Segunda edição do Campus 2/2009

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BRASÍLIA, 12 a 25 de outubro de 2009 | Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB | WWW.FAC.UNB.BR/CAMPUSONLINE | ANO 39, EDIÇÃO 340 Campus Exclusão vice-campeã Ciência para crianças Sem apoio das fundações Funk: bailes perigosos Com apenas 50 alunos deficientes, a UnB é a segunda pior colocada no ranking do índice de estudantes com necessidades especiais em universidades federais Projetos da UnB usam brincadeiras para ensinar engenharia, fisica e psicologia ao público infantil Burocracia e disputa de poder dificultam recredenciamento de instituições como a Finatec (foto) Em dois meses, DF registrou duas mortes e duas tentativas de homicídio 6 3 7 5 Pacientes do HUB ficam sem exames Falta de reagentes químicos força a diminuição do número de testes em laboratório, interrompe tratamentos e prejudica quem depende do serviço p. 4 e 5 Maíra Morais

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O Campus é o jornal laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, produzido pelos alunos do sexto semestre. O jornal é feito pensando nos leitores. Ajudem-nos a melhorá-lo. Mandem suas críticas e sugestões para o email [email protected]

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BRASÍLIA, 12 a 25 de outubro de 2009 | Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB | WWW.FAC.UNB.BR/CAMPUSONLINE | ANO 39, EDIÇÃO 340

Campus

Exclusão vice-campeã

Ciência para crianças

Sem apoio das fundações

Funk: bailes perigososCom apenas 50 alunos deficientes, a UnB é a segunda pior colocada no ranking do índice de estudantes com necessidades especiais em universidades federais

Projetos da UnB usam brincadeiras para ensinar engenharia, fisica e psicologia ao público infantil

Burocracia e disputa de poder dificultam recredenciamento de instituições como a Finatec (foto)

Em dois meses, DF registrou duas mortes e duas tentativas de homicídio63

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Pacientes do HUB ficam sem exames

Falta de reagentes químicos força a diminuição do número de testes em laboratório, interrompe

tratamentos e prejudica quem depende do serviçop. 4 e 5

Maíra Morais

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Uma questão de focoCAMILA GUEDES

RAFAEL DE JESUS ROCHA

LUANA RICHTER

Ombudskvinna*

*Ombudskivinna, feminino de ombudsman. Na imprensa, pes-soa que analisa o jornal do pon-to de vista do leitor

Carta do editor-chefe Carta do leitor

Expediente Opinião

Editor-chefe: Guilherme OliveiraSecretária de Redação: Renata ZagoDiretora de Arte: Juliana ReisDiagramação: Fabiana Closs, Heitor Albernaz, Laís Miranda, Marcella Cunha, Mariana de Paula, Mariana Haubert, Mariana NiederauerFotografia: Maíra Morais (editora), Bárbara Lopes, João Paulo Vicente, Ludmilla Alves, Marcela Ulhoa, Verônica HonórioPerspectiva: Luana Richter (editora)Cotidiano: Manuela Marla (editora), Camila Santos, Marina Marquez, Plácida Lopes, Vanessa VieiraContexto: Tiago Padilha (editor), Ana Clara Martins, Gabriel de Sá, Isabela Horta, Mariana Tokarnia, Priscila Crispi, Rafaela Felicciano Laboratório: Cláudio Vicente (editor), Alessandra WatanabeBloco C: Marina Rocha (editora), Ana Carolina SeiçaContraCapa: Marcella Cunha (editora), Heitor Albernaz, Laís MirandaProjeto Gráfico: Ana Clara Martins, Heitor Albernaz, Juliana Reis, Laís Miranda, Marcella Cunha, Marcela Ulhoa, Marina RochaRevisão: Igor Miguel, Lucas Leon, Mel Bleil Gallo, Rafaella ViannaProfessor responsável: Solano NascimentoJornalista: José Luiz SilvaMonitor: Leonardo MunizSuporte Técnico e assistência em Fotografia: Pedro FrançaIlustrações: Luisa Malheiros, Iuri Lopes e Paulo Leonardo

Campus Darcy Ribeiro, Faculdade de Comunicação, ICC Ala Norte.Contato: (61) 3307-2519 Ramal 207/241 – Caixa Postal 01660CEP: 70910-900 - [email protected]

Em 3 de agosto de 1990, a UnB ganhou o seu hospital. Na época, o HDA, ou Hos-pital Docente Assistencial, era administra-

do pela Previdência Social e cedia espaço para o exercício dos alunos da Faculdade de Saúde (FS). De acordo com a matéria, de abril de 1990, “até o 24º aniversário, a FS peregrinava por diversos hospitais públicos do Distrito Federal, minis-trando seus cursos de forma improvisada e pre-cária”.

Há quase 20 anos, o futuro HUB recebia re-cursos dos Ministérios da Saúde, Educação e da UnB, o que gerava um orçamento maior que o da própria Universidade. O plano do então diretor, Josimar França, era transformar o HUB em um hospital de ponta. Será que esse plano tem algu-ma proximidade com a realidade de 2009?

Campus 40 anos

Escrevo para esclare-cer à Mariana Tokarnia (Opinião – Campus 339) que seria pertinente um passeio pelos corredores da FA para verificar a in-correção de seus aponta-mentos, tanto quanto às roupas que usamos como às salas em que estuda-mos. Das salas da gradu-ação, só uma possui ar-condicionado e nenhuma possui assentos acolchoa-dos. Quanto às roupas, os que mais formalmente se apresentam fazem-no por imposição do trabalho ou estágio, não por escolha. Não há deuses na Facul-dade de Direito. Veicular

esse tipo de opinião ape-nas gera animosidade en-tre os outros estudantes. Por fim, cumpre rechaçar o raciocínio de que, ao serem contratados 10 no-vos professores, tendo em vista os futuros 60 alunos, ter-se-á a proporção de um professor para cada seis alunos. Os professores não virão exclusivamente para atender aos novos alunos, não bastando sequer para cobrir a defasagem atual do quadro de professores da Faculdade de Direito.

Às vezes o jornalista tem uma grande história na mão,

mas, na hora de sentar e escrever, as coisas se com-plicam. Exemplo disso é a matéria que fala do fim do comércio no Minhocão. Lá pelas tantas, a seguinte questão é levantada: será que os antigos comercian-tes serão aqueles a ocupar o novo espaço? A dúvida não é respondida, e o lei-tor atento acaba por con-

cluir que, se essas pessoas estão prestes a perder o emprego, o foco da ma-téria deveria ser diferen-te. Outra reportagem que tem o mesmo escorregão é a que fala dos comércios que dependem da Univer-sidade para sobreviver. A UnB não corre o risco de fechar. Então, por que fa-zer disso uma possibilida-de? Melhor seria escrever uma matéria que falasse dos benefícios que a UnB traz e não dos prejuízos no período de férias. A mes-ma dica fica para a maté-

ria Diversão sem homofo-bia. A repórter acabou se dividindo entre dois as-suntos: o crescimento das festas GLS e o aumento do número de heterossexuais que as frequentam. Será que o melhor não seria escolher apenas um desses dois tópicos?

