SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E ACESSIBILIDADE...

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SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E ACESSIBILIDADE: AS CONDIÇÕES DO TRANSPORTE COLETIVO EM SOBRADINHO I, BRASÍLIA 1 Raquel Carvalho de Arruda [email protected] Geógrafa pela Universidade de Brasília RESUMO: Esse trabalho procura entender as relações entre o transporte coletivo e o processo de segregação socioespacial em Sobradinho I. ,em relação a sua acessibilidade ao Plano Piloto, com a hipótese de que o transporte coletivo reforça a segregação socioespacial para a população dependente do coletivo e diminui as possibilidades de apropriação da cidade na sua totalidade. O Plano Piloto é uma área principal que concentra os equipamentos urbanos, os empregos e as áreas de lazer. Assim, a população de Sobradinho necessita deslocar-se para o Plano Piloto. A acessibilidade ao centro para a parcela dependente do transporte coletivo de Sobradinho I é dificultada, e isso reforça o processo de segregação socioespacial impossibilitando cada vez mais a apropriação da cidade enquanto conjunto. PALAVRAS-CHAVES: Transporte coletivo; segregação socioespacial; acessibilidade. INTRODUÇÃO O trabalho procura entender as relações entre o transporte coletivo e o processo de segregação socioespacial em Sobradinho I, em relação à sua acessibilidade ao Plano Piloto de Brasília, considerando como hipótese que o transporte coletivo reforça a segregação socioespacial para a população dependente deste, e diminui as possibilidades de apropriação da cidade em sua totalidade. A pesquisa torna-se relevante pela reflexão acerca da situação do transporte coletivo, que tem como expressão maior o ônibus, uma vez que a condição atual desse transporte apresenta-se de maneira insatisfatória para a maioria da população, principalmente para aquela que não tem acesso ao transporte privado. O transporte coletivo se coloca como instrumento de estruturação do espaço urbano. Ocorre um processo de segregação socioespacial em relação à acessibilidade da população de baixa renda residente em Sobradinho I com relação ao Plano Piloto. O Plano Piloto é a área central da cidade de Brasília que concentra os equipamentos urbanos, os empregos e as áreas de lazer. A população de Sobradinho, ao contrário, necessita deslocar-se para o Plano Piloto tanto para trabalho e alguns serviços, quanto para lazer. O objetivo desse trabalho é verificar como o transporte coletivo reforça a segregação da população de baixa renda em Sobradinho I, em relação a sua acessibilidade e segregação ao Plano Piloto de Brasília. A metodologia da pesquisa para a verificação da hipótese seguiu as seguintes etapas: revisão bibliográfica sobre o tema; coleta de dados secundários (SEDUH/2000; IBGE, 2000); comparação da concentração de equipamentos urbanos de segurança pública, 1 Eixo Temático: Geografia Urbana

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SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E ACESSIBILIDADE: AS CONDIÇÕES DO TRANSPORTE COLETIVO EM SOBRADINHO I, BRASÍLIA1

Raquel Carvalho de Arruda [email protected]

Geógrafa pela Universidade de Brasília

RESUMO: Esse trabalho procura entender as relações entre o transporte coletivo e o processo de segregação socioespacial em Sobradinho I.,em relação a sua acessibilidade ao Plano Piloto, com a hipótese de que o transporte coletivo reforça a segregação socioespacial para a população dependente do coletivo e diminui as possibilidades de apropriação da cidade na sua totalidade. O Plano Piloto é uma área principal que concentra os equipamentos urbanos, os empregos e as áreas de lazer. Assim, a população de Sobradinho necessita deslocar-se para o Plano Piloto. A acessibilidade ao centro para a parcela dependente do transporte coletivo de Sobradinho I é dificultada, e isso reforça o processo de segregação socioespacial impossibilitando cada vez mais a apropriação da cidade enquanto conjunto. PALAVRAS-CHAVES: Transporte coletivo; segregação socioespacial; acessibilidade.

INTRODUÇÃO

O trabalho procura entender as relações entre o transporte coletivo e o processo de

segregação socioespacial em Sobradinho I, em relação à sua acessibilidade ao Plano Piloto

de Brasília, considerando como hipótese que o transporte coletivo reforça a segregação

socioespacial para a população dependente deste, e diminui as possibilidades de

apropriação da cidade em sua totalidade.

A pesquisa torna-se relevante pela reflexão acerca da situação do transporte

coletivo, que tem como expressão maior o ônibus, uma vez que a condição atual desse

transporte apresenta-se de maneira insatisfatória para a maioria da população,

principalmente para aquela que não tem acesso ao transporte privado.

