Seleção Revisada dos Escritos por Recanto das...

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Seleção Revisada dos Melhores Contos de Terror

Escritos por Julio Cezar Dosan Publicados no site

Recanto das Letras em 2010icados no Recanto das Letras Por Julio

Cezar Dosan

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7CONTOS

DEHORRORvolume 2

Por: Julio Cezar Dosan

20112ª Edição

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Prefacio e o Resto!!!

Olá, Amigos Leitores! Nesta Segunda Edição de “7 Contos do Horror”, Decidi Publicar Contos Mais Curtos, Como “Vitimas de Um Estupro”, “Dia das Bruxas”, “A Menina Morta”, “Finados: Despertar dos Mortos” e “Faz de conta que o medo não existe”. O Negocio é Que Contos Instantâneos Como Estes, da Um Seguimento Mais Ágil a Historia, Claro Que Um Conto Longo da Maior Riqueza de Detalhes, Mas os Contos Curtos Tem Também Suas Particularidades, Particularidades Estas que Vocês Leram Aqui!

“A Fúria do Lobisomem” e “Roendo os Ossos” Também se Fazem Presentes Nesta Edição. Boa leitura e, Sempre em Frente.

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Í n d i c e

01Vitimas de Um Estupro

02Dia das Bruxas

03A Menina Morta

04Finados: Despertar dos Mortos

05A Fúria do Lobisomem

06Roendo os Ossos

07Faz de conta que o medo não existe

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1Vitimas de Um Estupro

Esta historia é baseada em fatos reais, que ocorreram entre os anos de 1994 e 1995.

Embalada na ânsia de beber e na desavença particular com a família, Vitoria se tornara uma “desandada”. Alcoólatra, amante da beleza e da miséria, vivia seus dias de gole em gole, coisa feia é uma mulher beber feito homem! Certa vez, não se deu conta do tempo e se viu na madrugada, a porta de um boteco pronto para se fechar. Olhou ao relógio e já passavam das três da manhã! Nunca abusara tanto do álcool e do tempo, mas aquele dia em especial, se tornou refém do próprio medo e da falta de sobriedade, que lhe fez falta quando vagava por uma rua escura rumo a sua casa. Sentiu um estranho passar de carro por ela e retornar, a viu entre tropeços e embaraços e sentiu que seria fácil tirar alguma vantagem. Parou o carro branco, desceu e perseguiu Vitoria. Vitoria tentou correr, mas estava tão bêbada que caiu em devaneio. O estranho se aproximou dela e lhe arrastou para dentro do carro branco, Vitoria

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entregue pelo álcool e pelo medo, não pode se defender, muito menos gritar por socorro. O estranho dirigiu até uma estrada rural, parou em uma carreira de eucaliptos e desceu do carro, olhava eufórico para todos os lados da desertificação para ver se vinha alguem. Em seguida, abriu a porta de trás do carro e arrastou Vitoria, que já estava vomitando dentro do veiculo. O estranho a puxou pelas pernas e arrancou suas calças, cometeu o estupro sem pudor, na madrugada enquanto o vento frio da noite vagava pela imensidão distante de qualquer olhar testemunhal. Depois de satisfeito, ele a arrancou do veiculo e a jogou no chão de terra seca, ela, desmaiada ficou por lá mesmo, sem mecanismo algum de defesa. O estranho montou no carro branco e sumiu, a deixando a própria sorte na estrada rural. Algumas horas depois, com o dia amanhecendo, Vitoria acordou, sentiu a ardência do ato absurdo lhe doer o corpo frio. Viu suas calças arriadas e chorou, se sentindo humilhada. Arranco a calcinha e se limpou com ela chorando. Levantou as calças e caminhou pela estrada de cascalho, uns cinco quilômetros até achar um ônibus. Vitoria não conseguia esquecer daquele dia insano. Os fleches do estupro covarde lhe vinha a cabeça e ela se atormentava. Pensou em ir a delegacia prestar queixa, mais certamente de nada adiantaria, pois estava sem a razão, bêbada nas ruas sujas da cidade, a merce de qualquer aproveitador ou maniaco. Claro que com a experiencia desalmada parou de beber, e tentou conviver normalmente com os filhos, esquecendo daquela madrugada e suas conseqüências desastrosas, mas não conseguia. Sentia um medo absurdo de vagar pelas ruas quando a noite caia. Temia aquela situação desagradável que jamais abandonou sua mente, e em um dia qualquer, ela leu em um mural a seguinte frase: “O medo é a pior das

