sebastião uchoa leite_dezconversas0001

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entrevista com poeta, jornalismo cultural

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  • 5/14/2018 sebasti o uchoa leite_dezconversas0001

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    N V '. .

    N Hi eu In Tim bauba, P rnam bu 0,111 III -m R cif _ transferiu-se em 1 6 5 pru I11 ir J nde morreu em 2003. Esc r v U t

    I V' I ( I ii d poemas: a co le tanea Obra em 1 I t IIIII rune: as seis primeiros (entre os quais I I'" / 1 1 materia (1960) Signos/Gnosis e ou tro _

    l i loJ;: ia (1979) e Cortes/Toques (1988)); A UUUI I I ( 1'-91), A Ficcao Vida (1993), A Esp re it a (2000 I,'l'fl S creta (2002). Entre as livros de ensaios d 'I I,lo~o e enganos (1995). Em 2001, saiu a a t. It I e , ,I ( 1 1 . IT as Contratextos, em espanhol ( traduca 'I I I 'M ont 'jo Navas). Traduziu mais de 20 liv ro s, d

    I; e no Pa is da s Maravi lha s, de Lewis Carrol. Jdois prernios Iabuti, da Camara Brasileira do L iV , 111I .10livre de poemas Anti logia e outro pela tr ul II l1 1m' ia; de Francois Villon.

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    . .1998

    Qual a importtmcia deFrancois Villonpara osleitores dofinal do seculo 20?

    E interessante a pergunta porque justamente coloco essa questao no finaldo texto que dediquei a traducao e citei especialmente 0 caso Vil lon. Comotraze-lo para a nosso tempo, com todas as suas peculiaridades de epoca, suasreferencias a personagens reais , his toricas au nao, e ,enfim, todas as caracteri s-ticas da l inguagem medieval? Terminei adotando uma l ingua interrnediaria,trans-hist6rica. Em resposta a sua pergunta, como urn sujeito de meados doseculo 15 nos vai interessar? Bern, entre as admiracoes que susci tou, duas pare-cern compor urn paradoxa: de urn lado, Ezra Pound, urn anti libera l no sentidopolitico e econornico, que ate compos uma especie de "opera" sabre Villon, e,de outro, Bertolt Brecht, urn marxista cheio de complicacoes, que fez umaimitacao da Grosse Margot e dedicou urn poema a Villon. Entre ambos, umaponte: a critic a do que Pound ehamou de "usura", e do que Brecht chamaria desistema eapita!ista. Villon era urn ardoroso combatente da usura em todos asseus aspectos e rarnificacoes, urn critico da cultura dos pequenos poderes, emtudo atuallssimo, pois a analise dos poderes intermediaries ocupou uma boaparte da filosofia do cotidiano mais reeente. Par outro lado, sua poesia, que atantos soou "antipoetica" (ate a Poundl), e espantosamente inovadora e criticano seu tempo epode nos parecer familiar , nesta nossa epoca de conforrnismo .

    Como vocesituaria seu novo livro,A espreita, em relafao a sua obrai

    Deixei de lado as compartimentacoes de A uma incognita e de A f i c f i i . ovida. A ordem do livre e aleatoria, como tern sido urn pouco a minha vida,que pareee 0contrar io, rotineira e com acontecimentos infimos. Mas refiro-me a vida mental, que e urn total "laisser aller". Pensei, no inicio, que seriasinistro, au ao menos reflexive, mas logo cai, aqui e ali, na gandaia poetica.No inicio, ha algum caminhar a . deriva. Tern uma alternancia entre visoes doque e de fora, exterior, e algumas de dentro. "Ideias intimas", de permeiocom auto-ironias. Enfim, tern de tudo. Nao sei se e muito diferente dos ou-tros, pois, na minha cabeca, forma urn trio com os dais livros anter iores. Ternurn ar de se estar espreitando nao se sabe 0 que. Por isso, 0 t itulo, que, afinal,nao diz coisa alguma.