Outro problema da edição foram os umbigos dos repórteres. A matéria Malabarismos pelo cine-ma é muito interessante, mas apenas para quem é estudante do curso de Co-municação. O mesmo vale

para a ContraCapa. Afi-nal, qual a proposta de tal parte do jornal? O leitor chega ao fim do Campus e depara com algo que ele não sabe bem por que está ali. Antes de sugerir uma pauta é importante se per-guntar: por que as pessoas gostariam de ler isso?

Era uma vez um curso de graduação, no qual vá-rios estudantes sonhavam com um espaço para se reunir, estudar e passar os períodos entre as aulas.

Porém, uma rainha muito poderosa impedia a realiza-ção desse sonho. A rainha Burocracia.

Os estudantes tentavam convencer a rainha de que seu sonho era importante, e anualmente formalizavam seus pedidos. A rainha nunca dizia que não faria. Mas também não dizia quando faria. E os alunos esperavam. Certo dia, todos aqueles estudantes cansaram de espe-rar e decidiram escolher sozinhos - e sem autorização -um espaço adequado para eles.

Essa mesma história se repetiu mais de cinco vezes nas últimas semanas no reino Darcy Ribeiro. Estudan-tes de cursos diferentes, mas com as mesmas reclama-ções, as mesmas tentativas e cansados de esperar por um espaço, decidiram ocupar.

Segundo dados da Secretaria de Assuntos Acadêmi-cos (SAA), existem hoje 101 cursos de graduação na UnB e 47 Centros Acadêmicos (CAs) inscritos no cadas-tro da Universidade. Os alunos que ocuparam as salas estão reivindicando um direito assegurado desde 1985 pela lei federal 7.395, que garante a cada curso a cria-ção de seu próprio CA. A lei, entretanto, não menciona o espaço físico para reuniões, mas os estudantes dedu-zem que isso também é uma prerrogativa.

Eles aprenderam que, na UnB, quase tudo se resolve com ocupação. São alunos que derrubaram um reitor ocupando e que conseguiram a paridade ocupando. E que, ao que tudo indica, vão conseguir seus CAs tam-bém ocupando. A lógica é simples: chamar a atenção da administração e conseguir mais agilidade nas nego-ciações, deixando de lado as demandas da majestade Burocracia. O plano até hoje se mostrou infalível.

Porém, existe um pequeno detalhe que parece ter sido esquecido em Darcy Ribeiro. Para se alcançar o respeito, é preciso saber dialogar. O feitiço da ocupação funciona e tem efeito quase imediato. Mas, assim como tudo que é usado em excesso, pode perder sua magia.

Para o conto de fadas dos universitários permanecer como uma história de conquistas, é necessário que seus heróis percebam que é importante ceder, dar um pas-so para trás e aceitar negociações. A mágica se acaba quando o herói perde a razão. E ele perde a razão quan-do não quer mais escutar.

Aluno do 8º semestre de Direito da UnB

Há quem diga que o primogênito sofre mais, por conta da inexperiência de papai e mamãe. Ou-tros sustentam que é o segundo filho que passa

pelos piores bocados, pois não recebe a mesma atenção dos progenitores. A equipe do Campus deste semestre, que já “pariu” dois rebentos, pode garantir: quem mais pena, na verdade, são os pais. O motivo é simples: pre-cisam se sujeitar à vontade dos pequenos.

Cada filho é diferente, e exige cuidados específicos. Calejados pelos erros e acertos da primeira vez, encon-tramos uma segunda edição que pedia outro tipo de tra-tamento. O menor número de reportagens permitiu que algumas delas ganhassem um espaço de manobra maior. Foi assim que, por exemplo, fomos além das frontei-ras convencionais de uma editoria cultural e “humani-zamos” uma editoria científica, além de explorar com profundidade a carência de químicos fundamentais no HUB. Foi o que o Campus pediu.

Esbarramos em algumas experiências malsucedidas e tivemos que nos adaptar às necessidades da “cria”. É parte do processo de produção e, principalmente, de aprendizagem. Fazer um jornal requer um entendimen-to profundo da publicação por parte dos jornalistas. Nós, pais de primeira viagem, estamos caminhando.

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A aventura

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Perspectiva

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reitor, no próximo ano a Universidade receberá R$ 120 mil de um programa para inclusão de portadores, do Ministério da Educação.

Além das barreiras físicas, a aceitação por parte de colegas e professores é problemática. “Na UnB ainda há um certo estranhamento por parte dos professores. Muitos levam um susto quando recebem os alunos e não sabem como avaliá-los”, afirma Fonseca. Luciano Campos concorda com o coordenador: “Passar por es-cola básica, vestibular e universidade é possível. O maior medo do deficiente é do estranhamento, do preconceito, do receio das pessoas”. •Grande

exclusãoUnB está em penúltimo lugar no índice de estudantes com necessidades especiais

Para José Fonseca, do PPNE, o maior problema é a acessibilidade

Ludmilla Alves

CAMILA SANTOS

MARINA MARQUEZ

Alunos desconhecem bônus Levantamento mostra que universitários de Planaltina não sabem que benefício garante 20% de pontos no vestibular

PLÁCIDA LOPES

VANESSA VIEIRA

Apesar de existir há três anos, o bônus regional é uma in-

cógnita para muitos estu-dantes da Faculdade UnB Planaltina (FUP), o mais antigo campus da Univer-sidade nas cidades-satéli-tes. Levantamento reali-

zado pelo Campus com 40 universitários do segundo semestre de Gestão do A-gronegócio, todos mora-dores da região de Planal-tina, revela que apenas dez (25%) afirmam que conheciam o programa deinserção social quando ingressaram na UnB e so-mente dois disseram ter pedido o benefício ao se inscreverem no vestibular.

Outros cinco estudantes não sabem se receberam ou não a bonificação.

O bônus regional cor-responde a uma pontua-ção extra de 20% na nota final da prova objetiva do vestibular. Para receber o benefício, não basta ser morador da região. O alu-no precisa comprovar que realizou pelo menos dois anos do ensino médio em

escolas, públicas ou parti-culares, da área de influên-cia do campus. No caso de Planaltina, a área compre-ende outras nove cidades, como Sobradinho, Braz-lândia e Formosa. O me-canismo também é válido para os campi de Ceilân-dia e Gama.