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situações.” Pensou então no medo e de uma maneira de vence-lo, ela se concentrou muito nisto, ela tinha que fazer valer a justiça, tinha que achar um jeito de se vingar, mesmo que este jeito fosse tão sujo quanto o ato a qual foi submetida. Comprou uma arma de um ex-policial aposentado e se protegeu com ela enquanto começava a vagar pelas noites frias, no mesmo local a qual foi raptada pelo estranho. Meses depois a cena se repetiu, um carro branco passou por ela e para sua surpresa era o mesmo. Seu coração disparou, ela abriu a bolsa e jogou no rosto a cachaça que a tempos carregava consigo, simulando novo estado de embriagues. O homem deu ré no veiculo e se voltou a ela, Vitoria, simulando passos descompassados, ameaçava cair no chão, até ser novamente abordada pelo insano. O infeliz lhe sorriu, deu-lhe um tapa no rosto e arrastou novamente ao banco traseiro do veiculo, sorrindo satisfeito, se relembrando da ultima e bem sucedida vez. Sim, parecia até mesmo a mesma cena, só que na intenção dela, esta seria bem diferente. Quando o carro parou na carreira de eucaliptos, Vitoria segurou a arma, o desgraçado abriu a porta, já arriando as calças, Vitoria lhe sorriu, com os braços esticados segurando a arma, deu-lhe um tiro certeiro no ombro, o sujeito caiu descompassado no chão. Com o cano da arma, Vitoria bateu violentamente em sua cabeça e ele desmaiou. Acordou amordaçado, sentindo ser penetrado por um pedaço de pau. Abriu os olhos e se viu de calças arriadas, tossiu sangue e implorou para que Vitoria parasse com aquela insanidade. Vitoria não parou, e quando sentiu que já o havia humilhado suficientemente, lhe deu outros três tiros. Vitória o arrastou para dentro do carro e ateou fogo no mesmo, o vendo queimar insanamente. Em seguida, caminhou feliz da vida pela longa estrada de cascalho, até encontrar o ônibus cinco quilômetros a frente.

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2Dia das Bruxas

Marieta era considerada uma bruxa, uma maga de magias e poções. Certa vez se sentiu sozinha. Sozinha nem tanto, pois tina como companhia um magrelo gato preto. Todos na cidade fingiam que ela não existia, e em meio ao medo de nunca ser visitada e ao ódio de todos aqueles que a ignoravam, decidiu montar um plano diabólico para ser visitada e se vingar ao mesmo tempo. Na noite véspera do dia das bruxas, dois garotos bateram em sua porta, dizendo: -Doces ou travessuras? Não foram atendidos, e estranharam. Decidiram então praticar sua travessura: Estava Marieta sentada na sala com seu gato preto, quando os meninos lhe deram um baita susto. Marieta fingiu a própria morte, iniciando o planejado.

No dia seguinte, dia das bruxas, a cidade curiosa acompanhava o funeral de Marieta, feito em seu grande quintal. Todos foram visita-la, pois era muita conhecidéncia uma bruxa morrer em seu dia. O gato preto estava deitado em seu colo, em cima do

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caixão, quando Marieta se levantou, cheia de ódio matando com as próprias mãos todos os que ela via pela frente. Demorou para ela ser dominada e parar sua carnificina, e quando foi, os habitantes a levaram em praça publica e atearam fogo em seu corpo, em meio as chamas ela prometeu voltar e se vingar.

