Seco Molhado

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PORTOS SECOS E “MOLHADOS” Futura rede de bitola europeia espanhola Se nada for feito Portugal ficará dependente de 3 portos secos e do porto de Vigo Vigo Porto seco Porto de mar Rui Rodrigues Site: www.maquinistas.org (Ver Opinião) Email [email protected] Data: Público, 9 de Maio de 2005

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PORTOS SECOS E “MOLHADOS”

Futura rede de bitola europeia espanhola

Se nada for feito Portugal ficará dependente de 3 portos secos e doporto de Vigo

Vigo

Porto seco

Porto de mar

Rui Rodrigues

Site: www.maquinistas.org (Ver Opinião) Email [email protected] Data: Público, 9 de Maio de 2005

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PORTOS SECOS E MOLHADOS

TRANSPORTE FERROVIÁRIO DE MERCADORIAS

Em 1997, a União Europeia definiu corredores de transporte ferroviários europeus. O

estabelecimento de um desses corredores, que liga o sul ao centro da Europa, levou a que

um porto Italiano, o de Gioia Tauro que, há poucos anos, era praticamente desconhecido,

passasse a ser o porto com maior volume de transporte de contentores do Mediterrâneo,

ultrapassando os portos de Barcelona, Valência e Algeciras, apesar de estes terem

condições de funcionamento muito superiores. A explicação deste facto é muito simples –

deve-se essencialmente à diferença de bitola (distância entre carris) entre o país vizinho e o

resto da Europa, o que origina perdas de tempo na fronteira francesa e aumenta os custos.

Movimento de contentores TEU - Twenty Equivalent

689324 767236

971921

15830

571951

1448800

0 200000 400000 600000 800000

1000000 1200000 1400000 1600000

1995 1996 1997

Barcelona Gioia Tauro

Gioia Tauro passou a ser o porto com maior volume de transporte de contentores do Mediterrâneo. Porto de Barcelona foi ultrapassado por não ter bitola europeia

Este problema obriga os operadores europeus a evitar o transporte de mercadorias por

Espanha e Portugal, levando-os a escolher os portos Italianos ou os de outros países a norte

da Europa. Consciente de toda esta situação, o País vizinho irá alterar progressivamente a

sua bitola. A ferrovia não poderá competir com a rodovia enquanto esta situação se mantiver.

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A Espanha está a construir uma nova rede ferroviária que vai cobrir todo o seu

território e que irá permitir o livre trânsito dos comboios de mercadorias e passageiros para a

U.E, através de linhas mistas de bitola europeia que vão ser colocadas na nossa fronteira

em 4 pontos: Vigo, Salamanca, Badajoz e Huelva, sendo a de Badajoz em Alta Velocidade

(AV) e as restantes em Velocidade Elevada (VE).

Além destas linhas, também serão construídos 3 importantes portos secos na Galiza,

Salamanca e Badajoz. Um porto seco é um terminal intermodal de mercadorias rodo-

ferroviário, situado no interior de um país e que possui uma ligação directa a um porto

marítimo.

A liberalização do transporte ferroviário de mercadorias vai permitir que qualquer

empresa utilize a rede ferroviária para efectuar o transporte entre os diferentes países da

Europa, em linhas de bitola standard. No futuro, estas terão a possibilidade de entrar em novas

actividades associadas ao transporte, como a distribuição e armazenagem. Será uma actividade

económica cada vez mais importante pela simples razão de que uma empresa pode dispor de

excelentes produtos, mas não os poderá exportar se não possuir uma boa rede de transportes e

de distribuição que leve as suas mercadorias até aos grandes centros de consumo.

Os referidos portos secos serão um investimento muito importante, pois irão estar

conectados a toda a Espanha bem como à U.E.

Neste momento, a U. E. já é constituída por 25 países e um total de 500 milhões de

habitantes. Esta nova realidade provocou um enorme aumento do transporte de mercadorias

e está a causar a saturação das vias rodoviárias. O modo ferroviário poderá ser uma

verdadeira alternativa desde que se resolvam os graves problemas de interoperabilidade

entre as diferentes redes dos países que compõem a U.E, pois os comboios são mais

económicos, fiáveis e poluem muito menos que o camião.

NOTA Infelizmente, Portugal não possui nenhuma linha de bitola europeia e, mais grave,

está muito atrasado pois, apesar da RAVE (empresa que está a estudar a nova rede de bitola europeia) ter sido criada em Dezembro de 2000, ainda não possui nenhum projecto de execução. Já foram gastos milhões de euros em estudos e, neste momento, os responsáveis ainda nem possuem certezas nem decisões. Iremos ver, seguidamente, as várias situações que poderão ocorrer relativamente aos futuros projectos ligados à ferrovia.

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SE NADA FOR FEITO?

Esta seria a pior das situações porque o nosso País ficaria dependente dos portos

secos junto à nossa fronteira e, provavelmente, iremos assistir ao transporte diário de

contentores através de camiões TIR desde os referidos portos secos até aos nossos centros

de consumo. Serão empresas estrangeiras a explorar um negócio que também poderia estar

ao nosso alcance, desde que se prolonguem as linhas transversais desde Salamanca a

Aveiro e de Badajoz até à margem Sul.

Neste caso Portugal ficará, em termos ferroviários, completamente isolado da U. E. e

as consequências económicas serão bastante graves, uma vez que se tornará menos

atraente para o investimento nacional e estrangeiro. Provavelmente, até algumas empresas

se irão deslocar para o País vizinho, por forma a terem acesso a um meio de transporte que

lhes coloque os seus produtos a mais baixo custo nos restantes países da U. E.