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    l"II'lllI'II,lU nlL',) .ho, prlmelrc, '1,11vc r e oh as, ( :mtnnclo [ogar-mc pll' . C I'Ll , Cd I I I,,' 'Htll1 lo, '0111 0 migma d tude e das ac cs humanas. Ter t!ir , em

    I I , 1 1 I or d 'll1 ois sul j .tlv e sobretudo em n .0 se r se ntirn n ta l. Em si, le c1 1 1 1 ) 1 1 1 1 0 lo su pc rf tic , favoravel ao jog o da l inguagem. Mas na o e , em princ i-P II,ll'f lk n, ln dic o, C ritic a e a iro nia , q ue e an tip oetic a, e p or isso b oa p ara

    1111(1'1 'Xl' -ssos 1 (1 Iicos, C01'1.10 os de certos poetas gagas, Deixar de lado 0 hu-1111II, IItl meu .S I pel menos, e correr 0 r isco de selevar a serio dernais, poisIIIi1 ,I' I~'010 a 0 etl em jogo. Mas com a ironia a gente se defende dos outrosIII. II Hpavonices reais. E pode set ' polit ica tam bern.

    Uti!J)oema como "Historia e Consciencia deClasse" (de Obra emdubras), escrito entre 79182,e absurdamente atual, quando ser " II rl tla crise econbmica global. De tabela, hd uma criticah i m-humorada a quem critica uma certa postura "alienada"( "S( )U apenasiuma barata sem antenas/que ignora as taxas," risco"). Ha lugar para a poesia nestes tempos em' t 'W a poesia e 0 nao-lugar, e um "inutensilio"]

    [ 1 1 1 dois aspectos na sua questao, Vamos ver. Primeiro: Da adolescenciaIml" " iu mudei em rnui tas coisas. Numa, 11aO mudei: continuo a ser fervo-;I uncntc antiusura. Fico lisonjeado quando voce diz que um textinho di-vl'l'lllo .omo "Histor ia e Consciencia de Classen e "absurdarnente atual", E, 11 II d e que nern 0 mundo, e muito menos 0 Brasil, mudou muito. 0 poe-lilt Ill, iom titulo parodicamente hornonimo de urn livro antigo de Lucien( luhhn 1 1 1 1 1 , mexe com varias coisas, Primeiro, a cr itica de mera brincadeira,h' 1lI]1 I [uerida amiga, que achou "Antologia" urn opusculo "alienado" eII 'que, assim, eu era urn poeta das classes dominantes. Procurei mostrar'l'lI'l,l(l ontrario , os espertos, os "nac-al ienados", jogavam na bolsa. Segun-

    1 1 ' 1 I)I roprio conceito de alienacao como redundante, pais, a meu ver, alie-II II Ittrealidade e essencial tanto a vida como a f iccao, e e , pois, inerente alHlllIlll:t. humana, A questao nao e nern saber se hi Iugar para a poesia ou nao(!"UNO que M cada vez menos) e nem se haveralugar para simplesmerite

    C 11 1 rvivcr, se dependerrnos do "nervosismo" dos investidores aqui , na Mala-, u 'InHong Kong.

    !II lOst-aria que voce comentasse 0 seguinte verso/pergunta de'Questoes deMtUodo": "0que e mais real: a leitura do[ornal

    o u n . aventu Ii til Iii /Ill( Io n'" , I (I'mag lWl}lW u S II tdsu",qu tlouasn -'lila tl' uouv! ln o J d (1 " 0 ttl) _tl,tll acio (1 ele).

    Nno m e: le rn l r o d o c en t ' xtO )m a s 0 q ue sti on am e nt o d ev e ter surgido na corres-adenc ia entre m im e Regis B on vic in o, n a e poc a. A prop6sito de que , na o me

    1 mbro, Acho que as perguntas ("0 que e mais real: a leitura do jornal/ ou asaventuras de indiana Jones?/o monologo do pentagono ou/orson welles atirandoontra os espelhosi") apenas temat izavam os limites ent re 0 real e a f iccao. Ell

    queria dizer que os fatos belicos narrados nos jornais estavam entretecidos com asficcoes de Indiana Jones, e que as crises solipsistas do poder norte-americano irn-bricavam-se naturalmente com a cena deA dama deXangai; em que Rita Hayworthera morta pelo marido, que atirava nas suas multiplas imagens nos espelhos. Wellesapenas a amparava. Mas os tiros, embora outro ator, erarn dele, do diretor. Enfim,que realidade e ficcao podem ser vistas como urn jogo de espelhos.