Dali em diante, em todos os dias da bruxa ela voltava a cidade e iniciava uma nova carnificina, as pessoas não tinham controle nenhum sobre isto, até se lembrarem do gato. Descobriram que o gato a trazia do mundo dos mortos, uma vez por ano, para ela cumprir a vingança prometida. Decidiram então matar o gato, mas no ano seguinte, constataram que ele ainda estava vivo, trazendo com ele a bruxa e sua sede de vingança. Um outro bruxo que vivia na capital, disse que tinham que matar o gato sete vezes, e na ultima, ele esqueceria o caminho dos mortos, deixando Marieta por lá mesmo. E o fizeram, o gato morreu outras seis vezes e a cidade mesmo livre, jamais se esqueceu da maldição da bruxa solitária.

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3A Menina Morta

Bela era linda, porem estava morta. Foi um acidente tão trágico e irreal, algo que não se acontece todo os dias: Caiu de uma arvore, a menos de quatro metros do chão, seu coração parou no susto! Mas ela não parecia estar morta, parecia que dormia, que repousava em um pesadelo, um sonho ruim que certamente lhe acordariam mais tarde... O pai estava inconformado, se sentindo culpado pelo ocorrido. Contaram um segredo a ele no funeral, um segredo tolo e amargo, Bela subiu na arvore para pegar uma pipa vermelha que seu priminho, o Carlinhos, havia perdido no ar. O pai se distanciou do funeral e foi a tal arvore que ele bem conhecia. Subiu nela para confirmar o boato, e la encontrou a pipa vermelha, e também o galho que a menina escorregou e caiu, a apenas quatro metros do chão. Ele arrancou a pipa de lá e desceu com ela, voltando ao funeral: — Minha Pipa! Disse Carlinhos. Ele entregou ao menino e foi ao caixão

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admirar a menina morta: — Filha... Se o tempo pudesse voltar...

Bela foi sepultada debaixo de um grande coqueiral, em um cemitério que mais parecia um jardim. Todas as tardes la ia seu pai visita-la, levando as flores que ela tanto amava. Certa vez, chegando ao cemitério, o pai se deparou com algo inusitado: Uma pipa vermelha estava enroscada na ponta do coqueiro que fazia sombra ao tumulo de sua filha. Ele pediu uma escada para os zeladores do cemitério, foi atendido e subiu no coqueiral para pegar a pipa. Antes de chegar ao topo, se descuidou e caiu lá de cima, a mais de oito metros de altura! Abriu os olhos e achou estar morto, olhou para cima e viu a pipa se desenroscar das grandes folhas e cair suavemente em suas mãos. Ele estava maravilhado, e fez força para não chorar. Deixou a pipa aos pés do tumulo e foi embora pra casa.

Lá chegando, encontrou a porta aberta e o cheiro de café sendo preparado. Estranhou, pois agora morava sozinho. Foi desesperado a cozinha e a viu lá, preparando o café: — Papai, aonde esteve? — Bela? Ele em contentamento estremo correu em direção a filha e a abraçou com toda a ternura do mundo, parou pra pensar e decidiu correr até a arvore aonde bela havia caído! A arvore não estava mais lá. Bela chegou, alisou seu ombro e o consolou: — Sinto muito, papai... Depois que eu cai da arvore a prefeitura mandou corta-la, sei que foi o senhor que a plantou no dia em que nasci, mas eles acharam muito perigoso... Sabe como é, tem muitas crianças por aqui, mesmo a arvore sendo de porte pequeno alguem poderia

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cair e até se machucar... Ele se voltou a filha, a abraçou e chorando disse: — Eu entendo, meu amor... Juro que eu entendo! Naquele mesmo dia ele voltou ao cemitério, e foi para o pé de coqueiro. Olhou a pipa aos pés de um tumulo de longe, quando se voltou para ver de quem era, se espantou mais ainda. Era o tumulo de Carlinhos.

