Sebenta de direito comercial e titulos de crédito, das aulas do Prof. Doutor Rui Teixeira Santos...

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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO LICENCIATURA EM SOLICITADORIA SEBENTA DE DIREITO COMERCIAL E TÍTULOS DE CRÉDITO Discente: Raquel Alves N.º 21100099 Docente: Professor Doutor Rui Teixeira Santos Lisboa, 17 de janeiro de 2014 2013/2014

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Sebenta de Direito Comercial e Títulos de Crédito, (2013/4) Raquel Alves, ISCAD, Solicitadoria Direito Comercial 1

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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO

LICENCIATURA EM SOLICITADORIA

SEBENTA DE DIREITO COMERCIAL E

TÍTULOS DE CRÉDITO

Discente: Raquel Alves

N.º 21100099

Docente: Professor Doutor Rui Teixeira Santos

Lisboa, 17 de janeiro de 2014

2013/2014

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Direito Comercial

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1. Do Direito Comercial

1.1. Noção

Sistema jurídico-normativo que disciplina de modo especial os atos de

comércio e os comerciantes.

Direito Privado: Nas noções de direito comercial aparece habitualmente a nota

de ser ele um ramo do direito privado. Regulando este a organização dos

sujeitos (singulares e coletivos) privados e as relações estabelecidas entre eles

ou entre eles e entidades públicas atuando como particulares, é inquestionável

que o direito mercantil é fundamentalmente direito privado.

Não obstante, as leis comerciais contêm também disposições de direito

público. Basta pensar (para já não falar das disposições penais incluídas em

muitas delas) nas que consagram deveres jurídico-públicos dos comerciantes –

relativamente, por exemplo, às firmas, escrituração mercantil e inscrições no

registo comercial.

Direito Especial: Dentro do direito privado, e em face do direito civil (direito

privado comum/geral – aplicável a todas as pessoas e relações entre

particulares), o direito comercial é, globalmente considerado, especial (e não

excecional – embora contenha normas excecionais, tal como contém o direito

civil). É um ramo jurídico com regras diferentes das do direito comum, aplicável

somente a certos sujeitos, objetos ou relações, mas sem excluir a

aplicabilidade do direito civil enquanto direito comum e subsidiário.

Fontes: Nas fontes do direito mercantil nos modos ou formas por que se

constitui e manifesta o direito especificamente aplicável à matéria mercantil

(actos e objectos comerciais, comerciantes) – convém distinguir entre fontes

externas e internas.

Fontes Externas

Entre as fontes externas, destacam-se:

Convenções internacionais (normas constantes de convenções/acordos

regularmente ratificadas ou aprovadas que vigoram na ordem interna

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Direito Comercial

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após publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o

Estado Português – 8.º/2 CRP).

Regulamentos e Diretivas da UE (288.º TFUE; 8.º/3 CRP)

(as diretivas, porque devem ser transpostas para o direito interno, não

estão em princípio abrangidas pelo preceito constitucional. Todavia em

certos casos é reconhecido “efeito direto” às diretivas não transpostas

atempadamente ou incorretamente transpostas)

Fontes Internas

Entre as fontes internas avultam-se:

CRP (61.º; 81.º/f); 82.º; 85.º; 86.º; 99.º; 293.º)

Código Comercial

Código Civil

Legislação Extravagante (Diretivas da CMVM…)

Jurisprudência e a doutrina

(as decisões judiciais participam na criação ou constituição do direito,

interpretam, concretizam normatividade jurídica, integram lacunas; por

sua vez a doutrina releva principalmente enquanto “dogmaticamente

complementar” e “heurístico-normativamente antecipante” do “direito

jurisprudencial”.

Usos (práticas sociais estabilizadas) e costumes (práticas sociais

estabilizadas seguidas com a convicção de serem juridicamente

obrigatórias)

2. Dos Atos de comércio

Os atos do comércio são condição necessária da qualificação de sujeitos como

comerciantes, e de empresas e sociedades como comerciais (o estudo de tais

continua sendo o estudo da “gramática” basilar do direito mercantil).

Hoje, o regime especial comum aos atos de comércio em geral revela-se

sobretudo no seguinte:

Em regra, nas obrigações comerciais – nas obrigações resultantes de

atos mercantis – os coobrigados são solidários (100.º CCom);

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As dívidas dos comerciantes casados derivadas de atos mercantis

presumem-se contraídas no exercício dos respetivos comércios (15.º

CCom)

O 102.º CCom estabelece um regime com uma ou outra particularidade

para os juros relacionados com atos comerciais.

2.1. Noção

São atos de comércio os factos jurídicos voluntários especialmente regulados

em lei comercial e os que, realizados por comerciantes, respeitem as

condições previstas no final do art.º 2.º do CCom.

Assim,

A norma delimitadora básica dos atos de comércio é o art.º 2.º do Código

Comercial: “Serão considerados atos de comércio todos aqueles que se

acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os

contractos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza

exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar”.

Logo deste enunciado resultará a impossibilidade de um conceito unitário,

homogéneo ou genérico de ato de comércio.

Há atos considerados mercantis por estarem previstos na lei comercial e que

podem em regra ser praticados por comerciante ou não comerciantes, e atos

considerados mercantis por, antes do mais, serem praticados por comerciantes

e, além disso, serem conexionáveis com o comércio e estarem embora não

necessariamente conexionados com a atividade mercantil dos seus autores.

Todavia, têm sido defendidos conceitos unitários de ato de comércio. Para isso,

tem-se lançado mão principalmente de três critérios:

a) Finalidade especulativa (é comercial o ato praticado com o escopo

lucrativo)

b) Interposição de trocas ou na circulação de riquezas

c) Existência de uma empresa (são comerciais os atos praticados por uma

empresa e/ou no quadro de uma empresa).

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Na verdade, nenhum destes critérios (isolada ou conjugadamente) possibilita

um conceito unitário de atos de comércio.

a) Existem atividades normalmente exercidas com intuito especulativo ou

lucrativo e nem por isso são qualificadas como comerciais (ex: artesanato

464.º/4 CCom);

b) O CCom considera comerciais certos atos que não têm de realizar ou

facilitar interposição de trocas (ex: fiança 101 CCom);

c) A comercialidade de diversos catos esporádicos ou ocasionais prescinde

da existência de empresa (ex: mandato 231.º ss CCom).

2.2. Atos de Comércio Objetivos e Subjetivos

Na classificação básica dos atos de comércio, estes aparecem-nos ou como

objetivos ou como subjetivos. Utilizando os dizeres do art.º 2.º CCom, os

primeiros são “todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste

Código”; os segundos “todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que

não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não

resultar”

2.2.1. Atos de Comércio Objetivos

Os atos de comércio objetivos são os factos jurídicos voluntários previstos em

lei comercial e análogos.

Na realidade, o art.º 2 1.ª parte, é uma definição de atos de comércio objetivos

por enumeração ou catálogo, o preceito não explicita os atos, remetendo antes

para outras disposições normativas.

Prevê o CCom, no estado atual, variados atos: fiança (101.º); empresas

(230.º); mandato (231.º ss); conta corrente (344.º ss); operações de banco

(362.º ss); transporte (366.º ss); empréstimo (394.º ss); penhor (397.º ss);

depósito (403.º ss.); depósito de géneros e mercadorias nos armazéns gerais

(408.º ss); compra e venda (463.º ss); reporte (477.º ss); escambo ou troca

(480.º ss); aluguer (481.º, 482.º); transmissão e reforma de título de crédito

mercantil (483.º, 484.º); atos relativos ao comércio marítimo (livro III).

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Relativamente à maioria destes atos, o CCom estabelece disciplina específica

(regras próprias para cada um deles). Tal não se verifica relativamente a

alguns: operações de banco; aluguer. Nem por isso, como é evidente,

desmerecem estes atos o qualificativo “comerciais”. Assim sendo, mesmo os

atos comerciais para os quais o código comercial não estabelece disciplina

específica, ficam sujeitos às regras (especiais) comuns aos atos de comércio

em geral (solidariedade; juros;…)

São atos de comércio objetivos apenas os especialmente regulados

“neste Código” (comercial)?

Esta formulação faria algum sentido em 1888. Não é, contudo razoável

petrificar um catálogo de atos num código datado, há-de ser possível leis

posteriores, acompanhando a evolução económica, preverem novos atos

comerciais.

Por isso se entende pacificamente que a expressão “neste Código” deve ser

interpretada (extensivamente) de modo a abarcar outras leis comerciais.

Quanto é que uma lei pode ser classificada como comercial?

Há que atender a três hipóteses:

A lei que substitui normas do CCom

A lei que se auto qualifica de comercial ou, mais precisamente,

qualifica (direta ou indiretamente) actos como comercial;

A lei que disciplinam matéria análoga à disciplinada no CCom ou em

outras leis classificadas como comerciais.

Qual é o alcance da lei em qualificar estas empresas de comerciais?

Tais empresas não são mais que séries ou complexos de atos comerciais

(objetivos). Enquanto outros regulados no Código são considerados

isoladamente (são mercantis mesmo que praticados ocasionalmente), os

previstos no 230.º são comerciais porque praticados em série, “repetição

orgânica”.

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Entendamos,

Como norma delimitadora primeira da matéria mercantil, temos a do art.º 1.º

CCom: “a lei comercial rege os atos de comércio sejam ou não comerciantes

as pessoas que neles intervêm”. E esses atos são logo os previstos no CCom

(2.º/1.ª parte) – no Livro II, onde se situa o 230.º. Por outro lado, havendo no

Livro I um capítulo (o II – “Dos comerciantes” – do título II – art.ºs 13.ºss)

estabelecendo quem é (e quem não é) comerciante, mal se compreende vir

depois o 230.º atribuir diretamente essa qualidade a certos empresários. Aliás,

pode haver pessoas (coletivas, nomeadamente – certas associações,

fundações, o Estado e autarquias locais) a explorar empresas previstas no

230.º, sem que por isso adquiram a qualidade de comerciantes (14.º e 17.º

CCom).

Por conseguinte, as empresas do 230.º serão conjuntos ou séries de atos

(atividades) objetivamente comerciais enquadradas organizatoriamente (atos

praticados no quadro de organizações de meios pessoais e/ou reais).

Mas quais atos objetivos? Tão só os contratos em que o exercício da empresa

tipicamente se traduz ou todos os atos praticados na exploração dessas

organizações empresariais?

Dir-se-á: tão somente aqueles, pois são eles que patentemente se revelam nos

vários números do artigo; os restantes (por exemplo, compra de instrumentos e

objetos de trabalho, contratos de trabalho e prestação de serviços) serão

subjetivamente comerciais, nos termos da 2.ª parte do 2.º CCom. De resto

acrescentar-se-á, é isto que sucede com relação às empresas não previstas no

230.º, cuja atividade se traduz em atos regulados no Código (uma mercearia –

463.º/1; um Banco – 362.º ss).

Qualificação de atos de comércio por analogia

Para qualificar actos comerciais, é legítimo recorrer à analogia. Na verdade, o

campo económico-jurídico é fértil, gerando instrumentos que, por análogos

(semelhantes) a outros já registados no direito comercial, neste se irão também

filiar.

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O problema não se resolve recorrendo ao 3.º do CCom, “Se as questões sobre

direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas, nem pelo texto

da lei comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela

prevenidos, serão decididas pelo direito civil”. Na realidade, esta norma admite

o recurso à analogia pra regular atos já qualificados como comerciais. Assim, o

preceito diz respeito a lacunas de qualificação, não imediatamente a lacunas

de regulação.

2.2.2. Atos de Comércio subjetivos

Atos de comércio subjetivos são os factos jurídicos voluntários (ou atos,

simplesmente) dos comerciantes conexionáveis com o comércio em geral e de

que não resulte não estarem conexionados com o comércio dos seus sujeitos.

Para saber se o ato é ou não subjetivamente comercial, teremos de fazer as

seguintes perguntas, obtendo para tais, as seguintes respostas:

O ato:

Foi praticado por Comerciante? Sim

Resulta ser este exclusivamente civil? Não

Resulta que este não advém do comércio do sujeito? Não

Neste caso, é ato de comércio subjetivo.

2.3. Outras Classificações

2.3.1. Quanto ao sujeito

2.3.1.1. Bilaterais ou Unilaterais

Bilaterais: são atos cuja comercialidade se verifica em relação a ambas as

partes (sujeitos).

Unilaterais: os atos cuja comercialidade se verifica só em relação a uma das

partes.

Qual o regime jurídico dos atos unilateralmente comerciais?

Responde o 99.º CCom: “Embora o ato seja mercantil só com relação a uma

das partes será regulado pelas disposições da lei comercial quanto a todos os

contraentes, salvo as que só forem aplicáveis àquele ou àqueles por cujo

respeito o ato é mercantil”.