O transporte coletivo se coloca como instrumento de estruturação do espaço urbano.

Ocorre um processo de segregação socioespacial em relação à acessibilidade da população

de baixa renda residente em Sobradinho I com relação ao Plano Piloto. O Plano Piloto é a

área central da cidade de Brasília que concentra os equipamentos urbanos, os empregos e

as áreas de lazer. A população de Sobradinho, ao contrário, necessita deslocar-se para o

Plano Piloto tanto para trabalho e alguns serviços, quanto para lazer.

O objetivo desse trabalho é verificar como o transporte coletivo reforça a segregação

da população de baixa renda em Sobradinho I, em relação a sua acessibilidade e

segregação ao Plano Piloto de Brasília.

A metodologia da pesquisa para a verificação da hipótese seguiu as seguintes

etapas: revisão bibliográfica sobre o tema; coleta de dados secundários (SEDUH/2000;

IBGE, 2000); comparação da concentração de equipamentos urbanos de segurança pública,

1 Eixo Temático: Geografia Urbana

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educação, saúde e cultura entre Sobradinho e o Plano Piloto evidenciando a necessidade

do deslocamento entre Sobradinho e Plano Piloto (SEDUH, 2000); estabelecimento de

classes de renda de acordo com a localização residencial da população de Sobradinho I

(IBGE, 2000) e; pesquisa exploratória por meio de aplicação de questionário para

averiguação da acessibilidade dos moradores de Sobradinho I aos equipamentos urbanos

localizados no Centro de Brasília (Plano Piloto), relacionando a acessibilidade à segregação

socioespacial.

BRASÍLIA: TRANSPORTE, ACESSIBILIDADE E SEGREGAÇÃO

O transporte urbano viabiliza as atividades culturais, sociais, políticas e econômicas

de uma sociedade e, dessa maneira, proporciona a reprodução do espaço pelo homem.

Dentro do universo do transporte urbano, destaca-se o transporte coletivo que representa

vários interesses e, por isso, vários agentes (empresários, Estado) disputam seu controle.

Por isso, o transporte coletivo apresenta dois entendimentos: coletivo - serviço regido pelos

interesses do mercado; público - o serviço segue as “regras sociais definidas pela

sociedade” (VASCONCELLOS, 2000, p. 147).

Cabe ressaltar, então, os elementos que envolvem a função do transporte coletivo:

mobilidade e acessibilidade. A mobilidade relaciona-se diretamente à estruturação urbana

da cidade e ao meio de transporte que se utiliza. A mobilidade e a acessibilidade

apresentam forte relação com os meios de transporte juntamente ao uso do solo que muitas

vezes é conseqüência de políticas e planejamento que atendem aos interesses dos agentes

hegemônicos. Conclui-se assim que “em sentido mais amplo, a acessibilidade é entendida

como equiparação das oportunidades de acesso ao que a vida oferece” (FERNANDES,

2003, p. 11).

Diante desta abordagem, Brasília nasce com a proposta de articular o centro entre o

Sudeste com o Norte e o Nordeste, para proporcionar o desenvolvimento regional do Brasil.

E vai muito além no instante em que a criação de uma nova capital no país materializava o

sonho de progresso aspirado por toda a nação. Tal progresso envolvia uma concepção

urbanístico-rodoviária que privilegiava abertamente o automóvel2.

Já o transporte coletivo não ocupava tanta preocupação no plano do urbanista

quanto a forma individual de deslocamento:

quanto ao serviço de transporte público de passageiros, acho conveniente estabelecer desde já o seguinte critério: proibir lotações nos moldes usados no Rio, onde são indispensáveis, dadas as condições anormais da cidade. Em Brasília, cidade planejada para o tráfego normal, não se justificam.

2 “Fixada assim a rede geral do tráfego automóvel, estabeleceram-se, tanto nos setores centrais como nos

residenciais, tramas autônomas para o trânsito local dos pedestres a fim de garantir-lhes o uso livre do chão, sem contudo levar tal separação a extremos sistemáticos e antinaturais pois não se deve esquecer que o automóvel, hoje em dia, deixou de ser o inimigo inconciliável do homem, domesticou-se, já faz, por assim dizer, parte da família” (COSTA apud HENRY et al., 2003, p. 497 - 498)

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Salvos pequenos lotações, de modelo único, camioneta [...] cinza, com caráter de táxi coletivo. O modelo de ônibus deverá ser prefixado e uniforme, a fim de garantir a desejável compostura urbana. Deve ser de tamanho médio [...] cinza e branco, com cor ou cores correspondentes ao itinerário no indicador da respectiva linha. (COSTA apud HENRY et al., 2003, p. 500)

Nota-se grande preocupação com critérios ligados à forma, ao passo que os

aspectos de operacionalização do transporte coletivo não recebem tanta atenção como

afirma HENRY et al. (2003, p. 500): “o detalhismo da proposta, que mal esconde o caráter

impensado da função de transporte coletivo, atenta ainda menos ao seu modo operacional,

uma vez negadas as realidades das outras cidades brasileiras”.