Mesmo entre os conhe-cedores do bônus, por ve-zes, a informação é distor-cida. “Eu acreditava que tinha passado no vestibu-lar com a bonificação”, a-firma Erick Vinícius Lima da Silva, estudante de Gestão do Agronegócio. “Não sabia que era preci-so comprovar a escolari-dade.” Outra informação pouco conhecida é que a-lunos de cotas raciais tam-bém podem solicitar o bô-nus regional. Os critérios para obter a bonificação encontram-se nos editais dos vestibulares.

Comunidade

No nível médio e fun-damental, há alunos que sequer ouviram falar do

bônus. “Nem sabíamos da existência”, afirmam as a-migas Jéssica da Costa e Patrícia Ferreira, estudan-tes do Centro Educacional 01 de Planaltina. A estu-dante da UnB Ludmila Gualberto Andrade, que fez estágio supervisionado com alunos do ensino fun-damental, confirma que há desinformação. “Alu-nos e até mesmo profes-sores não fazem idéia do benefício”, relata. Ludmi-la acrescenta que o desco-nhecimento é ainda maior em cidades que, apesar defazerem parte da região beneficiada, são mais dis-tantes. “Em Vila Boa (GO), não conheci ne-nhum aluno que soubesse do bônus”, conta. Isso se reflete na falta de diver-sidade regional de alunos do campus. “Quase não encontramos moradores de cidades mais distantes, como Formosa”, afirma Delzimar Prates Alves, es-tudante de Planaltina.

Luís Antônio Pasquete, professor de Economia do campus de Planaltina, diz

que o bônus ajuda parte desfavorecida da popula-ção. “Ações afirmativas como essa ampliam as oportunidades de entrar na universidade”, defen-de. Foi assim com Elieziu Domingos Carmo Santos, estudante de Gestão do Agronegócio na cidade de Planaltina. “Sem a pontu-ação minha nota no vesti-bular não seria suficiente para passar”, conta.

O levantamento do Campus mostra que o des-conhecimento em relação ao bônus é menor entre alunos que ingressaram há mais tempo na FUP. Dez dos 15 alunos da tur-ma do último semestre de Ciências Naturais afirma-ram possuir o bônus, o que corresponde a 66%. Entre os cinco não bonificados, apenas um disse que não conhecia o benefício. A di-ferença pode ser explicada pelo fato de essa turma ter ingressado em 2006, ano da inauguração do cam-pus de Planaltina, quando houve uma grande divul-gação do benefício. •Erick da Silva não sabia que precisava comprovar a escolaridade para ter a bonificação

Marcela Ulhoa

Levantamento realizado pelo Campus revela que a Universidade de Brasília (UnB) tem o segundo índice mais baixo de estudantes com necessida-

des especiais na graduação. Há apenas 50 portadores de deficiência, o que representa 0,1% do total de gradu-andos. O índice mais alto de inclusão (16,43%) está na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que tem 2.534 portadores de deficiência entre seus alunos.

Há no país 51 universidades federais. Dessas, 12 in-formaram não possuir números de inclusão, e outras 23 não responderam à pesquisa. Das 16 universidades que responderam, o menor índice de portadores (0,07%) está na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que tem apenas oito estudantes com algum tipo de de-ficiência visual, auditiva ou física. No extremo opos-to, a segunda melhor colocada, que apresenta índice de 4,55%, é a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com 1.139 estudantes deficientes.

Para o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa, é difícil achar uma razão que explique os números encontrados. “Nossa Universidade é conhecida pelo excelente auxí-lio no momento da prova e temos vários projetos que garantem a permanência do aluno depois de entrar”, diz. No primeiro semestre de 2009, 48 deficientes pedi-ram atendimento especial para o vestibular, mas somen-te quatro foram aprovados. No vestibular do meio do ano, foram 49 portadores candidatos e 13 aprovados.

Os problemas começam na educação básica. “A vida escolar do deficiente sensorial não é fácil”, conta Lu-ciano Campos, deficiente visual e aluno de Biblioteco-

nomia da UnB. “Em Exatas, por exemplo, entender os gráficos e tabelas sem ver é trabalhoso e acaba, para a criança, sendo um estímulo a desistir, até porque os professores não estão preparados.”

No Distrito Federal, há 13,7 mil alunos com necessi-dades especiais na rede pública, o que equivale a 4,16% do total de estudantes. Muitos portadores de deficiência dependem do transporte público para chegar à univer-sidade. No DF, dos 1,8 mil ônibus, 555 (19,82%) são adaptados para deficientes. No Espírito Santo, onde houve recorde de alunos especiais na universidade fe-deral, 27,13% dos ônibus da região metropolitana pos-suem algum tipo de adaptação.

Desde o vestibular

O coordenador do Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais da UnB (PPNE), José Ro-berto Fonseca, atribui, em parte, o índice baixo de in-clusão na Universidade ao fato de os deficientes terem de apresentar atestado médico para ter atendimento especial no vestibular. “Isso acaba desestimulando o aluno a tentar”, explica. Fonseca acrescenta que muitas pessoas com necessidades especiais optam por faculda-des privadas devido às cotas reservadas no Programa Universidade para Todos (Prouni).

O PPNE existe desde 1999. “Se o aluno necessita da adaptação de um livro, prova especial, transporte no campus, entre outras coisas, ele nos solicita e o atende-mos”, explica Fonseca. Entre os principais investimen-tos está o tutor especial. Colegas de turma recebem dois créditos e uma bolsa auxílio, no mesmo valor das mo-nitorias, para serem um suporte do deficiente. O tutor revisa matérias, lê textos e auxilia na compreensão das aulas. As principais barreiras na UnB, para José Rober-to Fonseca, são físicas. Construídos na década de 1960, os prédios da UnB foram criados em uma época em que não se pensava em acessibilidade. Após dez anos de es-pera, o Instituto Central de Ciências (ICC) ganhou três elevadores do lado B, e há outro projeto para constru-ção de mais dois do lado A.

O PPNE não tem orçamento fixo e, por esse motivo, os projetos precisam de uma análise da prefeitura e rei-toria. Para o reitor José Geraldo, apesar da demora, o esquema tem funcionado. “Já conseguimos os elevado-res, e os novos campi já estão sendo pensados confor-me as normas de acessibilidade”, diz. De acordo com o

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Cotidiano

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Contexto

Às seis horas da ma-nhã, uma fila co-meça a se formar

na rampa que dá acesso ao Laboratório de Patolo-gia Clínica do Hospital Universitário de Brasília (HUB). São pessoas que vêm de diversos pontos do Distrito Federal para fazer exames de rotina, como de colesterol, glico-

Centros à margem

MARIANA TOKARNIA

PRISCILA CRISPI

A Universidade de Brasília tem mais de 30 centros, que

exercem de funções ad-ministrativas a pesquisas acadêmicas. Segundo o Regimento Geral da UnB,

eles são órgãos aos quais “competem as atividades de caráter cultural, artísti-co, científico, tecnológico e de prestação de serviços à comunidade, com finali-dades específicas ou mul-tidisciplinares”. Com essa abrangência de ativida-

des, pelo menos seis deles enfrentam problemas de falta de estrutura.