“Sou eu mesmo e serei eu mesmo então / E eu queria / Que o tempo pudesse voltar desta vez”Comedia Romântica, Legião Urbana

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4Finados:

Despertar dos Mortos “Um dia os mortos vão despertar... Um dia os mortos vão despertar...”Despertar Dos Mortos, Aborto Elétrico

“Sob o arco de tabuas manchadas do tempo / Antigos duendes e guerreirosSaem da terra sem fazer nenhum som / O cheiro da morte esta em voltaE pela noite enquanto o frio vento sopra / Ninguém se importa ninguém sabeNão quero viver minha vida outra vez”Pet Sematary, Ramones

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A pequena cidade era prospera e vivia limpa, mas a cada geração que se passava, os homens iam perdendo seus mais sagrados costumes. As religiões chegaram a serem ignoradas e em virtude do progresso os homens assim como as mulheres trabalhavam, e por sua vez, seus filhos passavam todo o dia na escola, para se formarem e serem novas maquinas de ganhar dinheiro. Um dos costumes que o homem perdeu, foi o de cultuar seus mortos. Freqüentavam o cemitério apenas para enterrar seus entes queridos, depois das lagrimas, os mesmos lá eram esquecidos. Sim, a evolução fez com que o homem esquecesse até mesmo o próprio Deus. Ficaram neutros de sentimentos, com as mãos limpas, porem como robôs, que dormiam, acordavam, trabalhavam, dormiam e começavam tudo de novo.

Era finados, o cemitério assim como a cidade estavam vazios, as pessoas haviam aproveitado e emendado com o fim de semana para viajarem, depois de uma jornada anual de trabalho. A tarde, na boca da noite que ameaçava ser escura e longa, em meio ao vazio do cemitério, a terra começou a tremer levemente. O cheiro de podridão tomou o ar limpo, e as covas começaram a se abrir. As mãos, umas magras, outras descarnadas e podres, começaram a se erguer, em busca de apoio para saírem. Logo os primeiros corpos se levantaram, e caminharam entre tropeços e dificuldades rumo ao portão principal. Os mortos estavam de pé, decidiram que se os vivos não fossem cultua-los, iriam eles a seu encontro, derrubaram o portão e se espalharam pela cidade vazia, sem encontrar ninguém.

Cada morto sozinho ou em grupo, tomou uma casa, a maioria deles, tomaram as casas que eram de sua

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propriedade em vida. Três dias depois, ao entardecer, os habitantes da cidade voltaram, felizes e cansados da longa viagem. Já ao entrar na cidade, perceberam o forte cheiro da morte, se surpreenderam quando viram seus entes queridos, tomando conta de seu lares. Sem forças para lutar, foram dominados pelos mortos, que os levaram até o cemitério e os enterraram em suas covas. Os vivos, agora sepultados , em nada pensaram, alem de se lamentarem e torcerem para os mortos lhes cultuarem no próximo finados.

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5A Fúria do Lobisomem

Venâncio chegou sorridente a fazenda do futuro sogro, este lhe recebeu muito bem, com uma dose de cachaça e um cachimbo pra se pitar na varanda. O sogro, Coronel Juvêncio, deu uma talagada na cachaça e uma pitada no cachimbo, olhou firme pro futuro genro e foi logo dizendo: — Sabe que faço muito gosto que minha filha se case com você, não sabe? — Que isso, seu Juvêncio? Eu fico é muito honrado de entrar pra uma família tão respeitada como a do senhor! Coronel Juvêncio deu mais uma talagada na cachaça e continuou: — Sei que é um homem honrado, estudado, um jovem advogado muito dos bons e muito conhecido na capital. Mas cá entre nós, Venâncio, eu só não sei de uma coisa. Venâncio se assustou, antes de engolir a cachaça perguntou:

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— E o que o senhor não sabe, seu coronel? — Se tu é macho mesmo! Venâncio engoliu seco a cachaça, quase se engasgou com a duvida do velho coronel: — Mas macho como, senhor Juvêncio? Do tipo que enfrenta briga ou do tipo que come tripa de boi com molho de pimenta dedo-de-moça? — Macho do tipo que se enfrenta um lobisomem na unha. Venâncio riu desajeitado, mas quando viu que o sogro falava serio, parou de rir, o sogro continuou: — Maria Rita é minha terceira filha, sabe. As outras se casarão todas... Primeiro foi a Florença, que se casou com o tal professor de piano, cabra frouxo que só! Ai meses depois foi a vez da mais velha, que se casou com o tal do engenheiro agrônomo, que mal teve coragem pra vir me enfrentar... Agora é a Maria Rita, que mês que vem casa com você, mais quer saber? Só pra variar, desta vez eu queria que ao menos uma filha minha se casasse com um homem de verdade! O genro ficou desconcertado. Pegou o copo de cachaça e matou de uma só fez, olhou para o futuro sogro, que lhe contou uma historia: — Sabe, a quem diga que naquela mata ali vive um lobisomem. Eu, mesmo perdi alguns carneiros e até algumas peças de novilha nas notes de lua cheia. Mas não acredito muito nisso não. O fato é que depois que dois caçadores noturnos foram mortos lá, a mais de 15 anos, disseram pra essas bandas que foi o tal do lobisomem, e o pessoal que foi la de dia buscar os corpos disseram que viram os rastros da fera... Desde então ninguém vai lá a noite. Sabe que tenho aqui na fazenda dois peões, cabras machos mesmo! Nenhum dos dois nunca teve coragem de ir a noite lá, saber se existe ou não a fera! Mas depois que eu falei que ia mandaria meu futuro genro pra lá, eles ficaram muito interessados em te acompanhar...

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De lá da varanda se via a mata, e na calmaria da luz do dia, a idéia não parecia muito pesada. O genro então, sorriu ao sogro e aceitou a proposta, se era esse o modo dele mostrar que era cabra macho, assim faria, com honras e glorias! Foi apresentado aos dois empregados da fazenda, Maurício e Otaviano. Maurício era um sujeito abrutalhado, que vivia com um paieiro entre os dentes, barba por fazer e cara de quem é macho mesmo. Otaviano não era diferente, mesmo magro e já meio calvo anda conservava sua cara de desconfiado e uma faca grande na cintura, presente do seu pai, que sempre dizia que já havia matado um lobisomem com ela. O Coronel foi dando as instruções: — Vocês vão pra lá amanhã a noite, que é lua cheia. O Maurício não sabe atirar, muito menos você, Venâncio, e arma na mão de quem não sabe dominar é dar espaço merda. Otaviano é um excelente caçador, tal qual seu finado pai. Vai levar a arma e a faca dele! E na noite de lua cheia foram os três, dependendo da mira de Otaviano. Venâncio disfarçava seu medo com um gole de cachaça, quase pronto pra topar com a fera e derruba-la a unha. Na entrada da mata já ouviram um barulho estranho. Pararam, se olharam e seguiram adiante, com as pernas bambas. Maurício os tranqüilizou: — Vai ver é uma capivara... Na pior das hipóteses é uma onça faminta! Claro que todos estavam torcendo para ser mesmo uma onça, pois enfrentar o conhecido é mais seguro que o desconhecido. De repente, Otaviano bateu os olhos numa moita alta: — Estão vendo ali? Acho que é de onde vem o barulho! Os dois nada viram, Otaviano cheirou o ar como um cão, e denunciou: — É capivara mesmo, Maurício! Só pode ser!

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Venâncio estranhou a percepção de Otaviano, e cabreiro que era, tratou de ficar esperto. Otaviano mirou na moita e disparou um tiro certeiro, ouvindo o uivo agonizante de uma capivara. Os três correram, em direção a o alvo e o virão morto, olharam para Otaviano que começou a contar: — Meu pai caçava por estas bandas, mas um dia foi convidado a caçar um tal de lobisomem que vivia nos arredores de Cariri. Ele foi, armado apenas dessa faca, e para o espanto do pessoal, ele matou a fera, com ela! Otaviano então dilacerou o bicho morto com a faca, sorriu, continuou a contar: — Mas meu pai não voltou o mesmo não. Ele acordava no meio da noite e vinha pra esta mata, só voltava no dia seguinte, todo sujo de sangue de bichos e talvez até de gente. Uma feiticeira disse pra ele que depois que ele matou o lobisomem, ele herdou a sua maldição. Os dois morrendo de medo do depoimento de Otaviano, se agacharam pra ouvir o resto da historia: — Pois bem, certa noite minha mãe ficou cansada das andanças secretas de meu pai, e quando ele foi se deitar ela trancou toda a casa e fomos dormir. Eu tinha 12 anos na época que aconteceu... Meu pai acordou todo suado no meio da noite, tentou abrir a porta e não conseguiu, estava tão desesperado que nos acordou, e então, fomos a sala e o vimos... Vimos ele virar um maldito lobisomem... Venâncio olhou para Maurício que não mais conseguia disfarçar o medo, e Otaviano continuava: — O velho ficou fora de si, ele saia pra tentar proteger a família, mais agora que estava acoado, decidiu nos atacar... Atacou primeiro minha mãe, lhe arrancando o intestino a violentas dentadas. Eu corri para o quarto deles e peguei esta faca... Quando ele veio pra cima de mim, parou e me olhou com piedade, mas eu sabia que era impossível ele controlar a fera dentro dele, então fiz o