A construção da nova capital iniciou-se e, ao passar de certo tempo os “candangos”3

decidiram fixar-se em Brasília, possibilidade essa não prevista no plano de Lúcio Costa. A

partir daí, o poder público constituiu localidades segregadas socioespacialmente durante o

processo de formação do território de Brasília, que proporcionaram a continuação da utopia

de Brasília enquanto cidade modelo (FERREIRA et al., 2005). Dessa forma, as primeiras

cidades-satélites, muito afastadas do Plano Piloto, receberam a parcela de população

migrante e de baixa renda.

O transporte coletivo em Brasília cresceu junto à cidade com base nas frotas de

ônibus fornecidas entre os setores público e privado, sendo o último em ritmo exponencial

(HENRY et al., 2003). Os primeiros transportadores absorvidos pela Companhia

Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - NOVACAP eram pequenos proprietários de

empresas de caminhões e ônibus, bem como autônomos. Os primeiros dez anos são

marcados por um transporte coletivo com poucos investimentos públicos voltados somente

para o atendimento das necessidades do Plano Piloto e dos assentamentos próximos a ele.

Diante de poucos operadores privados, a empresa pública de Brasília4 (TCB) ofertou quase

que monopolisticamente os serviços de transporte coletivo (HENRY et al., 2003). Porém,

após gradativo repasse de serviços a empresas menores, somado a perda de um processo

judicial trabalhista, a TCB em 1998 sofre liquidação de seus bens e fali. Assim, a oferta do

transporte coletivo em Brasília atualmente se dá pelo duopólio privado entre duas mega-

empresas privadas que se firmaram ao longo do desenvolvimento de Brasília com a

absorção de empresas menores. Elas fazem parte de fortes grupos econômicos nacionais

(HENRY et al., 2003).

O quadro hoje aponta para um percentual de cerca de 85% da população de baixa

renda com residência fora do Plano Piloto ao passo que 70% dos empregos e escolas

concentram-se nele (Anuário Estatístico apud HENRY et al., 2003).

3 Este termo refere-se aos migrantes que vieram para Brasília trabalhar em sua construção.

4 “A empresa pública operadora do transporte coletivo por ônibus surgiu em 1961 como parte da concepção do

Distrito Federal, cuja idéia dominante era que ao Estado caberia realizar todas as atividades necessárias para garantir o funcionamento da nova capital nacional” (AFFONSO et al, 2003, p. 505).

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REGIÃO ADMINISTRATIVA DE SOBRADINHO I: O TRANSPORTE COLETIVO E A SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL

O poder público criou a „cidade satélite‟ de Sobradinho em 1960 para receber parte

da população envolvida na construção da nova capital. A população deslocada do Plano

Piloto para residir em Sobradinho era originária da Vila Amauri, do Bananal e das ocupações

próximas à Vila Planalto, inundadas pelas águas do Lago Paranoá. Nesta época, a cidade

foi administrada por uma sub-prefeitura e, em 1964 com a criação da Lei nº 4.545, ela

recebeu a denominação de Região Administrativa V (GDF, 2005), como podemos visualizar

na Figura 1, abaixo.

R.A V - SOBRADINHO

N

Projeto Cartográfico por: Rafael de Castro Catão Raquel C. de Arruda

Fonte: SEDUH/DF

10 0 10 Quilômetros

R.A V - Sobradinho

Demais R.As

Mancha Urbana de Brasília

Lagos e Represas

Legenda

Figura 1 – Mapa de localização

Fonte: SEDUH, 2000. Elaborado por Rafael Catão e Raquel Arruda

O Programa de Assentamento de População de Baixa Renda trouxe alterações ao

projeto inicial de Sobradinho. O governo criou Sobradinho II5 para receber pessoas oriundas

de ocupações precárias como a do Ribeirão Sobradinho e a do Lixão, no final da década de

