o ltimo satisfaz todas as condies do nosso critrio esttico (e este o nico que eu tenho usado nas minhas disciplinas sobre resoluo de problemas, embora eu esteja tentado a usar o problema 3). Contudo, os outros servem um propsito ilustrativo e de exposio. Ao examin-los, vemos que eles tm um ele-mento fundamental comum. Dito simplesmente, todos eles so acerca de usar a Mate-mtica para dar sentido s coisas.

    No primeiro problema, trivial como , o objectivo matemtico (1) simbolizar o problema representar a situao problemtica com smbolos matemticos, (2) executar operaes matemticas relevantes, neste caso, uma simples diviso com nmeros de vrios dgitos, e (3) interpretar os resultados obtidos nos termos da situao original. Em poucas palavras, o uso do simbolismo matemtico e a modelao.

    O segundo problema aponta a importncia de ser capaz de comunicar com e via a linguagem matemtica. A Matemtica, como qualquer outra linguagem, tem mltiplas virtudes. um meio de clareza, anlise, esttica, e muito mais, mas se no podemos comunicar com ela, estamos com problemas.

    O terceiro problema ilustra como o pensamento matemtico nos pode ajudar a ver claro em dilemas complicados nas nossas prprias vidas. Isto decorre significativa-mente do termo relevncia, to prevalecente durante os anos sessenta, quando esfor-os avulsos foram feitos para fazer a Matemtica parecer aplicada. O terceiro problema demonstra como o pensamento matemtico pode ser uma maneira de perceber o mundo e faz-lo ter sentido um significado da simblica autorizao que nos ajuda a perceber padres e regularidades, organiz-las mental e simbolicamente e entrosarmo-nos nelas.

    E, finalmente, o trabalho dos meus alunos no quarto problema ilustra os cami-nhos que temas matematicamente vlidos, envolventes e estticos podem servir como um territrio em que os alunos podem envolver-se no desafio intelectual de empurrar as fronteiras do seu prprio conhecimento (e algumas vezes dos seus professores).

  • 11

    Estes tipos de comportamento que acabmos de discutir modelar e simbolizar, comunicar, analisar, explorar, conjecturar e provar ou, seja, actividades com sentido matemtico14, aquilo que a Matemtica realmente . Na verdade, fazer sentido, deve-ria ser a principal actividade da escola. Das Artes Literatura e Fsica o que deveria ser aprendido so mltiplos caminhos de ver o mundo, e os variados instrumentos inter-disciplinares e perspectivas que nos ajudam a entend-lo. Isto , em resumo, a minha esperana para a resoluo de problemas. Se ns fizermos o nosso trabalho correcta-mente, talvez as escolas se tornem lugares onde os alunos realmente aprendam a pensar.

    Referncias

    Brown, S., Walter., M.(1989). The art of problem posing. Hillsdale, NJ: Erlbaum. California State Department of Education (1989). A question of thinking. Sacramento,

    CA: State Department. Carpenter, T. P., Lindquist, M. M., Mathews, W., Silver, E. A. (1983). Results of the

    third NAEP mathematics assessment: Secondary school. Mathematics Teacher 76(9), 652-659.

    Educational Studies in Mathematics (May and August 1978) Special issues: Change in mathematics education since the late 1950's: Ideas and realisations.

    Krulik, S. (Ed.) (1980). Problem solving in school mathematics. (1980 Yearbook of the National Council of Teachers of Mathematics). Reston, VA: NCTM.

    National Council of Teachers of Mathematics (1980). An agenda for action. Reston, VA: NCTM.

    National Research Council. Everybody counts: A report to the nation on the future of mathematics education. Washington, DC: National Academy Press.

    Paulos, J. A. (1988). Innumeracy: Mathematical illiteracy and its consequences. New York, NY: Hill and Wang.

    Pyla, G. (1945) How to solve it. Princeton, NJ: Princeton University Press. Pyla, G. (1981). Mathematical discovery. New York, NY: Wiley. Schoenfeld, A. H. (1985). Mathematical problem solving. New York, NY: Academic

    Press. Schoenfeld, A. H. (1992). Learning to think mathematically: Problem solving, metacog-

    nition, and sense-making in mathematics. In D. Grouws (Ed.), Handbook for re-search on mathematics teaching and learning (pp. 334-370). New York, NY: Macmillan.

    Schoenfeld, A. H. (em preparao). Reflections on doing and teaching mathematics. In A. Schoenfeld (Ed.), Mathematical thinking and problem solving. Hillsdale, NJ: Erlbaum.

    Wertheimer, M. (1959). Productive thinking. New York, NY: Harper and Row.

    14 Mathematical sense making, em itlico no original.