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I.M.T. – Instituto de Medicina Tradicional DEPARTAMENTO DE ESTUDOS SUPERIORES Rua Alfredo Trindade, N.º 4-A – 1600-407 LISBOA – Tel. 213 304 965/6 – www.imt.pt CURSO GERAL DE NATUROPATIA E CIÊNCIAS TRADICIONAIS HOLÍSTICAS DISCIPLINA DE BIOLOGIA Ano letivo 2014-2015 Profª. Teresa Semedo Lemsaddek

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Rua Alfredo Trindade, N.º 4-A – 1600-407 LISBOA – Tel. 213 304 965/6 – www.imt.pt

CURSO GERAL DE NATUROPATIA E CIÊNCIAS TRADICIONAIS HOLÍSTICAS

DISCIPLINA DE BIOLOGIA

Ano letivo 2014-2015

Profª. Teresa Semedo Lemsaddek

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BIOLOGIA – 1º ano (2014/2015)

i

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA CADEIRA DE BIOLOGIA

1. Organização funcional do corpo humano

� A célula – entidade básica da vida � Tecidos � Órgãos � Sistemas

2. Citologia (morfologia e fisiologia celulares)

� Generalidades – Tipos de células � A célula eucariótica

o Membrana o Citoesqueleto o Especializações da membrana citoplasmática o Núcleo e nucléolo o Mitocôndrias o Retículos e ribossomas o Sistema de Golgi o Lisossomas o Vesículas e vacúolos o Outros organelos

� O ciclo celular – mitose e meiose � Diferenciação celular � Renovação, regeneração e cancro � Conceito de apoptose

3. Embriologia humana

� Gâmetas e fertilização � Segmentação e implantação � Formação das camadas germinativas e dos derivados extraembrionários

o Estado de blástula o Gastrulação e os 3 folhetos embrionários o Indução primária do sistema nervoso o Membranas extra embrionárias

� Situações patológicas associadas à embriogénese 4. Histologia

� Classificação geral dos tecidos o Epitélios o Tecidos conjuntivos o Tecido nervoso o Tecidos musculares

� Tecidos epiteliais o Classificação

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BIOLOGIA – 1º ano (2014/2015)

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o Membrana basal o Contactos intercelulares o Modificações da superfície celular o Glândulas o Histogénese o Renovação

� Tecidos conjuntivos o Classificação o Fibras o Matriz extra celular e substância fundamental o Células

� Tecido adiposo o Tecido adiposo branco e sua regulação o Tecido adiposo castanho

� Tecido cartilagíneo o Cartilagem hialina o Cartilagem elástica o Fibrocartilagem o Histofisiologia

� Tecido ósseo o Classificação e estrutura dos ossos o Tipos de tecido ósseo o Remodelação do osso o Fraturas e sua reparação

� Sangue o Plasma o Células sanguíneas o Hematopoiese o Hemostase e mecanismos de coagulação do sangue

� Tecidos musculares o Tecido muscular estriado

− Mecanismo da contração muscular − Energética da contração muscular

o Tecido muscular cardíaco o Tecido muscular liso

� Tecido nervoso o Neurónios o Sinapses o Células de suporte o Organização do tecido nervoso

− Substância cinzenta − Substância branca − Meninges − Barreira hemato-encefálica

o Reparação e regeneração do tecido nervoso

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BIOLOGIA – 1º ano (2014/2015)

iii

� Doenças associadas aos tecidos 5. Genética humana

� Noção de gene, genótipo e fenótipo � Expressão da informação genética – o Código Genético � Princípios básicos da transmissão genética

o Hereditariedade autossómica o Hereditariedade ligada aos cromossomas sexuais o Dominância incompleta e codominância o Alelos múltiplos

� Alterações do material genético – mutações � Mecanismos de reparação do DNA � Principais doenças genéticas � O cancro como doença genética � Aconselhamento genético

6. Biorritmos � Tipos de ritmos biológicos � Os relógios biológicos e a ciência ocidental � A perturbação dos ritmos biológicos � Os relógios biológicos e a ciência oriental � A Naturopatia e os biorritmos

7. A Autorregulação

� A nível celular � O corpo humano como sistema biológico

8. O Homem em equilíbrio com a Natureza BIBLIOGRAFIA

♦ AZEVEDO, Carlos, Editor, Biologia Celular e Molecular, 3ª Ed., Lidel, edições técnicas, 1999

♦ BERKALOFF, André, Bourguet, Jacques, Favard, Pierre & Guinnebault, Maxime, biologia e Fisiologia Celular, Editora Edgard Blücher Ltda, 1972

♦ BERKALOFF, André, Bourguet, Jacques, Favard, Pierre & Lacroix, Jean-Claude, Biologie et Physiologie Cellulaires, Hermann Collection Méthodes, 1981

♦ BISHOP, J. Michael & Weinberg, Robert A. Editors, Scientific American Molecular Oncology, 1996

♦ BURKITT, H.G., Young, B. & Heath, J.W., Wheater’s Functional Histology A Text and Colour Atlas, 3rd Ed., Churchill Livingstone, 1993

♦ CARLSON, Bruce M., Human Embriology and Developmental Biology, Mosby, 1994

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BIOLOGIA – 1º ano (2014/2015)

iv

♦ CARNEIRO, A. P., Controlo Homeostático no Organismo Humano, Livraria Escolar Editora, 1987

♦ DIAS DA SILVA, A., Gramaxo, Fernanda, Santos, Maria Ermelinda, Mesquita, Almira Fernandes & Baldaia, Ludovina, Ciências da Terra e da Vida – Terra, Universo de Vida 1ª Parte – Biologia, 11º ano, Porto Editora, 2000

♦ FAWCETT, Don W. & Jensh, Ronald P., Concise Histology, 2nd Ed. Arnold, 2002

♦ GUERNER DIAS, A., Amandi, Dalila, Xavier, Luís, Guimarães, Paula, Rocha, Paulo & Almeida da Silva, Rubim, Ciências da Terra e da Vida 10º ano, Areal Editores, 1999

♦ GUYTON, Arthur C. & HALL, John E., Textbook of Medical Physiology, 10th Ed., Saunders, 2000

♦ MOORE, Keith L. & Persaud, T.V.N., The Developing Human Clinical Oriented Embriology, 6th Ed., W. B. Saunders Company, 1998

♦ ROSS, Michael H., Romrell, Lynn J. & Kaye, Gordon I., Histology A Text and Atlas, 3rd Ed., Williams & Wilkins, 1995

♦ SEELEY, Rod R., Stephens, Trent D. & Tate, Philip, Anatomia & Fisiologia, Lusodidacta, Lisboa, 1997

♦ STEVENS, Alan & Lowe, James, Human Histology, 2nd Ed., Mosby, 1997 ♦ STRYER, Lubert, Biochemistry, W. H. Freeman & Co., 3rd ed., 1988

A Docente

Teresa Semedo Lemsaddek

Nota: O presente programa poderá vir a sofrer eventuais alterações em função das necessidades do Curso e dos avanços científicos.

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BIOLOGIA – 1º ano (2014/2015)

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PREÂMBULO

Uma Sebenta destina-se a apoiar o estudo do aluno. Embora inclua

toda a matéria do programa da cadeira, não é exaustiva, podendo

ultrapassar, nalguns aspetos, os conhecimentos indispensáveis à avaliação,

servindo, mais tarde, como elemento de consulta.

Uma Sebenta não pretende substituir a assistência às aulas – por um

lado, algumas rubricas programáticas poderão, eventualmente, não seguir a

par e passo a Sebenta. Por outro, torna-se, por vezes, necessário dar

matérias complementares que não estão na Sebenta, não deixando, por essa

razão, de ser indispensáveis à avaliação.

A Sebenta poderá acompanhar diariamente o aluno, mas não substitui

os apontamentos pessoais obtidos durante a aula, e constitui um

complemento de outros materiais de estudo fornecidos pelo docente.

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 1

SEBENTA DE BIOLOGIA

Introdução

Biologia é a ciência que estuda os seres vivos. O termo deriva de duas palavras gregas: bíos, que significa vida e lógos, que significa estudo de. Na realidade, a Biologia é um conjunto de ciências que têm por objetivo estudar os fenómenos vitais. Por exemplo, a Botânica ocupa-se do estudo das plantas, a Zoologia do estudo dos animais, a Microbiologia do estudo dos microrganismos, a Micologia do estudo dos fungos, a Biologia Molecular do estudo das moléculas biológicas, etc. A lista é longa, e, por essa razão, um biólogo deverá ser, necessariamente, um cientista com uma visão globalizante do mundo vivo, embora possa ser um microbiologista, um botânico, um zoólogo, etc., em função da sua especialização. É difícil estabelecer fronteiras entre as várias disciplinas que compõem a Biologia, pelo que é nela que se incluem todas as áreas do conhecimento que contribuem para o estudo dos seres vivos.

Aqui, também, vamos incluir Citologia (estudo da célula), Embriologia (estudo das primeiras fases do desenvolvimento humano), Histologia (estudo dos tecidos), Genética (estudo da hereditariedade) e Biorritmos (estudos dos ritmos biológicos).

Capítulo 1 – Citologia

A citologia (do grego: kýtos, célula + logos) ocupa-se do estudo das células, como se deduz da análise etimológica. O termo célula deve-se a Robert Hooke que, há mais de 350 anos observou, pela primeira vez, em cortes de cortiça, pequenas cavidades a que chamou cellulae. Estas cavidades são, na realidade, células mortas e vazias, cuja parede se apresenta espessada. Hooke também observou a estrutura celular em partes verdes de plantas.

Breve História da Teoria Celular dos Seres Vivos

A teoria da constituição celular dos seres vivos, que representa um dos fundamentos da Biologia, só podia ser estabelecida e introduzida depois de os aperfeiçoamentos da ótica terem permitido ao homem estudar os tecidos dos animais e das plantas. Por isso, a história da célula e dos tecidos é contemporânea da história da microscopia. Foi essencialmente no século

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XVII que teve início a luta científica do conhecimento do infinitamente pequeno e do infinitamente distante.

Marcello Malpighi (1628-1694), nascido próximo de Bolonha e um dos primeiros microscopistas, era médico, anatomista e botânico. Foi o primeiro a observar capilares sanguíneos, a descrever os lóbulos hepáticos e os corpúsculos renais que têm o seu nome. Estudou, também, a circulação do baço e o desenvolvimento embrionário do pinto.

Outro precursor dos estudos microscópicos foi o holandês Anthony van Leeuwenhoek (1632-1723), que nasceu e viveu em Delft. Os seus microscópios eram extremamente simples, mas de difícil manejo devido à exiguidade de campo. A lente era uma simples esfera de vidro polido. No entanto, descreveu o olho composto dos insetos, descobriu a partenogénese dos pulgões, estudou o desenvolvimento de formigas e pulgas, observou algas, protozoários, espermatozoides humanos e, possivelmente, bactérias.

Robert Hooke (1635-1703), de nacionalidade inglesa, deve considerar-se um dos fundadores da microscopia, ocupando o primeiro lugar na história da teoria celular dos seres vivos e da citologia por ter sido, como se disse, quem empregou, pela primeira vez, a palavra célula com aceção científica.

Quem enunciou, pela primeira vez, a teoria celular dos seres vivos foi Lorenzo Oken (1779-1851), pensador alemão, cujas doutrinas se baseavam na observação, tendo escrito no seu livro Die Zeugung (A Geração), publicado em 1805: “Todos os organismos nascem de células e são formados por células”.

Um passo muito importante no conhecimento da célula foi dado por Robert Brown, em 1831, ao descrever, nas células vegetais, um corpúsculo sempre presente – o núcleo. Este já havia sido observado e descrito por outros, nomeadamente Leeuwenhoek, mas foi Brown quem se apercebeu da sua presença constante nas células.

Os estudos de Mathias Jacob Schleiden (1804-1881) e Theodor Schwann (1810-1882) representam um passo decisivo na evolução da teoria celular, apesar de ser imperfeita e conter erros fundamentais, principalmente o de se considerar a célula uma cavidade vazia.

É Hugo von Mohl (1805-1872), professor de Botânica em Tübingen, quem, em 1846, divulga a palavra protoplasma (do grego: protos, primeiro + plasm, forma – o que se forma primeiro), empregada, pela primeira vez, em 1839, por Johannes Evangelista Purkinje.

O ano de 1861 reveste-se de particular importância na história da teoria celular. Max Schultze, professor de Anatomia em Bona, deu uma

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definição de célula que teve grande repercussão científica: célula é uma

pequena massa de protoplasma nucleada.

Dois grandes nomes da ciência médica constituem os pilares sobre os quais se apoia a teoria celular dos seres vivos: Albrecht von Kölliker (1817-1905) e Rudolf Virchow (1821-1902). O primeiro, de nacionalidade suiça e professor de Anatomia em Würzburg, estudou a composição celular de todos os tecidos e órgãos, considerando-se o fundador da Histologia, tendo publicado o primeiro tratado desta nova ciência em 1852. Virchow estudou a estrutura das lesões, sendo o fundador da anatomia patológica moderna. Demonstrou que aquelas também têm estrutura celular e representam a consequência de alterações funcionais e morfológicas das células, dos tecidos e dos órgãos. Dessa forma, transportou a doença para o nível celular. É dele a lei do desenvolvimento contínuo, segundo a qual toda a célula

provém de outra célula (omnis cellula e cellula), da mesma forma que todo

o ser vivo provém de outro ser vivo (omne vivum e vivo). Esta última frase deve-se a Pasteur (1859).

A célula – generalidades

A célula é a unidade estrutural e funcional de todos os seres vivos. Cada célula é um espaço rodeado por uma membrana e ocupado por citoplasma organizado, o qual desempenha várias funções vitais de uma forma coordenada e sistemática. Uma célula perpetua-se a si própria sintetizando novos componentes a partir de nutrientes existentes no meio circundante. Deste modo, cada célula é a mais pequena unidade de vida que mantém funções vitais de uma forma relativamente independente. Estas funções incluem respiração, síntese de macromoléculas, mobilidade, irritabilidade e reprodução. Em organismos complexos, uma célula pode diferenciar-se para realizar funções altamente especializadas e, por isso, tornar-se dependente de outras células, relativamente a funções menos especializadas.

As dimensões das células variam de 0,5 µm (1 micrómetro = 1 milionésimo do metro – 10-6m), nas bactérias, por exemplo, a alguns centímetros de diâmetro nos ovos das aves. De uma maneira geral, nos organismos pluricelulares, as células são microscópicas, tendo, em média, 10 a 30 µm de diâmetro.

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Tipos de células

Todas as células possuem membrana e citoplasma e, embora a maioria possua núcleo, nalgumas delas esta estrutura não existe individualizada. Por essa razão, uma importante classificação das células em função da presença ou da ausência de núcleo divide-as em células procarióticas (do grego: pro, antes + káryon, núcleo) e eucarióticas (do grego: eu, verdadeiro + káryon). As células procarióticas são consideradas mais primitivas – as bactérias e as Cianofíceas (antigamente designadas algas azuis) são os seres vivos cujas células pertencem a este tipo. Os seres vivos compostos por células eucarióticas podem ser unicelulares (protozoários, algumas algas, por exemplo) ou pluricelulares (plantas, fungos e animais). A figura 1 mostra alguns tipos de células.

O objeto do nosso estudo será a célula eucariótica animal.

Fig. 1 – Vários tipos de células procarióticas e eucarióticas. Notar que se trata de uma

representação esquemática sem qualquer escala.

A célula eucariótica animal

Sempre compostas por membrana, citoplasma e núcleo, as células eucarióticas gozam de grande polimorfismo, ou seja, apresentam forma

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variada. Além disso, nos organismos pluricelulares, as células podem estabelecer contacto entre si de diferentes maneiras.

Para facilitar a compreensão do funcionamento de uma célula, é possível fazer a analogia entre esta e uma fábrica. Todas as fábricas possuem determinadas características, assim como paredes para proteção, portas de acesso e de saída, maquinaria especializada no fabrico de determinados produtos e secções de embalagem e armazenamento. Por outro lado, tem de haver fornecimento de energia e tratamento de resíduos. Todo o sistema é controlado pelos escritórios (Fig. 2 – A).

Numa célula, a membrana funciona como proteção e controlo de entradas e saídas, o núcleo como controlador de todo o sistema, sendo as outras tarefas desempenhadas por estruturas especializadas chamadas organelos celulares (Fig. 2 – B).

A B

Fig. 2 – Esquema de uma fábrica (A) e de uma célula (B) mostrando a analogia dos seus elementos. No diagrama da célula, os organelos correspondem, sensivelmente, à localização ocupada pelos departamentos da fábrica.

Os organelos celulares ocupam, assim, grande parte do citoplasma de uma célula. Mas, o que é, afinal, o citoplasma? Situado entre a membrana e o núcleo e no seio do qual se encontram dispersos os organelos celulares, o citoplasma é composto essencialmente por água (85%), proteínas (enzimas e proteínas estruturais), vários tipos de RNA (ácido ribonucleico), glícidos, aminoácidos, nucleósidos, nucleóticos, compostos do metabolismo intermediário e iões. Também podem existir inclusões lipídicas e partículas

Embalagem Armazém

Fornecimento de energia

Tratamento de desperdícios

Produção

Escritórios

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de glicogénio. Para além de ser um reservatório de “combustíveis” e “materiais de construção”, nele se efetuam algumas reações bioquímicas de anabolismo e catabolismo.

Ao microscópio ótico, o citoplasma tem uma aparência homogénea e transparente, pelo que também é conhecido pelo nome de hialoplasma (do grego, hýalos = vidro + plasma). Para além do núcleo, o citoplasma contém uma rede membranosa chamada retículo endoplasmático, mitocôndrias, complexo de Golgi, ribossomas e outros organelos que a seguir estudaremos. A figura 3 representa uma célula humana num modelo tridimensional.

Fig. 3 – Esquema simplificado de uma célula animal. Seeley et al., 2001.

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Membranas Biológicas

Tanto a membrana celular como a membrana que envolve os organelos apresenta estrutura e composição química semelhantes. São constituídas por uma bicamada de fosfolípidos à qual se associam proteínas. À primeira deve-se a impermeabilidade da membrana à água e a moléculas hidrossolúveis. As proteínas são responsáveis pela maioria das funções biológicas das membranas. Podem atravessar completamente a espessura da bicamada lipídica (proteínas integrais) ou estarem associadas apenas a um dos seus folhetos (proteínas periféricas). As proteínas integrais podem assumir estruturas variadas, formando canais que controlam a passagem de outras moléculas, por ação química ou elétrica (Fig. 4). A espessura das membranas varia entre 6 e 9 nm (1 nanómetro = 1 milionésimo de milímetro – 10-9 m).

A B

Fig. 4 – Tipos de canais formados por proteínas integrais. Notar que em B o canal é formado

por várias subunidades. Guerner Dias et al., 1999.

Os fosfolípidos existentes nas membranas são, principalmente, a fosfatidilcolina, a esfingomielina, a fosfatidiletanolamina e a fosfatidilserina, sendo esta última molécula a única que apresenta carga negativa a pH fisiológico. Para além de fosfolípidos, as membranas também contêm colesterol. Ambos os tipos de moléculas apresentam grande mobilidade nas membranas (difusão lateral), podendo também sofrer movimentos de flip-flop, isto é, saltarem de um folheto para o outro da membrana.

As proteínas de membrana também estão sujeitas a movimentos de rotação e de deslocamento lateral, mas não a movimentos de flip-flop.

Ao microscópio eletrónico (m.e.), as membranas biológicas apresentam aspeto semelhante – duas linhas electrodensas negras e paralelas separadas por um fino intervalo electrotransparente. Esta linha

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clara intermédia corresponde à região hidrofóbica da bicamada lipídica. Este perfil trilaminar é denominado por unidade de membrana.

O transporte de substâncias através das membranas biológicas pode fazer-se de modo passivo, ou seja, a favor do seu gradiente de concentração, ou envolver dispêndio de energia se a movimentação de substâncias se der contra o seu gradiente de concentração, chamando-se, neste caso, transporte ativo, o qual envolve canais que funcionam como uma bomba (ver adiante).

Dada a movimentação das moléculas e a diferente composição dos dois folhetos das membranas, podemos dizer que fluidez e assimetria são duas características presentes em todas as membranas biológicas.

A membrana citoplasmática

A membrana citoplasmática apresenta algumas peculiaridades, tanto do ponto de vista químico como estrutural. Da sua composição fazem parte glicolípidos e glicoproteínas, os quais se encontram apenas no folheto exoplasmático (Fig. 5), nunca sofrendo movimentos de flip-flop. Existem, também, fosfolípidos de inositol que são fundamentais na transmissão de sinais para o interior da célula. Algumas proteínas da camada citoplasmática da membrana estão ligadas a um sistema de proteínas filamentosas que, no seu conjunto, se designa por citoesqueleto, que estudaremos a seguir.

Fig. 5 – Esquema da membrana citoplasmática. Guerner Dias et al., 1999.

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O transporte passivo de substâncias através da membrana citoplasmática pode ocorrer através da matriz lipídica, como é o caso do oxigénio que se difunde do sangue para o interior das células. Também pode realizar-se através de proteínas-canal que controlam a entrada ou a saída de iões a favor do seu gradiente de concentração. As moléculas de maiores dimensões, como os aminoácidos, ligam-se a proteínas transportadoras específicas que sofrem várias alterações conformacionais durante o transporte transmembranar. Quando as substâncias atravessam a membrana a uma velocidade superior à esperada, fala-se em difusão facilitada, como acontece com a glicose nos eritrócitos ou com o ião cloro noutro tipo de células.

O transporte ativo envolve proteínas de membrana que funcionam como bombas uma vez que transportam substâncias contra o seu gradiente de concentração. É o caso da bomba de sódio-potássio. Esta proteína transporta, simultaneamente, iões sódio (Na+) para o exterior da célula e iões potássio (K+) para o interior da mesma.

A diferente concentração de iões dos dois lados da membrana citoplasmática induz uma diferença de potencial. Os chamados potenciais

de membrana são fundamentais para o funcionamento da célula nervosa e da célula muscular, células eletricamente excitáveis. Este assunto será abordado com mais pormenor noutras disciplinas.

A membrana citoplasmática é uma estrutura altamente dinâmica. Para além de ser dotada de permeabilidade seletiva, a membrana é responsável pelo tráfego de substâncias entre a célula e o seu meio realizado por vesículas limitadas por uma membrana, as quais serão estudadas mais adiante.

O Citoesqueleto

Antes de estudarmos as especializações que a membrana citoplasmática pode apresentar nos diferentes tipos de células eucarióticas, torna-se necessário estudar a estrutura filamentosa interior da célula, de natureza proteica, que lhe permite movimento e plasticidade.

Existem três tipos de estruturas filamentosas diferentes dos pontos de vista morfológico, bioquímico e funcional: microtúbulos, microfilamentos e filamentos intermédios.

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Microtúbulos

São estruturas tubulares com cerca de 25 nm de diâmetro, constituídos por 13 protofilamentos alinhados longitudinalmente. Estes protofilamentos são polímeros de uma proteína chamada tubulina, que existe sob a forma de heterodímero (Fig. 6).

Fig. 6 – Esquema da organização molecular de um

microtúbulo. De notar que os microtúbulos são

polarizados, pelo que as suas duas extremidades

têm propriedades diferentes. As tubulinas α e β

são proteínas globulares. Azevedo, 1999.

Os microtúbulos podem polimerizar-se e despolimerizar-se, formando-se e desmontando-se rapidamente, contribuindo, desse modo, para o deslocamento de estruturas intracelulares. São também parte importante de outras estruturas especializadas da membrana.

Microfilamentos

São estruturas filamentosas com cerca de 5-7 nm de diâmetro, constituídos pela polimerização de uma proteína globular – a actina G, originando filamentos de actina F (Fig. 7).

Fig. 7 - Esquema da organização molecular de um microfilamento. Duas cadeias de monómeros enroladas helicoidalmente. A actina F é um filamento helicoidal formado por uma cadeia simples de monómeros. Berkaloff et al., 1972.

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A organização espacial dos microfilamentos é muito variável, podendo formar feixes ou redes de malhas mais ou menos apertadas. Podem interatuar com outras estruturas e adquirir diferentes propriedades através de outras proteínas, nomeadamente a miosina. O sistema de microfilamentos é muito dinâmico, estando também envolvido no movimento de estruturas intracelulares. É mais denso junto da membrana, pelo que está associado a algumas diferenciações desta em zonas de contacto intercelular, a movimentos da membrana e à separação das células-filhas após divisão celular.

Filamentos intermédios

Devem o seu nome ao facto de o seu diâmetro ter 10 nm, intermédio entre o dos microtúbulos e o dos microfilamentos. Ao contrário destes, são constituídos por proteínas fibrosas em cujas extremidades se encontram proteínas globulares. Existe grande variabilidade destas proteínas terminais que lhes confere uma elevada especificidade que permite, nomeadamente, identificar tumores através de certas técnicas laboratoriais.

Parecem ser essenciais à estabilidade mecânica das células e também fazem parte de algumas especializações de contacto intercelular. Associam-se a um grande número de proteínas, o que os torna o elemento mais complexo do citoesqueleto, sendo, ainda hoje, alvo de intensa investigação.

Microtúbulos estáveis

Estes encontram-se geralmente associados a formações complexas, sendo as mais típicas os centríolos e o axonema dos cílios e dos flagelos (ver adiante).

Cada centríolo é formado por um conjunto de microtúbulos que constituem a parede de um cilindro de 0,5 µm de comprimento e 0,15 µm de diâmetro. Estes microtúbulos estão associados em tripletos, existindo sempre 9 grupos em cada centríolo. As células animais possuem, pelo menos, dois centríolos que, de uma maneira geral, se situam perto do núcleo e dispostos perpendicularmente um em relação ao outro. Esta estrutura, o diplossoma, corresponde a uma pequena esfera observada desde os primeiros tempos da microscopia e chamada centrossoma (Fig. 8). O centrossoma desempenha uma função importante na divisão celular, como estudaremos mais tarde.

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 12

Fig. 8 – Em cima,

esquema mostrando a

ultraestrutura dos cen-

tríolos. Em baixo, duas

microfotografias: A, dois

centríolos vistos em

corte longitudinal

formando um diplos-

soma (glóbulo branco

de rato; x 60 000); B,

Corte transversal de um

centríolo mostrando os

nove grupos de três

túbulos (célula embrio-

nária de pinto; x 110

000). Berkaloff et al.,

1972.

A B

Especializações da Membrana Citoplasmática

Em muitos tecidos animais, a membrana citoplasmática apresenta zonas especializadas com elevada importância funcional, as quais resultam da existência de proteínas integradas na membrana. Algumas dessas especializações estabelecem contacto entre células e chamam-se, no seu conjunto, junções intercelulares. Outro tipo de especializações aumenta a superfície celular, conferindo às células que as possuem características funcionais particulares. É o caso das microvilosidades, dos cílios, dos flagelos e dos estereocílios.

Junções intercelulares

Nalguns tecidos animais, existem estruturas especializadas entre as células adjacentes: umas impedem a passagem de iões ou moléculas – junções impermeáveis; outras ligam fortemente as células entre si – junções

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de aderência; e ainda outras permitem a comunicação entre as células – junções comunicantes.

As junções impermeáveis designam-se por junções apertadas ou zonulae occludens (na literatura anglo-saxónica podem aparecer designadas por tight junctions). São constituídas por uma rede de pregas formadas por partículas de natureza proteica – proteínas integrais presentes nas membranas de células adjacentes. Existem, por exemplo, no intestino e destinam-se a impedir a passagem do fluido intestinal entre as células.

As junções de aderência são de três tipos: desmossomas circulares ou zonulae adherens, desmossomas pontuais e hemidesmossomas. Os desmossomas circulares situam-se abaixo das junções apertadas. Rodeiam completamente as células como se de um cinto se tratasse. As glicoproteínas transmembranares são moléculas de adesão celular dependentes do ião cálcio (caderinas). A membrana é mais espessa e paralelamente a ela dispõem-se feixes de microfilamentos ligados entre si. Os desmossomas pontuais são constituídos por uma placa densa composta por proteínas intracelulares, associando-se algumas delas a uma rede de filamentos intermédios intracitoplasmáticos de queratina. Na placa inserem-se glicoproteínas transmembranares, formando uma estrutura complexa, mas facilmente reconhecida ao microscópio eletrónico (ver Fig. 9). O papel dos desmossomas é bem evidente numa patologia dermatológica chamada pênfigo, causada pela disfunção destas estruturas existentes entre as células epiteliais. Os hemidesmossomas são morfologicamente semelhantes aos desmossomas, mas diferentes dos pontos de vista químico e funcional. São estruturas características da membrana basal das células epiteliais.

As junções comunicantes, também chamadas junções de hiato ou gap junctions, estão presentes em muitos tecidos e são constituídas por moléculas transmembranares que formam estruturas chamadas conexões, cada uma constituída por seis proteínas idênticas. Estas junções permitem a comunicação entre as células, com passagem de pequenas moléculas e iões, abrindo-se ou fechando-se sob a ação de modificações celulares. A sua permeabilidade é diminuída quando a concentração do ião cálcio aumenta no citoplasma ou o pH intracelular diminui. São da maior importância na contração cardíaca, nos movimentos peristálticos intestinais e na embriogénese.

A figura 9 representa algumas destas junções intercelulares.

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Fig. 9 – Esquema representando três dos principais tipos de junções intercelulares. Ao lado,

fotografias de microscopia eletrónica. Guerner Dias et al., 1999.

Estruturas que aumentam a superfície celular

As microvilosidades são extensões citoplasmáticas presentes na superfície de muitas células animais, particularmente nas que necessitam de uma grande superfície de absorção – células presentes no intestino e no rim, por exemplo. Medem cerca de 1 µm de comprimento e 0,08 µm de espessura, aumentando a área de absorção 20 vezes. O seu interior contém um feixe de 20 a 30 microfilamentos com a extremidade positiva dirigida para cima e entre estes e a membrana citoplasmática encontram-se várias proteínas, algumas das quais pertencentes a filamentos intermédios.

Os cílios são projeções citoplasmáticas móveis, com cerca de 0,25 µm de diâmetro e 5-10 µm de comprimento médio, contendo no seu interior um

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citoesqueleto embebido por uma matriz proteica e rodeado por uma diferenciação da membrana celular. De uma maneira geral, existem em número elevado por célula, variando entre algumas centenas (300 nas células ciliadas) a alguns milhares (nos protozoários). Nos seres vivos unicelulares, a sua função é de locomoção, enquanto, nas células de revestimento, deslocam fluidos na sua superfície. É o que se passa, por exemplo, na nossa árvore respiratória que é limpa pelo movimento incessante dos cílios que empurram as impurezas até à faringe, juntamente com muco, para serem eliminadas. Também o óvulo é arrastado em direção ao útero por um processo semelhante.

Os flagelos das células eucarióticas possuem estrutura semelhante à dos cílios e encontram-se nos protozoários flagelados, nos espermatozoides e em certas células vegetais. A diferença entre os dois tipos de estrutura diz mais respeito ao seu comprimento e ao movimento dele resultante, que nos cílios é geralmente de tipo pendular, enquanto nos flagelos é de tipo ondulante.

O citoesqueleto dos cílios e dos flagelos chama-se axonema e é constituído por microtúbulos e proteínas a estes associadas. Os microtúbulos dispõem-se em círculo de 9 dupletos a rodear 2 microtúbulos centrais simples (9d + 2s). A sua estrutura é extremamente complexa e o número de proteínas envolvidas elevado. Ao m.e., distinguem-se algumas destas proteínas, destacando-se, por exemplo, os braços de dineína que se projetam de um dos microtúbulos do dupleto em direção aos microtúbulos seguintes. É destes braços que depende o movimento destas estruturas, pois permitem o deslizamento dos microtúbulos uns sobre os outros. Entre cada dupleto existem pontes que mantêm a circunferência. Outras proteínas são as projeções radiais, a ponte central e os filamentos radiais periféricos. Muitas outras proteínas não são visíveis ao m.e. Os microtúbulos do axonema inserem-se num aparelho de ancoragem citoplasmático chamado corpo

basal ou cinetossoma – um cilindro oco com 0,2 µm, cuja parede é constituída por 9 tripletos de microtúbulos. O corpo basal também assegura a mobilidade da estrutura, para o que dispõe de atividade enzimática, e fixa o axonema ao citoesqueleto e à membrana celular através de vários apêndices (Fig. 10 e 11).

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Fig. 10 – Esquema muito simplificado da estrutura de um cílio. Berkaloff et al., 1972.

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Fig. 11 – Ultraestrutura dos cílios e dos flagelos. a e b: cílios da brânquia de um molusco – a, corte longitudinal (x 32 000); b, corte transversal (x 48 000); Mp, membrana plasmática, ci, cinetossoma, tc, túbulos centrais, tp, túbulos periféricos. c e d: cortes transversais de cinetossomas e de flagelos de um protozoário (x 100 000). Em d distinguem-se os braços (setas) e as fibrilhas secundárias. Berkaloff et al., 1972.

Existem algumas patologias humanas associadas à imobilidade de cílios e flagelos decorrente de alterações na estrutura do axonema. A síndrome dos cílios imóveis pode dar origem a bronquite crónica e a infeções respiratórias recorrentes, devido à acumulação das secreções brônquicas. A imobilidade do flagelo dos espermatozoides pode causar esterilidade, sendo, neste caso, a imobilidade causada por ausência congénita dos braços de dineína. Por outro lado, as células ciliadas estão sob a ação de fatores como hormonas, temperatura, osmolaridade e pH, o que permite que um epitélio se

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encontre em fase mais ativa ou descilie em presença de substâncias nocivas, como a nicotina.

Os estereocílios são microvilosidades modificadas, mas com um citoesqueleto igualmente constituído por um feixe de microfilamentos. O nome deriva do facto de serem expansões citoplasmáticas com dimensão semelhante à dos cílios mas, por vezes, ramificadas ou anastomosadas. No homem, conhecem-se dois tipos de estereocílios – os do epidídimo e do canal deferente e os do ouvido interno. Os primeiros contribuem para a progressão do esperma para o exterior durante a ejaculação e ajudam a remover os espermatozoides degenerados. Os do ouvido interno fazem parte do órgão de Corti ou papila acústica.

O Núcleo Celular

A maioria das células eucarióticas possui um único núcleo, embora possam existir células binucleadas (como alguns hepatócitos) ou multinucleadas, como as células musculares estriadas. O núcleo é o centro coordenador de toda a atividade celular, devido ao facto de possuir, no seu interior, toda a informação contida no DNA (ácido desoxirribonucleico), ou seja, o seu património genético, ou genoma.

O DNA nuclear, que contém a maior parte da informação genética da célula, nunca abandona o núcleo. No entanto, é ele que comanda a atividade celular, através da síntese de proteínas as quais, por sua vez, irão desempenhar diversas funções na célula. Para que o DNA nunca abandone o núcleo, é necessário criar um molde a partir do qual as proteínas sejam sintetizadas segundo a informação contida naquele. A este processo chama-se transcrição do DNA e dá origem a um molde – o mRNA (ácido ribonucleico mensageiro). Este é sintetizado e processado no núcleo e atravessa o invólucro nuclear para o citoplasma, onde irá dar origem a uma cadeia polipeptídica, num processo chamado tradução. O mecanismo da síntese de proteínas na célula será estudado na Disciplina de Bioquímica.

O núcleo encontra-se rodeado por um invólucro que separa os componentes nucleares dos citoplasmáticos, conferindo individualidade ao núcleo como organelo celular. O invólucro nuclear tem uma estrutura complexa e sofre várias modificações ao longo do ciclo celular, como veremos quando falarmos da divisão celular. Para já, vamos estudar as suas características na célula que não se encontra em divisão – o núcleo

interfásico.

O invólucro nuclear é composto por três elementos estruturais distintos: as membranas, os poros e a lâmina. Duas unidades de membrana

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concêntricas, uma interna e outra externa, delimitam um espaço, a cisterna

perinuclear. A membrana nuclear externa está em continuidade com o retículo endoplasmático (ver Fig. 15), sendo semelhante a este bioquímica e funcionalmente. A membrana nuclear interna tem uma composição química específica quanto a proteínas integrais. As duas membranas estão em continuidade nos locais onde existem poros. A membrana nuclear interna está em contacto estreito com a lâmina nuclear, estrutura semelhante aos filamentos intermédios do citoesqueleto. O transporte núcleo-citoplasmático faz-se através dos poros nucleares, estrutura altamente complexa, composta por cerca de 100 polipeptidos diferentes, e que mantém o microambiente nuclear. A figura 12 representa uma secção do invólucro nuclear e a estrutura de um poro.

No nucleoplasma encontra-se a cromatina (do grego: khroma = cor), uma estrutura fibrosa constituída por DNA associado a proteínas básicas, as histonas, e a proteínas não histónicas. A cromatina encontra-se dispersa irregularmente no núcleo interfásico sob a forma de massas mais ou menos densas. Sabe-se, hoje, que a cromatina está topologicamente compartimentada em domínios estruturais, cada uma das quais irá organizar-se de maneira diferente em cromossomas (ver adiante), quando se dá a divisão celular.

Existem dois tipos de cromatina que se distinguem pelo seu grau de condensação e pela atividade de transcrição do mRNA: a eucromatina e a heterocromatina. A cromatina ativa, ou eucromatina, encontra-se descondensada e corresponde às regiões do DNA que podem ser transcritas. A heterocromatina, mantendo o seu grau de condensação durante todo o ciclo celular, é visível sob a forma de regiões densas ou cromómeros e localiza-se ao longo do interior do invólucro nuclear, enquanto a eucromatina se situa nos bordos dessas regiões (Fig. 13). Também se encontra cromatina a rodear o nucléolo, chamando-se, neste caso, cromatina perinucleolar.

Nas células surge, por vezes, uma pequena massa condensada junto do invólucro nuclear – o corpúsculo de Barr – que é constituído pela heterocromatina inativada do cromossoma X. É a chamada cromatina

sexual.

O Nucléolo

O nucléolo é uma estrutura mais ou menos esférica, com 1 a 3 µm de diâmetro que existe nos núcleos interfásicos e onde se dá a síntese de RNA ribossomal (rRNA) a partir dos cromossomas nucleolares (ver Fig. 28). Apresenta geralmente um aspeto denso (Fig. 13), mas a morfologia, o tamanho, o número e a posição são variáveis e dependem do tipo de célula.

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É quimicamente constituído por rDNA, rRNA e proteínas (nucleolina e fibrilarina). Os cromossomas nucleolares apresentam uma região específica a que foi dado o nome de região do organizador nucleolar (NOR – Nucleolar

Organizer Region), onde se encontram as sequências do rDNA responsáveis pela síntese do rRNA.

É também ao nível do nucléolo que se dá a formação dos pré-ribossomas que atravessam os poros nucleares e que, depois, virão a dar os ribossomas no citoplasma .

Fig. 12 – Esquema muito simplificado da estrutura do invólucro nuclear e do poro nuclear.

Notar que o anel é uma estrutura dupla, existindo entre as duas partes um terceiro anel que

liga as oito espículas que irradiam do canal transportador. De ambos os anéis projetam-se

filamentos citoplasmáticos e nucleoplasmáticos (não representados).1 Angström = 1/10 de

nanómetro (10-10m). Berkaloff et al., 1981.

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Fig. 13 – Microfotografia mostrando um núcleo celular e as suas regiões. Guerner Dias et al.,

1999.

Mitocôndrias

As mitocôndrias (do grego: mitos = filamento + chondros = grânulo) são organelos celulares delimitados por duas membranas, contêm a sua molécula própria de DNA (mtDNA) e é nelas que se dá a respiração celular, ou seja, o processo pelo qual as células obtêm energia. O seu aspeto morfológico é variável, embora facilmente reconhecível ao m.e. devido às cristas da sua membrana interna (Fig. 14). Uma célula humana possui entre 3000 e 5000 mitocôndrias, podendo estas ser vistas ao microscópio ótico, após coloração específica, devido às suas grandes dimensões (1-2 µm de comprimento e 0,5-1 µm de largura).

As membranas interna e externa, assim como os dois compartimentos mitocondriais – espaço intermembranar e matriz mitocondrial (ver Fig. 14), têm composições químicas e funções diferentes. A membrana externa é constituída por cerca de 50% de lípidos e 50% de proteínas e contém canais transmembranares que a tornam bastante permeável à maioria das pequenas moléculas. Deste modo, a membrana interna constitui a verdadeira barreira entre o citoplasma e a matriz mitocondrial. Esta membrana contém a maior percentagem de proteínas de todas as membranas celulares (cerca de 76%),

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sendo a maioria delas responsáveis pela síntese de ATP (trifosfato de adenosina), a molécula rica em energia formada na respiração celular. É a esta sequência de reações que se dão na membrana interna que vulgarmente se chama cadeia respiratória. Esta membrana possui uma série de invaginações para o interior da matriz – as cristas mitocondriais – que aumentam bastante a área da sua superfície (Fig. 14). Por esta razão, nos tecidos com maior necessidade de energia, as mitocôndrias apresentam maior número de cristas.