1980 (SEDUH, 2006). Vários parcelamentos irregulares ou condomínios de classe média

principalmente, formaram-se na década de 1990 (PENNA apud FERREIRA et al., 2005),

conferindo a R.A V (Figura 2) a maior concentração desse tipo de habitação em Brasília

com grande variação de renda entre elas (Figura 3). Entre os parcelamentos irregulares de

baixa renda em Sobradinho, a Vila DNOCS apresenta uma população com baixíssima renda

além de se localizar em uma área com pouca infra-estrutura (Figuras 2 e 3) e, devido a

essas características, o poder público pretende classificar a Vila DNOCS em uma Zona

5 “Em 27 de janeiro de 2004 com a Lei nº 3.314 Sobradinho II foi desmembrado de Sobradinho e transformado

na Região Administrativa XXVI, sendo que os limites das duas Regiões ainda não estão definidos, uma vez que se encontram em fase de estudo” (CODEPLAN, 2006, p. 6). Itapoã vive a mesma situação de Sobradinho II: localiza-se na poligonal de Sobradinho, apesar de ter se desmembrado dele com a Lei nº 3.527 em 3 de janeiro de 2005 quando virou a RA XXVIII que não possui ainda limites definidos (http://www.itapoa.df.gov.br).

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Específica de Interesse Social (ZEIS) que “mesmo não atendendo as premissas das leis

urbanísticas existentes, preconizam formas e meios de ocupação capazes de estabelecer e

fornecer qualidade de vida e salubridade para assentamentos dotados de condições

desumanas” (TERRACAP, 2007, p. 9). A classificação da vila como ZEIS viabilizará um

Plano de Ocupação para a área com o atendimento das principais reivindicações dos

moradores locais: infra-estrutura, segurança e propriedade dos lotes (TERRACAP, 2007).

Figura 2 – Caracterização das localidades da Região Administrativa V – Sobradinho

Fonte: SEDUH, 2000. Elaborado por Rafael Catão e Raquel Arruda

Renda média mensal por chefe de famíl ia

- setor censitário do

IBGE - 2000

S.M

S.M

S.M

0 - 5

5, 1 - 7

7, 1 - 10

10, 1 - 15

15, 1 - 27, 98

Salários Mínimos - S.M

Legenda

Classes de Renda

S.M

S.M

S.M

S.M

S.M

R.A V - Sobradinho

ZEIS - DNOCS

Parcelamentos Irregulares

Sobradinho II

Sobradinho I

Demais R.As

Fonte: IBGE - Censo 2000

QuilômetrosN

Projeto Cartográfico por: Rafael de Castro Catão Raquel C. de Arruda

R.A V - SOBRADINHO - RENDA

#

Sobradinho I

#

Sobradinho II

#

ZEIS - DNOCS

Parcelametos Irregulares

#

1 0 1 2

Figura 3 – Mapa de renda da Região Administrativa V – Sobradinho

Fonte: IBGE, 2000. Elaborado por Rafael Catão e Raquel Arruda.

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N

Projeto Cartográfico por: Rafael de Castro Catão Raquel C. de Arruda

CLASSES DE RENDA - SOBRADINHO I

Classes de Renda

0 - 5

5 - 7

7 - 9

9 - 11

11 - 17.12

Quadras

Legenda

Salários Mínimos - S.M

S.M

S.M

S.M

S.M

S.M

Fonte: IBGE - Censo 2000

Quilômetros0.6 0 0.6 1.2

Renda média mensal por chefe de família - setor censitário do IBGE - 2000

Q 1

Q 3

Q 5

Q 7

Q 9

Q 10

Q 8

Q 6

Q 4

Q 2

Q Central

Q 12

Q 11

Q 13

Q 15Q 17

Q 16

Q 14

Q 18

Figura 4 – Mapa de renda de Sobradinho I

Fonte: IBGE, 2000. Elaborado por Rafael Catão e Raquel Arruda.

Denomino para este trabalho Sobradinho I como a localidade correspondente à área

mais antiga da Região Administrativa V. Essa localidade apresenta variações (de renda e de

modo de transporte) que permitem a verificação das relações entre o transporte coletivo e o

processo de segregação socioespacial entre Sobradinho I e o Plano Piloto. Sobradinho I é

composto por 19 quadras: quadras residenciais de 1 à 18, mais a quadra central de

comércio e serviços. As quadras pares apresentam moradores com maior nível de renda

enquanto as ímpares, os de menor renda (figura 4). Há forte concentração de

equipamentos urbanos nas quadras centrais (figura 5), o que aponta para um processo de

especulação imobiliária e elevação dos preços nesta área, que vem a ser a principal da

cidade.