    Pode-se dizer que uma das singularidades de sua poetica ea critica as metaforas como recurso privilegiado dapoesia, naexpressiio de Duda Machado. Se voce concorda, quando e queasmetaforas podem ter lugar nos poemas?

    Ache, vagamente, que a crttica as metaforas cornecou com [oao Cabral,logo nos seus inicios. Se eu 0 fiz, apenas reiterei, e nao julgo que seja umapeculiaridade minha, mas de uma certa pcetica da minha epoca, Exceto entreos neoclassicos e os neoparnasianos, que a cultivam com zelo quase religios ,na poesia modern a e no p6s-modernismo l a to sensu , a metafora foi sempre urnentidade sob suspeita. Duda Machado talvez hiperdimensione, generosarnente,esse aspecto no meu trabalho, Tudo nao e questao de metafora ou nao-rnetafo-ra, penso eu. Mas sim uma questao de articulacao da linguagem. Ou seja, dasintaxe poetica, que joga com a disposicao de tudo que convem a imaginacaopoetica: palavras, frases, imagens ou rnetaforas, relacoes fonet icas, a lusoes se-manticas, sentido e nao-sentido etc. 0 resultado desse jogo e urn born ou urnmau poema. E nao e aleat6rio. Pois, para que uma articulacao funcione, naobasta ser "sensivel", e preciso atencao epercepcao das formas, sejam visuais oulinguisticas,

    \.\

    Parece-me que voce traduziu mais prosa (Stendhal, Lewis Carrol,ensaios de Octavio Paz) do que poesia. E por uma demanda daseditoras, circunstancias au prediledio pessoal por essestextos espectficosi Quais os pontes positivos e negativos de umaatividade de traducao em relacao a propria producao de um poetai

    Boa parte das traducoes foram mesmo encornenda, pOI' isso traduzi maisprosa, para ganhar dinheiro. Mas foi uma prosa bastante penosa. Poesia foi

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    I U w 'Ut1palestra nll Blenal, voce[alara sobre' lNoluftfo do Conceito de Poesia". E correto aplicarmos" tlda de evolucao ao conceito depoesia?

    / ' \1 l i t > ierreta a ideia de evolucao do conceito. Quero dizer, t ransformacaoIt I ,III 'h o de poesia atraves da historia, Nao falarei sobre a evolucao da poesia,

    V Ihi Ill,mas do conceito. Nem quero dizer que seja 0progresso do conceito,, -voliu o. Se para melhor ou pior, isso e outra discussao. Sera apenas uma1/ H I I\~do conceito atraves da historia, numa vi sao que nao e acadernica ouP I nil' ,orlll..Nao sepretende ensinar nada, apenas mostrar .

    r , I i II ,mIff" til V(J,VU tl, ult ."loJ Ill' ]oufl'" , " J I { I I h , (I"" tJ Imoll mo tl 0 V ' , 'IJ", l1o} IVii ~tduda 1 ) tI a t1 1,,- r 1)(J(1 rill ~plicar umpouao (I que tao' g

    rIa v6J.'Iosexen pl s ie c om o a m oderno n1[o venceu, 'a 11~0 se r para g rupos '~guenos de pessoas, para alguns ambientes requintados. A melhor arqui te tu- ff l

    ra da epoca da revolucao modernista nao segeneralizou tanto quanta seesperava. V1Os monstrengos ecleticos, que sejulgava serern apenas urn fenomeno hist6ricopassageiro, continuaram a surgir na paisagem urbana. Os arquitetos de Bra-silia, que sonhavam com uma cidade arquitetonica pura, se iludiram. Detambern uma olhada nos moveis de lojas modernas. As vezes, se nao semorre de susto, morre-se de rir. Estou agora julgando urn concurso de poe-sia. E como se a tempo nao tivesse pass ado. E as vezes 0 pretenso moderno ede arrepiar os cabelos, 0 kitsch, estou convencido, faz par te da natureza hu-mana. Nao ha teor ia estetica que abale isso.

    2001

    ' iinjustifa Poetica", um artigo do The Economist, publica do noW'mBfO do ano, propunha a seguinte pergunta: Por que a poesia1 ) " ( le u sua importancia cultural? 0autor (cujo nome ntiocd u nojornal) mostrava-se intrigado com 0[ato de que,fW mesmo tempo em que "apoesia saia do mapa" -meno pessoas seinteressavam cada vez mais por ela (isso nos EUA)-,numentavam os cursos de redacao criativa em[aculdadesaspublicafoes voltadas para apoesia.