A B

Fig. 14 – A, esquema tridimensional de uma mitocôndria: 1 – membrana externa; 2 – espaço intermembranar; 3 – membrana interna; 4 – matriz. Azevedo, 1999. B, Microfotografia mostrando a ultraestrutura de uma mitocôndria. Guerner Dias et al., 1999.

A matriz possui a maior parte das proteínas mitocondriais (67%), nomeadamente enzimas de oxidação do piruvato e dos ácidos gordos e as do ciclo de Krebs, mtDNA, RNA, ribossomas e outras enzimas. O espaço intermembranar contém também várias enzimas.

As vias metabólicas que se dão na mitocôndria serão estudadas na Disciplina de Bioquímica.

Como as mitocôndrias possuem uma molécula circular de DNA, responsável pela síntese de algumas proteínas necessárias ao seu funcionamento, ribossomas mais semelhantes aos encontrados nas células procarióticas e são capazes de se dividirem, alguns cientistas consideram que estes organelos terão sido organismos procarióticos que estabeleceram uma relação de simbiose, ou seja, com proveito mútuo, com células pré-existentes, eucarióticas mas anaeróbias, as quais passaram, desse modo, a ser aeróbias. A esta teoria chama-se teoria endossimbiótica.

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Descobriu-se, recentemente, que existe uma associação entre defeitos mitocondriais e algumas doenças humanas que afetam os órgãos com maiores necessidades energéticas, como o cérebro, o coração e os músculos.

Retículo endoplasmático

No citoplasma das células eucarióticas existe uma rede de estruturas membranares, muitas vezes associadas a grânulos, vesículas e vacúolos designada genericamente por retículo endoplasmático (RE). O RE é constituído por cisternas, canais, vesículas e vacúolos, geralmente anastomosados, e liga-se, como já dissemos, ao invólucro nuclear. Ao m.e., o RE apresenta dois aspetos ultraestruturais. Num, as membranas apresentam-se lisas constituindo o RE liso (REL). No outro, as membranas apresentam-se externamente revestidas por partículas densas, pelo que se lhe chamou RE rugoso (RER). Estas partículas foram identificadas como sendo ribossomas (Fig. 15).

A quantidade e o tipo de RE variam com as funções desempenhadas pelas células. Em muitas células, é possível observar um conjunto complexo de cisternas anastomosadas, vacúolos e vesículas em íntimo contacto com o complexo de Golgi (ver adiante). Nalgumas células especializadas, as cisternas do retículo tomam aspetos característicos, como as lamelas aneladas existentes em ovócitos, o retículo sarcoplasmático existente nas células musculares ou os corpos de Nissl existentes nalguns neurónios. O RE está, de uma maneira geral, ligado a vários processos de biossíntese na célula.

Ribossomas

Os ribossomas são unidades ultraestruturais citoplasmáticas da célula onde são sintetizadas as proteínas. Os pormenores deste importante processo serão estudados, como já referimos, na Disciplina de Bioquímica. Cada ribossoma é constituído por 2 subunidades independentes, designadas por pequena subunidade e grande subunidade, que se encontram ligadas entre si e têm coeficientes de sedimentação diferentes. Os ribossomas citoplasmáticos são formados a partir de precursores ribonucleicos que foram, como vimos atrás, sintetizados no nucléolo. Para além de rRNA, os ribossomas também contêm proteínas, sendo, por isso, constituídos por ribonucleoproteína (RNP). Os ribossomas das células eucarióticas medem entre 25 e 30 nm de diâmetro, tendo o conjunto das duas subunidades um coeficiente de sedimentação de 80S. Podem encontrar-se livres no

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citoplasma, ou, como já dissemos, estar aderentes às cisternas do RER (Fig. 16).

Fig. 15 – Esquema mostrando os aspetos do retículo endoplasmático e a sua relação com o

invólucro nuclear. Berkaloff et al., 1972.

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Fig. 16 – Esquema mostrando a ligação entre

um ribossoma e a membrana do retículo

endoplasmático. RER – membrana do retículo

endoplasmático rugoso; Pr – proteína. A linha

tracejada delimita dois domínios – o superior de

tradução e o inferior de secreção. Azevedo,

1999.

Os ribossomas são os responsáveis pela leitura do mRNA (tradução) e pela polimerização dos aminoácidos em cadeias polipeptídicas. Os ribossomas livres podem interligar-se por uma molécula de mRNA, ficando a constituir polirribossomas ou polissomas. Cada polissoma é, assim, constituído por uma organização ultraestrutural em que os ribossomas se associam ao mRNA formando uma espécie de rosário. Quando associados em polissomas, sintetizam proteínas que ficam no citoplasma ou migram para outros locais da célula, nomeadamente o núcleo. Se estão ligados às membranas do RER, sintetizam proteínas que se acumulam nas cisternas deste último, podendo vir a sofrer outras alterações químicas, como veremos.

Voltando ao RE e às suas funções na célula, podemos agora dizer que no RER se dá a síntese de grande parte das proteínas. A composição química do RE pode considerar as suas membranas e o conteúdo das cavidades. Quanto às membranas, a composição proteica e fosfolipídica é semelhante à da membrana celular, encontrando-se, também, proteínas com atividade enzimática. As cavidades do retículo contêm uma mistura de proteínas características de cada tipo celular. Nas membranas do REL ocorre biossíntese de fosfolípidos, colesterol e seus derivados, assim como glicosilação, ou seja, síntese de glicolípidos e glicoproteínas. As cisternas formam um compartimento intracitoplasmático onde várias moléculas e iões podem acumular-se. Além disso, as cavidades comunicam entre si, constituindo uma rede pela qual o seu conteúdo circula.

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A figura 17 mostra três microfotografias com vários aspetos do RE.

A

B

C

Fig. 17 – A, Região citoplasmática de uma célula com numerosas cisternas e vesículas do

REL e algumas mitocôndrias (MI); B, É visível parte do núcleo (Nu) e numerosas vesículas e

vacúolos do RER; C, Pormenor do RER mostrando os ribossomas presos à sua membrana

(setas). Azevedo, 1999.

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Complexo de Golgi

Este organelo deve o seu nome ao cientista que o descobriu, Camilo Golgi, em 1898. De estrutura por vezes complexa, pode ser de fácil identificação ao m.e. quando apresenta a configuração clássica em sáculos ou cisternas membranares justapostas, na extremidade das quais se formam vesículas e a que se chama dictiossoma (Fig. 18).

Fig. 18 – Aspeto ultraestrutural dos dictiossomas – cada dictiossoma comporta cerca de dez sáculos empilhados. Entre o retículo endoplasmático (re) e a face externa dos dictiossomas distinguem-se vesículas de transição (vt). Célula de protozoário (x 20 000). Berkaloff et al., 1978.

As cisternas podem ser lineares ou encurvadas, caso em que se definem duas faces, uma externa, convexa, ou cis e uma interna, côncava, ou trans. A membrana é diferente de cisterna para cisterna e o seu espaço interior também pode variar de espessura.

Os vacúolos, por vezes de grandes dimensões (de 100-600 nm) e de conteúdo denso, situam-se na face trans do dictiossoma. Também designados por vesículas secretoras.

Os elementos do complexo de Golgi possuem uma intensa atividade enzimática relacionada com as suas múltiplas funções. Este organelo armazena proteínas para exportação, é local de glicosilação de proteínas e lípidos, formação de lipoproteínas, sulfatação, processamento proteolítico de proproteínas, biogénese de membranas, tráfego e secreção de certos

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produtos e formação de lisossomas (ver adiante). Como veremos mais à frente, o complexo de Golgi é um organelo que está intimamente relacionado com outros organelos celulares.

Recentemente, foi possível relacionar este organelo com alguns processos patológicos humanos, as chamadas doenças “golgianas”. É o caso da esclerose lateral amiotrófica, na qual se observa fragmentação do complexo de Golgi dos neurónios motores. Também na doença de Alzheimer se demonstrou um envolvimento deste organelo na sua patogénese. Nalgumas doenças autoimunes, como a síndrome de Sjögren e o lupus eritematoso sistémico foram detetados autoanticorpos contra algumas das proteínas do complexo de Golgi. Outras doenças são, por exemplo, a fibrose quística, a doença autossómica dominante poliquística do rim, para citar apenas as mais conhecidas.

Lisossomas

Descobertos na década de 50 do século XX por De Duve e seus colaboradores, os lisossomas são organelos celulares limitados por uma membrana simples e caracterizados, principalmente, pela presença de hidrolases ácidas, cujo pH ótimo se situa entre 3 e 6, tendo por função a digestão intracelular. De acordo com o seu conteúdo, podem classificar-se em lisossomas primários, se contêm apenas enzimas hidrolíticas, e lisossomas secundários, se contêm, também, substâncias em digestão.

Os lisossomas primários são grânulos densos, com diâmetro entre 0,75 e 1 µm, de difícil reconhecimento sem estudos que revelem o seu conteúdo enzimático. Os lisossomas secundários apresentam um conteúdo heterogéneo, devido à sua atividade digestiva. Podem conter estruturas membranares concêntricas ou ter um conteúdo denso, podendo, por vezes, atingir dimensões razoáveis (mais de 10 µm de diâmetro). No entanto, podem ser confundidos com outros organelos, como peroxissomas (ver adiante), ou com estruturas como grânulos de secreção ou vacúolos de fagocitose (ver adiante). O conteúdo enzimático dos lisossomas é variado, possuindo enzimas (mais de 50 já identificadas) que atuam praticamente sobre todos os tipos de compostos químicos.

Os lisossomas secundários dividem-se em autolisossomas e heterolisossomas. Nos primeiros, são digeridos organelos e estruturas da própria célula – autofagia (Fig. 19), enquanto os segundos digerem substâncias provenientes da endocitose (ver adiante), não pertencendo, por isso, à própria célula. Os lisossomas também podem participar na digestão extracelular, como acontece na remodelação dos tecidos ósseo e cartilagíneo.

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Fig. 19 – Esquema da formação dos autolisossomas: o RE envolve as estruturas celulares a eliminar, dando origem a um vacúolo de membrana dupla chamado autofagossoma que é acidificado através do bombeamento de protões para o seu interior. As vesículas golgianas poderão, por outro lado, fundir-se com o autofagossoma provocando a acidificação do seu conteúdo. O autofagossoma funde-se, então, com um lisossoma, sendo a membrana interna digerida juntamente com o conteúdo. Azevedo, 1999.

Os lisossomas podem estar associados a certas patologias chamadas lisossomais. Estas devem-se ou à rotura da membrana lisossomal deixando sair o seu conteúdo, ou a deficiências enzimáticas que impedem a degradação de certas substâncias. A gota e a silicose são exemplos de doenças em que ocorre rotura das membranas dos lisossomas. Outras doenças são do foro genético, como, por exemplo, a doença de Tay-Sachs (Fig. 20) e a glicogenose de tipo II.

Fig. 20 – Lisossomas secundários no

citoplasma de um neurónio de uma criança

com doença de Tay-Sachs. No interior dos

organelos encontra-se um glicolípido cujas

moléculas estão dispostas em membranas

concêntricas. Nos indivíduos que sofrem

desta doença, uma das enzimas lisossomais

necessária à degradação deste glicolípido é

deficiente. (X 17 000). Berkaloff et al., 1978.

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Vesículas e Vacúolos e os Processos de Endocitose e Exocitose

Em 1883, Metchnikoff observou a ingestão de partículas alimentares por algumas células, tendo dado ao processo o nome de fagocitose (do grego: phagein = comer). Em 1931, Lewis descreveu um outro processo que consistia na entrada de gotículas do meio líquido através da vesiculação da membrana, fenómeno a que chamou, por analogia, pinocitose (do grego: pineo = beber). Mais tarde, com o m.e., observou-se a entrada de partículas de dimensões ainda mais reduzidas não visíveis ao microscópio ótico, micropinocitose, tendo-se concluído que a distinção entre os três termos dizia respeito, essencialmente, às dimensões das partículas que entravam na célula pelo processo de formação de vesículas da membrana. Em 1963, De Duve propôs um outro termo para englobar estes processos – endocitose

(do grego: endon = dentro). Com o avançar da investigação, o termo fagocitose passou a ser considerado um caso particular, designando os fenómenos em que partículas de grandes dimensões são englobadas por uma célula e do qual falaremos mais adiante.

Deste modo, chama-se endocitose ao processo de entrada de substâncias na célula através de vesículas que se formam por invaginação, estrangulamento e fusão da membrana celular. A exocitose (do grego: exo = exterior), termo que se deve também a De Duve, é o processo inverso da endocitose e consiste na saída de materiais contidos em vesículas ou vacúolos, através da sua fusão com a membrana celular. A endocitose inclui as vesículas, revestidas ou não de clatrina, os vacúolos de endocitose, os corpos muitivesiculados (endossomas), os lisossomas e, eventualmente, cisternas golgianas, variando com as células e as substâncias endocitadas. O caminho das moléculas sintetizadas pela célula e cujo destino é a exocitose inclui o RE, o complexo de Golgi e as vesículas ou os vacúolos de secreção.

Existem dois tipos principais de endocitose – a inespecífica, em que as partículas a endocitar aderem à membrana através de ligações eletrostáticas, e a específica, isto é, mediada por recetores. A endocitose mediada por recetores envolve, de uma maneira geral, regiões específicas da membrana que apresentam um revestimento de clatrina, dando origem a uma vesícula revestida ou franjada (em inglês, coated vesicle) (Fig. 21 e 22).

O significado da endocitose depende do tipo de célula que estamos a considerar, pelo que iremos falando do processo sempre que necessário, à medida que o nosso estudo for avançando.

Quanto à exocitose, dá-se essencialmente nas células secretoras, isto é, nas que sintetizam produtos para exportar para o exterior. De salientar, no entanto, o importante papel deste processo na renovação e na síntese das membranas.

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Fig. 21 – Esquema da endocitose mediada por recetores. Quando uma determinada substância se liga a recetores específicos da membrana, estes difundem-se até uma depressão da membrana “forrada” de clatrina, formando-se uma vesícula rugosa ou franjada que, posteriormente, se funde com um lisossoma primário. Carneiro, 1987.

Fig. 22 – Sequência de microfotografias mostrando a formação de uma vesícula revestida na

endocitose mediada por recetores. Ross et al., 1995.

Fig. 23 – Esquema que representa o mecanismo de síntese da membrana: as proteínas sintetizadas no RER são glicosiladas no complexo de Golgi e exportadas através de vesículas de exocitose que, ao fundirem-se com a membrana citoplasmática, deixam o seu conteúdo para o lado exterior. Carneiro, 1987.

Todo o processo de transporte de vesículas e vacúolos no citoplasma é garantido pelas proteínas do citoesqueleto (Fig. 24).

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A B C Fig. 24 – A, Endocitose: a vesícula contendo o material endocitado (endossoma) funde-se com um lisossoma primário; B, Exocitose: vesículas contendo produtos sintetizados pela célula ou a eliminar fundem-se com a membrana plasmática libertando o seu conteúdo. Notar a importância do citoesqueleto na movimentação destas estruturas; C, Outra forma de exocitose, chamada budding (do inglês bud = rebento), na qual a vesícula empurra a membrana até a romper, saindo para o exterior (este último processo é frequente na extrusão dos vírus). Carneiro, 1987.

Em resumo, as células podem incorporar substâncias através do processo de endocitose, formando-se, por invaginação e fusão da membrana, um endossoma. Este funde-se, então, com um lisossoma primário, dando origem a um lisossoma secundário. Dependendo do seu conteúdo e do destino a dar-lhe, o lisossoma secundário pode, simplesmente, digeri-lo ou vir a fundir-se com vesículas golgianas para processamento bioquímico, após o que estas poderão ser exocitadas. Também é possível que os endossomas se fundam diretamente com vesículas golgianas. Por outro lado, as substâncias que se destinam a sair da célula estão incluídas em vesículas do complexo de Golgi ou do RE e são encaminhadas pelo citoesqueleto até à membrana citoplasmática com a qual se fundem. Este processo de tráfego intracelular está sob rigoroso controlo através de recetores de membrana, de modificações do ambiente químico da célula e da ação de estímulos nervosos ou hormonais.

Nalgumas células, existem pequenas invaginações cuja membrana não apresenta qualquer revestimento citoplasmático visível. Estas estruturas, chamadas cavéolas, encontram-se geralmente associadas à membrana celular, isoladas ou em grupo. Ainda mal conhecidas, pensa-se que estão relacionadas com o controlo do influxo do ião cálcio nalguns processos de comunicação celular e com a concentração intracelular daquele ião.

Para terminar, apenas uma breve referência ao mecanismo da fagocitose que se encontra representado na figura 25. Este processo é típico de algumas células do sangue que mais tarde estudaremos, constituindo, também, o modo de alimentação de alguns organismos unicelulares.

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Fig. 25 – Mecanismo da fagocitose. Em cima, esquema mostrando a formação de pseudópodes, ou seja, deformações da membrana que englobam totalmente a partícula de alimento, dando origem a um vacúolo digestivo. Em baixo, sequência de microfotografias mostrando etapas da fagocitose de um glóbulo vermelho por um glóbulo branco. Guerner Dias et al., 1999.

Peroxissomas

Mais recentemente, têm sido descritos outros organelos cujo estudo aqui incluímos dado o facto de existirem patologias humanas a eles associadas.

Os peroxissomas foram descritos, pela primeira vez, em 1954, tendo sido De Duve e Baudhin, em 1966, quem propôs esta designação para definir o organelo que continha uma oxidase que formava H2O2 (peróxido de hidrogénio) e catalase que decompunha este composto. Estes organelos existem na maioria das células animais (exceto nos eritrócitos), em células vegetais e mesmo em microrganismos. Têm entre 0,3 e 0,9 µm de diâmetro, são rodeados por uma membrana simples muito permeável a moléculas pequenas e uma matriz mais ou menos homogénea, parecendo ser organelos tubulares e associados ao RE. Para além das acima mencionadas, que os caracterizam, os peroxissomas contêm numerosas enzimas relacionadas com as suas múltiplas funções na célula. Assim, podemos citar, a título de exemplo, β-oxidação dos ácidos gordos, biossíntese de alguns fosfolípidos, colesterol e ácidos biliares, gluconeogénese, catabolismo de purinas e poliaminas e oxidação do etanol. Alguns destes processos serão

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estudados na Disciplina de Bioquímica. As proteínas enzimáticas dos peroxissomas parecem ser sintetizadas nos ribossomas citoplasmáticos e transportadas para o interior do organelo. Pensa-se que estes organelos se dividem dando origem a outros.

Conhecem-se, atualmente, três grupos de doenças associadas aos peroxissomas. As doenças do grupo I incluem aquelas em que há ausência quase total de peroxissomas hepáticos – síndrome cérebro-hepato-renal de Zellweger, adenoleucodiscotrofia neonatal e doença infantil de Refsum. As do grupo II incluem doenças ainda pouco caracterizadas do ponto de vista molecular, mas associadas à ausência destes organelos de alguns hepatócitos ou ao seu aspeto anormal. As doenças do grupo III associam-se a défices das enzimas peroxissomais. Já se conhecem várias, mas citaremos como exemplo a síndrome de feminização testicular.

Proteassomas e ubiquitina

Para terminarmos este subcapítulo, referir-nos-emos aos proteassomas, complexos enzimáticos existentes no citoplasma e que são responsáveis pela eliminação de proteínas cuja conformação tridimensional se apresenta “com defeitos”. Deste processo faz parte uma proteína chamada ubiquitina, a qual, após ligação à proteína defeituosa, a conduz ao proteassoma onde esta é quebrada nos seus aminoácidos constituintes. É hoje sabido que este sistema falha nalgumas doenças, nomeadamente na doença de Parkinson.

O Ciclo Celular – Mitose e Meiose

Muitas células são capazes de dividir-se e dar origem as células-filhas com as mesmas características. Chama-se ciclo celular ao espaço de tempo que decorre entre duas divisões celulares ou mitoses.

O termo mitose (do grego: mitos = filamento) foi utilizado, pela primeira vez por Flemming, em 1882, ao estudar o comportamento dos cromossomas durante a divisão celular. Como já vimos, aqueles são compostos por DNA e histonas, sendo o DNA a molécula responsável por toda a informação genética da célula. O mecanismo de replicação do DNA será estudado na Disciplina de Bioquímica. Falaremos, no entanto, no seu significado fisiológico.

Se, sempre que uma célula se divide, o DNA ficasse reduzido a metade, em poucas divisões esta molécula desapareceria. Deste modo, é necessário duplicá-la para garantir que cada célula-filha irá ficar com uma quantidade igual de DNA. É por essa razão que, quando uma célula está

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prestes a dividir-se, o seu DNA se replica, ficando com uma dose dupla da original, que voltará à quantidade normal após a divisão.

Por outro lado, o número de cromossomas característico de cada espécie existe sempre duplicado nas células somáticas, ou seja, nas que constituem o seu corpo ou soma. É por essa razão que se representa por 2n a quantidade de DNA existente numa célula. Na realidade, só as células sexuais, ou gâmetas, possuem a quantidade mínima de DNA que corresponde ao número n de cromossomas da espécie. O processo de divisão celular que dá origem aos gâmetas reduz, assim, a metade a quantidade de DNA existente na célula, chamando-se, por isso, meiose. Se assim não fosse, ao haver fecundação, o número de cromossomas iria sempre duplicando. Uma célula com n cromossomas diz-se haploide e uma célula com 2n cromossomas diz-se diploide.

Voltemos ao ciclo celular que se encontra representado na figura 26.

Fig. 26 – A, representação esquemática do ciclo celular: B, gráfico com a variação da quantidade de DNA numa célula durante o ciclo celular. Notar que entre a fase S e a M a célula possui 4n cromossomas, ou seja, é tetraploide. Carneiro, 1987.

Como podemos ver, o ciclo celular possui várias fases – mitose, fase G1, fase S, fase G2 e, de novo, mitose. Ao conjunto das fases G1, S e G2 chama-se interfase, falando-se, como vimos atrás, em núcleo interfásico, pois, como iremos ver ao estudar a mitose, é ao nível do núcleo que se dão as principais modificações durante a divisão celular. Durante a interfase, dá-se a replicação do DNA (fase S, de síntese), depois de um intervalo de tempo chamado fase G1 (do inglês: gap, intervalo); é também durante a fase S que se dá a duplicação dos centríolos (ver Fig. 8); após a replicação do DNA, há outro intervalo de tempo, geralmente mais curto, a que se chama fase G2. Durante a fase G1, as células iniciam a sua diferenciação. A fase S

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precede, de uma maneira geral, uma mitose (fase M), pelo que, em células que não se dividem, o DNA não se replica.

A duração do ciclo celular é muito variável, podendo ser muito rápida em células embrionárias, nos tecidos em crescimento e nos que se renovam rapidamente. Noutros, porém, as células só se dividem esporadicamente. Os fatores que regulam o ciclo celular são de grande complexidade e ultrapassam o âmbito do nosso estudo, embora possamos abordar alguns deles ao longo do nosso estudo.

Cromossomas

Antes de estudarmos o que se passa nestes dois tipos de divisão celular, é necessário que analisemos, com algum pormenor, os protagonistas destes processos, ou seja, os cromossomas. Como dissemos atrás, a cromatina, formada por DNA e histonas, aquando da divisão celular, organiza-se em cromossomas. Um cromossoma pode, assim, definir-se como uma porção de cromatina condensada, visível ao microscópio ótico durante a divisão celular sob a forma de filamentos. Como se formam, então, os cromossomas?

No núcleo interfásico, a cromatina é constituída por subunidades em forma de esfera com diâmetro de 10 nm, chamadas nucleossomas, e que se encontram ligadas entre si por DNA de ligação. Os nucleossomas são o primeiro nível de compactação do DNA. O nível seguinte consiste na sua concentração com enrolamento helicoidal, encurtamento e engrossamento das fibras de cromatina. A figura 27 representa esquematicamente o processo de condensação de um cromossoma e as partes que o constituem, ou seja, dois cromatídios, ligados por uma constrição chamada centrómero.

Nos seres vivos com reprodução sexuada existem dois grupos de cromossomas: autossomas e heterocromossomas ou cromossomas

sexuais. Cada espécie possui, como já dissemos, um número característico de cromossomas, sendo esse número, no homem, de 46 ou 23 pares de cromossomas homólogos - 22 pares de autossomas e um par de heterossomas. Cada par é constituído por um cromossoma materno e outro paterno. A organização dos cromossomas em grupos, de acordo com normas internacionais, constitui o cariótipo. Os cromossomas são descritos em função do seu tamanho e da posição do centrómero, sendo o cariótipo organizado segundo estes parâmetros (Fig. 28).

Se a posição do centrómero for mediana, os cromossomas apresentam braços iguais e chamam-se metacêntricos. Quando o centrómero está mais próximo dos extremos [chamados telómeros (ver Fig. 30)], os

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braços são desiguais e os cromossomas chamam-se submetacêntricos e acrocêntricos. O braço menor é designado pela letra p e o braço maior pela letra q. Se o centrómero é terminal, o cromossoma chama-se telocêntrico. Estes últimos não fazem parte do genoma humano normal. Atualmente, os cromossomas são estudados pelo seu bandeamento, isto é, bandas alternadamente claras e escuras que correspondem a uma organização estrutural, molecular e funcional que ultrapassa o nosso estudo.

Fig. 27 – Esquema da formação de um cromossoma a partir de um filamento de cromatina. Em cima à esquerda, microfotografia de um cromossoma. Dias da Silva et al., 2000.

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Fig. 28 – Cariótipo humano. Notar que os cromossomas homólogos podem ser diferentes entre si. No sexo masculino os cromossomas sexuais são o X e o Y, enquanto no feminino são dois cromossomas X. Nos braços curtos dos cromossomas acrocêntricos (13, 14, 15, 21 e 22) encontram-se as NORs (ver p. 19) pelo que estes cromossomas se chamam nucleolares. Dias da Silva et al., 2000.

Mitose

A divisão mitótica compreende 4 fases: profase, metafase, anafase e telofase, representadas na figura 29.

A profase é, de um modo geral, a etapa mais longa da mitose. O núcleo aumenta de tamanho e observa-se a organização da cromatina em filamentos. O(s) nucléolo(s) começa(m) a dissipar-se. Os dois pares de centríolos (que haviam sido duplicados na fase S) começam a deslocar-se para os pólos opostos da célula. Segue-se a desorganização do invólucro nuclear e inicia-se a formação do fuso acromático constituído por microtúbulos. Nos cromossomas já mais curtos e grossos tornam-se visíveis os cinetocoros, estruturas adjacentes ao centrómero e que induzem a polimerização dos microtúbulos (Fig. 30). No final desta fase (prometafase), a ligação entre os cinetocoros e os microtúbulos torna-se estável e os cromossomas migram para a zona equatorial do fuso.

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Profase Metafase

Anafase Telofase

Fig. 29 – Fases da mitose. Microfotografia e representação esquemática. Dias da Silva et al.,

2000.

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Fig. 30 – Desenho esquemático de um cromossoma

metafásico. Com dois cromatídios interligados pelo

centrómero (Cm) com os respetivos cinetocoros (Cc)

onde se ligam os microtúbulos cinetocorianos (MtC)

que vão permitir a deslocação dos cromossomas ao

longo do fuso acromático. Também estão

esquematizados os telómeros e as proteínas

esqueléticas, proteínas não histonas que contribuem

para a estrutura do cromossoma. Azevedo, 1999.

Na metafase (do grego: meta = entre), os cromossomas localizam-se no plano equatorial do fuso por intermédio dos centrómeros, formando a placa equatorial. Os cromatídios tornam-se bem visíveis, apenas ligados na região do centrómero. É nesta fase que, utilizando substâncias que inibem o fuso acromático (colchicina, por exemplo), é possível isolar os cromossomas, manipulá-los e “arrumá-los” para se obter o cariótipo (ver Fig. 28).

Na anafase (do grego: ana = para cima), dá-se a ascensão polar dos cromatídios - o centrómero desorganiza-se e os microtúbulos puxam os cromatídios (anafase A). No plano equatorial do fuso os microtúbulos despolimerizam-se (anafase B).

Na telofase (do grego telos = extremidade), reorganiza-se o invólucro nuclear que rodeia os cromossomas, os quais se descondensam progressivamente. O fuso acromático desaparece e o centrossoma mantém-se na região perinuclear. Nesta fase é de extrema importância o citoesqueleto da célula na repartição dos organelos celulares. Por fim, o citoplasma das células-filhas recém formadas divide-se, processo que tem início na anafase B e termina antes de as células entrarem em interfase. Este processo chama-se citocinese e deve-se a um anel de contração formado por filamentos de actina e miosina.

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Após a telofase, o citoesqueleto das duas células reorganiza-se, permitindo refazer a sua morfologia específica. Quando não ocorre citocinese, a célula pode ficar com dois ou mais núcleos.

Meiose

Como já foi referido, é na formação dos gâmetas que a quantidade de DNA da célula é reduzida a metade, por forma a restaurar o número característico de cromossomas da espécie quando se dá a fecundação. A meiose é, como dissemos, o processo de divisão que se dá nas células germinais, dando origem a quatro células-filhas haploides. Este tipo de divisão celular também contribui para a diversidade genética.

A meiose é o conjunto de duas divisões celulares consecutivas e complementares, com uma única replicação do DNA. A primeira divisão é reducional, por reduzir a metade o número de cromossomas da célula, e a segunda é equacional, por separar cromatídios irmãos das células haploides. A primeira divisão meiótica divide-se em profase I, metafase I, anafase I e telofase I. A segunda divisão meiótica divide-se em profase II, metafase II, anafase II e telofase II. Como na mitose, esta divisão é precedida por uma fase S na qual se dá a replicação do DNA.

Na profase I passam-se os fenómenos já descritos na mitose, mas dão-se outros que a caracterizam. Os cromossomas homólogos emparelham, constituindo o que se designa por bivalente, díada cromossómica ou tétrada cromatídica, dado que cada cromossoma é constituído por dois cromatídios. O processo de emparelhamento designa-se por sinapse e surgem os pontos de quiasma que correspondem a locais onde há cruzamento entre dois cromatídios de cromossomas homólogos e nos quais podem ocorrer trocas de material genético. A este fenómeno chama-se sobrecruzamento ou crossing-over. Esta fase é bastante longa e complexa.

Na metafase I os bivalentes ligam-se aos microtúbulos do fuso acromático. Os pontos de quiasma localizam-se no plano equatorial e os centrómeros voltados para pólos opostos.

Na anafase I os cromossomas homólogos de cada bivalente separam-se – segregação dos homólogos, e ocorre a migração de cada um dos cromossomas, constituídos por dois cromatídios, para pólos opostos. Esta migração é aleatória, podendo ocorrer vários tipos de recombinações de cromossomas paternos e maternos.

Na telofase I os cromossomas de cada conjunto, após atingirem as zonas polares do fuso acromático, tornam-se mais finos e mais longos.

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Reorganizam-se o invólucro nuclear e os nucléolos. Cada núcleo formado tem metade do número de cromossomas do núcleo diploide inicial.

Na profase II os cromossomas constituídos por dois cromatídios tornam-se, de novo, mais curtos e grossos, o invólucro nuclear fragmenta-se e organiza-se o fuso acromático. Na metafase II os cromossomas dispõem-se na zona equatorial do fuso. Na anafase II os centrómeros dividem-se, separando-se, desse modo, os dois cromatídios, migrando estes, de seguida para pólos opostos. A telofase II é idêntica à telofase da mitose. No final desta segunda divisão ocorre a citocinese, formando-se quatro células haploides independentes, cada uma contendo um membro de cada par de cromossomas homólogos. A figura 31 representa as principais fases da

meiose.

Fig. 31 – Fases da meiose. Microfotografia e representação esquemática. Dias da Silva et al.,

2000.

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As quatro células haploides resultantes da meiose, apesar de apresentarem o mesmo número de cromossomas, são diferentes do ponto de vista genético, o que se deveu ao facto de a distribuição dos homólogos na metafase I ser aleatória, originando um número de combinações que depende do número de cromossomas envolvidos. O número de combinações possíveis é de 2n, sendo n o número de pares de cromossomas. No caso do homem, em que n = 23, o número de combinações possíveis é de 8 388 608, o que dá origem a uma grande variabilidade. Esta ainda se torna muito maior devido ao crossing-over. Voltaremos a falar deste assunto no Capítulo sobre Genética Humana.

Diferenciação Celular

Ao estudar o ciclo celular, dissemos que, durante a fase G1, as células podem iniciar a sua diferenciação. Conforme o termo indica, diferenciação é o processo pelo qual as células se especializam estrutural e funcionalmente. Este processo traduz-se, essencialmente, pela síntese de proteínas características, quer com atividade enzimática quer estruturais, o que torna a célula especializada numa dada função.

A síntese proteica é controlada pela informação genética que, em princípio, é a mesma em todas as células. Dos genes que constituem o DNA, nem todos se expressam. Cada gene pode ser ativado ou inibido em determinadas condições. A ativação irá permitir a transcrição de apenas certos genes, com a consequente síntese de apenas determinadas proteínas. A expressão dos genes depende, assim, das relações entre o DNA e o meio celular, onde existem certas moléculas que provocam a repressão de alguns genes, enquanto outras induzem a atividade de outros genes.

É a seleção controlada da expressão dos genes que conduz à diferenciação celular. Em consequência, num mesmo organismo, passam a existir vários tipos de células que, posteriormente, podem vir a organizar-se em tecidos e órgãos. Este será o tema que iremos desenvolver no Capítulo sobre Embriologia. Para já, importa ficar com a ideia de que, ao sofrerem divisões mitóticas sucessivas, haverá partes do genoma que se mantêm ativas e outras partes que vão sendo progressivamente desativadas, à medida que as células se vão especializando. Algumas são de tal modo especializadas que perdem a capacidade de se dividir, como é o caso dos neurónios e das células do músculo esquelético. Outras, porém, conservam a capacidade mitótica durante toda a vida do organismo a que pertencem, dando, no entanto, origem a células sempre iguais a si próprias, ou seja, com o mesmo grau de especialização, como é o caso de certas células da pele, por exemplo. Outras, ainda, mantêm-se capazes de dar origem a vários tipos

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de células, dizendo-se, por isso, multipotentes, como as células da medula óssea que irão diferenciar-se nas diferentes células que constituem o tecido sanguíneo. Por fim, as células que podem vir a diferenciar-se em qualquer tipo de célula, como um ovo, chamam-se totipotentes (do latim: totus = inteiro + potencia = poder).

Os mecanismos que regulam a diferenciação celular são múltiplos e complexos, estando alguns deles ainda em fase de investigação. Na realidade, este é um dos temas mais apaixonantes da Biologia Celular, colocando ao investigador grandes desafios.

Renovação, Regeneração e Cancro

Como vimos, muitas células são capazes de se renovar, permitindo que o organismo se mantenha em bom funcionamento durante um tempo que vai depender não só das suas próprias autolimitações, mas também da forma como nós o tratamos. Para exemplificar, falemos da pele. É, com efeito, um tecido que se encontra em constante renovação, mas é também um tecido que está em constante contacto com as agressões do ambiente. Se tivermos cuidados com a pele, ela não envelhecerá tão rapidamente.

Por outro lado, a capacidade de divisão das células não é ilimitada. Vários estudos laboratoriais levaram à conclusão de que, ao cabo de umas tantas divisões, a célula começa a “envelhecer” e acaba por morrer, perdendo completamente a capacidade de se renovar. Não foi por acaso que falámos em telómeros. Pensa-se que sempre que uma célula se divide, os telómeros dos cromossomas vão diminuindo. Quando ficam muito curtos, os cromossomas perdem a estabilidade e as células não voltam a dividir-se. É por isso que surge o envelhecimento. Fácil será perceber que, quanto mais agredido for um tecido, mais solicitadas são as suas células a dividir-se. Assim, os tecidos poderão envelhecer precocemente se forem “maltratados”.

Alguns dos nossos tecidos são capazes de regeneração, ou seja, o processo que permite substituir partes perdidas. No entanto, outros, devido à baixa ou ausente atividade mitótica das células que os constituem não regeneram, dando origem, em caso de lesão, a “marcas” irreversíveis. É o caso da cicatriz que resulta de lesão do tecido muscular cardíaco quando se dá enfarte do miocárdio. Outro caso grave é o das lesões do tecido nervoso. Na realidade, uma paralisia resulta da destruição de alguns neurónios que já não é possível substituir.

Mas as agressões constantes também podem provocar a “revolta” das células. Com efeito, quando submetida a stresse contínuo, uma célula pode transformar-se e perder o controlo sobre o processo mitótico. Os tumores

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resultam de divisões sucessivas descontroladas. Ao transformar-se, a célula perde a sua especialização e adquire propriedades que anteriormente não possuía. O seu metabolismo (conjunto das reações químicas que se dão na célula) fica alterado, adquirindo aquilo a que se chama malignidade. Algumas células tumorais são capazes de se evadir do local onde tiveram origem e colonizar outras partes do corpo, processo a que se chama metastização. As metástases invadem implacavelmente o organismo, destruindo os tecidos e acabando por matar o indivíduo.

Não esquecer que o stresse a que as células estão submetidas pode ser causado por produtos químicos exógenos (tabaco, álcool e outras drogas), má alimentação ou por substâncias produzidas pelo próprio corpo em resposta aos desequilíbrios. É desse modo que o descontrolo emocional, as preocupações constantes ou a vida pouco saudável que se leva na sociedade moderna podem conduzir a processos cancerosos.

Conceito de Apoptose

O termo apoptose (do grego: apo = fora + ptosis = queda), que significa morte programada da célula, foi criado em 1972, por um conjunto de cientistas que observaram que algumas células pareciam escolher o momento da sua morte e que esse fenómeno se distinguia da morte patológica da célula ou necrose (do grego: nekrosis = morte).

A apoptose é importante no desenvolvimento embrionário e fetal, na atrofia das glândulas que se segue à obstrução dos canais excretores e na morte de células dependente de processos hormonais, como acontece na mama, nas glândulas suprarrenais, na próstata, no endométrio e no ovário, assim como no processo de renovação de alguns tecidos. Observa-se em tumores em crescimento e em regressão e é responsável pela eliminação de células anormais (com erros no DNA ou infetadas por vírus).

A necrose caracteriza-se pela perda da regulação do volume e das funções de síntese da célula, dando-se rotura da membrana. Pelo contrário, a apoptose é um processo ativo e dependente de energia, marcado pela quebra da cromatina e pela formação de projeções em forma de bolha na superfície celular, facilmente identificável ao microscópio. A célula acaba por fragmentar-se e ser fagocitada por células vizinhas (Fig. 32).

As anomalias do processo apoptótico, por excesso ou por defeito, podem estar subjacentes a vários processos patológicos que vão de malformações congénitas a doenças neurodegenerativas, disfunções do sistema imunológico e persistência de células anormais que possam vir a originar tumores.

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O fenómeno da apoptose está difundido por todo o mundo vivo, incluindo animais inferiores e plantas, encontrando-se sob um rigoroso controlo genético.

Fig. 32 – Apoptose em células epiteliais – esquema e microfotografias que identificam o

fenómeno. Ross et al., 1995.

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Capítulo 2 – Embriologia Humana

A embriologia ocupa-se do estudo do desenvolvimento de um organismo desde a fecundação até à sua forma definitiva. Literalmente, o termo embriologia significa o estudo dos embriões, no entanto, refere-se, habitualmente, ao desenvolvimento pré-natal. Este tem várias fases distintas – desde a fecundação até cerca da 8ª semana fala-se em embrião e, a partir deste momento, quando já foi atingida a forma definitiva do novo ser, fala-se em feto. Neste capítulo iremos apenas falar do desenvolvimento do embrião, até ao início da organogénese.

O desenvolvimento embrionário, ou embriogénese, inicia-se logo após a fecundação. A figura 33 representa, esquematicamente, um espermatozoide e um óvulo humanos. Estas células são, como já sabemos, haploides, pois formaram-se por meiose. O óvulo é, na realidade, uma célula chamada oócito II que se encontra em metafase II suspensa.

Fig. 33 – Desenho esquemático dos gâmetas humanos. A. Espermatozoide. O acrossoma é uma estrutura derivada do complexo de Golgi que se forma na zona apical do núcleo e que contém enzimas que desempenham um importante papel na fertilização. Na base do flagelo existem os centríolos e, na peça intermédia, elevado número de mitocôndrias necessárias ao fornecimento de energia para o movimento daquele (x 1250). B. Espermatozoide na mesma escala do óvulo. C. Óvulo (x 200). Moore & Persaud, 2001.