Todavia, o mais importante a se destacar é que mesmo com o aumento de

equipamentos urbanos a partir de 1980 nas regiões administrativas periféricas mais

consolidadas (FERREIRA et al., 2005, p. 75) ainda é expressivo o desequilíbrio na alocação

de equipamentos urbanos entre Sobradinho e o Plano Piloto (figuras 5 e 6). Percebe-se

uma grande diferença na concentração de equipamentos educacionais (colégios,

faculdades, cursinhos) que gera um volumoso deslocamento entre a periferia e o centro.

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Equipamentos de Educação

Segurança Pública

Legenda

$ Teatro

$ Ginásio

$ Estádio

Clube

$ Biblioteca

Equipamentos Culturais

# Escolas

× Hospital Regional

× Centro de Saude

Equipamentos de Saúde

% Polícia Militar

% Bombeiro

% Polícia Cívil

N

Projeto Cartográfico por: Rafael de Castro Catão Raquel C. de Arruda

EQUIPAMENTOS URBANOS - SOBRADINHO I

Fonte: SEDUH

Quilômetros

%%

$

$$ $

$

$$

$

$

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

# #

#

#

#

#

#

##

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

×

×

×

%%

Q 1

Q 3

Q 5

Q 7

Q 9

Q 10

Q 8

Q 6

Q 4

Q 2

Q Central

Q 12

Q 11

Q 13

Q 15Q 17

Q 16

Q 14

Q 18

Área Especial para as In

dústria

0.4 0 0.4 0.8

$

Figura 5 – Equipamentos urbanos em Sobradinho I

Fonte: SEDUH, 2000. Elaborado por Rafael Catão e Raquel Arruda.

Figura 6 – Equipamentos urbanos no Plano Piloto

Fonte: SEDUH, 2000. Elaborado por Rafael Catão e Raquel Arruda.

Há desequilíbrio também na alocação dos equipamentos de saúde (hospitais e

postos de saúde) e de lazer (figuras 5 e 6). Enquanto o Plano Piloto concentra uma

„infinidade‟ de hospitais particulares e públicos, Sobradinho I possui um hospital público e

pouquíssimas opções de clínicas particulares.

Quanto ao lazer, Sobradinho I conta com um pequeno cinema recém inaugurado,

além de um teatro que pouco apresenta espetáculos ao passo que no Plano Piloto há muita

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diversidade de cinemas e teatros. Os empregos apresentam também grande concentração

no Plano Piloto cerca de 70%.

Constata-se, então, uma grande dependência de Sobradinho I em relação ao Plano

Piloto uma vez que nesse centro localizam-se as principais atividades citadinas: trabalho,

educação, serviços e lazer. O acesso ao centro torna-se viável pelos meios de transporte

motorizados, pois “[à] medida que a extensão territorial desse espaço se amplia e parte dos

equipamentos coletivos ainda permanece centralizada, faz-se necessário o deslocamento

por meio de transporte motorizado” (PEREIRA, 2006, p. 61), no caso, Sobradinho I com uma

distância de 25 quilômetros do Plano Piloto. As formas motorizadas de transporte

predominantes são o automóvel e o transporte coletivo (ônibus), o primeiro utilizado na sua

maioria pela população de alta renda e o segundo pela população de baixa renda

(VASCONCELLOS, 2000). Essa divisão com relação ao uso do transporte motorizado gera

distintas acessibilidades com conseqüências diretas na forma de apropriação da cidade,

“[portanto], a melhor comparação de acessibilidade é aquela entre ônibus e o automóvel”

(VASCONCELLOS, 2000, p. 28).

O transporte coletivo de Sobradinho I é feito pelas concessionárias Viplan, Viva

Brasília e São José, que oferecem o transporte coletivo na localidade. A Viplan tem a

concessão da linha de Sobradinho I desde a criação da localidade urbana, já a Viva Brasília

e a São José começaram a atuar no final da década de 1980. Apesar do tempo de

prestação de serviços a essa localidade, a qualidade de atendimento à população não se

alterou: superlotação, concentração da oferta de ônibus nas horas de pico, alta velocidade

na condução do veículo, funcionários mal treinados e pouco habilitados para o atendimento

ao público, veículos desconfortáveis e muito antigos, além, é claro, de altas tarifas. Essa

caracterização denota a forte presença do mercado na orientação do fornecimento do

transporte coletivo paralelamente à presença tímida do poder público na regulação do

serviço. Simultaneamente a essa realidade, os automóveis apresentam crescimento

vertiginoso da sua frota que ao contrário do coletivo, soma flexibilidade, segurança, conforto

e praticidade, além de uma constante ampliação e abertura de pistas, viadutos e

estacionamentos acompanhados da inexistência de regulação de seu uso. Assim, há um

grande incentivo ao uso do automóvel tanto pela baixa qualidade de serviço do transporte

coletivo quanto pelas facilidades produzidas no sistema de circulação da cidade pelo

Estado.