    Vael! concordat Como analisa esse[enomenoiE to L de pleno acordo com a observacao de que a poesia perdeu a sua

    II, po t .ncia cultural. E obvio que a medida que foi crescendo de importan-I,ll Ilchd a producao que tern retorno econornico (exemplo: filmes, roman-t p n o n diversao e mesmo as romances em geral, espetaculcs cenicos de

    publico, a musica popular e os shows, as artes visuais para as exposi-'1l11..1SeUS como chamariz turistico etc.), tudo que nao tern retorno ime-

    II I'l I C o l diminuindo de impor tancia social: poesia, producces musicals deW I!! uarda, teatro mais intelectual etc. Nada sei quanto aos cursos de poesia

    1111 ' I~ A, mas as publicacoes poeticas, que nao sao tantas assim, me parecem1 1,1 , il( 1 ileos de resistencia cont ra a morte total do texto.Poesia e texto, e os.nn til'S nao sao so isso. Tarnbern nao acredito em show de poesia. Ou naoIII Interesso.

    Uma canfao de Gilberta Gil alerta: "a usura dessa gente jtt virouum aleijao". Villon era um ardoroso combatente da usuraem todos os seus aspectos e ramificacoes. Em nossa epoca deconformismo, como 0poeta pode seposicionar diante da usura,esse "cancer no'azul", na expressiio de Ezra Pound?

    Nao me lembro da expressao, mas a referencia eo seu Canto XLV de TheCantos sobre aUsura, que ele chama de sin against nature ou "pecado CONTRANATURA". Acho que se pode chamar de usura muitascoisas. Por exemplo,Stendhal se queixava do comportamento tacanho dos franceses em costumes,como a ati tude deles em relacao a s paix6es arnorosas. Isso era urn terna obses-sivo nele; dizia que os franceses so eram capazes do amor-vaidade, nunca deuma paixao verdadeira, fosse amor ou odio. Tinha, por isso , adrniracao enormepelo que julgava ser a capacidade dos italianos de amar ou de odiar. Dal oscrimes e as obsessoes que povoam as Cronicas italianas e todos as livros dele,a lias . Os gerrnanicos desencadearam uma guerra horrenda por usura, arnbicaode dorninio e do que a ideologia nazista charnava de "espaco vital'. Em nossotempo, a forma dominante de usura e a ambicao do capital que devora tudo,que assumiu, nas ultimas decadas, aquilo que se denomina neoliberalismo, eque seria melhor chamar de neocapitali srno. Desde 0f im da Segunda Guerra,as classes trabalhadoras do rnundo conquistararn mui tos di re itos . A onda neo-capi ta li sta quer destrui- los , e s6 isso. Eu falava nisso , em conversas, de brinca-deira, como sendo "0 Imperio cont ra-ataca", aquele filme de ficcao futuris ta .

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    _ Va huduziu t ' nd11C11,ewis Carroll, e ns ai os d e O c ta vi o Paz,jJlPIIM "~Mo1'genstcrn e Villano AgDra, com Contratextos,l/ tU

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    'I" '1 ,1 I I I I IIII J I l l I , 1 1 4

    Nu , ', . a'I' qu . abr"A e=pr .ltn, Jollo Alexa,ndre Bllrbosafala daI lW ' " c i R d ' q u e S D e s er evepor en tr e escombros, minas de um aU'tull n o c que, porisso, talvez, h a a desconfianfa de que, ern',m lugal' [tlO Z , l g a r da poesia}, poderiam melhor [uncionaruutro mci05 de representafao, tais como 0 cinema, os jornaisuu 0 comics". Gostaria que vocecomentasse essa passagem.