A fecundação ou fertilização consiste numa série de processos e não

num único evento. Tem início com a penetração do espermatozoide na zona pelúcida do oócito II e termina com a cariogamia, ou seja, a fusão dos núcleos materno e paterno formando-se um ovo ou zigoto. Na figura 34, estão esquematicamente representados os passos da fecundação. Este fenómeno libertou o óvulo do seu lento metabolismo e previne a sua desintegração no trato reprodutivo feminino. Ocorre, como se sabe, na trompa de Falópio.

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Fig. 34 – Fases da fecundação. Os 1º e 2º glóbulos polares são células não funcionais resultantes da meiose e que acabarão por desaparecer. Dias da Silva et al., 2000.

A embriogénese tem várias fases de diferente duração – a segmentação, a blastogénese, a gastrulação, a neurulação e a organogénese. Após a blastogénese o embrião é fixado no útero, processo a que se chama implantação ou nidação. A gastrulação corresponde à formação das três camadas germinativas, a neurulação corresponde à formação dos primórdios do sistema nervoso e a organogénese é a diferenciação das camadas ou folhetos germinativos em tecidos e órgãos. Acompanharemos o desenvolvimento do embrião de uma forma cronológica, ou seja, iremos seguindo o que se passa dia a dia após a fecundação.

Segmentação

Logo após a fertilização, o zigoto entra numa fase de intenso metabolismo e inicia vários dias de segmentação, ou seja, sofre mitoses sucessivas. As células resultantes, ou blastómeros, podem ou não ser em número par a partir da primeira segmentação, dado não haver sincronismo nas mitoses.

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Após várias segmentações, os blastómeros são compactados, aderindo firmemente através de junções do tipo apertadas ou de hiato, que estudámos anteriormente. Forma-se uma estrutura chamada mórula, por fazer lembrar uma amora. Cerca de 4 dias após a fecundação, começa a formar-se um espaço cheio de líquido dentro do embrião – o blastocélio, e o embrião toma o nome de blastocisto que pode também ser designado por blástula (Fig. 35).

Fig. 35 – Segmentação do ovo, formação da mórula e da blástula. A esta fase também se chama blastogénese. Moore & Persaud, 2001.

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Desde a ovulação até à entrada na cavidade uterina, a zona pelúcida é mantida. Das várias funções que esta estrutura desempenha no embrião, destaca-se, nesta fase, a de prevenir a implantação precoce do embrião e que pode levar a uma gravidez ectópica (ver adiante). Antes de chegar à cavidade uterina, o embrião perde a zona pelúcida e desenvolve uma camada de células, chamada trofoblasto (do grego: trophe = alimento + blastos = germe). É através do trofoblasto que o embrião irá receber o alimento materno, daí o seu nome. Um grupo de blastómeros localizados na zona central, a massa celular interna, irá dar origem ao embrião propriamente dito, chamando-se também, por essa razão, embrioblasto. A figura 36 representa, esquematicamente, os primeiros dias do desenvolvimento do embrião.

Fig. 36 – Primeiras fases do desenvolvimento embrionário, da fecundação à implantação. Carlson, 1994.

Implantação

Cerca de 6 dias após a fecundação, a blástula liga-se ao endométrio pelo pólo embrionário, e o trofoblasto inicia rápida proliferação e diferencia-se em duas camadas – uma interior, ou citotrofoblasto (trofoblasto celular), e uma exterior, ou sinciciotrofoblasto, que consiste numa massa multinucleada que adquire processos que penetram no endométrio, fixando,

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desse modo, o embrião. As células do sinciciotrofoblasto produzem enzimas proteolíticas que facilitam a invasão do endométrio (Fig. 37). O sinciciotrofoblasto começa a produzir uma hormona chamada gonadotrofina coriónica humana (hCG) que entra no sangue materno das lacunas (ver Fig. 38-C). No final da segunda semana, a presença desta hormona na urina permite, através da realização de testes, detetar a gravidez.

Fig. 37 – Modificações embrionárias que ocorrem durante a implantação. As células do trofoblasto celular (citotrofoblasto) fundem-se e formam o sinciciotrofoblasto multinucleado. Notar a formação de novas estruturas, como o hipoblasto. Moore & Persaud, 2001.

À medida que a implantação progride, surge uma pequena cavidade na massa celular interna que dará a cavidade amniótica rodeada por uma camada de células chamada âmnio. Simultaneamente, o embrioblasto sofre modificações morfológicas que dão origem a uma placa bilaminar de células, o disco embrionário, que consiste em duas camadas – o epiblasto e o hipoblasto ou endoderme primária. Esta última estrutura forma a zona limitante superior da cavidade exocelómica e é contínua com a membrana exocelómica. Estas duas estruturas virão a formar o saco vitelino primário (Fig. 38-C). É através do sangue materno que flúi pelas lacunas que surgem no sinciciotrofoblasto que o embrião recebe oxigénio e nutrientes por difusão. As glândulas uterinas segregam hormonas – estrogénios e progesterona – que mantêm a gravidez.

Aos 10 dias após a fecundação, o blastocisto encontra-se completamente implantado e, aos 12 dias, a zona de implantação encontra-se totalmente coberta pelo epitélio uterino. Entretanto, a mesoderme extraembrionária (ver Fig. 38-C) aumenta e surgem espaços que em breve se juntam para dar o celoma extraembrionário que rodeia o âmnio e o saco

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vitelino primário. Este vai diminuindo de tamanho para dar origem ao saco vitelino secundário (definitivo). O celoma extraembrionário divide a mesoderme extraembrionária em duas camadas – a mesoderme extraembrionária somática, que cobre o âmnio, e a mesoderme extraembrionária esplâncnica, que rodeia o saco vitelino. A mesoderme extraembrionária somática e as duas camadas do trofoblasto constituem o córion (Fig. 39-A).

Fig. 38 – Desenho esquemático do processo de implantação. A. Secção do blastocisto parcialmente implantado no endométrio (cerca dos 8 dias); notar a formação da cavidade amniótica. B. Representação esquemática sem o endométrio, mostrando uma fase mais adiantada; notar a cavidade amniótica já bastante maior. C. Notar as lacunas de sangue materno aparecendo no sinciciotrofoblasto e o saco vitelino primário formado pela membrana exocelómica e pela cavidade exocelómica, e o “defeito” no epitélio do endométrio. O disco embrionário mantém as duas camadas de células. Moore & Persaud, 2001.

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Fig. 39 – Embrião implantado. A. Notar que o “defeito” no epitélio do endométrio desapareceu (ver Fig. 38-C). B. Formou-se um pequeno saco vitelino secundário e o saco vitelino primário acabará por desaparecer. Em C, pormenor da região da placa precordal. Moore & Persaud, 2001.

O córion forma a parede do saco coriónico, dentro do qual o embrião e os seus sacos amniótico e vitelino estão suspensos pelo pedúnculo do embrião. No final da segunda semana aparecem as vilosidades coriónicas primárias que virão a dar as vilosidades coriónicas da placenta (Fig. 39-B). O embrião de 14 dias ainda tem a forma de disco bilaminar, mas algumas células do hipoblasto são agora colunares e formam uma zona espessada e circular chamada placa precordal (Fig. 39-B e C) que indica o local da futura boca, sendo a região organizadora da cabeça.

A figura 40 resume os passos da implantação do embrião.

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Fig. 40 – Desenho esquemático de secções de blastocistos humanos durante a segunda semana, ilustrando a rápida expansão do trofoblasto. Os desenhos indicados com uma seta mostram as dimensões reais do blastocisto. Moore & Persaud, 2001.

Gastrulação – Formação das Camadas Germinativas

A terceira semana do desenvolvimento embrionário caracteriza-se pelo aparecimento da linha primitiva, pelo desenvolvimento do notocórdio, pela diferenciação das três camadas germinativas, a partir das quais se desenvolverão todos os tecidos e órgãos, e pela neurulação, ou formação dos primórdios do sistema nervoso.

A gastrulação é o processo pelo qual o disco embrionário bilaminar se converte num embrião trilaminar e representa o início da morfogénese (desenvolvimento da forma do corpo). Começa com a formação da linha primitiva na superfície do epiblasto que evoluiu distinguindo-se, pouco depois, o nódulo primitivo e o sulco primitivo. A invaginação das células epiblásticas a partir da linha primitiva dá origem a células mesenquimatosas que migram em todas as direções entre o epiblasto e o hipoblasto. Logo que a linha primitiva começa a produzir células mesenquimatosas, o epiblasto

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passa a formar a ectoderme embrionária. Algumas células do epiblasto deslocam o hipoblasto e formam a endoderme embrionária. As células mesenquimatosas produzidas pela linha primitiva organizam-se numa terceira camada germinativa, a mesoderme intraembrionária, que cobre o âmnio e o saco vitelino (Fig. 41 -A a E).

Fig. 41 – Esquema representativo do início da gastrulação. As setas indicam a invaginação e a migração das células mesenquimatosas a partir da linha primitiva entre a ectoderme e a endoderme. O mesênquima, ou mesoblasto, é o tecido conjuntivo embrionário que irá dar origem ao terceiro folheto germinativo. Notar o início da formação do notocórdio (E e G). A placa precordal indica a região da cabeça. Os níveis das secções estão indicados em C, E e G. Moore & Persaud, 2001.

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Formação do notocórdio

A corda dorsal, também chamada notocorda ou notocórdio forma-se a partir das células mesenquimatosas do nódulo primitivo que dão origem ao processo do notocórdio entre a ectoderme e a endoderme embrionárias. A depressão primitiva estende-se para dentro do processo e forma o canal do notocórdio. Quando está completamente formado, o processo do notocórdio estende-se desde o nódulo primitivo até à placa precordal (Fig. 41 – E e G). Esta dobra-se para formar o notocórdio, o eixo primordial do embrião em torno do qual se formará o esqueleto axial. Entretanto, cerca do 16º dia, aparece um divertículo da parede do saco vitelino que se estende em direção ao pedúnculo do embrião (Fig. 42). Esta estrutura, chamada alantoideia, ou alantoide, não é das mais importantes no embrião humano, mas desempenha algumas funções (ver adiante).

Fig. 42 – Esquema representativo da formação da alantoideia (A). Em B representação da

secção mostrando o início da formação do processo do notocórdio. Moore & Persaud, 2001.

O processo do notocórdio para a sua progressão, pois a placa precordal está firmemente ligada à ectoderme sobrejacente, formando a membrana orofaríngea localizada no local da futura cavidade oral. Na extremidade caudal da linha primitiva existe a membrana cloacal que indica o local do futuro ânus. O notocórdio em desenvolvimento induz o espessamento da ectoderme embrionária formando a placa neural (Fig. 43-A). Aparece um sulco neural na placa que é ladeado por pregas (Fig. 43-B, D e E).

Mais tarde, o notocórdio irá desaparecer, dando origem ao centro gelatinoso dos discos intervertebrais – o núcleo polposo.

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Fig. 43 – Esquema representativo da formação do notocórdio e da placa neural, início da neurulação. Notar o espessamento da mesoderme junto do notocórdio (mesoderme paraxial) que irá dar origem aos somitos. Moore & Persaud, 2001.

Neurulação – Formação do tubo neural

As pregas neurais fundem-se e formam o tubo neural, o primórdio do sistema nervoso central (ver Fig. 45). Este processo é bastante complexo, mas vamos descrevê-lo em termos simples. À medida que as dobras se fundem, algumas células da ectoderme neural migram dorso-lateralmente e formam a crista neural entre a ectoderme superficial e o tubo neural (Fig. 44). A crista neural divide-se em duas massas celulares que dão origem aos gânglios sensoriais dos nervos cranianos e espinhais. Outras células da crista neural migram do tubo neural, dispersando-se pelo mesênquima, e darão origem a várias outras estruturas, como componentes do sistema nervoso central (meninges), células pigmentares, células da medula das suprarrenais e várias componentes do osso e dos músculos da cabeça).

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Fig. 44 – Diagrama representativo da formação do sulco neural, do tubo neural e da crista

neural. Moore & Parsaud, 2001.

Desenvolvimento dos somitos

A mesoderme de cada lado do notocórdio fica espessada e forma colunas de mesoderme paraxial (ver Fig. 43-E). A divisão destas colunas forma pares de somitos, que são agregados de células mesenquimatosas a partir das quais as células migram para dar origem às vértebras, às costelas e à musculatura axial. O número de somitos na 3ª semana indica a idade do embrião. Pelo final da 5ª semana, estão presentes 42-44 somitos que virão a dar os ossos do crânio e da coluna vertebral, as costelas e o esterno, assim como a musculatura e a derme a eles associadas (ver adiante).

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Formação do Celoma Intraembrionário

A cavidade do corpo ou celoma forma-se a partir de espaços vazios na mesoderme lateral e na mesoderme cardiogénica. A zona cardiogénica (que irá dar o primórdio do coração) formou-se a partir de células da linha primitiva que migraram para cada um dos lados do processo do notocórdio e em torno da placa precordal. Aqueles espaços vazios ou vesículas coalescem e formam uma cavidade que, mais tarde, irá dar origem às cavidades do corpo (pericárdica, pleural e peritoneal). O celoma intraembrionário divide a mesoderme lateral em duas camadas: a camada parietal ou somática, contínua com a mesoderme extraembrionária e cobrindo o âmnio – somatopleura, e a camada visceral ou esplâncnica, contínua com a mesoderme extraembrionária cobrindo o saco vitelino – esplancnopleura (Fig. 45).

Formação de Vasos Sanguíneos e Sangue

No início da 3ª semana dá-se a angiogénese (do grego: angeion = vaso + genesis = formação), ou seja, a formação dos vasos sanguíneos. Estes começam a surgir na parede do saco vitelino, da alantoideia (ver Fig. 42) e do córion. Estes vasos primordiais unem-se com outros vasos para dar o sistema cardiovascular primordial. O coração e os vasos de maior calibre formam-se a partir de células mesenquimatosas na zona cardiogénica. Primeiro forma-se um coração tubular que, no final da 3ª semana, começa a ter batimentos regulares (Fig. 46).

Formação das Vilosidades Coriónicas

Pouco depois de as vilosidades coriónicas primárias surgirem no final da 2ª semana, começam a ramificar-se. No início da 3ª semana, o mesênquima cresce para dentro das vilosidades, dando origem às vilosidades coriónicas secundárias. Antes do final da 3ª semana, desenvolvem-se capilares a partir de algumas células mesenquimatosas, surgindo as vilosidades coriónicas terciárias. Simultaneamente, células do citotrofoblasto proliferam, estendem-se para o sinciciotrofoblasto formando a concha citotrofoblástica que rodeia o saco coriónico, fixando-o ao endométrio. Estas estruturas irão dar origem à placenta (ver adiante).

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Fig. 45 – Esquema representando embriões com 19 a 21 dias ilustrando o desenvolvimento do tubo neural, dos somitos e do celoma intraembrionário. A, C e E, perspetivas dorsais do embrião exposto por remoção do âmnio. B, D e F, secções transversais através do disco embrionário nos níveis indicados. A, embrião com cerca de 18 dias ainda sem somitos. C, embrião com cerca de 20 dias, mostrando o primeiro par de somitos. E, embrião com 3 pares de somitos, mostrando o celoma intraembrionário em forma de ferradura. Notar a diferenciação dos dois folhetos celómicos (somatopleura e esplancnopleura) em D e F. Moore & Persaud, 2001.

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Fig. 46 – Diagrama do sistema cardiovascular primordial num embrião humano com cerca de 21 dias. A veia umbilical traz sangue oxigenado do córion. Os vasos do saco vitelino formam um plexo vascular que se liga ao primórdio do coração por veias vitelinas. As veias cardinais trazem o sangue do corpo do embrião. A veia umbilical leva sangue oxigenado e com nutrientes a partir do córion. As artérias transportam sangue pouco oxigenado e produtos de eliminação para as vilosidades coriónicas, a fim de ser transferido para o sangue materno. Moore & Persaud, 2001.

Membranas Extraembrionárias

Os tecidos que formam a interface mãe/feto – placenta e córion – são derivados do trofoblasto. Outros tecidos extraembrionários derivam da massa celular interna e são: o âmnio (derivado ectodérmico) que forma uma cápsula cheia de líquido protetor em torno do embrião; o saco vitelino (derivado endodérmico) que, nos mamíferos, não tem função nutritiva primária; a alantoideia ou alantoide (derivado endodérmico) que está associada à remoção de resíduos embrionários; e a mesoderme extraembrionária que forma o pedúnculo embrionário, o tecido conjuntivo das membranas extraembrionárias e os vasos sanguíneos que as alimentam.

Vejamos, agora, qual o significado de cada um destes anexos embrionários ao longo do desenvolvimento.

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Âmnio e líquido amniótico

O âmnio forma um saco amniótico cheio de líquido que rodeia o embrião e o feto. Devido ao facto de o âmnio estar ligado às margens do disco embrionário, a sua junção com o embrião (futuro umbigo) localiza-se na face ventral. À medida que aumenta de tamanho, o âmnio oblitera a cavidade coriónica e forma a cobertura do cordão umbilical.

O líquido amniótico desempenha um importante papel no crescimento e no desenvolvimento fetais. Grande parte deste líquido deriva do líquido intersticial materno que se difunde através da membrana amniocoriónica, estabelecendo uma circulação contínua e sendo deglutido pelo feto. As principais funções do líquido amniótico são: permitir o crescimento simétrico do embrião e do feto; ser uma barreira à infeção; permitir o desenvolvimento pulmonar normal; atenuar eventuais impactos recebidos pela mãe; controlar a temperatura do corpo do embrião e do feto; permitir a movimentação do feto.

Cerca de 99% do líquido amniótico são compostos por água, mas também contém sais e compostos como glícidos, lípidos, enzimas, hormonas e pigmentos e células de descamação do feto. É por esta razão que é possível fazer diagnóstico pré-natal através da análise do líquido amniótico. Com efeito, o processo de obtenção deste líquido, chamado amniocentese, permite realizar o cariótipo do feto a partir das suas células de descamação e uma análise química ao líquido. Por exemplo, a presença de elevada quantidade de alfa-fetoproteínas (AFP) indica geralmente a presença de defeitos do tubo neural, enquanto baixos níveis podem indicar anomalias cromossómicas como a trissomia 21.

O saco vitelino

Pelas 10 semanas do desenvolvimento embrionário, o saco vitelino encontra-se atrofiado, formando uma estrutura com cerca de 5 mm de diâmetro. Embora, como já dissemos, a sua função de nutrição não seja importante nos mamíferos, a sua presença é fundamental porque: durante a 2ª e a 3ª semanas transfere nutrientes para o embrião; os vasos sanguíneos iniciam nele o seu desenvolvimento; durante a 4ª semana a sua endoderme é incorporada no intestino primitivo do embrião, vindo, mais tarde, a diferenciar-se no epitélio da traqueia, dos brônquios, dos pulmões e do trato digestivo; algumas células germinais virão a diferenciar-se nas células germinais das glândulas sexuais em desenvolvimento.

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A alantoideia

Embora, como já foi referido, não seja fundamental no embrião humano, é importante porque: também é nela que tem início a angiogénese; os seus vasos persistem no cordão umbilical; a porção intraembrionária da alantoideia liga o umbigo à bexiga urinária, formando um tubo – o úraco ou ligamento umbilical médio.

A placenta

É o órgão de nutrição e trocas gasosas entre a mãe e o feto. As suas principais funções são: proteção, nutrição, respiração, excreção e produção de hormonas. A placenta forma-se a partir da decídua (do latim: deciduus = que vai cair), parte do endométrio que irá separar-se do útero durante o parto. Quando se dá a implantação, o tecido conjuntivo do endométrio sofre uma transformação chamada reação decidual – as células aumentam de volume por acumulação de glicogénio e lípidos (células deciduais), por ação da progesterona. Muitas destas células degeneram junto do saco coriónico na região do sinciciotrofoblasto e, juntamente com o sangue materno e as secreções uterinas, constituem uma importante fonte de nutrição para o embrião. A presença destas células é importante para a deteção ecográfica precoce da gravidez. As vilosidades coriónicas que cobrem o saco coriónico vão sofrendo transformações e as que estão associadas a uma das camadas da decídua aumentam em número, ramificam-se profusamente e dão origem à placenta que irá aumentar de espessura até cerca das 20 semanas de gestação.

A figura 47 representa a evolução das membranas extraembrionárias de que acabámos de falar.

Derivados das Camadas Germinativas

Entre a 4ª e a 8ª semana de desenvolvimento dá-se o período de organogénese, durante o qual o embrião sofre modificações profundas, iniciando-se a diferenciação dos órgãos. De seguida, estudaremos o destino de cada um dos três folhetos embrionários – ectoderme, mesoderme e endoderme, cuja formação seguimos com algum pormenor.

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Fig. 47 – Esquema representando as várias membranas extraembrionárias até aos 2 meses

de gravidez. Notar que o tamanho do feto aos 2 meses não é o representado. Carlson, 1994.

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As três camadas germinativas formadas durante a gastrulação dão origem aos primórdios de todos os tecidos e órgãos. A sua especificidade, contudo, não é rígida. As células de cada camada dividem-se, migram, agregam-se e diferenciam-se em padrões precisos, à medida que formam os vários sistemas de órgãos (organogénese). Os principais derivados dos folhetos germinativos estão indicados no Quadro seguinte:

ESTRUTURA EMBRIONÁRIA PRECURSORA

ESTRUTURA DO ADULTO

Ectoderme

Epiderme, glândulas da pele, pelos e unhas, epitélio nasal, epitélio oral e esmalte dos dentes, adeno-hipófise, cristalino, córnea, ouvido interno

Tubo neural

Encéfalo: neuro-hipófise, nervos motores cranianos, epífise, nervo ótico e retina Medula espinhal: nervos motores espinhais

Crista neural

Gânglios sensoriais, gânglios parassimpáticos, células da glia e de Schwann, meninges, corpo carotídeo e células parafoliculares, ossos da face e do crânio, cartilagens, tecido conjuntivo e músculos menores da faringe, melanócitos, medula adrenal

Mesoderme Paraxial (somitos) Tecido conjuntivo da pele, músculos esqueléticos, esqueleto axial

Intermédia Rins, estruturas genitais, canais renais e genitais

Lateral somática Tecido conjuntivo da parede ventral, peritoneu parietal, vasos sanguíneos, membros

Lateral esplâncnica Córtex adrenal, peritoneu visceral, coração, vasos sanguíneos

Endoderme (intestino primitivo)

Tubo digestivo, epitélio respiratório, glândulas digestivas, glândulas faríngeas, trompa de Eustáquio e revestimento do ouvido médio, bexiga urinária

Destino dos somitos

Como vimos, a mesoderme paraxial de cada lado do notocórdio dá origem aos somitos, também chamados segmentos primitivos ou metâmeros, pelo que o processo também pode chamar-se metamerização. Podemos definir metamerização como a repetição dos mesmos elementos do organismo ao longo do seu eixo ântero-posterior. Os vertebrados apresentam uma metamerização nítida durante o desenvolvimento embrionário, mas está praticamente limitada a partes dos sistemas nervoso, muscular e esquelético, não aparecendo na epiderme.

A parte média ventral de cada somito é o esclerótomo, formado por células que irão dar origem às vértebras e às costelas. A parte dorsolateral é

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o dermomiótomo; as células da região do miótomo dão origem aos mioblastos (células musculares primordiais), que se diferenciarão na musculatura do tronco e de parte dos membros, e as do dermátomo irão dar origem à derme (Fig. 48).

Fig. 48 – A. Secção transversal de um embrião com cerca de 24 dias, mostrando a formação de pregas no plano horizontal (setas). A região do dermomiótomo do somito dá origem ao miótomo e ao dermátomo. B. Secção transversal de um embrião com cerca de 26 dias, mostrando as regiões do somito: dermátomo, miótomo e esclerótomo. Moore & Persaud, 2001.

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Situações Patológicas Associadas à Embriogénese

Grande número das anomalias congénitas são causadas por defeitos genéticos, quer herdados quer causados por fatores do ambiente. Dos defeitos genéticos falar-se-á no capítulo sobre Genética Humana. Neste Capítulo, vamos falar dos problemas que poderão surgir nos primeiros tempos do desenvolvimento embrionário.

Placenta prévia

Se o blastocisto se implanta no segmento inferior do útero, a placenta cobre parcial ou totalmente o orifício uterino interno, podendo causar hemorragias devido à separação prematura da placenta durante a gravidez.

Gravidez ectópica

Quando o blastocisto se implanta fora do útero fala-se em gravidez ectópica. De uma maneira geral, as implantações ectópicas ocorrem na trompa (gravidez tubária). Outras localizações são mais raras, mas podem ocorrer no abdómen ou no ovário (Fig. 49).

Teratoma sacrococcígeo

Quando persistem vestígios da linha primitiva, aqueles dão origem a grandes tumores chamados teratomas sacrococcígeos. Por derivarem de células multipotentes contêm elementos das três camadas germinativas em fases de diferenciação incompleta. São os tumores mais frequentes nos recém-nascidos. Podem ser excisados cirurgicamente e o prognóstico é favorável.

Persistência do canal neurentérico

A parte proximal do canal do notocórdio, também designada por canal neurentérico, pode persistir anormalmente e dar origem a uma anomalia congénita rara em que o canal da medula espinhal se liga ao lume do intestino.

Vestígios do tecido do notocórdio

Embora raros, podem surgir tumores, tanto benignos como malignos, do tecido do notocórdio, chamando-se, por isso, cordomas. Aparecem, de uma maneira geral, na base do crânio e estendem-se até à nasofaringe.

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Fig. 58 – Esquema ilustrando vários locais de implantação do blastocisto. O local habitual está indicado por um X e é a parede posterior do útero. A ordem de frequência das implantações ectópicas está indicada por ordem alfabética – A, a mais frequente; H, a menos frequente. A a F, gravidezes tubárias. G, gravidez abdominal; H, gravidez ovárica. Moore & Persaud, 2001.

Quistos alantoides

São vestígios da porção extraembrionária da alantoideia e encontram-se, geralmente, entre os vasos umbilicais do feto. Geralmente desaparecem, mas podem associar-se a onfalocele ou hérnia umbilical.

Defeitos do tubo neural

A neurulação anormal pode dar origem a vários defeitos do tubo neural que constituem uma das mais frequentes anomalias congénitas. A meroanencefalia ou anencefalia – ausência parcial do encéfalo – é o mais grave e também o mais frequente, resultante, provavelmente, do

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impedimento da fusão das pregas neurais por ações de certas drogas teratogénicas (ver adiante).

Perturbações do volume do líquido amniótico

O baixo volume de líquido amniótico – oligo-hidrâmnio – que resulta, na maioria dos casos, de insuficiência placentar, pode levar a rotura precoce da membrana amniocoriónica. Outras complicações são anomalias fetais como hipoplasia pulmonar, defeitos faciais e dos membros, causadas pela compressão do feto pela parede uterina. Também pode ocorrer compressão do cordão umbilical.

O excesso de volume do líquido amniótico – hidrâmnio – pode resultar do facto de o feto não engolir o líquido por causas nem sempre bem esclarecidas, mas que podem ser inerentes à mãe ou ao próprio feto, como é o caso da presença de atresia esofágica (bloqueio).

Agentes teratogénicos

O termo teratogénese (do grego: teratos = monstro) constitui a divisão da embriologia e da patologia que trata do desenvolvimento anormal (anomalias, defeitos e malformações congénitas, ou seja, presentes no nascimento). Para além das anomalias genéticas, alguns agentes ambientais podem provocar este tipo de problemas. Os mais importantes são microrganismos infeciosos e vários tipos de drogas. Os quadros abaixo indicam, precisamente, alguns desses agentes. A lista não é de forma nenhuma exaustiva, indicando-se apenas os mais importantes e os mais frequentes.

AGENTES INFECIOSOS QUE PODEM CAUSAR DEFEITOS CONGÉNITOS

Agente infecioso Defeitos congénitos Vírus da rubéola Cataratas, surdez, defeitos cardiovasculares, atraso do

crescimento fetal Citomegalovírus

(CMV) Microcefalia, microftalmia, calcificação cerebral, atraso do crescimento intrauterino

Treponema pallidum (bactéria causadora da sífilis)

Anomalias dentárias, surdez, atraso mental, lesões cutâneas e ósseas, meningite

Toxoplasma gondii (protozoário causador da

toxoplasmose)

Microcefalia, hidrocefalia, calcificação cerebral, microftalmia, atraso mental, prematuridade

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TERATOGÉNIOS QUÍMICOS

Agente químico Defeitos congénitos/problemas do feto Ácido retinóico (vit. A) Alterações na expressão génica (morfogénese)

Ácido valpróico (antiepilético) Defeitos do tubo neural Álcool Atraso mental e do crescimento, microcefalia, várias malformações

da face e do tronco Androgénios e doses elevadas

de progestagénios Masculinização de fetos do sexo feminino, desenvolvimento genital acelerado nos fetos do sexo masculino

Anticoagulantes (warfarina, dicumarol)

Anomalias do esqueleto: mãos largas com dedos curtos; hipoplasia nasal; anomalias do olho, do pescoço e do sistema nervoso central

Agentes de quimioterapia (metotrexato, aminopterina)

Várias anomalias graves em todo o corpo

Dietilstilbestrol (medicamento com atividade estrogénica)

Anomalias cervicais e uterinas

Estreptomicina (antibiótico) Perda de audição, lesão do nervo auditivo Fármacos p/tiroide

(propiltiouracilo, iodo) Bócio fetal; hipotiroidismo

Fenitoína (antiepilético) Atraso mental, crescimento deficiente, microcefalia, face dismórfica, hipoplasia dos dedos das mãos e das unhas

Inibidores da enzima de conversão da angiotensina

Oligo-hidrâmnio, morte fetal, atraso do crescimento intrauterino; disfunção renal (no final da gravidez)

Isotretinoína (der.ac.retinóico; antiacneico sistémico)

Defeitos craniofaciais, fenda palatina, deformações dos ouvidos e dos olhos, defeitos do tubo neural

Lítio (antipsicótico) Anomalias cardíacas Mercúrio orgânico Atraso mental, atrofia cerebral, espasticidade, cegueira

Parametadiona (anticonvulsivante)

Fenda palatina/lábio leporino, microcefalia, defeitos oculares, defeitos cardíacos, atraso mental

Tetraciclina (antibiótico) Hipoplasia e manchas no esmalte dos dentes, manchas ósseas Talidomida (tranquilizante) Defeitos nos membros, defeitos auditivos, anomalias

cardiovasculares Trimetadiona

(anticonvulsivante) Fenda palatina/lábio leporino, microcefalia, defeitos oculares, defeitos cardíacos, atraso mental

Células estaminais e clonagem

Uma célula estaminal (do inglês stem – origem) é uma célula indiferenciada que poderá vir a diferenciar-se em vários tipos de células. O ovo e as primeiras células embrionárias são totipotentes porque têm a capacidade de dar origem a um embrião completo. Na fase de blastocisto as células consideram-se pluripotentes, pois poderão diferenciar-se em qualquer tipo de célula.

As células estaminais têm sido, ao longo das últimas décadas, utilizadas em processos terapêuticos experimentais de situações clínicas que afetam, principalmente, o tecido nervoso, dada a fraca capacidade regenerativa dos neurónios.

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A obtenção de células estaminais para utilização terapêutica e/ou investigação clínica tem-se revestido de questões de caráter ético, uma vez que envolve a utilização de embriões excedentários das tentativas de fertilização in vitro, os quais, à partida, não alcançarão a vida adulta.

O processo de clonagem de células, ou seja, a obtenção de células geneticamente iguais que possam ser utilizadas para fins terapêuticos é, neste momento, um assunto muito controverso. Por essa razão, estão a ser desenvolvidas técnicas que utilizam células estaminais do adulto que conservam alguma capacidade de diferenciação em vários tipos de células, considerando-se, por isso, multipotentes.

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Capítulo 3 – Histologia

A Histologia (do grego: histós – tecido + logos) é a ciência que estuda os tecidos, entendendo-se por tecido um agregado ou conjunto de células organizado para desempenhar uma ou mais funções.

Classificação Geral dos Tecidos

Apesar das diferentes estruturas e propriedades fisiológicas, todos os órgãos são compostos por quatro tipos básicos de tecidos:

� tecido epitelial – cobre as superfícies do corpo, reveste as suas cavidades e compõe as glândulas;

� tecido conjuntivo – está subjacente ou rodeia e suporta os outros três grandes tipos de tecidos;

� tecido muscular – é composto por células contrácteis, sendo responsável pelo movimento do corpo e das suas partes componentes;

� tecido nervoso – capta, transmite e integra informação proveniente do exterior e do interior do corpo para controlar as suas atividades.

Cada um destes tipos é definido por várias características morfológicas gerais, podendo ser subdividido com base tanto em características mais específicas como nas substâncias intercelulares nele existentes. Notar que a classificação acima se baseia, nos dois primeiros casos, na sua morfologia, e, nos dois últimos, é funcional. Os epitélios caracterizam-se pela ligação estreita entre as células que os compõem e pela sua presença numa superfície livre. A sua origem embrionária pode ser ectodérmica, mesodérmica ou endodérmica. Os tecidos conjuntivos caracterizam-se pelo facto de as células estarem mais ou menos separadas umas das outras e pela presença de uma matriz extracelular, subdividindo-se em função da composição e da consistência desse material. A sua origem embrionária pode ser mesodérmica ou ectodérmica. Os tecidos musculares caracterizam-se pela presença de proteínas contrácteis, actina e miosina, mas as suas subdivisões são mais de natureza morfológica do que funcional. A sua origem é mesodérmica. O tecido nervoso é composto por células nervosas (neurónios) e por células de suporte de vários tipos que derivam da neuroectoderme.

A figura 50 representa a origem embrionária dos tecidos.

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Histogénese

Fig. 50 – Representação esquemática mostrando a origem embrionária dos tecidos e dos

órgãos a partir dos três folhetos embrionários – ectoderme, mesoderme e endoderme. As

células destas três camadas contribuem para a formação de diferentes tecidos e órgãos.

Moore & Persaud, 2001.

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Nota: Alguns peptidos biologicamente ativos encontram-se tanto no trato gastrintestinal

como no sistema nervoso. Ora, as células destes dois locais têm origem embrionária em

camadas epiteliais constituídas por células capazes de descarboxilar aminoácidos dando

origem a aminas. Em 1969, Pearse chamou a este conjunto de células o sistema APUD

(amine precursor uptake and decarboxilation). As células do sistema APUD diferenciam-se,

por um lado, em neurónios e, por outro, em células que existem espalhadas pelo corpo e

localizadas, principalmente, ao nível do trato gastrintestinal.

Tecidos Epiteliais

Os epitélios são tecidos avasculares que, como já dissemos, revestem as superfícies tanto exteriores como das cavidades interiores do corpo, formando, também, a porção secretória (parênquima) das glândulas e os recetores de certos órgãos sensoriais.

As células que compõem um epitélio possuem três características principais:

� Estão justapostas e aderem umas às outras através de junções;

� Possuem três domínios superficiais funcionais – uma superfície livre ou apical, uma superfície lateral e uma superfície basal, cuja especificidade depende da presença de diferentes proteínas de membrana;

� A sua superfície basal está ligada à lâmina basal, uma camada acelular rica em proteínas e polissacáridos.

Quando as células epiteliais não apresentam uma superfície livre, fala-se em tecidos epitelioides. Exemplos destes tecidos são: as células de Leydig no testículo, as células lúteas no ovário, o parênquima das glândulas adrenais e as células do timo. Também podem ocorrer na resposta patológica a traumatismos e nalguns tumores.

Os epitélios desempenham várias funções no organismo integradas no seu papel de tecidos de revestimento:

� Podem ser uma barreira quase impenetrável (epiderme e bexiga urinária);

� Podem ser secretores (estômago);

� Podem ter, simultaneamente, função de secreção e absorção (intestinos);

� Podem receber estímulos sensoriais (papilas gustativas e retina).

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Classificação dos epitélios

A classificação dos epitélios baseia-se no arranjo das células e na sua forma, não na sua função. Assim, podemos considerá-los simples, se possuem apenas uma camada de células, ou estratificados, se possuem duas ou mais camadas.

As células que compõem os epitélios podem ser escamosas, quando a largura da célula é maior que a sua altura, cuboidais, quando as três dimensões são idênticas, e colunares, quando a altura é maior que a largura. Na classificação dos epitélios apenas se considera a camada superficial, dado que, quando existem várias camadas, a forma das células pode ser diferente de camada para camada.

Existem duas categorias especiais de epitélio – o epitélio pseudoestratificado e o epitélio de transição. No primeiro, algumas das células não atingem a superfície, mas todas estão assentes na membrana basal, sendo, na realidade, um epitélio simples. No segundo, as células adaptam-se à distensão. É o que se passa com o epitélio que reveste a bexiga e o trato urinário. A forma e o número de camadas de células modificam-se conforme o estado de enchimento da bexiga.

A figura 51 representa, esquematicamente, a forma e o arranjo das células nos principais tipos de epitélios. A figura 52 representa fotografias de microscopia ótica de vários tipos de epitélios.

Há um outro tipo de epitélio, não representado nas figuras, o epitélio cuboidal estratificado, que constitui os canais de algumas glândulas exócrinas, como as glândulas sudoríparas, e a junção ano-retal, com funções de barreira e condução.

Existe alguma relação entre estrutura e função dos epitélios. Assim, os que têm funções de secreção e absorção são simples ou pseudoestratificados, enquanto a estratificação se associa a impermeabilidade transepitelial.

Lâmina Basal

Os epitélios estão ligados ao tecido conjuntivo subjacente pela lâmina basal, cuja espessura varia entre 50 e 100 nm. Também chamada membrana basal ou lamina densa, encontra-se separada das células por uma fina camada transparente chamada lamina lucida, que contém filamentos que ligam a membrana citoplasmática à lâmina basal (ver Fig. 54). (Para alguns autores a lâmina basal é composta por aquelas duas estruturas e, por vezes, por uma terceira).

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Fig. 51 – Desenhos dos principais tipos de epitélios. A. Reveste o sistema vascular (endotélio), tendo função de barreira no sistema nervoso central; reveste as cavidades do corpo (mesotélio) tendo como função trocas e lubrificação; forma a barreira na cápsula de Bowman no rim; reveste os espaços respiratórios onde se dão as trocas gasosas no pulmão. B. Pequenos canais das glândulas exócrinas onde tem função de absorção; superfície do ovário (epitélio germinal) onde funciona como barreira; túbulos reais com função de absorção. C.Reveste o duodeno e o cólon onde tem funções de absorção e secreção; reveste o estômago e possui as glândulas gástricas tendo, por isso, funções de secreção; reveste a vesícula biliar tendo funções de absorção. D. Forma a epiderme, reveste a cavidade oral e a vagina, com funções de barreira e proteção. E. Existe apenas na conjuntiva ocular, na uretra e nos canais excretores de algumas glândulas. F. Reveste a traqueia, os brônquios e os canais deferentes, onde tem função de secreção e condução; canais eferentes do epidídimo, com funções de absorção e condução. G. Todo o trato urinário, desde os cálices renais à bexiga, com funções de barreira e propriedades de distensão; quando a bexiga está cheia, existem apenas duas camadas de células, uma camada de células cuboidais e outra de células escamosas; estas modificações só se dão na bexiga. Fawcett & Jensh, 2002.

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Fig. 52 – Microfotografias de vários tipos de epitélios. A. Epitélio colunar simples do tubo

renal. B. Epitélio colunar estratificado do canal da glandular salivar. C. Epitélio colunar

simples do intestino. D. Epitélio colunar de células secretoras de muco. E. Epitélio simples

colunar ciliado. F. Epitélio escamoso estratificado do esófago. G. Epitélio pseudoestratificado

ciliado da traqueia. H. Epitélio escamoso estratificado queratinizado da epiderme da planta

do pé. Fawcett & Jensh, 2002.

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A lâmina basal desempenha várias funções:

� Ligação estrutural ao tecido conjuntivo subjacente;

� Compartimentação;

� Filtração;

� Indução de polaridade – domínio apical e domínio basolateral;

� Orientação das células formadas de novo durante a regeneração dos tecidos.

A lâmina basal tem uma composição química mais ou menos complexa, destacando-se as seguintes substâncias (ver Fig. 54):

� Colagénio de tipo IV (glicoproteína);

� Proteoglicanos [moléculas formadas por polissacáridos (95%) e proteínas (5%)];

� Laminina (glicoproteína);

� Entactina e fibronectina (glicoproteínas, sendo a primeira sulfatada);

� Filamentos de ancoragem (formados por colagénio de tipo VII).