NOTA Finalmente, existe outro problema que brevemente será um grave constrangimento à

circulação das mercadorias por rodovia e que se trata do grande aumento de camiões TIR nos Pirinéus. Em 1993, quando se iniciou o mercado único, o número de camiões TIR, por dia, naquela fronteira, aproximava-se dos 3000. Hoje, e só pela Fronteira de Irun, já circulam, por dia, 15000 camiões TIR e o crescimento anual atinge uma taxa de 10 %. Se não forem tomadas medidas urgentes, as auto-estradas e vias mais importantes ficarão saturadas.

Relativamente aos portos de mar, ou portos molhados, o mais interessante da costa

Atlântica vai ser o porto de Vigo pela simples razão de que estará ligado à rede de bitola

europeia, que cobrirá o território espanhol e a U.E. e os nossos portos serão ainda menos

atraentes para os operadores. Irá suceder, provavelmente, o mesmo que se passou com o

porto de Barcelona, relativamente ao de Gioia Tauro

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CONSTRUIR LINHAS TRANSVERSAIS

Evidentemente que, se a Espanha nos coloca linhas mistas de bitola europeia nos 4

pontos referidos, só nos resta prolongar as mesmas vias até aos nossos portos e restante

território.

A utilização da bitola europeia no eixo Norte-Sul só será totalmente eficaz se aplicada

de Vigo até Faro. Caso contrário, haverá problemas de incompatibilidade de bitolas.

Ao contrário, nas vias transversais, até seria possível construí-las por fases, uma vez

que estas linhas não irão interferir com o eixo Norte-Sul.

Mesmo que existam limitações financeiras, seria possível só prolongar a linha mista

desde Badajoz até ao Pinhal Novo e, deste ponto ligar ao porto de Setúbal e, no Poceirão ou

Vendas Novas, conectar ao porto de Sines. Este troço poderia ser comum à futura linha para

o Algarve. A Norte, seria possível construir um novo troço desde Aveiro até Mangualde e, a

partir daqui, mudar-se-ia a bitola até a fronteira espanhola. Esta opção já resolveria boa

parte do problema do transporte de mercadorias.

NOTA A construção das novas linhas Aveiro-Salamanca e Lisboa-Badajoz é do máximo

interesse para Portugal e Espanha, porque vai permitir que o nosso País tenha um acesso mais competitivo à Europa, para as mercadorias, e que várias regiões do País vizinho tenham uma ligação mais directa e rápida aos nossos portos de mar. O que irá acontecer é uma transferência de tráfego da rodovia e do avião para o comboio e nunca a perda de soberania como alguns analistas, por desconhecimento, têm escrito.

Haverá, também, todo o interesse em construir a 3ª travessia, pois, caso se prolongue

a linha só até ao Pinhal Novo, boa parte da população da margem sul vai chegar mais

depressa a Badajoz do que à capital do próprio País.

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O QUE SE PENSA FAZER

No dia 2 de Maio de 2005, o Ministro das Obras Públicas convidou um conjunto de

pessoas ligadas ao sector ferroviário e dos transportes para darem o seu contributo sobre

este assunto. Nessa reunião apresentaram-se várias opiniões mas a maioria pronunciou-se

sobre a prioridade da construção do eixo Norte-Sul.

O Governo anunciou que, nos finais de Junho ou início de Julho, o Ministro das

Finanças apresentará um relatório sobre as verbas disponíveis para investimentos públicos

nos próximos anos. Pelo que já foi transmitido pelo Governador do Banco de Portugal, o

nosso País tem graves limitações financeiras e, provavelmente, chegar-se-á à conclusão

que não existem verbas para construir o corredor Norte-Sul, por ser muito mais caro, difícil e,

mais grave, por obrigar a construir toda a linha de uma só vez.

Por fim, existe outro factor que talvez tenha sido esquecido por aqueles que

participaram na reunião do dia 2 de Maio de 2005: o Governo espanhol encomendou, em

2001, cerca de 600 comboios para a sua futura rede e, actualmente, as fábricas deste ramo

quase nem têm capacidade de resposta para tanta encomenda. Se for dada prioridade à

linha Lisboa Porto, provavelmente, não haverá comboios de passageiros no mercado. Além

disso, o Alfa Pendular, em finais de 2005 ou 2006, já irá fazer a viagem Lisboa-Gaia em 2h e

25 min e, devido à nova linha Amarela do Metro do Porto, vai ser possível efectuar a viagem

da G.Oriente até ao centro do Porto, com paragens em Aveiro e Coimbra, em 2 h e 30 min.

Numa nova linha de AV, se um comboio efectuar duas paragens, só irá poupar cerca de 30

minutos de viagem, relativamente ao Pendular. É evidente que, neste momento, o nosso

País não está em condições de gastar 5000 milhões de euros para poupar 30 minutos e a

nova via Lisboa-Porto, em bitola europeia ficaria para uma 2ª fase.

CONCLUSÃO

Quando os técnicos responsáveis perceberem as graves consequências económicas de o nosso país não estar ligado à futura rede de bitola europeia, talvez mudem de opinião e passem a dar prioridade às vias transversais, como foi feito no passado, em termos rodoviários, na preferência dada à construção do IP5.

Rui Rodrigues Email: [email protected] Público, 9 de Maio de 2005