    1 ' fl lg o d Joo sobre A espreita, como tambern, entre outros, osde Luiz CostaI,1 1 1 1 1 uvi Arrlguc] , encheram-rne de vaidade. Eles exagerararn na avaliacao1 1 1 1 Iva 'I oisas sobre asquais, com franqueza, nao tive qualquer expectativa de1 1 1 1 1 hi per ussao critica, Tern muita gente ainda que nao 56 duvida de mimumo po to - 0 que e razoaveJ- como ate me julga urn "inimigo da poesia",1 1 1m 1 ' 1 , resenha de uma revista paulistana que muito me diver tiu. Mas IoaoIhdl' tcda a razao, pois e logico que "poesia" hoje soa como urn inacredi tavel.m 1 ronlsrno, Acho que ate a poetica dos filmes e dos comicscome~a a perder'I 1 '1 ' no p Ira os espetaculos televisivos - as horrendas telenovelas e minisseries,1 1 1 1 ' m p l - como os desenhos animados idiotas da teve. Filmes e quadrinhosL i I moram classicos e tediosos para osjovens ecriancas emburrecidos de hoje.IIAspl'eita traz poemas que registram au tematizam

    ~,uu/cenarioslimagens cariocas "Dentrolfora:Rio (Ie Janeiro" - creio que "Os tres in-seres" e,se nao estiver errado,flDo tUn.eldo ano passado", "Os passantes da Rua Paissandu","Spiritus ubi vult spirat" tambem seencaixam ai.o que 0 Rio deJaneiro significa para voce?

    ,v rdade. Em A espreita os poemas que voce cita e outros, talvez, tematizamI I IIIn da urbe, no caso, por mero acaso, do Rio de Ianeiro, por ser a cidade emI II ' vivo, Falam da visao de pedestres passantes, visao de dentro para a rua, atravesIII vi r as de urn restaurante, par exemplo, ou , ainda, de personagens obscuros etnmh em "Os tres in-seres" ou, ainda, dos sem teto au peS50as enlouqueddas.

    " 1 ' 1 1 t ' L n e l do ana passado" narra, por exemplo, a travessia de urn pequeno InfernoH II I (me l na direcao de Copacabana, onde sedava a festa de Juzdo ano novo. Este

    11I~'rnoestava povoado de gente abandonada, como os "sern teto" vistos pelosI I IIQut s da rua Paissandu, vindos do metro. Contei a hist6ria de "Spiritus ubi vultlr I , e ' (ou seja, "0espirito sopra onde quer") na minha entrevista a revista Cult.Jill Ipobre louca anda no meio dos carros em plena avenida Presidente Antonio

    (' 11'10 C levanta a saia para os motoristas atonitos e "bate uma f~t~", tal como a1 1 1 I Itg "bate uma foto" de uma ceia larga de mendigos que invadem a casa na

    II L n I ii I ii c l n I II I 1 1 1 1 1 Viddi ,mCl , L1 B I J 1 1 1 . urn j ~~Y ; I Jar, 'l lvez se Ielt re t o velhos qu nt 0poeta v declfrar a alus ~ae fllme, Az r. Qu m diz que somes obrigados a d ar as chaves de tudor Agora, ~o que Rio ignifica para mim, eu diria que e h oje a minha casa, como outrora :: gf i0Recife. Antes, para 0jovern provincia no, era urn mito, 0paraiso terrestre. '~Mas nil:oha mito que resista a convivencia, 0Rio e d ificil, mas nao me imagine ~morando noutro lugar. Isso, sem pieguices.

    Voce nasceu no Recife e viveu um bom tempo la.Nos anos 50, conheceu e convil'eu com Ariano Suassuna,Carlos Pena Filho, [oao Alexandre Barbosa, Luiz Costa Lima.Gostaria que falasse urnpouco desse tempo.

    Bern, 40 ou mais anos arras, imagine! Ariano foi meu professor de esteticana faculdade de filosofia . Mest re simples, que as vezes saia conversando na ruacom 0 aluno. Era muito engracado e parece que continua ate hoje. Perderno-nos de vista . Carlos Pena Filho era tambern muito divertido e eu gostava mui tode me encontrar com ele, mesmo que com ideias bern diferentes em arte,poesia e politica, Ioao e Luiz, os criticos que se destacaram depois no sui, setornararn grandes amigos da mesma geracao, pensando muito parecido, assimcomo 0 poeta Jorge Wanderley. Foram, todas, fundamentais na minha forma-cyao,para a troca de ideias, sobretudo. Mestres, ainda, foram os amigos maisvelhos de 0Gnifico Amador, Orlando da Costa Ferreira - de uma cultura esenso crttico impressionantes -, Gastao de Holanda - uma das pessoa5 maisesfuziantes e generosas que conheci - e, finalmente, meu grande amigo atehoje, Jose Laurenio de Melo - poeta notavel que deixou a poesia tao cedo. Agrande consciericia crttica de tudo e a impressionante integridade dele memarcaram desde sempre. Reci fe , onde vivi quase 30 anos, representa uma epo-ca multo fer til de descobertas, entre outras coisas, do significado de grandesa;u' z des que se conservaram atraves das decadas,