O Centro de Desenvol-vimento Sustentável (CDS)sofre com o espaço re-duzido que ocupa, pro-visoriamente, em um dos blocos do Centro de Exce-lência em Turismo (CET). As aulas do CDS são da-das em salas do CET, mas também em vários outros lugares da UnB, como o ICC, a Faculdade de Tec-nologia (FT) e os pavi-lhões. O CDS desenvolve estudos e pesquisas sobre meio ambiente e sustenta-bilidade e já formou qua-se 800 doutores, mestres e especialistas.

“O CDS está sempre precisando ocupar espa-ços emprestados”, lamen-ta o professor João Luiz

Homem de Carvalho, queministra uma disciplina no centro. “No PJC (Pavi-lhão João Calmon), onde dou aula, as palmas, risos e discussões vindos das outras salas atrapalham muito o andamento das atividades.” O centro es-pera por uma sede pró-pria há 14 anos, desde sua criação. Segundo o Deca-nato de Administração da UnB, a construção do pré-dio, orçada em R$ 3,25 milhões, deve ser iniciada em 2010.

Apesar do problema estrutural, os cursos de mestrado e doutorado do CDS estão entre os que possuem nota cinco, a mais alta obtida entre os programas de pós-gradu-ação interdisciplinares, na avaliação da Coordenação

Pelo menos seis dos que atuam em áreas como ensino e pesquisa na Universidade funcionam em espaços improvisados. Sede de alguns deles estão sendo construídas

GABRIEL DE SÁ de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A nota máxima que um curso pode obter é sete.

Sem sede própria, os centros de Investigação em Economia e Finan-ças (Cief) e de Estudos em Economia e Finanças (Cerme) dividem um es-paço de 37 m² no Depar-tamento de Economia. “O trabalho fica prejudicado por não haver espaço fí-sico para reuniões e en-contros de docentes e alu-nos”, reclama o professor Paulo Coutinho, diretor dos dois centros. Eles têm programa de pós-gradua-ção e contam com cinco professores e quatro fun-cionários.

Criado há 22 anos, o Centro de Manutenção

de Equipamentos (CME) sempre ocupou lugares provisórios. Atualmente, está instalado no prédio da Engenharia Elétrica. A falta de locais adequados faz com que, muitas vezes, equipamentos sejam guar-dados nas salas dos funcio-nários. A sede própria do CME está em construção e deve ficar pronta em fe-vereiro de 2010. O Centro de Nanociência e Nano-biotecnologia (CNANO) e o Centro de Referência em Conservação da Na-tureza e Recuperação de Áreas Degradadas (Crad) enfrentam problemas se-melhantes. A sede do Crad está sendo construí-da com recursos próprios, e o CNANO será instala-do nos novos prédios do Instituto de Biologia. •

se e até hepatite e Aids. No entanto, boa parte delas volta para casa de mãos vazias e sem previsão de atendimento. O motivo? Falta de reagentes neces-sários aos exames.

Maria Dalva Noleto ainda carrega a solicita-ção feita pelo médico no dia 8 de dezembro do ano passado. Primeiro, ela não achava tempo para ir ao HUB. Depois, precisou es-perar meses até chegar o dia do exame. E, quando

chegou, deparou com a falta de reagentes. Thaís da Silva tem 12 anos e faz acompanhamento pediá-trico. Esta já é a quarta tentativa de fazer exame, e a mãe, Rosa Jesus da Silva, desabafa: “Ela teve consulta hoje com a pe-diatra e não pôde apre-sentar o exame. Está aqui para marcar de novo para daqui a 15 dias”.

Os pacientes só ficam sabendo do problema quando chegam à recep-ção, depois de enfrentar a espera. Junto à atendente, um cartaz informa as fal-tas. A situação já provocou uma queda no número de atendimentos em relação ao ano passado. Segun-do dados fornecidos pelo Departamento de Estatís-tica do hospital, de abril a agosto de 2008 foram realizados pouco mais de 234 mil exames destina-dos a pacientes internos e atendidos em ambula-tórios. No mesmo perío-do de 2009, foram 164,5 mil, uma diminuição de quase 30%. Há cerca de seis meses, o Laborató-rio de Patologia não rea-

liza exames de dosagem hormonal e para detectar doenças como hepatite, brucelose, toxoplasmose, rubéola e Aids.

Os exames parecem simples, mas não realizá-los possibilita que proble-mas de saúde avancem sem que se perceba. “A falta dos reagentes tem atrapa-lhado a continuidade do tratamento e o diagnósti-co daqueles que ainda não sabem do que sofrem”, explica a endocrinologis-ta Adriana Lofrano, do HUB. “Problemas como enfarto e derrame podem ser evitados se descober-tos a tempo.”

Além disso, doenças graves como câncer neces-sitam de acompanhamen-to médico e, mesmo após eliminado o tumor, o pa-ciente deve fazer exames a cada ano. Aray Zordan se consulta no setor de On-cologia desde 1997. “Eu devia ter feito o exame no mês de julho. Já voltei três vezes e nada”, lamen-ta. “Se não fizer, a doença pode voltar e os médicos não vão saber.”

Alguns pacientes en-

frentam horas de filas na tentativa de validar os pedidos de exames em algum outro hospital pú-blico, mas para isso pre-cisam de nova solicitação feita em formulário da outra instituição. Outros acabam recorrendo a clí-nicas particulares que co-bram a metade do preço a pacientes de hospitais públicos. “Tive que pagar R$ 105 em outro lugar. Aperta, né? Mas o que eu posso fazer?”, conforma-se Salatiel de Souza. Apo-sentado, ele demorou dez meses para conseguir uma consulta na Urologia do HUB. Quando, enfim, viu o médico, recebeu os pe-didos e marcou o retorno para seis meses depois. “Eu não posso chegar sem nada”, diz ele.

Suspeita de ilegalidade

O problema da falta de reagentes no HUB co-meçou em abril, quando o Laboratório de Patologia Clínica solicitou uma lici-tação para a aquisição do material. “Fazemos uma média de consumo a cada

Falta de reagentes reduzem 30% exames do HUB

Mais de 15 tipos de exames estão suspensos no hospital

Espaço destinado à sede do CDS, com o CET ao fundo

Espera para realizar exames no Laboratório de Patologia Clínica é grande

João Paulo Vicente

Maíra Morais

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Contexto

três meses e, então, uma solicitação de compras”, explica o farmacêutico responsável pelo setor de Bioquímica do labora-tório, Robério Antônio Araújo. Para ser classi-ficada, além de corres-ponder às especificações técnicas do edital, a em-presa fornecedora precisa apresentar um bom preço. Foi nesse quesito que a se-lecionada de abril pecou. Apesar de passar pelo aval técnico, a empresa propôs valores acima do limite estabelecido, e o edital foi cancelado.