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Assim,

Os atos unilateralmente comerciais estão em regra sujeitos à disciplina

mercantil.

Como não há regra sem exceção,

Excetuam-se as disposições da lei comercial “que só forem aplicáveis àquele

ou àqueles por cujo respeito o ato é mercantil”.

E quais são elas?

Hoje, será especialmente a do art.º 100 CCom: “Nas obrigações comerciais os

coobrigados são solidários, salva estipulação contrária. §único: Esta disposição

não é extensiva aos não comerciantes quanto aos contratos que, em relação a

estes, não constituírem atos comerciais”.

A solidariedade de devedores só se verifica, por conseguinte, relativamente

àqueles “por cujo respeito o ato é mercantil”.

Exemplo:

Suponhamos que dois comerciantes, num único contrato, compram Y peças de

artesanato a dois artesãos. O ato é unilateralmente comercial – a compra é

mercantil (463.º/1.º) e a venda civil (464.º/3.º, in fine). O ato fica sujeito à

disciplina jurídico-comercial, mas os artesãos não são devedores solidários

quanto à entrega das peças (100.º).

Nota:

Deve, contudo, acrescentar-se uma categoria mais geral de exceções à

aplicação das disposições da lei comercial. Quando o ato unilateralmente

comercial seja contrato de consumo, aplicam-se a ambos os contratantes as

regras especiais das relações de consumo.

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2.3.2. Quanto ao ato

2.3.2.1. Autónomos ou Acessórios

Atos de comércio autónomos: são os qualificados de mercantis por si

mesmos, independentemente de ligação a outros atos ou atividades

comerciais.

Atos de comércio acessórios: são os que devem a sua comercialidade ao

facto de se ligarem ou conexionarem a atos mercantis (fiança – 101.º; mandato

– 231.º; empréstimo – 394.º; penhor – 397.º; depósito – 403.º CCom).

Estes atos tanto podem ser acessórios de atos de comércio objetivos e

autónomos (mandato para a compra de uma mercadoria destinada a revenda),

como de atos de comércio objetivos mas acessórios (mandato para o depósito

de mercadorias que o mandante comprou para serem revendidas), como de

atos subjetivamente comerciais (mandato para a compra de caixa-registadoras

destinadas ao supermercado do mandante).

2.3.2.2. Formais ou Substanciais

Atos formalmente comerciais: são os esquemas negociais que, utilizáveis

(por comerciantes ou não comerciantes) quer para a realização de operações

mercantis, quer para a realização de operações económicas que não são atos

de comércio nem se inserem em atividade comercial, estão contudo

especialmente regulados na lei mercantil, merecendo portanto a classificação

de atos de comércio. (negócios cambiários – saque, aceite; letras; livranças;

cheques). Derivam não do seu conteúdo, mas de estarem previstos na lei

comercial.

Atos substancialmente comerciais: aqueles cuja classificação como atos de

comércio advêm do próprio conteúdo do ato.

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3. Da responsabilidade dos comerciantes

Sabemos que os sujeitos dos atos de comércio e das relações jurídico-

mercantis podem ser comerciantes e não-comerciantes (todos os sujeitos com

capacidade civil de exercício possuem capacidade comercial de exercício – 7.º

CCom).

Porém, os atores determinantes no direito mercantil são os comerciantes.

Qual a importância de se saber quem é (e quem não é) comerciante?

A importância prende-se com o facto de que os comerciantes possuem um

estatuto próprio. Como assim?

Vejamos:

a) Os atos de comerciantes são considerados subjetivamente comerciais

(2.º/2.ª parte CCom);

b) As dívidas dos comerciantes casados presumem-se contraídas no

exercício dos respetivos comércios (15.º CCom); tais dívidas são em

princípio da responsabilidade dos comerciantes e seus cônjuges

(1691.º/1/d) CCiv);

Exceto:

Se forem casados no Regime de Separação de Bens;

Dívidas não contraídas em proveito comum do casal, e o cônjuge do

comerciante não se beneficiou daquela dívida.

c) A prova de certos factos em que intervêm comerciantes é facilitada (396.º;

400.º CCom ≠ 1143.º CCiv);

d) Prescrição: dívidas entre comerciantes prescrevem ao fim de 20 anos;

dívidas entre comerciante e não comerciante prescrevem ao fim de 2

anos (309.º; 317.º/b) CCiv);

e) Os comerciantes estão obrigados a adotar firma, a ter escrituração

mercantil, a fazer inscrever no registo comercial os atos a ele sujeitos, a

dar balanço e a prestar contas (18.º CCom).

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Quem pode ser comerciante?

O art.º 13.ºdo CCom responde a essa pergunta, assim:

“São comerciantes:

1.º As pessoas, que, tendo capacidade para praticar atos de comércio, fazem

deste profissão.

2.º As sociedades comerciais”

1.º Analisemos n.º 1 do preceito legal, que compreende pessoas

singulares:

Para serem comerciantes, as pessoas, têm de:

1) Ter “capacidade para praticar atos de comércio”;

2) Fazer “do comércio profissão”;

Ter “capacidade para praticar atos de comércio”

Capacidade Jurídica ou Capacidade de Exercício?

Entende a doutrina dominante que a norma se refere à capacidade de

exercício. A “prática” de atos de comércio e a “profissão” mercantil hão-de

referir-se à capacidade de agir, não à mera idoneidade para se ser titular de

direitos e obrigações; por outro lado o 13.º CCom deverá concordar com o 7.º

CCom (“civilmente capaz de se obrigar”).

Neste, sentido, e “à contrário”, os incapazes (menores não emancipados,

interditos e inabilitados – 125.º ss. CCiv) não poderiam nunca ser

comerciantes. Mas não é assim!

Na verdade,

a) A lei permite aos pais, enquanto representantes do filho, e desde que

autorizados pelo Ministério Público “adquirir estabelecimento comercial ou

industrial ou continuar a exploração do que o filho haja recebido por

sucessão ou doação” (1889.º/1/c) CCiv; 2.º/1/b) DL 272/2001);

b) O mesmo é permitido ao tutor representante de menor (1938.º/1/a) e f)

CCiv);

c) Ou de interdito (139.º CCiv);

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d) Também o inabilitado assistido por curador (curador-assistente) pode não

só continuar a exploração de estabelecimento que vinha explorando antes

da inabilitação, mas também adquirir empresa e explorá-la (153.º CCiv);

e) O curador administrador dos bens do inabilitado (154.º CCiv) pode, com

autorização do M.P., continuar a exploração de empresa já explorada pelo

inabilitado antes da inabilitação, bem como adquirir empresa ou continuar

a exploração da que o inabilitado haja recebido por sucessão ou doação

(156.º CCiv).

Assim, poderemos afirmar que:

Os incapazes que exerçam o comércio através de representantes legais

devidamente autorizados pelo Ministério Público devem ser considerados

comerciantes.

Por outro lado,

Não serão os mesmos comerciantes quando:

Exerçam o comércio apenas por si;

O comércio seja exercido em nome deles por quem não é representante

legal;

Os representantes legais exerçam o comércio em nome dos incapazes

sem autorização do M.P.

Fazer “do comércio profissão”

“Profissão” – Exercício habitual de atividade económica com meio de vida.

“Comércio” – Atividade qualificada por lei (direta ou indiretamente) como

comercial, sendo que essa atividade se traduz em atos, entre os quais se

encontram, muitas vezes, atos de comércio propriamente ditos.

Assim, para ser comerciante, as pessoas têm de:

Exercer uma atividade comercial ou praticar atos de comércio com

profissionalidade (de modo sistemático e habitual);

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Devem exercer a atividade comercial em nome próprio (pessoalmente ou

através de representantes)

Por outro lado, não se exige que:

A profissão comercial seja a única exercida pelo sujeito, nem que seja a

principal;

A respetiva atividade seja exercida de modo contínuo e ininterrupto (ex: é

comerciante quem explore um parque de campismo somente no verão)

No entanto, não é a prática, ainda que habitual ou sistemática, de quaisquer

atos de comércio que faz o respetivo sujeito comerciante.

Por exemplo, os atos formalmente comerciais, podem ser utilizados ou não

para a realização de operações mercantis, e a sua prática, mesmo que

habitual, não pode denotar o exercício de uma profissão (ex: um agricultor que

recorre sistematicamente ao crédito, aceitando por isso letras de câmbio, não

exerce qualquer profissão comercial pelo facto de habitualmente praticar atos

de comércio cambiários).

Também, estão fora de causa, como suscetível de qualificar um sujeito como

comerciante a prática de certos atos acessórios (ex: pessoa que explora

armazém onde são depositadas mercadorias destinadas a ser revendidas

pelos depositantes – 403.º CCom).

Ainda, outro exemplo, a conta corrente (344.º ss CCom) e as compras de

participações sociais não destinadas à revenda ou as vendas de participações

sociais não adquiridas com intuito de revenda (463.º/5 CCom).

4. Das Obrigações dos comerciantes

Já atrás se referiu os principais pontos em que se traduz o “estatuto” dos

comerciantes (direitos e deveres, vantagens e desvantagens jurídicas dos

comerciantes). Vamos agora abordá-los mais em detalhe.

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4.1. Adoção de firma

Segundo o 18.º/1 CCom, todos os comerciantes devem adotar firma.

O RRNPC, diploma que contém o atual geral das firmas e denominações, faz a

seguinte distinção entre elas:

Firma: é o vocábulo preferido para designar o signo individualizador de

comerciante (37.º; 38.º e 40.º RRNPC); ou, mais fácil, é o sinal distintivo dos

comerciantes.

Denominação: designa preferencialmente o sinal identificador de não

comerciante (associações, fundações, sociedades civis,…), e pode nalguns

casos ser composta de nomes de pessoas (36.º; 42.º; 43.º RRNPC).

Como deverá ser composta a Firma?

Composição das Firmas

a) Dos Comerciantes individuais

A fima de comerciante individual (pessoa singular) tem de ser composta:

Pelo seu nome completo ou abreviado, não podendo (em regra) a

abreviação reduzir-se a um só vocábulo (38.º/1 e 3 RRNPC);

O nome pode ser:

o Antecedido de expressões ou siglas correspondentes a títulos

académicos, profissionais ou nobiliárquicos a que o comerciante tenha

direito (38.º/3 RRNPC);

o Precedido de alcunha ou expressão alusiva à actividade exercida (38.º/1

RRNPC);

Tratando-se de um estabelecimento individual de responsabilidade

limitada (e só neste caso!), aditará a expressão “Estabelecimento

Individual de Responsabilidade Limitada” ou “E.I.R.L.” (40.º/1 e 2

RRNPC).

b) Das Sociedades comerciais

2.1. Em nome coletivo (177.º/1 CSC)

A firma das sociedades em nome coletivo tem de ser composta:

Pelo nome (completo ou abreviado) ou firma de todos os sócios; ou,

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Pelo nome (completo ou abreviado) de um deles, com o aditamento

abreviado ou por extenso “e Companhia” ou qualquer outro que indique a

existência de sócios (“Irmão”, “Filhos”).

A firma pode, ainda, conter:

Expressão alusiva ao objecto social (por analogia c/ 38.º/1 RRNPC);

Siglas, iniciais, expressões de fantasia ou composições (por analogia c/

42.º/1 RRNPC).

2.2. Por quotas (200.º/1 CSC)

A firma das sociedades por quotas tem de ser composta:

Pela sigla (vocábulo constituído pelas iniciais ou outras letras de um

nome ou expressão); ou,

Pelo nome (completo/abreviado) ou firma de todos os sócios; ou,

Pelo nome (completo/abreviado) ou firma de alguns os sócios; ou,

firma-nome)

Pelo nome (completo/abreviado) ou firma de um dos sócios; ou,

Por denominação particular (firma-denominação);

Pela reunião de ambos esses elementos (firma-mista);

Pelo aditamento da expressão por extenso ou abreviada “Limitada” ou

“Lda.”.

2.2.1. Unipessoais (270.º-B CSC)

A firma das sociedades unipessoais por quotas tem de ser composta:

Pela sigla (vocábulo constituído pelas iniciais ou outras letras de um

nome ou expressão); ou,

Pelo nome (completo/abreviado) ou firma de um dos sócios; ou,

Por denominação particular (firma-denominação); ou,

Pela reunião de ambos esses elementos (firma-mista);

Pelo aditamento da expressão “sociedade unipessoal” ou

“unipessoal”, antes da expressão por extenso ou abreviada “Limitada”

ou “Lda.”.

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2.3. Anónimas (275.º/1 CSC)

A firma das sociedades anónimas tem de ser composta:

Pela sigla (vocábulo constituído pelas iniciais ou outras letras de um

nome ou expressão); ou,

Pelo nome (completo/abreviado) ou firma de todos os sócios;

Pelo nome (completo/abreviado) ou firma de alguns os sócios;

(firma-nome)

Pelo nome (completo/abreviado) ou firma de um dos sócios;

Por denominação particular (firma-denominação);

Pela reunião de ambos esses elementos (firma-mista);

Pelo aditamento da expressão por extenso ou abreviada “Sociedade

Anónima” ou “S.A.”.