Contactos intercelulares

A manutenção da coesão das células epiteliais é feita à custa de glicoproteínas de membrana (moléculas de adesão celular), sendo as principais as caderinas. Para além disso, as células epiteliais são mantidas em aposição estreita e aderentes umas às outras por junções intercelulares que são do tipo junção apertada (zonula occludens), desmossomas circulares (zonula adherens) e desmossomas pontuais. Tipicamente, encontram-se os três tipos de ligação na zona apical das células, formando o que ainda, por vezes, se chama barra terminal. Por outro lado, as células comunicam entre si através de junções de hiato.

As ligações apertadas, constituídas por uma proteína chamada ocludina que forma uma rede que parece manter as duas membranas fundidas, constituem uma barreira seletivamente permeável entre o lume do intestino e os vasos sanguíneos subjacentes. Permite a passagem de alguns iões e de pequenas moléculas, excluindo outras.

Há dois tipos de passagem através dos epitélios: a via transcelular, que envolve a captação de substâncias por pinocitose, seguida do transporte das vesículas até ao outro extremo da célula; e a via paracelular, na qual as

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moléculas se difundem passivamente através dos espaços intercelulares do epitélio. As ligações apertadas constituem um meio de fechar a via paracelular e permitir às células ser seletivas em relação ao que passa ou não através do epitélio. Também servem como barreira entre os domínios apical e basolateral da membrana citoplasmática, prevenindo o movimento das proteínas integrais entre eles.

Os desmossomas circulares permitem a existência de um espaço intercelular, embora nele se encontrem moléculas de adesão. Junto das membranas existe uma densa rede de filamentos de actina. A sua função ainda não se encontra totalmente estabelecida, sendo possível que se trate, principalmente, duma forma de manter a adesão lateral entre as células.

Os desmossomas pontuais contribuem para a estabilidade do epitélio, ligando o citoesqueleto de células adjacentes (Fig. 53).

A B Fig. 53 – A. Microfotografia de junções entre células epiteliais adjacentes. Notar as

microvilosidades na parte superior da célula. B. Desmossoma de epitélio escamoso

estratificado. Notar os filamentos intermédios do citoesqueleto que terminam na placa densa

do desmossoma. Fawcett & Jensh, 2002.

No epitélio escamoso estratificado da pele, da cavidade oral, do esófago e da vagina, existem hemidesmossomas a espaços regulares ao longo da membrana citoplasmática que está em contacto com a lâmina basal. Estas estruturas, não encontradas nos outros tipos de epitélios, conferem uma maior adesão e parecem permitir ao tecido resistir a pancadas e a forças de tração sem se separar da lâmina basal (Fig. 54).

Como já dissemos, as células epiteliais comunicam através de junções de hiato, compostas por proteínas canal que atravessam as membranas de ambas as células. Cada complexo é formado por seis subunidades que rodeiam um poro com cerca de 1,5-2 nm de diâmetro que forma um canal

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contínuo ligando o citoplasma das duas células. Pensa-se que estas ligações permitem a coordenação das atividades das células em todo o epitélio.

Fig. 54 – Desenho que ilustra a complexa rede de ancoragem sob o epitélio escamoso

estratificado. Notar os hemidesmossomas na membrana citoplasmática das células epiteliais.

Fawcett & Jensh, 2002.

Modificações da superfície celular

Estas modificações são, para além das microvilosidades, dos cílios e estereocílios, já atrás estudadas em Citologia, dobras e processos das superfícies celulares laterais e basais. Como vimos, estas especializações da membrana aumentam consideravelmente a sua superfície, de modo a aumentar a eficiência das trocas entre as células.

Alguns epitélios colunares possuem uma borda em escova, assim chamada devido ao seu aspeto ao microscópio ótico (m.o.). Esta borda é composta por microvilosidades e surge nos epitélios especializados na absorção, como o do intestino (Fig. 55-A). O seu domínio apical é rico em enzimas que completam a digestão dos glícidos que tem início no lume. Estima-se que a superfície total do epitélio intestinal é de cerca de 200 m2.

Os cílios existem nos epitélios que revestem canais onde passam fluidos e partículas que têm de ser encaminhados. Na maioria dos epitélios ciliados (traqueia, brônquios ou oviductos) cada célula poderá ter mais de cem cílios. No trato respiratório os cílios desempenham um papel de limpeza

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empurrando o muco e o material nele captado para a orofaringe, onde é deglutido com a saliva e eliminado. No oviducto, os cílios empurram o blastocisto para a cavidade uterina (Fig. 55-B) (ver Fig. 36). Os cílios possuem movimentos pendulares sincronizados que se devem à dineína que, na realidade, é uma ATPase. Na síndrome de Kartagener, uma doença hereditária associada a dificuldade respiratória crónica, a mobilidade dos cílios encontra-se gravemente comprometida devido à ausência dos braços de dineína. Nestes indivíduos, existem também problemas viscerais e os homens são estéreis devido à imobilidade do flagelo dos espermatozoides.

A B

Fig. 55 – A. Fotografia de m.e. de algumas microvilosidades da borda em escova numa

célula epitelial do intestino. Notar a presença de uma estrutura – o glicocálice – formado por

extensões das extremidades das microvilosidades que, na realidade, correspondem a

cadeias de oligossacáridos ligados às proteínas integrais da membrana. B. Microfotografia ao

microscópio de varrimento da superfície luminal de um oviducto humano mostrando as

extremidades apicais de células ciliadas e não ciliadas. Estas últimas possuem

microvilosidades curtas. Fawcett & Jensh, 2002.

Nos epitélios especializados na absorção de água e eletrólitos (por exemplo, túbulos renais), também existem dobras basais que aumentam ainda mais a área da superfície. Alguns canais das glândulas salivares também apresentam este tipo de dobras basais. Entre as dobras aloja-se grande número de mitocôndrias que fornecem energia para o transporte ativo através da membrana. As dobras da membrana lateral nas células

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adjacentes existem, principalmente, nos epitélios em que há transporte rápido de fluidos, como no epitélio intestinal.

Glândulas

As glândulas são compostas por células epiteliais especializadas na síntese e secreção de produtos específicos. De uma maneira geral, são classificadas em dois grandes grupos: glândulas exócrinas, que segregam os seus produtos na sua superfície, e glândulas endócrinas, que segregam os seus produtos para a corrente sanguínea. Os produtos destas glândulas chamam-se hormonas. Nalguns epitélios, células individuais segregam uma substância que não atinge a corrente sanguínea, atuando nas células vizinhas onde chega por difusão. Esta atividade chama-se secreção paracrina. Por vezes, a secreção pode ser autocrina, ou seja, o produto segregado atua na própria célula que o produziu, como vimos que ocorre nas células tumorais e nalguns linfócitos.

Os epitélios secretores possuem células especializadas na síntese de vários produtos, pelo que apresentam, tipicamente, grande quantidade de RER onde são sintetizadas proteínas e glicoproteínas que, depois, são transportadas em vesículas para o complexo de Golgi e deste armazenados em grânulos de secreção que se acumulam no citoplasma apical, até receberem um sinal para libertarem o ser conteúdo por fusão com a membrana (Fig. 56-A).

A B

Fig. 56 – A.Desenho de uma célula glandular típica. Notar a grande profusão de RER, o complexo de Golgi supranuclear e os grânulos de secreção no citoplasma apical. B. Epitélio colunar do intestino contendo uma célula goblet. Notar a forma característica de cálice, em comparação com a célula colunar. Fawcett & Jensh, 2002.

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As glândulas exócrinas podem ser unicelulares ou multicelulares. As células secretoras isoladas podem ser encontradas entre as células do epitélio bronquial ou entre as células de absorção do epitélio do duodeno – são as chamadas células goblet devido à sua forma (Fig. 56-B). As glândulas multicelulares têm forma variada e classificam-se de acordo com o arranjo dos seus canais e unidades secretoras. As que possuem um único canal não ramificado chamam-se simples, enquanto as que possuem um canal ramificado se chamam compostas. A porção secretora pode, ainda, ser reta, espiralada, formar ácinos e ser ramificada. A figura 57-A representa vários tipos de glândulas exócrinas multicelulares.

As glândulas exócrinas podem ser classificadas de forma mais simples de acordo com as propriedades físicas do seu produto de secreção. As que produzem uma camada superficial viscosa composta por mucopolissacáridos chamam-se glândulas mucosas. As que produzem uma secreção aquosa, muitas vezes rica em enzimas, chamam-se glândulas serosas (ver caixa de texto p. 85). Outras ainda são glândulas mistas, sendo o produto mucoso produzido pelos ácinos e a secreção aquosa por estruturas em forma de crescente dispostas lateralmente em cada ácino (Fig. 57-B).

A

Fig. 57 – A. Desenho dos principais tipos de glândulas exócrinas. A porção secretora está representada a negro. As da fila inferior estão representadas com menor ampliação. Fawcett & Jensh, 2002. B. Desenho de uma glândula mista tubuloalveolar com maior ampliação. Notar em cada ácino o conjunto de células em forma de crescente. C. Microfotografia de ácinos pancretáticos (A) com o seu canal (D). Os corpúsculos no citoplasma das células acinosas são material de secreção armazenado. Ross et al., 1995. C

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Por último, as glândulas exócrinas podem ser caracterizadas pela forma como segregam o seu produto. Se este é libertado por fusão da membrana dos grânulos de secreção com a membrana celular, a glândula chama-se merócrina, categoria à qual pertence a maioria das glândulas. Se as células são exfoliadas e a secreção consiste em resíduos dessas células assim como no produto que sintetizaram, a glândula diz-se holócrina. No organismo humano, o único exemplo destas consiste nas glândulas sebáceas da pele. Se a glândula expulsa a sua porção apical contendo o produto de secreção, trata-se de uma glândula apócrina. No organismo humano, o único exemplo é a glândula mamária, em que a porção da membrana celular e uma camada de citoplasma em torno de uma grande gotícula de lípido são largados do corpo celular. O conteúdo proteico do leite é produzido por outras células de secreção merócrina.

Renovação e reparação dos epitélios

As células epiteliais têm uma vida limitada, sendo algumas continuamente perdidas por exfoliação ou por apoptose e substituídas por divisão mitótica de outras células. Nalguns epitélios todas as células mantêm a capacidade de se dividir. No desenvolvimento de um epitélio estratificado, a formação das camadas de células é seguida pela sua diferenciação. Neste processo, a maioria perde a capacidade de divisão. No entanto, na base do epitélio, algumas mantêm-se indiferenciadas e funcionam como células renovadoras. Conforme necessário, sofrem uma divisão assimétrica, ou seja, uma célula-filha mantém-se na lâmina basal e a outra diferencia-se para substituir a célula que se perdeu. Quando há uma lesão no epitélio, as células das margens da lesão migram sobre a lâmina basal e restauram uma única camada de células contínua. As células indiferenciadas da margem proliferam e as suas células-filhas restauram a espessura original do epitélio. Quando há uma ferida, por exemplo na pele, a cicatrização inicia-se pela coagulação do sangue (que estudaremos mais à frente) e por uma resposta inflamatória aguda (que estudaremos no capítulo sobre as defesas do organismo). Segue-se a reparação do colagénio ativada por fatores de crescimento derivados dos fibroblastos (células do tecido conjuntivo que estudaremos adiante), das células epiteliais e dos macrófagos (células sanguíneas fagocíticas), o que leva à formação de tecido de granulação, que é tecido conjuntivo formado de novo após uma lesão. Segue-se a remodelação da matriz extracelular e angiogénese.

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Mm

Tecidos conjuntivos

Como dissemos, os tecidos conjuntivos caracterizam-se por possuírem uma matriz extracelular de natureza diversa, onde estão embebidas células de diferentes tipos. Deste modo, podemos classificar os tecidos conjuntivos conforme segue:

� Tecido conjuntivo propriamente dito

� Tecido conjuntivo laxo ou difuso

� Tecido conjuntivo denso

o Irregular

o Regular

� Tecido conjuntivo especializado

� Tecido adiposo

� Sangue

� Tecido ósseo

� Tecido cartilagíneo

� Tecido hematopoiético

� Tecido linfático

� Tecido conjuntivo embrionário

� Mesênquima

� Tecido conjuntivo mucoso

MEMBRANAS MUCOSAS E SEROSASMEMBRANAS MUCOSAS E SEROSASMEMBRANAS MUCOSAS E SEROSASMEMBRANAS MUCOSAS E SEROSAS O epitélio superficial e o tecido conjuntivo subjacente formam uma unidade funcional chamada membranamembranamembranamembrana. Os dois tipos de membrana são a membrana serosa e a membrana mucosa. O termo membrana não deverá ser confundido com as membranas biológicas das células, nem as designações mucosa e serosa com a natureza da secreção das glândulas exócrinas. A membrana mucosamembrana mucosamembrana mucosamembrana mucosa, ou apenas mmmmucosaucosaucosaucosa, reveste as cavidades que comunicam com o exterior do corpo, nomeadamente o tubo digestivo, o trato respiratório e o trato genitourinário. Consiste num epitélio superficial (com ou sem glândulas), um tecido conjuntivo de proteção chamado lamina proprlamina proprlamina proprlamina propriaiaiaia, uma lâmina basal que separa o epitélio da lamina propria e, por vezes, uma camada de tecido muscular liso chamado muscularis mucosaemuscularis mucosaemuscularis mucosaemuscularis mucosae como camada mais profunda. A membrana serosamembrana serosamembrana serosamembrana serosa, ou apenas serosaserosaserosaserosa, reveste as cavidades peritoneal, pleural e pericárdica. Estas cavidades são geralmente consideradas cavidades fechadas do corpo, embora, na mulher, a cavidade peritoneal comunique com o exterior através do trato genital. Estruturalmente, a serosa consiste num epitélio de revestimento, o mesotéliomesotéliomesotéliomesotélio, um tecido conjuntivo de suporte e uma lâmina basal entre os dois. As membranas serosas não contêm glândulas, mas o líquido na sua superfície é aquoso.

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Nesta secção, vamos estudar o tecido conjuntivo propriamente dito, que, como vimos, se divide em tecido conjuntivo laxo ou difuso e tecido conjuntivo denso.

Tecido conjuntivo laxo ou difuso

É caracterizado por possuir fibras com grandes espaços entre si e muitas células. As fibras são finas e raras, sendo a substância fundamental abundante. Tem consistência de gel, sendo importante na difusão de oxigénio e nutrientes de e para os capilares que o atravessam. A sua localização primária é sob os epitélios que cobrem as superfícies do corpo, associando-se, também, ao epitélio glandular, e rodeia os vasos de menor calibre. É neste tecido que as substâncias estranhas e os microrganismos que passaram a barreira epitelial podem ser destruídos. As células aqui existentes são células transitórias que migram dos vasos sanguíneos locais em resposta a estímulos específicos. É, por essa razão, o local das reações inflamatórias e alérgicas.

Tecido conjuntivo denso

Este pode ser, como vimos, irregular e regular, com base no arranjo das fibras, que, no primeiro, têm orientação variada e, no segundo, estão arranjadas de forma ordenada. O tecido conjuntivo denso irregular caracteriza-se por abundância de fibras, pouca substância fundamental e poucas células. Estas são essencialmente fibroblastos e fibras compostas, principalmente, por colagénio, estando dispostas em feixes de orientação variada, aguentando forças de distensão a que o órgão ou a estrutura estejam sujeitos. No caso dos órgãos ocos, como o trato intestinal, o tecido conjuntivo denso constitui a submucosa. A pele também contém uma camada deste tecido na derme, conferindo-lhe resistência à rotura.

O tecido conjuntivo denso regular caracteriza-se por arranjos de fibras e células relativamente densos e ordenados, sendo, por essa razão, o principal componente de tendões, ligamentos e aponevroses (membranas que envolvem os músculos). Os tendões são estruturas em forma de cordão que unem os músculos aos ossos. Consistem em feixes paralelos de fibras de colagénio entre as quais existem filas de fibroblastos (aqui chamados tendinócitos). O tendão está rodeado por uma fina cápsula de tecido conjuntivo, o epitendão, e encontra-se dividido em porções pelo endotendíneo, uma extensão do epitendão e que contém os vasos e os nervos do tendão. Os ligamentos são semelhantes aos tendões, mas as fibras não estão arranjadas de forma tão regular. Os ligamentos ligam os

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ossos entre si e, nalguns pontos do corpo, como na coluna vertebral, têm de ser algo elásticos possuindo, por isso, fibras elásticas, e chamando-se ligamentos elásticos. As aponevroses são semelhantes a tendões achatados. As fibras estão arranjadas em várias camadas e os feixes de fibras de colagénio em cada camada encontram-se dispostos de forma regular. As aponevroses envolvem os músculos (aponevrose de revestimento, aponevrose de contenção), servem de meio de inserção a um músculo largo (aponevrose de inserção) ou formam uma separação entre certos planos musculares (fáscia).

Fibras do tecido conjuntivo

As fibras do tecido conjuntivo são de três tipos fundamentais – fibras de colagénio, fibras reticulares e fibras elásticas.

O colagénio constitui o principal componente, formando tanto fibras, como fibrilhas de diâmetro inferior. Dado que existem vários tipos de colagénio e todo este assunto se reveste de grande complexidade, vamos referir apenas os passos fundamentais da sua síntese, apelando para conhecimentos já adquiridos, acrescentando apenas os aspetos fundamentais para a compreensão do estudo dos tecidos.

As fibras de colagénio têm entre 0,5 e 10,0 µm de diâmetro e são compostas por fibrilhas com 50-90 nm de diâmetro. Estas são polímeros de moléculas de tropocolagénio, com 280 nm de comprimento e 1,4 nm de diâmetro. Cada molécula de tropocolagénio consiste em três cadeias polipeptídicas (cadeias α) entrelaçadas, com um arranjo tal que, ao m.e., surgem com bandas escuras características (Fig. 58). Em função das unidades α presentes, existem vários tipos diferentes de colagénio.

Fig. 58 – A. Cada molécula de colagénio é composta por três cadeias α entrelaçadas em hélice. B. Desenho mostrando várias moléculas numa fibrilha de colagénio. Aquelas estão alinhadas com um intervalo entre as suas extremidades, havendo sobreposição das moléculas de fibras adjacentes. A intervalos de 64 nm, os espaços intermoleculares ficam alinhados ao longo da fibrilha. Ao lado, uma microfotografia de fibras de colagénio da pele humana mostrando o aspeto desta periodicidade ao m.e. Fawcett & Jensh, 2002.

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Esta família de moléculas, designada por números romanos, tem algumas diferenças quanto aos aminoácidos constituintes das proteínas, mas existem dois que são praticamente exclusivos e comuns a todas as cadeias polipeptídicas do colagénio – a hidroxiprolina e a hidroxilisina, podendo o colagénio de cada tecido ser quantificado pela presença destes aminoácidos. Os tipos mais frequentes de colagénio são os tipos I, II e III, seguindo-se o IV. Até à data, conhecem-se 11 tipos diferentes de colagénio que também são produzidos por células diferentes. No tecido conjuntivo, são os fibroblastos as células responsáveis pela sua síntese. A figura 59 resume os eventos deste complexo processo que ultrapassa os nossos objetivos.

Fig. 59 – Resumo dos eventos da síntese de colagénio nos fibroblastos. 1. captação de aminoácidos por endocitose; 2. formação de mRNA; 3-5. síntese das cadeias α, hidroxilação e glicosilação no RER; 6. formação de procolagénio no RER e passagem para vesículas de transferência; 7. no complexo de Golgi, as moléculas de procolagénio passam para vesículas de secreção; 8. movimentação das vesículas para a membrana citoplasmática através de microtúbulos e microfilamentos; 9. exocitose do procolagénio. A formação do tropocolagénio e a sua polimerização em fibrilhas já é extracelular, embora ocorra junto de dobras da membrana. Ross et al., 1995.

Existem doenças hereditárias associadas ao mau funcionamento dos fibroblastos e à deficiente síntese de colagénio. Na síndrome de Ehlers-Danlos, a falta de colagénio resulta na frouxidão dos ligamentos e na hiperextensibilidade das articulações dos joelhos, o que dificulta o andar. A pele é fina, podendo uma prega ser esticada cerca de 5 cm, ou mais, acima das estruturas subjacentes. Na esclerodermia, as fibras de colagénio são formadas em excesso. A pele fica espessa e tensa, podendo interferir com a flexão dos dedos das mãos e limitar o movimento de outras articulações. O espessamento da parede do esófago pode dificultar a deglutição e o aumento do tecido conjuntivo perivascular pode interferir com o fluxo sanguíneo.

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As fibras reticulares são compostas por fibrilhas de colagénio de tipo III e glicoproteínas associadas, cujo diâmetro é apenas de 25-45 nm. O seu nome deve-se ao facto de estarem arranjadas segundo uma malha. Podem ser produzidas pelos fibroblastos, embora haja outras células a produzi-las noutros tipos de tecido. Encontram-se nas vizinhanças entre o tecido conjuntivo e o epitélio e em torno dos adipócitos, dos pequenos vasos sanguíneos, dos nervos e das células musculares. Também constituem o estroma de suporte nos tecidos hematopoiético e linfático, onde são produzidas por células reticulares. Também podem ser produzidas pelas células de Schwann (que estudaremos no tecido nervoso) e pelas células musculares lisas da parede dos vasos sanguíneos e do trato intestinal.

As fibras elásticas conferem aos tecidos a capacidade de responderem à distensão. São compostas por uma glicoproteína, a elastina, que se encontra no centro de um feixe de microfibrilhas formadas por uma outra glicoproteína. Estas proteínas comportam-se como se fossem de borracha, esticando-se sob tensão e voltando à forma inicial quando esta desaparece. São produzidas pelos fibroblastos e pelas células musculares lisas das paredes das artérias, sendo reunidas extracelularmente. As fibras elásticas são especialmente abundantes no tecido conjuntivo dos órgãos que estão submetidos a forças, como é o caso dos pulmões. A parede da aorta também é rica nestas fibras.

Existe uma doença, chamada síndrome de Marfan, que é uma perturbação do tecido conjuntivo devida a um defeito da fibrilina, sendo o tecido elástico anormal.

Substância fundamental

A substância fundamental ocupa o espaço entre as células e as fibras do tecido conjuntivo. É uma substância clara e com consistência de gel muito hidratado. Da sua composição química fazem parte glícidos complexos como os glicosaminoglicanos (GAGs), moléculas de grandes dimensões que são polímeros lineares de subunidades de dissacáridos. Os principais são o sulfato de condroitina, o sulfato de queratano, o sulfato de heparano, o ácido hialurónico, o sulfato de dermatano e a heparina. Estes encontram-se geralmente ligados a uma proteína, formando moléculas maiores chamadas proteoglicanos, nas quais os GAGs se dispõem como os pelos de um escovilho (ver Fig. 60).

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Matriz extracelular

A matriz extracelular é uma complexa rede que contribui para a integridade estrutural dos tecidos conjuntivos e que inclui as fibras do tecido conjuntivo e a substância fundamental (Fig. 60). Para além das moléculas de proteoglicanos que ocupam grande parte do espaço entre as fibras, existem quantidades mais pequenas de moléculas de adesão que ligam as células às fibras. Uma delas é a fibronectina que estabelece a ligação entre os três tipos de componentes do tecido conjuntivo – fibras, células e substância fundamental. Outra é a laminina que forma, juntamente com outros componentes da matriz, nomeadamente colagénio de tipo IV, a lâmina basal onde aderem as células epiteliais.

Fig. 60 – A matriz extracelular do tecido conjuntivo inclui a substância fundamental, com a

sua complexa rede de proteoglicanos, e os vários tipos de fibras. Aqui estão representadas

apenas as de colagénio. Fawcett & Jensh, 2002.

As células do tecido conjuntivo

Existem dois tipos de células – as fixas e as livres. As fixas são fibroblastos e miofibroblastos, macrófagos, adipócitos, mastócitos e células mesenquimatosas indiferenciadas. As livres são linfócitos, plasmócitos, granulócitos e monócitos. As primeiras são células mais ou menos “residentes” no tecido conjuntivo, enquanto as segundas migram da corrente sanguínea, podendo voltar de novo a esta. As células livres do tecido conjuntivo estão associadas, essencialmente, à resposta imunológica, como estudaremos no capítulo sobre as defesas do organismo.

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Fibroblastos e miofibroblastos

Os fibroblastos são as principais células do tecido conjuntivo. São as responsáveis pela síntese das fibras e dos glícidos da substância fundamental. Possuem, por isso, grandes quantidades de RER e um complexo de Golgi proeminente. São capazes de se dividir, estando envolvidas nos processos de reparação de lesões. Os miofibroblastos têm propriedades tanto de fibroblasto como de célula muscular lisa, pois, para além das características dos fibroblastos, possuem, no seu citoplasma, feixes de filamentos de actina dispostos longitudinalmente. Estas células atuam, principalmente, durante a cicatrização, pois têm tendência a contrair-se quando há uma ferida, sendo abundantes no tecido de granulação.

Macrófagos

Também conhecidos por histiócitos, os macrófagos do tecido conjuntivo são células fagocíticas derivadas dos monócitos, sendo estas células sanguíneas que atravessam os vasos e chegam ao tecido conjuntivo. Os macrófagos contêm um complexo de Golgi desenvolvido, bastante RER e REL, mitocôndrias, vesículas de secreção e lisossomas. A sua membrana apresenta projeções digitiformes, o que indica a sua atividade de fagocitose. Também se encontram lisossomas secundários, outra indicação da fagocitose, e exibem intensa atividade de secreção, da qual falaremos no capítulo sobre as defesas do organismo.

Mastócitos

São grandes células ovoides do tecido conjuntivo com um núcleo esférico e citoplasma com grânulos de grandes dimensões. A superfície celular apresenta microvilosidades e pregas. O citoplasma possui apenas pequenas quantidades de RER, mitocôndrias e uma zona de Golgi. São particularmente abundantes nos tecidos conjuntivos da pele e das membranas mucosas, não existem no encéfalo nem na medula espinhal, mas são sim nas meninges (membranas que rodeiam os órgãos do sistema nervoso central), protegendo aquelas estruturas dos danos provocados pelo edema característico das reações alérgicas. A sua ação prende-se, essencialmente, com as defesas do organismo, como já foi anteriormente estudado.

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Adipócitos

São as células que armazenam lípidos neutros no tecido conjuntivo que serão utilizados em caso de necessidades energéticas (jejum, por exemplo). São facilmente reconhecíveis ao m.o., pois o seu citoplasma e núcleo ficam comprimidos contra a membrana celular pela grande gotícula de lípidos (ver Fig. 61). Provêm de células mesenquimatosas indiferenciadas que dão origem a lipoblastos ou pré-adipócitos. Encontram-se dispersos pelo tecido conjuntivo, isolados ou em pequenos grupos, podendo, em caso de excesso de ingestão alimentar, dar origem ao tecido adiposo que estudaremos a seguir.

Células mesenquimatosas indiferenciadas

Estas células, que mantêm as suas características embrionárias de célula multipotente, diferenciam-se em resposta a lesões, contribuindo para a reparação de feridas, a formação de novos tecidos e a revascularização da zona afetada.

Tecido Adiposo

É considerado, hoje, um tecido especializado, pois não se limita a ser um reservatório de triacilgliceróis (90% dos lípidos). Com efeito, descobriu-se recentemente que produz hormonas que influenciam o metabolismo de glícidos e lípidos noutros tecidos e atuam no cérebro regulando o apetite. O tecido adiposo representa a acumulação do excesso de calorias provenientes da dieta e constitui uma excelente forma de reserva de energia, uma vez que os lípidos têm mais do dobro das calorias dos glícidos e das proteínas. O metabolismo das gorduras também pode ser uma importante fonte de água em condições extremas. (A bossa dos camelos consiste, essencialmente, em gordura, sendo uma fonte de energia e água no deserto).

A sua distribuição é diferente nos dois sexos – no homem, os principais locais são sobre a nuca, na região lombossagrada e nas nádegas; na mulher, acumula-se nas mamas, nas nádegas, sobre o trocanter do fémur e na parte antero-lateral das coxas. Com a idade, o homem tende a acumular gordura subcutânea na parede abdominal anterior. A sua quantidade num indivíduo depende da hereditariedade e da ingestão calórica. Existem dois tipos de tecido adiposo que diferem na cor, na vascularização, na atividade metabólica e na distribuição – o tecido adiposo branco e o tecido adiposo castanho.

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Tecido adiposo branco

A sua coloração varia do branco ao amarelo, dependendo da quantidade de pigmento (carotenoides). Cerca de 80% do volume das células do tecido adiposo é ocupado por uma única gota de gordura, ficando o citoplasma reduzido a uma estreita faixa junto da membrana (Fig. 61), chamando-se, por isso, unilocular. Os adipócitos são esféricos, mas podem surgir de forma poliédrica quando estão unidos no tecido adiposo. O citoplasma dos adipócitos contém um pequeno complexo de Golgi, ribossomas livres, pouco RER, microfilamentos e filamentos intermédios e mitocôndrias filamentosas. A sua função como tecido subcutâneo é isoladora. Nos tecidos internos tem uma função estrutural, existindo, principalmente, no omento (prega do peritoneu), no mesentério e no espaço retroperitoneal. Também se encontra em torno dos rins, do pericárdio e dos globos oculares. Este tecido mantém a sua função, mesmo que o tecido adiposo dos outros locais se encontre com défice lipídico.

Histofisiologia do tecido adiposo branco

Os ácidos gordos provenientes da digestão das gorduras são captados pelos adipócitos e combinados com glicerol endógeno para darem triacilgliceróis que se acumulam na gotícula de gordura. Quando a ingestão calórica excede as necessidades metabólicas por períodos prolongados, as células adiposas pré-existentes aumentam de volume e surgem novas células, o que resulta em obesidade.

O armazenamento de lípidos no tecido adiposo é controlado por hormonas. A insulina promove a conversão de glucose em triacilgliceróis, enquanto a noradrenalina ativa as lipases, atuando, principalmente, em períodos de jejum e em caso de exposição a frio extremo. Outras hormonas, como a tiroxina, os glucocorticoides e a hormona de crescimento (GH) também influenciam o metabolismo lipídico ao nível dos adipócitos. Como os lípidos são maus condutores de calor, os bebés humanos possuem uma camada contínua de tecido adiposo subcutâneo, chamada panniculosus adiposus, que ajuda a manter a temperatura do corpo. (Nos mamíferos aquáticos, esta função isoladora está bem desenvolvida).

Nos últimos anos, o tecido adiposo passou a ser considerado um órgão com função endócrina própria. A hormona leptina está envolvida na regulação do peso corporal. A libertação da hormona aumenta nos indivíduos obesos e diminui após jejum nos adultos humanos. Nos animais, esta hormona atua no cérebro controlando o apetite, mas, no homem, por razões ainda não totalmente compreendidas, a sua ação não se faz sentir. Hoje sabe-se que a leptina influencia o metabolismo dos glícidos e dos lípidos

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noutros tecidos. Os adipócitos segregam uma segunda hormona, a resistina que parece favorecer o mecanismo de resistência à insulina, causando diabetes de tipo II em indivíduos obesos. Para além destas duas hormonas o tecido adiposo também produz adiponectina, fator de necrose tumoral-α e interleucina-6. As hormonas do tecido adiposo são conhecidas por adipocinas, algumas das quais são capazes de exercer efeitos consideráveis na utilização de glicose mediada pela insulina e/ou na glicogenólise hepática. Por exemplo, os níveis circulantes de adiponectina relacionam-se estreitamente com a sensibilidade à insulina e inversamente com a massa adiposa, principalmente a visceral. Por outro lado, esta hormona também favorece a utilização de glucose pelo músculo esquelético. A investigação sobre o tecido adiposo tem trazido novos conhecimentos sobre a síndrome metabólica humana, situação clínica que envolve diabetes de tipo 2, deficiente tolerância à glucose, resistência à insulina, hipertensão, obesidade, dislipidemia e microalbuminúria.

A B

Fig. 61 – Tecido adiposo observado ao m.o. A. Tecido adiposo unilocular; cada espaço

representa uma única gotícula de gordura e o material circundante o citoplasma das células

adjacentes e algum tecido conjuntivo; o S representa septos de tecido conjuntivo que criam

lóbulos de várias dimensões. B. Ampliação de uma porção de tecido adiposo; notar os

núcleos achatados (seta); também são visíveis um capilar (C) e uma vénula (V). Ross et al.,

1995.

Tecido adiposo castanho

A sua coloração varia do castanho ao castanho avermelhado, resultante, em parte, da rica vascularização e dos citocromos existentes nas suas excessionalmente abundantes mitocôndrias, cujas cristas são

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numerosas e atravessam, por vezes, o organelo de lado a lado. É um tecido multilocular, pois existem várias gotículas de lípidos no citoplasma das células. Praticamente não se encontra RER, os ribossomas são livres e existe algum REL e glicogénio. O núcleo é excêntrico mas não achatado como nas células do tecido unilocular, sendo as células de menores dimensões que as deste último. O tecido adiposo castanho encontra-se subdividido em numerosos lóculos pelo tecido conjuntivo.

Este tipo de tecido adiposo encontra-se em todos os mamíferos, estando mais desenvolvido nos que hibernam. No homem, encontra-se na nuca, na região interescapular, na parede posterior da cavidade abdominal, no mediastino e em torno dos rins e da aorta. Também existe em grande quantidade no recém-nascido, diminuindo à medida que a idade avança. A sua função é, principalmente, a de gerar calor por estimulação do sistema nervoso simpático.

Tecido Cartilagíneo

A cartilagem é um tipo de tecido conjuntivo especializado no qual as células, chamadas condrócitos, se encontram distribuídas com alguma distância umas das outras numa substância fundamental semelhante a um gel excecionalmente firme. Ao contrário de outros tecidos conjuntivos, não é penetrado por vasos sanguíneos. As células estão em pequenas cavidades chamadas lacunas, sendo alimentadas por nutrientes que se difundem pela fase aquosa da matriz a partir dos vasos do tecido conjuntivo em torno da cartilagem. O esqueleto do feto é formado por cartilagem, sendo esta gradualmente substituída por osso. A quantidade de cartilagem é progressivamente reduzida durante a vida pós-natal, mas continua a desempenhar um importante papel no crescimento dos ossos em comprimento. Quando é atingida a altura definitiva, toda a cartilagem foi substituída por osso, exceto nas superfícies articulares dos membros, nas extremidades ventrais das costelas, nos discos intervertebrais e no nariz, na laringe, na traqueia e nos pavilhões auditivos.

Com base na quantidade relativa de colagénio e elastina na matriz extracelular, distinguem-se três tipos de cartilagem: hialina, elástica e fibrosa.

Cartilagem hialina

Caracteriza-se por uma matriz homogénea e amorfa, no interior da qual se distribuem os condrócitos nas suas lacunas. Os condrócitos possuem superfície irregular, um núcleo volumoso, um complexo de Golgi, cisternas de RER e mitocôndrias (Fig. 62). São eles que segregam e mantêm a matriz

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circundante e sintetizam condronectina, uma molécula envolvida na adesão dos condrócitos às fibras de colagénio da matriz. Também conseguem despolimerizar os constituintes da matriz para alargar as lacunas. Perto das extremidades dos ossos longos, os condrócitos arranjam-se em colunas longitudinais paralelas ao eixo longo da cartilagem para formar as cartilagens de conjugação ou cartilagem diáfiso-epifisária que vão determinar o crescimento do osso em comprimento (ver Fig. 69). As cartilagens articulares, com 2-7 mm de espessura, são banhadas pelo líquido sinovial, permitindo o movimento quase sem fricção entre os ossos. Com a idade, a cartilagem articular torna-se mais fina e menos celular, à medida que as células degeneram sem ser substituídas.

Fig. 62 – Condrócitos observados ao m.e. Notar a forma e a superfície irregular, bem como a

grande quantidade de RER. Fawcett & Jensh, 2002.

A sua matriz é composta por fibras de colagénio predominantemente de tipo II que não formam grandes feixes, mas sim uma rede que se distribui por toda a matriz e é estabilizada por fibras de outros tipos de colagénio. A substância fundamental é composta, essencialmente, por proteoglicanos (ver Fig. 60). Os principais glicosaminoglicanos da cartilagem são o sulfato de condroitina, o sulfato de queratano e o ácido hialurónico. Os componentes da matriz não se distribuem uniformemente, sendo mais concentrados em torno

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das lacunas formando uma cápsula (Fig. 63). A matriz perto destas zonas chama-se matriz territorial e a mais afastada chama-se matriz interterritorial.

Para além do esqueleto do feto, das cartilagens de conjugação e das cartilagens articulares, a cartilagem hialina no adulto mantém-se na traqueia, nos brônquios, na laringe, no nariz e nas extremidades das costelas.

Fig. 63 – Cartilagem hialina observada ao m.o. L, lacunas; Cap, cápsulas; Ch, condrócitos.

Notar a densidade irregular da matriz. Ross et al., 1995.

Existem várias doenças, chamadas condrodistrofias, decorrentes de perturbações do crescimento das cartilagens e da sua subsequente substituição por osso. Uma delas, a acondroplasia, é uma doença hereditária na qual há pouca proliferação de condrócitos nas cartilagens de conjugação, resultando numa forma de nanismo em que o tronco tem um comprimento normal, mas os membros são muito curtos.

Cartilagem elástica

Distingue-se pela presença de elastina na matriz, para além dos componentes da matriz da cartilagem hialina, o que lhe confere propriedades elásticas para além da flexibilidade característica desta última. A cartilagem elástica existe nos pavilhões auditivos, nas paredes do canal do ouvido externo, na epiglote e na laringe. A matriz deste tipo de cartilagem é menos

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abundante que na cartilagem hialina e nunca calcifica. A figura 64 representa a cartilagem elástica.

Fig. 64 – Epiglote humana. Em 1: EC, cartilagem elástica; AT, tecido adiposo; MG, glândulas mucosas. Acima e abaixo da cartilagem elástica existe tecido conjuntivo e epitélio escamoso estratificado (x 80). Em 2: Secção de cartilagem elástica com maior ampliação. Notar as fibras de elastina (E) (x250 e dentro do círculo x400). Ross et al., 1995.

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Por curiosidade, salientamos o facto de as propriedades viscoelásticas deste tipo de cartilagem se deverem aos proteoglicanos da sua matriz. Se se injetar, por via endovenosa, a enzima papaína num coelho, as suas orelhas em breve cairão, à medida que a enzima degrada os proteoglicanos da sua cartilagem elástica. No entanto, os condrócitos respondem rapidamente segregando novas moléculas dos vários componentes da matriz, sendo a posição ereta das orelhas restaurada em 48 horas.

Cartilagem fibrosa

Também chamado fibrocartilagem, este tipo de tecido cartilagíneo é composto por condrócitos e respetiva matriz territorial, em combinação com tecido conjuntivo. Assemelha-se ao tecido conjuntivo denso regular e encontra-se nos discos intervertebrais, na sínfise púbica, nos discos articulares das articulações esternoclavicular e temperomandibular, nos meniscos da articulação do joelho e em certos locais onde os tendões se ligam aos ossos. De uma maneira geral, a presença de cartilagem fibrosa indica ser necessária resistência tanto a forças de compressão como de tração.

Os condrócitos, rodeados por uma pequena quantidade de matriz, estão alinhados em filas entre feixes de colagénio de tipo I. A matriz interterritorial está, em grande parte, substituída por feixes de colagénio. A figura 65 representa cartilagem fibrosa de um disco intervertebral.

Nos discos intervertebrais, a cartilagem fibrosa tem uma organização algo diferente. No centro do disco existe um núcleo polposo que consiste numa pequena população de células numa matriz semifluida rica em ácido hialurónico e fibras de colagénio de tipo II. O núcleo é rodeado por um espesso anel de cartilagem fibrosa, chamado anel fibroso, que é composto por lamelas concêntricas de fibras de colagénio. Algumas delas terminam numa fina camada de cartilagem hialina na superfície das vértebras, acima e abaixo do disco. Alguns condrócitos podem ser encontrados entre as lamelas do anel. A orientação das fibras de colagénio modifica-se em lamelas sucessivas, o que dá à cartilagem fibrosa a capacidade de resistir a quaisquer forças que tenderiam a deslocar as vértebras relativamente umas às outras.

As hérnias discais são uma lesão frequente nos desportos de contacto, que se devem a forças de compressão assimétricas que rompem o anel fibroso do disco, com saída do núcleo polposo. Este, ao comprimir as raízes dos nervos, provoca dor e perturbações neurológicas na região inervada por esses nervos.

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Fig. 65 – Disco intervertebral humano. Em 1: cartilagem fibrosa com pequena ampliação; F, fibroblastos; C, condrócitos (x160). Em 2: Ampliação da área circunscrita pelo retângulo em 1; notar as fibras de colagénio incorporadas na matriz; as setas indicam as lacunas (x700). Ross et al., 1995.