    !oe~a "A limpeza" enumer,a alguns eventos tirades do noticiario,L alt-.dlver~.Qual e a sua relafiio com osjornais (impresses,teiejornais), no seu processo de eriafao? A condifiio modernae "lerjornais de c6eoras"?Penso, ainda, na possibilidadede se entender 0jomalismo como ficfao.o pcema "A limpeza" foi a que sohrou de outros poemas poli ticos da epoca,

    porque 0 achei bern- acabado e com _ u i n sentido preciso . A imagem do jovemcidadao lendo urn jornal de c6coras hila a inventei, Foi uma foto notavel quesaiu num jornal carioca, e simholiza a precariedade de urn mundo apos adest ruicao da guerra na regiao dos Sillcas. Sim, tenho uma relacao intensa com

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    iI 1 11 11 1 til tllU llllt I II, II, I 1 , 1111]11 1I I 1 1 1 0 lei lorn: ,.flU 1 1 1 1 1 JIllI ~ iIII II' 1 tit r 11 r V I ' I , II 1 1 1 1 1 I 1 1 1 0 1I1H l f J 1 I1\ " t'r H 1 " o I'll 1 1 .\ ~ tim l (J d tIlin III11 'I e 1[llll 1 ' 1 , ~ I I t ! ~ no. (! 1 " 1 1 N , .r n I I I " T u d e v a l b er n , 110 In ' I b r d e1 I1 I1 1Idl I'll. lv ls'" u rn u c liz i 1 p nd 'gn P . rsonag m d V It. ire, utirizan-11 1 I I t l i . m Illes 1 1 o , U l im rcg is tr ador bsessiv de d cumentariPili ' 'x m ph .ostum o dizer, de brincadeira, que tenho a Segunda uerraMundi II, tam bcm a do V ietnam , dentro de casa em f i ta s g ravada s. E um aP '1 I,'lHl h i t ~ t 'bo le , e clare, Em varies poemas antigos tematizo a relacao, ! II 1 1 o ! ' 1 1 I' a l / Imagem de f iccao , mas na o confundo jornalismo e f iccao ja-' 1 1 1 1 1 ,CmT '1:i, r isco de banalizar ou de sentimentalizar as coisas, E ha certasIpi I qu 1 1 < 0 podem ser alvo de sentimentalisrnos. ~as, infelizmente, naoI L I j lI'l is, omo os filmes, as peyas teatrais, a teve e o utros meios podem se ' 1 1 1 . fo mar em terriveis instrumentos de dilui!(ao e pieguice dramatic a in-Ii 'j,. vels . . , precise estar sempre alerta cont ra isso,II v o c e jd afirmou que durante um certo tempo Valery

    t, 'lie Urnaimportilncia fundamental para voce.Gostaria que Jizesse uma reavaliafiio da importancia(10 pensamento valeryano quanta a poesia.

    :l l ;11, Valery teve urn grande peso para rnim, para Ioao, Luiz e outros, no idealdtl urna certa pureza e rigor intelectual, e extrema idolatria da p l ei n e l u ci d it e,01, 0 0 poeta pensador exig ia . Eu escrevi os D e z s on et os s em ma te ri a, quase um

    1'1 t lch de Valery. Jorge traduziu muito bem 0 cemi ter io mar inho . Orlando Per-l r 110m certo exagero, dizia que deveriamos dizer todos os dias "Obrigado,Pm l V Iery". Ele, Valery, dizia que "Os acontecimentos me entediam". Essa!n I~nofilos6fica, essa preocupac;:ao com a pureza intelectual, foi me deixando,o~pOlleos. Envolv i-me cada vez mais com os acontecimentos, con forme reve-

    l u r n s respostas anteriores, Nao digo qne cheguei ao extremo oposto. Tenho,I I) I .um grande respeito por esse extremismo da inteligencia pura. Mas sem aVII) ' roy o. Quanto a poesia, embora Valery tenha dito coisas tao preciosas, e leK I1 rou mui ta gente e acho que reydon alguns preconcei tos e restr icoes temat i-.IN que hoje ja nao mais se sustentam. Ainda me babo ao ler, por exemplo,, l Im n he d'un serpent", que Augusto de Campos decifrou tao bem. Mas tenho