2.4. Em comandita (467.º/1 CSC)

A firma das sociedades em comandita tem de ser composta:

Pelo nome (completo/abreviado) ou firma de todos os sócios

comanditados (sócios de responsabilidade ilimitada);

Pelo nome (completo/abreviado) ou firma de alguns os sócios

comanditados;

Pelo nome (completo/abreviado) ou firma de um dos sócios

comanditados;

Pelo aditamento da expressão “em Comandita” ou “& Comandita” (nas

sociedades em comandita simples), “em Comandita por Ações” ou “&

Comandita por Ações” (nas sociedades em comandita por ações).

A firma pode, ainda, conter:

Expressão alusiva ao objeto social (por analogia c/ 38.º/1 RRNPC);

Siglas, iniciais, expressões de fantasia ou composições (por analogia c/

42.º/1 RRNPC).

Além do nome ou firma de sócios comanditados, pode (mas não deve) figurar

na firma destas sociedades o nome ou a firma de sócios comanditários e de

não sócios que em tal consintam expressamente, ficando estes sujeitos às

(gravosas) consequências dos n.º 3 e 4 do 467.º CSC.

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Direito Comercial

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A composição das Firmas está ainda subjacente a vários PRINCÍPIOS,

que devem ser tomados em conta aquando da sua escolha, são eles:

1) Princípio da Verdade;

2) Princípio da Novidade;

3) Princípio da Exclusividade;

4) Princípio da Capacidade Distintiva;

5) Princípio da Licitude.

1. Princípio da Verdade (32.º/1 RRNPC): “os elementos das firmas e

denominações devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a

identificação, natureza ou atividade do seu titular”

Assim,

a) A firma de comerciantes individuais deve conter os nomes deles e não

o de outrem; a firma-nome e a firma mista das sociedades deve conter o

nome ou firma de sócios e não de estranhos;

b) As firmas e denominações não podem conter palavras, expressões,

abreviaturas, etc., que induzam em erro quanto à caracterização

jurídica dos respetivos titulares (“Associação de Importadores de

Automóveis, Lda”, para soc. p/ quotas) (32.º/4/a) RRNPC; 10.º/5/a) CSC);

c) As firmas-denominações, as firmas mistas e as denominações não

podem incluir elementos que sugiram atividade diversa das que os

respectivos titulares exercem ou se propõem exercer (32.º/2 RRNPC;

10.º/1; 200.º/2 e 3; 275.º/2 e 3 CSC);

d) Quando, por qualquer causa, deixe de ser associado ou sócio pessoa

singular cujo nome figure na firma ou denominação coletiva, deve tal

firma ou denominação ser alterada no prazo de um ano, a não ser que

o associado/sócio ou herdeiros do que falecer consintam por escrito

(32.º/5 RRNPC).

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Direito Comercial

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2. Princípio da Novidade (33.º/1 RRNPC): “As firmas e denominações devem

ser distintas e não suscetíveis de confusão ou erro com as registadas ou

licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a

inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações

de instituições notoriamente conhecidas”

Resumindo, as firmas/denominações devem ser novas, ié, distintas e

inconfundíveis.

3. Princípio da Exclusividade (35.º/1 e 4 RRNPC): Os titulares de

firmas/denominações validamente constituídas e registadas definitivamente

têm um direito exclusivo sobre elas em determinado âmbito geográfico, direito

esse que exclui a licitude de firmas e denominações idênticas ou confundíveis

com aquelas nesse espaço.

4. Princípio da Capacidade Distintiva (33.º/3 RRNPC; 10.º/4 CSC): “Não são

admitidas denominações [firmas] constituídas exclusivamente por vocábulos de

uso corrente que permitam identificar ou se relacionem com atividade, técnico

ou produto, bem como topónimos e qualquer indicação de proveniência

geográfica”.

As firmas e denominações hão-de ser constituídas por forma a poderem

desempenhar a função diferenciadora.

Com efeito, sob pena de incapacidade distintivas, as denominações não podem

bastar-se com designação genéricas (ex: Sociedade Bancária, S.A), vocábulos

de uso comum para designar actividades ou produtos (ex: Sociedade Ideal,

Lda.), topónimos ou indicações de proveniência (Ex: Sociedade

Conimbricense, S.A.). Tais elementos, de per si não distintivos, hão-de ser

associados a outros, de modo a que o conjunto seja capaz de distinguir (Ex:

Sociedade Conimbricense Editora, S.A.).

5. Princípio da Licitude (residual) (32.º/4/b) a d) RRNPC): Significa um

conjunto variado de requisitos. Assim, as firmas/denominações não podem

conter:

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Expressões proibidas por lei ou ofensivas da moral ou dos bens

costumes;

Expressões incompatíveis com o respeito pela liberdade de opção

política, religiosa e ideológica;

Expressões que desrespeitem ou se apropriem ilegitimamente de

símbolos nacionais, personalidades, épocas ou instituições cujo nome ou

significado seja de salvaguardar por razões históricas, patrióticas,

científicas, institucionais, culturais ou outras atendíveis.

Alteração de Firmas e Denominações

A alteração da firma pode ser:

Voluntária: quando o comerciante entender que deve alterar o nome da firma

deve fazê-lo (art. 56.º, n.º 1/b RNPC);

Obrigatória:

Se um comerciante individual muda de nome, essa mudança pode implicar

alteração da firma (38.º/1 RRNPC);

Se deixa de ser associado ou sócio pessoa cujo nome figure na firma ou

denominação de uma pessoa coletiva e não há o exigido consentimento

(32.º/5 RRNPC)

A aquisição de firma, implica alteração da firma originária (44.º/1 e 4 RRNPC)

Alterando-se o objeto estatuário de uma sociedade ou outra entidade

coletiva, pode ter de se alterar a firma ou denominação (54.º/2 RRNPC;

200.º/3; 275.º/3 CSC)

A transformação de sociedades (130.º ss CSC) por exemplo, de Sociedades

por Quotas para Sociedades Anónimas ou vice-versa, (exige ao menos

alteração dos aditamentos obrigatórios nas firmas ou denominações);

À firma de sociedade em liquidação deve ser aditada a menção “Sociedade

em Liquidação” ou “em liquidação” (146.º/3 CSC);

Proibição do uso ilegal de uma firma ou denominação (62.º RRNPC).

Quando há transmissão da firma inter vivos ou mortis causa (art. 44.º RNPC).

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Direito Comercial

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Transmissão de Firmas e Denominações

A firma distingue-se não apenas o comerciante mas também a respetiva

empresa, liga aquele a esta. Enquanto “coletor de clientela”, a firma pode ter

considerável valor económico. Interessa, pois, ao titular da firma poder realizar

esse valor. E interessa a outros sujeitos poder adquirir tal coletor de clientela.

Contudo, a livre transmissibilidade das firmas – sem transmissão das

respetivas empresas, etc. – daria azo a enganos no público (a clientela liga a

firma a certo sujeito e empresa). Ora, atendendo a estes diversos interesses

(sobretudo os primeiros) e ao facto de a firma se ligar também à empresa, tem

sido permitida a transmissão daquela juntamente com esta.

A transmissão entre vivos de firma obedece a três requisitos:

1) Tem de fazer-se com a de um estabelecimento comercial a que esteja ligada

(44.º/1 RRNPC);

2) É necessário o acordo das partes – devendo ser dado por escrito; quando

contenha nome de sócio, deverá obter-se ainda a autorização do titular do

nome (44.º/2 RRNPC);

3) Deve aditar à sua própria firma menção de sucessão e a firma adquirida

(38.º/2 RRNPC) (ex. “António Silva, Comércio de Automóveis” passa a ser

“Beatriz Costa, sucessora de António Silva, Comércio de Automóveis”)

A Transmissão mortis causa (44.º/3 RRNPC)

Extinção do Direito à Firma ou Denominação

Sendo as firmas e denominações dos comerciantes sinais distintivos dos mesmos

para o exercício do comércio, poderia pensar-se que a cessação das respetivas

atividades mercantis implicaria a extinção dos correspondentes sinais. Mas não é

necessariamente assim.

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Direito Comercial

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Tutela do Direito à Firma ou Denominação

Como dissemos já, o direito à exclusividade de firma ou denominação

constitui-se com o registo com o registo definitivo delas (3.º; 35.º/1 RRNPC).

Para o correspondente âmbito de exclusividade, a proteção das firmas e

denominações faz-se por meios preventivos e repressivos.

1) Certificados de Admissibilidade de firmas e denominações, emitidos pelo

RNPC (1.º; 45.º ss.; 78.º/1 RRNPC). Sem tais certificados, diversos atos

relativos à constituição ou alteração das firmas e denominações não

podem ser formalizados e/ou registados (54.º a 56.º; 58.º RRNPC);

2) As firmas e denominações que, apesar de definitivamente registadas,

violem o princípio da novidade ou exclusividade, podem ser objeto de

ações judiciais de declaração de nulidade, anulação ou revogação, e

estão sujeitas à declaração (RNPC) de perda do direito ao respetivo uso

(35.º/4; 60.º RRNPC);

3) O uso ilegal de uma firma ou denominação (registada ou não) “confere

aos interessados o direito de exigir a sua proibição, bem como a

indemnização pelos danos daí emergentes, sem prejuízo da

correspondente ação criminal, se a ela houver lugar” (62.º RRNPC);

Há ainda titulares de firmas e denominações não registadas em Portugal que

gozam dos diversos meios preventivos e repressivos acima enunciados. São

os nacionais (ou equiparados) dos países da União Internacional para a

Proteção da Propriedade Industrial que constituam validamente no estrangeiro

firmas ou denominações (também) usadas (por eles, direta ou indiretamente)

em Portugal ou que aqui sejam notoriamente conhecidas. (2.º; 3.º e 8.º CUP).

4.2. Escrituração e prestação de contas

Escrituração comercial: consiste no registo ordenado e sistemático em livros

e documentos de facto (normalmente mas não necessariamente jurídicos)

relativos à atividade mercantil dos comerciantes, tendo em vista a informação

deles e de outros sujeitos.

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Direito Comercial

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A Escrituração compreende:

- A Contabilidade (registo em unidades monetárias de factos, operações e

situação patrimonial-contabilizáveis);

- A Documentação da correspondência expedida pelo comerciante;

- As Atas de reuniões de órgãos (plurais, em regra) de sociedades e de outras

entidades coletivas.

Organização da escrituração:

Por mais de um século, prescreveu o CCom (31.º ss.) a obrigatoriedade de

quatro livros de escrituração para “qualquer comerciante”: livro de inventário e

balanços, diário, razão e copiador. Todos esses livros deixaram de ser

obrigatórios com o DL 76-A/2006.

Agora nos termos do 30.º CCom “o comerciante pode escolher o modo de

organização da escrituração mercantil, bem com o seu suporte físico”.

Assim, o DL elimina a obrigatoriedade de existência dos livros da escrituração

mercantil nas empresas e, correspondentemente, a imposição da sua

legalização nas conservatórias do registo comercial. Logo, os livros de

inventário, balanço, diário, razão e copiador deixam de ser obrigatórios, apenas

se mantendo o livro de atas. Consequentemente, elimina-se a obrigatoriedade

de legalização dos livros, incluindo dos livros de atas.

Poder escolher o comerciante o modo de organização da escrituração, não

significa de todo o puro arbítrio do comerciante quanto ao quê e quanto ao

como dos assentos escriturais. Impõe-se verdade e clareza nos registos do que

entra (e deve entrar), do que sai e do que permanece no património mercantil.

Ainda assim,

O 29.º CCom declara que a escrituração será “efetuada de acordo com a lei”. E

o 40.º que “as autoridades administrativas ou judiciárias” podem analisar “se o

comerciante organiza ou não devidamente a sua escrituração mercantil”,

confirmando que há “organização” “devida” e indevida.

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Direito Comercial

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Caracter (não) secreto da escrituração:

41.º CCom afirma que há possibilidade de autoridades “analisarem se o

comerciante organiza ou não devidamente a sua escrituração mercantil”;

42.º CCom atesta a permissão da exibição judicial por inteiro em questões

de:

Sucessão Universal (morrendo o comerciante, pode a exibição ser

ordenada a favor dos herdeiros, legatários e credores da herança);

Comunhão (o cônjuge casado em regime de comunhão com o

comerciante pode exigir a sua exibição em caso de divórcio ou separação

judicial de pessoas e bens);

Sociedade (em caso de dissolução ou de saída de sócio, quando haja que

fixar o valor de liquidação da participação social, o sócio/seus herdeiros

podem exigir exibição);

Insolvência (36.º/f), 24.º/1/f) a h); 149.º/1 CIRE);

43.º/1 CCom pode proceder-se a exame judicial limitado (parcial ou por

apresentação) nos livros e documentos do comerciante, “quando a pessoa a

quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal

apresentação por exigida”

Força probatória da escrituração comercial:

Os livros irregularmente arrumados ou escriturados fazem PROVA:

Contra o comerciante a quem pertençam; mas a outra parte que deles

queira beneficiar deve igualmente aceitar os assentos que lhe forem

prejudiciais, salvo se tiver livros arrumados ou outras provas em contrário

(44.º/1 e 4 CCom).