Araújo conta que o es-toque do laboratório foi acabando com a demo-ra na licitação. “Tivemos que fazer uma compra emergencial nesse perío-do, mas ela tem um limite de valor, que não foi sufi-ciente”, recorda. No mês de julho, houve mais uma tentativa. Um novo edital foi aberto, e as mesmas empresas, algumas forne-cedoras do HUB há qua-se 25 anos, se candidata-ram. Dessa vez, após se enquadrar nas exigências, a Produtos Médicos Hos-

pitalares (PMH) ganhou a concorrência e fechou contrato para venda de R$ 150 mil em reagentes.

Ainda assim, alguns dos reagentes necessários para o funcionamento do laboratório não foram incluídos no contrato e só seriam contemplados em nova licitação. Para a compra dos produtos já acordados, no dia 3 de se-tembro foram empenha-dos R$ 50 mil. Destes, a empresa liberou apenas R$ 25 mil em reagentes, menos de 20% da quantia pedida pelo laboratório.

O diretor da PMH, An-dré Almeida, afirma que a verba retida pela empresa serviria para sanar parte da dívida contraída pelo hospital em anos anterio-res, que é de cerca de R$ 145 mil. Desde o primei-ro contrato assinado en-tre eles, segundo Araújo, o débito já chegou a R$ 833 mil. “Não liberamos o crédito no valor total do pagamento pelo sim-ples fato de que, se não retermos parte do valor pago, a dívida do hospital somente crescerá”, argu-

menta o diretor. Almei-da alega, também, que o HUB já estava ciente de que a retenção ocorreria.

Procurada, a direção do hospital não quis se manifestar, mas o respon-sável pelo setor de Or-çamento e Finanças do hospital, José Sinval Mas-carenhas, defende quea conduta da empresa é irregular. “A PMH sem-pre dá problema. Esta-mos dentro do prazo de pagamento, de 90 dias, e eles nos passaram apenas a metade do empenhado.

Vou ter que multá-los”, avisa.

Mascarenhas esclarece que a verba que o hospital recebe é insuficiente para todas as demandas. Parte da receita do orçamento integral vem do Ministério da Educação, mas é a par-cela do Sistema Único de Saúde (SUS) que é destina-da à compra de insumos, neste caso, os reagentes. “O hospital nunca pagou em dia ninguém, porque trabalha sobre uma tabela do SUS que está defasada. Compramos os produtos

pelo preço de mercado, mas recebemos um valor abaixo, estabelecido por essa tabela.”

Segundo Marinus Edu-ardo Marsico, procurador do Tribunal de Contas da União, a retenção é ilegal e o hospital acaba sendo o lado fraco da negocia-ção. “O que começa erra-do, acaba dando errado. O HUB não honrou suas dívidas, a empresa deci-diu continuar licitando e quem acabou pagando a conta foram os pacien-tes”, afirma. •

Fundações abaladas Problemas e demora no credenciamento das instituições de apoio da UnB – Finatec, Fubra e Fahub – impedem novos repasses de recursos

As últimas três fun-dações que se man-tiveram ligadas à

Universidade de Brasília estão temporariamente sem credenciamento, o que impede a assinatura de novos convênios entre a UnB e essas instituições. Por trás do problema há atrasos, disputa de poder e discussão em torno da mudança na legislação que regula o funciona-mento dessas fundações.

O contrato com a Fun-dação Universitária de Brasília (Fubra) venceu no dia 7 de outubro. En-quanto isso, a Fundação de Apoio ao Hospital Uni-versitário de Brasília (Fahub) alterou seu esta-tuto para poder se conve-niar e entregou um pedido no último dia 2. Já a solici-

tação da Fundação de Em-preendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) recebeu um parecer nega-tivo da auditoria interna da UnB por supostamente não atender aos requisi-tos da legislação sobre as fundações. O pedido está suspenso desde julho.

Como a renovação dos contratos acontece a cada dois anos, os últimos pedi-dos de recredenciamento das fundações foram fei-tos antes da crise de 2008, na qual a Finatec esteve envolvida no escândalo que derrubou o ex-reitor Timothy Mulholland. O atual diretor-presidente da Finatec é Márcio Pimentel, que foi decano de Timothy e disputou, com José Ge-raldo de Sousa, a eleição para reitor.

“Na próxima reunião do Consuni (Conselho Universitário), iremos de-finir os nossos critérios

para o recredenciamen-to”, diz o decano de Ad-ministração e Finanças, Pedro Murrieta. Depois da manifestação da uni-versidade, o caso é ana-lisado por uma comissão de representantes dos mi-nistérios da Educação e de Ciência e Tecnologia. Está marcada uma reunião des-sa comissão para o dia 30 de novembro.

A lei nº 8.958, que re-gulamenta a relação entre as instituições de ensino e as fundações, está sendo rediscutida. A mudança mais polêmica prevê que mais da metade dos inte-grantes do conselho diri-gente da fundação sejam indicados pelo conselho superior da instituição apoiada, o Conselho Uni-versitário, no caso da UnB. A lei em vigor prevê que essa parcela seja de um terço. “Fundação tem que ser de apoio, e há muitas

que não prestam esse ser-viço”, afirma o secretário-executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Nacionais de Ensino Superior (An-difes), Gustavo Balduíno. “Essas não nos interessam mais.”

Para o diretor-presiden-te da Fubra, Paulo Celso dos Reis, não basta mexer na forma de escolha dos dirigentes. “Não podemos depender dos indivíduos. É necessário criar ferra-mentas de controle para as instituições”, afirma. Antônio Brasil, conselhei-ro da Finatec, concorda com essa posição. “Essa alteração poderá confun-dir as funções das entida-des nas parcerias público-privadas”, argumenta. Já para o diretor-presidente da Fahub, Eduardo Quei-rós, “quanto maior a pre-sença da universidade, mais legítima é a atuação

Testes para doenças graves como Aids, hepatite e rubéola estão suspensos. Pacientes precisam esperar meses ou pagar por atendimento em clínicas particulares

em 30% exames do HUB

da fundação”.As fundações de apoio

existem para dar mais agi-lidade aos projetos da uni-versidade. Como a UnB é uma instituição pública, todas as compras e con-tratações devem estar de acordo com a Lei de Lici-tações, processo que pode levar meses. Já as funda-ções, instituições privadas e sem fins lucrativos, são

dispensadas desse proces-so. “Hoje não podemos ficar sem fundação. O problema é que no meio dessa agilidade surgiram desvios”, afirma José Car-los Balthazar, assessor da reitoria. O decano Pedro Murrieta afirma que a Universidade terá uma di-retoria de Projetos, que irá controlar a relação com as fundações. •

ANA CLARA MARTINS

ISABELA HORTA

Espera para realizar exames no Laboratório de Patologia Clínica é grande

Pedido da Finatec foi negado porque não atenderia à legislação

Quase 70 mil pedidos de exames médicos deixaram de ser atendidos desde abril no HUB

João Paulo Vicente

Verônica HonórioMaíra Morais

Page 6: Segunda edição do Campus 2/2009

Desenhe o que você quiser. Agora en-xergue tudo o

que construiu brilhando em um pequeno aparelho com luzes. Aprenda en-genharia. Deite no chão, embaixo de um imenso céu noturno artificial. Emvolta, paredes infláveis. Aprenda astronomia. Ago-ra ouça com atenção, por-que um comportamen-to novo pode vir de umde seus personagens fa-voritos da Disney. Apren-da psicologia.