    (lULl' IS aspiracoes intelectuais, rnais irnpuras, ja explicitadas aqui.! ! ! ! Em seus poemas continua a existir uma alusao permanence a

    violencia, a violencia generica, a violencia que estana pr6pria realidade. Como avalia essaquestaot

    A violencia humana, genericamente, e urn tema estranho, pouco decifravel. t dos nos, ditos seres humanos. Por que ela subsiste atraves dos seculos e

    [llIr qlil'. r (1 Pl' tlPLO (110 X , ~II, a e n h u u 1 , I J~ 111',nr 'U I't V',/, llll1gb' ~11 lug' , 'm [I c ute irn .ntos to 0 drdaticos C mo 0 g 'n o fd i pratl ado pe l s ~IIlzl. las, ent eo IC r s? P r q tl e algumas p css as foram e continuarn a ser, no (5

    ::lo'~s~(fJ

    I sa - e n p resen te, t< 0 e st ra nh a rn en te i nu rn an a s, como os torturadores,s serinlkillers, os genocidas? POl' que is50nao depende de evolucao civ il iza-

    t6ria, a s vezes parecendo ate contrario disso? Parecern, digarnos, constitutivasda especie . Mas deve-se acrescentar que a violencia nao esta 56 disserninadaentre inidividuos ou mesrno so entre grupos e seitas assassinas, entre as quaisSf! enquadraria, no passado, 0 nazismo, e mesmo, e penoso dizer isso, diversosagruparnentos religiosos conternporaneos. Nao so 1S50. Ela se encontra atemesmo institucionalizada em sociedades ditas dernocraticas capitalistas e,infelizrnente, para os que guardaram as simpatias socialistas, como e 0 meucaso, em sociedades di tas dernocra ticas social is tas. Seja atraves do combate as"forcas adversas", seja a t raves dos costumes e penalizacoes ou de estruturassociais racia lizadas ou de castas , Tudo isso e violencia, Acho que essas indaga-coes ou quase todas estao disserninadas em varies exemplos da minha produ-

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    ( 1 1 ' 1 1 r r 1m I til , I . IILI'" Pill II I l ut I,du IlltllU g m, L veses, d f a to , [resent em lgun t 'xto"11 l) Ill) g u v ' m ulta ip roxh n 0, No nsaio a q ue m r r r i, " A I' letlu vll " ts", p ro u ro m ostra r q ue a s d ua s a rte s p arte m de \n gu l s c on tra pos-til, p l l ~ I T 1 j'" I t iv 1 lit niria vai sedesdobrando aos poucos, podc-se par'u!(1l11I,mi~" depois, S In grandes prejulzos e boa parte das narrativas sugcre,1 1 1 ' ( ' mo, IIIdes ontlnuidade, ao ser distribuida em capitulos e partes. lar'In' () In .ma pede, em principia, simular esteprocesso, mas, na maior partetI V 'Z 'S, a ccntinuidade da acraoe quase uma lei. Quer dizer, as narrativasI"I' Iss filmicas sao dispostas, namaior parte das vezes,de forma diver-R I [unnto no tempo de desenvolvimento. Depois, a apreensao de urn filme

    g1 rm maior rigor de ccndensacao: ninguem aguenta facilmente urn fil-1111 ' l e ll gr ) dernais . A apreensao das imagens e sirnultanea, e e raro, a nao seri 1 1 " l hoses espectadores caseiros frente ao seu aparelho de videocassete, queI I , U In s disponha a retroceder urn filme varias vezes para compreenderltI 111m'etta sequencia, enquanto na leitura de urn texto, se alguern for muito\ . 1 1 1 lido ou muito exigente, retrocede as paginas sem problema. Sao, por-I,mto, formas diferentes tanto de construcao quanta de apreensao da narrati-II I. m ier elo dessas forrnas eo de serem artes narrativas desenvolvidas emI,] (1'U qual tempo. 0 resto e diverso. 0 resultado das exigencies de compacta-~ ( la narrative nos filmes e, em geral, 0de diluicao da arte literaria, rnaisemnplexa. 0 resto, no livro, por favor.