Os livros regularmente arrumados fazem PROVA:

Não só contra o respetivo comerciante, mas também a seu favor, salvo se

a outra parte apresentar assentos opostos em livros igualmente

arrumados, situação em que o Tribunal decidirá pelo merecimento de

quaisquer provas do processo, ou se fizer prova em contrário. (44.º/1 a 3

CCom).

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Prestação de contas:

Art. 18.º/4 CCom diz que todos os comerciantes são obrigados a “dar balanço

e prestar contas”.

O balanço é o documento que compara o ativo com o passivo para revelar o

valor do capital próprio ou situação líquida. É geralmente um dos principais

documentos de prestação (anual) de contas (ou outros: demonstrações “de

resultados por naturezas”; “das alterações ao Capital Próprio”, “dos fluxos de

caixa pelo método direto” e o “anexo”). E todos estes documentos são

escrituração (mercantil, as mais das vezes)…

No entanto, ao invés do dito nos 18.º e 62.º CCom, nem todos os

comerciantes têm o dever de prestar anualmente contas, nomeadamente,

através de balanço. Alguns pequenos comerciantes individuais não têm de

cumprir o SNC (10.º DL 158/2009).

A prestação de contas é relevante sobretudo no domínio das sociedades

comerciais (e civis de tipo comercial).

Conservação dos documentos de escrituração:

Os comerciantes são obrigados a arquivar, com ou sem recurso a meios

eletrónicos, os documentos respeitantes à escrituração mercantil, bem como

correspondência emitida e recebida, devendo conservar tudo pelo período de

10 ANOS. (40.º CCom).

O prazo conta-se da data do último assento ou lançamento.

No entanto, liquidando-se uma sociedade, o prazo de conservação é de 5

ANOS, a contar da data da deliberação que aprova o relatório e as contas

finais e designa o depositários dos livros e demais documentos de escrituração

(157.º/4 CSC).

Falecendo um comerciante individual, a obrigação de conservar os livros

transmite-se aos herdeiros.

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Direito Comercial

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4.3. Inscrição de atos no registo comercial

O registo comercial destina-se a dar publicidade (o caracter público revela-se

no facto de “qualquer pessoa” poder “pedir certidões dos atos de registo e dos

documentos arquivados, bem como obter informações verbais e escritas sobre

o seu conteúdo – 73.º/1; por outro lado, alguns atos de registo são

obrigatoriamente publicados – 70.º SS) à situação jurídica dos comerciantes

individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma

comercial, das cooperativas, entre outras, tendo em vista a segurança do

comércio jurídico.

5. Negócios sobre empresas

5.1. Trespasse

Com referência a estabelecimentos é muito antigo na legislação portuguesa o

emprego da palavra “trespasse”. Todavia, nenhuma das leis onde este conceito

é empregado, fornece uma definição para o trespasse.

Ainda assim, da análise desses preceitos, e possível concluir o seguinte:

1) Objeto de trespasse é um estabelecimento;

2) Transmissão com carácter definitivo da propriedade do estabelecimento

comercial (que pode ser efetuada através de negócios variados – compra

e venda, troca, dação em cumprimento,…)

3) Para alguns efeitos, o trespasse traduz-se em negócios necessariamente

onerosos, é o caso da:

Preferência do senhorio (1112.º/4 CC);

Liquidação de sociedade (152.º/2/d) CSC)

4) É um negócio inter vivos (1112.º/1 CC)

Assim, uma possível definição de trespasse, seria:

Transmissão da propriedade de um estabelecimento por negócio inter

vivos.

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Direito Comercial

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Forma:

Durante muito tempo, a forma exigida para o trespasse foi a escritura pública;

depois do ano 2000, passou a exigir-se simples escrito. Hoje (depois do

NRAU), deve entender-se que o (simples) escrito continua como forma

necessária. (1112.º/3 CC)

Âmbito de entrega (mínimo, natural e convencional):

Num concreto negócio de trespasse, gozam as partes de liberdade para

excluírem da transmissão alguns elementos do estabelecimento. Todavia, tal

exclusão não pode abranger os bens necessários ou essenciais para identificar

ou exprimir a empresa objeto de negócio.

Assim, aparecem-nos três âmbitos de entrega:

1) Âmbito mínimo

2) Âmbito natural

3) Âmbito convencional

1) Âmbito mínimo:

É constituído pelos elementos necessários e suficientes para a transmissão

de um concreto estabelecimento. Desrespeitando-se o âmbito mínimo

(necessário ou essencial) de entrega fica impossibilitado o trespasse; sendo o

objeto do negócio translativo um conjunto de bens que não o próprio

estabelecimento comercial.

Dizer à priori quais os elementos integrantes do âmbito mínimo é inviável, uma

vez que isso é aferido a cada caso concreto. Assim, um determinado trespasse

pode não poder dispensar a transmissão de uma firma ou marca, ou uma

patente, ou um prédio, ou certas máquinas, ou certo know how, etc.

2) Âmbito natural:

É constituído pelos elementos que se transmitem naturalmente com o

estabelecimento trespassado, isto é, os meios transmitidos independentemente

de estipulação; tais bens, não havendo cláusulas a excluí-los, entram na esfera

jurídica do trespassário.

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Direito Comercial

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3) Âmbito convencional

É constituído pelos elementos empresariais que apenas se transmitem por mor

de estipulação ou convenção (expressa ou tácita) entre trespassante e

trespassário.

A firma (44.º/1 RNPC: “o adquirente (…) de um estabelecimento comercial

pode aditar à sua própria firma a menção de haver sucedido na firma do

anterior titular do estabelecimento, se esse titular o autorizar, por escrito”);

O logótipo e a marca, quando neles figure nome individual, firma ou

denominação do titular do estabelecimento (31.º/5 CPI);

Os créditos do trespassante, ligados à exploração da empresa, mas cujos

objectos não sejam meios do estabelecimento (577.º ss; 577.º/1 e 583.º

CC);

Os contratos ligados à exploração da empresa mas cujos objectos

(imediatos) não sejam elementos do estabelecimento comercial (sendo

que estes exigem ainda o consentimento do contraente cedido – 424.º/1

CC);

A Transmissão singular de dívidas, (sendo que estas exigem o

consentimento dos credores – 595.º CC – Assim, ainda que num escrito

se diga que o estabelecimento é trespassado “com todo o seu activo e

passivo”, esse facto, por si só, não significa assunção pelo trespassário

das dívidas do trespassante relativas ao estabelecimento);

Mas afinal em que é que consiste o Estabelecimento Comercial?

Além de negociável, o estabelecimento é um valor ou um bem económico ou

patrimonial, transpessoal (isolável da pessoa que o criou, ou da pessoa a quem

pertença em dado momento – como se demonstra pelos casos de transmissão

definitiva, inter vivos ou mortis causa) duradouro (“não só transferível e

assumível, mas retrotransferível e reassumível” – facto evidenciável nas

transmissões temporárias), reconhecível e irredutível (algo que contradistingue

os negócios como negócios sobre o estabelecimento, e que se não confunde

com outros bens – a ele ligados).

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Direito Comercial

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O Estabelecimento é, portanto, um bem complexo feito de vários bens ou

elementos. Quais eles sejam, não é possível dizê-lo com precisão. Variam

consoante os tipos ou formas de estabelecimento.

Há divergência na doutrina, quanto àquilo que constitui um estabelecimento.

Segundo o Dr. Coutinho de Abreu os elementos ou meios das empresas

(estabelecimento) devem limitar-se aos “fatores produtivos” – os objetos e

instrumentos de trabalho ou capital, e o trabalho e a outros bens que

primordialmente (ou também) individualizam ou identificam as empresas.

Em termos gerais, podemos apontar alguns desses elementos: coisas

corpóreas (v.g. prédios, máquinas, ferramentas, mobiliário, matérias-primas,

mercadorias), coisas incorpóreas (v.g. invenções patenteadas, modelos de

utilidade, desenhos ou modelos, marcas, logótipos), bens não coisificáveis

(jurídico-realmente), como prestações de trabalho e de serviços e certas

situações de facto com valor económico – o saber-fazer (ou tecnologia, no

sentido de conhecimento não patenteados e /ou não patenteáveis de carácter

científico, técnico ou empírico aplicados na prática empresarial, incluindo os

“segredos de negócios” – 318.º CPI).

Que dizer então dos clientes, fornecedores, financiadores?

Eles estão de algum modo ligados à empresa. Todavia, tais ligações ou

relações não são internas mas externas à mesma; não são dela componentes;

“o campo de forças” onde se situam está fora (embora ligado ao) “núcleo ”-

empresa.

E a clientela?

A clientela de uma empresa pode ser definida com o círculo ou quota de

pessoas (consumidores, em sentido amplo) que com essa empresa contactam.

Tal círculo pode ser constituído por consumidores relativamente habituais e

fixos e/ou por consumidores ocasionais. Assim, entende o Dr. Coutinho de

Abreu que a clientela não é, em rigor, elemento (algo constituinte ou

componente) da empresa, sendo antes algo consequente ao funcionamento da

“máquina” produtiva desta.

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Os créditos e os débitos?

Os créditos de um empresário, cujos objetos não sejam meios do

estabelecimento (v.g. um crédito de € 50.000,00 sobre um cliente por venda de

mercadorias) não devem considerar-se elementos empresariais não são nem

fatores produtivos nem meios primoridialmente identificadores da empresa. O

mesmo se diga dos contratos conexionados com a exploração do

estabelecimento mas cujos objetos (imediatos) não sejam elementos

empresariais (v.g. um contrato de fornecimento de fios celebrado entre um

empresário de confeções e um produtor desses fios; meios do estabelecimento

serão essas matérias primas quando adquiridas pelo sujeito da empresa de

confeções). Atento tudo o que acima foi dito, ainda menos razões se

vislumbram para qualificar de meios empresariais os débitos resultantes da

exploração do estabelecimento.

E o dinheiro?

Também entende o Dr. Coutinho de Abreu que o dinheiro não deve ser um

elemento empresarial, por ser um bem exterior ao processo produtivo e à

respetiva estrutura empresarial sustentadora: está antes (na aquisição dos

meios da empresa) e depois (resultado da realização ou comercialização dos

produtos). E quando se trespassa um estabelecimento não se transmite, por

isso, o dinheiro (depositado em bancos ou no cofre da empresa) que tenha

resultado da atividade comercial.

Contudo, poder-se-á dizer que o dinheiro, bem como os créditos e débitos

podem ser elementos (porque verdadeiros meios de produção – objetos e

meios de trabalho) de certas empresas, nomeadamente, bancárias e seguros.

Obrigação implícita de não concorrência:

A obrigação de não concorrência consiste em que o trespassante de

estabelecimento (e, eventualmente, uma ou outra pessoa mais) fica em

princípio obrigado a, num certo espaço e durante um certo tempo, não

concorrer com o trespassário (e sucessivos adquirentes), nomeadamente, fica

vinculado a não iniciar atividade similar à exercida através do estabelecimento

trespassado.

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Direito Comercial

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Fundamentos:

1) Princípio da Boa Fé na execução de contratos;

2) Princípio da Equidade

3) Usos do comércio

4) Concorrência leal

5) Dever do alienante entregar a coisa alienada e assegurar o gozo

pacífico dela, sendo este último fundamento o que mais releva, dado que o

alienante conhece as características organizativas da empresa e mantinha

relações pessoais com financiadores, fornecedores e clientes, seria pois uma

concorrência particularmente perigosa, pondo em risco a própria subsistência

da empresa alienada, impedindo uma efetiva entrega da mesma ao

adquirente.

Além do trespassante, outras pessoas podem ficar vinculadas pela

obrigação implícita de não concorrência:

1) Cônjuge do Trespassante;

2) Filhos do Trespassante, quando eles tenham colaborado na exploração

da empresa;

3) E no caso em que o Trespassante é uma sociedade?

Ficam vinculados os sócios que possuam conhecimentos relativos à

empresa trespassada indispensáveis a uma concorrência qualificada,

devido a:

i. Exercerem uma função de administração; ou,

ii. Deterem participação social dominante, exercendo efectivo controlo

sobre a sociedade

Também no lado ativo da obrigação de não concorrência (enquanto esta durar)

contam-se, não só:

1) O Trespassário; mas também,

2) Os eventuais sucessivos Trespassários.