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que ele me pediu com os olhos... O acertei na jugular. Vi meu pai se livrar dos pelos e morrer como homem... Depois do ocorrido, fui pra fazenda do coronel e me formei homem lá, com esta faca e... Venâncio o olhou e completou: — ...Com a maldição! Otaviano confirmou com a cabeça. De repente a lua se esticou no céu, ele a olhou e se esticou, suando frio e desesperado... Maurício e Venâncio mal conseguiam se mexer, de tão chocados estavam! O lobisomem partiu ferozmente contra o amigo Maurício, lhe atacando o pescoço desprotegido. Venâncio em nada pensou, alem de pegar a faca e a arma que Otaviano havia abandonado. Disparou três vezes, errando todas. O lobisomem abandonou o corpo de Maurício e se dedicou ao novo alvo, Venâncio com a faca na mão estava contra a própria sorte, ou matava a fera e mostrava que realmente era macho ou morria pelas suas garras afiadas. E em um lançar do destino, em uma facada mal sucedida que já havia matado dois lobisomens, Venâncio perdeu pra fera, que lhe arrancou a cabeça, tamanha a raiva pelo portador da lamina. Otaviano ficou lá, roendo a carcaça da capivara morta e dos amigos, e pela manhã voltou a fazenda, contando ao coronel que Maurício se revelou o tal Lobisomem, tirando a vida do pobre Venâncio e quase arrancando a dele, que teve como única chance, a faca que carregava, matando assim a fera! O Coronel não sabia se ficava chateado ou indignado, decidiu então ficar surpreso, e recebeu Otaviano como verdadeiro cabra macho que era! Otaviano não ficou surpreso quando o Coronel Venâncio lhe ofereceu a mão da filha em casamento, só ficou surpreso quando ela realmente aceitou, satisfazendo a vontade do pai.

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6Roendo os Ossos

Estavam os três alpinistas subindo uma gélida montanha ao sul. Rogério era o mais novo, responsável por levar e cuidar dos equipamentos dos dois mais profissionais. Antes da subida Maicon questionou o companheiro Eduardo por contratar alguem tão inexperiente quanto Rogério. Eduardo explicava: — Qualé, cara! Ele é filho do grande Luzimar! O cara que escalou o Everest em 86 e 92! — É, e morreu em 98, escalando uma montanha tropical. — Ele só vacilou. Pô, vamos dar uma chance pro garoto... — Vai dar merda. Tenho certeza que isso vai dar merda! Mesmo conta a vontade de Maicon, subiram os três a montanha. Após vaias horas de escalada, decidiram montar acampamento a beira de a caverna, que ficava na montanha. Rogério chegou no Eduardo e lamentou:

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— Ei, ele não gosta mesmo de mim,não é? — Ele é meio fechadão mesmo... Nos conhecemos a doze anos e ele ainda nem me considera como seu amigo! — Olha só, acho que ele vai ficar impressionado com isto! Rogério então começou a escalar um pedaço da montanha com os próprios punhos. Maicon o olhou de rabo de zóio e falou: — Se quer fazer macaquices tira nossas coisas das costas, se você cair com esta mochila a gente não vai conseguir mais nem subir e nem descer. Rogério desceu e se voltou a Maicon, perguntando: — Não confia mesmo em mim, não é? — Não. Você alem de ser inexperiente não age com cautela, pode por tudo a perder. Não passa de um moleque que gosta de chamar atenção! Rogério irritado pegou todos os equipamentos e foi a beira do precipício: — Então ta explicado. É com tudo isto que você se importa!? Maicon olhou para Eduardo, que se sentiu culpado, decidindo enfim confrontar o rapaz: — Tudo bem, agora chega! Se quer conquistar o respeito dele te garanto que não é assim que vai ser! Se você cair com essas merdas a gente fica preso aqui! Não poderemos subir e nem descer! Então para com esta putaria e trás esses equipamentos logo pra cá! — Sem essas tralhas aqui vocês não passam de dois garotinhos, não é? Os dois o olharam com raiva. Ele sorrindo deu um paço pra traz. De repente, sentiu a perna se desequilibra, e no susto perdeu o equilíbrio do corpo, deixando cair boa parte dos equipamentos, o que Maicon mais temia. Rogério tenta recuperar o que perdeu em desespero e acaba escorregando junto com tudo. Maicon é rápido e

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consegue segura-lo pela mochila: — Pelo amor de Deus, cara! Não me deixa cair!!! Maicon volta os olhos para Eduardo, que sente que o amigo vai tomar uma decisão errada. Maicon corta a alça da mochila, deixando Rogério despencar do alto da montanha. Eduardo o reprova com os olhos, Maicon puxa a mochila e pergunta: — O que que é? Esse moleque derrubou tudo lá em baixo, fazendo este joguinho idiota de respeito! — Mas não precisava ter deixado ele cair, Maicon! — Se eu fosse você se preocupava contigo mesmo, pois ninguém sabe que estamos aqui e estamos sem equipamentos! Teremos que torcer para alpinistas amadores como nós subirem aqui e nos ajudar! E eu avisei que trazer esse pirralho ia dar merda! Eu avisei! Eduardo preferiu não discutir, pois de nada adiantaria. Olhou a sua volta, procurando uma saída. Maicon abriu a mochila, nela tinha algumas barras de cereais e uma machadinha que eles usavam para quebrar galhos: — Temos sorte de ter parado nessa caverna... Passaremos pouco frio, nosso maior problema será comida! Tem apenas quatro barras de cereais nessa merda!

Os dias se passaram e eles sem esperanças de serem encontrados. Maicon devorava o ultimo pedaço de sua barra de cereais. Cada um estava sentado de um lado da cabana, se encarando sem nada dizer. Até que Eduardo desabafou: — A culpa é sua. Você escolheu! — Escolhi o que cara? — O lado da montana! Você escolheu o lado que ninguém escala! Nunca seremos encontrados, aqui morreremos de fome! Maicon pensou um pouquinho e respondeu: — Sim, escolhi e você aceitou. Nós dois concordamos

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que o desafio seria maior! Eduardo bem devagar fechou a machadinha na mão. Maicon percebeu, no entanto permaneceu em silencio, esperando a surpresa do amigo, primeiro a acusação depois o ataque. De subto Eduardo voou contra o Maicon, que se defendeu, arrancou a machadinha de sua mão e o dominou em seu colo. Pensou por três segundos, respirou fundo e deu-lhe um golpe na cabeça. Eduardo gritou, Maicon desesperado o golpeou outras quatro vezes, sentindo o sangue quente jorrar em sua face fria. Deixou o corpo de lado e foi pra fora respirar e superar o que fez: — Eu disse que ia dar merda, Eduardo... Ai, viu... Deu merda! Maicon ficou no frio a tarde inteira, até conseguir ter forças e se voltar ao amigo. Quando voltou, pegou a mesma machadinha que o matou e arrancou um pedaço de seu braço. Maicon fechou os olhos, respirou fundo e mordeu. Começou então a vomitar, abandonando o pedaço do braço de Eduardo. Maicon então o pegou de novo, fechou os olhos e o mordeu, desta vez conseguindo devora-lo. Os meses passaram e ninguém veio lhe buscar. Maicon olhou para o amigo, que estava só em osso, já que havia devorado toda sua carne. Ele pegou um do ossos do amigo e o roeu, na tentativa de se alimentar, sem sucesso. Maicon passava os dias roendo os ossos de Eduardo, mas a única coisa que conseguia, era fazer os próprios dentes sangrarem. Dias depois, vendo que não tinha mais jeito, que jamais seria encontrado, Maicon juntou o pouco de forças que tinha e caminhou até a beira do precipício. Levantou a cabeça, abriu os olhos e disse: — Me perdoe, meu Senhor... Em seguida, pulou lá de cima, se espatifando no frio chão gelado há mais de 400 metros de onde estava.