Desse modo, presencia-se o “avanço político e crescimento da importância do

mercado sobre a gestão pública”, na medida em que ocorrem distintas acessibilidades que

intensificam “processos de segregação espacial e desigualdade social no acesso e consumo

das oportunidades urbanas” (ZIONI, 2005, p. 500).

Com vistas ao entendimento das relações entre a segregação socioespacial e a

apropriação da cidade na sua totalidade, é que se aplicou um questionário para averiguação

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da acessibilidade dos moradores de Sobradinho I aos equipamentos urbanos localizados no

Centro (Plano Piloto) por meio do transporte coletivo. Ao todo, foram aplicados 35

questionários, distribuídos conforme Tabela 1 à pessoas que se encontravam em paradas

de ônibus no sentido Sobradinho I -Plano Piloto:

Tabela 1 - Número e locais dos questionários aplicados

QUADRA

QUESTIONÁRIOS

APLICADOS

Q. 1 8

Q. 3 8

Q. 5 4

Q. 7 8

Q. 10 4

Q. 11 3

Fonte: Pesquisa de Campo

As perguntas envolveram os principais motivos de viagem: trabalho, educação,

saúde e lazer. O questionário seguiu a seguinte estrutura:

1. Trabalho: local/modo de transporte - por que o coletivo ou o automóvel?

2. Educação: local/modo de transporte – por que o coletivo ou o automóvel?

3. Saúde: local/modo de transporte - por que o coletivo ou o automóvel?

4. Lazer:

4.a.cinema: local/modo de transporte - por que o coletivo ou o automóvel?

4.b.clube: local/modo de transporte - por que o coletivo ou o automóvel?

4.c.teatro: local/modo de transporte - por que o coletivo ou o automóvel?

Considerando-se os principais deslocamentos e atividades6, obteve-se o como resultado no

Gráfico 1, na próxima pagina.

O gráfico mostra o predomínio do automóvel e do transporte coletivo nos

deslocamentos, o que confirma a dependência ao transporte motorizado para a transposição

das grandes distâncias a serem percorridas para se alcançar os destinos desejados. Nota-

se a grande concentração de atividades desenvolvidas no Plano Piloto em comparação

aquelas em Sobradinho I. Tal situação evidencia a dependência de Sobradinho I com

relação aos empregos e aos equipamentos urbanos de educação, saúde e lazer do Plano

Piloto.

Ao se considerar como destino o Plano Piloto, as atividades trabalho, saúde e

cinema são realizadas em maior porcentagem por meio do transporte coletivo, enquanto

atividades de lazer referentes ao teatro e ao clube se realizam predominantemente pelo

modo motorizado individual. Questionou-se os entrevistados quanto à razão no uso dos

6 Todos os valores referentes à educação são de estudantes universitários.

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modos motorizados nas atividades principais e, chegou-se ao seguinte resultado, seguindo

as tabelas de 3 a 7 nas próximas páginas.

Destinos, Atividades e Modos

0

10

20

30

40

50

60

70

Colet ivo Aut omovél Carona Clandest ino Colet ivo Carona Aut omovél à pé

Plano Pilot o Plano Pilot o Plano Pilot o Plano Pilot o Sobradinho Sobradinho Sobradinho Sobradinho

% Trabalho

% Est udo

% Saúde

% Cinema

% Clube

% Teat ro

Gráfico 1 – Destinos, atividades e modos de transportes

Fonte: Pesquisa de Campo

Tabela 2 – Deslocamento por meio de ônibus por motivo de Trabalho

Por que utilizo esse modo de transporte para trabalhar no Plano Piloto?

Única opção Custo menor

81% 19%

Fonte: Pesquisa de Campo

Tabela 3 – Deslocamento por meio de ônibus por motivo de Educação

Por que utilizo esse modo de transporte para estudar no Plano Piloto?

Razões %

Não tem carro 33,3

Menor custo 55,6

Outros 11,1

Total 100

Fonte: Pesquisa de Campo

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Tabela 4 – Deslocamento por meio de ônibus por motivo de saúde

Por que utilizo esse modo de transporte para freqüentar o hospital no Plano Piloto?