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Esta obrigação de não concorrência tem limites, dado que a mesma se

justifica apenas na medida em que seja necessária para uma entrega efetiva

do estabelecimento trespassado.

Esses limites são objetivos, espaciais e temporais.

Limites Objetivos:

Os sujeitos passivos da obrigação, não podem:

1) (re)iniciar o exercício de uma atividade concorrente com a exercida

através da empresa trespassada, de uma atividade económica no todo ou

em parte igual ou sucedânea (se o trespassante já exercia atividade

similar noutra(s) empresa(s), não fica impedido de a continuar);

2) Desempenhar funções de direção/administração em empresa alheia e

concorrente da trespassada;

3) Entrar em sociedade com objeto idêntico ao do estabelecimento alienado,

nela passando a exercer funções de administração ou ficando a deter

posição controladora.

Limites Espaciais e Temporais:

A obrigação implícita de não concorrência vale apenas:

1) Nos lugares delimitados pelo raio de ação do estabelecimento

trespassado;

2) Durante o tempo suficiente para se consolidarem os valores de

organização e/ou exploração da empresa transmitida na esfera de um

adquirente-empresário razoavelmente diligente. (“quando a cessão da

empresa inclui aos mesmo tempo elementos de clientela e de saber-fazer,

geralmente as cláusulas de não concorrência se justificam por um período

até 3 ANOS; quando só estão incluídos elementos referentes à clientela,

em geral essas cláusulas justificam-se por um período até 2 ANOS” JOCE

n.º C 188, p. 5, n.º5)

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Direito Comercial

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Em caso de violação da obrigação, o trespassário poderá acionar os direitos

previstos para o incumprimento de obrigações, ou seja:

1) Exigir indemnização por perdas e danos (798.º CC);

2) Resolver o contrato de trespasse (801.º/2 CC);

3) Intentar ação de cumprimento (817.º CC);

4) Requer sanção pecuniária compulsória (829.º -A CC);

5) Exigir que o novo estabelecimento do obrigado seja encerrado (829.º/1

CC).

Finalmente, a obrigação implícita de não concorrência pode ser afastada

por estipulação contratual.

Trespasse de estabelecimento instalado em prédio arrendado:

Em caso de trespasse de estabelecimento comercial ou industrial instalado em

prédio arrendado, o trespassante-arrendatário pode ceder a sua posição de

arrendatário ao trespassário sem necessidade de autorização do senhorio.

(1112.º/1/a) CC). Apesar disso, para que a cedência da posição de arrendatário

seja eficaz relativamente ao senhorio, deverá ser-lhe comunicada

atempadamente (pelo trespassante ou pelo trespassário) (1112.º/3 CC). A

comunicação deverá ser feita no prazo de 15 DIAS (1038.º/g CC). Caso não o

seja, o senhorio poderá resolver o contrato (1084.º/2 CC).

Havendo comunicação ao senhorio, este, poderá ainda resolver o contrato,

quando prove que a cessão da posição de arrendatário é ilícita.

A cessão da posição de arrendatário será ilícita quando inexistir trespasse e o

senhorio não tiver dado o seu consentimento, visto que é a existência daquele

que obsta a necessidade do consentimento deste.

Diz-nos o 1112/2 CC que NÃO HÁ TRESPASSE, quando a transmissão [da

posição do arrendatário]:

a) não seja acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações,

utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento

(1112.º/2/a) CC);

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Direito Comercial

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b) vise o exercício, no prédio, de outro ramo do comércio ou indústria ou, de

um modo geral, a sua afectação a outro destino (1112.º/2/b) CC).

Para que o 1112.º/1 CC não tenha aplicação, não é suficiente que se prove não

ter sido transmitido um ou mais elementos componentes do estabelecimento;

terá de provar que sem esse(s) elemento(s) não subsiste aquele concreto

estabelecimento.

Também se considera não haver trespasse quando, no momento do negócio,

havia intenção de dar outro destino ao prédio; o cessionário da posição de

arrendatário tinha em vista (com ou sem conhecimento do cedente), não a

continuação do mesmo estabelecimento, sim a constituição no mesmo prédio,

de estabelecimento novo (com eventual aproveitamento de bens daquele) ou a

aplicação do imóvel a fins não comerciais ou industriais (habitação, por

exemplo).

A intenção de mudança de destino pode ser revelada por declarações

constantes do escrito do negócio, por declarações externas mas

concomitantes, ou, na maior parte das vezes, por factos posteriores.

O senhorio pode ainda resolver o contrato, ainda que haja trespasse, quando o

estabelecimento cuja circulação se promoveu, não se mantiver. (1112.º/5 CC).

Qual a diferença entre o 1112.º/2/b) e o 1112.º/5, ambos do CC?

Vamos entender as diferenças através de exemplo:

A declara vender e B declara comprar um bar que funciona em prédio

arrendado pertencente a C; dois meses depois, B reabre o prédio, verificando-

se então que nele passou a funcionar (somente) um restaurante. C não terá

especiais dificuldades em resolver o contrato de arrendamento com base em

inexistência de trespasse e de consentimento seu para a cessão da posição de

arrendatário, provando que a mudança de destino do prédio revela que B

pretendeu adquirir, não propriamente um estabelecimento-bar, mas antes,

essencialmente, a posição arrendatária.

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Direito Comercial

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Assim, podemos concluir:

a) A transformação do bar em restaurante revelou não ter havido trespasse

(1112.º/2/b) CC). O senhorio C pode resolver o contrato de arrendamento com

o fundamento previsto no 1083.º/2/e) CC (cessão ilícita). Mas pode fazê-lo

também com o fundamento do 1112/5CC;

b) Apesar da transformação do bar em restaurante, houve trespasse, A e B

negociaram objetivamente o estabelecimento-bar, B, no momento do negócio,

não tinha em vista exercer no prédio outro ramo de comércio. Dir-se-ia que, se

o concreto contrato de arrendamento comportasse outros fins comerciais

(incluindo restauração) – cfr. 1027.º, 1028.º, 1067.º CC -, não havia lugar para

resolução – B (tal como A anteriormente), enquanto proprietário, podia

perfeitamente converter o estabelecimento adquirido em outro estabelecimento;

era assim (e bem) no direito pregresso. Mas é para casos destes que o

1112.º/5 CC (não o 1083.º/2/c) CC) oferece ao senhorio fundamento próprio

para a resolução. A razão de ser da norma será: a lei concede ao trespassante

e ao trespassário o beneficio consagrado no 1112.º/1/a) CC (não interferência

do senhorio na cessão da posição de arrendatário) a fim de facilitar a

transmissão negocial do estabelecimento de um para o outro; se o

estabelecimento, cuja circulação se promoveu, não se mantiver, deverá então o

senhorio poder interferir na relação arrendatária, resolvendo o contrato.

c) Com base na inexistência de trespasse e de autorização para a cedência da

posição de arrendatário, C pode não só resolver o contrato de arrendamento,

mas também responsabilizar civilmente A e/ou B – quando os atos ilícitos e

culposos destes (na cessão não autorizada da posição arrendatária) lhe

causem danos (quanto a A, se for caso disso, responsabilidade contratual;

quanto a B, que responderá sempre, responsabilidade extracontratual).

d) Existindo trespasse e subsequente mudança de destino, pode C resolver o

contrato de arrendamento (1112.º/5 CC), mas não terá direito a indemnização

(a cessão da posição de arrendatário foi lícita e B, enquanto proprietário, tem o

direito de converter o seu estabelecimento).

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5.2. Locação

A locação de estabelecimento é o contrato pelo qual uma das partes se obriga

a proporcionar à outra o gozo temporário de um estabelecimento, mediante

retribuição. (1022.º CC).

Regime:

A locação de estabelecimento “rege-se pelas regras da presente subsecção

[Subsecção VIII – 1108.º a 1113.º CC], com as necessárias adaptações”

(1109.º/1/in fine CC).

Vejamos as normas aplicáveis se sondemos as “necessárias adaptações”.

1110.º/1 CC “as regras relativamente à duração, denúncia e oposição dos

contratos (…) são livremente estabelecidas pelas partes” e, supletivamente, “o

disposto quanto ao arrendamento para habitação.”

Duração do contrato:

Pode ser estipulado livremente (prazo certo ou duração indeterminada)

(1110.º/1 CC);

Se nada for estipulado, considera-se celebrado com prazo certo, pelo

período de 10 anos (1110.º/2 CC)

Denúncia do contrato:

Pode ser estipulado livremente (1110.º/1 CC);

Se nada for estipulado e foi celebrado com:

Duração por prazo certo: apenas o locatário pode denunciar o contrato

nos termos do 1098.º/2 CC;

Duração supletiva (1110.º/2 CC): apenas o locatário pode denunciar, mas

terá de fazê-lo com antecedência não inferior a um ano;

Duração indeterminada: o regime supletivo será o constante nos 1100.º;

1101.º/c) e 1104.º ex-vi 1110.º/1 CC.

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Direito Comercial

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Oposição à renovação:

A oposição à renovação subentende uma prorrogação/renovação, no entanto,

nos contratos de locação de estabelecimento, não há prorrogação/renovação

automática, assim, a menos que esta seja estipulada pelas partes, o contrato

de locação de estabelecimento caducará nos termos do 1051.º/a) CC. Porém,

se as partes preverem a prorrogação do contrato, mas não as regras relativas à

oposição à renovação, aplicar-se-á, supletivamente o 1055.º CC.

Obras: não se aplica o 1111.º CC dado que a locação de estabelecimento

comercial não é arrendamento de prédio.

Forma:

Aplica-se com a devida adaptação o disposto no 1112.º/3 CC, ou seja, o

contrato deve ser celebrado por escrito.

Aplicação do art.º 1112 do CC:

Caso em que o prédio onde o estabelecimento funciona seja do locador, não

há locação:

Se não forem incluídos no negócio elementos do âmbito mínimo da

empresa (n.º 2/a));

Se as partes visarem o “exercício, no prédio, de outro ramo de comércio

ou indústria ou, de modo geral, a sua afetação a outro destino (n.º2/b)).

Nestes casos há um contrato de arrendamento.

Caso em que o prédio onde o estabelecimento funciona é de terceiro, não há

locação:

Se não forem incluídos no negócio elementos do âmbito mínimo da

empresa (n.º 2/a));

Se as partes visarem o “exercício, no prédio, de outro ramo de comércio

ou indústria ou, de modo geral, a sua afetação a outro destino (n.º2/b)).

Nestes casos há subarrendamento, que será ilícito sem autorização do

senhorio (1038.º/f); 1049.º; 1083.º/2/e); 1109.º/2 CC).

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Por último, e de acordo com o 1113.º CC, a locação de estabelecimento não

caduca por morte do locatário, podendo embora os sucessores renunciar à

transmissão.

Âmbito de entrega:

Tal como nos casos de trespasse, a locação de estabelecimento não pode

prescindir dos elementos necessários ou essenciais para a identificação da

empresa objeto de negócios: o âmbito mínimo tem de ser respeitado (ver.

Trespasse).

Deve entender-se que a propriedade dos meios empresariais fica com o

locador, não se transmite ao locatário. O negócio de locação incide sobre o

estabelecimento unidade coisa-jurídica, não sobre singulares elementos seus;

o direito locatário sobre o todo com que fica o locatário não pode logicamente

implicar direitos de propriedade sobre as partes.

Com que direito, então, o locatário transforma e/ou aliena bens constituintes do

capital circulante e aliena bens do capital fixo que é necessário substituir?

Este poder de disposição não se funde no direito de propriedade, mas sim no

poder-dever de exploração do estabelecimento, que implica o consumo e

alienação de elementos empresariais.

Além do direito a explorar-gozar a coisa, o locatário tem, ainda, o dever de o

fazer, sob pena de a empresa sofrer diminuição do seu valor económico ou

mesmo extinguir-se, violando o contrato de locação e podendo, nesse caso, o

locador requerer a resolução (1047.º CC).

Obrigações de não concorrência:

O locador está obrigado a não concorrer num determinado espaço com o

locatário – está obrigado, designadamente, a não iniciar atividade igual ou

semelhante à exercida através do estabelecimento locado (1031.º/b) 1037.º/1

CC).

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Direito Comercial

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Terminado o contrato, e na ausência de um possível pacto de não

concorrência, fica o ex-locatário obrigado a não concorrer com o ex-locador?

Não. Segundo o Dr. Coutinho de Abreu, o ex-locatário fica livre para concorrer.

O princípio, é o da liberdade de iniciativa económica e de concorrência. É certo

que o ex-locatário pode aproveitar conhecimentos sobre a clientela e a

organização empresarial adquiridos durante a locação. Mas compete ao

locador tomar em devida conta esse risco.

Também, os simples assalariados de um empresário podem, extinta a relação

laboral, aproveitar-se dos conhecimentos ali adquiridos para se estabelecerem

(136.º CT).