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Histofisiologia da cartilagem

Na vida adulta, as cartilagens permitem ao corpo resistir a forças compressivas e as suas superfícies lisas permitem o movimento das articulações sem atrito. Nas crianças, o crescimento em altura depende das cartilagens de conjugação. Este crescimento é controlado indiretamente pela GH, pois esta regula a produção de somatomedina–C pelo fígado que estimula a proliferação dos condrócitos. A matriz, por ser avascular, constitui uma barreira à entrada de linfócitos e anticorpos, o que favorece a transplantação de tecido cartilagíneo de uns indivíduos para outros sem o perigo de rejeição.

As articulações podem ser afetadas por vários processos patológicos, dos quais destacaremos dois – a artrite reumatoide, uma doença autoimune da qual já se falou em Imunologia e que se caracteriza por uma reação inflamatória crónica em torno das articulações; e a osteoartrite, uma doença frequente nos idosos causada pela quebra das cartilagens articulares, com crescimento ósseo sob a cartilagem afetada, limitando o seu movimento.

Tecido Ósseo

É um tecido conjuntivo caracterizado por ter uma matriz extracelular mineralizada, contendo cristais de um complexo sal de cálcio chamado hidroxiapatite. A porção orgânica da matriz é formada por proteoglicanos e fibras de colagénio de tipo I, correspondendo a 50% do seu volume. A substância fundamental do osso é semelhante à da cartilagem, mas contém proteínas exclusivas do tecido ósseo (osteopontina e osteocalcina, por exemplo). A calcificação da matriz torna o tecido ósseo duro, ideal para as suas funções de suporte e proteção. É aos ossos que se ligam os músculos envolvidos na locomoção, são eles que protegem os órgãos vitais e constituem um reservatório de cálcio que pode ser mobilizado sempre que necessário. É um tecido com uma dinâmica muito particular que se remodela constantemente.

Como já foi estudado, os ossos podem ser longos, curtos, achatados e irregulares. Os ossos longos possuem duas epífises e uma parte intermédia chamada diáfise. No seu interior existe um canal, onde se encontra a medula óssea, que também preenche os espaços entre o tecido esponjoso.

O tecido ósseo pode ser de dois tipos – compacto e esponjoso. O tecido compacto encontra-se, essencialmente nas diáfises, enquanto o esponjoso se encontra, essencialmente, nas epífises. Nos ossos curtos, o tecido é compacto no exterior e esponjoso no interior. As superfícies

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articulares dos ossos, como já dissemos, estão cobertas por cartilagem hialina.

A superfície dos ossos é coberta por uma membrana não calcificada, o periósteo, e uma membrana mais fina, o endósteo no seu interior, ambas formadas por tecido conjuntivo denso. Para além de fibroblastos, estas camadas possuem, ambas, células osteoprogenitoras, precursoras inativas das células que formam o osso. As células ósseas incluem os osteoblastos, que poduzem a matriz do osso, os osteócitos, que se encontram nas lacunas na substância fundamental, e os osteoclastos, que destroem o osso durante o seu processo de remodelação.

Os osteoblastos alinham-se na superfície dos ossos, matendo contacto entre si através de processos laterais. O seu citoplasma possui RER abundante e ribossomas livres, sintetizando colagénio de tipo I, glicoproteínas e proteoglicanos da substância fundamental e várias outras proteínas. Quando estão em atividade são cuboidais, ficando achatadas quando inativas. Algumas ficam presas nas suas próprias secreções, numa lacuna, transformando-se em osteócitos, as principais células do osso adulto, que participam na manutenção da matriz circundante. O seu citoplasma emite processos que ocupam canalículos (ver Fig. 68-3) que irradiam da lacuna e que se ligam a processos das células vizinhas através de junções de hiato. Durante toda a vida, o osso está em constante renovação que envolve a remoção da matriz calcificada e a sua substituição por osso formado de novo. As células responsáveis pela remoção do osso são os osteoclastos, células de grandes dimensões, contendo 4 a 40 núcleos, vários complexos de Golgi e centrossomas, numerosas mitocôndrias e elevado número de lisossomas. A membrana da sua superfície inferior apresenta uma especialização muito particular, parecendo pregueada. Sob cada osteoclasto existe uma pequena depressão na superfície do osso chamada lacuna de Howship, formada por ação das enzimas lisossomais libertadas pelo osteoclasto. Este segrega iões H+ que acidificam o meio subjacente dissolvendo a matriz mineral e enzimas, como colagenase e outras hidrolases que digerem os componentes orgânicos da matriz. Os produtos desta digestão são captados pelas pregas da membrana e as vesículas resultantes, que se encaminham para a extremidade oposta, libertam o seu conteúdo no fluido extracelular que o transporta para os capilares sanguíneos vizinhos. A figura 66 ilustra a relação entre os três principais tipos de células ósseas.

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Fig. 66 – Desenho represen-tando os três principais tipos de células ósseas e a sua relação com a matriz mineralizada. Notar o contacto entre processos de osteoblastos adjacentes e a lacuna de Howship sob a bordadura pregueada do osteoclasto multinucleado. De salientar, também, a polaridade tanto dos osteoblastos como dos osteoclastos. Fawcett & Jensh, 2002.

Organização do osso lamelar

O osso compacto do adulto é formado por subunidades cilíndricas chamadas sistemas de Havers, ou osteões, cada um composto por 5-15 lamelas de matriz calcificada dispostas em torno de um canal central que contém um capilar sanguíneo. Estes estão ligados entre si e com o canal medular através de canais oblíquos que atravessam as lamelas (canais de Volkmann). O periósteo está fixado às lamelas concêntricas externas por feixes de fibras de colagénio (fibras de Sharpey) (Fig. 67). Na figura 68 podemos ver fotografias de tecido ósseo compacto ao m.o. com ampliações diferentes.

Fig. 67 – Desenho de um

setor da diáfise de um

osso longo, mostrando o

arranjo das lamelas nos

osteões, as lamelas

intersticiais e as lamelas

concêntricas exteriores e

interiores. Fawcett &

Jensh, 2002.

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Fig. 68 – Osso compacto humano. 1. Aspeto da zona periférica do osso; CL, lamelas concêntricas; O, osteão; L, lacunas; IL, lamelas intersticiais; HC, canais de Havers; VC, canal de Volkmann (x 80). 2. Sistema de Havers com uma ampliação de x 300. 3. Observam-se os canalículos e as lamelas assinaladas por linhas finas (setas) que atravessam a fotografia (x 400). Ross et al., 1995.

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Crescimento do osso em comprimento

As cartilagens de conjugação determinam o crescimento do osso em comprimento (Fig. 69). À medida que a ossificação progride, os condrócitos das colunas longitudinais sofrem alterações, reconhecendo-se quatro zonas – nas extremidades epifisárias, há uma zona de proliferação, onde as frequentes mitoses asseguram o alongamento contínuo do osso. Abaixo desta, existe a zona de maturação, na qual as células aumentam de volume, atingindo o seu máximo na zona de hipertrofia, onde as células são muito grandes e possuem grandes vacúolos. A matriz entre as colunas está a sofrer calcificação, pelo que também se conhece pelo nome de zona de calcificação provisória. Por último, na extremidade das colunas junto da diáfise, encontra-se a zona de degeneração, onde os condrócitos hipertrofiados morrem e as suas lacunas são invadidas por capilares e células osteoprogenitoras provenientes da medula. Aquelas diferenciam-se em osteoblastos que depositam matriz entre as colunas de células. O crescimento em comprimento vai ocorrendo enquanto as cartilagens de conjugação se mantêm. No entanto, estas acabam por ser completamente ossificadas, e, pelos 18 anos de idade, ocorre o fecho das epífises e o crescimento em comprimento termina, não sendo possível voltar a dar-se aumento do comprimento dos ossos (ver Fig. 70).

Fig. 69 – Microfotografia mostrando a epífise de um osso longo em crescimento. A. A banda

clara através do osso é a cartilagem de conjugação. B. Área da caixa assinalada em A; notar

as colunas de condrócitos. Fawcett & Jensh, 2002.

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Crescimento do osso em diâmetro

Enquanto o crescimento em comprimento se dá na cartilagem de conjugação, o aumento do diâmetro da diáfise está a ocorrer por deposição concêntrica de tecido ósseo sob o periósteo. O espessamento da diáfise por deposição de osso na superfície externa é acompanhado por mobilização dos osteoclastos na sua superfície interna, que absorvem o osso e alargam o canal medular. Este processo mantém-se até ser atingido o diâmetro final do osso. A figura 79 resume os acontecimentos do crescimento de um osso longo.

O crescimento dos ossos é regulado, principalmente, pela hormona de crescimento (GH), ou somatotrofina, produzida pela adeno-hipófise, que atua sobre as cartilagens de conjugação. A hipersecreção desta hormona durante a infância leva ao gigantismo, enquanto a hiposecreção leva ao nanismo hipofisário. A hipersecreção de GH na idade adulta leva à acromegalia, em que há sobrecrescimento das extremidades (mãos e pés), mandíbula, nariz e ossos do crânio. A hiposecreção de tiroxina (hormona da tiroide) durante a infância, situação clínica conhecida pelo nome de cretinismo, também leva a graves perturbações do crescimento.

Fig. 70 – Diagrama que resume as etapas sucessivas do crescimento de um osso longo típico, desde a vida fetal até terminado o crescimento. O cinzento claro representa a cartilagem, o cinzento escuro a cartilagem ossificada, o negro tecido ósseo. A’-D’. Secções ao nível da região mediana da diáfise. A. “Osso” ainda formado apenas por cartilagem; B. Aparecimento de osso sob o periósteo; C. A cartilagem começa a calcificar; D. Vasos sanguíneos penetram na matriz calcificada, dividindo-a em duas zonas de ossificação (E). F. Os vasos sanguíneos penetram na cartilagem da epífise superior e estabelecem um centro de ossificação (G). H. Forma-se um centro de ossificação na epífise inferior. I. Desaparece a cartilagem de conjugação da epífise inferior. J. Desaparece a cartilagem de conjugação da epífise superior e o crescimento em comprimento cessa. Entretanto, o diâmetro do osso aumentou à custa da atividade do periósteo. Fawcett & Jensh, 2002.

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Reparação de fraturas

Após uma fratura óssea, o potencial osteogénico das células do periósteo e do endósteo é posto em ação. Entre os fragmentos do osso, forma-se um coágulo de sangue que rapidamente é invadido por células que formam uma massa desordenada de fibras de colagénio e matriz de cartilagem, chamada calo fibrocartilagíneo. As células do periósteo substituem este calo por um calo ósseo, formado por trabéculas que preenchem os espaços entre os fragmentos do osso. Nas semanas que se seguem, aquelas trabéculas transformam-se em osso compacto e dá-se reabsorção do excesso de tecido ósseo formado na zona da fratura, restaurando a superfície normal. A intervenção levada a cabo após a ocorrência de uma fratura tem como objetivo manter ao máximo a estrutura e a função do osso, podendo, caso contrário, a ossificação resultante dar origem a um defeito. Quando as fraturas são ligeiras, como num dedo do pé, pode ser suficiente a imobilização.

Histofisiologia do tecido ósseo e homeostasia do cálcio

A manutenção da massa óssea depende do equilíbrio entre a deposição do osso pelos osteoblastos e a remoção pelos osteoclastos, o que está dependente de regulação hormonal. Por outro lado, os ossos funcionam, conforme já foi referido, como reservatórios de cálcio. A manutenção dos níveis de cálcio circulantes dentro dos limites normais é fundamental para a saúde. Esta manutenção depende não só da quantidade de cálcio presente na dieta, mas também de duas hormonas – a paratormona (PTH), segregada pelas glândulas paratíróides, e a calcitonina, segregada pelas células parafoliculares da tiroide. A PTH eleva os níveis de cálcio no sangue por estimular os osteoclastos e os osteócitos a reaborver a matriz mineral do osso, libertando cálcio no sangue. A PTH também reduz a excreção de cálcio pelo rim e aumenta a de fosfato e promove a absorção de cálcio a nível do intestino. A calcitonina inibe a reabsorção do osso, contrariando a ação da PTH nos osteoclastos.

As hormonas sexuais (estrogénios e androgénios) também atuam no crescimento, principalmente no momento em que se fecham as epífises dos ossos longos, e na manutenção do tecido ósseo. À medida que a idade avança e o nível de hormonas sexuais desce no sangue, o equilíbrio entre a deposição e a absorção do osso altera-se, resultando na redução da massa óssea.

A perda de massa óssea é acelerada nas mulheres após a menopausa, o que pode levar a osteoporose, ou seja, redução acentuada do número de trabéculas e redução da espessura do osso compacto.

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O desenvolvimento e a manutenção normais do tecido ósseo dependem da alimentação, necessitando de uma ingestão equilibrada de proteínas, minerais e vitaminas, dos quais se destacam o cálcio e a vitamina D. Uma deficiência desta vitamina na infância leva ao raquitismo, no qual se dá o arranjo desordenado dos condrócitos nas cartilagens de conjugação e calcificação incompleta ao nível das diáfises. Os ossos longos são deformados pelo peso do corpo, ficando os membros inferiores tipicamente arqueados. A vitamina C é essencial para a síntese de colagénio.

O Sangue

O sangue é um tecido conjuntivo líquido que circula no sistema cardiovascular. Como os outros tecidos conjuntivos, o sangue é constituído por uma matriz extracelular cujo volume é maior que o das células. As suas funções incluem:

� transportar oxigénio e nutrientes às células;

� transportar resíduos do metabolismo, nomeadamente dióxido de carbono, até aos órgãos de excreção;

� transportar hormonas e outros agentes reguladores do organismo;

� desempenhar um importante papel na homeostasia devido às suas capacidades termo-reguladoras e de tampão;

� transportar células e moléculas que defendem o organismo de infeções e agentes estranhos ao organismo.

O sangue é composto por elementos figurados, as células e seus derivados, que, ao contrário do que acontece nos outros tecidos, não estabelecem contacto entre si através de junções intercelulares, e uma matriz rica em proteínas chamada plasma. Existem três tipos de elementos figurados no sangue: glóbulos vermelhos, também chamados eritrócitos ou hemácias; glóbulos brancos, também chamados leucócitos, dos quais existem vários tipos, e plaquetas.

O plasma

O plasma é a matriz extracelular que dá ao sangue as suas propriedades de líquido. O volume relativo das células e do plasma é cerca

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de, respetivamente, 45% e 55%, valor este a que se chama hematócrito. A composição química do plasma está representada no Quadro abaixo.

Componente Percentagem Água 91-92 Proteínas (fibrinogénios, globulinas, albumina) 7-8 Outros solutos 1-2

Nos outros solutos estão incluídos eletrólitos (Na+, K+, Ca2+, Mg2+, Cl-, HCO3

-, PO43-, SO4

2-), substâncias nitrogenadas não proteicas (ureia, ácido úrico, creatina, creatinina, sais de amónia), nutrientes (glucose, lípidos, aminoácidos), gases (oxigénio, dióxido de carbono, azoto) e substâncias reguladoras (hormonas, enzimas). Os fibrinogénios são proteínas de grandes dimensões, produzidas no fígado e que intervêm na coagulação do sangue (ver adiante). As albuminas, também produzidas no fígado, são as proteínas mais pequenas, responsáveis pela pressão osmótica exercida nas paredes dos vasos sanguíneos (pressão coloidosmótica). Se a albumina sai dos vasos, a pressão do sangue diminui, acumulando-se líquido nos tecidos, provocando edema dos tornozelos no final do dia. As globulinas incluem as imunoglobulinas (anticorpos, que estudaremos no Capítulo sobre Imunologia) e outras globulinas produzidas pelo fígado, como a fibronectina e outas glicoproteínas, que passam do sangue para o tecido conjuntivo e vice-versa.

O líquido intersticial dos tecidos conjuntivos deriva do plasma. A composição daquele varia, no entanto, bastante, pois os epitélios, através das suas propriedades de absorção e secreção, modificam-no quimicamente.

Eritrócitos

São células sem núcleo nem outros organelos celulares, de cor avermelhada devida à presença de um pigmento transportador de oxigénio chamado hemoglobina (cada eritrócito possui cerca de 250 milhões de moléculas de hemoglobina). O seu número normal varia entre 5,1 x 10-6/mm3

a 5,8 x 10-6/mm3, no homem, e entre 4,3 x 10-6/mm3 a 5,2 x 10-6/mm3, na mulher. Por curiosidade, a sua área da superfície total é de 3800 m2 (aproximadamente a de um estádio de futebol). A função dos eritrócitos é transportar oxigénio (O2) e dióxido de carbono (CO2) entre os pulmões e os tecidos. A sua forma é a de um disco bicôncavo, com 7,6-7,8 µm de diâmetro, sendo a sua espessura de 1,9 µm na periferia e um pouco menos no centro (Fig. 71-b). Esta forma adapta-se melhor às suas funções, pois tem uma

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superfície 20-30% superior à de uma esfera com o mesmo volume, sendo mantida por proteínas do citoesqueleto (espectrina, actina, tropomiosina).

Fig. 71 – Eritrócitos. a. Microfotografia mostrando vários capilares (Cap) que se juntam

formando uma vénula (V). Num dos capilares os eritrócitos aparecem numa fila única,

embora, em capilares mais estreitos, eles possam deformar-se; as estruturas assinaladas

pela letra A são adipócitos. b. Fotografia tirada ao microscópio de varrimento. Notar a forma

côncava das células. Ross et al., 1995.

Alguns eritrócitos são chamados reticulócitos, pois ainda apresentam restos de membranas de RER e ribossomas, mas o seu número é, em média, de 8% do total dos eritrócitos e a sua contagem utiliza-se, na clínica, para dar uma medida da taxa de produção de novos eritrócitos. Por exemplo, nos doentes com anemia (número reduzido de eritrócitos) um número elevado de reticulócitos demonstra uma boa resposta ao tratamento.

A membrana dos eritrócitos contém certas glicoproteínas integrais que são antigénios (substâncias que causam uma resposta imunológica), uns designados A e outros B. Os eritrócitos de alguns indivíduos possuem antigénios de tipo A, outros de tipo B, outros possuem os dois e outros ainda não possuem nenhum. Esta é a base do sistema AB0 dos grupos sanguíneos.

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Plaquetas

São corpúsculos muito pequenos, com cerca de 2-3 µm de diâmetro, incolores e com uma duração média de vida entre 8 e 10 dias. O seu número varia entre 200 000 e 400 000/mm3. Derivam de células poliploides da medula óssea chamadas megacariócitos que se fragmentam. As plaquetas têm como função colaborar na coagulação do sangue, para o que contêm, no seu interior, grânulos que encerram fatores de coagulação e outras moléculas que contribuem para a cascata de acontecimentos que ocorre na formação de um coágulo (Fig. 72).

C

Fig. 72 – As plaquetas contêm microtúbulos na periferia do seu citoplasma que lhes permitem manter a forma discoide, grânulos de glicogénio que lhes fornecem o substrato respiratório a oxidar nas mitocôndrias e vários tipos de grânulos que encerram substâncias intervenientes na hemostase, nomeadamente ADP e Ca2+. Também contêm mRNA que lhes permite fazer algumas sínteses, principalmente de glicoproteínas. A. Vista de topo; B. Vista de perfil. Carneiro, 1987. C. Fotografia ao m.e. As setas indicam os feixes de microtúbulos periféricos. Fawcett & Jensh, 2002.

A missão contínua das plaquetas é a de “patrulhar” a corrente sanguínea e detetar qualquer lesão no endotélio dos vasos. Quando inativas não apresentam qualquer tendência para se agregarem entre si ou aderirem à parede dos vasos. No entanto, se detetam qualquer rotura ou lesão na parede de um vaso, aderem a ela e entre si, iniciando a formação de um coágulo ou trombo. A adesão ativa as plaquetas que libertam uma

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glicoproteína que vai induzir a sua agregação, o que leva à formação de um trombo de plaquetas, uma massa semissólida que oclude parcialmente o lume do vaso. Por esta razão, também se chamam trombócitos. Juntamente com a agregação das plaquetas, outras reações do processo da coagulação são postas em ação, como veremos adiante.

Alterações patológicas no endotélio das artérias coronárias podem causar adesão das plaquetas e formação de um coágulo que oclude o seu lume resultando num ataque cardíaco.

Leucócitos

Os glóbulos brancos do sangue, ou leucócitos, incluem vários tipos de células envolvidas nas defesas do organismo. No seu total, existem entre 6000 e 9000/mm3 de sangue. Classificam-se em granulócitos e agranulócitos, dependendo da presença ou da ausência de grânulos no seu citoplasma. Existem três tipos de granulócitos, em função da afinidade que apresentam para os corantes: neutrófilos, eosinófilos e basófilos (Fig. 73); e dois tipos de agranulócitos: monócitos e linfócitos (Fig. 74).

Os neutrófilos representam 55-60% dos leucócitos (3000-6000/mm3). Também são chamados polinucleares, embora erradamente, pois possuem um núcleo multilobado que pareceu aos primeiros microscopistas corresponder a vários núcleos de formas diferentes, pelo que outro nome por que são conhecidos é polimorfonucleares. Os neutrófilos recentemente chegados ao sangue possuem um núcleo alongado, pelo que são chamados bandas. O aumento do seu número indica que há grande produção de neutrófilos em resposta a uma infeção. Os grânulos que possuem no seu citoplasma são de dois tipos distintos, segundo a sua afinidade para os corantes, e contêm enzimas diferentes. A sua principal função em caso de infeção é a de fagocitar bactérias (ver Fig. 73-B). São dotados de quimiotaxia, ou seja, são capazes de responder a um sinal químico enviado por outras células. Além disso, são capazes de atravessar o reduzido espaço entre as células do endotélio dos vasos e migrar para o tecido conjuntivo, fenómeno chamado diapedese.

O pus que se acumula numa ferida é essencialmente constituído por neutrófilos já mortos, juntamente com células descamadas e, muito frequentemente, microrganismos.

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A B

C D

Fig. 73 - Granulócitos observados ao m.e. A. Neutrófilo: notar os lobos do núcleo, o pequeno complexo de Golgi (G) e os grânulos no centro da célula – os específicos menos densos e mais arredondados que os azurofílicos (com afinidade para certos corantes); o aspeto pontuado junto à parte convexa do núcleo deve-se a partículas de glicogénio; no círculo, encontra-se o aspeto de um neutrófilo ao m.o. B. Neutrófilo em plena atividade fagocítica de bactérias; notar os vários vacúolos no citoplasma. Ross et al., 1995. C. Eosinófilo: Notar os grandes grânulos específicos contendo cristais de forma romboidal. Estes cristais não se encontram em mais nenhuma espécie de mamífero para além do homem. D. Basófilo: os grânulos densos são consideravelmente maiores que os dos outros granulócitos. Fawcett & Jensh, 2002.

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A B

Fig. 74 – A. Fotografia de m.e. de um monócito. Possui um núcleo indentado, poucas cisternas de retículo endoplasmático e mitocôndrias num citoplasma rico em ribossomas. Não contém grânulos específicos. Notar as microvilosidades da membrana. Fawcett & Jensh, 2002. B. Fotografia de m.e. de um linfócito. O aspeto pontuado do citoplasma deve-se à presença de numerosos ribossomas livres. Observam-se várias mitocôndrias (M). O centro da célula, onde o núcleo é indentado, mostra um centríolo (C) e um pequeno complexo de Golgi (G). No círculo, o aspeto ao m.o. de um linfócito de tamanho médio, para comparação. A região do centríolo está indicada pela seta. Ross et al., 1995.

Os eosinófilos, representam 1-3% dos leucócitos e distinguem-se bem dos neutrófilos pelos seus grânulos específicos de maiores dimensões que contêm vários tipos de enzimas hidrolíticas e proteínas específicas não encontradas em nenhum outro tipo de células e que são tóxicas para alguns parasitas. O seu núcleo é bilobado (ver Fig. 73-C). Depois de estarem entre 6 a 10 horas no plasma, migram para os tecidos conjuntivos onde ficam durante a sua vida (8 a 10 dias). Não fagocitam bactérias. As suas funções estão relacionadas com as reações alérgicas, como será estudado em Imunologia.

Os basófilos são os menos numerosos dos granulócitos, correspondendo a apenas 0,5% dos leucócitos. São sensivelmente do mesmo tamanho que os neutrófilos e distinguem-se pelos seus grânulos específicos muito grandes que contêm heparina e histamina, mas não enzimas hidrolíticas. O núcleo é curvo mas sem lobos. O RER é mais abundante neste tipo de leucócitos relativamente aos outros (ver Fig. 73-D). São bastante móveis e juntam-se nos locais de infeção, mas também intervêm em reações alérgicas.

Os monócitos correspondem a 3-8% dos leucócitos. São células que possuem um grande núcleo tipicamente em forma de rim e o seu citoplasma

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não apresenta grânulos. A sua membrana externa possui microvilosidades (ver Fig. 74-A). Circulam no sangue durante 1-4 dias antes de migrarem para os tecidos conjuntivos, onde se diferenciam em macrófagos, células fagocíticas vorazes que se encarregam da “limpeza” habitual eliminando células senescentes, mas também eventuais bactérias invasoras. Além disso, colaboram com os linfócitos, como será estudado em Imunologia.

Os linfócitos são a segunda classe mais abundante de leucócitos, correspondendo a 25-30% do total. O seu aspeto é bastante característico por terem um núcleo relativamente grande para o seu tamanho e uma pequena porção de citoplasma em torno dele (ver Fig. 74-B). Os linfócitos são, como já é sabido, os principais agentes das defesas imunológicas do organismo. Recordemos que existem dois tipos – os linfócitos B, produtores de anticorpos, e os linfócitos T, dos quais existem várias categorias, e que produzem outras substâncias importantes para as reações imunológicas, as linfocinas. Os linfócitos T devem o seu nome ao facto de “estagiarem” no timo. Os linfócitos B duram vários meses, mas os T podem durar vários anos no organismo.

Hematopoiese

A formação de novas células sanguíneas chama-se, globalmente, hematopoiese. No entanto, podemos considerar a formação dos eritrócitos (eritropoiese), dos leucócitos (leucopoiese), mais especificamente dos granulócitos (granulocitopoiese), dos monócitos (monocitopoiese), dos linfócitos (linfocitopoiese) e das plaquetas (trombocitopoiese).

O principal local da hematopoiese no adulto é a medula óssea, que ocupa o canal medular dos ossos longos e o osso esponjoso das vértebras, das costelas e do esterno. Esta produção é elevada, pois a maioria daquelas tem uma vida relativamente curta. Num adulto, são formados aproximadamente 1010 eritrócitos e 4 x 108 leucócitos por dia. Existem dois tipos de medula óssea – a vermelha e a amarela. Esta última é inativa e consiste, essencialmente, em adipócitos. Vai substituindo a medula vermelha existente em todo o esqueleto no nascimento e, pelos 10 anos de idade, a medula vermelha persiste apenas nas vértebras, nas costelas, na pélvis e nas extremidades proximais do úmero e do fémur. A medula vermelha ativa é um tecido com numerosas células que incluem células indiferenciadas precursoras das células sanguíneas, suportadas por um estroma de células reticulares e fibras reticulares, macrófagos e alguns adipócitos. Este tecido é bem vascularizado. As células reticulares e os macrófagos libertam fatores que estimulam a proliferação e a diferenciação das células precursoras das

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células sanguíneas. A figura 75 resume os fenómenos que se dão durante a hematopoiese.

Fig. 75 – Diagrama com as fases da hematopoiese. As células acima da linha tracejada, com exceção das células hematopoiéticas indiferenciadas (CHI) não se distinguem nem mesmo ao m.e. UFC – unidade formadora de colónias; E - eritrócitos; GM – granulócitos, monócitos; L – linfócitos; Me – megacariócitos. Fawcett & Jensh, 2002.

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A medula óssea está sob o efeito de uma hormona produzida pelo rim, a eritropoietina, que, em resposta a baixos níveis de oxigénio no sangue, é produzida para estimular a eritropoiese. As outras células são produzidas por ação de fatores de crescimento produzidos pelas células do estroma da medula, a maioria dos quais são glicoproteínas.

Muitas doenças estão relacionadas com as células sanguíneas. Algumas são nutricionais, como é o caso da anemia ferripriva, devida a carência de ferro, e da anemia perniciosa, devida à carência de vitamina B12 que induz atraso da produção dos eritrócitos e os produzidos são de grande tamanho; a anemia megaloblástica também pode ser causada por carência de ácido fólico. A drepanocitose ou anemia falsiforme é uma doença hereditária em que as moléculas de hemoglobina são anormais; em condições de hipoxia, os eritrócitos ficam deformados (em forma de foice) e a sua função é gravemente comprometida. Também há problemas patológicos quando o número de plaquetas circulante é baixo, como acontece na púrpura trombocitopénica, uma doença autoimune da qual voltaremos a falar. Quanto às leucemias, são cancros devidos à transformação maligna das células precursoras dos leucócitos. Podem ser fulminantes, levando à morte em poucos meses, ou crónicas, com um curso muito mais lento.

Para terminar o tecido sanguíneo, observemos a figura 76 que representa células sanguíneas de um esfregaço de sangue ao m.o.

Fig. 76 – Fotografias de esfregaços de sangue observados ao m.o. A. Neutrófilos; B. Eosinófilo; C. Basófilo; D. Linfócito; E e F. Monócitos. Nas 6 fotografias são visíveis eritrócitos (comparar com a figura 71). Fawcett & Jensh, 2002.

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Hemostase

Chama-se hemostase ou hemostasia (do grego: haima – sangue + stasis – manter) ao conjunto de fenómenos que impedem a perda de sangue sempre que um vaso sanguíneo é lesionado. Esse conjunto de fenómenos envolve:

� constrição local do vaso;

� formação de um tampão de plaquetas;

� coagulação do sangue.

Após a lesão, o diâmetro dos vasos de maior calibre diminui, devido a um reflexo nervoso local que provoca a contração da musculatura lisa da sua parede. Os capilares contraem-se por ação do tromboxano A2, substância vasoconstritora libertada pelas plaquetas. Estas reações reduzem o efluxo de sangue no local da rotura. As plaquetas circulantes aglutinam-se no local da lesão, procedendo à sua reparação e permitindo, desse modo, a continuidade da parede do vaso (Fig. 77).

Fig. 77 – Representação esquemática dos primeiros eventos da formação de um coágulo

num vaso lesionado. As plaquetas aderem ao local e libertam ADP e glicoproteínas adesivas,

o que resulta na sua agregação. Tromboplastina proveniente das células lesionadas da

parede do vaso converte protrombina em trombina, o que catalisa a polimerização da fibrina

a partir do fibrinogénio plasmático (ver texto). Os filamentos de fibrina prendem as plaquetas

e os eritrócitos, formando um coágulo gelatinoso. Fawcett & Jensh, 2002.

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Quando aderem a uma superfície, as plaquetas alteram a sua forma, apresentando um contorno irregular e pseudópodes. A adesão das plaquetas ao colagénio é devida à interação de locais específicos das moléculas desta substância com glicoproteínas específicas da membrana. Esta adesão induz a desgranulação das plaquetas, com saída para o exterior das substâncias existentes nos grânulos, principalmente ADP. A figura 78 esquematiza o mecanismo de agregação das plaquetas.

Fig. 78 – Esquema simplificado do mecanismo de agregação das plaquetas. A fibrina

formada aumenta a adesão entre elas. Carneiro, 1987.

A coagulação do sangue

Forma-se um coágulo de sangue quando os eritrócitos ficam retidos numa rede de fibrina. Esta, por sua vez, forma-se em consequência da ativação da tromboplastina (Fig. 79).

Fig. 79 – Conversão do fibrinogénio em fibrina por ação da tromboplastina. Esta pode formar-se no plasma (protrombinase) ou ser tecidual (fator III da coagulação). A tromboplastina é uma enzima proteolítica que atua sobre a protrombina, proteína circulante no plasma, produzida pelo fígado e cuja síntese necessita de vitamina K. A protrombina é convertida em trombina que é, também, uma protease que quebra o fibrinogénio em várias cadeias peptídicas, algumas das quais se polimerizam para dar fibrina (ver Fig. 81).

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A tromboplastina pode ser ativada por um mecanismo extrínseco, iniciado pelo traumatismo dos tecidos extravasculares, ou por um mecanismo intrínseco, que se inicia no próprio sangue.

São atualmente conhecidas treze substâncias que se incluem na designação genérica de fatores de coagulação. Com exceção do cálcio, são globulinas plasmáticas produzidas, na sua maior parte, no fígado, sendo a vitamina K necessária à síntese de algumas delas. Circulam sob uma forma inativa, e, uma vez ativadas, comportam-se como enzimas proteolíticas e a maioria delas intervém nos mecanismos moleculares de formação da tromboplastina. Alguns fatores de coagulação são comuns aos dois mecanismos, outros participam apenas num (Quadro).

Fator de

coagulação Designação Mecanismo

extrínseco Mecanismo intrínseco

I Fibrinogénio + + II Protrombina + + III Tromboplastina tecidual + − IV Cálcio + + V Proacelerina + + VII Proconvertina + − VIII Fator anti-hemolítico A − + IX Fator Christmas (anti-hemofílico B) − + X Fator de Stuart-Power + + XI Antecedente da trombina (anti-hemofílico C) − + XII Fator de Hageman (ou de contacto) − + XIII Fator estabilizador da fibrina + +

Nota: Os números romanos por que são conhecidos obedecem a uma convenção. Alguns mantêm o nome do seu descobridor. O fator VI (também chamado acelerina) é geralmente identificado como sendo o fator V ativado e intervém nos dois mecanismos.

O mecanismo extrínseco dá-se em caso de lesão de um tecido com rotura simultânea de vasos. O primeiro acontecimento é a libertação de tromboplastina tecidual das células dos tecidos lesionados, a qual ativa o fator VII. O fator VII ativado ativa o fator X. O fator X ativado complexa-se com o fator V, com o ião cálcio e com fosfolípidos plaquetários dando origem à protrombinase que converte a protrombina em trombina.

O mecanismo intrínseco inicia-se com a ativação do fator XII que o converte numa enzima proteolítica. O fator XII ativado ativa o fator XI que, uma vez ativado, ativa o fator IX. Este forma um complexo com o ião cálcio, o fator VIII e fosfolípidos libertados pelas plaquetas. O fator X é ativado por aquele complexo. Uma vez ativado, o fator X complexa-se com o fator V convertendo-se em protrombinase. A ativação pode dar-se por simples contacto com uma superfície molhável, como o colagénio ou a parede interna

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de um vaso que tenha sofrido alterações estruturais. Daí o facto de as placas de ateroma poderem induzir acidentes vasculares cardíacos e/ou cerebrais por formação de coágulos de sangue que obstruem os vasos. Simultaneamente, as plaquetas também são ativadas, contribuindo para a formação do coágulo. Em condições normais, a continuidade do endotélio dos vasos sanguíneos e as proteínas carregadas negativamente repelem o fator de contacto que, deste modo, não é ativado.

A figura 80 resume os acontecimentos que ocorrem nos dois processos de coagulação do sangue. Enquanto o mecanismo extrínseco atua muito rapidamente (cerca de 15 segundos), o mecanismo intrínseco atua mais lentamente (1 a 3 minutos), o que se deve à ação de mecanismos inibidores.

Fig. 80 – Mecanismos de coagulação do sangue. Seeley et al., 2001.

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Formação da rede de fibrina

A ação da trombina sobre a molécula de fibrinogénio remove dois peptidos de baixo peso molecular, formando-se um monómero de fibrina solúvel. Os vários monómeros de fibrina formados polimerizam-se, dando origem a uma estrutura diferente de fibrina que a torna insolúvel (Fig. 81).

Fig. 81 – Esquema muito simplificado do mecanismo de conversão do fibrinogénio em fibrina.

Os monómeros de fibrina polimerizam-se, primeiro topo a topo, formando a fibrina solúvel

(S). O fator XIII ativado pela trombina é uma enzima que catalisa a formação de ligações

laterais entre aminoácidos das cadeias dos monómeros de fibrina, formando a fibrina

insolúvel (I). Carneiro, 1987.

Fibrinólise

Os coágulos de sangue são dissolvidos por uma enzima proteolítica chamada plasmina ou fibrinolisina. Esta enzima forma-se a partir de uma enzima plasmática, o plasminogénio (ou profibrinolisina) que é ativada por vários tipos de substâncias (Fig. 82).

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 123

Fig. 82 – O ativador do plasminogénio é uma enzima proteolítica sintetizada em tecidos como

o endotélio e o rim. Quando ativado, catalisa a formação da plasmina a partir do

plasminogénio. A plasmina vai, então, romper as ligações entre as moléculas de fibrina. As

enzimas tecidulares provêm dos lisossomas das células danificadas.

Anticoagulantes

Existem no sangue circulante substâncias chamadas anticoagulantes que inibem a ação dos pró-coagulantes, ou seja, das substâncias cujo papel é promover a coagulação do sangue. Dessas substâncias, a principal é a heparina, um polissacárido sintetizado em células existentes junto aos vasos sanguíneos e que inibe a conversão de protrombina em trombina e retarda a conversão do fibrinogénio em fibrina. A fluidez do sangue depende, pois, do equilíbrio entre pró e anticoagulantes.

Papel do endotélio

As células endoteliais, apesar da sua aparente simplicidade estrutural, desempenham várias funções – por um lado, segregam fatores que modulam o processo de coagulação do sangue e mantêm o tónus do tecido muscular liso vascular, e, por outro, podem ser ativadas por citocinas (glicoproteínas com papel regulador) e expressar moléculas de adesão celular que permitem a ligação de leucócitos. O Quadro da página seguinte indica os vários fatores segregados pelo endotélio.

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 124

Fatores segregados pelo endotélio

Atividades

Prostaciclina Vasodilatação, inibe a agregação plaquetária Óxido nítrico Vasodilatação, inibe a adesão e a agregação das

plaquetas Ativador do plasminogénio

Regula a fibrinólise

Trombomodulina Regula a fibrinólise Tromboplastina Promove a coagulação do sangue Fator de ativação das plaquetas

Ativação de plaquetas e neutrófilos

Fator de Willebrand Promove a adesão das plaquetas e a ativação do fator VIII

Controlo da hemostase

Em condições fisiológicas normais, ambos os mecanismos de coagulação (intrínseco e extrínseco) atuam. Quando a rotura do vaso é pequena, o trabalho das plaquetas pode ser suficiente para garantir a hemostase. Em caso de danos maiores, no entanto, o sangue é impedido de sair dos vasos através da atuação simultânea dos dois mecanismos.

Uma vez que a trombina pode exercer a sua ação proteolítica sobre outros fatores plasmáticos, o coágulo de sangue tem tendência a crescer indefinidamente se o mecanismo de fibrinólise não fosse simultaneamente ativado (ver Fig. 82). O controlo tem, pois, de ser rígido, de modo a que o sangue não coagule dentro dos vasos ou que a coagulação, enquanto resposta fisiológica, não ultrapasse os limites desejáveis. Este controlo é conseguido à custa de vários meios mantidos constantemente alerta. Por um lado, o sangue circulante remove parte da trombina do local da lesão, onde atuam também os anticoagulantes e os inibidores da adesão e da agregação plaquetária. Por outro lado, os fatores ativados são rapidamente removidos da circulação pelo fígado. A fibrinólise, estimulada tanto pelo fator XII ativado como pela trombina constitui um aspeto chave no controlo da coagulação do sangue (Fig. 83).

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 125

Fig. 83 – Coagulação do sangue e fibrinólise: dois mecanismos em equilíbrio. Carneiro, 1987.

Doenças associadas à hemostase

Uma das principais doenças associadas à coagulação do sangue é a hemofilia, uma situação clínica da qual se falará em Genética. Na realidade, quando se fala em hemofilia, pretende-se, de uma maneira geral, referir a hemofilia A, que se caracteriza por uma tendência permanente para hemorragias espontâneas ou traumáticas, devido à deficiência do fator VIII. Outras formas de hemofilia são devidas à deficiência do fator IX (doença de Christmas ou hemofilia B) ou do fator de Willebrand (doença de von Willebrand ou hemofilia vascular).

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 126

Tecidos musculares

O tecido muscular é responsável pelos movimentos do corpo e pelas modificações de tamanho e forma dos órgãos internos. Caracteriza-se por ser composto por células altamente especializadas, cuja principal função é a contração. Os tecidos musculares classificam-se, segundo o aspeto das células contrácteis, em tecido muscular estriado, que apresenta uma estriação transversal ao microscópio, e tecido muscular liso, sem estriação. O tecido muscular estriado pode subdividir-se em tecido muscular

esquelético, que se encontra ligado aos ossos e é responsável pelos movimentos do esqueleto axial e periférico, tecido muscular visceral, idêntico ao esquelético mas compõe os tecidos moles, como a língua, a faringe, o diafragma e a parte superior do esófago, e tecido muscular

cardíaco, que é o músculo do coração. O tecido muscular liso encontra-se nas vísceras e no sistema vascular. À exceção do tecido muscular cardíaco, podemos dizer, ainda, que o músculo estriado se associa aos movimentos voluntários e o músculo liso aos movimentos involuntários.