Coletivo

Respostas Porcentagem

Não tem carro/ Única opção 50

Próximo à parada 18,75

Mais Barato vir de ônibus 6,25

Sub-Total 75

Automóvel

Mais fácil, horário flexível 6,25

Praticidade 6,25

Emergência 12,5

Sub-total 25

Total 100

Fonte: Pesquisa de Campo

Tabela 5 – Deslocamento por meio de ônibus por motivo de Lazer – Cinema

Fonte: Pesquisa de Campo

Tabela 6 – Deslocamento por meio de ônibus por motivo de Lazer – Clube

Por que utilizo esse modo de transporte para freqüentar o clube no Plano Piloto?

Respostas Porcentagem

Coletivo - 0

Automóvel/Carona

Mais cômodo 11,11

Não tem ônibus direto para os clubes do Plano Piloto 77,78

Não possui carro 11,11

Total 100

Fonte: Pesquisa de Campo

Por que utilizo esse modo de transporte para freqüentar o cinema no Plano Piloto?

Coletivo

Respostas Porcentagem

Não tem carro 34,78

Mais barato 8,70

Ônibus para na porta 4,35

Maior diversidade no Plano Piloto 4,35

Sobradinho não tem opção 4,35

Sub-total 56,52

Automóvel/Carona

Mais rápido, Prático e confortável 21,74

Ônibus com pouca freqüência ou não tem ônibus a noite 17,39

Porque tenho carona 4,35

Sub-total 43,48

Total 100

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Tabela 7 – Deslocamento por meio de ônibus por motivo de Lazer – Teatro

Por que utilizo esse modo de transporte para freqüentar o teatro no Plano Piloto?

Respostas Porcentagem

Coletivo Não tem carro 28,57

Automóvel/Carona

Mais rápido e aproveita melhor o tempo 14,29

Alguns não são acessíveis via ônibus 28,57

Teatro não funciona em Sobradinho 28,57

Total 100

Fonte: Pesquisa de Campo

Há uma maior freqüência de justificativas para o uso do coletivo como “não tenho

carro” ou “única opção” que contraria a possibilidade de „escolha‟ pela qualidade do

transporte coletivo e demonstra o uso desse modo de transporte como única alternativa

(Tabelas 2 a 7). As respostas indicam baixa atratividade ao modo coletivo como reflexo de

uma baixa qualidade do serviço. Caso esses indivíduos apresentem outras opções de

transporte, possivelmente abandonarão o coletivo. Outro ponto a se destacar é a presença

constante de carona para a efetivação das atividades como maneira de suprir às

deficiências do coletivo (Tabelas 5 a 7 e Gráfico 1).

Uma das respostas que ressaltam aspectos positivos no uso do transporte coletivo

com maior freqüência é “custo menor”, porém, nenhuma delas aponta uma preferência ao

coletivo pela sua qualidade ou oferta, mas sim pelo gasto. A proximidade das paradas ao

destino desejado das pessoas também apresentou destaque, o que ocorreu no caso dos

hospitais e dos cinemas. Essa proximidade representa redução drástica das distâncias a

serem percorridas até o destino final que facilita a acessibilidade ao local desejado. Esse

aspecto aponta a articulação entre a organização do sistema de circulação e a localização

das atividades como um conjunto de fatores que possibilitam a acessibilidade dos indivíduos

à cidade.

Quanto às respostas sobre a acessibilidade a cinemas e teatros (Tabelas 5 e 7), as

respostas foram: “maior diversidade no Plano Piloto”, “Sobradinho não tem opção” e, “teatro

não funciona em Sobradinho” indicando alta carência de Sobradinho I na área de lazer.

Essa carência gera o deslocamento ao Plano Piloto com forte restrição ao acesso a esses

equipamentos por parte da população dependente do coletivo uma vez que aqueles que não

tiverem acesso ao carro ou à carona poderão não realizar tal atividade: 17,9% dos

entrevistados declararam não utilizar o ônibus para ir ao cinema porque o “ônibus possui

baixa freqüência ou não passa à noite” e, 28,57% para freqüentar o teatro porque “alguns

não são acessíveis via ônibus” (Tabelas 5 e 7).

O acesso aos clubes, que se situam no Plano Piloto, é ainda mais restritivo para o

usuário do transporte coletivo: “Não tem ônibus direto para os clubes do Plano Piloto”

(Tabela 6). A declaração dos entrevistados evidencia que a ausência do modo coletivo

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impede a concretização da atividade de lazer no clube, só viabilizada por meio do automóvel

(Tabela 6). Não houve declaração sobre a ausência de transporte coletivo para o exercício

do trabalho, ou seja, há disponibilidade de transporte para esta atividade. O mesmo não

acontece para as atividades de lazer, educação e saúde. Isto é, o indivíduo é tolerado no

Plano Piloto enquanto trabalhador, mas não como cidadão que desfruta de uma estrutura

que ele também contribui na construção.