Se isso lhe pareceu in-teressante, imagine para uma criança. São proje-tos e pesquisas da Univer-sidade de Brasília voltados para aprendizagem in-fantil. Dentre tantos pro-jetos espalhados nas Ar-tes Cênicas, Música, Dese-nho Industrial, Pedagogia e Matemática, o Campus identificou três propos-tas que fogem do forma-to tradicional de ensino.

Esses projetos enten-deram que brincar é a forma de assimilar da cri-ança. Peça para ela expli-car o conceito de softwa-re, de constelações ou de alteridade, que a criança ficará calada. Agora peça que brinque no compu-tador, que desenhe o céu ou que escolha outros para seu time de futebol em vez de seus melhores amigos. Ela continua sem saber dar a explicação, mas compreendeu, da forma dela, o sentido do conceito.

Máquina de sonhar

A criança bate palma, o aparelho liga. Ela vai para o escuro, as luzes vermelhas acendem. Ela fala, a boca desenhada a-companha o movimento dos seus lábios. Ela tem

Coisa paragente pequena

o poder de escolha. Caras felizes, corações, letras e formas predefinidas. Mas também pode desenhar o que estiver na mente. Esse é um projeto feito para que crianças a partir de oito anos possam criar animações e desenhos u-sando conceitos de en-genharia. Uma matriz de 256 LEDs (pequenas lâmpadas econômicas e duráveis) permite isso. A criança cria. E cria o que quiser.

“Ela não terá ideia de que está estudando, mas, a cada comando, ela a-prende engenharia. Não éporque não temos uma te-la preta cheia de le-tras e comandos que não

Quem disse que a UnB é um lugar só para adultos? Projetos da Mecatrônica, Psicologia e Física abrem espaço para crianças, mostrando que é possível aprender brincando

é programação”, explica Lucas Fonseca, presidente da Empresa Júnior da Me-catrônica da UnB - Meca-jun. Toda a criação ocorre em uma interface colorida no computador, segundo o projetista Matheus Ri-beiro Castro. A sequência prevista pela criança ga-nha vida em um aparelhi-nho pouco maior que um celular, que funciona de forma independente.

O engenheiro elétrico e pai de duas crianças Vag-ner Gulim, que fez a de-manda para a empresajúnior, queria algo voltado para a ciência que fosse de fato atrativo para crian-ças. Sua expectativa é de que, depois de pronto, em julho de 2010, o aparelho seja vendido. “O projeto terá uma versão para uso nas escolas como mate-rial didático, e outra para o comércio varejista. O custo de venda final suge-rido para este último será inferior a R$ 100”, conta Vagner Gulim.

Faz de conta de verdade

A Branca de Neve che-ga à casa dos Sete Anões e depara com uma enor-me bagunça. Gepeto está quase finalizando seu bo-neco de madeira, falta-lhe pintar um sorriso. Peter Pan não quer crescer e só sabe fantasiar. Shrek é um ogro, mas é cheio de bon-dade. Com trechos retira- dos de filmes e histórias infantis, pais diante da televisão e professores di-ante de alunos desmotiva-dos conseguem finalmente o gancho para dialogar e ensinar organização, tem-peramento, responsabili-dades, luta contra o pre-conceitos, cada um rela-

cionado a uma história. “Não existe cobran-

ça para se divertir ou imaginar. É então que as crianças aprendem”, constata a professora que criou a área de educação infantil na UnB, Maria Fátima Guerra. Foi nesse faz de conta que Raquel Ávila desenvolveu sua dissertação de mestrado.O embasamento foi naproposta da professora do Departamento de Pisco-logia Laércia Abreu, que traz a ficção para mais perto do cotidiano do que se possa imaginar. A então mestranda desenvolveu a técnica com crianças de cinco anos, em uma es-cola particular da cidade.

Que caçador (criança)nunca recebeu uma re-pressão (puxão de ore-lha) da rainha (mãe) por ter descumprido a ordem (a orientação) de caçar o coração da Branca de Neve (brincar com a bola longe da janela de vidro)? Ficção e realidade se mis-

ALESSANDRA WATANABE

turam. Para a criança, é muito melhor compreen-der seu dia-a-dia com seus companheiros de sofá, personagens de clássicos lidos e vistos muitas vezes, do que com aqueles que dizem não à sobremesa antes do almoço. Os per-sonagens são amigos. Os pais são pais.

Céu de brinquedo

Ela olha para cima. Não enxerga nada. Tem muita luz. Postes e prédios ofuscam as estrelas. Desis-te. É assim todos os dias. O interesse se perde. Mas agora, deitada dentro de uma cúpula inflável de 100 m², uma criança pas-sa 45 minutos olhando, a cinco metros de altura, para um céu noturno em plena luz do dia. Esse céu artificial tornou-se mais real do que aquele tão apagado de todas as noi-tes. Mais do que olhar, ela conversa, pergunta e aprende.

É um planetário am-bulante. Crianças de esco-colas públicas do Distrito Federal podem entender astronomia com a proje-ção do céu em diferentes épocas do ano em apenas um dia. Essa é a propos-ta do projeto Museu na Escola – Planetário Itine-rante. Por meio do único projetor digital do país, estudantes de Física e de outros cursos da UnB tor-nam-se mediadores e difu-sores da ciência.

“Queremos estabelecer uma ponte entre a cidade e a academia. Como as crianças teriam essa opor-tunidade com o planetá-rio de Brasília fechado?”, questiona o coordenador do projeto, Cássio Laran-jeiras. Ele também acre-dita que o atual ensino formal de ciências é muito distante daquilo que deve-ria existir. “Na ciência, o proibido deveria ser não mexer.” •

Querer explorar o mundo será sem-pre da criança. O que ela precisa é do

direcionamento certo. Maria Fátima Guerra, especialista em educação infantil’

Luísa Malheiros

6

Laboratório

Page 7: Segunda edição do Campus 2/2009

Primeiro a batida dofunk carioca. De-pois, o disparo de u-

ma arma. O que deveria ter sido um dia de diver-são transformou-se no fimtrágico de um jovem de a-penas 23 anos. No dia 14de setembro, Luciano Oli-veira de Souza foi atingi-do por uma bala perdidaem um baile funk clan-destino na Colônia Agrí-cola Samabaia. Casos co-mo esse têm se repetidono Distrito Federal. Entremeados de julho e de setem-bro, a Polícia Militar re-gistrou mais uma mortee outras duas tentativas de homicídio em bailes funk irregulares. Uma se-mana após o assassinato de Souza, a polícia fe-chou três estabelecimen-tos só em Vicente Pires.