Tecido Muscular Estriado

As células que compõem o tecido muscular estriado têm uma estrutura muito particular, pelo que é por elas que vamos iniciar o estudo deste tecido. De origem mesodérmica, estas células provêm de mioblastos que vão sofrendo mitoses sucessivas sem que haja divisão citoplasmática concomitante. Deste modo, originam-se células multinucleadas que se dispõem topo a topo formando longas fibras. Os núcleos são achatados e dispõem-se à periferia das fibras. Estas, por sua vez, reúnem-se em feixes que formam os músculos (Fig. 84).

Fig. 84 – Desenho representando células

musculares multinucleadas, dispostas em

feixes. À esquerda, corte transversal dos

feixes. O citoplasma das células apresenta

uma estriação transversal alternadamente

clara e escura. Carneiro, 1987.

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 127

Os músculos são rodeados por uma fina camada de tecido conjuntivo denso chamada epimísio. Deste, estendem-se septos de tecido conjuntivo rodeando cada feixe de fibras musculares e que constituem o perimísio. Uma rede delicada de fibras reticulares em torno das fibras chama-se endomísio.

A membrana plasmática das células estriadas chama-se sarcolema e o seu citoplasma sarcoplasma. A superfície externa do sarcolema é coberta por uma fina lâmina externa que se assemelha à lâmina basal dos epitélios, mas mais fina. A superfície interna do sarcolema é revestida por uma camada muita fina de uma proteína chamada distrofina que não se encontra em qualquer outro tipo de células, e cuja função parece ser a de conferir resistência à contração e à relaxação sucessivas a que a célula está sujeita, sendo possível que tenha outras funções ainda desconhecidas. Na doença hereditária distrofia muscular, há um defeito na produção desta proteína, provocando fraqueza muscular. Falaremos, de novo, desta doença na Genética.

A estriação observada em cortes longitudinais do músculo, com bandas alternadamente claras e escuras, é devida às miofibrilhas existentes no sarcoplasma, dispostas segundo o eixo maior da célula. Os primeiros microscopistas chamaram às bandas escuras bandas A e às bandas claras bandas I. As bandas I são muito curtas no músculo contraído e mais longas no músculo relaxado. O comprimento das bandas A mantém-se constante. Cada banda I é atravessada por uma linha escura, a linha Z. Cada segmento entre duas linhas Z é designado sarcómero, sendo todas as alterações referidas a esta subunidade das miofibrilhas (Fig. 85).

A B

Fig. 85 – A. Microfotografia de músculo esquelético mostrando as fibras e a estriação

transversal. Notar os núcleos alongados na periferia das fibras. Fawcett & Jensh, 2002. B.

Músculo estriado com maior ampliação, assinalando as bandas A e I, a linha Z e um

sarcómero. Notar o núcleo na periferia da fibra (N). Burkitt et al., 1996.

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 128

Cada sarcómero inclui uma banda A e metade de duas bandas I contíguas. As bandas A e I e a linha Z são as únicas estriações transversais visíveis ao m.o. Ao m.e., estas tornam-se bem evidentes, podendo ser identificadas outras duas bandas: uma banda H clara no meio da banda A, dividida por uma fina linha M no seu ponto médio. Com grande ampliação, é possível verificar que as miofibrilhas são compostas por filamentos de dois tipos – filamentos de actina (filamentos finos) e filamentos de miosina

(filamentos grossos). Os filamentos de miosina são os principais constituintes da banda A e os filamentos de actina os principais constituintes da banda I (Fig. 86).

Fig. 86 – Microfotografia de quatro miofibrilhas ao m.e., onde estão identificadas as várias

bandas, a linha Z e o sarcómero. Fawcett & Jensh, 2002.

Para além das miofibrilhas, o sarcoplasma contém grânulos de glicogénio, que fornecem energia para a contração muscular, um pigmento semelhante à hemoglobina mas de estrutura terciária, a mioglobina, que funciona como reserva de oxigénio e é responsável pela cor vermelha da maioria dos músculos e, ainda, numerosas enzimas comuns aos outros tipos de células (como as da glicólise) e algumas características, como a creatina

fosfocinase. O sarcolema forma invaginações tubulares periódicas aderindo às linhas Z. Estes túbulos envolvem as miofibrilhas e, devido à sua orientação transversal em relação a estas, formam o chamado sistema

tubular T. Disposto longitudinalmente em relação às miofibrilhas, encontra-se o REL, particularmente desenvolvido e chamado, aqui, retículo

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 129

sarcoplasmático. A sua principal função nestas células é regular a concentração dos iões cálcio no sarcoplasma. Estes iões têm uma importância fundamental na contração muscular, pelo que a membrana do retículo possui numerosos canais de cálcio. Ao nível de cada linha Z, o sistema T justapõe-se a grandes cisternas de retículo (cisternas terminais), formando o que se chama uma tríade (Fig. 87). A célula muscular estriada apresenta, ainda, entre as cisternas do retículo e as miofibrilhas, numerosas mitocôndrias de tamanho considerável e com cristas muito desenvolvidas, aqui designadas sarcossomas.

Fig. 87 – Desenho esquemático ilustrando a organização do retículo sarcoplasmático e a sua

relação com as miofibrilhas. Notar o arranjo regular das miofibrilhas no corte transversal.

Ross et al., 1995.

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Filamentos finos

São formados por moléculas de actina G polimerizada em actina F, como os microfilamentos do citoesqueleto. Ocupando o sulco formado pelas duas cadeias de actina enroladas em hélice, encontra-se outra proteína, esta fibrosa, chamada tropomiosina e formada por uma cadeia dupla de aminoácidos enrolada em hélice. Ligado ao filamento de actina, existe, ainda, um terceiro componente proteico, a troponina, formada, na realidade, por um complexo de três subunidades globulares: TnT, TnC e TnI (ver Fig. 88).

Filamentos grossos

São formados por moléculas de miosina, uma proteína fibrosa constituída por duas cadeias polipeptídicas enroladas em hélice e que possuem, numa das extremidades, duas “cabeças” globulares. Cada filamento contém cerca de 350 moléculas de miosina. As cabeças da miosina têm grande afinidade para a actina, formando pontes entre os dois tipos de filamentos, que estão na base da contração muscular, como vamos ver.

A figura 88 representa, esquematicamente, a organização do músculo esquelético.

Mecanismo da contração muscular

Este processo é altamente complexo do ponto de vista molecular. O que estudaremos neste Capítulo serão os passos essenciais. A contração muscular faz-se à custa do deslizamento dos miofilamentos iniciado por um influxo de iões cálcio para o sarcoplasma e desencadeado por ação de um impulso nervoso. O armazenamento e a libertação do cálcio é da responsabilidade do retículo sarcoplasmático, como já dissemos. Para o efeito, possui não só uma proteína fixadora de cálcio, a calsequestrina, como ATPases especiais na sua membrana que bombeiam Ca2+ do sarcoplasma para o interior das suas cisternas.

A contração do músculo tem início quando chega um potencial de ação à junção neuromuscular (ver adiante). Aquele alastra através do sarcolema e atinge as fibras musculares através dos túbulos T, donde resulta a libertação de cálcio para o sarcoplasma.

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Fig. 88 – Diagrama da organização do músculo esquelético, desde o aspeto macroscópico até ao nível molecular. Na banda A (mais escura) existem filamentos grossos e finos, na banda I (mais clara) só existem filamentos finos e na banda H só existem filamentos grossos. A linha Z corresponde à ligação dos filamentos finos. Os números 1 a 4 indicam cortes feitos ao nível das várias zonas do sarcómero, mostrando a organização dos miofilamentos nas várias bandas. TnI, TnC e TnT são peptidos da troponina. Ross et al., 1995 e Carneiro, 1987.

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No músculo em repouso, os locais de ligação da miosina estão bloqueados pelo complexo tropomiosina-troponina. A libertação do cálcio é seguida pela sua ligação à troponina-C, induzindo uma alteração conformacional que expõe os locais de ligação da miosina nos filamentos de actina. As cabeças das moléculas de miosina ligam-se, então, aos filamentos de actina vizinhos, ativando a miosina-ATPase. A energia libertada induz a flexão das cabeças de miosina com uma força suficiente para o deslizamento dos miofilamentos para o interior da banda. As cabeças da miosina destacam-se, então, e ligam-se ao conjunto seguinte de locais de ligação, iniciando um novo ciclo (Fig. 89 e 90). Centenas destes ciclos sucedem-se rapidamente produzindo movimento que se mantém até que o cálcio tenha sido sequestrado nas cisternas terminais e os complexos tropomiosina-troponina cubram, de novo, os locais de ligação dos filamentos de actina, voltando o músculo ao estado de repouso.

Fig. 89 – Diagrama do mecanismo de deslizamento dos filamentos. Durante o repouso

(esquerda), a tropomiosina bloqueia o local de ligação da miosina (área tracejada) e evita a

interação com as cabeças daquela. Durante a contração (direita), a configuração da

troponina é alterada pelos iões cálcio, o que leva a tropomiosina a afastar-se do local de

ligação da actina, permitindo a interação da miosina com a actina, formando a ponte

transversal. O movimento de muitas cabeças leva ao deslizamento dos miofilamentos de

actina ao longo dos filamentos de miosina. O processo é repetido muitas vezes durante uma

única contração, causando o encurtamento do sarcómero. Ross et al., 1995.

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Fig. 90 – À esquerda,

diagrama do aspeto

diferente das bandas das

miofibrilhas do músculo

quando contraído, em

repouso e em extensão. À

direita, a posição dos

filamentos de actina em

relação aos de miosina

nestes três estados.

Fawcett & Jensh, 2002.

Hoje sabe-se que este modelo explica a contração de um sarcómero, mas não a contração de uma miofibrilha ou de um músculo. Com efeito, estudos recentes demonstraram que existe um certo atraso na contração de sarcómeros adjacentes, pelo que ocorre uma onda de contração em cada miofibrilha e, consequentemente, em cada fibra muscular.

A placa motora

Embora ainda não tenhamos estudado o sistema nervoso, tentaremos explicar o modo como é feita a interação entre este e os músculos. Os músculos são inervados por longos processos (axónios) das células nervosas localizadas no sistema nervoso central. Num músculo, o nervo divide-se em vários ramos que penetram no seu interior pelos septos do perimísio. Cada axónio ramifica-se no endomísio e forma terminações nervosas (junções neuromusculares) num número variável de fibras musculares. O axónio e as fibras musculares que ele inerva constituem a unidade motora. Na sua junção com a fibra muscular, o axónio perde a bainha de mielina e ramifica-se em várias terminações curtas (botões terminais), cada um ocupando uma depressão no sarcolema, constituindo a placa motora (Fig. 91). O axoplasma de cada terminação contém elevado número de pequenas vesículas que contêm um neurotransmissor chamado acetilcolina. Na transmissão de um impulso nervoso, aquelas fundem-se com o axolema (membrana do axónio) e largam o seu conteúdo na fenda sináptica, o estreito espaço entre o terminal do axónio e o sarcolema. O neurotransmissor

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liga-se a recetores específicos deste último, o que abre canais que permitem a entrada de iões sódio no sarcoplasma, despolarizando a membrana e gerando um sinal elétrico (potencial de ação) que rapidamente se propaga pelo sarcolema e ao longo dos túbulos T, ativando a libertação do cálcio que desencadeia a contração.

Fig. 91 – Diagrama da junção neuromuscular. A área dentro do quadrado em A está

representada em B (placa motora). Ross et al., 1995.

Na miastenia grave, doença autoimune associada aos recetores de acetilcolina do sarcolema, não há transmissão do impulso nervoso em muitas destas junções, pelo que ocorre fraqueza muscular.

Diversidade das fibras musculares

Existem três tipos de fibras – as fibras vermelhas, as fibras brancas e as fibras intermédias. As fibras vermelhas (fibras lentas) têm menor diâmetro e são mais escuras devido a maior quantidade de mioglobina e de citocromos nas mitocôndrias grandes e abundantes. Contraem-se

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lentamente, mas são mais resistentes à fadiga que os outros tipos de fibras, pois têm maior capacidade de produzir ATP. São inervadas por axónios finos. Os músculos ricos nestas fibras estão bem adaptados à atividade relativamente lenta que exige grande resistência, como nos corredores de maratona. As fibras brancas (fibras rápidas) são as maiores dos três tipos. As mitocôndrias são mais pequenas e relativamente poucas. A produção de ATP depende da hidrólise do glicogénio do sarcoplasma e consequente glicólise anaeróbica. São inervadas por axónios grandes e as placas motoras são o dobro das das fibras vermelhas. Contraem-se rapidamente e geram uma maior força, mas a fadiga instala-se mais cedo. São mais adequadas a episódios breves de atividade muscular intensa, como num sprinter. O treino atlético intenso pode modificar o número de fibras lentas e rápidas num músculo. As fibras intermédias, conforme o nome indica, têm características intermédias entre os outros dois tipos.

Reparação, cicatrização e renovação

As células musculares estriadas são demasiado especializadas para se dividirem. No entanto, entre o sarcolema e a lâmina basal existem células

satélite, as quais, na realidade, são células indiferenciadas que podem proliferar após pequenas lesões no músculo, originando novos mioblastos. Desde que a lâmina basal fique intacta, os mioblastos fundem-se e dão origem a uma nova fibra. Se houver rotura da lâmina basal, a reparação é feita à custa dos fibroblastos, havendo formação de tecido cicatricial, com perda da funcionalidade do músculo naquela zona.

Resumo dos fenómenos da contração muscular:

1. Chegada de um impulso nervoso à placa motora;

2. Libertação de acetilcolina que, ao promover a abertura de canais de sódio, vai inverter a polarização do sarcolema;

3. A inversão da polaridade do sarcolema abre canais de cálcio nas membranas do retículo sarcoplasmático aumentando, assim, a concentração sarcoplasmática deste ião;

4. Ligação do Ca2+ à unidade TnC da troponina, pondo a descoberto o local de ligação da miosina.

5. Formação de pontes transversais de actina-miosina-ATP;

6. Hidrólise do ATP e deslizamento dos filamentos;

7. Bombeamento do cálcio para o interior do retículo, desfazendo-se, assim, o complexo actina-miosina.

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Energética da contração muscular

O ATP é utilizado pelas células musculares em dois mecanismos distintos – deslizamento dos filamentos através da ativação do complexo actina-miosina e bombeamento do cálcio para o interior do retículo sarcoplasmático. As principais fontes de ATP da célula muscular são a fermentação láctica, a fosforilação oxidativa e a fosfocreatina.

A célula muscular é capaz de utilizar uma via anaeróbia de oxidação da glicose, sendo o ATP produzido durante a glicólise que se dá no citoplasma. O piruvato resultante é convertido em lactato e este é posto, de imediato, em circulação, pois as membranas das células musculares são muito permeáveis a este composto. Uma vez no sangue, o lactato é captado pelo fígado, podendo ser convertido em glicogénio ou glicose circulante. A via glicose → glicogénio muscular → lactato → G-6-P → glicose é conhecida pelo nome de ciclo de Cori (Fig. 92).

Fig. 92 – Ciclo de Cori.

A fosfocreatina ou creatina fosfato é um composto fosforilado que transfere grupos fosfato para o ADP, reação catalisada pela creatina

fosfocinase:

creatina fosfocinase

Fosfocreatina + ADP ATP + creatina

A figura 93 representa, esquematicamente, as relações entre os processos de produção de ATP na célula muscular.

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Fig. 93 – Ciclo do ATP na célula muscular. O ATP gasto na contração muscular e no

bombeamento do cálcio para o interior do retículo sarcoplasmático é regenerado na

fosforilação oxidativa. Quando o músculo é solicitado, a célula recorre à fosfocreatina. Se o

esforço é prolongado, o ATP começa a ser regenerado apenas na fermentação láctica.

A atividade muscular depende, em absoluto, do fornecimento constante de oxigénio. A quantidade de ATP e fosfocreatina habitualmente presentes na célula muscular não permite que os períodos de contração máxima excedam alguns segundos de duração. A energia suplementar requerida em períodos de esforço de 1 a 2 minutos de duração provém do ATP formado em anaerobiose.

A rápida acumulação de lactato, decorrente da atividade predominantemente glicolítica, acaba por acidificar a célula muscular e interromper a produção anaeróbica de ATP, com limitação imediata da atividade contráctil. É a chamada fadiga muscular.

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Modificações estruturais e energéticas dependentes do exercício

muscular

A hipertrofia da célula muscular, bem como o aumento da capacidade metabólica (anaeróbica e aeróbica), são tipos distintos de resposta adaptativa observada no músculo esquelético submetido a exercício constante e vigoroso, com reflexos no rendimento muscular.

A grandeza e a natureza das respostas observadas nos músculos excitados são condicionadas pelo tipo, pela duração e pela intensidade do exercício, dependendo, ainda, do tipo de fibras que constituem os músculos envolvidos.

Ainda que não haja alterações das características inerentes às proteínas contrácteis, verifica-se que o exercício prolongado, de resistência, acentua a participação do metabolismo aeróbico, enquanto o treino aplicado a períodos curtos de atividade intensa e rápida induz a produção anaeróbica de ATP.

A adaptação das características bioquímicas do músculo esquelético ao exercício poderá ser acompanhada por modificações estruturais. Assim, o exercício que requer desenvolvimento exagerado de força conduz à hipertrofia muscular, isto é, ao aumento das dimensões do músculo. Este alarga-se devido ao aumento do diâmetro das fibras constituintes e não do seu número.

Em consequência da hipertrofia relativa, poder-se-á explicar que a área ocupada pelas fibras de contração lenta seja maior nos músculos submetidos a esforços prolongados que a exercícios de curta duração, verificando-se o oposto com as fibras de contração rápida. Por sua vez, o alargamento das fibras musculares resulta do aumento da quantidade total de miofibrilhas, em consequência da síntese de novos filamentos pelos ribossomas do sarcoplasma. Os filamentos formados nestas condições vão dispôr-se no interior dos filamentos pré-existentes; as miofibrilhas, ao atingirem diâmetros incompatíveis com o seu funcionamento eficaz, dissociam-se longitudinalmente, com aumento consequente em número.

Paralelamente ao aumento do número de miofibrilhas, a hipertrofia muscular é acompanhada pelo enriquecimento celular em substâncias nutrientes e intermediários metabólicos com ação direta na atividade contráctil. É o que sucede, entre outros compostos, com a concentração de ATP, fosfocreatina, glicogénio e enzimas influentes no metabolismo energético, muito mais abundantes no músculo hipertrofiado que no músculo não sujeito a atividades exageradas. Entretanto, o tipo prevalente de fibras musculares e correspondente atividade enzimática correlacionam-se com as características do esforço desenvolvido (velocidade, resistência ou força),

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havendo evidência de influências genéticas, ou seja, maior ou menor capacidade individual para determinado exercício.

Saliente-se que a hipertrofia muscular resulta, principalmente, da execução repetida de esforços intensos, mesmo de curta duração diária. O exercício moderado, embora prolongado, não conduz a hipertrofia muscular significativa. Com efeito, o aumento do número de fibrilhas depende da execução de trabalho em que a força de contração atinge, pelo menos, 75% da tensão muscular máxima.

Pelo contrário, quando a atividade diminui acentuadamente ou é interrompida a inervação correspondente a determinado músculo ou grupo muscular, sobrevém a atrofia. Esta situação, inversa da hipertrofia, traduz-se na diminuição das dimensões musculares (por redução do diâmetro das respetivas fibras) e limitação da capacidade energética. A importância nas alterações estruturais ou bioquímicas consequentes à imobilização depende do grau de limitação imposto à atividade contráctil, diferindo também entre os tipos de fibras constituintes do músculo esquelético.

Músculo Cardíaco

Ao contrário do músculo esquelético, o músculo cardíaco é formado por fibras que não são um sincício (massa citoplasmática com numerosos núcleos e resultante da fusão de várias células), mas sim por células separadas, os miócitos cardíacos. Estes têm cerca de 80 µm de comprimento e 15 µm de diâmetro e estão ligados pelas extremidades pelos chamados discos intercalares, junções intercelulares específicas deste tecido. Embora as colunas e células sejam predominantemente paralelas, os miócitos ramificam-se, formando ligações oblíquas com colunas vizinhas, o que corresponde a uma organização bem diferente da disposição paralela das fibras cilíndricas do músculo esquelético. Os miócitos possuem um núcleo ovoide central rodeado por miofibrilhas com estriação transversal semelhante à daquele (Fig. 94 e 95-B). Na zona dos discos intercalares as membranas apresentam interdigitações, desmossomas circulares, desmossomas pontuais e junções de hiato.

O retículo sarcoplasmático é menos abundante neste tecido. Forma uma rede abaixo do sarcolema, havendo apenas um túbulo T por sarcómero. As pequenas cisternas terminais ao nível da linha Z interatuam com os túbulos T, formando uma díade (Fig. 95-A).

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Fig. 94 – Microfotogra-fia de músculo cardíaco em corte longitudinal. A estriação transversal é semelhante à do músculo esquelético (ver Fig. 86), mas o músculo cardíaco é composto por células que se ligam em junções intercelulares densas, chamadas discos intercalares. São visíveis três nesta figura. Fawcett e& Jensh, 2002.

A B

Fig. 95 – A. Representação esquemática de fibras do tecido muscular cardíaco mostrando a rede formada pelo retículo sarcoplasmático e a zona onde está anastomosado com o túbulo T (díade), ao nível da linha Z. Notar as dimensões consideráveis das mitocôndrias, assim como o aspeto do corte transversal, não tendo as miofibrilhas o arranjo regular do tecido muscular esquelético (ver Fig. 87 e 96). B. Corte longitudinal do tecido muscular cardíaco. Notar os discos intercalares (ID) e as ramificações das fibras (setas) (x 160). Ross et al., 1995.

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A figura 96 representa duas microfotografias de microscopia ótica de cortes transversais no músculo esquelético e no músculo cardíaco, para comparação.

A B

Fig. 96 – Cortes transversais observados ao m.o. A. Músculo esquelético. N-núcleos; S-

septos de fibras de colagénio. B. Músculo cardíaco. Stevens & Lowe, 1997.

O tamanho dos miócitos varia com a sua localização no coração – os das aurículas tendem a ser menores que os dos ventrículos. Alguns miócitos estão especializados na produção de hormonas. Localizam-se nas aurículas e segregam hormonas peptídicas. Só diferem dos outros por conterem grânulos de secreção no sarcoplasma, os quais encerram peptidos

natriuréticos atriais. Estas hormonas atuam na regulação do volume sanguíneo e da pressão arterial.

O músculo cardíaco, ou miocárdio, contrai-se por um mecanismo semelhante ao do músculo esquelético. No entanto, todos os miócitos possuem contração rítmica espontânea. Este batimento é iniciado, regulado e coordenado por células modificadas do tecido cardíaco existentes no nódulo

sinoatrial, que atua como pacemaker, determinando a frequência das suas contrações. Este liga-se a um segundo nódulo, o nódulo atrioventricular, por miócitos especializados na condução do impulso, chamados fibras de

Purkinje. Estas células emanam do nódulo atrioventricular para todo o miocárdio, transmitindo ondas de despolarização aos miócitos através de junções de hiato.

As células do músculo cardíaco não se dividem, pelo que qualquer lesão levará à formação de tecido cicatricial, com consequente perda da função cardíaca no local da lesão. É o que se passa no enfarte do

miocárdio não letal (designado, vulgarmente, por ataque cardíaco). A

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 142

acumulação de tecido cicatricial devido a repetidos pequenos enfartes pode ser tão perigoso como um único enfarte de grandes dimensões.

Tecido Muscular Liso

Este tecido existe por todo o corpo, constituindo uma parte importante da parede dos tratos gastrintestinal, genito-urinário e respiratório e dos vasos sanguíneos médios e grandes.

É composto por células longas e fusiformes com um núcleo alongado na porção central mais alargada. Variam bastante em comprimento, de 20 µm nos vasos sanguíneos a 500 µm no útero grávido. Dispõem-se de tal forma que as extremidades de uma célula estão entre as partes mais largas das células vizinhas. Os principais organelos estão dispostos na base dos prolongamentos das células. Em todo o citoplasma existem feixes longitudinais de miofilamentos. Cada célula está envolvida por uma lâmina externa, semelhante à lâmina basal dos epitélios, fora da qual existe uma rede de fibras reticulares que mantém juntas as unidades celulares, pelo que a contração produz uma força coordenada. As células vizinhas contactam apenas através de junções de hiato que garantem a comunicação necessária para a contração integrada em toda a camada muscular (ver Fig. 97).

O citoesqueleto das células musculares lisas consiste numa rede de filamentos intermédios longitudinais e oblíquos. Os miofilamentos de actina têm 4,5 µm de comprimento e 4-8 nm de diâmetro e formam feixes orientados longitudinalmente e obliquamente no citoplasma. Entre os filamentos de actina e paralelos a eles encontram-se filamentos de miosina com 1,5 µm de comprimento e 15 nm de diâmetro. A razão entre os dois tipos de filamentos é cerca de 12 para 1. Os feixes de filamentos terminam em placas sob a membrana citoplasmática que contêm α-actina, uma proteína de ligação da actina.

A contração do tecido muscular liso é relativamente lenta, mas pode manter-se por longos períodos. As células podem ficar encurtadas até um quarto do seu tamanho em repouso e gerar uma força semelhante à do músculo esquelético, mas com menor dispêndio de energia. Pensa-se que a contração se dá por deslizamento dos filamentos de actina e de miosina, resultando no encurtamento dos feixes. A contração também se inicia com um influxo de cálcio que se liga à calmodulina, uma proteína fixadora deste elemento. O complexo calmodulina-Ca2+ liga-se à cinase da cadeia leve da

miosina, ativando-a, o que catalisa a fosforilação das cadeias leves de miosina, permitindo-lhes interatuar com os filamentos de actina (ver Fig. 98).

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 143

A B

C D

Fig. 97 – Microfotografias de tecido muscular liso visceral. A. Corte longitudinal; notar o núcleo central parecendo enroscado (x 900). B. Corte transversal (x 900); CT, tecido conjuntivo; N, núcleos, F, fibroblasto. Ross et al., 1995. C e D. Cortes longitudinais; notar a disposição das células e o seu diferente comprimento. (x 480). Burkitt et al., 1996.

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 144

A ativação do tecido muscular liso é diferente conforme os órgãos. O intestinal, exemplo de músculo liso unitário, é dotado de autorritmicidade. Os estímulos gerados intrinsecamente são conduzidos por junções de hiato a uma grande porção de tecido que se contrai em simultâneo. Ondas de contração (peristaltismo) formam-se ao longo do intestino, permitindo o avanço do seu conteúdo. O tipo de músculo liso nas grandes artérias, nos canais do trato reprodutor masculino e no corpo ciliar do olho chama-se músculo liso multiunitário, no qual cada fibra é inervada, sendo a contração mais rápida. Nervos adrenérgicos e colinérgicos (do sistema nervoso autónomo) atuam antagonicamente.

Fig. 98 – Modelo explicativo da contração do músculo liso. a. Os feixes de actina/miosina estão ligados aos complexos localizados sob a membrana contendo α-actina. Devido ao facto de os feixes se disporem obliquamente na célula, a sua contração encolhe-a e dá ao núcleo um aspeto enroscado (ver Fig. 97-A). b. Eventos moleculares: as cabeças da molécula de miosina têm de ser fosforiladas, expondo o local de ligação da actina e libertando a cauda da sua ligação às cabeças, ficando com uma configuração semelhante à dos filamentos grossos do músculo estriado. Ross et al., 1995.

Embora a contração do músculo liso esteja sob controlo do sistema nervoso autónomo, também pode contrair-se em resposta a estímulos hormonais, como é o caso do útero que se contrai por ação da hormona hipofisária ocitocina, durante o trabalho de parto. A hormona antidiurética (ou vasopressina) e as hormonas da medula adrenal (adrenalina e noradrenalina)

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 145

também podem atuar sobre o músculo liso, assim como as hormonas peptídicas segregadas pelas células enteroendócrinas.

Os terminais nervosos do músculo liso só se observam no tecido conjuntivo adjacente às células musculares, pelo que o neurotransmissor tem de difundir-se até atingir o músculo. A contração é, então, propagada através das junções de hiato, como no músculo cardíaco.

As células musculares lisas também segregam matriz do tecido conjuntivo (colagénio de vários tipos, laminina, elastina e proteoglicanos), para o que estão equipadas com RER e um complexo de Golgi na zona perinuclear. Na parede da arteríola aferente do glomérulo de Malpighi (rim) células musculares lisas modificadas segregam a hormona renina, essencial para o controlo da pressão arterial.

As células do tecido muscular liso, ao serem lesionadas, entram em mitose, mas há sempre células que se dividem regularmente no tecido. É o que acontece no útero ao longo do ciclo menstrual e durante a gravidez. Nas paredes dos vasos sanguíneos existem células indiferenciadas, os pericitos

(também chamadas células adventícias ou perivasculares), que se diferenciam em células musculares lisas. Os fibroblastos das feridas em cicatrização podem desenvolver características morfológicas e funcionais de células musculares lisas (miofibroblastos). As células epiteliais das glândulas sudoríparas, das glândulas mamárias, das glândulas salivares e da íris podem adquirir características de célula muscular lisa (células mioepiteliais). Nos túbulos seminíferos existem células com função contráctil (células mióides do testículo).

COMPARAÇÃO ENTRE OS TRÊS TIPOS DE TECIDO MUSCULAR

O músculo cardíaco pode ser descrito como fazendo lembrar tanto o músculo esquelético como o liso nas suas características estruturais e funcionais. Como no músculo esquelético, os elementos contrácteis do músculo, ou seja, os filamentos grossos e os finos, estão organizados em sarcómeros rodeados de REL e mitocôndrias e em comunicação com a superfície celular através de túbulos, e as células adultas não se dividem. As células do músculo cardíaco mantêm a sua individualidade como as células do músculo liso, embora estejam em comunicação funcional com as suas vizinhas através de junções de hiato. As células do músculo cardíaco, como as do músculo liso, têm um batimento espontâneo regulado, mas não iniciado, por estímulos do sistema nervoso autónomo e do sistema endócrino, um núcleo central e organelos perinucleares.

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 146

Tecido nervoso

Do ponto de vista estrutural, o sistema nervoso divide-se em sistema

nervoso central (SNC), composto por encéfalo e medula espinhal, e sistema nervoso periférico (SNP), composto por nervos cranianos e espinhais (motores e sensoriais), gânglios nervosos (conjuntos de neurónios fora do SNC) e terminações nervosas motoras e sensoriais (recetores). Os nervos são formados por feixes dos longos prolongamentos dos neurónios. Do ponto de vista funcional, o sistema nervoso pode dividir-se em sistema

nervoso somático, que coordena as atividades dependentes da vontade, e sistema nervoso autónomo (SNA), que controla as atividades involuntárias, como os movimentos respiratórios, os batimentos cardíacos, a digestão, a função excretora e a secreção de hormonas. A principal função do sistema nervoso é receber estímulos sensoriais das várias partes do corpo e do exterior, analisar essa informação e elaborar uma resposta gerando sinais que são transmitidos aos músculos (estriados e liso) e às glândulas, chamados, por isso, órgãos efectores. Mas o SNC também se encarrega de operações menos bem percebidas e que estão subjacentes à consciência, à memória, ao raciocínio e à regulação do comportamento.

O tecido nervoso é composto por dois tipos principais de células: células nervosas (neurónios) e células de suporte. O neurónio é a unidade funcional do sistema nervoso, sendo especializado em receber estímulos e conduzir impulsos elétricos para outras partes do sistema. Os neurónios formam uma rede de comunicações integrada, na qual uma cadeia de neurónios envia impulsos de uma parte do sistema para outra. As células de suporte são células não condutoras que estão em contacto direto com os neurónios. No SNC, chamam-se neuróglia ou células da glia; no SNP, existem as células de Schwann que rodeiam os prolongamentos dos neurónios e as células satélite que rodeiam os corpos celulares dos neurónios nos gânglios. Estas células conferem suporte físico (proteção) aos delicados prolongamentos neuronais, isolamento elétrico e vias de trocas metabólicas entre o sistema vascular e o sistema nervoso.

O Neurónio

Existem mais de 10 biliões de neurónios no sistema nervoso humano. Do ponto de vista funcional, podem classificar-se em neurónios sensoriais

ou aferentes, que levam impulsos dos recetores para o SNC, neurónios

motores ou eferentes, que levam impulsos do SNC ou dos gânglios para células efectoras, e neurónios de associação ou interneurónios, que formam uma rede de comunicação e integração entre neurónios sensoriais e motores, constituindo a maioria.

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Embora tenham a maior variedade de tamanhos e formas de todas as células do corpo, todos apresentam um corpo celular e prolongamentos - o axónio, que transporta informação a partir do corpo celular, e as dendrites, que transportam informação para o corpo celular. Do ponto de vista estrutural, os neurónios pertencem a quatro categorias – multipolares, bipolares, unipolares e pseudo-unipolares. Os neurónios multipolares possuem um axónio e muitas dendrites (neurónios de associação e neurónios motores); os neurónios bipolares possuem dois prolongamentos, uma dendrite e um axónio (neurónios de órgãos sensoriais especializados); os neurónios unipolares possuem um axónio e não têm dendrites, sendo raros; os neurónios pseudo-unipolares possuem um prolongamento que logo se divide em dois ramos, sendo um o axónio e o outro uma dendrite (a maioria dos neurónios sensoriais existentes nos gânglios das raízes dorsais da medula espinhal) (ver Fig. 99-B).

O corpo celular de um neurónio possui, de uma maneira geral, um núcleo com um nucléolo bem visível e à volta do qual se encontram numerosos organelos celulares (vários complexos de Golgi, mitocôndrias e alguns lisossomas) e elementos do citoesqueleto (filamentos intermédios, aqui chamados neurofilamentos, e microtúbulos). O RER é bastante abundante, formando estruturas bem visíveis ao m.o. que se chamam corpos de Nissl (ver Fig. 99-A).

As dendrites são prolongamentos que recebem estímulos de outras células nervosas ou do ambiente, estão habitualmente localizadas perto do corpo celular e podem apresentar muitas ramificações arborescentes que aumentam a superfície recetora do neurónio. Na base das dendrites podem encontrar-se ribossomas e RER. Nos prolongamentos encontram-se microtúbulos e mitocôndrias. Algumas dendrites apresentam, na sua superfície, pequenas projeções laterais chamadas espinhas dendríticas.

O axónio transmite estímulos para outros neurónios ou para células efectoras, existindo sempre só um por neurónio. A zona do corpo celular onde tem origem chama-se cone de implantação. No axónio existem neurofilamentos, microtúbulos, mitocôndrias e vesículas contendo moléculas sintetizadas no corpo celular. Quando se aproxima da sua extremidade o axónio ramifica-se numa arborização terminal chamada telodendria. Cada ramo desta arborização termina numa pequena expansão a que se chama botão terminal. A membrana do axónio também se chama axolema e o seu citoplasma axoplasma. Ao longo do axónio há transporte bidirecional – do corpo celular para as terminações são transportadas vesículas com neurotransmissor; das terminações para o corpo celular são transportados organelos danificados, membrana celular reciclada, substâncias obtidas por

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endocitose e, eventualmente, vírus e toxinas provenientes do exterior que, desse modo, penetram no SNC.

Fig.99 – A. Desenho dos componentes de um neurónio típico (neurónio motor multipolar); notar os corpúsculos citoplasmáticos que correspondem aos corpos de Nissl; a linha tracejada indica a separação entre o SNC e o SNP. B. Tipos de neurónios de acordo com a sua polaridade. C. Tipos de sinapses em função da sua localização. Fawcett e Jensh, 2002.

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Sinapses

Os neurónios comunicam uns com os outros e com as células efectoras através de sinapses. Estas são junções especializadas que facilitam a transmissão de impulsos, sendo o local onde um neurotransmissor é libertado do axónio para estimular outra célula (ver junção neuro-muscular, Fig. 100). As sinapses entre neurónios classificam-se em: axodendríticas, entre o axónio de um neurónio e a dendrite de outro; axo-somáticas, entre o axónio de um neurónio e o corpo celular do outro; e axo-axonais, entre o axónio de um neurónio e o axónio do outro (menos frequentes). A sinapse também pode estabelecer-se com a região da espinha dendrítica (ver Fig. 99-C).

Uma sinapse entre dois neurónios é constituída pela membrana pré-

sináptica do botão terminal, pela fenda sináptica e pela membrana pós-

sináptica; no botão terminal existem vesículas de neurotransmissor e mitocôndrias. Quando um potencial de ação chega ao terminal do axónio, abre canais de voltagem que permitem a entrada de iões cálcio, o que desencadeia a libertação do neurotransmissor na fenda sináptica por exocitose. Aquele liga-se a recetores existentes na membrana pós-sináptica, o que leva à abertura de canais iónicos, causando despolarização da membrana e excitação da célula-alvo. A membrana acrescentada pela exocitose das vesículas move-se lateralmente a partir do local de libertação, sendo recuperada por endocitose em vesículas rugosas (Fig. 100).

As sinapses podem ser excitatórias e inibitórias, dependendo da ação de despolarizar ou hiperpolarizar, respetivamente, a membrana pós-sináptica, o que depende da natureza química do neurotransmissor. No ser humano, as sinapses são sempre químicas, embora existam sinapses elétricas nos vertebrados inferiores e nos invertebrados. Estas são, na realidade, junções de hiato que permitem o movimento de iões entre as células, e, consequentemente, a passagem de impulsos elétricos. Nos mamíferos, existem estruturas que podem ser consideradas equivalentes às sinapses elétricas, que são as junções de hiato do músculo cardíaco.

Um neurónio estabelece um número muito variável de sinapses que pode ir de apenas algumas às dezenas de milhar (Fig. 101).

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Fig. 100 – Esquema da região sináptica. A fenda sináptica tem 12-20 nm e as vesículas sinápticas 20-40 nm de diâmetro. As vesículas sinápticas são transportadas pelo citoesqueleto do axónio até ao botão terminal (1); as vesículas fundem-se com a membrana da zona ativa (2) e o seu conteúdo é libertado por exocitose (3), ficando a membrana da vesícula integrada na membrana citoplasmática (4); a proteína clatrina associada à membrana forma vesículas rugosas que reciclam a membrana da vesícula sináptica (5); aquelas fundem-se com a membrana do endossoma (6) e a clatrina é libertada; outras vesículas podem formar-se a partir do compartimento do endossoma (7), na realidade, uma cisterna do REL. Stevens & Lowe, 1997.

Fig. 101 – Esquema de um neurónio mostrando inúmeras sinapses axodendríticas, axo-somáticas e axo-axonais. Carneiro, 1987.

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Os neurotransmissores mais frequentes são a acetilcolina, da qual já falámos a propósito da contração muscular, e a noradrenalina, atuando ambas tanto entre neurónios como entre estes e células efectoras. Outros neurotransmissores são o ácido γγγγ-aminobutírico (GABA) (neurotransmissor inibitório), a dopamina, a serotonina, o ácido glutâmico, o ácido aspártico e a glicina. Recentemente, demonstrou-se que vários pequenos peptidos atuam como neurotransmissores. São exemplo a substância P (assim chamada por ter sido detetada em extratos de cérebro e intestino sob a forma de pó) (ver Nota p. 74), as hormonas de libertação hipotalâmicas, as encefalinas, o peptido intestinal vasoativo, a colecistocinina e a neurotensina. Muitos deles são sintetizados e libertados por células enteroendócrinas do trato intestinal, podendo atuar nas células vizinhas (secreção paracrina) ou ser levadas para o sangue como hormonas (secreção endócrina). Também são sintetizados e libertados pelos neurónios neuro-secretores do hipotálamo.

Os neurotransmissores, após libertação na fenda sináptica e ligação aos recetores pós-sinápticos, são degradados por ação enzimática ou recapturados por endocitose pela membrana pré-sináptica, a fim de limitar a duração da estimulação ou da inibição da membrana pós-sináptica.

As Células de Suporte

Os prolongamentos de muitos neurónios que constituem os nervos periféricos são revestidos por uma bainha de mielina. A mielina é formada, essencialmente, por lípidos (fosfolípidos e glicolípidos) e colesterol e é produzida pelas células de Schwann (ver Fig. 99-A), num processo em que o citoplasma desta cresce em torno do axónio de uma forma espiral formando camadas concêntricas (Fig. 102-A,B,C). À medida que as camadas se vão formando, o citoplasma é excluído e as membranas fundem-se. Ao longo do axónio existem intervalos na bainha de mielina, chamados nódulos de

Ranvier, que são espaços entre as células de Schwann (Fig. 102-D).