Locação de Estabelecimento vs Arrendamento:

A locação de estabelecimento, mesmo quando envolve prédio(s), não é um

contrato de arrendamento (1023.º CC).

Também não é um contrato misto, associando o arrendamento de prédio e o

aluguer de estabelecimento ou dos móveis componentes do estabelecimento.

A locação de estabelecimento é um negócio unitário com objeto (mediato)

também unitário: o estabelecimento comercial.

Assim, o gozo do prédio-elemento do estabelecimento é transferido para o

locatário a título não autónomo, não há específico negócio incidindo no prédio –

o locador de estabelecimento e proprietário do imóvel não passa a senhorio, o

locador de estabelecimento e arrendatário do imóvel não cede a sua posição

arrendatária nem subarrenda, há é uma transferência do gozo do prédio

(pertencente ao senhorio) integrado no estabelecimento.

Comunicação ao senhorio:

A transferência do gozo do prédio deve ser comunicada ao senhorio no prazo

de um mês.

Faltando a comunicação no prazo devido, a cedência do gozo do prédio é

ineficaz em relação ao senhorio. Que poderá, por isso (salvo se tiver

reconhecido o beneficiário da cedência como tal – 1049.º CC), resolver o

contrato de arrendamento (que o liga ao locador do estabelecimento)

(1083.º/2/e) CC).

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6. Sinais distintivos do comércio

Estudaremos agora os sinais distintivos de empresas (logótipos e

recompensas) e de produtos (marcas, denominações de origem e indicações

geográficas).

Estes sinais não são privativos do comércio, não individualizam somente

empresas mercantis e produtos de mercancia. Daí a sua não inclusão no direito

comercial propriamente dito, mas no “direito industrial” ou “direito da

propriedade industrial”.

6.1. Logótipo

Noção: O logótipo é o signo suscetível de representação gráfica para

distinguir “entidade” ou sujeito e, eventualmente, estabelecimento(s) deste.

(304.º-A e 304.º-B CPI).

Assim, o logótipo serve primordialmente para distinguir sujeitos (individuais,

coletivos, públicos ou privados – 304.º-B CPI), que prestem serviços ou

produzam bens destinados (total ou parcialmente) ao mercado (304.º-A/2 CPI).

Quando este tenha estabelecimento, é natural que use o logótipo para

distingui-lo de outros estabelecimentos (304.º-A/2 CPI).

Assim, o logótipo é um sinal distintivo bifuncional: distingue sujeitos e

estabelecimentos.

O sujeito do logótipo não tem de ser empresário, nem tem sequer de ter

empresa ou estabelecimento.

Por outro lado, um mesmo sujeito, que pode ter uma firma ou denominação,

pode ter vários logótipos (304.º-C/2 CPI).

Elementos componentes:

O logótipo pode ser constituído por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis

de representação gráfica, nomeadamente, por elementos nominativos,

figurativos ou por uma combinação de ambos. (304.º-A/1 CPI)

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Direito Comercial

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São, assim, possíveis logótipos:

Nominativos (compostos por nomes ou palavras – nomes, firmas,

denominações (completos ou abreviados), dos respetivos titulares);

Figurativos (figuras ou desenhos);

Mistos (combinando elementos nominativos e figurativos)

Princípios:

1) Capacidade Distintiva;

2) Verdade;

3) Novidade;

4) Licitude (residual)

1) Princípio da Capacidade Distintiva: os logótipos hão-de ser constituídos

de modo a poderem desempenhar função individualizador-diferenciadora

(304.º-A/2 CPI).

Assim, não são registáveis logótipos compostos exclusivamente por sinais

referidos a entidade/estabelecimento que sejam específicos, genéricos ou

descritivos ou se tenham tornado de uso comum, ou sejam forma natural,

funcional ou esteticamente necessária de algo, ou sejam cores simples (não

combinadas de forma peculiar), exceto se, estes, antes do registo e depois do

uso e publicidade que deles haja sido feito (como logótipos), tenham adquirido

carácter distintivo (secondary meaning) (ex: “Caixa” para a CGD) – 304.º-H/1/b)

e c); 223.º/1/b) a e); 304.º-H/2 CPI.

2) Princípio da Verdade: O logótipo não tem de conter indicações acerca da

natureza, composição, atividade, etc., do respetivo titular, mas se contiver,

estas, terão de ser verdadeiras.

3) Princípio da Novidade: O logótipo de um sujeito deve ser distintivo,

inconfundível ou “novo” relativamente a logótipos de outros sujeitos. (304.º-

I/1/a) CPI).

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Um logótipo não é “novo” quando, atendendo à respetiva grafia e/ou

sonoridade, figuração ou ideografia – mormente dos núcleos caracterizantes –

o consumidor “médio” (de normal capacidade, diligência e atenção):

Não conseguir distingui-los, antes os confunda, tomando um pelo outro

e um sujeito pelo outro; ou,

Não os confundindo, erroneamente, crê que se refere a sujeitos

especialmente relacionados.

A novidade dos logótipos é exigida apenas em relação a entidades que

exercem atividades afins.

4) Princípio da licitude (residual):

É, ainda, fundamento de recusa:

A reprodução ou imitação, total ou parcial, de marca anteriormente

registada por outrem para produtos idênticos ou afins aos produzidos

ou fornecidos pela entidade que pretende o registo do logótipo, se for

suscetível de induzir o consumidor em erro ou confusão (304.º-I/1/b) CPI);

A infração de outros direitos de propriedade industrial ou direitos de

autor (304.º-I/1/c), 3/b) CPI);

a reprodução ou imitação, sem autorização, de firma ou denominação

alheias, ou de parte característica das mesas, se for susceptível de

induzir o consumidor em erro ou confusão (304.º-I/3/a) CPI);

Logótipo que contenha:

o Determinados símbolos, brasões, emblemas ou distinções, salvo

autorização (304.º-H/3/a) e b) CPI);

o Expressões ou figuras contrárias à lei, moral, ordem pública e bons

costumes (304.º-H/3/c) CPI);

o A Bandeira Nacional ou alguns elementos dela ou, entre outros

componentes, a Bandeira Nacional, quando isso seja suscetível de

provocar desrespeito ou desprestígio dela ou de algum dos seus

elementos (304.º-H/4, 5/c) CPI).

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Conteúdo e extensão do direito sobre o logótipo:

O direito de propriedade sobre o logótipo constitui-se pelo registo do mesmo no

INPI. O registo dura por 10 anos, mas é indefinidamente renovável por iguais

períodos (304.º-L CPI).

A proteção do logótipo registado dá legitimidade ao respetivo titular para:

Reclamar contra pedido de registo (feito por outrem) de logótipo ou outro

sinal não “novos” (17.º CPI);

Requer judicialmente a anulação do registo de tais sinais (304.º-R/1;

266.º/1 e 239.º/1/b) CPI);

Exigir judicialmente (inclusive em procedimento cautelar – 338.º-I CPI)

que os terceiros deixem de usar os referidos sinais (304.º-N CPI);

Exigir indemnização, sendo caso disso (338.º-L CPI);

Transmissão dos logótipos:

Os registos de logótipos, não usado em estabelecimento, podem ser

transmitidos autonomamente, salvo se for suscetível de induzir o consumidor

em erro ou confusão (304.º-P/1 CPI).

Haverá possibilidade de indução em erro ou confusão quando, por exemplo, o

logótipo contém o nome, firma ou denominação do transmitente.

Quando estes sejam usados num estabelecimento só podem ser transmitidos

com o estabelecimento, ou parte do estabelecimento, a ele ligados.

E, transmitindo-se um estabelecimento, transmite-se naturalmente com ele o

respetivo logótipo, exceto se este contiver o nome, firma ou denominação do

titular, caso em que é necessária convenção (304.º-P/3 e 31.º/5 CPI).

Forma: documento escrito (31.º/6 CPI).

Efeitos: só produz efeitos em relação a terceiros após averbamento no INPI

(30.º/1/a); 30.º/2 CPI).

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Extinção do direito sobre o logótipo:

O registo do logótipo é nulo, nas hipóteses previstas no 33.º/1 CPI, ou quando

haja violação do disposto no 304.º-H/1, 3 a 5 CPI.

A nulidade é invocável a todo tempo por qualquer interessado (33.º/2 CPI) e a

declaração tem de ser feita por tribunal (35.º/1 CPI).

O registo do logótipo é anulável, quando tiver sido desrespeitado o disposto no

304.º-I CPI (304.º-R/1 CPI).

A ação de anulação pode ser proposta pelo M.P. ou qualquer interessado, no

prazo de:

10 anos a contar do despacho de concessão de registo, se tiver sido feito

de boa fé;

Ilimitado, se tiver sido feito de má-fé (com conhecimento da existência das

proibições) – 304.º-R/2 e 3 CPI.

O registo de logótipo caduca:

Quando tiver expirado o seu prazo de duração;

Por falta de pagamento de taxas (37.º/1 CPI);

Por motivo de encerramento e liquidação do estabelecimento ou extinção

da entidade (304.º-S/a) CPI)

Por falta de uso do logótipo durante cinco anos consecutivos, salvo justo

motivo (304.º-S/b) CPI).

O titular do logótipo pode também renunciar ao respectivo direito (38.º CPI)

6.2. Marca

Noção: são signos (ou sinais) suscetíveis de representação gráfica destinados

sobretudo a distinguir certos produtos de outros produtos idênticos ou afins.

(222.º/1 CPI)

“Produtos” – são bens que resultam da atividade produtiva – bens materiais

ou corpóreos e bens imateriais ou serviços.

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Direito Comercial

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Os bens assinalados por uma determinada marca não têm de ser “de uma

empresa”, podem ser produtos de não-empresa, e produtos de mais do que

uma empresa.

Classificação das Marcas

Quanto à natureza das atividades, podem ser do(a)(e):

1) Indústria: assinalam produtos da indústria transformadora extrativa;

2) Comércio: assinalam bens comercializados por grossistas e retalhistas;

3) Agricultura: assinalam produtos da agricultura em sentido amplo;

4) Serviços: assinalam atividades do sector terciário – ex: agências de

viagens/publicidade, bancos…)

Quanto aos elementos componentes, podem ser marcas:

1) Nominativas: constituídas por nomes ou palavras;

2) Figurativas: formadas por figuras ou desenhos;

3) Constituídas por letras e números; ou

4) Cores;

5) Mistas: juntam elementos nominativos e figurativos, ou letras, números;

6) Auditivas: constituídas por sons representáveis graficamente;

7) Tridimensionais ou de forma: com comprimento/largura/altura; e, ainda,

8) Simples: constituídas por um só elemento;

9) Complexas: compostas por vários elementos, do mesmo género ou não.

Quanto aos possíveis titulares das marcas, temos os:

1) Empresários: sujeitos de empresas em sentido objetivo;

2) Não-Empresários

Quanto ao regime de proteção, temos as marcas:

1) Registadas (224.º/1 CPI)

2) Não Registadas (227.º CPI)

3) Notórias (241.º CPI)

4) Prestígio (242.º CPI)

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Direito Comercial

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Funções das marcas:

1) Função de Indicação de origem: as marcas têm como objetivo distinguir

produtores, ou seja relacionam os produtos com determinada fonte produtiva

ou de proveniência;

2) Função de Garantia de Qualidade: Há a imposição de uma constância

qualitativa dos produtos ou serviços para os quais a marca foi registada. Na

verdade, o registo caduca se, após a data em que foi efetuado “a marca se

tornar suscetível de induzir o público em erro, nomeadamente acerca…da

qualidade…, no seguimento do uso feito pelo titular da marca, ou por terceiro

com o seu consentimento, para os produtos ou serviços para que foi registada”

(269.º/2/b) CPI). Este preceito que impõe a constância qualitativa não deve,

contudo, ser interpretado em sentido estrito. São naturalmente permitidas

melhoras qualitativas; e também não são ilícitas pioras não essenciais (o

produto mantém substancial-qualitativamente idêntico). Ilícitas são as

diminuições de qualidade suscetíveis de induzir o público em erro, ié,

deteriorações qualitativas sensíveis e ocultas ou não declaradas ao público.

Há ainda autores que defendem uma função publicitária da marca.

Princípios informadores da constituição das marcas

1) Capacidade Distintiva

2) Verdade

3) Licitude (residual)

4) Novidade e especialidade

1) Capacidade Distintiva: Os sinais, para serem marcas, hão-de ser capazes

de individualizar e distinguir produtos (222.º; 223.º/1/a) CPI). Assim, não podem

ser marcas “os sinais constituídos, exclusivamente, por indicações que

possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade,

o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do

produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos”

(223.º/1/c) CPI).