    1 l a musica, Sebastiiio? 0que voce ouve?A 1 usica acompanhou toda a rninha vida. A dita erudita e a dita popular.

    U ,Q il.mUsicachamada de erudita como algo ligado ' cnm~ensao_ll1telec~L1 I , v n l u f rnuito ate chegar a urn determinado nivel de exigencia. Conheco poucaH fit que ouve a musica mais perto da conternporanea. A maior parte naorulmltc coisa alguma a partir da EscolaVienense, seusmusicos, inclusive. Con-In p'] s dedos quem ouviu Schonberg e Webern. Imagine quem veio depois.Ounntos ouvirarn sequer falar de Cage, Boulez, Stockhausen etc.? Tudo isso'xl!;' nao sensibilidade a flor da pele, mas compreensao intelectual. Isto e ,

    b~ tudo, educacao. :E clare que ha ouvidos especiais para a rnusica, como 0deAugu to de Campos. Mas isso nao basta. E preciso que 0 estado de condicoes]! iru a educacao musical e e precise que as ernpresarios, assim como asinstitui-

    \'s overnarnentais, tenharn abertura para coisas novas. Senao, em materia

    W illi ) i l . l fica tudo no mesmismo musical, porque 0 cardapio oferecido e res-1 1 ' 1 1 . 0 , : f I a uma especie de censura, que nao e ideol6gica, e econornica. Mas

    It'I,U:illt 111111l o h l 1 1 1 HI'~ IIIILmqutlql ~m ,H ,~ tl 1 1 W \ 11 . : " ) III p.LIoI irqu publtco n ic eit " . Mcntlra, aPorqu IS nlldiyO 'II h I tl~rl s que houve ]10 R io, de. age, Stockhausen e 0::lourr S su p ar l tavarn s u dl to ri os .

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    " " 1 1 : t , ~I'"dun'110 l i t . ~ ' 1 1 _ " f l t l , r I ~ flU t l r i _ , ' l l '.. [11'[[11\ III [I empllc It! Is (). 1m um ludc, po c ' s l a 6 fic~ 0, (,l, portunto, u_Ill 1 " ,1 1 l'~ l~ 'c'llf.o "xis nn a "S U S P C I'III. 0 cia descr 1 1 9 ~ 1 " de olerldg e, ouII } II '~'1t.l ' il l en te m em eu tane do que I t : vc rdadc au nao. Por ou tre , ac h arqU i" U po 'InR 111 'cI1 asmentem e mais nuda e p ouc o. A ch e que dizem a verdade ,n)l1l!l luci .o;Mo~, ~pOCSiH e , em si, 0 p e rf eito o x lmo ro . Tern que se e sta r a le rta nd oo tempc to 1 0 que verdade p ode nos envenena r , E, portanto, tentar disfarca-la 0t f1mpo to 10atraves dos jogos de linguagem de que Wittgenstein tanto falava, Ao

    ~

    I 'Ill 1 :' It) eabo esses jogos sao a poesia. Parecern abstrusos e estarern nos enganan-~Io, nus (1 st.0 transmitindo 0 que de maiS.'recondite existe nos intersticios dasI 1 1 luvrns , Apesar de varies poetas colocarem poesia e verdade no me smo plano,IIIltlU, pOl' exemp lo , J o h n Keats e Emily Dickinson, nao creio em qualquer com-P I C uniseo d a poesia com isso que se chama a verdade, do ponto de vista da eticamuportamental. Mas ela tem que soar verdadeira do ponto de vista estetico, 0

    l'lll 'sl~t < mbem ern muitos poetas como a proprio Coleridge, Fernando Pessoat1 ! ,I cr eber a diferenca disso e 0 segredo da percepcao poetica, que alguns tern,l'OUl!'OS ]1. O. E como a humor que parece soar como serio. Quem nao for capaz,l(1llpl'cclar paradox.os, jamais entenderi a poesia.

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