O problema aconteceprincipalmente quando bailes são divulgados co-mo festas particulares, ex-cluindo assim a necessi-dade de alvará de funcio-namento. Souza foi morto em uma mansão residen-cial que não possuía o documento, e os contra-tados para fazer a segu-rança não eram creden-ciados junto à polícia.

“Eu já estava indo embora quando ele veio correndo e me disse que tinha levado um tiro. Ele

se deitou no chão e come-çou a se contorcer, até que parou”, conta o estudante Robson de Almeida Sou-sa, de 24 anos, amigo da vítima. Souza foi baleado nas costas quando tentava se proteger da briga que provocou o tiroteio. A mãe do jovem, Neuracir Oliveira, diz que não sa-bia da situação irregular do baile: “Só sei que ele perdeu a vida. E eu perdi meu filho”.

A responsável pelo lo-cal onde foi feito o baile, Marcela Veloso, explica que não sabia da neces-sidade do alvará de fun-cionamento e autorizou arealização do evento pa-ra ajudar um amigo. “E-le disse que estava comalgumas dívidas, entãoemprestei a mansão pa-ra que organizasse a fes-ta”. Marcela conta, ain-da, que o amigo só cha-maria pessoas conhecidas, e ela ficou surpresa quan-do foi procurda pela polí-cia. “Houve uma briga nafesta, mas eu não sabia da morte de Luciano. Eu sou-be que ele estava a uns cem metros da casa quan-do levou o tiro”, relata. O organizador do bailenão foi encontrado pelo Campus.

Documento

O delegado Gerardo Carneiro, da 38ª Delega-

cia de Polícia de VicentePires, explica que o al-vará é indispensável. O documento é emitido pe-la administração da cida-de mediante um estudodo local, que assegura aexistência de saídas de e-mergência, brigadistas, se-guranças credenciados e ambulâncias. O delegado alerta que a população pode ajudar a coibir os bailes irregulares fazendodenúncias anônimas pelo

número 197. “A melhor forma de evitar incidentesé frequentar os bailes so-mente em locais conheci-dos, como clubes.”

Um produtor de even-tos que preferiu não se i-dentificar revela que os gastos para a regulariza-ção de um baile podemchegar a 20% da arreca-dação. Ele acredita quemuitos promoters partempara a ilegalidade buscan-do aumentar a margemde lucro. “No último bai-le que produzi, gasteiR$ 2,3 mil só com a ta-xa de serviço eventual daPolícia Militar”, conta.“Quem está dentro ficaprotegido. O problema éque as brigas ocorrem dolado de fora, e o baile levaa fama.”

Nem sempre a presença de policiais garante a se-gurança do público. O de-legado da 17ª DP, Mauro Machado, conta que ocor-reram incidentes e falhana segurança do FunkIndoor, um baile regularque aconteceu no dia 19de setembro, em Tagua-tinga. “Houve muitas bri-gas, consumo de álcool e drogas. Foi a primeira e última vez (que o evento foi realizado)”, enfatiza. O

Violênciano funk

MARINA ROCHA

Livro

Site

DVD

Almanaque Anos 90 (2008)De Carla Perez como mu-sa do rebolado à febre dostamagochis. O autor Sil-vio Essinger reúne em 288páginas o que foi referên-cia na década: músicas,brinquedos, programas de TV, moda, gírias, com-portamento, fatos do es-porte, acontecimentos emuito mais. Divertidíssi-mo e com fotos impagá-veis. É para ler e reler na ordem que você preferir.

The Big PictureA sessão The Big Picture, disponível na versão on-line do jornal americano The Boston Globe, traz u-ma galeria com 120 fotos que resumem o ano de 2008. Elas estão separadas em três partes e a maioria foi feita por fotógrafos de agências internacionais. As imagens retratam fatos de vários países e cada uma traz uma legenda embai-xo, resumindo o aconte-cimento. Dá para acessar no portal www.boston.com/bigpicture/2008/12/t h e _ y e a r _ 2 0 0 8 _ i n _photographs_p.html

Lo que te conté mientras te hacias la dormida (2004)O primeiro trabalho ao vivo do grupo pop La Oreja de Van Gogh traz DVD e CD gravados du-rante a turnê de 2003 por 60 cidades espanho-las. Nas 18 músicas do DVD, o destaque é para a faixa La Playa. Ótimo para conferir o sotaque madrilenho marcante da ex-vocalista da banda, Amaia Montero.

Dicas

Em apenas dois meses, houve duas mortes e duas tentativas de assassinato em bailes irregulares no Distrito Federal

Só sei que ele perdeu a vida.E eu perdi meu filho.

Bárbara Lopes

Kruel, vocalista que se apresenta em bailes funk, diz haver agressões mais graves em outros eventos

ANA CAROLINA SEIÇA

produtor do Funk Indoor,conhecido na área de e-ventos como China, diz que não teve conhecimen-to de nenhum incidente dentro do baile. “Se hou-ve, foi do lado de fora.”

Polêmica

A morte de Souza traz uma antiga questão de vol-ta ao debate: bailes funk são violentos? A discus-são vem desde a década de1990, quando os bailes saíram das comunidades carentes do Rio de Janeiro e se espalharam pelo país. Muitos serviam de palco para episódios violentos,como o “corredor da mor-te”, em que o público se dividia em dois grupos, abrindo um corredor en-

tre eles. Quem caísse nesse espaço era alvo de socos e pontapés – pancadaria que muitas vezes resultava em morte. Ainda que esse tipo de prática não acon-teça atualmente, casos co-mo o de Souza reforçam a má reputação dos bailes.

Um dos vocalistas do grupo de funk Bonde Te-são, Cristiano Alves de Souza, mais conhecido co-mo Kruel, acha que os bai-les ainda são alvo de pre-conceitos. Ele faz apre-sentações há 15 anos ediz que já presenciou vio-lência nas festas, mas tam-bém viu casos de agres-são mais graves em outros eventos. “Todo lugar tem droga, todo lugar tem cer-veja”, argumenta.