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Direito Comercial

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Dizendo de outro modo:

Não são marcas os sinais (exclusivamente) específicos, descritivos e

genéricos, de uso comum, sendo que entendemos por:

Específicos: signos que designam ou denotam a “espécie” dos produtos –

nomes comuns dos produtos ou figuras que os exprimem (ex: a palavra “ovo”

ou o retrato de um ovo, não podem ser marcas de ovos);

Descritivos: referem-se diretamente a características ou propriedades dos

produtos:

“qualidade”: “Pura Lã” para vestuário;

“quantidade”: “1 Kg” para pedaços de presunto;

“destino”: “Cabedais” para pomada;

“valor”: “pechincha”;

“época de produção do serviço”: “Toda a hora”, para os serviços de uma

clínica;

“proveniência geográfica”: “Coimbra” para louças fabricadas nessa

cidade.

Genéricos: designam o género ou categoria de produtos onde se incluem os

produtos (-espécie) que se pretende marcar com um desses sinais (ex:

“Refresco” para laranjadas)

Uso Comum: (ex: desenho retratando peixe, para artigos de pesca; palavras

“super”; “óptimo”; “excelência”, “extra”; “ideal” para qualificar quaisquer

produtos (223.º/1/d) CPI)

Nem todas as formas dos produtos ou embalagens são suscetíveis de

constituir marcas. Não podem ser marcas as formas sem qualquer capacidade

distintiva nem as formas cujo carácter distintivo não releva no campo das

marcas – não são marcas as formas natural (forma usual/normal de que se

revestem os bens a cujo género ou espécie pertence o produto), funcional

(forma dada a um objeto de que resulta um aumento da utilidade ou melhoria

do aproveitamento do mesmo) ou esteticamente necessárias (que influi

decisivamente no valor comercial do produto) (223.º/1/b) CPI). Por

conseguinte, só as formas “arbitrárias” ou não “necessárias” podem ser

marcas.

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Direito Comercial

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Ainda, por falta de capacidade distintiva, uma única cor não pode ser marca; é

possível, porém, constituir uma marca com duas ou mais cores, quando “forem

combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma

peculiar e distinta” (223.º/1 CPI)

2) Verdade: A marca é verdadeira se não for decetiva ou enganosa.

São irregistáveis as marcas que, em todos ou alguns elementos, contenham

sinais que sejam suscetíveis de induzir o público em erro, nomeadamente

sobre:

A natureza;

Qualidades;

Utilidade;

Proveniência geográfica do produto ou serviço, quanto a esta temos de

levar em conta o ss.:

o Os produtos são originários da localidade/região: Pode ser incluído na

marca!

o Os produtos não são originários da localidade/região:

O sinal é uma “denominação de origem”/”indicação geográfica”: Não

pode ser incluído na marca!

O sinal não é uma “denominação de origem”/”indicação geográfica”,

mas é suficientemente conhecido para induzir o público em erro

quanto à sua proveniência: Não pode ser incluído na marca!

O sinal geográfico é pouco conhecido, surgindo aos olhos do público

como fantasia: Pode ser incluído na marca!

3) Licitude (Residual): São ainda suscetíveis de recusa os registos de marca

que:

Contenha, símbolos, brasões, emblemas ou distinções, salvo se

autorizadas (238.º/4/a) e b) CPI)

Expressões ou figuras contrárias à lei, moral, ordem pública e bons

costumes (al. c));

A bandeira nacional ou alguns dos seus elementos (n.º 5); ou,

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Entre outros componentes, a bandeira nacional, quando tal seja

suscetível de provocar desrespeito ou desprestígio dela ou de algum dos

seus elementos (n.º 6/c));

Reprodução ou imitação, total ou parcial (em marca), de logótipo

anteriormente registado pertencente a sujeito que produz bens idênticos

ou afins àqueles a que a marca se destina, ou de firma ou denominação

que não pertençam ao requerente de marca não autorizado, se estes

forem suscetíveis de induzir o consumidor em erro ou confusão

(239.º/1/b); 2/a) CPI);

A infração de outros direitos de propriedade industrial ou de direitos de

autor (n.º 1/c); 2/b) CPI);

Reprodução de nomes ou retratos de pessoas sem autorização (al. d));

4) Novidade e Especialidade: As marcas têm de ser novas (princípio da

novidade), distintas ou inconfundíveis, mas tal novidade apenas tem de

afirmar-se no âmbito de produtos idênticos ou afins (princípio da

especialidade).

A razão de ser desta recusa deve-se com o acautelar do risco de erro ou

confusão por parte de consumidores/utilizadores, deverá ser aferida, portanto,

à luz de um consumidor destinatário médio (nem particularmente atento, nem

particularmente distraído) daquele tipo de produtos. O risco de confusão deve

ser entendido em sentido lato, de modo a abarcar tanto o risco de os

consumidores serem induzidos a tomar uma marca por outra e,

consequentemente, um produto por outro (os consumidores creem

erroneamente tratar-se da mesma marca e do mesmo produto); como o de,

distinguindo embora os sinais, ligarem um ao outro e, em consequência, um

produto ao outro (creem erroneamente tratar-se de marcas e produtos

imputáveis a sujeitos com relações de coligação ou licença, ou tratar-se de

marcas comunicando análogas qualidades dos produtos).

O risco de confusão é maior quando a marca registada é “forte”, ou muito

conhecida: a marca que se pretende registar tem então de apresentar maiores

dissemelhanças a fim de não induzir o público em erro.

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Para melhor entendermos vamos analisar o seguinte:

São afins ou semelhantes os produtos:

Com natureza ou características próximas e finalidades idênticas ou

similares (ex: vinho verde, vinho maduro; esferográfica e canetas).

De natureza marcadamente diversa mas com finalidades idênticas ou

semelhantes (ex: fios de linho, fios de seda para confeções).

Economicamente complementares (ex: artigos de couro e pomadas para

tratar couro).

A semelhança ou parecença das marcas pode ser de natureza:

Gráfica (marcas nominativas, com letras ou números);

Figurativa (marcas figurativas ou tridimensionais);

Fonética (marcas nominativas, com letras ou números);

Sonora (marcas auditivas) (245.º/1/c) CPI)

Registo

Para que se constitua um direito de propriedade sobre uma marca é preciso

que a mesma seja registada (no INPI) (224.º CPI), o processo normal de

registo é regulado pelos art. 233.º e ss.

Tem prioridade para o registo quem primeiro apresentar regularmente o

respetivo registo;

Aquele que usar marca livre ou não registada por prazo não superior a 6

meses tem, durante esse prazo, direito de prioridade para efetuar o

registo (227.º/1 CPI)

Os direitos conferidos pelo registo de marca no nosso país são eficazes

em todo o território nacional (4.º/1 CPI).

O registo da marca confere ao seu titular o direito de:

o Usá-la para assinalar os produtos respetivos;

o Utilizá-la na publicidade;

o Transmiti-la/cedê-la em licença de exploração (31.º; 32.º; 262.º; 264.º

CPI);

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o Reclamar contra pedido de registo feito por outrem de marca idêntica ou

semelhante (236.º; 237.º; 239.º/1/a) CPI);

o Propor ação de anulação de registo concedido contra o acima disposto

(266.º/1 CPI);

o Requer judicialmente medidas inibitórias contra violações do seu direito

(338.º-I; 338-N CPI); bem como indemnizações (338.º-L CPI)

O direito do titular de marca é protegido criminal e

contra-ordenacionalmente (323.º; 324.º; 336.º; 319.º CPI).

Como devemos entender o 258.º CPI?

É proibido o uso de sinais confundíveis com a marca registada “no exercício

de atividades económicas”. Não há ofensa do direito à marca quando numa

roda de amigos falamos depreciativamente de certa marca; ou quando um

dirigente de associação de consumidores menciona em entrevista determinada

marca para referir os malefícios de alguns dos componentes dos produtos

respetivos.

Limitações aos direitos conferidos pelo registo

Por outro lado, o titular de marca registada não tem o direito de impedir que

terceiros usem na sua atividade económica o seu próprio nome e endereço ou

indicações relativas à espécie, qualidade, quantidade, destino, valor,

proveniência geográfica e outras características dos produtos – apesar de tais

signos serem idênticos ou semelhantes à marca e respeitarem a produtos

idênticos ou afins.

No entanto, o uso (pelos terceiros) deverá ser feito em conformidade com as

normas e usos honestos em matéria profissional (260.º/a) e b) CPI), ou seja, os

aludidos signos hão-de aparecer em função descritiva, não como marcas.

Outra limitação aos direitos conferidos, prende-se com o princípio do

esgotamento, ou seja, os direitos conferidos pela marca esgotam-se

relativamente aos produtos colocados no mercado pelo titular da marca ou por

terceiro com o seu consentimento (ex: concessionário; sociedade filial…).

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Proteção das marcas de facto, livres ou não registadas

As marcas de facto, além de poderem gozar do já referido direito de prioridade

para o registo (227.º CPI), podem ser também protegidas por efeito do disposto

no 239.º/1/e) CPI. Assim, deve ser recusado o registo de marca idêntica ou

confundível com marca de facto quando se reconheça que o requerente

“pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível

independentemente da sua intenção” (317.º/a); 266.º/1 CPI)

De proteção igual gozam as marcas de facto “notoriamente conhecidas”

(aquelas que são notoriamente conhecidas no nosso país, nos círculos dos

consumidores/utilizadores dos produtos em causa, notoriedade que pode

resultar do uso das marcas e/ou da publicidade feita às mesmas (241.º/1 CPI).

Proteção semelhante é concedida às marcas de prestígio não registadas

(242.º CPI).

Significa isto que:

O titular de uma destas marcas o direito de:

o Reclamar, depois de ter efetuado o pedido de registo da marca

notória/prestígio, contra requerimento de registo de marca que

reproduza ou imite a sua marca (241.º/2 CPI);

o Pedir a anulação do registo (266.º/1 e 2 CPI);

Mesmo antes do registo da marca notoriamente conhecida/de prestígio

(mas depois do respetivo registo), o terceiro que a use, contrafaça ou

imite está sujeito a responsabilidade criminal (323.º/d); 324.º CPI).

Transmissão e licenças:

A marca registada é transmissível a título gratuito ou oneroso

independentemente do estabelecimento, “se tal não for suscetível de induzir

o público em erro quanto à proveniência do produto/serviço ou aos caracteres

essenciais para sua apreciação” (262.º/1 e 3 CPI)

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Assim, por poder induzir o público em erro, será ilícita a transmissão autónoma

(sem estabelecimento) da marca quando:

o Esta contenha o nome ou firma do transmitente;

o Esta contenha recompensas atribuídas ao transmitente;

o Os produtos do transmissário sejam de natureza diversa ou de qualidade

consideravelmente inferior à do transmitente.

Trespasse ou locação de estabelecimento comercial: há transmissão natural da

marca.

Através de contrato (oneroso ou gratuito) pode o titular de uma marca

registada cedê-la a terceiro em licença de uso ou exploração. A licença

pode ser total ou parcial (para todos ou parte dos produtos), destinada a certa

zona ou a todo o território nacional, vigente por todo o tempo do registo ou por

prazo inferior; exclusiva (obrigando-se o licenciante a não conceder outras

licenças para a zona acordada enquanto aquela vigorar) ou não exclusiva.

“Salvo estipulação expressa em contrário, o licenciado goza, para todos os

efeitos legais, as faculdades conferidas ao titular do direito objeto da licença”

(32.º/4 CPI). Todavia, o licenciado não pode ceder a sua posição contratual

nem conceder sublicenças sem consentimento por escrito do licenciante (32.º/8

e 9 CPI).

Pode o licenciante controlar a qualidade dos produtos com a sua marca?

A lei não prevê esse poder, nem o dever de o licenciado respeitar os critérios

de qualidade prosseguidos pelo licenciante. Contudo, este, poderá recorrer ao

regime de caducidade (269.º/2/b) CPI) ou garantir que o contrato de licença

preveja algo sobre a qualidade dos produtos, que a não ser cumprido possa ser

invocado pelo licenciante (264.º CPI).

Forma: Documento escrito (31.º/6; 32.º/3 CPI)

Efeitos: Só produz efeitos com relação a terceiros depois de averbamento no

INPI (30.º/1/a) e b) e 2 CPI)

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Extinção do registo das marcas:

1) Nulidade:

Segundo o 265.º/1 CPI o registo de marca é nulo nos casos previstos no 33.º/1,

e quando na sua concessão tenha sido desrespeitado o disposto no 238.º/1, 4

a 6 CPI.

A declaração de anulação é requerível a todo no tempo por qualquer

interessado ou pelo MP. (33.º/2; 35.º/1 e 2 CPI)

2) Anulação:

É anulável o registo de marca quando a sua concessão tenha infringido o

previsto nos 239.º a 242.º (266.º/1 CPI). As ações de anulação podem ser

propostas pelo MP ou por qualquer interessado no prazo de 10 anos a contar

da data do despacho de concessão do registo (35.º/1, 2; 266.º/4 CPI), porém, o

“titular de uma marca registada que, tendo conhecimento do facto, tiver

tolerado, durante um período de 5 anos consecutivos, o uso de uma marca

registada posterior, deixa de ter o direito, com base na sua marca anterior, a

requerer a anulação do registo da marca posterior. Não prescreve o direito de

pedir anulação de marca registada de má fé (266.º/4 CPI).