A função da bainha de mielina é isolar o axónio do espaço extracelular. Os segmentos internodais de mielina previnem a troca de iões necessária para gerar o potencial de ação. No entanto, este é retomado no nódulo de Ranvier, pelo que se fala em condução saltatória, sendo muito mais rápida do que nos axónios não mielinizados. Com efeito, a velocidade do impulso nervoso pode atingir os 100 m/s nas fibras nervosas mielinizadas, enquanto nas não mielinizadas pode não ultrapassar 1 m/s.

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Fig. 102 – Diagrama ilustrando as etapas do desenvolvimento da bainha de mielina. A. Axónio envolvido por um processo da célula de Schwann. B. As membranas apostas do processo da célula de Schwann (o mesaxónio) ficaram em contacto estreito e começaram a formar uma espiral em torno do axónio. C. Formaram-se algumas camadas de mielina por contacto e fusão das membranas do mesaxónio. D. Nódulo de Ranvier; notar as linhas claras e densas que se observam ao m.e. Fawcett & Jensh, 2002.

Os corpos celulares dos neurónios situados nos gânglios nervosos estão rodeados por células satélite, que ajudam a estabelecer e manter um microambiente controlado em torno do corpo celular, conferem isolamento elétrico e são uma via para trocas metabólicas.

As células da glia, ou neuróglia, existem no SNC e são de três tipos: oligodendrócitos, astrócitos e micróglia (Fig. 103). Os oligodendrócitos, de origem ectodérmica, são as células que produzem mielina (ver Fig. 99-A), os astrócitos, também de origem ectodérmica, são células que dão suporte físico e metabólico aos neurónios, e a micróglia, de origem mesodérmica, é constituída por células móveis e fagocíticas, que eliminam tecido necrótico, microrganismos ou substâncias estranhas que invadam o SNC. Existem dois tipos de astrócitos – os astrócitos protoplasmáticos, mais abundantes na substância cinzenta e os astrócitos fibrosos, mais abundantes na substância branca (ver adiante). O processo de mielinização pelos oligodendrócitos é mais complexo que no SNP, podendo uma única célula mielinizar vários axónios. Os nódulos de Ranvier são maiores, pelo que a condução saltatória é ainda mais eficiente.

Os ventrículos cerebrais (cavidades dos hemisférios) e o canal central da medula espinhal estão revestidos por um epitélio cuboidal ciliado composto por células ependimárias. Estas contribuem para a circulação do líquido cefalorraquidiano produzido em células especializadas deste epitélio e localizadas nos ventrículos – os plexos coroideus.

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Fig. 103 – Formas das células da glia no SNC. A. Astrócito protoplasmático. B. Astrócito

fibroso. C. Micróglia. D. Oligodendrócitos. Fawcett & Jensh, 2002.

Organização do Tecido Nervoso

O tecido nervoso do SNC, quando observado em cortes, possui duas zonas distintas, visíveis mesmo à vista desarmada – a substância cinzenta, que corresponde à zona onde se concentram os corpos celulares e as fibras não mielinizadas, e a substância branca, que corresponde às fibras mielinizadas. Enquanto no encéfalo a substância cinzenta se dispõe à periferia, formando o chamado córtex (cerebral e cerebelar), na medula espinhal dispõe-se no interior formando um H (Fig. 104).

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Fig. 104 – Corte transversal na medula espinhal mostrando a distribuição da substância branca e da substância cinzenta. A substância cinzenta forma um H com dois cornos posteriores e dois cornos anteriores; notar o pequeno canal central; a aparente inversão deve-se à coloração artificial do corte. Fawcett & Jensh, 2002.

Os tipos de corpos celulares encontrados na substância cinzenta varia com a localização no encéfalo e na medula espinhal. Assim, no córtex cerebral, que contém mais de 16 x 108 neurónios de muitos tipos, as células estão arranjadas em seis camadas principais. O tipo mais característico é a célula piramidal (Fig. 105), variando em tamanho e no padrão de ramificação consoante as camadas, e que deve o seu nome ao facto de possuir um corpo celular triangular. Possui uma longa dendrite apical que se estende para a superfície com muitos ramos e sinapses axodendríticas, e um axónio que desce através das camadas mais profundas do córtex. Outro tipo importante é a célula granulosa que possui numerosas dendrites muito ramificadas e um axónio relativamente curto (Fig. 105). No córtex cerebelar existem três camadas – a primeira com poucas células e muitas fibras não mielinizadas, a camada central consiste em grandes células de Purkinje (Fig. 105), as quais possuem uma dendrite com uma abundante ramificação num único plano e um axónio que desce até à terceira camada composta por células granulosas.

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Fig. 105 – Desenho de algumas células do SNC. As células de Purkinje do cerebelo possuem uma arborização dendrítica notável. As células piramidais do córtex cerebral têm muito menos dendrites, mas estas possuem muitas espinhas. As células granulosas emitem um axónio que estabelece sinapses com dendrites das células de Purkinje. Notar que se trata de neurónios multipolares. Fawcett & Jensh, 2002.

No sistema nervoso periférico, os axónios e as dendrites, ou fibras nervosas, estão associados em feixes chamados nervos. A maior parte do nervo é composta por fibras e células de Schwann que são mantidas juntas por tecido conjuntivo organizado em três componentes distintos – o endonervo, o perinervo e o epinervo (Fig. 106).

Fig. 106 – Diagrama esquemático mostrando o arranjo das fibras sensitivas e motoras num nervo. Ross et al., 1995.

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O epinervo é constituído por tecido conjuntivo denso irregular, estando a maioria das fibras de colagénio orientadas longitudinalmente para limitar o estiramento do nervo. Os seus elementos celulares são fibroblastos, mastócitos e alguns adipócitos. Finas extensões desta camada penetram no nervo como perinervo, uma fina manga de céluas rodeando pequenos feixes de fibras nervosas. Dentro de cada feixe destas existe o endonervo, constituído por uma rede delicada de fibras reticulares rodeando cada complexo célula de Schwann-fibra nervosa.

Os corpos celulares dos neurónios motores que inervam o músculo esquelético (somáticos eferentes) estão localizados no cérebro, no tronco cerebral e na medula espinhal. Os axónios deixam o SNC e viajam em nervos periféricos até aos músculos esqueléticos. No SNA, uma cadeia de dois neurónios liga o SNC ao músculo liso, ao músculo cardíaco e às glândulas (visceral eferentes). Os neurónos pré-ganglionares do SNA têm os seus corpos celulares em localizações específicas do SNC. Os seus axónios deixam o SNC e viajam em nervos periféricos para estabelecer sinapses com os neurónios pós-ganglionares nos gânglios periféricos.

Os corpos celulares dos neurónios sensoriais estão localizados em gânglios fora do SNC mas perto deste. No sistema sensorial, composto por componentes aferentes tanto somáticos como viscerais, um único neurónio liga o recetor, através de um gânglio sensorial, à medula espinhal ou ao tronco cerebral. Os gânglios sensoriais estão localizados ao longo das raízes dorsais dos nervos espinhais e em associação com alguns nervos cranianos.

Os corpos celulares dos neurónios motores que inervam o músculo estriado (eferentes) estão localizados no corno anterior da substância cinzenta da medula espinhal. O axónio deixa o SNC passando pela raiz anterior, torna-se um componente do nervo espinhal e termina no músculo. Perto deste, o axónio divide-se em numerosos ramos terminais que formam sinapses com a célula muscular (ver Fig. 91).

Os corpos celulares dos neurónios sensoriais estão localizados nos gânglios da raiz dorsal dos nervos espinhais. Estes neurónios são pseudo-unipolares e, como transportam impulsos para o SNC são aferentes. Os impulsos são gerados na arborização terminal - os recetores.

Os recetores aferentes são estruturas especializadas que se localizam nas extremidades distais das dendrites dos neurónios sensoriais. Embora possam ter estruturas muito diferentes, possuem uma característica comum – são capazes de iniciar um impulso nervoso em resposta a um estímulo. Dividem-se em: exterocetores, que são recetores cutâneos e reagem a estímulos do ambiente externo (temperatura, pressão, odores, sons ou estímulos visuais); visceroceptores, associados aos órgãos internos

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(estiramento do trato digestivo e da bexiga, por exemplo); e propriocetores, associados às articulações e aos tendões, dando a sensação da posição do corpo, do tónus muscular e do movimento. Os recetores da dor chamam-se nociceptores, podendo ser tanto exterocepores como visceroceptores.

Neurónios dos órgãos dos sentidos

Fora do sistema nervoso central, e para além dos localizados nos plexos nervosos, existem neurónios no epitélio olfativo (Fig. 107) e na retina (Fig. 108). Fig. 107 – Esquema do epitélio olfativo mostrando os seus três tipos de células, e, sob o epitélio, células de Schwann em torno dos axónios das células recetoras. As células estaminais basais podem diferenciar-se tanto em células de sustentação como em células olfativas, sendo responsáveis pela regeneração deste epitélio. Esta capacidade de regeneração dos neurónios é rara noutras partes do sistema nervoso. Outra característica pouco habitual deste epitélio reside no facto de as extremidades das células olfativas representarem o único local onde os neurónios estão diretamente expostos ao ambiente. Fawcett & Jensh, 2002.

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Fig. 108 – Esquema

simplificado dos principais

tipos de células da retina:

AC, célula amácrina; BC,

célula bipolar; GC, célula

ganglionar; HC, célula

horizontal. Camadas da

retina: GCL, camada

ganglionar; IPL, camada

plexiforme interior; INL,

camada bipolar interior; OPL,

camada plexiforme exterior;

ONL, camada bipolar

exterior; PL, camada

fotorreceptora; PEL, camada

epitelial pigmentar. Notar que

todos estes tipos de células

são neurónios que

comunicam entre si através

de sinapses. As setas

indicam o trajeto do impulso

nervoso. As células da

camada fotorreceptora são

os cones e os bastonetes –

os cones estão ativos com

boa luminosidade, enquanto

os bastonetes estão ativos

em condições de

luminosidade reduzida.

Fawcett & Jensh, 2002.

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Meninges

O tecido conjuntivo do SNC está organizado em três membranas sequenciais que protegem o encéfalo e a medula espinhal – a dura mater, a mais externa, a pia mater, a mais interna, e a aracnoideia, intermédia (Fig. 109).

Fig. 109 – Representação esquemática das meninges. Ross et al, 1995.

A dura-máter é composta por tecido conjuntivo denso que adere à face interna do crânio, sendo contínua com o periósteo. O hematoma subdural frequente nos traumatismos cranianos, contrariamente ao que o nome indica, é uma acumulação de sangue dentro de uma fenda da dura mater. Na medula espinhal, esta membrana está separada do periósteo por um espaço epidural que contém tecido conjuntivo laxo, veias de paredes finas e alguns adipócitos. As superfícies externa e interna da dura mater na medula espinhal estão cobertas por epitélio escamoso simples. O epitélio interno está ligado à medula por vários ligamentos denticulados que apoiam esta estrutura.

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A aracnoideia consiste numa camada externa de células justapostas e em contacto com a dura mater, e uma porção interna composta por células trabeculares que atravessam o espaço subaracnoideu ligando a aracnoideia à pia mater subjacente. O espaço contém líquido cefalorraquidiano. Esta membrana não possui vasos sanguíneos.

A pia-máter é uma camada de tecido conjuntivo laxo coberta lateralmente em direção à aracnoideia por uma camada única e fina de células escamosas. Entre esta camada e o tecido nervoso subjacente interpõem-se fibras elásticas e de colagénio. A pia-máter contém numerosos vasos sanguíneos. Entre as células desta membrana e ao longo os seus vasos encontram-se macrófagos, pequenos grupos de linfócitos e mastócitos. A pia-máter e a aracnoideia estão em contacto estreito, sendo, por vezes, consideradas ambas uma única camada (pia-aracnoideia).

Barreira Hematoencefálica

Os vasos sanguíneos estão separados do tecido nervoso pela interposição de lâminas basais e quantidades variáveis de tecido conjuntivo, dependendo do tamanho do vaso. No SNC, a fronteira entre os vasos e o tecido nervoso foi há muito reconhecido como especial, pois muitas substâncias que deixam rapidamente os vasos para entrar noutros tecidos não o fazem no tecido nervoso. Esta restrição seletiva de substâncias transportadas pelo sangue no SNC chama-se barreira hemato-encefálica e reside nas junções apertadas existentes entre as células endoteliais dos capilares encefálicos. Por outro lado, poucas vesículas de pinocitose se observam nos capilares do SNC, restringindo ainda mais o transporte transepitelial. O perinervo também constitui uma barreira, regulando o microambiente dentro dos feixes de fibras nervosas nos nervos periféricos.

No entanto, existem algumas partes do SNC que não estão protegidas de eventuais substâncias transportadas pelo sangue. É o caso da neuro-hipófise, da substância nigra e dos núcleos cinzentos do cérebro, sendo uma possível explicação o facto de substâncias circulantes serem necessárias para controlar a atividade neuro-secretora no sistema nervoso e do sistema endócrino.

Reparação e Regeneração no Tecido Nervoso

Os neurónios não se dividem. Cada indivíduo, quando nasce, já possui o número definitivo de células nervosas. O crescimento e o desenvolvimento do encéfalo dão-se à custa da formação de novas sinapses, do crescimento dos prolongamentos dos neurónios e da atividade das células de suporte. Por

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essa razão, os tumores cerebrais têm origem nestas células e não nos neurónios. Quando os neurónios degeneram, são removidos por macrófagos por fagocitose. A área danificada é reparada pela proliferação de astrócitos que preenchem os espaços vazios e formam uma cicatriz astrocítica num processo chamado gliose.

Em caso de lesão, só os prolongamentos dos neurónios podem ser regenerados se o corpo celular não for danificado (Fig. 110). No SNP, o tecido conjuntivo e as células de Schwann formam tecido cicatricial no intervalo entre as extremidades do nervo danificado. Se a quantidade deste tecido não for elevada, é possível reunir, cirurgicamente, as extremidades cortadas e o nervo tem possibilidade de regenerar. Se as duas partes do axónio não restabelecerem contacto, o músculo manter-se-á atrófico.

Fig. 110 – Após secção de um nervo que inerva um músculo, os axónios e a mielina

degeneram e são removidos pelos lisossomas da célula de Schwann, pela micróglia e pelos

macrófagos que migram para o nervo. O corpo celular do neurónio acumula grandes

quantidades de neurofilamentos e os corpos de Nissl e o núcleo migram para a periferia,

reação a que se chama cromatólise. A célula de Schwann prolifera e forma colunas

longitudinais de células no nervo distal. Na extremidade proximal o nervo regenera a uma

velocidade de cerca de 2-5 mm/dia. Uma fibra liga-se ao músculo restabelecendo a

inervação e o corpo celular volta ao normal. A fibra muscular sem inervação fica atrofiada.

Após a regeneração, os segmentos da bainha de mielina são mais curtos. Stevens & Lowe,

1997.

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Doenças associadas ao tecido nervoso

Várias doenças hereditárias do metabolismo resultam na produção deficiente de mielina no sistema nervoso, chamando-se leucodistrofias. As crianças afetadas evidenciam défices neurológicos graves e degeneração progressiva da mielina. Algumas destas doenças são devidas a defeitos dos lisossomas não se dando o metabolismo normal dos lípidos da mielina.

Uma das doenças mais graves do cérebro é a doença de Alzheimer, muito frequente nos idosos. Caracteriza-se por acumulação intraneuronal de ansas, enrolamentos e emaranhados de filamentos compostos, em parte, por uma proteína anormal do citoesqueleto. Também existem placas extracelulares compostas por fibrilhas semelhantes entre material amorfo chamado amiloide. A perda gradual dos neurónios resulta em demência progressiva.

A esclerose múltipla é outra das doenças graves do SNC na qual o aspeto dominante é a destruição das bainhas de mielina. A perda de função depende das áreas em que aquela destruição ocorre. Um efeito precoce é, muitas vezes, a perturbação da visão ou dos movimentos oculares, mas a fraqueza, a perda do sentido da posição e a paralisia de um ou mais membros são sequelas frequentes. Uma característica da doença é a perda de oligodendrócitos nas áreas de desmielinização. Desconhece-se a causa desta doença.

A esclerose lateral amiotrófica (doença de Lou Gehrig) é uma perda progressiva de neurónios motores no córtex cerebral e na medula espinhal, resultando em atrofia dos músculos inervados por esses neurónios. O sistema sensorial e a cognição não são afetados. Surge, muitas vezes, tremor, andar irregular, paralisia muscular, nomeadamente dos músculos da mastigação e da expressão facial, dificuldade em deglutir e, por último, paralisia dos músculos respiratórios. A esperança de vida após o aparecimento da doença não ultrapassa os 10 anos. É mais frequente nos homens que nas mulheres e a sua causa é desconhecida.

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Capítulo 4 – Noções de Genética Humana A hereditariedade, ou seja, a transmissão das características de um indivíduo à sua descendência, desde sempre intrigou o homem, levando-o, por vezes, a emitir teorias e a fazer explicações que, hoje, nos merecem um sorriso quase trocista. A ciência que se ocupa do estudo da hereditariedade, que agora se sabe dever-se aos genes, chama-se Genética. Nascida não há muito das mãos de Gregor Mendel (1822-1884), monge e botânico austríaco, que se dedicou ao estudo das ervilhas-de-cheiro, a Genética é, atualmente, uma ciência que pode ser estudada à luz dos conhecimentos clássicos adquiridos desde essa época, mas que também se dedica, cada vez mais, ao estudo dos fenómenos que se passam a nível molecular. Daí falar-se em Genética Clássica e Genética Molecular.

As noções que vamos aqui adquirir abrangem os dois tipos de genética e pretendem ensinar apenas, e de forma despretensiosa, um assunto de elevada complexidade e com um envolvimento matemático que ultrapassa, em larga medida, os objetivos do nosso estudo.

Um dos principais objetivos dos estudos genéticos na atualidade é a identificação de indivíduos portadores de um determinado caráter prejudicial, a fim de prever malformações congénitas. A palavra congénito quer dizer que ocorre no nascimento, e, na realidade, apenas cerca de 15% dos problemas congénitos são de origem genética. A grande maioria é de causa desconhecida e outros são devidos, como foi estudado em Embriologia, à influência de agentes teratogénicos.

Como já tivemos oportunidade de aprender, o genoma humano é composto por 46 cromossomas, ou 23 pares de cromossomas homólogos, sendo 22 pares de autossomas e um par de cromossomas sexuais – XX, no sexo feminino e XY, no sexo masculino.

Também falámos em genes, embora ainda não tenhamos definido, com precisão, este conceito. Chama-se gene à porção de DNA responsável pela transmissão de informação genética e de expressar essa informação por codificação de uma cadeia polipeptídica. Pode considerar-se, por isso, a unidade de hereditariedade. Existem vários tipos de genes, mas, para o nosso estudo, será suficiente falarmos de genes estruturais e genes reguladores. Estes últimos, como o nome indica, regulam a atividade dos primeiros. Como vimos, é a repressão de alguns genes que permite a diferenciação celular. No entanto, há genes que são expressos em praticamente todos os tipos de células, pois as proteínas que codificam executam funções básicas necessárias à sobrevivência daquelas. Há outros

“No encontro da semente, a mulher, por vezes, com uma força súbita sobrepõe-se ao homem, e aí as crianças nascidas da semente maternal vão parecer-se com a mãe; mas se forem nascidas da semente paternal vão parecer-se com o pai. As crianças que se parecem com ambos os pais foram geradas pelo corpo do pai e pelo sangue da mãe, quando as sementes atravessaram os corpos excitados por Vénus na harmonia de uma paixão mútua, sem nenhum conquistar ou ser conquistado.”

Lucretius (96-55 a. C.)

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cuja intensidade de expressão depende de fatores reguladores externos à célula, como hormonas, por exemplo.

Cada gene ocupa um determinado local num cromossoma chamado locus (plural: loci). Os genes que ocupam o mesmo locus em cromossomas homólogos chamam-se alelos. Se os dois genes alélicos forem idênticos o indivíduo diz-se homozigótico para o traço especificado para esse locus genético. Quando os dois alelos são diferentes, o indivíduo diz-se heterozigótico para esse traço. De salientar que os genes existentes no cromossoma X só têm alelos nos indivíduos do sexo feminino, enquanto os existentes no cromossoma Y nunca possuem alelos.

Chama-se fenótipo ao conjunto de características físicas, bioquímicas e/ou fisiológicas observadas num indivíduo ou numa célula, resultantes da interação do meio ambiente com um gene ou genes. O genótipo é a constituição génica de um indivíduo no que diz respeito aos alelos de um locus.

Um caráter diz-se dominante se se exprime quando há heterozigotia para o gene que o determina, e recessivo quando se manifesta apenas em homozigotia. Por exemplo, a cor castanha dos olhos é dominante em relação à cor azul. No entanto, uma criança filha de dois progenitores com olhos castanhos poderá ter os olhos azuis se aqueles forem ambos heterozigóticos em relação a esse caráter. Se apenas um for heterozigótico, não é possível a existência de um filho com olhos azuis. Dois progenitores com olhos azuis, ou seja, ambos homozigóticos em relação a este caráter, só poderão ter filhos com olhos azuis. De salientar, contudo, que a grande variabilidade de coloração dos olhos deve-se ao facto de ser uma característica poligénica, ou seja, é determinada por vários genes localizados em loci diferentes.

Expressão da Informação Genética – a Biossíntese de Proteínas e o Código Genético

Como é já do nosso conhecimento, é através da síntese de proteínas que o núcleo controla toda a atividade celular (Fig. 111). Mas como é determinada a ordem e o tipo de aminoácidos que se associam para construir uma proteína? De que forma a informação contida na sequência nucleotídica do DNA é convertida numa cadeia polipeptídica? Quantos nucleótidos são necessários para codificar um aminoácido?

Na linguagem de quatro letras do DNA (A, T, G, C), se cada nucleótido codificasse um aminoácido, o sistema só poderia codificar quatro. Como existem 20 aminoácidos que fazem parte das proteínas, é necessário que haja combinações de nucleótidos. Uma sequência de três nucleótidos permite

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64 possibilidades (se fossem dois estas eram apenas 16), o que é suficiente para os 20 aminoácidos. Deste modo, é um tripleto o que representa a mais pequena unidade da mensagem genética. Como existem sequências de diferentes tripletos no DNA, elas vão codificar a ordenação de séries de aminoácidos que caracterizam as várias proteínas. Cada tripleto do mRNA que codifica um determinado aminoácido ou o início ou o fim da síntese de uma cadeia polipeptídica chama-se codão.

Fig. 111 – Dos genes às características dos indivíduos. Dias da Silva et al., 2000.

À correspondência entre tripletos de nucleótidos e os aminoácidos que aqueles determinam durante a tradução do mRNA ao nível dos ribossomas chama-se código genético. A investigação que levou à descoberta do código genético foi morosa e realizou-se na segunda metade do século XX. Os estudos continuam, tendo-se, inclusivamente, descoberto que alguns codões representam um sinal de terminação da tradução do mRNA, enquanto outro é o sinal de iniciação (Fig. 112).

O código genético é universal, ou seja, é igual desde os vírus até ao ser humano, passando pelas plantas e pelos animais mais simples, embora se conheçam algumas exceções (o DNA mitocondrial, por exemplo); é degenerescente ou redundante, pois é possível um mesmo aminoácido ser

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codificado por codões diferentes; mas não é ambíguo, pois o mesmo codão não codifica aminoácidos diferentes. Também podemos acrescentar, a título informativo, que o terceiro nucleótido de cada codão não é tão específico como os dois primeiros – por exemplo, o aminoácido arginina pode ser codificado pelos codões CGU, CGC, CGA e CGG.

Fig. 112 – O código genético. Dias da Silva et al., 2000.

Padrões de Hereditariedade

A transmissão de determinadas características à descendência pode ser: autossómica dominante, quando o gene correspondente está situado num autossoma e o caráter é dominante; autossómica recessiva, quando o gene correspondente está localizado num autossoma e o caráter é recessivo; e ligada aos cromossomas sexuais, quando o gene correspondente se encontra no cromossoma X ou no cromossoma Y.

Nos estudos simples de transmissão hereditária podemos recorrer ao chamado xadrez mendeliano, que não é mais do que uma tabela que permite estabelecer os resultados possíveis do cruzamento entre dois indivíduos homozigóticos ou heterozigóticos em relação a um dado caráter, antecipando os tipos de gâmetas que podem produzir e as probabilidades de surgimento do caráter na sua descendência. Utiliza-se a letra maiúscula para assinalar a presença de um caráter dominante e a letra minúscula para assinalar a presença de um caráter recessivo. Para facilitar o nosso estudo, consideremos, em primeiro lugar, uma situação simples autossómica recessiva, como o albinismo (ausência de pigmentação). O indivíduo de

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fenótipo normal (A) pode ter o genótipo Aa ou AA. Vamos considerar o caso de uma mulher normal mas heterozigótica (Aa), que se casa com um homem normal também heterozigótico (Aa). Ao fazermos o xadrez mendeliano, verificamos que a probabilidade de terem um filho albino é de 25%:

M

P

A

a

A

AA

Aa

a

Aa

aa

Faça as outras combinações possíveis e verifique qual a probabilidade de um casal ter um filho albino, sendo um dos progenitores AA e o outro Aa.

Como exercício, considere uma situação autossómica dominante designada pela letra M, sendo o alelo normal designado pela letra m. Faça o xadrez mendeliano das várias situações possíveis.

No caso de o caráter ser determinado por um gene localizado no cromossoma X, torna-se óbvio que, quer seja dominante quer recessivo, se manifesta sempre nos indivíduos do sexo masculino, uma vez que não existe o seu alelo. Se for recessivo, só se manifestará no sexo feminino em caso de homozigotia, e as mulheres que possuem o alelo afetado chamam-se portadoras. É o que se passa com a hemofilia, doença devida à ausência de um dos fatores de coagulação. No xadrez abaixo, está representado o cruzamento entre uma mulher portadora (XHXh) e um homem normal (XHY). Como se pode verificar, a probabilidade de terem um filho hemofílico é de 25%, assim como de terem uma filha portadora:

M

P

XH

Xh

XH

XHXH

XHXh

Y

XHY

XhY

Verifique quais os outros casos possíveis.

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Outra anomalia fenotípica frequente ligada ao cromossoma X é o daltonismo, incapacidade de distinguir certas cores, como o vermelho ou o verde, que são percebidas como cinzentas. Cerca de 10% dos homens são daltónicos, enquanto esta anomalia surge apenas em 0,3% das mulheres. É uma anomalia recessiva que, por isso, só se manifesta nas mulheres homozigóticas. Como exercício, verifique quais são as probabilidades de um casal, em que o homem é daltónico e a mulher portadora da anomalia, ter um filho com visão normal.

Os genes localizados no cromossoma Y só se transmitem à descendência masculina, como é óbvio. Um exemplo é o da hipertricose auricular, presença de pelos longos e abundantes nos pavilhões auriculares. Estes genes chamam-se holândricos, ou seja, exclusivos dos homens.

Dos trabalhos de Mendel foi possível concluir que, por vezes, ocorre dominância incompleta, quando se manifestam na descendência as características associadas aos dois alelos. É o que se passa quando se cruzam plantas de flor vermelha e plantas de flor branca e obtemos, na primeira geração, plantas de flor cor-de-rosa. Nos seres humanos, a cor da pele, embora seja uma característica poligénica, comporta-se desta forma – um indivíduo filho de um progenitor de pele negra e de outro de pele branca, apresenta tonalidade intermédia, embora a coloração negra seja dominante.

Existem ainda outros casos em que não se verifica dominância de um alelo sobre o seu antagónico, podendo expressar-se ambos completamente. A este fenómeno chama-se codominância e verifica-se, por exemplo, no sistema sanguíneo ABO que estudaremos mais adiante.

Os geneticistas podem recorrer a árvores genealógicas, ou seja, ao traçado da história de um indivíduo através dos seus ascendentes, podendo a sua análise ser utilizada para averiguar o modo como certas características são herdadas ao longo das gerações. Para construir uma árvore genealógica, em relação a um caráter em estudo, o geneticista seleciona aspetos fenotípicos dos indivíduos da família relativos a várias gerações e representa-os utilizando símbolos convencionais. A figura 113 representa os símbolos mais utilizados nas árvores genealógicas humanas.

Na análise de uma árvore genealógica pode determinar-se a origem de certas anomalias ou inferir os riscos da sua transmissão em gerações futuras. A figura 114 representa a genealogia da hemofilia na linhagem real europeia.

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Fig. 113 – Símbolos utilizados nas árvores genealógicas. Dias da Silva et al., 2000.

Fig. 114 – A Rainha Vitória foi a “responsável” pela disseminação da hemofilia nas famílias reais europeias. Notar que, na terceira geração, todos os membros são afetados. Dias da Silva et al., 2000.

Alelos Múltiplos

Para algumas características determinadas geneticamente existem na população mais de duas formas alélicas que podem ocupar, mas não simultaneamente, o mesmo locus em cromossomas homólogos. Tal grupo de alelos é designado por série de alelos múltiplos ou polialelos. De notar, contudo, que, em cada indivíduo, só podem estar presentes duas dessas formas alélicas, uma em cada um dos cromossomas do mesmo par de homólogos. É o que se passa com o sistema ABO. O locus da imunoglobulina (I), situado no cromossoma 9, pode ser ocupado por três tipos de alelos (IA, IB, IO) que condicionam os quatro fenótipos (A, B, AB e O) do sistema ABO.

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Fenótipos Genótipos A IAIA ou IAIO B IBIB ou IBIO

AB IAIB

O IOIO

Relacionando a constituição genotípica com o fenótipo que lhe corresponde, pode concluir-se que:

• o alelo IA é dominante em relação ao alelo IO; • o alelo IB é dominante em relação ao alelo IO; • o alelo IO é recessivo; • os alelos IA e IB são codominantes.

Como exercício, faça os xadrezes mendelianos de vários casos de cruzamentos possíveis. Existem situações em que é fácil detetar se um indivíduo pode ou não ser filho dos pais que o reclamam como tal, mas noutras não é possível. Consiga exemplos de umas e outras.

Embora o sistema ABO e o sistema Rh possam contribuir, de algum modo, para esclarecer questões sobre filiação biológica, pois podem, nalguns casos, excluir a possibilidade, os testes de paternidade são, hoje, baseados em estudos do DNA.

Alterações do Material Genético - Mutações

Os genomas dos seres vivos podem, em circunstâncias diversas, alterar-se. Estas alterações genotípicas chamam-se mutações (do latim: mutare = mudar) e os indivíduos que as manifestam chamam-se mutantes. Ao gene que se encontra habitualmente na natureza chama-se selvagem. Nalguns animais, bem como no mundo vegetal, é frequente existirem várias mutações do gene selvagem que correspondem a fenótipos viáveis. Acontece, por exemplo, com as variedades de algumas plantas.

As mutações podem surgir quer nas células somáticas quer nas da linha germinativa. Uma mutação somática não é transmitida à descendência, a não ser nos seres vivos capazes de reprodução assexuada. Mas uma alteração ao nível das células germinativas pode ser transmitida à descendência.

As mutações podem ser de dois tipos – mutações génicas, quando se dá uma alteração num gene, por vezes apenas num dos seus nucleótidos, e mutações cromossómicas, quando ocorrem alterações ao nível de porções de cromossomas, de cromossomas completos ou mesmo de conjuntos de cromossomas.

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Mutações génicas

Para além da hemofilia e da polidactilia de que já falámos, são outros exemplos de mutações génicas outras duas doenças – a anemia falciforme ou drepanocitose e a fenilcetonúria (PKU). Na figura 115 está representada a mutação responsável pela anemia falciforme (S, de sickle = foice), doença autossómica recessiva, mais frequente nos indivíduos de raça negra, em que os eritrócitos ficam com forma de foice e a sua função gravemente comprometida quando expostos a hipóxia (baixos níveis de oxigénio no sangue). Conhecendo o tipo de transmissão da doença, calcule as probabilidades de aparecimento da doença na descendência de um casal em que um dos membros é normal (HbAHbA) e o outro é portador (HbSHbA) e noutro casal em que um dos membros é normal e o outro tem a doença (HbSHbS).

Fig. 115 – A substituição da adenina pelo uracilo no codão dá origem à inclusão da valina na sequência peptídica da cadeia β da hemoglobina, o que é suficiente para induzir a anomalia. Dias da Silva et al., 2000.

A PKU é uma doença autossómica recessiva que afeta 1 em cada 10 000 bebés. É provocada pela acumulação no sangue do aminoácido fenilalanina ingerido com os alimentos. O excesso deste aminoácido perturba o desenvolvimento do cérebro. Um indivíduo normal possui, num determinado locus, um gene que codifica a síntese de uma proteína enzimática que, no fígado, converte a fenilalanina em tirosina (Fig. 116). Um indivíduo afetado possui, no mesmo locus, um gene que codifica uma proteína não funcional. No indivíduo afetado, a fenilalanina acumula-se e dá origem ao ácido fenilpirúvico, pelo que a doença também se designa idiotia

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fenilpirúvica. A PKU constitui uma das histórias de maior sucesso na prevenção de uma doença genética. O diagnóstico precoce efetuado a partir de uma gota de sangue colhida no momento do nascimento pode salvar a vida de uma criança, pois, se estiver afetada, é suficiente reduzir as proteínas com elevado teor de fenilalanina presentes nos alimentos, para que possa ter uma vida normal.

Fig. 116 – Metabolismo da fenilalanina. Dias da Silva et al., 2000.

Mutações cromossómicas

Durante a meiose, por vezes surgem erros tanto na estrutura como no número de cromossomas. Estas mudanças envolvem partes de cromossomas, cromossomas inteiros ou mesmo conjuntos de cromossomas. As mutações cromossómicas estruturais estão representadas no Quadro da página seguinte. De notar que, na translocação recíproca e na inversão, não há alteração do número de genes, modificando-se apenas a sua posição relativa.

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As mutações cromossómicas numéricas são devidas a uma não disjunção de cromossomas homólogos na divisão I ou a uma disjunção de cromatídios na divisão II da meiose. Em ambos os casos resultam células com excesso ou com défice de cromossomas. A maioria dos embriões (20% a 50%) que resultam de gâmetas com anomalias cromossómicas numéricas abortam espontaneamente, enquanto outros sobrevivem. Nas alterações que afetam apenas um par de cromossomas utiliza-se o sufixo –somia para indicar a alteração numérica do respetivo cromossoma, como na trissomia 21 (Fig. 117-A), ou na monossomia em que existe apenas um cromossoma do par (Fig. 117-B). Chama-se aneuploidia à situação em que há um número de cromossomas que não é múltiplo do número haploide.

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A B

Fig. 117 – Cariótipos humanos anormais: A, trissomia 21; B, monossomia X.

As síndromes específicas ligadas à alteração do número de cromossomas sexuais estão especificadas no Quadro que se segue.

Cromossomas

Sexuais Fenótipo Fatores clínicos

X0 Fêmea imatura Síndrome de Turner: pequena estatura, pescoço alado, palato arqueado, não fértil

XXY

Macho

Síndrome de Klinefelter: testículos pequenos, não fértil, muitas vezes alto com membros longos, ancas e mamas algo desenvolvidas

XYY Macho Alto, aspeto normal, comportamento impulsivo XXX Fêmea Aspeto normal, atraso mental (um terço dos

casos), fértil (em muitos casos)

Nota: O ovo de cariótipo Y0 é inviável.

Nem sempre uma mutação é prejudicial. Por vezes, ocorrem mutações que não provocam qualquer alteração nas proteínas devido à redundância do código genético, uma vez que o codão mutado codifica o mesmo aminoácido. Noutros casos, o novo aminoácido pode ter propriedades semelhantes às do aminoácido substituído, ou a substituição pode ocorrer numa zona da proteína que não é determinante para a sua função. Ocasionalmente, as mutações conduzem à formação de proteínas com novas capacidades e que estão na base da adaptação dos organismos ao ambiente.

Mecanismos de Reparação do DNA

Durante toda a nossa vida, o DNA nuclear sofre pequenas alterações devidas a agentes físicos e químicos. As bases podem ser alteradas ou

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BIOLOGIA – Ano le t ivo 2014-2015 175

perderem-se, as ligações fosfodiéster podem ser quebradas e as cadeias podem ligar-se covalentemente entre si. Estas lesões são produzidas pela radiação ionizante, pela luz ultravioleta (UV) e por vários compostos químicos. No entanto, podem ser reparadas, de imediato, através de mecanismos moleculares sofisticados e complexos que envolvem exonucleases e endonucleases.

As mutações na sequência nucleotídica do DNA podem ser devidas a: substituição de um par de bases por outro (a mais comum); deleção de um ou mais pares de bases; e inserção de um ou mais pares de bases.

Existem dois tipos de reparação – um que impede a inserção de bases incorretas durante a replicação e outro que atua contra a lesão induzida por fatores ambientais. Ambos os mecanismos dependem do facto de a dupla hélice de DNA conter informação redundante, ou seja, a informação genética é armazenada nas duas cadeias da hélice dupla, pelo que a informação perdida pode ir buscar-se à outra.

A doença chamada xeroderma pigmentosum é devida à reparação defeituosa do DNA. É uma doença hereditária rara (portanto recessiva), em que a pele tem excessiva fotossensibilidade, havendo envelhecimento muito precoce e desenvolvimento de tumores cutâneos, alguns deles malignos. A luz UV produz dímeros pirimidínicos no DNA que, no indivíduo doente, não são excisados, como acontece no indivíduo normal, devido a um defeito enzimático.

Outro exemplo dos sofisticados mecanismos de reparação do DNA reside na explicação da presença de timina e não de uracilo no DNA como base que emparelha com a adenina, o que foi um enigma durante muitos anos. A citosina (uma das bases pirimidínicas) pode ser espontaneamente desaminada e formar uracilo (a base pirimidínica que emparelha com a adenina nos RNAs). A intervenção imediata de um mecanismo que reconhece o uracilo como estranho ao DNA elimina esta base e introduz uma citosina para emparelhar com a guanina. Com efeito, se o uracilo ficasse, ligar-se-ia à adenina quando o DNA se replicasse. O mecanismo de reparação não reconhece a timina (a outra base pirimidínica), pelo que esta contém uma “marca” que a distingue da citosina desaminada. Se esta marca não existisse, o uracilo colocado corretamente não se distinguiria do uracilo formado por desaminação da citosina e o defeito manter-se-ia porque um par GC seria mutado para AU numa das cadeias-filhas. Parece, por isso, que existe timina em vez de uracilo no DNA para melhorar a fidelidade da mensagem genética. O RNA não possui mecanismos de reparação, pois é um material menos precioso na célula relativamente ao DNA.

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Principais Doenças Genéticas

Durante o nosso estudo falamos de várias doenças, algumas das quais são hereditárias. Destas doenças, umas manifestam-se logo após o nascimento e levam a desenvolvimento anormal. Contudo, outras só se manifestam na idade adulta e outras, ainda, apenas na terceira idade. Algumas são letais, outras altamente debilitantes. Os Quadros que se seguem resumem as principais doenças genéticas.

Autossómicas dominantes Características

Acondroplasia Nanismo devido principalmente a encurtamento dos membros

Aniridia Ausência de íris (geralmente incompleta) Síndrome de Crouzon (disostose craniofacial)

Fecho prematuro das suturas do crânio, levando a face plana e crânio alongado

Síndrome de Ehlers-Danlos Hiperelasticidade e friabilidade da pele e excessiva extensibilidade das articulações; associada à produção de colagénio pelos fibroblastos

Síndrome de Marfan Alterações dos tecidos mesodérmicos e ectodérmicos e alterações esqueléticas (aracnodactilia, comprimento excessivo dos membros, frouxidão articular); associada a deficiência em fibrilina

Neurofibromatose Tumores cutâneos múltiplos derivados da crista neural, áreas de pigmentação anormal na pele

Doença poliquística do rim (do adulto – tipo III)

Quistos numerosos no rim; associada ao sistema de Golgi

Autossómicas recessivas Características Albinismo Ausência de pigmentação Drepanocitose Glóbulos vermelhos falciformes e disfuncionais em caso

de hipóxia; mais frequente na raça negra Doença de Tay-Sachs Não é produzida hexosaminidase A, acumulando-se

lípidos nas células; associada aos lisossomas Doença poliquística do rim (perinatal – tipo I)

Quistos numerosos no rim

Fenilcetonúria Problemas no metabolismo da fenilalanina Fibrose quística (mucoviscidose) Viscosidade anormal das secreções mucosas; associada

ao complexo de Golgi Focomelia congénita Membros defeituosos, com mãos e pés junto ao corpo,

semelhantes às barbatanas de uma foca Ligadas ao cromossoma X Características

Distrofia muscular Degenerescência lenta e progressiva das fibras musculares; associada à distrofina

Hemofilia Defeitos da coagulação do sangue Hidrocefalia Aumento do volume do crânio Ictiose Pele escamosa Síndrome de feminização testicular

Fenótipo feminino devido a incapacidade de responder à testosterona; associada aos peroxissomas

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O Cancro como Doença Genética

Embora possa ser causado por variadíssimos fatores internos e externos, o cancro é, em última análise, uma doença que se manifesta porque, de uma forma ou de outra, ocorrem mutações no DNA nuclear que determinam a transformação celular e o caminho para a malignidade. Estas mutações dão-se ao nível das bases do DNA quando este se replica e deixa expostas as suas duas cadeias. É por essa razão que o cancro só surge em células capazes de se dividirem e nunca em tecidos cujas células perderam essa capacidade, como o tecido nervoso e o tecido muscular estriado. Um tumor do cérebro, por exemplo, tem origem nas células da glia e não nos neurónios.