O carioca João Paulo Silva Porto, de 21 anos, estudante de Agronomia da UnB, discorda. Ele fre-quentava bailes funk, mas deixou de ir por causa das confusões. “Até fiquei commedo em um que fui aquiem Brasília. Mal tinha che-gado e vi um cara sair en-sanguentado de tanto apa-nhar”, conta. No Rio deJaneiro, a Assembleia Le-gislativa revogou, no dia1º de setembro, a lei5.265/08, que restringiaa realização de bailesfunk, e aprovou a lei1.671/08, que reconheceo ritmo como movimen-to cultural e musical decaráter popular. •

7

Bloco C

Page 8: Segunda edição do Campus 2/2009

O sinal fecha e o espetáculo começa. As luzes deste ho-lofote são vermelhas. Ape-nas alguns segundos para encantar o público, que do volante encara desconfiado. Na falta de picadeiro, o palco são as ruas de Brasília. Em vez de aplausos, os artistas buscam mo-edas. “Nosso sonho é fazer de cada semáforo um circo e cada sinal ficar todo enfeitado”, diz Rondineli da Sil-va, 21. Artista de rua há seis anos, ele não precisou passar pelos malabares comuns. Destemido, já começou com o de fogo. “Só não pode fazer xixi na cama”, diz, rindo de si mesmo. Porém, riso de verdade, ele mostra quando fala da nota de R$ 100 que ganhou: “O cara olhou pra mim e disse ‘você é bom, deve-ria estar no circo’”. A alegria é compartilhada com seu colega de profissão e vizinho de semáfo-ro Richard Barros, 22, começa com um rap: “Me apresento, sou malabarista” e, com bom humor, aborda os veículos. Se o carro for um Celta ele diz: “Celta bonito hoje”. Se for uma Hilux, “e Deus disse: Hilux”. O seu carro próprio é um Opala “muito doido”, que o fez sair do curso de Publicidade para pagar o con-serto. Para ele, a melhor faculdade são os malabares, “com os quais você aprende sempre mais e mais”. Desde que come-çou nessa vida, Richard tem tido muita sorte. Tanta que outro dia viu uma es-trela cadente e não fez nenhum pedido, apenas pensou “não preciso”.

Essa forma de encarar a

vida é a mesma de Anderson

“Ligeirinho”, menino pródigo,

mas com a “idade do Senhor”.

É compositor, malabarista, acro-

bata, mágico, integrante de ONG,

mas gosta mesmo é de cantar. Faz

malabares há 18 anos e vive com

o dinheiro contado. Alguns dias

faz apenas uma refeição. Apesar

de toda a dificuldade, a arte é o que

lhe traz esperança. “Já fui baleado,

esfaqueado, apedrejado, atropelado.

Mas eu amo a vida.” Sua única recla-

mação é a falta de apoio dos motoris-

tas: “As pessoas têm poder, mas não

têm sensibilidade. Ajudam drogados,

vagabundos, bandidos, mas ninguém

ajuda o artista”.

O palhaço maranhense Frank “no

Pedal”, 44, encontrou uma forma

de conquistar mais platéia. Todos

os dias ele passa por Taguatinga,

Brazlândia, Samambaia, Can-

dangolândia, Guará, Ceilândia e

Plano Piloto. Artista de rua é nô-

made, não tem porto nem pa-

radeiro. Quando saiu do Ma-

ranhão, ele deixou um circo

para trás. Ou foi deixado por

ele. “O problema é que artis-

tas de circo vêm e vão. Eles

vão cansando e mudando

de vida. Para o show con-

tinuar, eu tive que assumir

os lugares que vagavam.

Virei palhaço, trapezista

voador, capataz, dire-

tor artístico”. Um dia,

olhou pro lado e viu

que só estava com

mais duas pessoas. “Per-cebi que não precisava mais do circo, eu tinha virado o circo.”Já Cláudio Rodrigues,

32, quer conquistar a fama com seu talento para o dia-bolô (ioiô chinês feito de duas conchas de plástico, duas varetas e uma cordinha). “O sinal é meu cartão de visi-ta.” Abriu show do João Bosco, exibiu sua arte na mesma festa que Ivete Sangalo. Agora sonha em escrever um livro com tudo que ouviu no sinal. Segundo ele, o segredo do sucesso é estar sempre sorrindo. “Tem que superar tudo, você é artista.” “Bom dia!” É também com bom

humor que Leandro Guimarães, 28,

recepciona os motoristas que passam

pela 506 Sul. “Prefiro trabalhar de

manhã. Bom dia soa melhor que boa

noite.” A cabeça voa mais alto que os

malabares durante a apresentação de

FlowerStick (bastões com tiras de bor-

racha nas extremidades). Sonha em

abrir sua própria empresa. Já foi aten-

dente de locadora, hoje quer cursar Ad-

ministração. Tem um tino para os ne-

gócios. “Gosto de ficar no sinal porque

não tem chefe”. Paulo Cesar, 43, também não esco-

lheu a profissão. “A necessidade faz a

ocasião. Eu até procurei um emprego

melhor, mas nenhum conseguiu superar

o que eu ganho. No sinal dá pra tirar em

média R$ 4 mil. Sustento a patroa e a

minha princesa.” Apesar de viver da arte,

e não para ela, Paulo acredita que os pa-

lhaços merecem ser mais valorizados

pelo governo. Segundo ele, a Sala Funar-

te tem a obriga-

ção de ajudar os

artistas da cidade,

mas ninguém toma

atitude. “Por isso que Brasí-

lia não tem circo. É uma cidade que não

sabe o que é sorrir.”

O peruano Atawallpa Coelho, 30,

veio de longe para trazer o circo para

Brasília. E teve sorte. Recebeu patro-

cínio para participar de diversos festi-

vais, pelo Brasil e pelo mundo. Apesar

das oportunidades, ainda afirma que a

“rua é a melhor escola, porque o pú-

blico está direto com o artista. É uma

troca”. Dessa interação surgiu o nome

do Grupo Rebote, no qual trabalha com

sua mulher, Érika Mesquita. Os dois es-

tão juntos há dez anos. Sua filha Iacy, 8,

começou a praticar artes circenses aos

três anos, antes mesmo de aprender a

ler. Quando criança, Atawallpa não ti-

nha a mesma certeza da menina. Queria

ser aviador, mas buscou “outra forma

de voar”. Virou trapezista.

Sinal verde. É o fim do show. E nesse

circo da vida, nem sempre o respeitável

público concede os aplausos. Não só as

portas se fecham, como também as ja-

nelas. Para o artista continuar, é preciso

que os outros parem. •

Picadeiro a céu aberto

HEITOR ALBERNAZLAÍS MIRANDAMARCELLA CUNHA

Ensaio fotográfico: Marcela Ulhoa

Ilustração: Paulo Leonardo

O magnífico Rondineli da Silva

O espetacular Leandro Guimarães

O incrível Richard Barros

Os sensacionais Atawallpa e Érika

8

ContraCapa