3) Caducidade:

O registo da marca caduca:

Independentemente da invocação da causa (37.º/1 CPI):

a. Quando tiver expirado o seu prazo de duração

b. Por falta de pagamento de taxas

Se as respetivas causas forem invocadas por interessado e houver a

correspondente declaração do INPI (37.º/2 e 270.º CPI):

a. Se a marca não tiver sido objeto de uso sério durante 5 anos

consecutivos sem justo motivo (269.º/1 CPI);

b. Se a marca se tiver transformado na designação usual no comércio do

produto para que foi registada, em consequência de atividade ou

inatividade do titular (269.º/2/a) CPI);

c. Se a marca se tiver tornado decetiva (269.º/2/b) CPI).

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4) Renúncia:

Por declaração unilateral receptícia (dirigida ao INPI), pode o titular de marca

renunciar (total ou parcialmente) ao direito de propriedade sobre ela (38.º/1 e 2

CPI).

7. Sociedades Comerciais

A sociedade tem que se revestir de um tipo característico de sociedade

comercial e a obrigatoriedade de respeitar o regime estabelecido na lei

comercial para essa sociedade.

As Sociedades comerciais são pessoas coletivas.

Art. 13º/2º do Código Comercial, “As sociedades comerciais”.

A natureza dos comerciantes não se compra, vende. O comerciante é

comerciante porque pratica atos de comércio, se dedicam a essa área e

preenchem os requisitos.

Art. 18º do C.Com «Obrigações especiais dos comerciantes». D.L. 339/95

As pessoas coletivas (S.A., Sociedades Coletivas) que praticam atos de

comércio e fazem dela uma profissão.

Art. 160º/1º do CC «Capacidade», “A capacidade das pessoas coletivas

abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à

prossecução dos seus fins”.

8. Títulos de crédito

Tem autonomia face ao direito subjacente – O direito cartular tem a sua origem

numa relação jurídica cronologicamente anterior ao surgimento do título de

crédito (relação subjacente ou fundamental). Porém, ele é novo, diferente e

autónomo do direito subjacente ou fundamental, tendo um regime próprio. Por

esta razão, não podem ser opostos ao portador do título, em princípio,

quaisquer exceções emergentes da relação fundamental (art. 17º Lei Uniforme

das Letras e Livranças).

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Direito Comercial

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A autonomia face aos portadores anteriores - O direito cartular é autónomo

porque cada possuidor do título ao adquiri-lo segundo a lei de circulação

adquire o direito nele referido de um modo originário, isto é,

independentemente da titularidade do seu antecessor e dos possíveis vícios

dessa titularidade, como se o direito tivesse nascido.

Títulos de crédito propriamente ditos: incorporam direitos de crédito em sentido

estrito, geralmente direitos a uma prestação pecuniária (Ex.: letras, cheques e

livranças); Títulos ao portador: não identificam o seu titular e transmitem-se

por mera entrega do documento: o titular é o detentor do documento (Ex.:

bilhetes de lotaria).

Títulos nominativos: mencionam o nome do seu titular e a sua circulação

exige um formalismo complexo, do qual é exemplo o regime da circulação das

ações nominativas: para que a sua transmissão seja válida é necessário que o

transmitente exare no próprio título a transmissão e que fique lavrado o nome

do novo titular;

Títulos à ordem: mencionam o nome do seu titular e transmitem-se por

endosso, que consiste numa declaração escrita, aposta no verso do título, na

qual o devedor manifesta a vontade de transmitir o direito incorporado ou

ordena ao devedor que cumpra aquela obrigação para com o transmissário.

O título de crédito, é um documento escrito geralmente em papel, o que o torna

facilmente perecível ou degradável, exposto ao risco de perda ou extravio,

voluntária ou involuntariamente. A característica da incorporação implica que o

direito cartular só pode ser exercido ou transmitido mediante a posse material

do título. Ora, se a destruição do documento implica a destruição do título de

crédito, fica impossibilitado o exercício ou transmissão do respetivo direito

cartular. A lei permite que os títulos de crédito transmissíveis por endosso

sejam reformados judicialmente a requerimento do respetivo proprietário,

justificando o seu direito e o facto que motiva a reforma (artigo 484 Código

Comercial). A reforma consiste na reconstituição do título, através da emissão

de um novo documento, equivalente ao que foi destruído ou extraviado,

possibilitando. E isto porque o título reformado equivale juridicamente ao que

desapareceu, como se fosse o mesmo documento.

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Normalmente a concessão de crédito diz respeito ao favorecimento de um

devedor de uma determinada prestação já que lhe facilita temporalmente a

realização da prestação a que está adstrito (p.ex. numa compra e venda em

que se convenciona o pagamento do preço ou de parte dele, a prazo).

Mas acontece também que em determinadas situações o crédito é ele próprio a

causa-motivo do negócio (p. ex. o contrato de empréstimo em que o devedor

pretende obter uma determinada prestação contra o diferimento da sua).

O crédito implica por conseguinte a confiança do credor na solvabilidade do

devedor e o decurso do tempo que medeia a prestação do credor e prestação

do devedor.

Os títulos de crédito são antes de mais documentos que, contudo, devem

obedecer a uma forma escrita. Por outro lado, os títulos de crédito comprovam

determinados factos, não sendo todavia meros documentos probatórios. Antes,

porém, os títulos de crédito são documentos indispensáveis para a própria

constituição dos direitos que neles são mencionados. No entanto, ao contrário

da escritura pública que é também um documento escrito constitutivo do direito

de propriedade sobre um determinado imóvel mas cuja função se esgota com a

própria celebração do ato de constituição, o título de crédito tem uma função

que ultrapassa a constituição do direito. O título adere ao direito a que está

subjacente sendo dessa forma indispensável para o próprio exercício do direito.

Os títulos de crédito destinam-se assim a tornar mais simples, rápida e segura

a circulação da riqueza e a concessão do crédito. E isto porque é bastante

mais fácil e seguro transmitir papeis escritos do que os próprios bens a que

eles se referem.

8.1. Letra

É uma ordem de pagamento (saque) dada em documento, por determinada

pessoa (sacador) a outra (sacado), a favor de alguém (tomador, que pode ser o

sacador ou um terceiro), de uma quantia certa e determinada. A emissão de

uma letra de câmbio está sujeita a um estrito formalismo, subordinado à Lei

Uniforme das Letras e Livranças (LULL). Tal formalismo impõe uma análise

mais profunda e detalhada do regime jurídico deste título de crédito.

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Nas transmissões entre vivos, a letra circula de forma típica através do

endosso, salvo se contiver a menção “não à ordem” ou outra de sentido

equivalente. É, portanto, um título à ordem. O endosso consiste numa nova

ordem de pagamento ao sacado para pagar ao beneficiário do endosso (o

endossado) a quantia constante da letra.

Formaliza-se, em princípio, por uma declaração de transmissão escrita na

própria letra ou no seu anexo, contendo o nome do sujeito a favor de quem é

efetuado e a assinatura do endossante: este é o chamado endosso completo, e

é feito em qualquer ponto da letra. Contudo, admite-se que o endosso seja feito

sem o nome do endossado e o endosso em branco (endosso que consiste

meramente na assinatura do endossante, que deve ser aposta no verso do

título).

O primeiro endossante deve ser o tomador. Além da transmissão, o endosso

opera uma legitimação, pois é pela sucessão ininterrupta de endossos, a partir

do primeiro endosso feito pelo tomador, que o portador é legitimado. Além da

legitimação, o endossante assume, nessa qualidade e pelo endosso, a posição

de obrigado cambiário.

A letra também pode circular mediante sucessão por morte, nos termos gerais

desta, e, entre vivos, pela forma e com os efeitos da cessão ordinária de

créditos, caso contenha a cláusula “não à ordem”.

O aceitante é o obrigado principal da letra mas não é o único nem o primeiro. O

sacador, ao dar a ordem, assume também uma obrigação perante o tomador e

os futuros portadores da letra: garante-lhe que o sacado aceitará e que, tendo

aceite, pagará. Caso assim não seja, ele próprio pagará a letra. Acresce que, e

como cada endosso é uma nova ordem ao sacado, cada endossante assume

também uma obrigação de garantia perante o seu endossado e os endossados

(portadores) seguintes. Note-se, porém, que cada endossante se obriga

apenas para o futuro, perante aqueles que vierem depois de si e do seu

endosso na cadeia de transmissões – contudo, o endossante pode obstar a

este efeito mediante cláusula em contrário, ou a partir do seu endossado se

apuser à letra a proibição de endosso. Pode, além do obrigado principal e

destes obrigados de garantia, existir um outro.

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8.2. Cheque

É um documento em que um sujeito (sacador) dá uma ordem de pagamento a

um banqueiro (sacado) a favor de si próprio, de outrem ou sem beneficiário

identificado (cheque ao portador) de uma quantia certa e determinada. O

cheque pressupõe a existência de um contrato de depósito previamente

celebrado entre o sacador e o sacado, a partir do qual se constitui uma

provisão de fundos, bem como uma convenção entre ambos no sentido de a

mobilização dos fundos ser feita por meio de cheques (convenção de cheque).

O regime jurídico deste título de crédito encontra-se regulado na Lei Uniforme

relativa ao Cheque.

8.3. Livrança

É um documento que incorpora uma promessa de pagamento de um sujeito (o

subscritor) a favor de outro (o tomador) de uma quantia certa e determinada. A

livrança pode desempenhar uma função idêntica à da letra, mas é normalmente

utilizada como garantia no contexto de um contrato de mútuo ou empréstimo

bancário. À livrança aplica-se, em geral, o regime das letras – é o que resulta

do disposto no artigo 77.º da LULL. É de relevar que, na livrança, o subscritor

tem a posição e a obrigação correspondente à do sacado aceitante.

8.4. O Aval

Consiste numa declaração pela qual um sujeito, já obrigado cambiário ou não,

garante o pagamento por um obrigado cambiário. A obrigação assumida pelo

avalista tem a mesma extensão e conteúdo da obrigação do avalizado.

O avalista que pague fica com o direito de obter o pagamento do avalizado e

também daqueles contra os quais o avalizado poderia obter o pagamento se

tivesse sido ele a pagar. O aval mantém-se ainda que a obrigação garantida

seja nula (salvo se a nulidade for por vício de forma) e figura normalmente com

a expressão “bom para aval” com a assinatura do avalista.

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A ordem de pagamento que está inscrita numa letra de câmbio surge marcada

por uma dilação de vencimento sobre a data da sua emissão. A lei estatui que

as letras com vencimentos diferentes ou com vencimentos sucessivos são

nulas (art. 33º LULL). As letras são pagáveis à vista, vencendo-se mediante a

simples apresentação ao sacado, o que deverá ser feito no prazo de um ano a

contar da data de vencimento, podendo o sacador aumentar ou reduzir esse

prazo e os endossantes encurtá-lo (art. 34º LULL).

Também pode o sacador estabelecer que a letra não seja apresentada antes

de certa data, contando-se então o prazo a partir desta (art. 34º LULL). Na letra

a certo termo de vista, o prazo de vencimento conta-se a partir da data do

aceite ou da data do protesto por falta de aceite.

Quanto às letras pagáveis em dia fixo ou a certo termo de data ou de vista,

deverão ser apresentadas a pagamento na data do vencimento ou num dos

dois dias úteis seguintes (art. 38º LULL).

8.5 A destruição e extravio do documento: a reforma dos

títulos de crédito

O título de crédito é um objeto material, um documento escrito geralmente em

papel, o que o torna muito facilmente perecível ou degradável, assim como

sujeito a numerosas causas de perda ou extravio, voluntárias ou involuntárias.

Ora, a característica da incorporação ou legitimação implica que só pode ser

exercido ou transmitido o direito cartolar mediante a posse material do título. E,

por isso, a destruição do documento implica a destruição do título de crédito,

pois impossibilita o exercício ou transmissão do respetivo direito.

A reforma consiste na reconstituição do título, através da emissão de um novo

documento, equivalente ao que foi destruído ou extraviado, possibilitando

assim a incorporação do direito no novo título, ou seja, que o titular fique de

novo legitimado para o seu exercício ou para fazer circular o direito. E isto

porque o título reformado equivale juridicamente ao que desapareceu, como se

fosse o mesmo documento (art. 484º CCom).

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BIBLIOGRAFIA

Curso de Direito Comercial Volume I – Jorge Manuel Coutinho de Abreu

Editora - Edições Almedina

Lições de Direito Comercial – Rui Teixeira Santos, Editora – Bnomics 2013