Existem três tipos principais de cancro: os carcinomas que se desenvolvem de células epiteliais derivadas da ectoderme e da endoderme, sendo os mais frequentes nos seres humanos; os sarcomas, tumores que se desenvolvem de células mesodérmicas ou de células mesenquimatosas; e os adenomas, que se desenvolvem no tecido glandular.

Os tumores resultam de mutações em duas classes de genes – os proto-oncogenes e os genes supressores de tumores. Os primeiros são genes cujas proteínas transportam sinais para a proliferação celular – fatores de crescimento, recetores de fatores de crescimento, transdutores de sinal intracelular e fatores de transcrição (proteínas reguladoras da síntese proteica diferencial). As mutações nos proto-oncogenes, resultam frequentemente, num ganho de função que se manifesta na estimulação incessante do crescimento celular. Tipicamente, esses proto-oncogenes mutados, agora chamados oncogenes, dominam funcionalmente o alelo selvagem a nível molecular. Conhecem-se mais de 50 proto-oncogenes.

Os produtos dos genes supressores de tumores, pelo contrário, transportam, geralmente, sinais que restringem a proliferação celular. Estes genes estão envolvidos na tumorigénese quando sofrem mutações, de uma maneira geral, recessivas a nível molecular. Portanto, apenas quando ambas as cópias do gene são inativadas é manifestado o fenótipo anormal, mas o alelo mutado pode passar através da linha germinativa, representando uma predisposição para o cancro. Conhecem-se mais de 12. Uma das proteínas supressoras de tumores mais conhecida é a p53 que é uma fosfoproteína nuclear. O seu gene é o mais frequentemente mutado em casos de cancro. A proteína p53 é um fator de transcrição. Outras proteínas codificadas pelos genes supressores de tumores podem estar associadas ao citoesqueleto da membrana, inibirem moléculas reguladoras do ciclo celular ou interferirem no mecanismo de reparação do DNA.

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No Quadro abaixo estão resumidas alguns dos fenómenos associados a mutações destes dois tipos de genes.

Propriedade Genes supressortes de tumores

Proto-oncogenes

Alelos mutados no cancro Ambos os alelos Um alelo Transmissão do alelo mutado pela linha germinativa

Frequente Raro (só se conhece um exemplo)

Mutação somática envolvida na formação de tumores

Sim Sim

Função de alelo(s) mutante(s)

Perda de função (alelo recessivo)

Ganho de função (alelo dominante)

Efeitos no crescimento celular

Inibem Promovem

Predisposição para o cancro em resultado da mutação

Tipo específico de cancro Muitos tipos de cancro

Outras mutações que levam ao cancro atingem os genes da reparação do DNA. Algumas poderão estar presentes na linha germinativa (predisposição), mas a maioria ocorre em células somáticas, estando presentes apenas nos doentes.

No capítulo sobre Citologia falámos de telómeros. As estruturas teloméricas repetidas nas extremidades dos cromossomas estabilizam-nas, mas são reduzidas a cada replicação do DNA. Quando é atingido um comprimento crítico dos telómeros, a maioria das células saem do ciclo de divisão celular e tornam-se senescentes. Existe uma enzima, a telomerase, que acrescenta sequências teloméricas às extremidades dos cromossomas, mantendo a capacidade de divisão sem alcançar o comprimento mínimo crítico dos telómeros. As células germinais, certas células normais indiferenciadas e a maioria das células malignas expressam telomerase, mantendo, assim, o comprimento dos telómeros e conservando a capacidade de proliferação celular. As extremidades desprotegidas dos cromossomas precipitam fusões com outros cromossomas e, consequentemente, anomalias cromossómicas. A telomerase é expressa no embrião, sendo, depois, inibida exceto nas células germinais. Ainda não se conhece o mecanismo pelo qual esta enzima volta a ser expressa nas células tumorais. É, no entanto, um dos desafios na investigação sobre a luta contra o cancro tentar inibi-la nas células tumorais, como meio de travar a proliferação descontrolada das células.

As células cancerosas podem produzir os seus próprios fatores de crescimento, levando a uma estimulação autocrina e à sua autonomia, para o que também produzem fatores angiogénicos. As figuras 118 e 119 ilustram

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a evolução dos carcinomas. Os Quadros abaixo indicam alguns agentes físicos e químicos e vírus implicados na etiologia do cancro humano.

Agente Órgão alvo Mecanismo provável

Luz solar (UV) Pele Mutagenicidade Raios X Medula óssea Mutagenicidade Aflatoxinas Fígado Mutagenicidade Estrogénios Endométrio, mama Estimulação do crescimento celular Fumo do tabaco Pulmões, esófago, outros Mutagenicidade, reações oxidantes Amianto Pulmões Citotoxicidade Álcool Fígado, esófago, boca Citotoxicidade

Vírus Órgão alvo Papilomavírus Cólo do útero Vírus das hepatites B e C Fígado Vírus de Epstein-Barr Medula óssea, nasofaringe Vírus da leucemia humana dos linfócitos T Timo, baço

Fig. 118 – É necessária a vascularização para converter um carcinoma in situ, ou dormente, num tumor maligno de crescimento rápido capaz de matar o seu hospedeiro. (a) Tecido epitelial normal isolado do sistema vascular pela lâmina basal. (b) Na fase avascular, o conjunto inicial de células malignas pode existir como carcinoma in situ inofensivo durante muitos anos. (c) O tumor tem de libertar um fator angiogénico para que os vasos sanguíneos subjacentes enviem capilares capazes de penetrar no tumor. (d-f) Uma vez vascularizado, o tumor cresce rapidamente. Bishop & Weinberg, 1996.

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Chama-se neoplasia (tecido de neoformação) ao processo patológico que resulta na formação e no crescimento de um tumor. O grande problema da maioria dos tumores é a sua invasividade que se faz não só para os tecidos vizinhos, como também pela formação de metástases, longe do tumor primário. Esta metastização dá-se devido ao facto de algumas células se destacarem e migrarem, através das correntes sanguínea e linfática, para outras partes do corpo que colonizam e invadem, formando tumores secundários. Uma vez no lume dos vasos, as células tumorais são arrastadas passivamente ou ligam-se a leucócitos circulantes através de moléculas de adesão. Subsequentemente, atravessam a parede dos vasos e seguem para o estroma ou o parênquima adjacentes, onde proliferam, embora não se perceba ainda bem de que modo estas células combatem os sinais inibidores da proliferação. Este fenómeno é, muitas vezes, tardio, pelo que é fundamental a deteção e o tratamento precoces do tumor, já para não falar da importância fundamental da sua prevenção.

Fig. 119 – A invasão do tecido conjuntivo subjacente pelo tumor primário prossegue em fases e é facilitada por vários mediadores produzidos pelas células tumorais. (a) As que não invadiram a lâmina basal e se mantêm confinadas dentro do epitélio constituem o carcinoma in situ. (b) A libertação de colagenase IV por estas células dissolve o colagénio da lâmina basal, permitindo que o tumor penetre no estroma subjacente. (b,c) As células do tumor invasivas possuem recetores de membrana para a laminina e a fibronectina, glicoproteínas componentes, respetivamente, da membrana basal e do estroma do tecido conjuntivo; a ligação destes elementos permite ancoragem às células tumorais e possibilidade de avançarem. (c) As enzimas libertadas pelas células tumorais destroem componentes da matriz, permitindo-lhes penetrar ainda mais no tecido conjuntivo. O tumor também produz fatores de mobilidade autocrinos que permitem que proteínas plasmática se acumulem no tumor; e fatores angiogénicos que aumentam a vascularização do tumor. Bishop & Weinberg, 1996.

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Hereditariedade Associada às Mitocôndrias

Como já sabemos, as mitocôndrias possuem uma molécula de DNA circular semelhante à dos procariontes. No entanto, e curiosamente, o código genético usado nas mitocôndrias é diferente do código padrão. Os genes presentes no mtDNA são responsáveis pela síntese de algumas proteínas mitocondriais, não sendo estas exportadas para o exterior do organelo.

A hereditariedade mitocondrial é materna, pois apenas o óvulo contribui com mitocôndrias.

Recentemente, foi descrita uma doença que se associou a uma mutação do mtDNA. No mesmo indivíduo podem coexistir mitocôndrias com DNA normal e mutado, variando a sua proporção com a segregação que ocorre na citocinese e podendo aumentar ou diminuir. Quando a mutação atinge um certo nível, o indivíduo passa a ter um fenótipo anormal. A manifestação pode ser congénita ou ocorrer durante o processo de envelhecimento, traduzindo-se por surdez neurossensorial. Esta doença já foi alvo de estudos na população portuguesa.

É possível que o avanço da investigação venha a descobrir outras doenças associadas ao mtDNA e transmitidas por via materna.

Mas o mtDNA também tem sido alvo de estudos sobre evolução da espécie humana por parte de alguns Antropólogos. Com efeito, o mtDNA parece ter-se modificado muito pouco ao longo dos milhares de anos de evolução humana. Por isso, a deteção de pequenas mutações pontuais no mtDNA pode levar ao estudo da origem e da relação de várias populações e raças hoje existentes. Esta área da investigação é, como tantas outras outras, alvo de intenso debate, mas não deixa de ser um aspeto interessante das aplicações da Biologia Molecular.

Aconselhamento Genético

O aconselhamento genético é cada vez mais útil, à medida que a investigação avança e aumentam os conhecimentos sobre as doenças de transmissão hereditária.

Algumas doenças genéticas já são possíveis de detetar através de testes. É o caso da doença de Tay-Sachs (ver Fig. 20) que é, como vimos, uma doença autossómica recessiva. Se o geneticista verificar que um dos progenitores é portador do alelo afetado, calculará as probabilidades através do xadrez mendeliano e aconselhará os pais sobre o risco que correm. Também é possível realizar aquele teste no feto.

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Quando não é possível a realização de testes, o geneticista pode, através do estudo da árvore genealógica de ambas as famílias, calcular o risco de uma possível anomalia genética na futura descendência de um casal que o procure. Com efeito, o estudo da história familiar, pode permitir a prevenção do cancro e salvar a vida de um indivíduo, quer através do tratamento precoce, quer através da deteção de lesões pré-malignas.

Por outro lado, o conhecimento dos grupos sanguíneos de um casal é fundamental para que possa ser estudado o risco de incompatibilidade mãe-feto no caso de mulheres Rh-. Com efeito, estas mulheres têm hoje menos motivos de preocupação em relação à doença hemolítica do recém-nascido. Com uma simples injeção administrada nas horas que se seguem ao parto, a mãe que deu à luz uma criança Rh+ será devidamente tratada e não terá de temer uma segunda gravidez.

Por fim, o conhecimento do risco genético de uma determinada doença poderá permitir ao indivíduo atrasar, ou mesmo impedir, que aquela venha a manifestar-se. Para tal, deverá manter um estilo de vida saudável e uma alimentação adequada que lhe permitam contrariar a sentença genética de que é portador.

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Capítulo 5 – Biorritmos Introdução

O tempo e a memória dão forma às perceções da nossa própria identidade. Segundo os físicos e os filósofos, o tempo é uma dimensão como o espaço, pelo que ontem, hoje e amanhã são igualmente concretos e determinados. O futuro existe tanto como o passado – só está num lugar que ainda não visitámos. . .

Para sermos inteiramente honestos, nem os cientistas nem os filósofos sabem realmente o que é o tempo e por que razão ele existe, mas nós vamos deixar esse problema para trás, pois o nosso objetivo, aqui, é estudar o modo como o nosso corpo lida com as mudanças que se dão ao longo das 24 horas do dia e dos 365 dias do ano.

A ciência que estuda o tempo chama-se cronologia (do grego chronos = tempo) e o estudo dos fenómenos biológicos em função do tempo está incluído numa disciplina chamada cronobiologia.

Os ritmos biológicos

Quer contem minutos, meses ou anos, quer lhes chamemos biorritmos ou relógios biológicos, o nosso cérebro e o nosso corpo obedecem a ciclos que se repetem com espantosa precisão, permitindo fenómenos tão banais como os rápidos movimentos de um jogador de ténis, o trauma do chamado jet lag (ver Fig. 122), os picos mensais das hormonas que controlam o ciclo menstrual e os surtos das depressões de inverno. Os cronómetros celulares podem mesmo decidir quando o nosso tempo acabou. Os pacemakers envolvidos podem ser precisos e inflexíveis, outros menos fidedignos mas sujeitos a controlo. Alguns são determinados por ciclos planetários, outros por ciclos moleculares. São essenciais para as tarefas mais sofisticadas que o cérebro e o corpo desempenham. Doenças como o cancro, a doença de Parkinson, a depressão sazonal e a perturbação de défice da atenção estão associadas a defeitos nos relógios biológicos.

Já foram descritos alguns ciclos de 23 e 28 dias para a atividade biológica e psicológica, assim como um ciclo emocional de 28 dias e um ciclo intelectual de 33 dias atribuível à glândula tiroide. Segundo alguns autores, a origem fisiológica dos biorritmos reside no momento da gastrulação, que é, como sabemos, a fase em que se diferenciam os três folhetos embrionários.

O escritor argentino Jorge Luís Borges escreveu: “O tempo é a substância de que sou feito; o tempo é um rio sobre o qual me desloco, mas eu sou o rio; é um tigre que me devora, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo”. A relatividade dita que o tempo flui mais devagar nos combóios em movimento do que nas estações e mais rápido nas montanhas do que nos vales. O tempo que marca o nosso relógio de pulso não é exatamente o mesmo que está na nossa cabeça. . . O tempo sara todas as feridas, mas também é o grande destruidor. É relativo, mas também é implacável. Como as marés, o tempo não espera por ninguém, mas também para em momentos dramáticos. É tão pessoal como o batimento cardíaco de cada um, mas tão público como o relógio da torre de uma igreja. E, claro, tempo é dinheiro! É o nosso mais precioso e insubstituível companheiro. No entanto, não sabemos para onde vai, dormimos um terço dele e não sabemos quanto dele deixámos. Podemos encontrar cem maneiras de poupar tempo, mas a quantidade que fica diminui constantemente. Scientific American, setembro 2002

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Assim, a endoderme seria responsável pelo nível emocional, a mesoderme pelo nível físico e a ectoderme pelo nível intelectual. Não se trata de bons ou maus períodos, mas sim de período de “alta descarga” e de “baixa recarga”. Os estados de alma, o caráter e as faculdades cerebrais variam em função dos ritmos próprios de cada organismo.

A fisiologia dos biorritmos não está completamente compreendida à luz da ciência ocidental convencional. No entanto, algumas filosofias orientais explicam-nos perfeitamente, como veremos adiante.

Classificação dos ritmos

Para entendermos a classificação dos vários ritmos, temos de ter presente que o período de referência é de 24 horas e que o período é o inverso da frequência, ou seja, um fenómeno que se repita num intervalo de tempo de segundos tem um período curto mas uma frequência elevada, ocorrendo várias vezes por dia; pelo contrário, um fenómeno que se repete, por exemplo, de 28 em 28 dias tem um período longo e uma baixa frequência, sendo, portanto, necessários vários dias para que se repita.

Os ritmos foram classificados em três grandes grupos: os de alta frequência, ou ultradianos; os de média frequência ou circadianos e os de baixa frequência ou infradianos.

Como exemplo de rimos ultradianos temos os batimentos cardíacos que são de 72 ciclos por minuto, os movimentos respiratórios que são de 15-20 ciclos por minuto, etc. Como exemplo de ritmos infradianos temos o ciclo lunar ou o das estações, por exemplo.

Ritmos circadianos

Os ritmos circadianos (do latim: circa: cerca + diem: um dia) são ritmos gerados endogenamente que têm um período de aproximadamente 24 horas e sincronizam processos fisiológicos com o ciclo luz-escuridão das 24 horas e incluem sono-vigília (repouso-atividade) e ritmos diários na produção hormonal. O ritmo cardíaco, a atividade cerebral, a glicemia, a temperatura corporal e a produção de certas hormonas, por exemplo, variam ciclicamente ao longo do dia. Alguns destes ritmos dependem de uma zona do sistema nervoso central, os núcleos supraquiasmáticos situados perto do hipotálamo, e da epífise ou glândula pineal que segrega melatonina (ver adiante).

Falemos de alguns exemplos que ilustram a presença destes ritmos nas nossas vidas. Gostar de se levantar cedo ou tarde pode estar relacionado com o ritmo biológico de cada pessoa, não sendo saudável

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contrariar constantemente esse ritmo, o que pode levar a fadiga por sobrecarga do organismo. A atividade física requer, como se sabe, grande esforço por parte do sistema cardiopulmonar. Estes órgãos estão no máximo da sua eficiência funcional ao fim da tarde. Pelo contrário, a atividade sexual é geralmente mais intensa de manhã, elevando-se até às 12 horas e decrescendo a partir daí. O fluxo menstrual é máximo entre as 4 e as 12 horas. A destreza manual é fraca de manhã e máxima à tarde. Cerca das 14 horas surge, muitas vezes, um pequeno ciclo de sono, pelo que é aconselhável fazer uma sesta, evitando-se, desse modo, muitos erros profissionais que ocorrem nesse período.

A temperatura corporal atinge o seu valor máximo ao fim da tarde e o mínino algumas horas antes de levantar. A pressão arterial começa a subir entre as 6 e as 7 da manhã. A secreção de cortisol (a hormona do stresse) é 10 a 20 vezes mais elevada de manhã do que à noite. A micção e a defecação estão geralmente suprimidas à noite e atingem o seu máximo de manhã.

A figura 120 representa os fenómenos que se passam ao longo das 24 horas do dia.

Como a ciência ocidental explica o relógio circadiano e o ciclo vigília-sono

Sabe-se que os ritmos circadianos são gerados e regulados por um relógio biológico localizado nos núcleos supraquiasmáticos (NSQ) do hipotálamo anterior. As oscilações dos NSQ não duram exatamente 24 horas; deste modo, o pacemaker circadiano tem de ser reajustado diariamente, de modo a que a fase circadiana endógena seja sincronizada com o ciclo luz-escuridão exterior. Na ausência de tais indicações temporais, os ciclos sono-vigília e outros ritmos hormonais ficarão desfasados em relação ao ciclo luz-escuridão. A luz é o sinal dominante que influencia os NSQ. Acreditava-se antes que era necessária luz de alta intensidade para regular o relógio circadiano humano, mas agora sabe-se que a luminosidade moderada dos interiores pode influenciá-lo.

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Fig. 120 – O relógio circadiano afeta os ritmos diários de muitos processos fisiológicos. O

diagrama representa os padrões circadianos típicos de alguém que se levanta de manhã

cedo, almoça cerca do meio-dia e dorme à noite. Scientific American, setembro 2002.

Pouco se sabe sobre o modo como a luz regula o pacemaker

circadiano durante o desenvolvimento humano. Com base em estudos anatómicos e funcionais em primatas não humanos parece que os NSQ estão presentes no final do primeiro trimestre de gestação, começando a ter oscilações diárias in utero. Os ritmos dia-noite das frequências cardíaca e respiratória, assim como o da esteroidogénese adrenal podem ser detetados em fetos, sendo regulados pela mãe. Também parece que 200 lux, o que é equivalente à luz existente numa sala moderadamente iluminada, pode influenciar a fase circadiana e que a capacidade de resposta dos NSQ à luz tem início em estados equivalentes às 25 semanas de idade pós-menstrual em humanos.

Estudos feitos em seres humanos voluntários demonstraram que os padrões circadianos se mantêm na ausência da luz do dia, expressando-se

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em todas as células do corpo. Com efeito, as células em cultura submetidas a luz constante continuam a seguir ciclos de 24 horas nas atividades dos genes, na secreção hormonal e na produção de energia, mas vão sofrendo pequenos desacertos diários, sendo a luz necessária para sincronizar o relógio biológio com os ciclos naturais do dia e da noite. Deste modo, o relógio circadiano necessita de ser continuamente acertado para se manter preciso.

Décadas de investigações levaram os cientistas à conclusão de que os centros responsáveis pelo acerto do relógio residem nos NSQ, sendo responsáveis pelas flutuações diárias na pressão arterial, na temperatura do corpo e nos níveis de atividade e vigília. Os NSQ também dizem à glândula pineal quando libertar melatonina que promove o sono e é segregada só à noite. Estudos recentes demonstraram que algumas células da retina, chamadas células ganglionares, transmitem informação sobre os níveis de luz aos NSQ (Fig. 121). Por outro lado, na década de 90 do século passado, foram descobertos 4 genes que governam os ciclos circadianos e que são expressos em todo o corpo, embora a ritmos diferentes conforme os tecidos. Tanto quanto parece, os centros localizados no cérebro não regulam inteiramente os relógios periféricos. Os investigadores pensam que os relógios circadianos podem responder a estímulos externos, como stresse, exercício físico e mudanças de temperatura que ocorrem regularmente em 24 horas. Os NSQ regulam, como foi dito atrás, a temperatura corporal, a pressão arterial e outros ritmos centrais, mas há oscilações nos órgãos que funcionam independentemente das oscilações do cérebro. Estará isto relacionado com os meridianos e a explicação dada pelos orientais (ver adiante)?

A autonomia dos relógios periféricos torna o jet lag mais compreensível, pois os ritmos circadianos levam dias ou mesmo semanas a ajustar-se a uma mudança brusca na duração do dia ou de fuso horário (ver abaixo). Um novo horário acertará lentamente o relógio dos NSQ, mas os outros relógios poderão não o seguir.

A perturbação dos ritmos biológicos

Vários fatores podem perturbar os biorritmos, nomeadamente: mudança de fuso horário; passagem brusca entre estações do ano ao mudar de hemisfério; contínua mudança horária dos trabalhadores por turnos; necessidade de não respeitar o próprio ritmo de cada um.

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Fig. 121 - Os ciclos diurnos de luz e escuridão influenciam o momento em que os processos fisiológicos que operam em ciclos de 24 horas estarão mais e menos ativos. O cérebro capta as flutuações de luz com a ajuda de células ganglionares na retina do olho. Um pigmento destas células, a melanopsina, deteta provavelmente a luz, levando as células ganglionares da retina a enviar informação sobre o seu brilho e duração ao núcleo supraquiasmático (NSQ) do cérebro. Então, o NSQ envia a informação para as partes do cérebro e do corpo que controlam os processos circadianos. O mecanismo mais estudado envolve a secreção de melatonina (por vezes chamada a hormona do sono) pela glândula pineal. Em resposta à luz do dia, o NSQ emite sinais (seta pequena) que impedem outra região do cérebro – o núcleo paraventricular – de produzir uma mensagem que resultaria na libertação de melatonina. Após escurecer, contudo, o NSQ liberta o “travão”, permitindo que o núcleo paraventricular envie um sinal para secreção de melatonina (setas grandes) através dos neurónios da parte superior da medula espinhal e da região cervical para a glândula pineal. Scientific American, setembro 2002.

O Jet lag (ver Fig. 122) e o trabalho por turnos são condições excecionais nas quais o relógio circadiano inato é abruptamente desfasado dos ciclos luz-escuridão ou dos ciclos sono-vigília. Mas o mesmo pode acontecer todos os anos, embora com menor intensidade, quando as estações mudam. A investigação mostra que, embora possa variar a hora de deitar, as pessoas tendem a levantar-se à mesma hora ao longo do ano –

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geralmente porque cães, filhos, pais ou empregos assim o exigem. No inverno, em latitudes do Norte, isso significa que muitas pessoas se levantam duas ou três horas antes de amanhecer. O ciclo sono-vigília está muito afastado das indicações que recebem da luz do dia. O desencontro entre a duração do dia e a vida diária poderia explicar a síndrome conhecida por perturbação afetiva sazonal (PAS, SAD em inglês, seasonal affective

disorder). A PAS afeta cerca de um em cada 20 adultos com sintomatologia depressiva (como aumento de peso, apatia e fadiga) entre outubro e março, sendo muito mais frequente no Norte que no Sul. Embora a PAS ocorra sazonalmente, alguns investigadores suspeitam de que se trata de um problema circadiano, sugerindo que a depressão desaparecerá nestes doentes se puderem levantar-se no momento do nascer do sol no inverno, o que faz desta perturbação não uma patologia, mas mais uma evidência de um ritmo adaptativo e sazonal dos ciclos sono-vigília. Se ajustássemos os nossos horários às estações do ano, poderíamos nunca padecer de depressão sazonal.

É possível que o homem não respeite os ritmos sazonais porque, na realidade, é dos animais que menos é afetado por eles, e a PAS não é nada em comparação com os ciclos anuais de outros animais, como a hibernação, a migração, as mudas e, principalmente, o acasalamento. É possível que estes ciclos sazonais possam ser regulados pelo ritmo circadiano que deteta a duração dos dias e das noites. A escuridão, detetada pelos NSQ e pela glândula pineal, prolonga os sinais da melatonina nas noites longas do inverno e redu-los no verão.

Para alguns investigadores, esta explicação reside no facto de a espécie humana ter tido origem nos trópicos, onde não há estações e onde os animais também não sofrem ciclos sazonais como os das zonas temperadas.

No entanto, um aspeto da fertilidade humana é cíclico: as mulheres e outras fêmeas de primatas só ovulam uma vez por mês. O relógio que regula a ovulação e a menstruação é uma bem conhecida ansa de retroação química que pode ser alterada por tratamentos hormonais, exercício físico e mesmo pela presença de outras mulheres menstruadas. Mas não se conhece a razão para a duração específica do ciclo menstrual. O facto de ter a mesma duração que o ciclo lunar é uma coincidência que poucos cientistas se predispuseram a investigar e muito menos a explicar, pelo que o relógio mensal da fêmea humana continua a ser um mistério, pelo menos para a ciência ocidental.

Em caso de diferença de fuso horário deve-se reduzir o mais possível a falta de sono consequente. Uma hora de diferença horária pode levar um

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dia para recuperar, pelo que a recuperação de um voo transcontinental pode levar 6 dias (Fig. 122).

Fig. 122 – Desfasamento de impulsos ou jet lag é um estado de desorientação que se sente, quando se viaja entre duas regiões com diferença horária importante. Este estado dura até que o relógio biológico do corpo se ajuste ao novo ritmo circadiano.

As perturbações devidas a constantes mudanças de horários impostas por exigências de caráter profissional podem variar de intensidade de indivíduo para indivíduo, mas é necessário um certo tempo para que o corpo se habitue a um novo horário:

• 3 a 4 dias para o ritmo vigília/sono normalizar;

• 6 a 8 dias para o ciclo térmico normalizar;

• 12 a 16 dias para regularização da composição química do plasma sanguíneo.

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Enquanto o corpo não se adapta ao novo ritmo, aumentam os acidentes de trabalho, diminui o rendimento escolar, ocorrem fadiga e perturbações do sono.

Como vimos acima, o relógio dos NSQ e os relógios periféricos não trabalham nem se restabelecem à mesma cadência, pelo que os indivíduos que estão sistematicamente acordados durante a noite poderão estar a viver uma dupla vida fisiológica. Mesmo que durmam muito durante o dia, os ritmos centrais são ainda regulados pelos NSQ, pelo que essas funções continuarão a “dormir” à noite. Os seus horários para comer e fazer exercício poderão acertar os relógios periféricos para fases completamente diferentes das dos ciclos sono-vigília e luz-escuridão. Com os corpos a viverem em tantas zonas temporais, não admira que a incidência de cardiopatia, problemas grastrintestinais e perturbações do sono seja maior nos trabalhadores por turnos.

A vida nas cidades não facilita uma boa relação com os ritmos da natureza, pelo que, para mantermos o nosso “relógio em dia” há que viver uma vida mais natural. Por outro lado, não podemos esquecer que há já alguns anos vivemos fora da hora solar. Com efeito, a hora legal com as mudanças instituídas por decisão governamental de alguns países europeus leva-nos a viver com um desfasamento de duas horas relativamente à hora solar, no verão, e de uma hora, no inverno.

Como a ciência oridental explica os ritmos circadianos

Há milhares de anos que a medicina e a filosofia orientais consideram a energia vital, denominada chi, como algo que flui por todo o corpo através de canais chamados meridianos controlando todas as funções do organismo.

Os chineses afirmam que o chi é uma forma de energia com funções de nutrição e organização celulares que supera as contribuições energéticas dos alimentos e do oxigénio. É uma espécie de energia subtil que impregna o nosso ambiente e flui deste para o corpo.

Ainda de acordo com o modelo chinês, a energia chi é absorvida pelo corpo humano através de portais de entrada localizados na pele. Esses portais são constituídos pelos pontos de acupuntura, os quais se inserem no sistema dos meridianos que se estendem bem abaixo da pele, chegando até aos órgãos mais profundos. Outros autores afirmam que ela é igualmente absorvida com o ar que respiramos e com os alimentos e a água que ingerimos.

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O fluxo da energia é contínuo, passando de um meridiano a outro de acordo com uma ordem determinada (ver Fig. 126). O fluir da energia de cada meridiano realiza-se debaixo da pele e irradia também energia eletromagnética para o exterior desta de uma forma semelhante a um íman.

Apesar de a medicina ocidental não considerar o organismo como fonte ou condutor de energia eletromagnética, foi possível comprovar a existência dos meridianos injetando um isótopo radioativo no corpo humano, o qual traçou, exatamente, o percurso daqueles, formando uma imagem como a que aparece nos livros de acupuntura. Por outro lado, a sua presença também já foi provada através de eletrofisiologia.

Existe uma lei básica da Física afirmando que "quando uma correntre elétrica flui através de um cabo, produz-se um campo eletromagnético". O mesmo ocorre no corpo humano com a energia dos meridianos que são condutores de energia eletromagnética e criam um campo associado em volta do corpo, o qual pode ser fotografado com a câmara "Kirlian" e que se denomina corpo etérico. A acupuntura realiza a conexão entre o corpo físico e o corpo etérico.

No seu conceito original, a energia chi flui para o interior dos órgãos através de 12 pares de meridianos principais (ver Fig. 125), proporcionando ao organismo a energia que mantém a vida. Cada par de meridianos está associado a um diferente sistema de órgãos. Os dois principais, o Vaso da Conceção e o Vaso Governador (Fig. 123) são os que transportam a energia a todos os outros meridianos. Cada músculo, osso ou órgão recebe energia de um ponto de acupuntura.

Fig. 123 – Os dois meridianos ímpares. O

vaso da conceção é o confluente de todos

os meridianos Yin (ver abaixo) e governa a

sensibilidade, a feminilidade e a

benevolência. O Vaso Governador é a

reunião de todos os meridianos Yang e

controla e masculinidade, a força e a

autoridade. Estes dois meridianos,

juntamente com os meridianos Mestre do

Coração e Triplo Aquecedor (ver Fig. 141),

permitem estabelecer uma síntese das

atividades física, mental e espiritual.

Um outro conceito fundamental da filosofia chinesa é a ideia de polaridade energética expressa

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pelo Yin e pelo Yang (Fig. 124). Na conceção chinesa da criação, o yang (encosta sul de uma colina banhada pelo sol) é o princípio masculino: positivo, ativo, produtivo, associado ao sol, à luz e ao princípio criador da vida. O yin (encosta norte e sombria da colina) é o princípio feminino: negativo, passivo, destrutivo, associado à Lua, à escuridão e à morte. Contudo, no homem (yang) encontram-se hormonas femininas (yin) e na mulher (yin) também se encontram hormonas masculinas (yang).

O princípio dualista do yin/yang é alargado para todos os aspetos dos ciclos da vida e processos cósmicos. Estes dois aspetos, aparentemente contraditórios, refletem uma oscilação energética entre pólos opostos.

Fig. 124 – Símbolo Yin/Yang. O Yin é a parte

escura e o Yang a clara. Cada um possui um

pequeno ponto do outro dentro de si,

representando a união dos dois. O facto de

estarem dentro de um círculo cria o símbolo Tai

Chi da plenitude. O Yin, o Yang e o círculo são os

três elementos deste símbolo antiquíssimo que se

torna num todo. Tai Chi significa o supremo, o

derradeiro. O Yin e o Yang em conjunto

constituem o Tao, o caminho. Tudo o que existe

no universo é constituído por energias Yin e Yang

que interatuam constantemente uma com a outra.

Os meridianos e o relógio chinês

Os chineses reconhecem um movimento energético que se faz em 24 horas que se designa por Relógio Chinês. Este “relógio” é um ciclo de 24 horas que divide o dia e a noite em períodos de 2 horas. Cada um destes períodos associa-se, por sua vez, a um surto de energia num dos órgãos e seu meridiano (Quadro abaixo).

MERIDIANO HORAS MERIDIANO HORAS

Pulmão 03-05 Bexiga 15-17 Intestino grosso 05-07 Rim 17-19

Estômago 07-09 Mestre coração 19-21 Baço-pâncreas 09-11 Triplo aquecedor 21-23

Coração 11-13 Vesícula biliar 23-01 Intestino delgado 13-15 Fígado 01-03

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Por exemplo, entre as 3 as 5 da manhã, os pulmões recebem o seu incentivo diário. O ciclo começa pelos pulmões e, por isso, diz-se que é esse o período horário mais propício ao nascimento. Os chineses acreditam que o melhor momento para estimular um órgão em particular é o período de duas horas em que a sua energia está em pleno. Pelo contrário, esse órgão deveria ser acalmado no período oposto do dia ou da noite. Os pulmões deverão, por isso, ser estimulados entre as 3 e as 5 da manhã e acalmados entre as 3 e as 5 da tarde.

Fig. 125 – Os 12 meridianos pares. No Quadro da última página estão indicadas as características de cada um dos meridianos, nomeadamente, o número de pontos e a localização dos pontos inicial e final. Também se indicam o elemento, a cor e a nota musical associados a cada um destes meridianos.

Na figura 126 está representada a circulação da energia pelos 12 meridianos ao longo das 24 horas do dia.

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Fig. 126 – Circulação da energia nos meridianos ao longo das 24 horas do dia.

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Analisando comparativamente esta figura e a figura 154, chegaremos provavelmente à conclusão de que a resposta às questões em aberto, deixadas pelas explicações da ciência ocidental, são respondidas facilmente pelo relógio chinês. Podemos, então, compreender a hora em que se torna mais provável os intestinos funcionarem, a hora de maior eficiência cardiovascular, a hora de temperatura corporal mais elevada, etc. Obviamente que temos de ter em conta que as horas de funcionamento dos meridianos dizem respeito à hora solar e que esta apresenta, necessariamente, algum desfasamento relativamente à hora legal, como já atrás foi referido.

Por exemplo, não é por acaso que o pequeno-almoço deveria ser a nossa principal refeição. Com efeito, entre as 7 e as 9 da manhã, o período do meridiano do estômago corresponde à fase da assimilação.

Fica-nos, contudo, uma dúvida que nenhuma destas visões é capaz de explicar satisfatoriamente – as razões pelas quais nem todas as pessoas têm o mesmo ritmo diário. . .

A Naturopatia e os Biorritmos

Algumas especialidades naturopáticas debruçam-se sobre este interessante assunto dos biorritmos. É o caso da crononutrição que se baseia na ideia de que uma mesma substância pode ter efeitos diferentes no organismo consoante as horas em que é consumida. Por exemplo, o álcool é mais facilmente eliminado entre as 14 e as 24 horas do que de manhã. O café e o chá são melhor tolerados entre as 15 e as 16 horas do que de manhã ou à noite.

O naturopata Luc Hourdequim aconselha a consumir os alimentos segundo a hora em que a sua energia é máxima. Assim, por exemplo, frutos e legumes de dia (consumo ao almoço): damascos; citrinos; ananás; cerejas; tâmaras; figos; morangos; kivis; manga; pêssego; ameixa; uvas; tomate; beterraba; cenoura; couve-roxa; espinafres; feijão-verde; lentilhas; milho; ervilhas; pimentos; batatas; alface. Frutos e legumes de noite (consumo ao jantar): amêndoas; abacate; banana; melão; caju; azeitonas; peras; maçãs; alcachofras; espargos; beringelas; cogumelos; couves; pepino; curgetes; favas; feijão-branco; alho-francês; abóbora; soja. As carnes de dia são as vermelhas, enquanto as brancas são da noite.

A cronobiologia alimentar baseia-se nas duas energias criadoras da vida – a solar, energia do dia com um campo magnético quente, portadora de oxigénio e influenciando a parte direita do corpo humano, e a lunar, energia

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da noite com um campo magnético frio, portadora de dióxido de carbono e influenciando a parte esquerda do corpo humano.

Existirá, assim, uma alimentação específica que deverá ter em conta esta bipolaridade da Natureza, ou seja, uma “alimentação solar” e uma “alimentação lunar”. Devemos, deste modo, estar atentos à alimentação do corpo em energia vital. Se a energia vital se reflete sobre o lado direito do corpo humano, sobre as cores quentes, terá intensidades variáveis em função das rotações da Terra e do Sol a horas diferentes e com intensidades variáveis do nascer ao fim do dia. Se admitirmos o movimento deste relógio biológico, é necessário respeitar o seu ritmo, a fim de retirar de todos os alimentos os seus princípios ativos. Fora destes períodos, só uma pequena parte do valor dos alimentos será benéfica.

Segundo esta corrente, existem órgãos “diurnos” (os brônquios, o coração, o baço, as veias e as artérias, os intestinos) sensíveis aos alimentos do dia. Os órgãos “noturnos” (os rins, os ovários, a próstata, a bexiga, os ossos e as articulações) são sensíveis aos alimentos da noite. Se a cronobiologia alimentar for corretamente respeitada, os alimentos absorvidos serão transformados pelo organismo de modo a este obter o máximo de nutrientes tanto do ponto de vista energético como dos pontos de vista físico e eletromagnético.

Claro que aquelas duas energias influenciarão, de igual modo, os seres vivos animais e vegetais de que nos alimentamos.

A crono-homeopatia possui uma tabela horária em que relaciona os medicamentos homeopáticos com as horas do agravamento das perturbações correspondentes a esses medicamentos. A crono-oligoterapia pressupõe que a ação das substâncias minerais sobre o organismo está ligada aos ciclos biológicos. A crono-vitaminoterapia associa as necessidades vitamínicas com as estações do ano, devendo as vitaminas ser tomadas sempre de manhã, pois próximo da hora de deitar podem prejudicar o sono.

Por fim, a cronomedicina ocupa-se do estudo das doenças em função, principalmente, dos meses do ano e das estações, ou do melhor momento para realizar intervenções cirúrgicas. Por exemplo, estudos clínicos provaram que, em caso de cancro da mama, a intervenção deverá ser realizada nos dois primeiros dias do ciclo menstrual ou após o 13º dia, pois entre o 3º e o 12º dia o nível de estrogénios é máximo podendo estimular o crescimento de eventuais células tumorais não retiradas.

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Quer se acredite quer não nalgumas destas teorias de mais difícil comprovação científica, o que não há dúvida é que existem, de facto, biorritmos que têm de ser respeitados, sob pena de se desencadear desequilíbrio no funcionamento do nosso corpo. E certamente que uma das preocupações de qualquer profissional de saúde deverá ser não descuidar a relação entre os ritmos biológicos e as atividades do ser humano.

Obviamente que este assunto não pode ser aprofundado nesta Disciplina. Pretendeu-se apenas abrir as portas para um estudo fascinante que poderá reunir e integrar duas visões diferentes (a ocidental e a oriental), mas que explicam os mesmos fenómenos. Por outro lado, noutras Disciplinas do Curso alguns dos aspetos aqui focados superficialmente (como os meridianos de acupuntura, por exemplo) serão aprofundados.

O Quadro em Anexo resume as características dos 12 meridianos pares e relaciona-os com os 5 elementos (fogo, terra, água, madeira e metal), as cores e as notas musicais.

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A N E X O

Características dos 12 meridianos pares