A pesquisa permite constatar que existe uma grande dependência da população de

Sobradinho I aos equipamentos do Plano Piloto. As respostas confirmam a necessidade do

deslocamento por transporte motorizado com predominância em dois modos: automóvel ou

transporte coletivo. Fica clara a insatisfação das pessoas com relação ao transporte coletivo

devido às respostas recorrentes de “não tenho carro” ou ser este a “única opção”. Percebe-

se ainda a quantidade de atividades viabilizadas pela carona que ocorre pelo modo

motorizado individual como possível „manobra‟ para driblar às restrições impostas pelo

coletivo que não oferece condições de acessibilidade à cidade na sua totalidade. Torna-se

claro, por meio das respostas, que há diferenciações na apropriação da cidade de acordo

com o modo de transporte utilizado.

Dessa maneira, percebe-se o reforço da segregação socioespacial para a população

dependente do transporte coletivo na medida em que a apropriação da cidade é parcial.

Mesmo para aqueles que se utilizam da carona como estratégia de apropriação, esta se faz

de maneira precária e deficitária, uma vez que a carona não oferece autonomia ao indivíduo

quanto à hora e local para aonde prefere se dirigir, dependendo sempre do outro para se

deslocar. Nesse caso então, o papel do transporte coletivo que é o de articular, acaba por

restringir o acesso da população, na medida em que não oferece condições de acesso à

cidade e às oportunidades que ela possui.

Quem tem carro apresenta sua acessibilidade garantida ao Plano Piloto ao contrário

daqueles que dependem do coletivo, já que possuem restrições de destinos determinados

pelo itinerário das empresas e não de acordo com suas necessidades cotidianas, como no

caso do teatro e do clube e até do cinema nos horários noturnos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O transporte público que deveria atender aos interesses sociais se orienta pelos

anseios do mercado e se configura, assim, como transporte coletivo privatizado, um

instrumento, que dentro da lógica capitalista de produção do espaço urbano contribui para o

reforço das desigualdades socioespaciais: de facilitador do acesso, o transporte passa a ser

o de controlador do acesso à cidade, reforçando a seletividade do espaço urbano na medida

em que limita uma plena apropriação da cidade. Ao contrário, isto não ocorre com o

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indivíduo de maior renda que possui sua mobilidade garantida pelo acesso ao transporte

motorizado individual.

Como Brasília nasceu de uma concepção urbanístico-rodoviária que privilegiava

abertamente o automóvel visto como mais um componente da família (COSTA apud HENRY

et al., 2003), o transporte coletivo sempre ocupou segundo plano no planejamento da

cidade. Ao passo que as localidades urbanas eram criadas a longas distâncias do Plano

Piloto criou-se grande dependência do transporte motorizado. De um lado, o automóvel, de

outro o transporte coletivo. A lógica do mercado foi pouco a pouco sendo absorvida pelo

transporte coletivo. Essa absorção aconteceu com a conivência do poder público que deu às

empresas privadas bastante autonomia na prestação do serviço. O transporte individual

permanece como centro das atenções no transporte urbano de Brasília haja vista as

constantes ampliações das vias de circulação e o descaso na regulamentação do coletivo

pelo poder público, além dos poucos investimentos para sua manutenção com vistas à

melhoria no atendimento ao público.

Verificou-se que a população residente em Sobradinho I desloca-se para o Plano

Piloto principalmente pelos modos motorizados: automóvel e coletivo. Com o automóvel, as

pessoas realizam uma quantidade mais diversificada de atividades, ao contrário do que

ocorre com o uso do transporte coletivo e, principalmente, no que tange às atividades

relacionadas ao lazer, como cinema, clube e teatro. Esta restrição ocorre tanto pela falta da

prestação do serviço nos horários noturnos quanto pela indisponibilidade de linhas para

alguns percursos, o que leva parte da população a depender de carona como estratégia de

superação das ausências e deficiências do serviço prestado pelo ônibus.

Aclara-se assim, a existência de relação entre o transporte coletivo e o processo de

segregação socioespacial em Sobradinho I e, que poderia ser minimizada através de

planejamento com compromisso entre os atores públicos e privados, uma vez que posta em

prática, a função do transporte pode romper o círculo vicioso de pobreza da população de

baixa renda, possibilitando a mudança de um quadro de péssima qualidade de vida

expressa na negação de uma melhor educação, saúde, lazer e emprego.

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