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7Faz de ContaQue o MedoNão Existe

Felipe e Pablo olharam calados do alto do terceiro andar ele entrar com o carro na garagem. Ele olhou desconfiado para os lados, abriu o porta malas e arrancou o corpo embalado que estava la dentro. O arrastou para dentro de sua casa e acendeu o abajur. Felipe assustado fechou a janela, encarou o irmão admirado e disse: — Precisamos contar para alguem! Pablo acendeu a luz e perguntou: — E quem é que vai acreditar na gente? Felipe não conseguia esconder o medo. Abriu a gaveta, arrancou a velha maquina fotográfica e disse: — Precisamos tirar fotos! — Tenho medo... — Mas temos que ir.. Vamos... Faz de conta que o medo

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não existe! Pablo colocou os óculos, que foi coberto por seus cabelos negros, respirou fundo e acenou com a cabeça, concordando com a idéia absurda do irmão.

Desceram as escadas do prédio, se esconderam por entre os carros, atravessaram a rua até chegar a calçada: — Ainda ta em tempo de desistir, Pablo,... Desiste? — Não... Temos que ver o que ele faz! Temos que tirar fotos para acreditarem na gente. Felipe na verdade estava com muito mais medo que o irmão mais novo, mais queria ir até o fim... Entraram no quintal sujo, os cães mal latiram, mas o vizinho percebeu a pequena euforia dos bichos. Saiu pra fora, estava de luvas, banhadas em sangue. Viu que não tinha ninguém e voltou pra dentro. Pablo se esticou na janela da sala, Felipe também. Então o viram, concluir o serviço: A vitima estava deitada no chão, ele ria enquanto terminava o corte que começara na barriga, era uma mulher, e estava desacordada, dava leves esticadas na perna quando a lamina corria, ele viu que ela não acordava com a dimensão do corte e bateu violentamente em seu rosto. Ela acordou, era loira, de longos cabelos e os olhos verdes cheios de medo. Ela estava amordaçada, com as mãos e os pés amarrados. Ele continuou o corte que começou, ela desesperada gritava em silencio, amordaçada... Felipe arrancou a velha maquina fotográfica, focou e clicou. Um fleche entrou dentro da casa, atrapalhando o serviço do psicopata. Ele sorriu e se voltou a janela, os meninos correram para o fundo do quintal. Ele percebendo a ação, correu e trancou o enorme portão. Soltou os cachorros eufóricos, e eles correram para o fundo da casa. Os meninos, indefesos, foram pegos e amordaçados pelo vizinho, que sorria esplendoroso pela visita:

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— Vocês querem me ver trabalhar? Então me vejam, olhem com atenção, pois depois que eu terminar de brincar com ela, vou brincar com vocês!

Pablo desesperado ameaçou chorar. Felipe incrivelmente mais calmo, tentou consolar o irmão: — Ei, Pablo... Calma... Não chore, senão ele vai gostar... — Mas eu estou com medo, Felipe... — Lembra o que eu te falei antes de vir pra cá? Pablo soluçando e engolindo o choro, balançou a cabeça e falou: — Faz de conta que o medo não existe? — Sim, irmão... Faz de conta que o medo não existe...

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LEIA TAMBEM

7 CONTOS DE HORROR, VOLUME I

01- O ULTIMO GRITO02- O HOMEM QUE NÃO QUERIA FICAR MORTO03- DEVORADORES DE ALMA04- MEDO DO ESCURO05- O COVEIRO06- A ALMA QUE O DIABO VEIO BUSCAR07- A MORTE JOGA XADRÊS

*Todos estes e outros contos estão disponíveis no Recanto das letras, nos textos do autor. No entanto, os textos aqui publicados, são revisados, alguns com conteúdos diversificados e até mesmo alterações de finais.

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